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Umbanda de Nego Véio

Compêndio de Estudos (Volume 1)

Gregorio Lucio
São Paulo (SP)
2014
UMBANDA DE
NEGO VÉIO

Compêndio de
Estudos
(Volume 1)

Gregorio Lucio
2014
1
Lucio, Gregorio Fernandes
2014: Umbanda de Nego Véio. Compêndio de Estudos (livro
eletrônico) / Gregorio Fernandes Lucio –
São Paulo (SP), 2014
Spinosa, Mario (foto de capa): As mãos, a cruz e o rosário
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
Il.; ePUB
Umbanda – Religião – Estudo

Contato pelo email:


gregorbital@gmail.com
Site:
www.umbandadenegoveio.blogspot.com

2
Apresentação

Caro Leitor,

A presente obra trata do primeiro volume de uma série


de textos escritos como resultado de um trabalho de
estudos que vêm sendo realizado por este que escreve.
Particularmente, o presente volume compreende o
período de estudos realizados entre julho de 2011 a
janeiro de 2013.

Não pretende ser um códice para a religião de


Umbanda. Jamais foi essa a intenção. Ao contrário,
nosso sincero desejo é o de compartilhar com o público
interessado, justamente, alguns traços e apontamentos
das nossas reflexões em torno do fenômeno religioso
umbandista, a partir do olhar de um simples adepto, livre
pensador e dedicado estudioso deste universo tão plural
e magnífico de significados, possibilidades de vivência e
experimentação do Sagrado.

O autor.

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Dedicatória

Dedico a presente obra, primeiramente, aos Mentores de


Luz (cujos nomes não ousarei citar aqui, uma vez que
sempre preferiram manterem-se em anonimato, como
professores dedicados e humildes) que me assistem e
inspiram no estudo desta intrigante religião, a Umbanda,
a qual optei por abraçar como minha fé e de cujas
experiências recolho novos sentidos para meu existir.

Também cabe menção de gratidão e reconhecimento a


Tenda de Umbanda Tamanaquaí, templo umbandista
localizado na Zona Leste de São Paulo, onde desenvolvo
meu trabalho como simples integrante de sua corrente
mediúnica e colaborador de apagado destaque em suas
atividades semanais.

Por fim, não posso deixar de mencionar minha esposa,


Denise Beraldo, essa tão agradável e amorosíssima
companheira de todos os momentos, a qual sempre
apoiou-me neste projeto pessoal. Gratidão pela sua
compreensão e carinho.

Gregorio Lucio

São Paulo, 11 de novembro de 2014.

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Sumário

Introdução.............................................................................. 09
Umbanda Religião Brasileira .............................................. 11
Kardecismo e Umbanda são iguais? ................................... 14

Práticas Rito-Litúrgicas na Umbanda .................................... 21


Das Entidades Espirituais da Umbanda .............................. 26
As Ervas............................................................................... 31
A Defumação ...................................................................... 35
Os Banhos de Ervas ............................................................ 41
A Pemba, a Lei de Pemba e o Ponto Riscado ..................... 45
As Roupas Litúrgicas e as Fitas ........................................... 52
As Guias .............................................................................. 59
As Velas............................................................................... 64
Música e Movimento na Umbanda ....................................... 69
A Curimba e o Ponto Cantado ............................................ 74
O Atabaque......................................................................... 83
A Dança Ritualística na Umbanda ...................................... 91
A Mística Mistérica da Umbanda .......................................... 99

5
Simbolismo, Magia e Subjetividade na Umbanda (I) ....... 108
Simbolismo, Magia e Subjetividade na Umbanda (II) ...... 114
As Hierarquias na Umbanda ............................................. 122

A Prática Oracular na Umbanda ....................................... 128

As Votividades e Oferendas na Umbanda ........................ 135


O Psíquico e o Imaginário: Relação entre Mundo Espiritual
e Materialidade ................................................................ 142
A Realidade Espiritual do Terreiro de Umbanda ............. 151

A Obsessão Espiritual .......................................................... 157


As Egrégoras (A Utilização das Forças Naturais e Mentais no
Rito da Umbandista) ............................................................ 163
A Demanda........................................................................... 170

Saúde e Cura na Umbanda .................................................. 188


Tratamento Espiritual ....................................................... 193

Vivência Religiosa e Bem-Estar ......................................... 199

O Mediunismo de Umbanda ............................................... 205


Sensações Mediúnicas – Parte I (Fenomenologia Orgânica e
Psíquica do Transe)............................................................... 211

6
Sensações Mediúnicas – Parte II (Fenomenologia Orgânica
e Psíquica do Transe)............................................................ 218

O Médium de Umbanda .................................................... 232

A Espiritualidade Umbandista Manifesta no Estado Superior


de Consciência ..................................................................... 240
Processos Mentais e o Transe Mediunista I ...................... 247

Processos Mentais e o Transe Mediunista II ..................... 255

Processos Mentais e o Transe Mediunista III .................... 263

A Incorporação...........................................................................
A Manifestação ................................................................. 274

A Interpretação Psíquica e Espiritual do Fenômeno ........ 283

A Relação Médium-Guia na Umbanda ............................. 293

A Ascensão da Consciência ............................................... 300

Visões do Transe de Possessão ......................................... 307

Desenvolvimento Mediúnico na Umbanda ........................ 314


Função Anímica e Mecanismos Adaptativos .................... 321

A Construção dos Papéis Estruturantes............................ 328

7
O Comando da Função Mediúnica.................................... 337

A Identificação do Supra Consciente e a Expressão Criativa


.............................................................................................. 343

Educação e Conciência Mediúnica.................................... 353

A Visão de um Adepto ...............................................................


O Processo de Ensino-Aprendizagem na Umbanda ......... 362

A Sustentação do Trabalho Espiritual ............................... 367

O Templo Religioso como Ambiente Educativo ............... 374

A Ética do Filho-de-Santo.................................................. 387

Conclusão ............................................................................. 394

Sobre o Autor ....................................................................... 399

Bibliografia ........................................................................... 401

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Introdução
Umbanda. É uma cultura religiosa popular. É o resultado
empírico da fé de um povo e não o produto do
desenvolvimento intelectual hegemônico de um missionário,
teólogo ou codificador. É a expressão mais próxima do
Socialismo dentro da Religião.

Seus aspectos exteriores chamam a atenção, deslumbram


mesmo. O transe é o seu maior elixir. As roupas, as liturgias,
as votividades, os oráculos, as ofertas, as giras, os
desmanches de demandas (que neste contexto não se referem
a aspectos negativos, mas ao embate criativo e renovador que
interpreta e ressignifica as situações de conflito na
experiência humana), os cânticos, as curimbas, os atabaques,
as velas, as ervas, as flores, os pontos...

Mas por trás de todo este universo polissêmico, repleto de


símbolos com força atrativa e expressividade incomum, há um
mundo de energias sutis que permeia a dimensão física,
revelando-se devagar e amiúde, para aqueles que possuem
“olhos de ver e ouvidos de ouvir”.

A Aruanda Infinita, por meio de seus representantes, os Guias


e Orixás, mostra-se no suceder das experiências dentro das
Leis de Umbanda. Nas realizações do cotidiano pertinentes a
vida e a fé de seu adepto.

A função simbólica e psicológica deste viver religioso na


Umbanda está, inequivocamente, muito mais no “sentir”
(coração) do que no “pensar” (cérebro).

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Contudo, é preciso estabelecer pontes e diálogos entre o
mundo subjetivo que contempla o sentido religioso, os
discursos pertinentes ao universo interno dos terreiros e da
Umbanda como um todo, com as outras formas de
interpretação e entendimento da individualidade humana,
para que esta bela cultura religiosa que emerge do âmbito
social com sua rica produção simbólica seja também colocada
como partícipe ativa na centralidade do campo religioso
brasileiro, uma vez que sempre esteve posta à margem deste.

E não é outra, senão esta mesma, a intenção deste trabalho.


Contribuir para que a Umbanda tenha seu lugar de mérito
dentro da cultura religiosa de nossa sociedade. Criar um
campo de pesquisa e entendimento - assim como outros
também já vêm de há tempos realizando - que demonstre ser a
Umbanda também uma religião autêntica (e não uma “seita”,
conforme ideologicamente alguns tentam classifica-la, com o
objetivo de diminuir-lhe e manter o status quo social), capaz
de dialogar com as mais diversas áreas do saber humano e,
acima de tudo, fornecer propósitos e compreensão da Vida
que estejam totalmente integrados ao tempo histórico, social,
psicológico e espiritual do homem moderno.

Saravá a Umbanda!

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Umbanda - Religião Brasileira

Muito se tem discutido a respeito das origens da


Umbanda.

Alguns acreditam ser esta uma religião revelada no dia


15 de novembro de 1908, pelo médium sr Zélio
Fernandino de Moraes, logo, teria seu início a partir de
um escolhido e revelador (obedecendo, assim, a mesma
estrutura de "mito fundante" das demais religiões
abraâmicas).

Outros, creem-na como uma religião cósmica, detentora


dos mais altos níveis do conhecimento humano (em suas
esferas científica, religiosa, artística e filosófica), o
Conhecimento Uno, provindo das mais antigas e míticas
raças humanas já existentes na Terra (Raça Vermelha e,
posteriormente, os Atlantes e Lemurianos), cujas chaves
de conhecimento teriam sido guardadas e veladas pelos
Antigos Egípcios e no decorrer da história, haveria
chegado ao Brasil por intermédio dos povos africanos e
se conjugado aos conhecimentos já existentes dos
indígenas brasileiros.

Seria essa a chamada Aumbandan; outrem credita às


tradições originariamente africanas as chaves e
fundamentos para o surgimento da Umbanda no Brasil.

11
E, ainda, aqueles que reputam à Umbanda a pecha de
uma simples seita, destituída de corpo doutrinário, senso
racional e crítico, repleta de crenças e fetichismos, a qual
surgiu como um processo de degradação das religiões
predominantes ao longo do processo de desenvolvimento
social, notadamente nos centros urbanos das grandes
cidades brasileiras.

De nossa parte, cremos que a Umbanda surge como um


processo natural de ressignificação de práticas religiosas
pertinentes ao imaginário coletivo da cultura popular
brasileira (catolicismo popular, pajelança, espiritismo
"kardecista" e as práticas africanistas). Em conjunto a
este processo, no plano espiritual, há um mecanismo de
adaptação e direcionamento dos Espíritos afins à faixa
vibratória brasileira, os quais colocam-se em contato com
o "mundo terreno" para contribuir com as necessidades
espirituais, psicológicas e sociais daqueles que, a pouco e
pouco, tornaram-se adeptos da Umbanda e seu universo
espiritual.

Cremos, particularmente, ser a Umbanda uma religião


essencialmente brasileira, contando com o amparo e
assistência de Grandes Numes, os quais orientam e
direcionam a coletividade umbandista no processo de sua
jornada espiritual, através da prática da caridade, do amor
ao próximo, da ética e da cada vez maior consciência
crítica e reflexiva de seu corpo de adeptos, fazendo com
que saiamos de uma zona de marginalidade e sub-cultura,
e passemos a ocupar e partilhar de um plano mais central
na produção cultural e religiosa no cenário brasileiro.

12
Ademais, em seu aspecto espiritual, também
particularmente, não cremos que a Umbanda disponha de
uma "missão" específica, como as religiões cristãs
predominantes (por exemplo, o Catolicismo, por meio de
sua Igreja procura arrebanhar fiéis e balizar sua conduta
religiosa para uma salvação; o protestantismo por sua
vez, busca a conversão do indivíduo à fé cristã para
também desta forma conseguir sua salvação; o
espiritismo "kardecista" pretende ser a Terceira
Revelação das religiões Abraâmicas, o Consolador
Prometido por Jesus Cristo). Sinceramente, não
cremos que a Umbanda disponha desta premissa na
constituição de sua práxis religiosa, bem como em seus
ensinamentos.

Cremos que a singeleza , a doçura e força da Umbanda


estão justamente na naturalidade em que ela se propõe a
oferecer abrigo àqueles que buscam uma vivência
religiosa em contato direto com o Sagrado através do
Transe (não necessariamente mediunista), na qual o
indivíduo pode ser partícipe da comunidade religiosa,
exercitar a solidariedade, a tão falada caridade, e
experienciar em si mesmo os efeitos salutares da conduta
direcionada para a ética e a responsabilidade, para o
contato com a natureza e a ligação direta com a
Divindade (Zambi, Olorum, Deus, etc) nas mais diversas
formas em que se apresente.

13
Kardecismo e Umbanda são
iguais?

É certo que existem semelhanças entre a prática do


espiritismo dito "kardecista" com determinadas práticas
da Umbanda. No entanto, impera entre adeptos dessas
duas correntes religiosas uma certa confusão no que se
refere à distinção entre ambas, e em idéias errôneas que
implicam numa visão "kardequisada" da umbanda, como
seja o entendimento de que esta seria uma corrente
paralela ao Espiritismo (popularmente conhecido como
Kardecismo), ou mesmo a de que a Umbanda seria uma
espécie de sub-cultura religiosa produzida a partir de um
processo de degeneração e miscigenação das práticas
espíritas (daí o termo pejorativo "Baixo Espiritismo").

Bem, a questão fundamental para podermos distinguir a


Umbanda do Kardecismo (permita-me o leitor a
utilização do termo popular quando referir-me ao
Espiritismo), é primeiro a de encontrarmos quais são os
aspectos que poderíamos relacionar como sendo
semelhantes entre ambos e após isso chegarmos a sua
distinção.

Sendo assim, podemos a priori relacionar como


semelhanças:

1º Crença em Deus;

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2º Crença na Imortalidade do Indivíduo;

3º Crença na Reencarnação;

4º Crença na existência de Espíritos;

5º Crença na possibilidade da Comunicação dos Espíritos


por meio do fenômeno mediúnico.

Acreditamos serem estes 5 aspectos que encontram-se,


em termos de similaridade, entre a visão "kardecista" e
umbandista. Obviamente, não elencaremos aqui os
princípios éticos e morais (amar a Deus sobre todas as
coisas e ao próximo como a si mesmo, a caridade, o
respeito pelo próximo, a consciência do dever e da
responsabilidade, a conduta de vida que busca a
abstenção de vícios e práticas mundanas, etc), pois estes
constituem o corolário de todas as religiões do mundo,
mesmo que ensinados e transmitidos de maneira
culturalmente diversa.

Partindo agora para as diferenças entre Kardecismo e


Umbanda, iremos direto a uma questão central e para isso
nos utilizaremos de três questões da obra intitulada O
Livro dos Espíritos, do respeitável e eminente prof.
Hippolyte Léon Denizard Rivail, mais conhecido como
Allan Kardec, codificador da Doutrina dos Espíritos,
vinda de França para o Brasil. Lembramos que esta obra
constitui a pedra angular do pensamento espírita. Vamos
as questões:

15
Questão 553: Qual pode ser o efeito de fórmulas e
práticas com ajuda das quais certas pessoas pretendem
dispor da vontade dos Espíritos?

Resp: O efeito de torná-las ridículas se são de boa-fé;


caso contrário, são patifes que merecem um castigo.
Todas as fórmulas são enganosas; não há nenhuma
palavra sacramental, nenhum sinal cabalístico, nenhum
talismã que tenha uma ação sobre os Espíritos, porque
estes são atraídos pelo pensamento e não pelas coisas
materiais.

- Certos Espíritos não têm, eles mesmos, algumas vezes,


ditado fórmulas cabalísticas?

Resp: Sim, tendes Espíritos que vos indicam sinais,


palavras bizarras ou que vos prescrevem certos atos com
a ajuda dos quais fazeis o que chamais de conjuração.
Mas estejais bem seguros que são Espíritos que zombam
de vós e abusam da vossa credulidade.

Questão 554: Aquele que, errado ou certo, tem confiança


no que chama virtude de um talismã, não pode por essa
confiança mesma atrair um Espírito, porque, então, é o
pensamento que age? O talismã não é senão um sinal que
ajuda a dirigir o pensamento?

Resp: É verdade, mas a natureza do Espírito atraído


depende da pureza da intenção e da elevação dos
sentimentos. Ora, é raro que aquele que é tão simples
para crer na virtude de um talismã não tenha objetivo
mais material que moral. Em todos os casos isso

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denuncia uma baixeza e uma fraqueza de idéias, que o
expõe aos Espíritos imperfeitos e zombeteiros.

Questão 555: Que sentido se deve dar à qualificação de


feiticeiro?

Resp: Aqueles a quem chamais feiticeiros são pessoas,


quando de boa-fé, dotadas de certas faculdades, como a
força magnética ou a segunda vista. Então, como eles
fazem coisas que não compreendeis, os acreditais dotadas
de uma força sobrenatural. Vossos sábios,
frequentemente, não passam por feiticeiros aos olhos das
pessoas ignorantes?

(Capítulo IX do Livro Segundo - Intervenção dos


Espíritos no Mundo Corporal)

Diante das questões expostas acima, vemos claramente o


posicionamento do Espiritismo no que se refere a sua
maneira de entender a relação com o mundo espiritual, a
qual confronta diretamente as práticas ritualísticas e
magísticas da Umbanda (obviamente a intenção de
Kardec e dos Espíritos não era criticar a Umbanda, até
porque nem creio que eles soubessem da existência de
práticas espirituais que viriam a se constituir na
Umbanda..sim, eles...não creio que os "Espíritos do
Espiritismo" sabem e conhecem tudo e a todos).

