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Análise fenomenológica do conhecimento

A gnosiologia, ou teoria do conhecimento, é uma disciplina filosófica que estuda as relações entre o
sujeito e o objecto, procurando esclarecer e analisar criticamente os problemas que essas relações suscitam,
nomeadamente os problemas relativos à origem, à natureza, à validade e aos limites do conhecimento.

O que é o sujeito? O que é o objecto? Para respondermos a estas questões, podemos efectuar uma
análise fenomenológica do conhecimento. Esta análise permitirá conduzir-nos aos diversos problemas
gnosiológicos.

É complicado fazer tais descrições, sobretudo porque é difícil abstrairmo-nos de pressupostos e de


significações que trazemos connosco. É difícil descrever a realidade que vemos como se fosse a primeira vez que
a víamos.

O objectivo da fenomenologia consiste precisamente em descrever a estrutura dos fenómenos (daquilo


que nos aparece), antes de qualquer pressuposto.

O método fenomenológico consiste em examinar todos os conteúdos de consciência (pensamento), mas


em vez de determinar se tais conteúdos são reais ou irreais, ideias, imaginários, etc., procede-se a examiná-los
enquanto são puramente dados. A fenomenologia coloca-se ‘’antes’’ de toda a crença e de todo o juízo para
explorar simplesmente o dado.

A fenomenologia estuda a estrutura geral dos fenómenos, pondo de parte teorias, crenças ou ideias
prévias. Neste âmbito, fenómeno é tudo aquilo que se apresenta à nossa consciência.

A fenomenologia do conhecimento é a descrição do fenómeno do conhecimento, pondo em relevo os


elementos que intervêm neste processo (sujeito e objecto).

A fenomenologia do conhecimento tem o propósito de evidenciar o que significa ser objecto, o que
significa ser sujeito e que tipo de relações estes elementos estabelecem entre si.

O conhecimento é aquilo que acontece quando um sujeito apreende um objecto. Para que haja
conhecimento, é necessária a existência de dois elementos fundamentais: o sujeito – aquele que conhece – e o
objecto – aquele que é conhecido. Sem a presença de um destes elementos, o conhecimento é impossível.

1. Em todo o conhecimento, um ‘’cognoscente’’ e um ‘’conhecido’’, um sujeito e um objecto


encontram-se face a face. A relação que existe entre os dois é o próprio conhecimento. A oposição
dos dois termos não pode ser suprimida; esta oposição significa que os dois termos são
originariamente separados um do outro, transcendentes um em relação ao outro. Estão separados
um do outro, são sempre assim, nunca haverá uma união senão quebra-se o acto de conhecer.
2. Os dois termos da relação não podem ser separados dela sem deixar de ser sujeito e objecto. O
sujeito só é sujeito em relação a um objecto e o objecto só é objecto em relação a um sujeito. Cada
um deles apenas é o que é pela sua relação; condicionam-se reciprocamente. A sua relação é uma
correlação. Se se separarem deixam de ser sujeito e objecto. Não existem fora da relação, só são o
que são em função da relação existente.
3. A relação constitutiva do conhecimento é dupla, mas não é reversível. O facto de desempenhar o
papel de sujeito em relação a um objecto é diferente do facto de desempenhar o papel de objecto em
relação a um sujeito. No interior da correlação, sujeito e objecto não são, portanto, intermutáveis; a
sua função é essencialmente diferente. Não se pode alterar a relação: o objecto não pode passar a
sujeito, e vice-versa porque são coisas diferentes as suas funções não são mutáveis no mesmo acto
de conhecimento.
4. A função do sujeito consiste em apreender o objecto; a do objecto em poder ser apreendido pelo
sujeito e em sê-lo efectivamente. Constituem-se no próprio acto de conhecer fora do acto de
conhecer não existe sujeito nem objecto.
5. Considerada do lado do sujeito, esta ‘’apreensão’’ pode ser descrita como uma saída do sujeito para
fora da sua própria esfera e como uma incursão na esfera do objecto, a qual é, para o sujeito,
transcendente e heterogénea. O sujeito apreende as determinações do objecto e, ao apreendê-las,
introdu-las, falas entrar na sua própria esfera. O sujeito sai da sua esfera e vai para a esfera do
objecto, capta as características, informações do objecto e volta para a sua esfera.
6. O sujeito não pode captar as propriedades do objecto senão fora de si mesmo, pois a oposição do
sujeito e do objecto não desaparece na união que o acto de conhecimento estabelece entre eles;
antes permanece indestrutível. A consciência desta oposição é um aspecto essencial da consciência
do objecto. O objecto, mesmo quando é apreendido, permanece, para o sujeito, algo de exterior; é
sempre ‘’o objectum’’, quer dizer, o que está diante dele. O sujeito não pode captar o objecto sem
sair de si (sem se transcender); mas não pode ter consciência do que é apreendido, sem reentrar em
si, sem se reencontrar na sua própria esfera. O conhecimento realiza-se, pois, por assim dizer, em três
tempos: o sujeito sai de si, está fora de si e regressa finalmente a si. O sujeito permanece sempre
exterior ao objecto, mesmo na sua esfera. Quando regressa à sua esfera, com as informações
recolhidas, cria uma imagem mental do objecto e assim se processa o conhecimento. O sujeito só
toma consciência quando entra na sua esfera. Consciência – conhecimento; processo – acto de
conhecer.
7. O facto de que o sujeito saia de si para apreender o objecto não muda nada neste. O objecto não se
torna por isso imanente. As características do objecto, se bem que sejam apreendidas como que
introduzidas na esfera do sujeito, não são, contudo, deslocadas. Apreender o objecto não significa
fazê-lo entrar no sujeito, mas sim reproduzir neste as determinações do objecto numa construção
que terá um conteúdo idêntico ao do objecto. O objecto não é modificado pelo sujeito, mas sim o
sujeito pelo objecto. Apenas no sujeito alguma coisa se transforma pelo acto de conhecimento. No
objecto nada de novo é criado; mas no sujeito nasce a consciência do objecto, com o seu conteúdo, a
imagem do objecto. O objecto nunca se altera no acto de conhecer; o conhecimento é uma
reprodução através de uma imagem, construção que é idêntico ao objecto.

