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SÉRIE DE ESTUDOS:

A Condição Humana após a Morte

Dentre alguns textos que, ao longo dos séculos, têm gerado um falso suporte para
embasar e entendimento de que almas passeiam livres e atuantes após a morte,
precisamos citar o texto de Lucas 16:19-31(o rico e Lázaro), que talvez seja o mais
importante deles todos. A partir do aprofundamento e entendimento correto dessa
passagem, da sua finalidade e significado, veremos que a Escritura é clara e não se
contradiz nunca!

Talvez a chave para a formação do equívoco em torno do texto de Lucas 16:19-31, que
analisaremos a seguir, resida no fato de que parte dos estudiosos sobre o assunto crêem
tratar-se de um fato real narrado pelo Messias e não, uma parábola. Mas, o que Jesus
narra sobre o rico e Lázaro é uma parábola ou um fato real? É o que veremos a seguir.

O que é uma parábola?

Nos Evangelhos, uma parábola é uma narrativa sempre colocada ao lado de uma certa
verdade espiritual para fins de comparação. As parábolas do Mestre foram baseadas
geralmente sobre experiências comuns da vida familiar cotidiana de Seus ouvintes, e
freqüentemente sobre incidentes específicos que recentemente tinham ocorrido ou que
eles podiam estar vivendo, no momento. A narrativa em si era, geralmente simples e
resumida, e sua conclusão, normalmente, muito óbvia, de modo a não permitir dúvidas
e, colocada lado a lado de uma verdade espiritual, era designada para ilustrar. A
parábola, assim, tornava-se uma ferramenta pela qual os ouvintes podiam vir a
compreender e apreciar a verdade. Desse modo, o Messias encontrava as pessoas onde
elas estavam e, por uma agradável e familiar vereda, conduzia os seus pensamentos para
onde pretendia dirigir-lhes.

Ao longo de sua narrativa, a Bíblia nos revela alguns diálogos inusitados! Vejamos:

Em Juízes 9:8-15, encontramos árvores envolvidas em um processo eleitoral para a


escolha de um rei! Em II Reis 14:9, diálogo parecido ocorre entre um cardo e um cedro.
Claro que o rei Joás não estava delirando. Trata-se de mais uma ilustração para se
transmitir uma verdade!

Agora, veja os textos a seguir:

Gênesis 3:1-5 – “Ora, a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que
o SENHOR Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não
comereis de toda a árvore do jardim?”.

Números 22:28-30 – “Então o SENHOR abriu a boca da jumenta, a qual disse a


Balaão: Que te fiz eu, que me espancaste estas três vezes?”.

Apocalipse 8:13 – “E olhei, e ouvi um anjo voar pelo meio do céu, dizendo com grande
voz: Ai, ai, ai dos que habitam sobre a terra, por causa das outras vozes das trombetas
dos três anjos que hão de ainda tocar. Na versão revista e atualizada lemos o seguinte:
Então, vi e ouvi uma águia que, voando pelo meio do céu, dizia em grande voz..”..
Os casos acima são reais ou são fictícios? A águia do Apocalipse, na verdade, é um
anjo (confira outras traduções)! A jumenta falou quando o Criador abriu a sua boca para
alertar a Balaão. Também é lógico crer que o mesmo Deus que pode suscitar filhos a
Abraão a partir de pedras (Mateus 3:9), e que criou a jumenta também é poderoso para
fazê-la falar. E quanto à serpente? João nos explica que a serpente tão-somente foi
usada como canal. Quem falava, na realidade, era Satanás. Confira no texto: Apocalipse
20:2 – “Ele prendeu o dragão, a antiga serpente, que é o Diabo e Satanás, e amarrou-o
por mil anos”.

E quando os mortos falam? A bíblia diz que as almas e até o sangue dos mortos
clamam!

Gênesis 4:10 – E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama a mim
desde a terra.

Apocalipse 6:9-11 – “E, havendo aberto o quinto selo, vi debaixo do altar as almas
dos que foram mortos por amor da palavra de Deus e por amor do testemunho que
deram. E clamavam com grande voz, dizendo: Até quando, ó verdadeiro e santo
Dominador, não julgas e vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra? E
foram dadas a cada um compridas vestes brancas e foi-lhes dito que repousassem
ainda um pouco de tempo, até que também se completasse o número de seus conservos
e seus irmãos, que haviam de ser mortos como eles foram.” (Esse texto tem sido
também interpretado equivocadamente, do qual também trataremos mais adiante).

A diferença entre as duas situações é que o sangue de Abel clamava da terra e as almas
clamavam debaixo do altar. A semelhança é que em ambos os casos, uma voz é ouvida:
voz de quem já morreu! Como os mortos só podem falar em estórias de terror ou em
filmes de ficção, deduzimos que os casos citados acima tratam-se, tão somente de
PARÁBOLAS!