Começando pelo fato de que na Umbanda nos utilizamos


de rituais (as giras estão fundamentadas em rito-
liturgias), de signos cabalísticos (pontos riscados, cruzes,
triângulos, estrelas, etc), de talismãs (patuás, guias, etc),

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assim como utilizamo-nos da palavra e do som para
congregarmos forças espirituais (a curimba, constituída
de pontos cantados, toque de atabaques, etc), vemos que
ai já estão as características fundamentais da prática
umbandista, as quais a distinguem drasticamente do
"Kardecismo".

Há aqueles, mesmo adeptos da Umbanda, que admitem a


utilização das práticas ritualísticas, bem como os recursos
simbólicos e mágicos utilizados nas giras, como sendo
meros pontos de apoio e direcionamento da
intenção...corroborando, dessa forma, com a concepção
de que estes seriam somente "muletas psicológicas" para
a produção de determinado efeito.

No entanto, segundo nosso parecer, não consideramos


como simples recursos de apoio, as simbologias e
ritualísticas umbandistas, embora uma análise superficial
a respeito destes aspectos possa levar a crer nisso. Ao
contrário, as práticas umbandistas preconizam sempre
uma inter-relação direta e não bipartida da realidade
espiritual.

O mundo dito material ou corpóreo é manifestação da


realidade espiritual, e, por conseguinte, pela simbologia
mágica e ritualística podemos influenciar e movimentar
forças (as quais não são enquadradas dentro daquelas
conhecidas pela ciência) que desencadeiam reações na
realidade "material", como é o caso da cura de
determinadas doenças que ocorrem num trabalho de
terreiro, quebrando o paradigma da ciência, o qual ainda
não encontra explicações conclusivas a respeito (de como

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forças ou aspectos não-fisicos interferem em processos
físicos).

Ademais, é sempre importante lembrar que as práticas


ritualísticas da Umbanda, as firmezas que existem numa
tenda de umbanda, as práticas recomendadas para o
corpo de médiuns, suas proteções, benzimentos, banhos,
defumações, cruzamentos, pontos cantados, riscados,
etc...são essencialmente trazidos e transmitidos pelas
Entidades Espirituais responsáveis pela coletividade de
cada templo em particular, e pela faixa espiritual da
Umbanda como um todo. Admitir que esses recursos são
meros apoios de menor importância, é também admitir
que nossos Guias e Mentores são Espíritos Ignorantes ou
Zombeteiros, bem como seus adeptos também o seriam.
E isso também é um outro aspecto errôneo, o qual
podemos verificar na vivência da prática religiosa, no
"dia-a-dia de terreiro", em cujo meio, no contato com as
entidades espirituais, reconhecemo-las como Espíritos de
grande sabedoria, conhecimento e simplicidade.

Não estamos aqui dizendo que devamos aceitar tudo o


que os Espíritos nos trazem, de maneira indiscriminada e
tola. Isso porque é inegável que existem em determinados
núcleos dito "umbandistas" práticas exageradas
e esdrúxulas, as quais suscitam estranheza até mesmo
entre o próprio meio umbandista. No entanto, devemos
avaliar a atitude e a mensagem daqueles que buscam
trazer seus conselhos, suas mirongas, suas
firmezas...Somente assim podemos avaliar a natureza e a
intenção de determinados Espíritos. Da mesma maneira
como faríamos com qualquer pessoa que chegasse até

19
nós a fim de nos trazer uma mensagem ou um conselho.
Usar sempre o bom senso.

Importa ainda considerar que não devemos nos pautar na


visão "kardecista" para lastrear ou basear nossa prática
religiosa como umbandistas. Isso porque o "kardecismo"
não dispõe de uma visão adequada (não dispõe de uma
visão êmica) para entender o universo espiritual
pertinente a Umbanda. Por uma razão óbvia: o
Espiritismo foi concebido na França, em uma cultura
extremamente diversa, num meio intelectual e
"cientificista", sendo toda a sua proposta filosófica e
metodológica assentada sobre os discursos e a visão de
mundo pertinente àquela época, naquele país.

Para finalizar, gostaríamos de ressaltar aqui que as


opiniões grassadas no texto são particulares, não
representam a idéia de nenhuma coletividade ou
instituição em específico, tão pouco tem a intenção de
outorgar-se a Verdade. Da mesma forma, nosso respeito
é incondicional a todas as correntes religiosas, e em
específico ao próprio Espiritismo (do qual fomos, somos
e seremos sempre admiradores e estudiosos, apesar de
nossa crença estar situada nas lides da Umbanda).

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Práticas Rito-Litúrgicas na
Umbanda

Iremos agora explanar, de maneira simples e resumida, a


respeito das práticas rito-litúrgicas no templo de
Umbanda.

Adiantamos que não iremos tratar aqui de modelos de


rituais, estabelecer cronogramas e procedimentos, pois
isso é dado e cabe a cada templo umbandista e aos seus
dirigentes, os quais certamente dispõem de amplos
conhecimentos e vivência para estabelecê-los.

Nosso objetivo será o de tratar reflexivamente a questão


ritualística e da liturgia na prática Umbandista,
ressaltando seus objetivos, suas consequências espirituais
e social-coletiva. Para isso, iremos pautar-nos nos "ditos
e escritos" de proeminentes umbandistas e pesquisadores,
cujas obras estão citadas ao fim deste post.

Primeiramente gostaríamos de considerar o ritual como


sendo a práxis fundamental para agregar, em torno de um
objetivo específico, as idéias, pensamentos e o
comportamento da coletividade presente no rito. Por sua
vez, a liturgia (fechando assim o binômio rito-liturgia)
implica em todo o proceder por parte dos adeptos, o qual
viabiliza o cumprimento e a eficácia do rito. A liturgia
seria constituída por determinados gestos, palavras,

21
rezas, roupas, aparatos e posturas corporais, e até mesmo
o comportamento subjetivo (indicando concentração,
mentalização, silêncio, respeito, reciprocidade, etc)
realizados dentro do ritual.

Pois bem, toda a prática rito-litúrgica na Umbanda possui


3 aspectos sobre os quais esta se fundamenta, quais
sejam:

1º Preparatória;

2º Atração de Forças;

3º Movimentação destas Forças segundo o objetivo


visado.

Para que possamos cumprir um dado objetivo faz-se


necessário cumprir uma série de práticas e um
cronograma pré-estabelecido, a fim de sairmos de uma
condição inicial e realizemos o que nos propomos a
fazer. Em cima desta premissa é que se assentam os
vários ritos presentes e verificáveis no universo
Umbandista.

Dito isso, focamos a necessidade da prática rito-liturgica


como fundamental para o estabelecimento e a propagação
da tradição umbandista. As tradições umbandistas,
dentro de sua respeitável diversidade, estão ligadas
diretamente ao processo rito-liturgico. A tradição é a
consequencia imediata da vivência e da prática do rito ao
longo do tempo, por meio do qual são ressignificados e
transmitidos os princípios velados pelas Leis de

22
Umbanda, de geração a geração, de sacerdote/sacerdotisa
ao iniciado, do mestre ao aluno.

Como afirmaria Émile Durkheim, um dos baluartes da


sociologia moderna: "O culto não é simplesmente um
sistema de símbolos pelos quais a fé se traduz
exteriormente; é o meio pelo qual ela se cria e se recria
periodicamente. Consistindo em operações materiais ou
mentais, ele é sempre eficaz".

Ainda considerando a vivência do rito, no seu aspecto


social/coletivo devemos considerar o indivíduo como
portador de uma identidade divina, a qual não se
caracterizaria por um individualismo exclusivista; mas
uma identidade vivida e integrada ao contexto coletivo
religioso. No rito religioso, o indivíduo assume o
"divino" interior, estabelecendo um contato próximo com
a Divindade. Na Umbanda, essa
experiência "mística" dar-se-á pelo transe mediunista, no
qual o sujeito-médium comunga com seu orixá (aspecto
manifesto da Divindade) por intermédio de seu Guia,
sua "entidade de frente", seu "pai-de-cabeça", o
qual funciona como um mediador, manifestador e
regulador dos aspectos mais profundos e pulsantes da
inter-relação homem/Orixá e médium/Espírito Guia.

Chegamos agora no aspecto espiritual da vivência rito-


litúrgica. A importância da consciência religiosa por
parte do adepto umbandista deve comportar esse ângulo
de visão e compreensão da realidade espiritual, pois
somente assim este poderá ampliar e aprofundar sua
vivência e sabedoria dentro das Leis de Umbanda, e

23
obviamente colherá melhores e mais frutos abençoados
ao longo de sua jornada espiritual.

Considerando que nos dias de rito, notadamente, as


irradiações do Orixá começam a se estreitar e entrelaçar
com as do médium de maneira mais profunda pelo menos
7 horas antes dos trabalhos, as práticas de preparação do
médium antes das giras, como sejam os "banhos de
defesa", a introspecção, o cultivo da oração, a abstenção
de determinados hábitos e vícios, são fundamentais para
que o adepto possa romper as barreiras
interiores, inconscientes, de maneira a emergir a
força arquetípica e espiritual de seu Orixá regente, e essa
confluência de forças possa resultar em processos de
saúde, de prosperidade, de maturidade emocional e
vitalidade perante a vida. É assim também que o médium
pode, de maneira prática e patente, aprofundar seus
estados de transe e assim aos poucos eliminar a dúvida
do "eu ou não-eu" durante a prática mediunista.

Adicionalmente, todos os templos umbandistas sérios e


com compromissos fundamentados na relação com os
Mentores e Guias Luminares da Umbanda, possui toda
uma estrutura espiritual, localizada obviamente na
dimensão extrafísica, a qual comporta e atinge uma
esfera exterior muito maior do que os limites físicos do
templo. Dentro desta dimensão estão inseridas uma série
de energias polivalentes e poderosas, as quais serão
movimentadas no momento do rito a benefício de todos
os presentes e de tantos outros distantes, seja espacial ou
dimensionalmente. A quantidade de Espíritos associados
ao rito, seja na condição de orientadores e amparadores,

24
seja na condição de doentes em tratamento supera em
muito a quantidade de encarnados presentes no dia de
trabalho.

Sendo assim, toda a dedicação e carinho, além do


respeito e da seriedade, com os quais os médiuns possam
revestir-se, serão sempre fatores fundamentais para o
bom andamento e para a eficácia dos trabalhos
espirituais, em benefícios de todos!

25
Das Entidades Espirituais da
Umbanda

Muito se tem dito e escrito a respeito das entidades


espirituais vinculadas ao universo espiritual da Umbanda.

É de conhecimento de todos, inclusive popularmente, as


representações simbólicas sob as quais estas entidades se
apresentam nos ritos dos templos umbandistas. São os
nossos caboclos, pretos-velhos, crianças, baianos,
boiadeiros, marinheiros...

Não entraremos aqui no estabelecimento de linhas de


trabalho, ou na característica particular de cada tipo de
entidade, as quais cabem para cada templo, de acordo
com sua tradição.

Faremos sim, uma incursão direcionada ao conhecimento


de quem são os Espíritos que se manifestam como Guias
e Protetores na Corrente Astral da Umbanda, bem como
qual a sua relação com o universo "material", com a
consciência mediúnica e “como estes Numes transitam
entre a dimensão humana e a dimensão divina (expressa
pelo Orixá)”.

Para iniciarmos, precisamos compreender em essência a


atuação do(s) Orixá(s) como sendo a de um ser
estruturador da Realidade. Tudo o que existe no
26
Universo, seja de natureza concreta ou abstrata, física ou
não-física, realiza-se e sustenta-se por meio do(s)
Orixá(s). O(s) Orixá(s) é quem manifesta a "vontade
Divina" no tempo e no espaço, estruturando as várias
dimensões da Vida e abarcando em si as esferas
pertencentes a estas dimensões (Natureza, Humanidade,
Espiritualidade e Divindade).

Por ser o agente manifestador da Divindade Maior


(Olorum, Deus, Zambi, etc.), o Orixá manifesta-se
no universo como um todo, tornando-se regente de uma
determinada faixa vibratória, a qual alberga em si todos
os seres portadores de consciência (independente de seus
níveis) e, por consequência, todas as coisas existentes.
Lembremos que o "mundo material"
(Natureza/Humanidade), segundo nossa conceituação, é
manifestação do "mundo espiritual"
(Espiritualidade/Divindade), por isso o universo
material existe na medida em que é manifestado pela
Consciência, a qual está situada na dimensão
Espiritualidade/Divindade.

Obviamente, existe um contínuo "fluxo e refluxo" neste


trânsito entre a Realidade Divina/Espiritual e a realidade
Natural/Humana.

Sendo assim, Orixá torna-se então manifestação da


Divindade (sendo Seu preposto na Hierarquia Divina), na
Espiritualidade (manifestando-se como força viva através
dos Numes Espirituais), na Natureza (por meio dos 4
elementos: ar, fogo, agua e terra) e, por fim, na
Humanidade (emergindo como força

27
arquetípica pertinente ao inconsciente pessoal e coletivo
do indivíduo).

Dito isso, entendemos agora que dentro de cada faixa


vibratória, a qual denominamos Linha dentro das Leis de
Umbanda, estão contidos aspectos divinos, entidades
espirituais, elementos da natureza e seres humanos cujas
consciências "vibram originalmente" em sintonia com
esta ou aquela faixa, representante deste ou daquele
Orixá. É por isso que temos então pessoas filhas de tal
Orixá, espíritos representantes de Orixá tal, elementos da
natureza relacionados com Orixá tal, assim como
atributos divinos ligados a determinado Orixá.

Diante dessa questão, entenderemos que as entidades


tidas como Guias e Protetores em nossa Lei de Umbanda,
são aquelas que passando pelo ciclo nascimento - morte -
reencarnação (ciclo reencarnatório), a pouco e pouco,
vivenciam e vivenciaram a experiência do contato
homem/Orixá, seja na vida do mundo espiritual, seja na
vida "humana" (encarnação), seja na sua passagem
evolutiva pelos reinos da natureza, adquirindo
consciência do Orixá, daquilo chamado de "Deus
interno", passando a ser manifestadores da força e
irradiação do Orixá.

Assim é que podemos ter, dentro de uma mesma Linha,


entidades diversas. Ex: Preto-Velho, Caboclo, e
Boiadeiro manifestando a irradiação de Ogum;
Marinheiro, Criança, Caboclo e Preto-Velho,
manifestando a irradiação de Yemanjá, e assim por
diante.

28
Importante considerarmos também que os termos
"Caboclo", "Preto-Velho", "Criança", "Baiano", etc.,
mais do que a forma de apresentação destes Espíritos,
remetem ao grau espiritual concernente a cada um. Esse
grau espiritual não traduz uma relação vertical entre as
Entidades (por exemplo, Preto-Velho seria "mais
evoluído" que o Caboclo, e vice-versa). Ao contrário, as
relações do plano espiritual revelam-se horizontalmente
entre os Guias e Protetores, sendo dada a ascendência de
determinado Espírito sobre o médium pelo fato deste
guardar maior afinidade vibratória e kármica sobre o seu
tutelado. Embora seja verdade que muitos espíritos
tiveram pelo menos sua última encarnação como índios,
negros, nordestinos e sertanejos, isso não se torna uma
regra na qual possamos enquadrar todos as Entidades que
"baixam" nos templos de Umbanda.

Tratando agora a respeito da relação médium/Guia,


podemos também citar um aspecto interessante, segundo
o qual sendo o médium filho de determinado Orixá, esse
receberá um Guia manifestador deste mesmo Orixá,
conhecido como "pai de cabeça" ou "guia de frente". Será
sempre sob a cobertura dessa entidade "principal" que
irão ocorrer as manifestações mediunistas das demais
entidades que compõem a "coroa mediúnica" do médium.
A abertura da sintonia mediúnica será sempre realizada
pelo guia de frente (não necessariamente incorporando-se
no médium antes das demais, mas sim efetivando uma
influenciação mais subjetiva e sutil), resguardando o
médium e sua identidade.

29
Finalmente, e ainda sobre a atuação do Guia de frente,
na experiência do transe, ao longo da vivência
tempo/rito, poderão emergir os conteúdos
numinosos presentes no inconsciente do médium
proporcionando experiências místicas profundas e
alterações marcantes no seu comportamento e percepção
da vida, compreendo-se como Ser existente tanto na
realidade material (natureza/humanidade) quanto
espiritual (espiritualidade/divindade), como sujeito eterno
e constituído pelo Divino/Orixá.

30
As Ervas

Na Umbanda tudo tem um fundamento e uma razão de


ser.

Não importa se essa "razão de ser" seja diretamente


concordante com a ciência moderna, pois nem sempre a
visão metafísica preconizada pela compreensão
Espiritualista da realidade comporta métodos de
mensuração quantitativa e qualitativa, exigências básicas
para a comprovação do método científico acadêmico.

Importa sim, que a metafísica característica de um


segmento religioso comporte em seus princípios e
fundamentos um discurso e uma prática coerentes entre
si, e esteja embuída de crítica da realidade de si mesma e
da sociedade na qual está inserida. Assim, ambas as
formas de compreender a realidade, no seu aspecto
religioso e científico, podem se interfacear, não
fundindo-se, mas convivendo num mesmo ambiente
cultural, sendo comportadas pela fé e pela razão humana,
cada uma respeitando a esfera de ação a que lhe pertence.

Dizemos isso para podermos abrir nosso estudo reflexivo


a respeito das Ervas na Umbanda.

