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Elias. Humano como nós.

Elyas Lucas Monteiro

Introdução
“Se de repente achar. Falta uma voz no ar. Carros de fogo vieram me buscar”. A
famosa música Carros de Israel, de Stênio Marcius traz a memória um dos mais fantásticos
episódios da bíblia. A subida de Elias aos céus. O que aconteceu na vida desse homem que
o levou aos céus ? Havia nele algo de especial? Nessa pequena biografia tentarei dar
respostas se não satisfatórias, ao menos biblicamente embasadas, a essas e outras
perguntas sobre o profeta Elias.

Seguindo o caminho biográfico/teológico de A. W Pink em seu livro " A vida do


Profeta Elias"¹ irei fazer uma apresentação simultânea do papel que Elias cumpre na
história da redenção à medida que os fatos de sua vida forem apresentados. Isso se deve a
natureza do ministério profético de Elias como desenvolvo posteriormente. Por fim, faço
algumas aplicações para o crente e para a Igreja do século XXI a partir da vida deste mortal
que não conheceu a morte, por conhecer o SENHOR.

O Profetismo em Israel
Elias era profeta. Isso por si só deve nos chamar atenção para este homem, afinal,
qual era função dos profetas ? A palavra hebraica usada para se referir a esses homens é
nabhi’ e os textos de Ex 4.16; 7.1 e Jr 1.5,6 nos mostram que o nabhi’ é um orador revestido
da autoridade de uma divindade para falar oficialmente em nome dela². Mais
especificamente um profeta bíblico é a voz de Yahweh, o guardião de sua aliança. Apesar
da presença de profetas desde o livro de gênesis, há um período chave no qual o ministério
profético exerce a função basilar de manutenção do relacionamento de Deus com seu povo,
esse é o período da monarquia. Durante a teocracia tribal de Israel em seu estabelecimento
na terra Deus falava diretamente com o mediador da aliança como Moisés, Josué e alguns
juízes. Porém, com o estabelecimento da monarquia há uma corrente interrupta de
revelação profética. A respeito desta revelação, é importante ressaltar que ela se refere
principalmente a guarda da aliança e rememoração da mesma do que de predição, apesar
de este se fazer presente. Ademais, é importante ressaltar que a despeito do papel do
monarca como governante terreno, o profeta era o arauto da teocracia. O rei poderia estar
no trono, mas Yahweh era o rei. E todo governante humano deveria manter-se submisso as
suas leis. Contudo, apesar de estar sempre em relação com o governo de Israel, o profeta
não é um político, mas um mensageiro do SENHOR. Por fim , um último aspecto importante
do ministério profético é o que Geerhardos Vos chama de fator de continuidade:

A profecia é um fator de continuidade na história da revelação, tanto em sua atitude


retrospectiva como prospectiva. Sua pregação de arrependimento pecado de apostásia das normas
do passado liga-a com o trabalho precedente de Yahweh por Israel nos períodos patriarcal e
mosaico. Por meio de seus elementos preditivos ela antecipa a continuidade com o futuro³.

O profeta lembra a Israel quem é Yahweh e o que Ele fez por seu povo no passado.
Acusando-os de no presente pecar contra as suas leis e estatutos e anunciando juízo e
esperança que, conforme a aliança, Deus traria no futuro. A escala temporal e a forma
revelacional do ministério de um profeta é definida pelo SENHOR conforme a necessidade
1. PINK. A. W. A vida do Profeta Elias. Editora os Puritanos, 2019, 1ª Ed.
2. VOS. Geerhardus. Teologia Bíblica- Antigo e Novo Testamento. Cultura Cristã, 2019, 2ª Ed. pg 237.
3. Ibidem pg 230.
do povo. Vistos a seguir, o ministério de Elias contém pouco conteúdo preditivo. Contudo,
ele recebe poder do SENHOR para realizar prodígios como nenhum profeta, à exceção de
Moisés e de seu discípulo Eliseu, antes ou depois. A razão para isso será dada
posteriormente no contexto no qual esse profeta foi levantado pelo SENHOR.