O sujeito e o objecto não se confundem, são originariamente separados um do outro, transcendentes


um em relação ao outro. Estabelecem uma relação de oposição.

Apesar de opostos, precisam um do outro para serem considerados sujeito e objecto. Com efeito,
cada um deles apenas é o que é pela sua relação com o outro, o que significa que a sua relação constitui
uma correlação.

Embora correlacionados, não podem trocar de funções. Estabelecem uma relação de


irreversibilidade. O papel do sujeito é o de apreender o objecto; o do objecto é o de poder ser apreendido
pelo sujeito e de o ser efectivamente.

Dado que o sujeito e o objecto têm funções específicas, o resultado do conhecimento não será igual
para ambos. De facto, o sujeito, saindo de si para captar o objecto, é modificado por este, ao passo que o
objecto não é modificado pelo sujeito.

Uma vez que, neste processo, o sujeito apreende a imagem do objecto então podemos considerar o
conhecimento como a relação entre o sujeito e o objecto, que se traduz numa representação do objecto
por parte do sujeito.

A interacção sujeito/objecto

- Será que a relação do ser humano com o mundo é fundamentalmente de natureza cognitiva?
- Será que o conhecimento um acto efectuado por um sujeito no estado puro que apreende um objecto
no estado puro?

A resposta à primeira pergunta é negativa. Antes de procurarmos conhecer as coisas de modo rigoroso e
objectivo, podemos estabelecer também com elas uma relação afetiva, prática, utilitária. A resposta à segunda
questão será negativa.

A realidade não se apresenta primeiramente ao homem sob a forma de objecto de conhecimento. Do


campo da atividade prática e sensível surge uma visão imediata e prática do mundo. Esta relação prático-utilitária
com as coisas faz aparecer a realidade como um mundo de meios, de finalidades, de instrumentos. O homem cria
as suas próprias representações das coisas, fixando a forma fenomenal da realidade.

Não existe de um lado o sujeito abstrato e, do outro, uma realidade que ele irá conhecer objectivamente.
O sujeito interage com a realidade, e é desse processo que o conhecimento emerge. Representar é construir o
objecto.

O conhecimento deixa de poder ser encarado a partir da perspectiva dicotómica sujeito/objecto, sendo o
objecto, a continuação do sujeito.