Deixaremos claro mais uma vez que não iremos aqui


passar receitas de banhos ritualísticos, defumações,
simpatias, amacis, etc. não que tenhamos nada contra,
31
muito pelo contrário, uma vez que somos umbandista,
mas como sempre nossa intenção será a de refletirmos a
respeito do porquê do uso e da importância das ervas no
universo religioso umbandista e como essas estão ligadas
aos aspectos físicos e espirituais, segundo o sistema de
crença da Umbanda. Como sabemos que em nosso meio
existem várias tradições, procuraremos tratar o assunto
da maneira mais ampla possível para que tenhamos uma
visão satisfatória e adaptável ao máximo número de
adeptos.

A Umbanda, por ser essencialmente um credo


Espiritualista, compreende a Realidade como sendo
portadora de uma porção material e outra porção
espiritual. No entanto, como já tratado em textos
anteriores, não entendemos estas duas "polaridades" do
Universo como estando separadas uma da outra.

Entendemos inclusive que o "mundo material" é


manifestação do "mundo espiritual", seus aspectos
essenciais coexistem dentro de um sistema maior em que
forças sutis transitam entre ambos, carreando os influxos
de origem divina/espiritual para o universo material, bem
como a experiência dos efeitos materiais em essência
repercutem vibratoriamente em determinados níveis mais
próximo-imediatos do plano espiritual.

Uma vez compreendida essa questão, passamos a


entender como, segundo nosso sistema de crença e
experiência religiosa, tudo no planeta é dotado de uma
dimensão corpóreo-física e outra mais
essencial/espiritual. As ervas, utilizadas em nossa prática

32
religiosa com as mais diversas finalidades, possuem
então uma dimensão corpórea e vital (são seres vivos)
assim como uma dimensão espiritual/divina (estão
associadas às consciências espirituais ainda em estágio de
evolução neste reino anterior ao hominal, assim como
está contida nelas a manifestação direta dos Orixás).

Diante de tudo isso, entendemos agora que as ervas


podem influenciar o mundo material, quando utilizadas
como medicamentos, alimentos, etc...assim como podem
influenciar a dimensão espiritual, quando empregadas na
rito-liturgia umbandista, em forma de banhos de defesa,
defumações, amacis, etc.

Para concluir, abordaremos mais um aspecto de


fundamental importância para nossa compreensão. Como
dissemos anteriormente, entendemos que tudo que há em
nosso planeta, e neste caso, especificamente na natureza,
é dotado de uma constituição sutil e espiritual. Dessa
forma, é necessário que haja, quando da utilização da
erva nas práticas do rito umbandista, uma ligação entre
o(s) indivíduo(s)/médium(ns) operador(es) do rito com a
erva ou as ervas que serão utilizadas.

É a mente do sensitivo que "dispara" o comando para que


sejam movimentadas as forças sutis que estão contidas na
erva e no ambiente que será atingido por tal ação
magística. Devemos lembrar que para um trabalho
espiritual, no qual as ervas serão utilizadas como
poderoso recurso, a vontade e o pensamento do operador
é que irão subordinar e comandar o processo.

33
Evidentemente existem práticas de fundamento
específicas dentro de cada terreiro que destinam-se
justamente a promover esse "despertar" das propriedades
espirituais das ervas. Para citar um exemplo, quando o
corpo de médiuns canta e dança para os Orixás junto ou
próximo às folhas que posteriormente serão utilizadas
nos trabalhos ritualísticos da casa, mesmo que muitos dos
presentes não o saibam, podemos estar certos de que
neste instante está ocorrendo uma verdadeira "agitação"
nos planos etéricos/espirituais em cujas dimensões
movimentam-se os aspectos curativos/espirituais de
nossas folhas sagradas, com as quais sempre poderemos
contar como abençoados remédios para o corpo e para as
questões espirituais, levando toda a negatividade, os
acúmulos nocivos de energias densas, afastando seres
espirituais de baixa frequência e nos colocando
vibratoriamente em contato com os Guias e Orixás de
nossa amada Umbanda!

34
A Defumação

Em continuidade ao assunto iniciado e tratado no post


anterior, trataremos agora de outra questão extremamente
presente no dia-a-dia da prática umbandista: a
defumação. A defumação como verdadeira magia para a
correção e harmonia das estruturas espirituais do templo
e principalmente do indivíduo.

É sabido por parte de todos os adeptos da nossa


Umbanda como se preparar uma boa defumação. Os
templos umbandistas fornecem essa orientação, além de
contarmos com uma considerável bibliografia no meio
umbandista que trata, pelo menos de maneira básica, a
respeito deste fundamento.

Entretanto, gostaríamos neste momento de aprofundar o


olhar a respeito e reflexionar sobre como uma prática,
vista como um mero "exotismo" ou prática primitiva ao
olhar do leigo, está revestida de tanta sabedoria e
conhecimento a respeito das dimensões do ser humano e
da vida.

A difusão cada vez maior de idéias a respeito da


realidade quântica do universo em nossa cultura ocidental
- a qual é caracterizada pelo cientificismo e pelo
racionalismo filosófico -, tem suscitado muitas
discussões em nosso meio social e também nos meios
acadêmicos.

35
A compreensão quântica do universo (preconizada pelo
eminente professor de Física da Universidade de Oregon,
Amit Goswami) postula que a Realidade é criada pela
Consciência, a qual escolhe, entre várias possibilidades
prováveis, quais os contextos que irão surgir como
realidades. Isso implica em dizer, sumariamente, que
nossa consciência objetiva ou de corpo (as sensações
corporais como calor, frio, dor, leveza, pressão sobre a
pele) e nossa consciência subjetiva ou psíquica
(percepção de individualidade, assim como sentimentos,
emoções, ideias, pensamentos), seriam causadas pela
ação da Consciência. A este princípio foi dado o nome de
causação descendente (a Consciência cria a realidade, o
cérebro e o corpo), implicando numa posição contrária ao
paradigma científico materialista, tido como causação
ascendente, o qual define o cérebro como criador da
consciência e do sentido de individualidade.

A Consciência seria, portanto, Causal.

Obviamente, essa Consciência, a qual É essencialmente


nós mesmos, opera essas "escolhas" num nível
inconsciente, por isso não temos a percepção objetiva e
consciente de que estamos produzindo a realidade em
que vivemos, sentimos, pensamos e nos movimentamos.
Talvez ai more a chave central para a compreensão da
Lei Kármica. Em outra oportunidade, voltaremos a este
aspecto para refletirmos a respeito da Lei do Karma e do
Livre-Arbítrio.

É importante fixarmos, deste conceito acima explicitado,


que é a partir do momento em que a Consciência cria a

36
Individualidade, a qual está localizada em vários níveis
dimensionais (natural - espiritual - divino, por exemplo),
Ela (a Consciência) manifesta estruturas paralelas que
interagem dinamicamente e regulam-se umas as outras,
num movimento de equilíbrio. Essas estruturas, fazendo
uma ponte com os conhecimentos espiritualistas,
podemos chamá-las, didaticamente, de: corpo físico
(material), corpo vital ("semi-material" ou etéreo), corpo
psíquico (sutil) e corpo mental (sutilíssimo).

Uma vez que o movimento harmônico entre essas


estruturas dinâmicas implica na saúde, consequentemente
a desarmonia entre esses movimentos equivaleria à
doença (seja ela física, psíquica ou espiritual).

Cremos que o princípio espiritual (conhecido nos cultos


de nação, nos Candomblés, como Axé) está manifesto em
cada ser humano, cada Espírito, e em cada elemento da
Natureza (por conta da própria ação dos Orixás), e este
pode ser transmitido, assimilado, compartilhado e
renovado dentro deste Sistema abarcado pela
Consciência.

As ervas, na dimensão natural (Natureza), pelos


processos de seu desenvolvimento, recolhem do solo os
nutrientes necessários para sua subsistência e
perpetuação da espécie, além da influência da luz solar e
da lua, as quais também contribuem nos fenômenos da
fotossíntese e no seu crescimento.

Já na sua dimensão espiritual, as ervas estão carreadas de


grande acúmulo etérico, por conta da absorção das

37
energias sutis provindas dos 4 elementos (ar, fogo, água e
terra).

Adicionalmente, na sua dimensão divina, as ervas


carregam o princípio espiritual do(s) Orixá(s).

As ervas também são, portanto, manifestação da


Consciência Causal.

Por carregarem em si substâncias químicas (seu princípio


ativo), no momento de sua queima essas são liberadas no
ambiente. Como muitas das ervas utilizadas na
defumação possuem propriedades antissépticas e
curativas (por exemplo, alecrim, eucalipto, arruda e
guiné), sua fumaça age primariamente sobre o corpo e o
ambiente contribuindo para o saneamento destes.

Em relação às estruturas etérica/espiritual, quando


utilizamo-nos da defumação em nossas giras, os
princípios espirituais liberados pelas ervas no momento
de sua queima e potencializados na fumaça, influenciam
estas estruturas de cada indivíduo (encarnado ou
desencarnado), estabilizando-as e contribuindo para que a
Individualidade possa recuperar-se ou fortalecer-se.

No entanto, na prática litúrgica, este processo manifestar-


se-á sempre pelo comando do médium/operador, cuja
consciência e o poder da vontade "dispara" o gatilho que
irá promover sua movimentação no plano espiritual.

Não podemos nos furtar a dizer da importância de nossos


Guias e Mentores neste processo, os quais dinamizam, no

38
momento da defumação, seus próprios "princípios
espirituais", verdadeiros "mananciais de luz",
direcionando-os para todos, formando uma verdadeira
"aura coletiva" da qual cada um retirará o que lhe seja
necessário.

Finalizemos colocando um ponto de destaque. Não


cremos, particularmente, que essa influência nas
estruturas sutis da Individualidade, efetivada no ato da
defumação, processe-se obedecendo às Leis Físicas
conhecidas e aceitas atualmente. Nossa proposta aqui, ao
citarmos conceitos da Física Quântica, é a de
contemporizar nossa visão do universo espiritual,
estabelecendo uma relação com assuntos atuais,
provindos de um meio oposto ao religioso, qual seja o
meio científico acadêmico.

Pretendemos assim situar o conhecimento humano como


sendo o contemplador de ângulos de entendimento da
realidade diversos mas ao mesmo tempo
complementares, dos quais podemos dispor para darmos
significados à nossa existência e realidade.

Lembremos que somos a Consciência e escolhemos a


nossa realidade!

Deixamos isso claro para não parecer que estamos


tentando dar explicações científicas para um processo
essencialmente mágico e subjetivo, segundo nosso
entendimento, embora totalmente eficaz e real.

39
O amigo leitor deve estar se perguntando agora: Ué... A
que tipos de Leis então essa prática de "transmissão de
forças" obedecerá?

Respondemos: Temos uma linha de estudo que versa a


respeito dos fundamentos de transmissão de forças
espirituais dentro da prática umbandista.

Isso por que a explicação do processo implica no


tratamento de alguns conceitos que tornariam o presente
texto muito extenso. Então, no capítulo
"Simbolismo , Magia e Subjetividade na Prática
Umbandista", trataremos do assunto.

Saravá!

Defuma com as Ervas da Jurema,

Defuma com Arruda e Guiné,

Benjoim, Alecrim e Alfazema

Vamos defumar Filhos de Fé!

40
O Banho de Ervas

O corpo é instrumento da alma. Estamos manifestos no


plano material e instrumentalizados por um complexo
orgânico responsável por arquivar nossas experiências
sensoriais e extra-sensoriais, mediante cujo mecanismo
acrescemos ao nosso patrimônio interior, por via do
inconsciente, os registros dos quais nos valeremos ao
longo de nossa caminhada espiritual, obedecendo ao
imperativo da reencarnação.

Como já salientamos em nossos textos anteriores,


segundo nossa concepção, a Umbanda não vê o mundo
espiritual e o mundo material como expressões
dissociadas e independentes. Cremos numa Unidade que
se manifesta em dimensões diversas.

Voltamos a essa premissa para que possamos entender o


porque das práticas espirituais da Umbanda estarem
intimamente ligadas a utilização de elementos da
natureza, símbolos e até mesmo com expressões
corporais características.

Ao contrário do que alguns seguidores de outras


correntes espiritualistas vêem na Umbanda, não
nos utilizamos de recursos "materiais" como apoio para
conseguir "efeitos espirituais" que poderiam ser atingidos
somente com faculdades subjetivas, supostamente de
"níveis superiores". Para nós, a noção de corporeidade
41
está diretamente associada à significação do mundo, no
qual, como Espíritos encarnados, nos manifestamos.

Por exemplo, diferentemente do Espiritismo (vide:


"Kardecismo" e Umbanda são iguais?), no qual a relação
com o mundo espiritual é expressa, notadamente, pela
fala do médium (por isso a utilização do termo
psicofonia, para designar o fenômeno pelo qual o espírito
se comunica, nas sessões mediúnicas espiritistas), na
Umbanda possuímos duas formas de expressão do
fenômeno espiritual: a linguagem corporal e a fala,
sendo a primeira mais significativa e rica dentro da
simbologia e fenomenologia do transe (por conta de suas
gestualidades, danças, expressões faciais, atos litúrgicos,
etc.).

"A linguagem da umbanda não é referencial, não


etiqueta objetos, metafísicos ou não, o que lhe permite
uma grande liberdade de composição. Pode conceber-
se como processos de enunciação que envolvem a
integralidade dos sentidos"(Bairrão, 2004).

Como manifestação do Espírito, na Umbanda o corpo


expressa memórias coletivas e pessoais, sendo essas para
nós, o conjunto das vivências da humanidade ao longo do
tempo (em suas dimensões natural, social, espiritual e
divina).

Assim, os banhos de ervas compõem dentro das práticas


religiosas na Umbanda, mais um significativo
procedimento para estabelecer-se a relação do seu adepto
com o mundo espiritual.

42
O banho de erva, assim como a magia das fumaças (vide:
A Defumação), compõe a preparação fundamental de seu
adepto para o contato com o Sagrado, com os Numes da
Umbanda, os quais não somente valem-se do psiquismo
como também utilizam-se do corpo do médium, num
autêntico processo de incorporação.

Dessa forma, é importante que não só o subjetivo (os


pensamentos e as emoções) esteja em harmonia,
refletindo um estado de serenidade. É também
sumamente imprescindível que o corpo também esteja
em estado propício para a prática espiritual.

A prática de banhar-se com as ervas ritualísticas serve


como instrumento de fixação das irradiações espirituais
em torno do Aura do indivíduo, restabelecendo o
equilíbrio de suas estruturas dimensionais mais sutis. O
banho de ervas também pode ser utilizado como
descarregador de "energias negativas" e como elo
sintonizador com a vibração de seu Orixá.

O "filho de fé" umbandista precisa estar com seu corpo


"vibratoriamente" adequado para que suas energias
espirituais possam fluir de si, influenciando a realidade e
produzindo estados de bem-estar, de equilíbrio emocional
e prosperidade.

O médium umbandista precisa estar com seu corpo


"purificado" e sintonizado com as faixas espirituais de
onde provêm os Guias e Protetores da Corrente Astral de
Umbanda, para que seu trabalho possa ser feito a
contento.

43
No caso de uma influência espiritual negativa, as
emanações etéricas propiciadas pelo banho impactam
sobre o corpo astral da entidade obsessora, alijando-a da
ligação com seu "hospedeiro", favorecendo que este se
reestabeleça.

Como vemos, nossas práticas estão repletas de


significado e sabedoria, das quais nos dispomos dentro de
nossa cultura religiosa, buscando sempre a saúde, a
felicidade e a relação com o Divino.

44
A Pemba, a Lei de Pemba e o
Ponto Riscado

A Pemba é um elemento ritual muito característico e


presente nos terreiros de Umbanda.

Como mostra a figura ao lado, trata-se de um giz rústico,


constituído de calcário.

Esse elemento é amplamente utilizado nos rituais


africanos, e obviamente, herdamos desta cultura religiosa
tal prática.

A Pemba geralmente é utilizada de duas formas


específicas nos ritos: em pó ou em forma de pedra.

A origem do nome, Pemba, vem da lenda africana


referente ao monte Kabanda e as águas do rio Usil (tidos
como sagrados pelas tribos Bacongo e Congo). A lenda
conta a história da donzela M.Pemba, virgem filha do
poderoso líder de sua tribo, Soba Li-u-Thab. M.Pemba
seria conservada virgem para que fosse oferecida às
divindades cultuadas por aquela tribo, no entanto, a
jovem conhece um estrangeiro, e ambos entregam-se a
uma aventura amorosa, tomados pela paixão.

O pai de M.Pemba, quando toma conhecimento de tal


aventura amorosa, manda degolar o rapaz para que em

45
seguida fosse lançado ao rio USIL, de maneira que fosse
devorado pelos crocodilos. M.Pemba, consternada com
tal tragédia e desilusão amorosa, para atestar sua dor e
pesar, cobria todo o seu corpo com o pó branco retirado
do monte Kabanda e à noite, para que seu pai não
soubesse desse ato de dor perante a morte de seu amor,
lavava-se nas margens do rio.

Um dia, pessoas da tribo que observavam M.Pemba


banhar-se, viram que a jovem elevava-se aos céus,
deixando em seu lugar um monte de massa branca às
margens do rio. Ao informarem o pai, Soba, enfurecido,
mandou que também degolassem aos membros da tribo.
No entanto, como estes haviam passado em seu corpo
aquela massa branca deixada pela jovem "divinizada",
perceberam que o tirano líder acalmava-se e tornava-se
bom, desculpando os seus servos.

A partir daí, a Pemba vem sendo utilizada dentro dos


ritos africanos.

A Lei de Pemba.

O termo refere-se ao domínio da mística


simbólica, realizada e transmitida pelos guias de
Umbanda, cujos seus maiores conhecedores e guardiões
de seu segredo são os nossos Pretos-Velhos.