Israel dos dias de Elias


Tendo em vistas essas considerações a respeito do ministério profético em Israel,
O livro dos Reis começa com a promessa de que Yahweh levantaria um rei messiânico da
casa de seu servo Davi. Ele segue contando como o reino se dividiu após a morte de
Salomão. A partir desse ponto o autor alterna entre os dois reinos apresentando a lançando
juízo sobre reis bons e reis maus aos olhos do SENHOR. Enquanto o reino do Sul, Judá,
conta com oito reis bons e doze reis maus entre os descendentes de Davi, o reino no norte
Israel é governado por vinte monarcas maus que guiam a nação em total desobediência à
aliança de Yahweh. Dentre esses o autor destaca Acabe como o pior:

" Acabe, filho de Onri, fez o que o Senhor reprova, mais do que qualquer outro antes dele.
Ele não apenas achou que não tinha importância cometer os pecados de Jeroboão, filho de Nebate,
mas também se casou com Jezabel, filha de Etbaal, rei dos sidônios, e passou a prestar culto a Baal
e adorá-lo.No templo de Baal, que ele mesmo tinha construído em Samaria, Acabe ergueu um altar
para Baal. Fez também um poste sagrado. Ele provocou a ira do Senhor, o Deus de Israel, mais do
que todos os reis de Israel antes dele.”

1 Reis 16:30-33¹

Apesar de reis não dizer muito sobre Onri, escritos assirios se referem a Israel como “terra
de Onri” e a estrela moabita de Massa, um importante escrito semítico, fala do domínio de
Onri sobre Moabe. Seu filho, Acabe, descrito como pior dos reis de Israel, tem como seus
principais pecados o culto a Baal e o casamento com a princesa fenícia Jezabel. O culto ao
deus canaanita Baal está presente desde a chegada do povo na terra. Baal é, na verdade,
um título para o deus Hadade, responsável pela chuva e pela fertilidade. Numa terra
semiárida de base agrícola, a chuva e a fertilidade eram essenciais para a vida. Por isso, o
culto a Baal esteve presente na maioria dos reinos apostatas de Israel e Juda. O casamento
de Acabe com Jezabel e a constitucionalização do culto a Baal em Israel estão diretamente
ligados. Por fim, esse rei também aumenta a idolatria em Israel por meio da construção de
postes ídolos a Aserá, deusa canaanita da fertilidade.

O misterioso Elias
Esse é o contexto no qual Deus levantou Elias como seu arauto. Porém, quem é
esse homem? A. W. Pink chama o seu aparecimento de dramático. Elias carrega em seu
nome (Eliyah no original hebraico, significa “meu Deus é Javé”) um prenúncio do que será
sua mensagem. A cidade de onde ele veio, Tisbe, não e mencionada em nenhum outro
local do antigo testamento, sua localização nunca foi confirmada. Não há como confirmar
sua tribo, podendo ser tanto de Gade quanto de Manassés pela localização de Gileade
entre os territórios dessas duas tribos. Essa falta de informações a respeito da origem de
Elias, harmonizada com sua surpreendente subida lança sobre ele um ar de mistério que
lembra o sacerdote Melquisedeque. Assim, colocando lado a lado o maior sacerdote e o
maior profeta do antigo testamento temos um vislumbre daquele que juntamente com o
ofício de rei será: profeta e sacerdote por excelência, Jesus Cristo.

Yahweh ou Baal? Quem e o Senhor de Israel?