Pelo Dicionário Aurélio, o termo Parábola significa: “1- Narração alegórica, na qual um
conjunto de elementos evoca outra realidade de ordem superior. 2- História curta com
analogias para contar verdades espirituais. 3- Uma narrativa em que pessoas e fatos
correspondem a verdades morais e espirituais.”

A palavra inglesa “parábola” vem do grego parabolé, cujo equivalente hebraico é masal,
significando: “uma justaposição, uma comparação, uma ilustração, um provérbio”. Em
uma inflexão verbal, o termo significa “ordenar as coisas, uma ao lado da outra, ou seja,
por comparação”. Por estas definições concluímos que, em uma parábola, lança-se mão
de uma “ilustração alegórica” para exprimir uma verdade paralela, ou seja, um
significado fora da própria ilustração.

Por todas as informações citadas acima, podemos afirmar categoricamente que, o relato
do rico e Lázaro é uma parábola!

Um detalhe importante é que o Messias contou essa estória dentro de uma seqüência de
parábolas: a do filho pródigo, a do administrador infiel e, na sequência, a parábola do
rico e Lázaro. Por que este único relato não o seria, como afirmam alguns amados?
Com base nas melhores regras de interpretação de texto, podemos afirmar com
segurança que, se no mesmo bloco de assunto (perícope de Lucas 15:3 a 17:10) há uma
sequência ininterrupta de parábolas, fica evidente que a do rico e Lázaro também o é!

Em vista do fato fundamental de que uma parábola é dada para ilustrar a verdade, e
geralmente uma verdade particular, nenhuma doutrina pode ser baseada sobre detalhes
incidentais de uma parábola.

Esta parábola, em particular, é a mais comentada do evangelho de Lucas, devido ao fato


de gerar controvérsia e ser mal compreendida pela Igreja de Jesus. Muitos têm afirmado
que este relato de Cristo não é uma parábola, também pelo fato d’Ele não a ter
mencionado como tal. Esta declaração é improcedente, já que há outras parábolas
aceitas como parábolas, sem que Jesus as mencionasse como pertencendo a este gênero
literário. Porém, de acordo com o Manuscrito D, que é o Código de Beza, esta parte do
evangelho de Lucas trata-se de uma parábola.

Além disso, o fato do Mestre ter dado nomes aos personagens não indica que os
mesmos existiram e que o relato seja literal. “Sendo uma alegoria, os personagens não
podem ser reais, por isso cremos, que nem o rico nem lázaro existiram. Se a declaração
fosse real, nela haveriam idéias pagãs, conceitos de tradição talmúdica e metáforas
judaicas”. – Pedro Apolinário, Leia e Compreenda Melhor a Bíblia. Agosto de 1985. 2ª
Edição Ampliada, pág. 219.

Vejamos as opiniões de outros estudiosos acerca do texto bíblico de Lucas 16:19-


31:

Russell P. Shedd, em nota de rodapé, nos diz que esta parábola “não deve ser
interpretada como fonte de informação sobre a vida no além” – Bíblia Shedd, página
1461, nota de estudo de Lucas 16:20 – Edições Vida Nova e Sociedade Bíblica do
Brasil, São Paulo e Brasília/1997.

“Não há, na parábola, o propósito de dar informações acerca do mundo invisível. Nela
é mantida a idéia geral de que a glória e a miséria depois da morte são determinadas
pela conduta do homem antes da morte; mas os pormenores da história são extraídos
das crenças judaicas relacionadas com a situação de almas no Sheol, e devem ser
entendidas em conformidade com essas crenças. As condições dos corpos dos
personagens são atribuídas a almas a fim de nos permitir compreender o enredo da
narrativa.” – Rev. Alfred Plummer, Critical and Exegetical Commentary on the Gospel
According St. Luke – New York – Scribners – 1920, pág. 393.

“Não há evidência clara de que os judeus, nos dias de Jesus, cressem num estado
intermediário e, é inseguro ver nesta expressão [seio de Abraão] uma referência a tal
crença.” – Sailer Mathews, art. “Seio de Abraão”, Dictionary of the Bible, James
Hastings, pág. 6.

Smith, em seu conhecido dicionário bíblico, conclui: “É impossível firmar a prova de


uma importante doutrina teológica numa passagem que reconhecidamente é abundante
em metáforas judaicas.” – Dr. William Smith, Dictionary of the Bible, vol. 2, pág.
1038.
Edershein, em seu livro “Life and Times of Jesus, the Messiah”, afirma,
categoricamente, que a doutrina da vida além da morte não pode ser extraída desta
parábola.