A Lei de Pemba é expressa pela utilização de símbolos


cabalísticos de origem universal, presentes em todas as
culturas ao longo da história da Humanidade, os quais

46
ganham re-significação própria dentro da rito-liturgia
umbandista.

A Lei de Pemba contém em si aspectos fundamentais do


conhecimento transcendente a respeito das Leis
Espirituais que regem os movimentos das consciências
viventes no planeta Terra, bem como as vinculações de
ordem kármica entre estas e os mecanismos pelos quais a
vontade humana pode subordinar forças sutis e naturais,
movimentando-as, com a intenção de produzir efeitos
que impactem nas dimensões material e espiritual.

Sendo assim, a Lei de Pemba manifesta as chaves para o


conhecimento dos atributos e vinculações das Entidades
Espirituais dentro das Leis de Umbanda, assim como
guarda para si aspectos mais profundos que não podem
ser acessados diretamente por pessoas (encarnadas) e
mesmo entidades espirituais que ainda não possuam
níveis de conhecimento e de consciência próprios para
tal.

Como dissemos, as Entidades Espirituais ligadas à


Corrente Umbandista, trazem os conhecimentos, em
maior ou menor grau, referentes à Lei de Pemba e para
que possam grafá-los, "abrindo-os" para a dimensão
material, utilizam-se de símbolos próprios da cultura
humana, os quais encontram-se gravados no inconsciente
do médium e em si próprios. Para isso, dentro da cultura
umbandista, damos significados próprios a tais
simbologias, contextualizando-os de acordo com nosso
universo simbólico-espiritual.

47
De acordo com Evans-Pritchard (2004), conforme consta
em Etiene Sales (2005), o símbolo religioso é uma
representação analógica do mundo invisível, sendo a
cultura a matriz geradora das formas simbólicas que
trazem à existência (mundo imanente) forças do mundo
espiritual.

Pelo exposto acima, vemos que a Espiritualidade irá


utilizar-se daqueles símbolos subjacentes no inconsciente
do indivíduo, portanto dotados de grande força
emocional e transcendente, para imprimir as "ordens" e
"movimentos" que facultarão a obtenção de determinados
efeitos sobre o ambiente, sobre a coletividade presente ao
rito, sobre o médium ou o consulente, sobre um espírito
desencarnado ou um doente necessitado de ajuda, etc...

Depreendemos então que a Lei de Pemba, num nível


mais fundamental, é utilizada para a criação de
concentrações de forças que serão postas em movimento
para beneficiar os presentes ao rito.

Assim, a Lei de Pemba consubstancia-se, dentro da


prática rito-litúrgica umbandista, por meio do Ponto
Riscado.

Ponto Riscado

Segundo as Hierarquias Espirituais regentes das Leis de


Umbanda, os espíritos ligados à Corrente Astral afim à
nossa faixa espiritual religiosa, estão agrupados em 3
categorias distintas, quais sejam:

48
Orixás, Guias e Protetores (trataremos em artigos
futuros de maneira mais detalhada a respeito das
Hierarquias Espirituais da Umbanda).

Essa categorização evidencia uma qualificação em


termos de evolução espiritual para os espíritos
trabalhadores da Umbanda.

Pela Lei de Afinidade, estes espíritos irão utilizar-se de


médiuns compatíveis com seus propósitos e alcances de
trabalho. De maneira geral, os espíritos identificados com
o trabalho mediúnico estão entre aqueles na condição de
Guias e Protetores.

Conforme havíamos dito, a Lei de Pemba contém em si


uma série de aspectos profundos da realidade espiritual, e
por conta disso, seu acesso não é dado de maneira
integral a todos os Espíritos e médiuns. O patamar de
conhecimento e possibilidades de compreensão a respeito
da utilização da grafia cabalística umbandista, está
diretamente relacionado ao grau de consciência
manifestados pelo Espírito atuante e o seu respectivo
médium.

Dessa forma é que veremos Pontos Riscados que


meramente trazem informações a respeito da Entidade
manifestada naquele momento, qual a sua pertença
espiritual e ordens de trabalho. Ou seja, pelos símbolos
contidos no Ponto Riscado, podemos identificar qual a
Linha, Falange e Cruzamento (se for o caso) do Guia ou
Protetor. Aliás, justamente, o que irá categorizar um

49
espírito na condição de Guia ou Protetor é exatamente a
simbologia e interpretação expressa no Ponto Riscado.

Resumindo, pelo Ponto Riscado a entidade poderá dizer


quem é, qual a sua linha e, qual seu grau dentro da
hierarquia espiritual. O Ponto Riscado é a assinatura da
Entidade Espiritual.

Adicionalmente, o Ponto Riscado é utilizado não


somente para identificação dos Espíritos como também
para beneficiar determinadas pessoas (física ou
espiritualmente) e para a consagração de guias, patuás,
elementos rituais (pembas, instrumentos da curimba,
fitas, velas, imagens, etc).

Não podemos deixar de considerar, quanto à


interpretação e significado dos símbolos usados nos
Pontos Riscados, ser imprescindível levar em conta o
contexto cultural e tradicional do templo umbandista
onde serão expressos e manifestos. Isso por que, segundo
Sales (2005): "O significado de um símbolo não é
intrínseco, mas depende do discurso em que encontra
inserido em sua própria estrutura. Fora do contexto onde
foram gerados, os significados dos símbolos se alteram
[...]. É preciso perceber a dinâmica própria da cultura
religiosa do local e sua influência nas simbologias e
representações".

Compreendemos então que os Pontos Riscados não são


símbolos universais (embora os elementos contidos neles
sejam) e sua linguagem expressa um padrão dinâmico

50
que carece ser interpretado dentro do contexto religioso
de cada casa de Umbanda.

Sendo assim, esperamos ter contribuído um pouco com o


esclarecimento a respeito destes aspectos tão presentes na
nossa vivência umbandista.

Que Oxalá abençoe-nos!

51
As Roupas Litúrgicas e as Fitas

A questão dos aparatos litúrgicos na Umbanda é sempre


notada por parte daqueles que frequentam ou tomam o
primeiro contato com nossa religião. Em meio a essa rica
estrutura semiótica presente nos ritos umbandistas,
encontramos os elementos que servirão como pontos de
atribuição de significados de nossa cosmovisão, quais
sejam os elementos rituais.

Neste post, traremos considerações a respeito de


dois elementos rituais específicos: As Roupas Litúrgicas
e as Fitas.

Antes disso, devemos lembrar que em posts anteriores,


havíamos já situado a interação Espírito-corpo, sob cujos
mecanismos a corporeidade é fundamental para o
entendimento de sua ação sobre a espiritualidade. O
corpo, por caracterizar-se como manifestação do Espírito,
é também espírito, situado na dimensão material. Os
elementos corpóreos (ditos materiais) também possuem
estruturas sutis e irradiações espirituais que os compõem.

O trabalho com o corpo e o corpóreo torna-se o vínculo


principal para influenciarmos a realidade espiritual,
pois é pela experiência do contato com a realidade física
(material) que o Espírito agrega os valores
imprescindíveis para o seu aprimoramento e evolução.

52
Assim, a composição de sentidos estéticos para as
práticas espirituais não são fetichismos, mas são atos de
reconhecimento do espiritual naquilo que em sua
essência já o é. A matéria-prima utilizada na confecção
de todo o aparato litúrgico, contém essencialmente a
força espiritual por provir da Natureza, na qual estão
impressas, de forma latente, as irradiações dos Orixás.

No "corpo físico" estão situados os elos de várias


dimensões do Ser e da Vida. No corpo, encontramos a
ligação entre o indivíduo e o coletivo, a cultura e a
natureza, o sagrado e o humano (Silva, 2008).

O corpo do adepto deve ser preparado para receber os


Guias, manifestadores dos Orixás, e para isso deve estar
interiormente e exteriormente adequado para tal ato,
havendo um entrelaçamento dos planos sagrado e
humano, permeados por um sentido estético.

Cultura e natureza, assim como sagrado e humano, são


aspectos interpretados dentro da cultura Umbandista,
assim como nas demais religiões afro-brasileiras, como
sendo não-opostos. Antes, são aspectos que fluem para
um mesmo princípio e fim.

As roupas litúrgicas - roupas de santo, como são


conhecidas -, obedecem a uma composição básica e
homogênea, de maneira que todos os integrantes
do cazuá estejam apresentando-se uniformemente.
Nessa prática, entendemos que no momento do rito,
quando o médium veste sua roupa de santo, ele deixa de
lado a sua individualidade - seus atributos sociais,

53
seu status econômico, seu grau de intelecto, etc. -, para
inserir-se em um contexto religioso que o conduzirá a
uma vivência na qual a persona individual deve ser
deixada de lado para que haja a passagem para a persona
social, o sujeito integrante de um sistema maior, no qual
ele compõe um elo. Um dos vários elos da corrente
mediúnica.

Assim, nossas circunstâncias particulares devem ser


deixadas, momentaneamente, de lado para que possamos
integrar-nos aos trabalhos espirituais, porquanto neste
trânsito entre persona individual - persona social
anularemos os aspectos centrais de nossa consciência
para abrirmos campo a persona-espiritual que irá acessar
a persona-divina, a depender de cada um, habitante do
interior de cada ser humano.

A roupa litúrgica, por caracterizar um aparato específico


e importante para o médium, deve ser tratada como tal.
Recomenda-se, portanto, que esta seja lavada em
separado das demais roupas de uso do médium, assim
como seja guardada em local específico e, de preferência,
em separado das demais roupas.

Nunca é demais lembrar que a utilização das roupas de


santo deve limitar-se aos dias de rito, bem como
só devem ser vestidas dentro do templo religioso, salvo
exceções preditas pelo dirigente da casa.

Outra característica das roupas de santo refere-se à sua


aparência. É bem sabido de todos os umbandistas que as
vestimentas têm a cor branca como fundamental. Os

54
modelos das roupas litúrgicas são estabelecidos pela casa
e devem ser utilizados por todos os seus médiuns, não
permitindo-se variações. Isso por que é óbvio que, no
aspecto coletivo, a roupa de santo visa dar uniformidade
ao grupo frequentador do templo.

A utilização de roupas brancas, como símbolo religioso,


é milenar e podemos encontrá-las ao longo da história
dentro das culturas egípcia, tibetana, hindú, chinesa e
árabe. No Brasil, o costume da utilização da cor branca
dentro dos ritos nas religiões afro-brasileiras, deu-se por
influência dos negros malês. O termo malê originou-se
da palavra em iorubá imalê, sob a qual identifica-se os
negros mulçumanos.

Estes, trazidos também como escravos ao Brasil, eram


islamizados e trouxeram o hábito da utilização da roupa
branca, bem como do turbante (também conhecido como
torço), entre outros elementos próprios de sua cultura já
sincretizada entre a cultura iorubá e o islamismo.

Com isso dizemos que, ao contrário do que muitos


pensam, o uso da roupa branca na Umbanda não advém
de uma influência kardecista, pois como já deixamos
claro em um texto anterior (ver: Kardecismo e Umbanda
são iguais?), o Kardecismo não prevê nenhuma espécie
de roupa característica, tão pouco a utilização de
qualquer objeto ritual ou simbólico.

Continuaremos agora dando enfoque para a utilização das


Fitas na prática umbandista.

55
Para refletirmos a respeito da utilização de um objeto tão
singelo e aparentemente de menor importância, um
adereço, na prática ritual, precisamos compreender a
natureza e a finalidade do símbolo dentro da vida humana
e, especialmente, das práticas religiosas.

Segundo Heinz-Mohr:

"Todos, quer tenham ou não consciência, servem-se de


símbolos, de dia e de noite, na linguagem, nas ações e
nos sonhos. O símbolo escapa, porém, à definição exata.
Forma parte de seu ser não se deixar reduzir a quadro
fixo, uma vez que une extremos, o incomponível,
concretude e abstração, servindo à finalidade de aludir,
com sinal perceptível ao sentidos, a algo que não é
perceptível aos sentidos".

O termo símbolo, vem do grego symbolon, cujo


significado é "lançar com, pôr junto com, juntar".

Compreendemos ser a função do símbolo a de juntar


aspectos de uma mesma realidade, os quais encontram-se
aparentemente dissociados, devido à nossa limitação
perceptiva em relação a essa mesma realidade. Logo, o
símbolo servirá como instrumento que intui ou restitui,
mesmo que de maneira momentânea, a união entre dois
ou mais planos e sentidos diferentes de uma totalidade
que nos está inacessível à razão discursiva e aos sentidos
externos (Malandrino, 2006).

As Fitas, então, irão simbolizar aspectos transcendentes


das forças espirituais, mais especificamente das faixas

56
vibratórias sob regência dos Orixás, servindo-se para isso
de seu formato característico e suas cores, intuindo os
planos de energias espirituais bem como sua irradiação
específica, simbolizada na coloração própria a cada
Orixá.

Os símbolos, na prática
religiosa, exprimem vivências espirituais e psicológicas
de uma individualidade ou coletividade, advindos das
profundezas do inconsciente, e por isso devem ser
objetos de uma experiência mais profunda do que a do
simples conhecimento (Malandrino, 2006).

A Umbanda, por ter constituído-se de uma formação


sincrética entre as culturas indígena, africana e europeia,
herdou em seu imaginário, integrando ao seu universo
espiritual, o simbolismo das práticas características de
cada uma destas, reelaborando-as e dando-lhes
significados próprios.

Notadamente em relação ao uso das Fitas, herdamo-las


do Catolicismo Popular, difundido pelos portugueses, o
qual era repleto de práticas mágicas, visando o benefício
e a cobertura espiritual para os seus fiéis. Conforme
lemos em Silva:

"Assim, fitas cortadas pelos padres na altura das


imagens dos santos e amarradas na cintura eram usadas
para removerem dores, doenças e realizarem o pedido de
seus portadores" (Silva, 2000).

57
Na prática umbandista, as Fitas destinam-se então a
propiciar um campo de proteção e descarga de energias
em relação ao corpo do médium, desde que utilizadas
sobre os ombros ou envoltas na cintura. Colocadas sobre
uma oferta ou atadas a algum elemento ritual, têm a
finalidade de manifestar, espacialmente, a vibração de
determinado Orixá.

Finalmente, é interessante notar que as práticas


umbandistas surgem de um mecanismo de significação
de práticas populares e tradicionais das culturas
formadoras de nossa sociedade, conciliando-as com a
dimensão espiritual, traduzindo os aspectos ocultos de
uma Realidade transcendente (sagrada) que evidencia-se
no mundo corpóreo por meio da cultura, da natureza e do
humano.

Essa a sabedoria dos nossos Guias e Mentores e dos


nossos ancestrais, babalorixás e yalorixás, que a despeito
de não possuírem formação intelectual dos bancos
universitários, e por isso foram muitas vezes vistos como
ignorantes e primitivos, possuíam e possuem ainda, pois
que são Espíritos eternos, grande poder de sensibilidade
espiritual e intuição a respeito dos altiplanos da Vida.

58
As Guias

Orixá - homem - guia.

Esse o fluxo místico das forças sutis que serão


impregnadas neste elemento ritual de tanta valia e
significado dentro da práxis umbandista. O Orixá
estende e deposita sua irradiação sobre o colar
ritualístico (guia) por intermédio do ser humano
(médium), portador do divino e da corporeidade, o qual
é a ponte vinculadora para a passagem da força
espiritual dos planos invisíveis para o mundo corpóreo.

Vimos reforçando que os símbolos, dentro do rito


religioso, têm a função precípua de ligar aspectos de uma
Realidade total, para dar ao homem a visão e o contato
do mundo invisível pelo mundo visível, pois somente por
meio do símbolo é que podemos entender e experienciar
o mundo espiritual, o qual é constituído de aspectos de
realidade que não podem ser abarcados
integralmente pela nossa capacidade intelectiva e pelos
nossos sentidos corporais.

As guias, especificamente, encerram em si mesmas a


transição contínua do mundo invisível (espiritual) para o
mundo visível (material), pois que nelas encontra-se a
elaboração das forças espirituais conjugadas com o
trabalho artesanal do humano, infundindo o princípio da

59
fluência de dois aspectos da realidade humana (espírito e
matéria) num ponto em comum.

Cada guia destina-se a envolver o médium na vibração de


seu Orixá ou de seus Guias e Protetores, portanto, esta
deve ser concebida pelo próprio indivíduo seu portador,
ou pelo dirigente da casa a que esteja vinculado.
Obviamente, a confecção da guia obedecerá às ordens
das Entidades Espirituais, as quais trarão ao médium as
instruções de como deverão ser feitas, bem como os seus
elementos constitutivos.

Além disso, deverá passar por um processo de preparação


para ser utilizada (ser cruzada, por exemplo), bem como
o médium deve ser autorizado pelo dirigente da casa para
que possa valer-se deste elemento.

A guia fornece a identidade ritual do adepto, vinculando-


o a um Orixá e a um Guia espiritual, responsáveis por sua
guarda e orientação.

Ao colocar a guia no pescoço, o indivíduo adentra o


espaço místico e sagrado que envolve neste instante o seu
complexo físico e espiritual, ligando-o às correntes
espirituais sustentadoras de seu templo. Entendemos que
no espaço que se forma dentro da guia, circular,
vinculam-se irradiações que estarão destinadas a
projetarem-se para fora do campo de forças do médium,
influenciando o ambiente (físico e etérico) a sua volta,
para trazer-lhe de volta a somatória das energias afins
geradas ao longo do trabalho espiritual.