Elias entra no capítulo 17 de 1 Reis declarando a Acabe “Juro pelo nome do Senhor,
o Deus de Israel, a quem sirvo, que não cairá orvalho nem chuva nos anos seguintes,
exceto mediante a minha palavra”. Essa fala e precedida pela conjunção “então” que coloca
a fala de Elias como resposta a toda desobediência e idolatria promovida por Acabe. Se
Baal é o deus da chuva, como pode um homem de uma cidade desconhecida dizer que em
nome de um tal Yahweh não irá chover até ele permita? Elias esta declarando a supremacia
do SENHOR como único Deus verdadeiro e poderoso para controlar o clima. Esse será o
tom de boa parte de seu ministério, a constante afirmação de Yahweh como Senhor e a
ridicularização de Baal e seus seguidores, incluindo o rei e a rainha. Em seguida,
obedecendo à voz do Senhor, o profeta vai para a beira de um riacho e lá vive comendo
daquilo que o Senhor manda por meio de corvos. Como ele havia anunciado, não chove, e
o riacho do qual ele bebia seca. Deus o envia a casa de uma viúva em Sidom para que ela
o alimente mesmo que ela mal tenha o que dar para seu filho. A viúva obedece e por vários
dias Deus não deixa que lhes falte nada, multiplicando o alimento. Esta historia demonstra
que mesmo em Sidom, fora dos limites de Israel, o juízo do SENHOR sobre os adoradores
de Baal vem na forma de seca. Na crença daquele tempo os deuses eram restritos a seus
territórios, Yahweh e Senhor sobre todas as terras. Esse tempo é encerrado com o episódio
em que Elias ressuscita o filho da viúva mostrando o poder do Senhor sobre a morte.
Enquanto na mitologia cananeia Baal se submetia ao deus da morte no ciclo anual, Yahweh
tem total domínio sobre a vida e a morte. Por fim, o ato conclusivo do Senhor para
confrontar os adoradores de Baal por meio de Elias é marcado pela gloriosa ação de Deus
através de seu profeta e a vergonha e destruição dos profetas de Baal. O Senhor anuncia a
Elias que ira mandar a chuva e pede que ele se apresente a Acabe. Elias obedecendo ao
Senhor chama Acabe, seus 450 profetas e todo o Israel para o monte carmelo e lá
confronta o povo a escolher a quem seguirão, Yahweh ou Baal. Esse ponto é essencial para
entender que o que acontecerá posteriormente não se trata de um exibicionismo, mas uma
poderosa pregação. O desafio é lançado, os dois montariam altares e adorariam seus
deuses pedindo confirmação com fogo, aquele deus que respondesse seria o verdadeiro
Senhor de Israel. Há nessa passagem algo único nas escrituras, enquanto os baalitas se
mutilam pedindo a Baal resposta, Elias zomba de Baal e depois ora ao SENHOR pedindo
que ele mostre que é Deus. Deus responde com fogo, o povo reconhece o SENHOR e Elias
mata os profetas. Então, Deus manda a chuva. Deus ordena a Elias que zombe Acabe e
Baal até que este chegue no seu palácio e o investe do seu Espírito para correr mais rápido
que a carruagem do rei por todo o caminho.

A caverna do Profeta
Em seguida desses eventos Jezabel jura a morte de Elias. Ele, então, foge para o
deserto caminhando por quarenta dias até o monte Horebe, lá escondido e com medo, o
Senhor fala com ele por meio de uma brisa suave após uma tempestade e um incêndio. O
Senhor questiona duas vezes a motivação de Elias estar ali e duas vezes Elias responde
reclamando da desobediência de Israel, da morte dos profetas e da possibilidade de sua
morte. Elias está cansado, mesmo diante de tudo o que Deus havia feito, o mal parecia
vencer, isso o consumia. Mas Yahweh que havia demonstrado a todos por meio de Elias
que era Deus, misericordiosamente agora mostra a Elias. O Senhor conta a Elias todos os
seus planos e o que ele deveria fazer. Além disso, ele mostra que ao contrário do que Elias
pensava ele havia guardado sete mil fiéis. O que acontece em seguida é o cumprimento da
palavra do Senhor: Elias unge Eliseu como seu sucessor, unge Jeú como novo rei, unge o
novo rei da Síria e declara o fim do reinado de Acabe e Jezabel.