No âmbito da ciência moderna um conhecimento objectivo, factual e rigoroso não tolerava a


interferência dos valores humanos ou religiosos. Foi nesta base que se construiu a distinção dicotómica
sujeito/objecto. A distinção sujeito/objecto nunca foi tão pacífica nas ciências sociais quanto nas ciências
naturais. No domínio das ciências físico-naturais, o regresso do sujeito fora já anunciado pela mecânica quântica
ao demonstrar que o ato de conhecimento e o produto do conhecimento são inseparáveis; até nas ciências
exactas há subjetividade.

Conhecer é sempre integrar novos elementos no conjunto de significações e de referências que fazem
parte do nosso mundo individual. Cada sujeito tem as suas experiências, vivências, reflexões, que constituem
modos de pensar, sentir, agir e conhecer distintos dos de outro sujeito. O objeto de conhecimento é, portanto,
apreendido por um determinado modo de ver o mundo.

Esse conjunto de significações interfere, inclusive, no modo como percecionamos as coisas. A perceção é
uma função mediante a qual organizamos as sensações, o que nos permite representar os objetos externos. Ora,
tais representações não dependem apenas dos nossos sentidos, mas também da nossa interpretação. Esta, por
sua vez, resulta da situação psicológica que estamos a viver, da cultura em que nos inserimos, dos valores que
partilhamos, da nossa história pessoal.

Tipos de conhecimento

A relação entre o sujeito e o objeto não ocorre fora de um contexto. O sujeito interage com o real,
intervém na definição do objeto, integrando-o na sua visão do mundo. O próprio modo como o sujeito se
relaciona com o objeto não é uniforme. Enquanto ser-no-mundo, o ser humano encontra-se condenado à
experiência. A experiência pode ser definida: a apreensão por um sujeito de uma realidade, uma forma de ser,
um modo de fazer, uma maneira de viver, etc. A experiência é então um modo de conhecer algo imediatamente
antes de todo o juízo formulado sobre o apreendido.

Saber-fazer: refere-se ao conhecimento de uma atividade, isto é, à capacidade, aptidão ou competência


para fazer alguma coisa.

Saber-que: refere-se ao conhecimento proposicional ou conhecimento de verdades. Saber teórico sobre


a realidade.

Conhecimento por contacto: refere-se ao conhecimento direto de alguma realidade, seja de pessoas ou
lugares.
Definição tradicional de conhecimento

Em todo o conhecimento proposicional verifica-se uma relação entre um sujeito e um objeto. Esta relação
é considerada uma crença. A crença é uma atitude de adesão a uma determinada proposição, tomando-a como
verdadeira.

O saber é acreditar naquilo que se sabe. O conhecimento parte de uma convicção do sujeito
relativamente ao objeto. A crença é uma condição necessária do conhecimento. As crenças podem ser
verdadeiras ou falsas.

O conhecimento de verdades tem um contrário, que é o erro. Podemos crer no falso, como no
verdadeiro. Sobre muitos assuntos há opiniões diversas e incompatíveis; algumas das crenças devem ser
erróneas. As crenças erróneas são sustentadas frequentes vezes com tanta energia como as verdadeiras, torna-
se um problema bem difícil o de como distingui-las das verdadeiras. Há três pontos a observar na busca da
natureza da verdade:

- admitir um teoria contrária; a teoria da verdade deve ser tal que admita o seu contrário, a falsidade.

- ser uma crença; o verdadeiro e o falso são propriedades das crenças e das proposições.

- ser justificável por algo exterior à própria crença; o verdadeiro e o falso de qualquer crença dependem de algo
exterior à crença.

Para um conhecimento ser verdadeiro tem de ser uma crença verídica, justificada com base em algo
exterior à crença.

Uma crença falsa não corresponde a qualquer conhecimento, ainda que aquela que a possui julgue deter
o conhecimento.

Ninguém possui o conhecimento se não justificar cabalmente a sua crença. A justificação é também uma
condição necessária do conhecimento.

Segundo Sócrates temos de comprovar se o conhecimento é uma crença verdadeira e para isso dão o
exemplo de uma profissão que não é, de modo algum uma ciência. Os advogados e os oradores dispõem de uma
opinião verdadeira que transmitem aos juízes de modo a que estes decidam qual a sentença a aplicar. Aqui não
se faz ciência, como tal a definição tem de ser reformulada. Assim, o conhecimento é uma opinião verdadeira,
fundamentada, justificada: tem de ser provida de razão, ou seja, de um raciocínio que justifique a opinião.