60
Da mesma forma, as guias também servirão para criar um
movimento inverso, dinamizando suas forças (e as do
médium) para tornarem-se escudo e pontos de descarga
de vibrações negativas, oriundas do plano astral inferior,
e de formas-pensamento (idéias plasmadas no plano
astral) de teor perturbador desencadeadas pelos maus
sentimentos e pensamentos daqueles presentes aos
trabalhos (encarnados ou desencarnados) em condição de
desequilíbrio.

A guia, dentro da linguagem ritual, possui


aspectos identificadores, os quais variam em sentido de
acordo com cada templo umbandista, no entanto, de
maneira geral podemos considerá-las:

a) quanto às cores: as cores representam os Orixás. A


combinação de cores pode representar o tipo ou
qualidade do Orixá, assim como também podem indicar a
qual Orixá determinado Guia Espiritual está subordinado;
uma cor específica, a depender da orientação da casa,
também pode simbolizar o grau de determinado médium
dentro da hierarquia da casa. Ou seja, se ele é iniciante,
se já é médium formado, se é babalorixá/yalorixá, etc.

b) quanto ao número de fios: geralmente, as guias


traçadas com mais de 1 fio, podem representar o nível de
aprofundamento que o médium obteve dentro da
tradição. Ou seja, se ele possui 1 ou mais preparações
(obrigações);

c) quanto a sua utilização: existem guias que não irão


representar um Orixá ou Guia Espiritual ligados àquele

61
médium. Podem, entretanto, ser de utilidade ritual ou
espiritual. Em outras palavras, essas guias podem ser
destinadas a representar aquele templo de maneira
específica, ou servir de proteção ou defesa
para um adepto, num caso específico, a depender de sua
situação e necessidade naquele momento.

Está estabelecido que a guia só possui valor e significado


se estiver vinculada à pessoa/médium, destinada a ser sua
proprietária. Não há, portanto, sentido na utilização de
guias adquiridas já prontas, penduradas nas lojas de
artigos religiosos. Tão pouco deve-se emprestar a outrem
ou tomar-lhe emprestado a guia, por qualquer motivo que
seja.

Lembramos, novamente, de um ensino contido num post


publicado anteriormente: a força do Guia reside na mente
do médium.

É pela mente enobrecida e séria que vincularemos as


energias transcendentes que serão irradiadas de nós, e
atraídas a nós, ao longo do anos de contato espiritual. O
médium disciplinado e habituado à prática do transe, bem
como à reflexão em torno de si mesmo, faz de sua mente
um lago de águas calmas, que pode refletir a beleza do
luar. Luar este que representa a irradiação positiva dos
Guias e Protetores de Aruanda. Assim é que poderão fluir
de si e chegarem onde forem necessárias as forças
espirituais emanadas dos planos etéreos para o campo
material, beneficiando a todos que necessitem, pelo
esclarecimento, pela palavra orientadora e consoladora,
ou pela oração silenciosa em favor da Humanidade.

62
Queremos com isso colocar que não é pela quantidade e
nem pela beleza das guias que possamos ter em nossos
pescoços que iremos ter maiores ou melhores retornos e
gratificações em nossa vida espiritual, especificamente
no mediunismo umbandista.

O número de guias também representará a experiência do


médium ao longo de sua vivência mediúnica. A
utilização da guia é sinal de responsabilidade e dever de
consciência por parte daquele que a possua.

63
As Velas

"[..]a vela acesa, por exemplo, é tanto um “sinal


sensível”, como um importante “transmutador
energético” visto que nela estão contidas as quatro
forças sutis (cera: telúrica; cera derretida: hídrica;
chama: ígnea; fumaça: eólica). Nota-se que nessa
explicação a vela não representa as forças sutis, ela é as
forças sutis, logo ela é um veículo condensador de
energias dos sete raios sagrados no plano material. A
vela, nesse sentido, é um símbolo do sagrado ao mesmo
tempo em que é o sagrado. Não só a vela, mas todos os
objetos presentes no congá (altar) ou utilizados numa
oferenda ou num banho – pedras, ervas, alimentos etc. –
apresentam esse duplo caráter, metafórico e metonímico,
de “representar” e “presentificar” o sagrado" (Chiesa,
2010).

As velas também são conhecidas dentro


de algumas casas umbandistas e candomblecistas
como murilas.

Lembraremos sempre que a utilização de símbolos, os


mais diversos, na prática umbandista, são atos concretos
carregados de sentido espiritual, presentificando as forças
espirituais provenientes do mundo imanente, invisível.

Assim como o uso das Fitas, tratado em artigo anterior,


herdamos também das práticas do Catolicismo Popular a
utilização das velas como meios de inter-relação entre o
64
sagrado e o humano. A vela é um dos símbolos religiosos
mais tradicionais, e por meio destas é que o homem
tentou estabelecer um primeiro contato com o divino.

O princípio foi o fogo, quando os homens primitivos


dançavam em volta da fogueira, após terem aprendido a
manipulá-lo (uma vez que representava grande ameaça
ao homem daquela época), como uma forma de se
relacionarem com uma força dominante e arrebatadora,
identificada como a própria divindade.

Nas culturas da Antiguidade Clássica, encontraremos o


significado das velas como representantes da sabedoria e
da iluminação, bem como da luz da alma imortal. Assim,
são utilizadas por diversas religiões, e a relação da
Divindade simbolizada pela ideia da chama viva que
nunca apaga, consta, por exemplo, na oração não
canônica do Senhor, citada nas Homílias de Orígenes,
conforme lemos em Jung (1978): "Ait autem ipsi
Salvator: qui iuxta me est, iuxta ignem est, qui longe est a
me, longe est a regno" (Quem está perto de mim, está
perto do fogo; quem está longe de mim, está longe do
reino).

No inconsciente coletivo ficou, portanto, enraizada a


simbologia do rito executado em torno da
chama, pelo qual o homem buscava harmonizar-se com
as forças da natureza, que até então o subjugavam e
amedrontavam.

Nas práticas rito-litúrgicas da Umbanda, a utilização da


vela efetiva iluminar determinado espaço, fazendo a

65
ligação do aspecto mágico ao religioso, invocando certas
vibrações do plano astral para aquele ambiente, naquele
instante. Por isso, é comum os congás, os cruzeiros, as
ofertas, etc, serem acompanhados de velas acesas, as
quais iluminam aqueles elementos, sustentando os
pedidos, louvores e agradecimentos.

Quando dispostas no congá, obedecendo à


distribuição das cores referentes a cada Orixá, as velas
remetem ao significado do Setenário Divino, ou as Sete
Linhas de Umbanda e sua mística direcionada a
representação dos aspectos manifestos da Divindade Una,
o Deus Criador.

Segundo algumas tradições umbandistas, a quantidade


numérica de velas a serem utilizadas criam o campo
propício para pedidos de ordem espiritual ou material.
Sendo assim, sequencias de velas acesas em número par,
criam campo propiciatório para tratamento de questões
de ordem material (doença física, problemas na justiça,
dificuldades financeiras, desemprego, etc.); enquanto
velas acesas em número ímpar criam campos
propiciatórios para tratamento de questões espirituais
(sentimentos conturbados, influências espirituais
negativas, falta de clareza e sentido na vida, sensação de
angústia, etc.).

¨Num ritual de Umbanda podemos encontrar estímulos


visuais (cores, símbolos, imagens, velas), auditivos
(cânticos, toques de atabaque), proprioceptivos (danças),
olfativos (defumações, água-de-cheiro, ervas, tabaco) e
gustativos (alimentos, bebidas). “Não encontramos,

66
apenas, os estímulos táteis no ritual, excetuando-se,
talvez, as palmas” (Morini, 2007).

No rito umbandista, encontramos uma série de


simbologias que, por meio de um sentido estético,
desencadeiam estímulos a
serem assimilados psicologicamente e organicamente
pelos presentes. Evidentemente, as velas estão entre
aqueles símbolos de natureza visual.

O contato com a imagem simbolizada na vela remete-nos


a significações específicas de suas partes, como o seu
corpo, com sua coloração específica
simbolizando determinado Orixá, e o pavio, sustentando
a chama ao longo da queima, simbolizando a energia
espiritual, presentificando no espaço a presença
da Divindade, em uma corrente de luz que se expande em
direção aos céus, como se retornasse, após ter sido
evocada, levando consigo as mentalizações que foram
geradas no momento do rito.

Portanto, quando acendemos uma vela com determinada


intenção, estejamos certos de que neste instante abre-se
um portal para o plano astral, por onde ocorrerá,
enquanto perdurarem a queima de seus elementos e a
sustentação dada pelo pensamento de quem ora ou
pede, a passagem de irradiações que irão impactar,
mesmo que de maneira limitada, sobre o ambiente e
também sobre nós mesmos, promovendo o
entrelaçamento do indivíduo com tais irradiações. Por
isso, o profundo respeito e a sinceridade de intenção são
posturas interiores imprescindíveis para aquele que

67
pretende fazer luzir uma vela, em benefício de alguém ou
de si próprio.

68
Música e Movimento na
Umbanda

Música e movimento são aspectos fundamentais das


práticas umbandistas e constituem o corolário da sua
rito-liturgia, como expressões veiculadoras e
presentificadoras do êxtase religioso.

A gira de Umbanda, de uma maneira geral, caracteriza-se


pela musicalidade, a qual direciona e regula os
seus diversos "momentos". A expressão religiosa e sacra
da musicalidade na Umbanda dá-se pelo canto singelo e
profundo de significado espiritual e emocional para seus
adeptos.

De acordo com alguns teóricos e pesquisadores, a


Umbanda herdou da cultura religiosa bantu -
cujos seus representantes mais populares foram os negros
de Angola e Congo - a expressividade musical marcada
pela entoação de cânticos
cadenciados, os quais se identificaram intensamente com
a língua portuguesa ao longo do processo histórico de sua
constituição como religião.

Isso explica o porquê de na Umbanda seus cânticos


serem entoados essencialmente em português, embora
conserve sua característica sonora da cultura bantu.

69
Na práxis umbandista, a palavra manifesta oralmente (a
fala) é claramente um de seus instrumentos mais
significativos para a comunicação de sua tradição e de
seus valores; para a preservação de sua memória
espiritual e coletiva; e, para o compartilhar da
experiência religiosa entre os adeptos. Em outras
palavras, a tradição umbandista é notadamente oral.

Sendo, portanto, marcada pela oralidade como recurso de


comunicação de sua realidade espiritual e social, a
Umbanda utiliza-se de maneiras diversas desta expressão
para fundamentar a sua prática religiosa. A palavra
"falada" está envolvida na produção da experiência
espiritual e constitui-se em ponto veiculador das
forças transcendentes que serão atraídas e movimentadas
no ambiente do terreiro.

À palavra cantada, damos o nome de prosódia.

A prosódia, na prática umbandista, é expressa pelo Ponto


Cantado.

À execução coletiva do Ponto Cantado, dentro do rito


umbandista, a qual pode ser feita com ou sem a utilização
dos instrumentos sacralizados, damos o nome de
Curimba.

Uma vez que a Curimba simboliza o compartilhar do


sentimento religioso do umbandista, a sua expressão
coletiva, esta repercute no plano mental de cada
pessoa presente ao rito, movimentando energias
espirituais no ambiente, atraindo falanges espirituais

70
afinizadas com a corrente mediúnica e ligadas às
vibrações do plano espiritual de acordo com a ideia
simbólica representada no Ponto Cantado.

Os médiuns, tocados pelas mensagens e pela emotividade


expressa nos cânticos litúrgicos, começam então a dançar
de maneira compassada e cadenciada. Sob a influência
rítmica da Curimba, seus estados de consciência passam
a se modificar, proporcionando a "quebra" de sua
condição ordinária, abrindo as portas para a consumação
da experiência religiosa. Ocorre então o transe, manifesto
na dança ritualística das entidades que se fazem
presentificadas na gira.

Entramos, pois, no segundo aspecto


da manifestação religiosa umbandista: o movimento.

A "dança do êxtase", executada pelo médium em


transe, caracteriza-se por movimentos circulares em torno
de seu próprio eixo e também em torno de um centro
imaginário (simbólico) presente no terreiro. Tal dança
simboliza o movimento geral do próprio Universo
(lembremos do movimento das galáxias, cujos seus
planetas giram em torno de seu respectivo Sol). Essa
expressividade é marcada pela linguagem corporal do
médium durante seu Estado Superior de Consciência.

A essa altura, faz-se importante ressaltar um aspecto


cultural característico das religiões afrobrasileiras, nas
quais a Umbanda está inclusa, que é o relevante papel
exercido pela experiência sensorial (corporal) na
compreensão e na vivência da religiosidade umbandista.

71
Existe uma certa confusão, e até mesmo um preconceito,
em nossa sociedade, a qual é marcada pela cultura
ocidental (espelhada na influência européia), que faz com
que a experiência sensorial seja desconsiderada ou jogada
a um plano secundário, para fazer prevalecer a expressão
verbal - geralmente a escrita, por ser esta uma
característica fundamental da cultura dominante em
nossa sociedade -.

No entanto, ressaltamos a importância da sensação física,


corporal, na significação do fenômeno do transe (não
necessariamente mediúnico).

Na história de muitas pessoas (futuros médiuns)


ocorreram, invariavelmente, sensações físicas do
fenômeno espiritual, sem que muitas vezes estas pessoas
sequer tivessem tido o mínimo contato ou
conhecimento de qualquer prática religiosa de caráter
mediúnico (o Espiritismo ou a Umbanda, por exemplo).
Aliás, muitos foram tidos como "loucos",
"endemoniados", entre outras qualificações pejorativas,
justamente por vivenciarem uma experiência manifestada
corporalmente, num ambiente social/familiar muitas
vezes adverso ou avesso a tais manifestações.

A partir da inserção destas pessoas na corrente


mediúnica, sob a orientação do pai ou mãe-de-santo, é
que tal fenomenologia ganha significado objetivo e as
entidades espirituais poderão se fazer reconhecer,
manifestando-se caracteristicamente, moderadas pela
curimba e pelo seu movimento.

72
Os estados espirituais, mentais, psicológicos e físicos dos
adeptos umbandistas, são comunicados essencialmente
pelo canto e pela dança ritualística. Estas expressões
produzem um determinado padrão estético e
simbólico característico para cada momento do trabalho
espiritual.

A linguagem corporal - expressa pelo movimento da


dança ritualística - e a linguagem oral - expressa pela
entoação de cânticos -, consubstanciam a
musicalidade umbandista, refletindo sua cosmovisão e
sua elaboração coletiva para a preservação de suas
tradições e seus valores, servindo de valiosos
instrumentos de tradução da força espiritual de uma gira
e da profundidade do transe vivenciado, ou passível
de sê-lo, pelos médiuns, colocando-nos em contato
profundo com os Orixás e fortalecendo-nos para a Vida

73
A Curimba e o Ponto Cantado

Seguiremos neste novo artigo, desdobrando aspectos


dos dois elementos rituais citados no anterior.

Por hora, tratemos da Curimba e do Ponto Cantado.

Conforme havíamos citado anteriormente, a musicalidade


umbandista é manifestada no Ponto Cantado e executada
pela Curimba. Sua utilização no ritual é destinada a
determinar os diversos momentos da gira. Em relação aos
Pontos Cantados, podemos classificá-los como:

a) pontos de preparação;

b) pontos de abertura;

c) pontos de defumação;

d) pontos de coroa da casa (entidades e orixás regentes


da casa);

e) pontos de coroa do babalorixá/yalorixá;

f) pontos de chamada das falanges espirituais;

g) pontos de subida das falanges espirituais,

74
h) pontos de sustentação;

i) pontos de saudação (a determinada entidade);

j) pontos de louvação.

O Ponto Cantado expressa uma linguagem específica


dentro da simbologia do rito de Umbanda, a qual destina-
se a comunicação de valores espirituais, próprios da
religiosidade de seus adeptos (seja em seus símbolos, seja
em sua comunicação de experiências vividas dentro
daquela casa).

Assim é que pelo Ponto Cantado reconhecem-se aqueles


que são:

a) Pontos de Raiz: trazidos e comunicados (cantados)


pelas Entidades Espirituais dentro e durante o Rito.

b) Pontos "Terrenos": seriam aqueles concebidos pelos


médiuns (geralmente os dirigentes da casa) por via
intuitiva, revelados em sonhos, em "insights" que podem
ocorrer de maneira espontânea, etc.

*o importante a considerar a respeito dos Pontos Cantados é que


sempre deve-se tomar atenção e cuidado para que seu conteúdo seja
coerente e significativo.

A Umbanda utiliza-se de linguagens alternativas para


transmitir seus valores e suas crenças (a dança, o canto, a
ritualística, a simbologia, a gestualidade, etc.).

75
Dizemos "linguagem alternativa" pois, em nossa
sociedade, a escrita é a forma de comunicação tida como
a predominante e mais importante. No entanto,
ressaltamos que isso é um aspecto cultural e não devemos
relegar a um plano secundário outras formas de
expressão da subjetividade humana, conforme estas que
nos utilizamos fartamente na Umbanda.

Sendo assim, nossa maneira própria de orarmos é através


do canto.

O Ponto Cantado vai então simbolizar a


prece, nossos louvores, rogativas e agradecimentos à
Espiritualidade Maior, aos planos de Aruanda, aos nossos
Guias e Protetores, à Divindade.

Quando entoamos nossos cânticos, visamos aproximar


nossos pensamentos e emoções:

1º Coletivamente: a coletividade presente ao rito (não


somente os médiuns) harmoniza-se e direciona-se em
torno de um pensamento em comum, comungando o
sentimento religioso.