O estudioso Charles B. Ives pondera: “Não se admite, como pretendem muitos, que o
seio de Abraão seja uma expressão figurativa da mais elevada felicidade celestial, pois
o próprio Abraão em pessoa aparece na cena. Se, pois, ele próprio se acha presente
numa cena literal, é incorreto usar seu seio, ao mesmo tempo, em sentido figurativo. Se
seu seio é figurado, então o próprio Abraão também o é, e também a narrativa inteira”
– Charles B. Ives, The Bible Doctrine of the Soul, 1877, págs. 54 e 55.

“Jesus serve-se da concepção e crença comuns de Seu povo, a respeito de um estado


intermediário entre a morte e a ressurreição final para, num diálogo sublime e
simbólico mantido no mundo invisível entre Abraão e o rico…” – Sátilas Amaral
Camargo, Ensinos de Jesus Através de Suas Parábolas, pág. 165.

Conforme exposto pelo Professor Pedro Apolinário, “Bloomfield declarou com


segurança: ‘Os melhores comentadores, tanto antigos como modernos, com razão,
consideram-na uma parábola’”.

O relato de Lucas 16, quando examinado pormenorizadamente, evidencia claramente


que o mesmo trata-se de uma parábola; caso fosse literal, muitos absurdos (como um
“espírito” pode sentir sede? O “céu” e o “inferno” são tão próximos a ponto de os
mortos poderem conversar? Por que Abraão é o intercessor, e não o Messias? Por
que Deus não está presente no céu? etc) teriam de ser aceitos como doutrina e muitas
perguntas ficariam sem resposta.

Qual o público alvo dessa parábola?

Para evitar equívocos de interpretação, talvez nos falte o hábito de, ao ler uma passagem
bíblica, perguntar a quê público se destina tal escrito! Diante do texto de Lucas 16:19-
31, sobre o rico e Lázaro, esse exercício seria de muitíssima valia, pois ao descobrirmos
a resposta, entenderíamos mais facilmente qual o objetivo de Jesus ter contado essa
parábola!

Acerca do pouco que se sabe e quanto às circunstâncias que rodearam a apresentação


desta parábola, fica evidente o fato de que a mesma foi dirigida especialmente aos
fariseus (Lc 15:2, 16:14), mas também aos discípulos (16:1), aos publicanos e aos
pecadores (15:1), e finalmente ao grande público que também o acompanhava (Lucas
12:1, 14:25).

Os fariseus, termo que significa “separados”, era a seita mais severa da religião judaica,
segundo Atos 26:5. Foi uma seita criada no período anterior à guerra dos macabeus,
com o fim de oferecer resistência ao espírito helênico que se havia manifestado entre o
povo judeu, tendente a adotar os costumes da Grécia.

Os fariseus sustentavam a doutrina da predestinação, que consideravam em harmonia


com o livre arbítrio. Criam na imortalidade da alma, que haveria de reencarnar-se, e
também na existência do espírito; criam nas recompensas e castigos na vida futura, de
acordo com o modo de viver neste mundo, que as almas dos ímpios eram lançadas em
prisão eterna, enquanto que as dos justos, revivendo, iam habitar em outros corpos.

Os fariseus eram estritos e fanáticos conservadores bíblicos, e como escribas, difundiam


ensinos exagerados que circundavam a lei e às observâncias legalistas. O historiador
Flávio Josefo, que também era fariseu, diz que eles não somente aceitavam a lei de
Moisés interpretando-a com exagerada diligência, como também haviam ensinado ao
povo mais práticas de que seus antecessores, que não estavam escritos na lei de Moisés.
Conseqüentemente, esta crença tornou-se hereditária, professada por homens de caráter
muito inferior ao conteúdo de sua mensagem.

Entendendo a parábola

Ao contar essa parábola, fica a suposição de que o Mestre queria dizer que os homens
bons e maus recebiam suas recompensas imediatamente após a morte; porém, esse
entendimento contradiz não só um princípio básico de interpretação, segundo já foi
visto, de que cada parábola tem o propósito de ensinar uma verdade fundamental, mas
também se choca frontalmente com o que a bíblia diz sobre o pós-morte.

Na verdade, nesta parábola, o Messias não estava tratando do estado do homem na


morte, nem do tempo quando se darão as recompensas. Além disso, interpretar que esta
parábola ensina que os homens recebem sua recompensa imediatamente após a morte, é
contradizer claramente o que a bíblia apresenta como um todo, pois o sentido de cada
parábola deve ser analisado a partir do contexto geral da bíblia, por exemplo, Lucas
14:14, que diz: “E serás bem-aventurado, pelo fato de não terem eles com que
recompensar-te; a tua recompensa, porém, tu a receberás na ressurreição dos justos”.