A crença verdadeira justificada – isto é, acompanhada de razão – equivale ao conhecimento, ao passo


que a crença que não é justificada – ou seja, que é desprovida de razão – se encontra excluída do conhecimento.
Todas as três condições – crença, verdade e justificação – são necessárias para que haja conhecimento.
Consideradas isoladamente, nenhuma delas é suficiente.

Conhecimento a priori e a posteriori

Quando pensamos na multiplicidade de juízos que formulamos, podemos constatar que nem todos têm a
mesma origem. São juízos a priori aqueles juízos cuja verdade é passível de ser conhecida independentemente de
qualquer experiência, tendo, portanto, origem no pensamento ou na razão. Estes juízos são universais – no
sentido em que não admitem qualquer exceção, sendo verdadeiros sempre e em toda a parte – e necessários –
são verdadeiros em quaisquer circunstâncias, e nega-los implicaria entrar em contradição.

Juízos a posteriori são aqueles juízos cuja verdade só pode ser conhecida através da experiência, dos
sentidos. Estes juízos não são estritamente universais – porque admitem exceções, podendo não ser verdadeiros
sempre e em toda a parte – e, não sendo necessários, são contingentes – são verdadeiros, mas poderiam ser
falsos, e nega-los não implica entrar em contradição.

O conhecimento à priori é baseado em juízos a priori, tem a sua fonte ou origem apenas na razão – por
exemplo, Todos os corpos são extensos, A = A, 2+2= 4: não é necessário recorrer à experiência para o saber, é
suficiente pensar no assunto. O conhecimento a posteriori é baseado em juízos a posteriori, tem a sua origem na
experiência, é o conhecimento empírico – por exemplo, O Sol brilha, A chuva molha, Todos os corpos são
pesados.

Se afirmamos que o todo é maior do que as suas partes (juízo a priori), não estamos a dizer nada que já
não esteja implícito no conceito de todo, enquanto que se dissermos que a cadeira é azul (juízo a posteriori),
estamos a afirmar que algo que não está implícito no conceito de cadeira (esta pode ter qualquer cor). Nesse
caso, será que os juízos a priori nos permitem aumentar o nosso conhecimento?

Kant dividiu os juízos em analíticos e sintéticos. Os juízos analíticos são aqueles cujo predicado está
incluído no sujeito, encontrando-se pela simples análise e explicação deste. Por exemplo, em relação ao juízo O
todo é mais do que as suas partes, no conceito de todo já está implícito o predicado maior do que todas as suas
partes, pelo que estes juízos não contribuem para aumentar o nosso conhecimento.

Os juízos sintéticos são aqueles cujo predicado não está contido no conceito do sujeito: por exemplo, Os
habitantes da cidade x são morenos. Para sabermos que os habitantes da cidade x são morenos, precisamos de
algo mais do que o simples conceito de habitantes da cidade x. É necessário recorrer à observação, à experiência,
para constatarmos que os habitantes da cidade x são, de facto, morenos. Como tal, ao contrário dos anteriores,
estes juízos ampliam o nosso conhecimento.

Os juízos analíticos são juízos a priori, os juízos sintéticos são juízos a posteriori e a priori. Mas Kant
considera que também existem juízos sintéticos a priori. Trata-se de juízos anteriores à experiência, tendo uma
origem racional, mas que aumentam o nosso conhecimento, uma vez que o predicado não está implícito no
sujeito, são juízos universais e necessários; todos os juízos da matemática.

Possibilidade (validade) do conhecimento

Poderemos alguma vez ter um conhecimento verdadeiro, objetivo e absoluto das coisas em geral, ou
apenas um conhecimento aproximado? Ou será que podemos conhecer umas coisas e outras não? Ou será que o
conhecimento nem sequer é possível?

Perguntar pela possibilidade ou validade do conhecimento equivale a perguntar se o sujeito apreende


efetivamente o objeto.