2º Espiritualmente: pela entoação dos cânticos nos


transportamos pelo pensamento e emoção aos ambientes
e paisagens "contados" no texto musical de cada Ponto,
aumentando nossa ligação com a energia espiritual
evocada em cada um destes.

Façamos uma reflexão um pouco mais aprofundada a


respeito das idéias acima expostas, pois que estas

76
refletem aquilo que já é sabido, de "senso comum", entre
os umbandistas.

Herdamos culturalmente a expressividade religiosa, por


meio do canto, dos povos bantus. É interessante termos
isso em foco pois a partir daí é que poderemos entender
com maior profundidade a grande relevância que a
expressão do canto possui no culto umbandista.

A cultura bantu (dos negros vindos de Angola e Congo


mais expressivamente), por ser ágrafa, ou seja, por não
utilizar-se da linguagem escrita, utiliza-se da música
(entenda-se como música: som e movimento) como
forma de dar significado a sua religiosidade e para
transmitir seus conhecimentos ao longo das gerações.
Conforme o antropólogo Kasadi wa Mukuna: "A música
fornece um canal de comunicação entre o mundo dos
vivos e dos espíritos e serve como meio didático para
transmitir o conhecimento sobre o grupo étnico de uma
geração para outra" (Mukuna, apud Barbara, 2001).

Essa explicação é fundamental, pois para essa cultura, a


música não é só uma expressão estética para a fruição de
sentimentos e emoções (Prandi, 2005), assim como é
para a cultura ocidental. Em outras palavras, na Umbanda
não cantamos só por que é bonito e agradável. Nosso
canto está carregado de espiritualidade e ancestralidade.

Ancestralidade, outra questão fundamental.

É pelo Ponto Cantado que comunicamos dentro da


tradição as nossas experiências vividas com o mundo

77
espiritual. Quando os Guias trazem seus Pontos, marcam
na história daquela coletividade a sua memória, assim
como eternizam na lembrança do grupo aqueles Espíritos
e médiuns que participaram e compartilharam da
vivência dentro das Leis de Umbanda.

Bem, estando claras nossas concepções a respeito dos


Pontos Cantados, entraremos agora no conjunto humano
encarregado de executá-los por meio de instrumentos
rítmicos e percutidos harmoniosamente: a Curimba.

Tínhamos dito que a Curimba, de maneira geral, refere-se


à execução coletiva do Ponto Cantado, não
necessariamente utilizando-se de instrumentos musicais.
Isso por que existem templos que não se servem de tais
recursos para a entoação dos cânticos. Ex: Tenda Espírita
Nossa Senhora da Piedade. Lá os Pontos são entoados
sem nenhum instrumento e sua marcação dá-se pelo
ritmo dos pés batidos no chão.

Em outras casas, onde também não estão presentes tais


instrumentos, utiliza-se, em conjunto com os cânticos, as
palmas.

Nas casas em que são utilizados os instrumentos sacros


para a execução dos Pontos, ficou-se caracterizado que o
grupo de pessoas responsável por tais instrumentos
recebessem o nome de Curimba ou Curimbeiros.

Em muitas dessas casas, aliás, a Curimba seria a segunda


mais importante atribuição dentro da hierarquia de culto

78
umbandista, abaixo, obviamente, do(a)
babalorixá/yalorixá.

A Curimba tem sob sua responsabilidade o zelo pelos


instrumentos que serão utilizados no rito, seja em sua
"afinação", seja em sua conservação, seja em sua
preparação ritualística para que sejam percutidos durante
as giras.

Sua composição básica gira em torno dos Atabaques.


Estes são os principais instrumentos da Curimba. Afora
os atabaques, também podemos encontrar em diversas
casas, composições variantes de outros instrumentos,
quais sejam:

a) Pandeiro;

b) Surdo;

c) Triângulo;

d) Agogô;

e) Ganzá;

f) Xequerê, etc.

Há ainda em algumas casas o uso de instrumentos de


corda (como o violão), mas já numa frequência bem
menor.

79
A função da Curimba, segundo cremos, é sustentar o
ambiente espiritual dos trabalhos, e portanto, deve ser
executada por pessoas que dominem os instrumentos, e
saibam conduzir a ritmicidade e mesmo a modulação da
"altura" do som, de acordo com cada momento
ritualístico.

Outra função fundamental da Curimba em uma gira de


Umbanda, embora muito pouco percebida pelos médiuns,
é a de regular o ritmo e a intensidade do transe.

É pelo ritmo ditado pela curimba que o médium deve


situar a intensidade de seus movimentos, quando da
dança ritualística, executando-a em harmonia com o
contexto sonoro dos trabalhos espirituais.

Conforme diria Leopold Senghor: " o ritmo é a


arquitetura do ser humano, a dinâmica interna que lhe
dá forma. O ritmo se expressa através de meios os mais
materiais, através de linhas, cores, superfícies e formas
de pintura, nas artes plásticas e na arquitetura. Através
dos acentos na poesia e na música; através dos
movimentos na dança. Com esses meios o ritmo reconduz
tudo no plano espiritual: na medida em que ele
sensivelmente se encarna, o ritmo ilumina o espírito"
(Senghor, apud Prandi 2005).

Essa regulação da intensidade de movimentos, sustentada


pela Curimba, também deve ser observada num contexto
coletivo, ou seja, a maneira como essa influencia a
corrente de médiuns, como uma espécie de "energia
cinética, energia que capta e propulsiona a vibração do

80
movimento pessoal e do outro" (Bárbara, apud Prandi
2005).

Todos estes conhecimentos, acima expostos, por parte


dos Curimbeiros, dão-se pela vivência dentro do Rito, e
obviamente, pelo interesse e pelo esforço individual
em aprender e se aprimorar na execução de cada
instrumento.

Desde a postura corporal até o ato de respeito junto ao


instrumento devem ser incorporados pelo participante da
Curimba, para que este possa realizar um bom trabalho.

A postura corporal é fundamental, pois ele deve saber


tocar o instrumento ao invés de bater no instrumento.
Isso evita que se saia do trabalho com as mãos
machucadas, os ombros e as costas doendo, e ainda
dando desculpas de que " O trabalho foi pesado", "quem
fica na curimba apanha", que "quem fica na curimba tem
que segurar toda a vibração negativa dos
trabalhos"...etc...etc.

Nada disso. Quem participa de um trabalho espiritual


numa casa séria e nobre, seja médium ou curimbeiro, e
sai com dores "aqui e ali", sai por que está trabalhando de
maneira inadequada. Somente isso.

Ademais, a execução correta dos instrumentos


sacralizados, assim como o canto afinado e melodioso
dos Pontos, devem ser vistos com grande atenção, caso
contrário, podem tornar-se em "barulho e gritaria",

81
fazendo com que as pessoas saiam ao fim do trabalho
dizendo-se perturbadas, carregadas, etc.

O respeito aos instrumentos sacros e a atribuição de


Curimbeiro devem ser fundamentais para aquele que
pretende, de bom coração, servir aos trabalhos espirituais
em nossa Umbanda.

O trabalho espiritual é momento sério, para onde vão


pessoas muitas vezes padecendo problemas intensos,
vividos no âmago d'alma, aflitas e necessitadas de
amparo espiritual, uma palavra de carinho e de
esperança.

Por isso, não devemos tornar nossos terreiros em palcos


para exibicionismos, senão em templos de abnegação e
caridade, consolo e esperança, fazendo de nossas giras
momentos, sim, de beleza e alegria, de musicalidade,
transmitindo nossa mensagem de renovação ao coração
daqueles que nos buscam, por meio da palavra cantada e
do sentimento profundo de fé em nossos Orixás.

82
O Atabaque

A expressividade do uso rítmico é a comunicação, e o


atabaque constitui-se como o veiculador da linguagem
ritual nas giras de Umbanda.

Embora o propósito deste blog seja discutir os principais


aspectos da Umbanda sob uma conotação que saia, pelo
menos um pouco, do "senso comum", faz-se inevitável
iniciarmos este artigo tratando de aspectos básicos a
respeito do Atabaque, suas características físicas e sua
relação de origem com a cultura Afro-Brasileira.

A cultura negra é a proprietária da utilização dos


atabaques, e as religiões afro-brasileiras (notadamente os
Candomblés) foram as guardiãs desta memória cultural
ao longo da história.

A palavra Atabaque, tal como a conhecemos, vem do


árabe "attabl". Na África o atabaque possui denominação
própria, como os conhecidos pelos povos africanos que
chegaram ao Brasil, cujos nomes são rum, rumpi e lé
(Bina, 2006).

Esta tríade de Atabaques, forma a composição básica


presente nos diversos terreiros de Candomblé e Umbanda
no Brasil. Nos Candomblés mais especificamente, o
conjunto instrumental básico é composto dos atabaques
(rum, rumpi e lé) somados ao agogô.

83
Segundo a função de cada um destes, basicamente o
Rumpi e o Lé estão destinados a manter o ritmo, a fazer o
toque de base, enquanto cabe ao Rum a execução de
repiques e técnicas percussivas específicas para
caracterizar os toques. Sendo assim, fica evidente que o
Rumpi e o Lé estão ligados àqueles tocadores com menor
vivência dentro do rito e também menor experiência no
domínio do instrumento, enquanto o Rum é destinado a
ser tocado pelo Ogã com maior tempo de casa e
consequente maior habilidade sobre o instrumento (o
Alabê, no caso do Candomblé e de algumas casas
umbandistas).

Na iniciação ao aprendizado do Atabaque nos templos de


Candomblé e Umbanda de uma maneira geral, o neófito
começa tocando o Lé, passando ao Rumpi e depois de
completo o aprendizado, não só da técnica para tocar o
instrumento, mas também depois de aprender todo o
conjunto ritual e simbólico daquela tradição, é que
passará a ser o tocador do Rum, encarregando-se de zelar
pela Curimba, pelo andamento dos trabalhos no que
tange à execução musical, entre outras atribuições dentro
da casa.

No Brasil damos o nome de Atabaque aos tambores


trazidos pelos povos negros, de uma maneira geral, no
entanto estes instrumentos possuem um sistema de
fabricação atual que também foi desenvolvido no Brasil
e, portanto, é diferente do método de fabricação nos
países africanos.

84
Atabaque, no Brasil tornou-se, portanto, um termo
genérico.

Em outras regiões do continente americano, o atabaque


também recebe o nome de Engoma ou Ngoma
(palavras originadas de línguas bantu).

Tratando agora de maneira um pouco mais específica


deste instrumento, em relação a sua característica física e
sonora, temos primeiramente que o Atabaque é um
instrumento de Percussão.

Percussão é o nome coletivo para designar os


instrumentos cujas vibrações são produzidas através de
choque (Bina, 2006).

Dentro das categorias dos instrumentos de percussão, os


quais podem ser membranofones ou autófonos, o
Atabaque está entre os primeiros (membranofones), pois
possui uma membrana ou pele, própria para a percussão.
Já os autófonos não possuem membranas ou peles, sendo
sua sonoridade extraída do toque direto em seu próprio
corpo (madeira ou metal, como é o caso do ganzá, do
reco-reco, do adufe, etc.).

Especificamente, o Atabaque seria um instrumento


unimembranofônico, pois que possui somente uma pele
para percussão, conquanto podem existir outros, como os
Ilús, em Recife, que possuem duas peles, distribuídas nas
extremidades do tambor.

85
Segundo Cardoso (2006): As formas de tensão do couro
dos atabaques são várias: cunhas de madeira que
tensionam os aros, por meio de cordas presas no alto e
no meio da caixa acústica, chamados de "atabaques de
cunha"; o couro esticado por pinos de madeira, presos à
caixa de percussão, segundo Lody, chamados de "Sô"
(Lody, 1989, p. 23); ou tensão do couro "[...] feita por
parafusos presos à borda do instrumento"(Barros, p.
2000, 48).

Após estas considerações preliminares a respeito do


Atabaque, entramos no significado de sua utilização na
rito-liturgia umbandista.

Como dissemos na primeira frase deste post, o uso


rítmico (expresso pelo atabaque) na prática
umbandista, destina-se a um processo de comunicação
e não somente de produção musical.

A comunicação é expressa por códigos, ou seja, "[...] um


grupo de símbolos capaz de ser estruturado de maneira a
ter significado para alguém" (Berlo, apud Cardoso 2006).

O Atabaque é o instrumento que sustenta a linguagem


ritual, pois que por meio desta entoamos cânticos
responsoriais (de "pergunta e resposta"), formando coros
para momentos específicos dos Pontos, ou em resposta
àquele que executa o solo (o "ogã" responsável pela
Curimba ou o próprio Babalorixá/Yalorixá).

Isso caracteriza um aprendizado e um consequente


conhecimento do Ritual por parte dos frequentadores do

86
terreiro, e mais especificamente dos médiuns da casa. Tal
conhecimento é obtido por meio da vivência e da
frequência destes às giras.

O toque dos atabaques dá-se também de maneira


característica em momentos diversos ao longo do rito,
identificando fases diferentes da liturgia (abertura,
encerramento, chegada de uma Entidade ou pessoa
importante, etc.).

Assim é que, tanto no que se refere a aprendizagem dos


cânticos quanto dos toques, a observação, tradição oral e
incorporação comportamental funcionam como
importantes mecanismos de aprendizagem (Cardoso,
2006) na prática religiosa umbandista.

A percussão se toca com a mente e não com o corpo


(Bina, 2006).

Pela frase exposta acima, podemos refletir a respeito do


ato de tocar o Atabaque dentro do rito.

É evidente que não podemos excluir os fatores extra-


musicais (o corpo) da execução musical, pois muito de
seu significado só pode existir na medida em que é
executado por um gesto musical, a percussão do
instrumento. Para que a mente possa manifestar-se neste
sentido, esta necessita do movimento corporal (gesto) e,
obviamente, do corpo.

O cuidado para tocar o Atabaque exige perícia e


consciência ritualística por parte de seu tocador, pois que

87
este é um instrumento musical, sob o qual lançam-se
técnicas específicas para que seja percutido
adequadamente, produzindo música. E neste caso, de
maneira ainda mais específica, musica sagrada, como
são as nossas curimbas.

O toque deve, enfim, ser harmônico e constante em sua


sonoridade, para que possa produzir um padrão estético e
para que a sua mensagem possa ser transmitida e
entendida pelo grupo presente ao Rito.

"O princípio de que o tambor 'fala' baseia-se no fato de o


iorubá [também as linguas bantu] ser uma língua tonal,
em que o significado de uma palavra depende em parte
do tom utilizado. As linhas tímbricas produzidas pelo
tambor que fala, seguem com grande finalidade os
esquemas tonais e rítmicos da fala" (Murray apud Bina,
2006).

Como somos herdeiros da cultura musical africana, cuja


expressão de sua religiosidade e sua relação social é
caracterizada pelo canto, pela dança e pela execução de
instrumentos musicais específicos, assimilamos o
princípio ancestral de que o Atabaque possui a
capacidade de comunicação entre os indivíduos
(coletivamente) e também entre o mundo físico e o
mundo espiritual.

Na Umbanda, a Divindade torna-se presente de maneira


objetiva, representada pelos Guias e Protetores
manifestados pelo transe mediunista em seu "cavalo" ou,
de maneira subjetiva, quando da ausência do fenômeno.

88
No entanto, a música sempre permitirá o direcionamento
de nossos louvores, rogativas e agradecimentos para os
planos celestes, efetuando um processo de comunicação e
diálogo entre os homens e os Orixás.

O Atabaque possui, então, a função transcendente de


auxiliar na aproximação do mundo espiritual com o
mundo físico, ou seja, promover a fusão, a unicidade
destes "dois mundos", sacralizando o ambiente terreno (o
terreiro) e envolvendo a todos num momento de
felicidade, de prece, e de contato com o Sagrado.

Segundo Grof (2000) "...a respiração, a música e outras


formas de tecnologia sonora têm sido usadas por
milênios como poderosas ferramentas em práticas
espirituais e rituais. Desde tempos imemoriais, o
monótono som de tambores, cânticos e outras técnicas de
produção de som têm sido as principais ferramentas de
xamãs em diferentes partes do mundo. Muitas culturas
pré-industriais desenvolveram, de maneira bastante
independente, ritmos de tambores que em experimentos
laboratoriais têm notáveis efeitos sobre a atividade
elétrica do cérebro".(Morini, 2007).

Fique claro. Não é o Atabaque que produz o fenômeno


do transe, no entanto, dentro do contexto ritual, ele
possui o papel de influenciar os estados cerebrais para o
acesso a diferentes níveis de consciência.

Adicionalmente, é comum na "linguagem de terreiro"


dizer-se que são os atabaques que vão "buscar e levar
embora" as entidades espirituais que presentificam-se nas

89
giras. Evidente que isso é uma linguagem simbólica, pois
que os espíritos encontram-se no templo religioso muito
tempo antes dos próprios médiuns chegarem para os
trabalhos. Os Guias preparam e sustentam o ambiente
espiritual muitas horas antes do início das giras.

É justamente pela função simbólica da comunicação com


o mundo espiritual e pela sua influência nos estados
cerebrais, propiciando a experiência do transe, que o
atabaque ganha essa conotação mística no imaginário
umbandista de poder chamar e mandar embora os entes
espirituais.

Esperamos ter deixado claro, embora ainda passível de


aprofundamentos, o significado da utilização dos
Atabaques, seu valor simbólico dentro da linguagem
ritual e sua função espiritual dentro da prática
umbandista.