O Penúltimo adeus de Elias


Elias surpreendentemente tem um final diferente da maioria dos profetas. Ele não
conheceu a morte, por conhecer ao Senhor. Elias volta com Eliseu para Gileade, ele
atravessa o Jordão a pés enxutos e enquanto conversa com seu discípulo é interrompido
por uma carruagem de fogo e um redemoinho que o leva aos céus. Elias faz parte do seleto
grupo de homens juntamente com Enoque e o próprio Senhor Jesus foram levados aos
céus em corpo. Esse evento final demonstra a misericórdia do Senhor sobre um dos seus
servos que em um momento de fraqueza disse “Já tive o bastante, Senhor. Tira a minha
vida; não sou melhor do que os meus antepassados" 1 Reis 19:4. Em sua partida Elias
deixa sua capa com Eliseu e a promessa de que este terá o dobro do seu poder, o autor de
Reis é preciso ao descrever sete feitos de Elias e 14 de Eliseu. Esse detalhe editorial nos
mostra que o poder nunca foi de Elias, mas do Senhor que por meio de um homem comum
(Tiago 5.17) fez coisas incríveis.

Elias nos últimos dias


Elias ocupa pouquíssimos capítulos do Antigo Testamento e não deixou nenhum
escrito próprio, contudo, é certamente o maior entre os profetas. Ele é citado cerca de 30
vezes no novo testamento, tem seu ministério relembrado na vida de João Batista e
aparece ao lado do Senhor Jesus com Moisés representando todos os antigos profetas.

Elias no século XXI?


Quando olhamos para a radicalidade da vida de Elias podemos nos perguntar, há
algo na vida deste homem que seja relevante para nós, povo de Deus, no século XXI? Em
absoluto, sim! Das muitas lições que podemos aplicar a partir da vida de Elias destacarei
duas:
1 - O poder da oração: um primeiro olhar sobre a história de Elias e seus grandes
feitos, pode nos fazer pensar que há nele mesmo um poder sobrenatural, mas a
carta de Tiago nos diz que “Elias era humano como nós. Ele orou fervorosamente
para que não chovesse, e não choveu sobre a terra durante três anos e meio. Orou
outra vez, e o céu enviou chuva, e a terra produziu os seus frutos.” (Tiago 5. 17,18).
O grande ato do capítulo 17 de Reis é fruto da piedosa oração de “um homem como
nós”. A. W. Pink nos diz que a oração de Elias é feita a partir de um profundo
relacionamento com o Senhor nas escrituras e desejo de que Ele mostre ao seu
povo que é Deus. Elias nos ensina haver ao nosso alcance o poder que abala uma
nação inteira, a oração. Elias não perde tempo discutindo com Acabe, ele ora ao
Senhor conforme à palavra. Em nossos dias marcados pela idolatria e descaso com
a aliança do Senhor devemos orar fervorosamente para que o Senhor se revele aos
seus.

2 - Uma fé fora de Moda : no tempo de Elias pouquíssimos israelitas eram fiéis ao


senhor e o culto a Baal não era apenas praticado pelo povo, mas incentivado pelo
governo. Elias manteve-se firme em seu zelo ao Senhor, pois o conhecia. Servir a
Yahweh nos dias de Elias estava fora de moda e era perigoso. As músicas só
falavam de Baal, as festas eram em adoração a Baal, havia dinheiro do governo
para os profetas de Baal e até mesmo as histórias eram sobre os feitos de Baal. A fé
de Elias não estava alicerçada no pensamento de seu tempo, mas nas verdades
eternas de seu Deus. Semelhantemente, o movimento de secularização tem tornado
a fé antiquada e com uma aparência de fanática. Enquanto se prostram diante dos
deuses modernos do dinheiro, fama e prazer os ímpios zombam do povo de Deus e
usam de meios culturais e políticos para rechaçar a fé. Devemos ter a mesma
atitude confiante de Elias, o Deus a quem servimos é atemporal e suas verdades
permanecerão eternamente. Essa confiança é resultado de um relacionamento com
o Senhor e o conhecimento de quem Ele é.

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