Dogmatismo

Dogmatismo ingénuo ou realismo ingénuo

Para o dogmatismo coloca-se o problema do conhecimento. O dogmático não se apercebe de que o


conhecimento é, acima de tudo, uma relação entre o sujeito e o objeto, partindo, por isso, do pressuposto de
que o sujeito apreende efectivamente o objecto. Ao não se aperceber do carácter relacional do conhecimento, o
dogmático não coloca em dúvida a sua possibilidade, acreditando que os objetos nos são dados diretamente de
um modo absoluto, tal como são em si mesmos. Podemos conhecer tudo porque nem se coloca a hipótese de
não conhecer. É possível conhecer e nós conhecemos.

Dogmatismo racionalista

O dogmatismo racionalista ou optimista racionalista: acredita que é possível conhecer, mas antes disso
temos de analisar criticamente usando a razão. A razão consegue conhecer a realidade de uma forma absoluta,
universal e necessária. No dogmatismo ingénuo não há espírito crítico, submetemo-nos a uma autoridade que o
diz, ou a princípios que achamos verdadeiros.

O dogmatismo ingénuo não ocorre propriamente na filosofia, uma vez que todo o filósofo procede a um
exame crítico daquilo que lhe é fornecido pelos sentidos. O filósofo é aquele que, depositando confiança na
razão, considera que é possível chegar à certeza e à verdade, entendendo-se aqui o conceito de certeza como
sendo a consciência de que se possui a verdade, associada a uma adesão sem reservas a isso que se julga ser
verdadeiro. (Descartes, Leibniz, Espinosa e Platão)

Ceticismo

O cepticismo afirma que não é possível ao sujeito apreender, de um modo efectivo e rigoroso, o objecto.
Ninguém possui a verdade absoluta.

Ceticismo absoluto ou radical: é impossível ao sujeito apreender o objecto, não havendo, por
conseguinte, qualquer conhecimento verdadeiro. O cepticismo radical ou absoluto anula-se a si próprio. Afirma
que o conhecimento é impossível. Mas com isto exprime um conhecimento. Considera o conhecimento como
possível de facto e, no entanto, afirma simultaneamente que é impossível.

Ceticismo mitigado: não estabelece a impossibilidade do conhecimento, mas sim a impossibilidade de um


saber rigoroso. Não podemos afirmar se este ou aquele juízo é ou não verdadeiro, apenas podemos dizer se é ou
não provável. Não há verdade nem certeza, apenas probabilidade. Não podemos nunca ter a pretensão de que
os nossos juízos sejam verdadeiros, mas apenas de que sejam prováveis. Este cepticismo tem duas contradições:
a anunciada para o cepticismo absoluto e o conceito de probabilidade pressupõem o de verdade; provável é
aquilo que se aproxima do verdadeiro, quem renuncia ao conceito de verdade tem, pois, de abandonar também
o de probabilidade.

Ceticismo metafísico: destaca a impossibilidade de conhecermos aquilo que ultrapassa a nossa


experiência sensível. Deus, a alma e todo o mundo espiritual não são realidades acessíveis ao conhecimento
humano. Devemos limitar à experiência. (David Hume)

Distinção entre cepticismo metódico e sistemático

O cepticismo adquire um papel importante no nosso desenvolvimento intelectual e até espiritual. É


quando se começa por adoptar uma postura céptica perante determinado problema que se procede com maior
prudência na resolução de tal problema.

Quando faz parte do espírito crítico e autónomo, o cepticismo adquire um carácter metódico. É um meio
para alcançar a verdade. Com a dúvida liberta-se a razão, para se poder alcançar o verdadeiro conhecimento.
Este cepticismo metódico opõe-se ao cepticismo sistemático, que se fica pela dúvida como princípio definitivo.

Origem do conhecimento

a) Racionalismo – o racionalismo considera a razão a fonte principal do conhecimento, a fonte do


conhecimento verdadeiro. Só através da razão é que se pode encontrar um conhecimento seguro, o qual
é totalmente independente da experiência sensível. Tal conhecimento só existe quando é logicamente
necessário e universalmente válido. Exemplo: matemática. Isto não significa que os racionalistas neguem
a existência do conhecimento empírico. Esse conhecimento existe, mas não pode ser considerado
verdadeiro porque é particular e contingente. – A razão é a origem do conhecimento verdadeiro; as
ideias fundamentais do conhecimento são inatas; o sujeito impõe-se ao objecto através das noções que
traz em si. Descartes
b) Empirismo – teoria segundo a qual todo o nosso conhecimento provém da experiência. Não existem
ideias, conhecimentos ou princípios inatos. O entendimento assemelha-se a uma página em branco onde,
antes de qualquer experiência, nada se encontra escrito. Nega a existência de conhecimentos inatos,
afirmando que todo o conhecimento humano deriva da experiência. – A experiência é a origem de todo o
nosso conhecimento; todas as ideias têm uma base empírica, até as mais complexas, não existindo ideias
inatas; o objecto impõe-se ao sujeito. David Hume, John Locke