90
A Dança Ritualística na
Umbanda

Lembramo-nos de uma conversa com um companheiro


de nosso cazuá, o qual lembrava-se naquele instante de
um ensinamento passado a ele por nossa mãe-de-santo há
muitos anos: A força do Guia está na mente do
médium.

O movimento rítmico é a linguagem fundamental para


expressarmos aquilo que experienciamos interiormente e
cujo significado encontra-se além da razão. Aquilo que
não pode ser expresso somente por palavras, encontra um
profundo sentido e expressão na dança ritualística.

Essa realidade da manifestação espiritual na Umbanda


reside em experiências as mais remotas, que temos
vivenciado desde nossas primeiras encarnações como
seres humanos neste planeta Terra.

Cremos que as primeiras práticas religiosas surgem do


contato direto que os homens primitivos encarnados
tiveram com os Espíritos e com fenômenos
correlacionados a estas experiências transcendentes. A
repetição destas experiências afixou-se em nossas
estruturas inconscientes, as quais compartilhamos
coletivamente (inconsciente coletivo).

91
A dança está, portanto, diretamente relacionada a cultura,
a religião e a arte.

A palavra Reigen, ou dança em roda, é vista como


herança dos ancestrais. Langer diz que

"a dança em círculo realmente simboliza uma das


realidades mais importantes da vida dos homens
primitivos - o reino sagrado, o círculo mágico. O Reigen,
enquanto forma de dança não tem nada a ver com o
saltitar espontâneo; preenche uma função sagrada da
dança - divide a esfera da santidade da esfera da
existência profana. Dessa maneira, ele cria o palco da
dança, que se centraliza naturalmente no altar ou seu
equivalente - o toten, o sacerdote, o fogo - ou talvez o
urso abatido ou o chefe morto a ser consagrado"
(Langer, apud Fatima 2001).

A dança ritualística corresponde a uma oração corporal, a


prece em movimento. No entanto, durante a ascensão do
Cristianismo na cultura ocidental, o corpo foi
desconsiderado e visto como instrumento de pecado,
merecendo, portanto, o repúdio. Por exemplo: entre os
anos 465 e 1453 da era cristã, o ato da dança era
considerado pecado gravíssimo perante a Igreja.

Assim, na cultura cristã, a prece passou a ser somente


falada, pensada, mentalizada, tornando-se um ato mais
abstrato e individualista.

Segundo cremos, a execução da dança ritual serve como


instrumento de harmonização do indivíduo com o

92
Cosmo, reordenando em si as forças do universo,
reintegrando-as em nós mesmos.

A oração corporal, expressa pela dança ritual, coloca a


prece em movimento, promovendo a harmonia entre
espírito - mente - corpo, canalizando as energias
transcendentes, advindas do mundo espiritual, e
externando-as na dimensão material.

Sendo assim, sentir, pensar e agir se tornam em


movimento ritual (Fatima, 2001)

"O movimento sempre foi empregado com dois


propósitos distintos: a consecução de valores tangíveis
em todos os tipos de trabalho, e a abordagem de valores
intangíveis na prece e na adoração. Ocorrem os mesmos
movimentos corporais tanto no trabalho quanto na
veneração religiosa, conquanto difira na sua
significação em ambas as instâncias" (Laban, apud
Fatima, 2001).

Na Umbanda, o fenômeno mediúnico consolida-se no


movimento. Este, por sua vez, ocorre na dança
ritualística, pela qual o médium comunica corporalmente
seu estado de transe e deixa transparecer "o outro"
espiritual que naquele momento apodera-se, mesmo que
parcialmente, de sua mente.

"A dança, por isso, não é apenas a transparência do


divino, assim como uma janela aberta, uma vista para o
divino. A dança também não é uma viva imagem
reminiscente - a dança é, em tempo e espaço, um signo,

93
um acontecimento visível, uma forma cinética para o
invisível" (Wosien, apud Fatima 2001).

Hanna afirma que "dançar pode levar a estados alterados


de consciência (que mudam os padrões fisiológicos na
frequência das ondas cerebrais, na adrenalina e no açúcar
do sangue) e, em consequência, à alteração da ação
social"(Hanna, apud Fatima 2001).

Isso implica que o médium, utilizando-se da dança ritual,


perca o controle sobre si mesmo. O que é natural, pois
para que possa haver o contato mediúnico, ou seja, para
que a mente do médium possa ser acessada por outra
mente (a do Guia), é necessário que por instantes este
perca o controle sobre si mesmo.

Na dança ritual o médium libera a irradiação da energia


espiritual de seu Guia, por meio da expressão mental
manifesta no corpo. O Círculo feito durante a dança (em
volta de si mesmo e em volta do centro imaginário do
terreiro) afasta tudo o que se refere à consciência objetiva
e individual do médium, concentrando ali somente o que
há de espiritual e divino em si. Neste momento, tudo o
que pertence a esta vida sai de cena para emergir do mais
inconsciente do médium a sua realidade plena e
espiritual, em união com o sagrado, o divino, o seu
Orixá.

Fazendo uma analogia, o movimento circular,


característica geral da dança ritualística, simboliza o
arquétipo junguiano do Self (centro e totalidade da
personalidade humana). O círculo possui uma

94
propriedade simbólica de perfeição, ausência de divisão,
homogeneidade (Almeida, 2005).

Na verdade, são quatro os símbolos fundamentais e


universais: círculo, quadrado, cruz e centro.

O centro, além de ser um dos símbolos fundamentais,


aparece na liturgia sempre associado a um dos outros
símbolos, devido a idéia de movimento expressa por essa
conjunção centro-eixo, presente na estrutura dos demais
símbolos (cruz, círculo e quadrado).

Assim é que nas danças circulares sagradas, os


movimentos rituais dão-se em relação a um centro
disposto no local, geralmente simbolizado por um ou
mais elementos tais como: vela, fita, imagem, símbolo
cabalístico (ponto riscado, no caso da umbanda) ou
a cruz. Tais elementos dispostos no centro do terreiro
têm a função referencial de conjunção entre o terreno e o
divino, espiritual e material, o "axis mundi" (ponto de
ligação entre a Terra e o Céu).

Ao longo do transe, as entidades manifestadas pelos


médiuns, executam danças e gestos que caracterizam e
exprimem símbolos arquetípicos de caráter numinoso,
como identificação da espiritualidade umbandista, como
sejam os movimentos circulares ou em forma de cruz, as
representações feitas (geralmente com as mãos)
simbolizando flechas, espadas, lanças, espelhos, pentes,
laços, etc.

95
Sachs fala das danças medicinais xamânicas. Nestas
práticas, o doente era colocado no centro do círculo, e
o xamãn, médico, curandeiro, dirigia a dança
circular, até que os dançarinos entrassem em êxtase,
até que subjugassem aquele espírito da enfermidade
que tomava aquele corpo doente, o afastassem, ou o
possuindo em si mesmo (no sentido da possessão)
pudessem vencê-lo (Almeida, 2005).

Aqui está um dos grandes sentidos de trabalhos de ordem


espiritual, visando a cura (física, psíquica e espiritual)
muitas vezes empregados pelos nossos Caboclos,
principalmente, em nossas giras. A corrente mediúnica é
mobilizada a trabalhar com seus guias, pela dança
ritualística, em torno de um enfermo (geralmente posto
ao centro ou a frente do congá) sob o qual serão
direcionadas as irradiações dos Orixás e do
qual serão retiradas e dispersas as negatividades de várias
ordens.

A dança ritual também foca a atenção aos pés,


conectando-nos com a Terra. O pé é o símbolo de nossa
força, pois é ele quem nos mantém eretos. Pelos pés
inicia-se o enraizamento de nossa vida psíquica,
corpórea e espiritual (Almeida, 2005).

O médium em transe mantém os pés sempre em ligação


com o chão, simbolizando a ligação com a Terra, a
ancestralidade (os pés descalços relembram as danças dos
Negros e dos Indígenas Brasileiros). O corpo do médium
neste momento simboliza a memória coletiva de um povo
e a tradição da cultura Umbandista.

96
A prática da dança ritualística de maneira ordenada e
efetuada com conhecimento ocasiona uma condição de
saúde mental, valoriza a imagem corporal do indivíduo e
coloca-o em uma condição de relacionamento saudável
consigo mesmo e com a coletividade.

Havíamos colocado uma perspectiva a respeito do


princípio de Individualidade do ser humano, a qual
manifesta-se pela multi-corporeidade, ou seja, na
existência de não só um, mas vários corpos (estruturas
sutis - ver: A Defumação). Como havíamos colocado na
ocasião, estes corpos sutis são portadores de
movimento/vibração, sendo que estes, ao movimentarem-
se de maneira harmoniosa, promovem a homeostase, a
condição de saúde (mental, emocional e física).

A dança ritual estabiliza estas estruturas, integrando-


as com o corpo físico, abrindo campo para os estados
alterados de consciência (estados superiores de
consciência) em forma de transe mediúnico, conforme já
havíamos salientado.

A essência da dança é holística (Fatima, 2001), ou seja


ela integra aspectos sociais, espirituais e cósmicos. Por
conta disso, utilizamo-nos do movimento para
expressarmos nossas tradições; o contato com o mundo
espiritual; a alteração da consciência.

O sentido de irmos para dentro de nós, fazendo emergir a


luz divina de nossa realidade mais essencial, porta pela
qual "passam", de Aruanda para a Terra, os nossos Guias
e Protetores, está em razão de podermos encontrar

97
sempre, no fundo de nosso ser, a grandiosidade do Orixá
que vive dentro de nós e possamos compartilhar com a
vida os resultados desta busca, pela beleza e pela
musicalidade de nossas práticas espirituais, profundas em
sabedoria e sensibilidade.

98
A Mística Mistérica da
Umbanda

Concebemos este humilde texto inspirados nos escritos


do eminente Prof. José Jorge de Carvalho, grande
estudioso da Religiosidade Afro-Brasileira.

A Mística Mistérica Grega traduz-se por um Discurso


Sagrado (Hierós Lógos Cultual), acompanhado de
práticas rituais (erga) que conduzem a um
conhecimento (gnosis), obtidos numa contemplação
(théa), tendo como objeto o divino ou Deus (theion,
théos).

Expusemos acima a conceituação da Mística Mistérica


Grega, para relacioná-la com as práticas umbandistas,
nas quais percebemos e identificamos a sua própria
Mística Mistérica cujo seu desenvolvimento e
alcance trataremos neste momento, embora sem a
pretensão de esgotar o assunto.

Utilizando-nos de uma expressão cunhada pela tradição


da Umbanda Esotérica, diremos que a Umbanda é a
"Senhora da Luz Velada".

Essa definição a respeito da Umbanda, segundo nosso


entendimento, traduz com profundidade uma verdade
marcante a respeito dessa rica forma de religiosidade,
constituída de múltiplas simbologias amalgamadas de
99
culturas diversas (africana, indígena, catolicismo popular
e kardecismo), as quais guardam em si uma
grandiosidade espiritual e alta sabedoria em sua forma de
interpretar e relacionar-se com o mundo espiritual.

Mística refere-se ao estudo e compreensão das coisas


espirituais e divinas, sendo expressa na cultura religiosa
umbandista pelas práticas rituais e pelos fenômenos
espirituais, os quais viabilizam o acesso do adepto a
dimensões da Vida, indo além do que o simbolismo, a
gestualidade, a palavra "falada" ou "cantada" podem
expressar num primeiro momento, sendo estes, antes de
tudo, veiculadores dos processos rituais para a obtenção
final da contemplação e conhecimento do Sagrado.

Há uma complexidade inerente ao estudo e entendimento


da mística umbandista, pois suas concepções de mundo,
seu relacionamento e interpretação da realidade
espiritual, bem como a vivência da religiosidade dentro
da religião de Umbanda, constituem-se muitas vezes de
produções anônimas, de caráter coletivo, e transmitidas
in loco aos indivíduos ligados a cada templo durante os
ritos, bem como suas elaborações ou reelaborações
também são dinamicamente produzidas pelo estado
alterado (ou superior) de consciência, pelo qual uma
entidade espiritual transmite através de seu médium à
coletividade uma série de práticas rituais, pontos
cantados ou riscados, "modos de fazer" ou "normas de
conduta", as quais irão se integrar ao contexto
religioso da Umbanda.

100
Dessa forma, a Mística Mistérica Umbandista irá
transpor suas diversas práticas e alcances de natureza
teológica e filosófica para o espaço e o veículo de
manifestação da religiosidade peculiar a esta,
como sejam o terreiro de Umbanda e o corpo/psiquismo
de seu adepto (médium). Ou seja, é no templo religioso
que o adepto vivência em si mesmo a sua experiência
mística, consumada no contato com o seu Orixá e o
mundo espiritual, representados pelos seus Guias e
Protetores.

A Divindade, segundo a Mística de Umbanda, está


presente e totalmente interligada ao mundo
fenomenológico, e a dialética entre imanência e
transcendência pode ser referenciada pela própria
concepção original dos Orixás (Orisha), o quais são
"gerados", segundo o imaginário cultural dos povos
iorubás, de elementos da Terra (identificando-se com as
pedreiras, cachoeiras, matas, mares, rios, etc.), não sendo
provindos de um espaço fora do campo de vida e
vivência do homem.

Os Orixás identificam-se na Terra, em seus espaços


sagrados, estando estes localizados inclusive no próprio
corpo e no psiquismo do homem, portanto manifestam no
mundo imanente a sua transcendência.

O contato com a coroa (o Ori, nos cultos africanos,


simbolizando o centro da consciência física e espiritual
no homem) realizado em todas as tradições umbandistas,
é a prática mística na qual o indivíduo une o universo
imanente (manifesto no corpo) com a sua própria

101
transcendência, a qual será finalizada no entrelaçamento
de sua própria energia com a de seu Orixá, representado
pelo seu "guia-de-frente".

O adepto deve, portanto, preparar sua mente, através das


práticas ritualísticas e espirituais vividas e aprendidas no
terreiro, para que possa estreitar sua ligação com o
princípio espiritual irradiado pelo seu Orixá, o qual
permeará a entrada e a integração no psiquismo do
adepto/médium de todas as outras irradiações divinas dos
demais Orixás.

Fazendo uma transposição para a Mística Mistérica


de Umbanda, diríamos que o Discurso Sagrado (a
concepção de Divindade, dos Orixás e do mundo
espiritual dentro das tradição de cada templo), é
acompanhado de práticas rituais (danças, roupas,
gestos, pontos cantados, riscados, calendários
litúrgicos de festividades, ritos de preparação, de
coroação, orações, rezas, oferendas, etc.), as quais
conduzem a um conhecimento (compreensão dos
mecanismos e das relações próprias ao
mundo espiritual, das Leis da Magia, das Leis
Divinas, do desenvolvimento Ético e Moral, etc.),
obtido numa contemplação (experiência de contato
com a dimensão espiritual, por meio do transe de
caráter mediúnico ou não), tendo como objeto o
Divino (o entendimento e o aprofundamento da
ligação do adepto com seus Orixás).

A fim de contribuirmos com mais alguns exemplos a


respeito da questão da Mística Mistérica dentro das

102
tradições umbandistas, nos valeremos de uma referência
cultual própria e ainda seguida por alguns poucos
templos das tradições da Umbanda Branca ou Umbanda
Cristã, as quais receberam grande influência do
Catolicismo Popular e do Kardecismo dentro de suas
práticas, interpretação do universo espiritual e
simbologias rituais. Citaremos, assim, a presença dos
Simirombas e sua forma de culto particular realizada
dentro do rito.

Simiromba é a palavra pela qual passou-se a designar


aqueles espíritos que apresentavam-se como Padres,
Freiras, Irmão de Caridade, etc., dentro das práticas
místicas e espirituais, seja nas sessões de Umbanda, seja
no Catimbó. Essa palavra foi "aberta" ao ritual de
Umbanda e sua origem muito provavelmente deu-se pelo
Catimbó nordestino, o qual é muito mais antigo que a
própria Umbanda, embora hoje tenha sofrido grande
processo de "umbandização" em suas práticas.

A etimologia da palavra Simiromba deriva do Sânscrito


(língua-mãe do latim, do grego, de vários idiomas hindús,
tibetanos, do lituano, entre outras línguas) e significa
"Labor Espiritual", "Trabalho Espiritual" ou "Sustentação
Espiritual". Há também uma segunda tradução para essa
palavra, a qual seria designada como "homem puro".
Traduz a realidade do trabalho destes Espíritos
Sublimes ao longo dos ritos, a qual é a de justamente
sustentar o ambiente espiritual do templo valendo-se das
práticas próprias do catolicismo popular.

103
Em outras palavras, Simiromba é ao mesmo tempo o
termo pelo qual identifica-se uma ou mais entidades
espirituais ("homem puro"), as quais formam uma
Irmandade no plano espiritual, e a simbologia
que resguarda a prática do culto da oração e das rezas,
utilizadas por esses mesmos espíritos, como instrumentos
da contemplação do Sagrado e auxílio ao próximo,
segundo suas propostas de evangelização enquanto
encarnados na Terra ("sustentação espiritual").

Francisco de Assis é o grande ícone desta corrente


espiritual (dos Simirombas), com a qual as tradições
citadas (Umbanda Branca/Umbanda Cristã) relacionam-
se de maneira profunda, estando ainda presentes sob sua
"irradiação" outros grandes Simirombas, como sejam:
Santo Agostinho, Santa Teresa D'Avila, São João da
Cruz, Madre Teresa de Calcutá, Irmã Dulce, etc.