Se um texto diz que não há recompensa no momento da morte, mas somente na


ressurreição dos justos, não pode haver outro(no caso, a parábola do rico e Lázaro), que
diga o contrário. Leia também Mateus 16:27, 25:31-40, I Coríntios 15:51-55,
Apocalipse 22:12, dentre outros textos vistos anteriormente.

Nesta parábola, Jesus estava fazendo uma clara distinção entre a vida presente e a
futura, pretendendo através desta relação, mostrar que a salvação do judeu-fariseu, ou
de qualquer homem, seria individual e não coletiva, como criam.

A parábola do rico e Lázaro tem o propósito de ensinar que o destino futuro fica
determinado pelo modo que o homem aproveita as oportunidades nesta vida, em
conexão com o contexto da parábola anterior, do administrador infiel: “Se, pois, não
vos tornardes fiéis na aplicação das riquezas de origem injusta, quem vos confiará a
verdadeira riqueza?” (Lc 16:11).

Sendo assim, compreende-se que os fariseus não administravam suas riquezas de acordo
com a vontade divina, e por isso estavam arriscando seu futuro, perdendo a vida eterna.
Portanto, fica estabelecido que interpretar a parábola do rico e Lázaro de forma literal,
resultaria em ir contra os próprios princípios encontrados nas escrituras, como comenta
Chaij: “Fosse essa história uma narrativa real, enfrentaríamos, o absurdo de ter que
admitir ser o ‘seio de Abraão’ o lugar onde os justos desfrutarão o gozo, e que os
ímpios podem se ver e falar uns com os outros”.
Na Bíblia, não encontramos um lugar de descanso referindo-se como seio de Abraão.
Mas, segundo Josefo, os judeus do tempo de Jesus criam numa fábula muito semelhante
à dada pelo Mestre. Obviamente, não se pode deixar de reconhecer a íntima semelhança
entre a fábula judaica e a parábola do rico e Lázaro. Por isso, os Judeus daquele tempo
costumavam chamar o lugar dos justos de “seio de Abraão”, uma afirmativa que não é
bíblica.

A Aplicação da Parábola

As lições apresentadas nesta parábola são claras e convincentes, porém, vale enfatizar
que os justos ou injustos receberão suas recompensas somente no dia da ressurreição (Jó
14:12-15, 20 e 21, Salmos 6:5, 115:17, Eclesiastes 9:3-6 e Isaías 38:18).

A Bíblia não descreve um céu onde os justos são vistos pelos ímpios e nem um inferno
de onde os perversos contemplam os justos e com eles mantém conversação. Na
verdade, esta parábola traça um contraste entre o rico que não confiava em Deus e o
pobre que nele depositava confiança. Os Judeus criam ser a riqueza um sinal das
bênçãos de Deus, pelo fato de serem descendentes de Abraão, e a pobreza indício do
Seu desagrado para com os ímpios. Eles depositavam suas esperanças no fato de serem
descendentes de Abraão e que, por ele ser seu progenitor, salvaria toda a sua semente.

Com a parábola, Jesus mostrou que o problema não estava no fato do homem ser rico,
mas sim por ser egoísta. A má administração dos bens concedidos por Deus havia
afastado os fariseus e os judeus da verdadeira riqueza, que é a vida eterna, esquecendo-
se do segundo objetivo que se encerra na lei de Deus: “Amarás o teu próximo como a ti
mesmo” (Mateus 22:39).

A Bíblia declara que todos os homens serão julgados, seja na primeira ou na segunda
ressurreição, e o tempo de receber a salvação é hoje! (Eclesiastes 12:14; Isaías 1:26-28;
Jeremias 33:15).

A aplicação mais relevante desta parábola reside na metodologia do Messias em levar a


mensagem do evangelho do reino. Cristo usou a crença dos fariseus, para lhes ensinar
uma verdade fundamental, que significa a oportunidade de restauração que existe
enquanto o homem vive. O que hoje é, aparentemente um problema ao se tentar
interpretar a parábola, foi a solução para ensinar a verdadeira mensagem àqueles
homens. O Mestre, em Lucas 16:19-31, não estava interessado em provar o que era
errado e sim o que era certo, pois Ele é a Verdade; Cristo estava mais preocupado em
mostrar a verdade, na linguagem daqueles homens, quebrando paradigmas, conceitos e
preconceitos.

“Quem tem ouvidos para ouvir, OUÇA..”

Próximo artigo: “Moisés, Enoque e Elias: Onde eles estão agora?”

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Leia os outros artigos desta série:


O que diz a Bíblia sobre o estado do homem após a morte?
A alma pode viver independente do corpo! Ensino pagão ou bíblico?
Não somos divididos em partes!
Temos mesmo uma alma imortal?

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