O racionalismo de Descartes

Descartes é racionalista porque considera a razão a fonte principal de conhecimento verdadeiro, ou seja,
do conhecimento logicamente necessário e universalmente válido.

1. Críticas de Descartes ao saber do seu tempo:


a) O conjunto dos conhecimentos que constituem o saber tradicional está assente em bases frágeis
(sentidos)
b) Esse conhecimento é constituído por saberes que não estão devidamente ordenados

2. A importância da dúvida
Descartes vai analisar a solidez das bases em que assentam os conhecimentos da sua época. Essas bases
são:
a) A crença de que a experiência é fonte do nosso conhecimento, sendo os sentidos dignos de
confiança
b) A crença de que existe um mundo físico que constitui objeto de conhecimento
c) A crença de que o nosso entendimento (razão, pensamento) não se engana quando descobre
conhecimentos verdadeiros.

Para avaliar a solidez destas bases Descartes vai seguir um método inspirado na matemática,
composto por 4 regras:

- Regra da evidência: não devemos aceitar como verdadeiro algo sobre que tenhamos a mínima dúvida.

- Regra da análise: dividir um problema em várias parcelas de modo a resolver cada uma delas para depois
resolver mais facilmente o problema inicial.

- Regra da síntese: o raciocínio deve estar orientado dos objetos mais simples para os mais complexos de
estudar.

- Regar da enumeração: fazer enumerações tão completar e revisões tão gerais para ter a certeza de nada omitir.

3. Níveis de aplicação da dúvida

a) 1º nível: os sentidos não são fonte segura de conhecimento:

A crença de que o conhecimento começa com a experiência, ou seja, de que os sentidos são fontes
seguras de conhecimento, é a primeira base dos conhecimentos tradicionais que Descartes vai questionar e
rejeitar como falsa. Serão as informações dos sentidos sobre o mundo físico de confiança? Os sentidos enganam-
nos algumas vezes, como quando dizemos, nos dão a impressão de ser redondo o que é quadrado, verde o que é
amarelo, quebrado o que está inteiro. Apliquemos então o princípio da dúvida: se devemos considerar como
sempre nos enganando o que nos engana algumas vezes, então os sentidos não nos merecem qualquer
confiança. Assim, Descartes rejeita um dos fundamentos do saber tradicional: a convicção de que o
conhecimento começa com a experiência, com as informações dos sentidos.

b) 2º nível: há razões para acreditar que o mundo físico é uma ilusão.

Neste nível Descartes questiona a existência de uma realidade física independente do nosso
pensamento. Será indubitável a nossa crença imediata na existência de realidades físicos ou sensíveis? O
problema que Descartes enfrenta é este: como encontrar uma razão para duvidar daquilo que parece tão
evidente? Descartes inventa um argumento engenhoso que se baseia na impossibilidade de encontrar um critério
absolutamente convincente que nos permita distinguir o sonho da realidade. Há acontecimentos que, vividos
durante o sonho são vividos com tanta intensidade como quando estamos acordados. Se assim é, não havendo
uma maneira clara de diferenciar o sonho da realidade, pode surgir a suspeita de que aquilo que consideramos
real não passe de um sonho. Deste modo, posso desconfiar que os acontecimentos e as coisas que julgo reais
nada mais são do que figuras de um sonho. Basta esta suspeita, esta mínima dúvida, para transformar
acontecimentos e coisas que eu julgo absolutamente real em realidades meramente imaginárias: todas as coisas
sensíveis podem não passar de realidades que só existem em sonhos incluindo o meu corpo.

c) 3º nível: há razões para acreditar que o nosso entendimento confunde o verdadeiro com o falso.

Neste nível, Descartes vai pôr em causa aquilo que até então considerava o modelo de conhecimento
verdadeiro: a matemática. Sendo as realidades matemáticas consideradas as mais evidentes se as pusermos em
causa todas as outras ciências serão postas em dúvida. A estratégia é simples e sempre a mesma: devemos
encontrar um motivo para suspeitar, por muito pouco que seja, da validade dos pensamentos matemáticos. Se
essa suspeita for possível, esses conhecimentos serão considerados falsos. O argumento encontrado por
Descartes, baseia-se numa suposição: a de que Deus, que supostamente me criou, criando ao mesmo tempo o
meu entendimento, sendo um ser omnipotente, pode fazer tudo, mesmo aquilo que eu acho incrível: ao criar o
meu entendimento pode tê-lo feito de modo a que tome por verdade o que é falso e por falso o que é
verdadeiro. Enquanto a hipótese de Deus nos enganar não pode ser rejeitada não podemos ter a certeza de que
as mais elementares verdades matemáticas são realmente verdadeiras.

4. A descoberta de uma verdade absolutamente indubitável: ‘’Penso (duvido), logo existo’’

A aplicação da dúvida pôs em causa toda a dimensão dos objetos, quer sensíveis quer inteligíveis. Nenhum
resistiu ao exame impiedoso da dúvida. Neste momento nada é verdadeiro. Contudo, essa conclusão é
precipitada porque quando a dúvida atinge o seu ponto máximo, uma verdade indubitável vai impor-se: para
duvidar seja do que for é necessário que exista o sujeito que dúvida. Logo, a existência do sujeito que duvida é
uma verdade indubitável. Assim, a afirmação ‘’Penso, logo existo’’ pode ser traduzida do seguinte modo: eu
duvido de tudo, mas não posso duvidar da minha existência de sujeito que neste momento, duvida de tudo.

Características da 1ª verdade:

a) Será a base inabalada de todo o conjunto de conhecimento que a partir dela descobriremos, ou seja, dela
dependerá o conhecimento do resto, de maneira a que nada possa ser conhecido sem ela.
b) É uma verdade puramente racional – foi descoberta pela razão independentemente do contributo de
qualquer experiência.
c) É uma verdade descoberta por intuição, ou seja, é uma verdade que não resulta de um raciocínio, mas
que é resultado de uma contemplação directa, uma vez que o sujeito toma consciência dela no próprio
acto de pensar.
d) Vai funcionar como modelo de verdade: serão verdadeiros todos os conhecimentos que forem tão claros
e distintos como este 1º conhecimento.
e) Corresponde ao ‘’grau 0’’ do conhecimento no que respeita aos objectos físicos e intelectuais.
f) É a afirmação da existência de um ser que é imperfeito – sei que sou imperfeito porque duvido.

5. Características da dúvida cartesiana


1. É metódica e provisória uma vez que é um meio para atingir a verdade e não um fim em si mesma
2. É hiperbólica ou excessiva uma vez que rejeita como falso tudo aquilo em que se note a mínima suspeita
de incerteza
3. É universal e radical porque incide não só sobre o conhecimento em geral, como também sobre os seus
fundamentos ou raízes
6. Critério da verdade
É verdadeiro aquilo que é evidente, ou seja, aquilo que é claro e distinto. A Clareza diz respeito à
presença da ideia ao entendimento. A distinção significa separação de uma ideia relativamente a outras,
de tal modo que a ela não estejam associados elementos que não lhe pertencem.

7. Tipos de ideias em Descartes


a) Inatas – são ideias constitutivas da própria razão, são claras e distintas, por isso, verdadeiras e
imutáveis, completamente independentes da experiência. Exemplo: as ideias de perfeição,
pensamento, existência, todas as ideias da matemática, etc.
b) Autênticas – são ideias que têm origem na experiência sensível. Exemplo: as ideias de barco, copo,
cão, etc. São particulares e contingentes. E a sua verdade depende da adequação à realidade física.
c) Factícias – são ideias fabricadas pela imaginação. A elas não corresponde nenhuma realidade física
nem inteligível. Podem ser criadas pela junção de duas ou mais ideias adventícias. Exemplo: centauro
= cavalo + homem; cavalo-alado = cavalo + asas; sereia, etc

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