Essas Entidades Espirituais, no entanto, segundo a


mística presente nos templos que estabelecem cultos a
esta corrente, não manifestam-se diretamente pela
"incorporação", pois estes trabalham junto a corrente
mediúnica do templo somente pela via da irradiação
intuitiva, sendo estabelecida a ligação mental com estas
mesmas entidades, dentro da prática espiritual, por meio
dos Terços, Trezenas, bem como do Rosário, os quais
ocorrem no início dos trabalhos ou ainda em dias
específicos para a realização destas práticas ou como
formas de culto particulares, recomendadas inclusive
aos médiuns destes mesmos templos e aos seus
consulentes, aos quais aconselha-se realizarem-nas
dentro de seus lares, como hábito da vida cotidiana.

104
Efetuando então uma transição entre o simbolismo
manifesto (o nome Simiromba para designar Francisco
de Assis, por exemplo) e a mística que vela a realidade
espiritual contida nesta palavra, entenderemos que é por
meio do rosário, das trezenas e dos terços que os adeptos
destas tradições umbandistas poderão identificar-se com
essas correntes espirituais, servindo-se destas práticas do
catolicismo popular para alcançar o estado
contemplativo e atingir a sintonia com a faixa
espiritual a que estes espíritos estão vinculados, os
quais tornaram-se grandes conhecedores da Vida e do
uso das orações e das rezas como elos mágicos para
criarem as irradiações que serão destinadas ao auxílio
de espíritos encarnados e desencarnados.

Servindo-nos de mais dois simples exemplos, podemos


citar as palavras Jurema, as Águas e suas
respectivas místicas.

Tratando do Catimbó, Jurema é uma árvore (tida como


Sagrada neste culto de origem nordestina), assim como é
também a bebida feita utilizando-se partes desta mesma
árvore de Jurema. Jurema, ao mesmo tempo, designa a
própria cerimônia religiosa do Catimbó.

Jurema pode ainda identificar uma Entidade Espiritual, a


qual manifesta-se no transe dos adeptos das tradições
umbandistas (e também das demais religiões afro-
brasileiras de maneira geral). Também pode ser toda uma
Falange de espíritos que manifestam-se carregando
consigo este nome simbólico, bem como toda uma Linha

105
de caboclas de Oxossi (por exemplo). Ao mesmo tempo
em que é Uma, também torna-se várias entidades.

Jurema também pode designar o local de culto e oração,


como a mesa de jurema do Catimbó ou mesmo o Congá
da Umbanda.

Jurema também representa o mundo espiritual ou plano


espiritual, de onde provêm e para onde retornam os
espíritos de luz manifestados como Caboclos e Caboclas.
Jurema também representa as próprias matas.

Aliás, Jurema não restringe-se a uma identificação


feminina, pois existem espíritos de índios e caboclos que
são Juremeiros.

Existe ainda a interpretação simbólica desta mística, a


qual identifica a Jurema como sendo relacionada tanto às
matas (como já dito) quanto às Águas.

Na Umbanda, os espíritos que manifestam-se pelo transe


mediúnico estão ligados a elementos da natureza, de
maneira geral ou específica, de acordo com suas ordens e
filiações de ordem espiritual. Desta forma, temos o "Povo
das Águas", no qual incluem-se Espíritos de Caboclas,
Marinheiros, Mestres, entre outros.

Durante o transe e a "gira" destas entidades, a simbologia


das Águas é utilizada de diversas maneiras, partindo dos
pontos cantados, os quais trazem no texto musical a
referência a esse elemento natural, até mesmo à
utilização da própria Água durante os trabalhos

106
espirituais (copos ou garrafas com água dispostos no
Congá, a utilização de banhos e chás de ervas).

As Águas também guardam ligação com os aspectos


emocionais do ser humano, assim identificam aqueles
adeptos filiados aos Orixás identificados com este
elemento (Oxum, Iemanjá, etc.) como sendo pessoas
emotivas, de flutuações de humor acentuadas, etc. Da
mesma forma, também seriam as Águas os princípios de
ordem espiritual que simbolizariam a pureza e a força
arrebatadora do espírito iluminado, o qual "limpa" e
"descarrega" as trevas nas zonas espirituais de
sofrimento, etc.

Concluímos esta relação mística-simbólica dentro da


pratica cultual umbandista para, lembrando-nos do
conceito citado no início, compreendermos a "Senhora da
Luz Velada" - a Umbanda e sua Mística Mistérica - em
sua grande riqueza simbólica que permeia e
resguarda significados culturais, psicológicos e
espirituais de grande profundidade, os quais abrem-se ao
seu adepto ao longo do tempo de sua vivência e
frequência aos ritos, bem como de seu contato contínuo
com os Guias e Protetores, facultando aprofundar-se na
tradição de seu templo, ampliando sua consciência
espiritual a respeito da realidade da prática rito-litúrgica,
enxergando além da simbologia exterior expressa nos
"dias de trabalho" e identificando aspectos de maior
alcance espiritual, os quais são trazidos pelos Guias e
fixados no tempo e no espaço, pela prática ritualística,
por meio do simbolismo;

107
Simbolismo, Magia e
Subjetividade na Umbanda (I)

Neste artigo, trataremos do processo pelo qual, segundo


nossos estudos e experiências, entendemos como a
magística umbandista influencia tanto a dimensão
material quanto espiritual.

Como homens (no sentido de humanidade) carregamos


em nós uma percepção intuitiva a respeito de uma
Realidade composta por aspectos que vão além do que
percebemos e experienciamos no mundo corpóreo.
Através dos tempos elaboramos sistemas práticos para
estabelecer, seja em que nível for, um contato com estes
aspectos que escapam à nossa percepção objetiva, de
maneira que possamos integrá-los no campo de nossa
consciência individual e em nossa memória coletiva,
compreendendo assim, a pouco e pouco, como estas
práticas podem interferir nos nossos desequilíbrios,
buscando promover, a nós mesmos e a nossa
comunidade, o bem-estar, a saúde e a prosperidade.

No ínterim deste processo, surge a Magia, como sendo a


ciência que estuda e vela os segredos da natureza, não
somente nas condições de experimentos da mistura ou
desagregação de elementos corpóreos (materiais), como
também, e principalmente, nos seus aspectos profundos,
sua dimensão sutil equivalente no plano astral.

108
Dessa forma, a Magia é utilizada para movimentar as
estruturas sutis de tudo o que existe ou tem vida dentro
do espaço cósmico.

A prática magística irá consolidar-se nas culturas


humanas e imiscuir-se mesmo naquelas religiões cujos
seus dogmas e conceitos a respeito do campo do Divino
e do Sagrado aparentem ser de caráter contrário a esta.
Isso por que surgiram, mesmo dentro das religiões,
homens cientes desta condição transcendente da
Realidade, os quais desenvolveram práticas e métodos
para estabelecermos condições de comungar,
contemplar e experienciar o Sagrado, o mundo
espiritual.

Pelo contato com a Natureza e a compreensão de nós


mesmos como seres eternos e transcendentes ao mundo,
guardamos, em nosso inconsciente profundo/coletivo,
arquétipos que constituíram "forças" impulsionantes para
o nosso desenvolvimento e adaptação ao meio (social,
natural e espiritual) com o(s) qual(is) nos relacionamos a
todo o instante.

Nosso imaginário preencheu-se pelas múltiplas vivências


ao longo de nossa trajetória no planeta, cujos registros
tomaram forma de símbolos de grande "força"
emocional inconsciente, os quais atuam como
"propulsores" das "dramatizações míticas", as quais
vivenciamos hoje em forma de ritos litúrgicos dentro das
Leis de Umbanda.

109
Os ritos de Umbanda são as formas esquematizadas e
elaboradas dentro da tradição religiosa para que os seus
adeptos possam estabelecer contato e contemplação da
Realidade espiritual.

Ora, sendo o símbolo o desencadeador do rito


(entenda-se rito como "prática-religiosa"),
percebemos como a ideia (advinda do campo mental)
movimenta-nos em direção a um objetivo específico
(exterior e ao mesmo tempo interior), impulsionando-
nos a elaborar meios de consecução daquilo
que intencionamos.

Surge aqui, o primeiro princípio da prática magística: a


ideação.

Toda a movimentação magística é gerada e iniciada,


conditio sine qua non, pela Mente.

A partir da ideação, desencadeiam-se as correntes de


pensamentos, as quais irão entrelaçar-se com outras
correntes similares, atraindo entidades espirituais afins às
ideias contidas neste "pensar", dinamizando-o, e
provocando uma ampliação (por conta do efeito
mediúnico) na intenção daquele que pensa, o qual passa a
não mais "pensar sozinho", mas sob a influência de tantos
quantos outros seres (desencarnados e encarnados) que
estejam comungando naquele momento da mesma
irradiação de pensamentos e objetivos.

Concretizadas essas junções mentais, as quais efetuam-se


fora do tempo e do espaço (não-localmente, segundo o

110
conceito da física quântica), temos a passagem dos
pensamentos para o ato de realização do ritual magístico,
o qual é veiculado pela Vontade.

O médium-magista, ou operador, deve estar preparado no


exercício da Vontade, pois é por este recurso psíquico
que poderá dominar a si mesmo e às correntes de
pensamento que assomam-se, em escala cada vez maior,
enquanto dure o tempo de realização do trabalho
espiritual. É ainda pela Vontade daquele que produz o ato
mágico, que serão sustentadas as movimentações
de energias sutis desencadeadas neste processo.

Por fim, mas não menos importante, temos a


concretização do trabalho mágico realizado na
preparação dos elementos corpóreos (materiais)
utilizados. É imprescindível que as movimentações de
energias sutis sejam projetadas e acumuladas sobre um
equivalente material. Estes elementos possuem a função
de "espelhar" o ato petitório realizado, produzindo um
impacto no campo etérico, ao mesmo tempo em que
recebem de retorno as irradiações provindas das
dimensões extrafísicas. Como uma energia que se
expande, indo "para fora" do tempo e do espaço,
retornando acrescida e dinamizada pela ação das
irradiações emitidas pelos seres habitantes do plano
espiritual.

Explicados estes mecanismos, cumpre agora lembrarmo-


nos quanto a Destinação e Responsabilidade daquele
que realiza um trabalho de Alta Magia na Umbanda.

111
O mecanismo descrito acima é o mesmo tanto para
aquele que intenciona o Bem quanto para aqueloutro
que pretende o Mal.

O que irá determinar se o o ato mágico torna-se uma


"Magia Branca" ou uma "Magia Negra" (para nos
valermos de termos populares), é a Destinação que cada
um dê aos seus pensamentos e emoções, conforme nossa
consciência de Responsabilidade diante da Vida e de
nossos Guias e Protetores da Corrente Astral de
Umbanda.

Lembraremos, por último, no tocante à Destinação e


Responsabilidade daquele que realiza o ato mágico, a
respeito das Leis de Retorno e Filiação Astral, as quais
estão implícitas e prontamente acionadas desde o
princípio dos mecanismos citados acima.

Estejamos conscientes do fato de que nós seremos os


veiculadores das energias que serão atraídas e irradiadas
na prática magística. Toda essa confluência de energias
incidirá, imediatamente, sobre a Mente que inicia o
processo mágico, portanto, todo o Bem que peça será
automaticamente integrado à sua consciência, produzindo
bem-estar, saúde e elevação, conquanto todo o Mal que
intencione, desencadeará acréscimo de infortúnio,
perturbação e infelicidades. Essa a Lei de Retorno - o
Choque de Retorno.

Ademais, na realização do Rito mágico, infundimos e


dinamizamos valores e símbolos vivos de nossa tradição,
integrando-os em nosso mundo interior e na memória

112
daqueles pertencentes ao templo religioso. Tal relação,
perpetuada na prática coletiva do mediunismo e
na vinculação "filho-de-santo" - "babalorixá/yalorixá",
ocasiona compromissos de Filiação, os quais exigem
grande quota de consciência lúcida por parte daqueles
que encontram-se nesta condição, uma vez que estarão
sob as irradiações das correntes espirituais pertencentes
ao seu templo, e sob seus influxos receberão as
contrapartes e consequências do Bem ou do Mal que
venham a intencionar e/ou praticar.

113
Simbolismo, Magia e
Subjetividade na Umbanda (II)

Na Umbanda, entendemos a Divindade e a experiência


do Sagrado como estando indissociáveis do mundo no
qual vivemos e nos movimentamos, não havendo uma
cisão entre a realidade espiritual e a realidade dita como
material. A isso relacionamos o conceito de imanência.
Portanto, a realidade espiritual e divina está no mundo
"material", no qual manifesta-se por diversas formas.

No entanto, essa mesma imanência não se contrapõe à


transcendência, pois ao mesmo tempo em que os planos
espiritual/divino permeiam a materialidade do mundo,
estes compõem uma Realidade reguladora e
mantenedora deste mesmo mundo "físico", cuja sua
existência dá-se somente por ser a contraparte
manifesta destas realidades mais profundas.

Desta forma, a utilização da magia dentro da religião,


conforme faz-se notar na Umbanda, constitui o recurso
pelo qual buscamos integrar, na realidade existencial do
mundo "material", o transcendente ao imanente,
viabilizando que estes aspectos sejam assimilados e
experienciados pela consciência de seu adepto,
implicando no conhecimento gradativo da dimensão
espiritual, por conta do contato com seus conteúdos
114
psíquicos inconscientes que emergem a consciência,
facultando serem reelaborados, bem como pela relação
com mentes extrafísicas (desencarnadas) que irá
experienciar, proporcionando-lhe possibilidades de
ampliar suas perspectivas e compreensões a respeito das
questões existenciais, próprias ao homem religioso.

As práticas mágicas na Umbanda revelam-se de


diversas maneiras, como por exemplo, pela utilização de
bebidas, de tabaco, da defumação, do banho de ervas,
do ponto riscado, das danças rituais, de elementos
litúrgicos vários e, de maneira mais conhecida
"exteriormente", pelas oferendas que são entregues ao
congá ou em determinados locais do ambiente
social (praias, matas, cachoeiras, cemitérios, entre
outros).

A magia, dentro da religião de Umbanda, irá caracterizar-


se por dois vértices que lhe dão razão de ser, ao mesmo
tempo em que estão relacionados diretamente com
aspectos interligados, embora aparentemente distintos, da
realidade existencial, como sejam, o antropocêntrico e o
cosmológico.

Seu vértice antropocêntrico vincula-se ao cuidado de


questões da necessidade humana cotidiana, geralmente as
mais básicas e fundamentais, as quais exigem um
tratamento e resolução dentro do momento presente, do
aqui e agora.

Seu vértice cosmológico é o de relacionar o indivíduo


com a Divindade, problematizando a relação homem-

115
Deus e expressando-se por ato reflexivo e interiorizado
do indivíduo, o qual projeta a simbologia própria e
constituinte do imaginário de nossa tradição religiosa,
exercendo uma rememoração de como concebemos nossa
relação com o Sagrado e como este está manifesto na
realidade material.

Pelos princípios da Alta Magia de Umbanda,


concebemos que há, para tudo o que existe no mundo
fenomenológico (mundo material), uma contraparte
etérica situada no Astral, a qual pode ser influenciada e
transformada com o objetivo de promovermos a
aproximação e a interligação do transcendente ao
imanente (energias espirituais movimentam-se e fundem-
se com elementos corpóreos), integrando-os no campo de
nossa consciência, proporcionando que tenhamos
experiências de contemplação do Sagrado, da realidade
Espiritual.

Segundo a concepção de que existe uma


essencialidade extrafísica para tudo o que há no
mundo corpóreo, temos que a matéria apresenta-se no
mundo sob estados característicos, os quais são
manifestações de suas contrapartes localizadas nas
dimensões etérica/astral. Vejamos:

Estados da Matéria: Sólido - Líquido - Gasoso

Estados Etéricos da Matéria: Éter Químico - Éter


Refletor - Éter Luminoso - Éter Vital

116
Embora nossos sentidos físicos captem somente os
primeiros 3 estados da matéria, suas contrapartes etéricas
coexistem como estruturas sutis destes.

Quanto maior a frequência vibratória, mais sutis estas


estruturas irão se tornar, passando a relacionar-se com
outras dimensões extrafísicas, como sejam: dimensão
etérica, astral, espiritual, divina.

Conforme explicado em artigo anterior, a mente humana


é quem promoverá a coordenação da movimentação de
forças que irão ser desencadeadas no processo do
trabalho mágico-espiritual, sendo, portanto, por esta
assimilados os resultados de seu ato petitório.

Essa explicação cabe sempre ser reforçada, pois devemos


compreender que a mente está situada na dimensão
superior e mais sutil, a qual subordinará as demais
estruturas presentes nos elementos corpóreos e etéricos,
vinculando a estes as irradiações provindas de seus
pensamentos e emoções, implicando na movimentação de
suas estruturas, as quais ocasionarão impactos sobre as
dimensões astral/etérica, cujas energias
desencadeadas serão projetadas sobre o objetivo visado.

Esquematicamente temos:

Mente (emite Pensamentos e Emoções) / (que se


projetam em) => Elementos materiais (que
potencializados, dinamizam) => Éteres (os quais
impactam no plano astral, desencadeando energias)
=> Ação Astro/Etérica => Objetivo Visado.

117
Em decorrência deste mecanismo, cabe esclarecer
também a respeito às Leis de Sintonia, as quais
determinarão o encadeamento das partes supracitadas,
bem como o alcance sobre o objetivo visado. Assim,
todas as partes desta cadeia deverão estar
correlacionadas, identificadas, para que haja sintonia
entre ambas, e as evocatórias transitem entre esta
corrente.

Portanto, ao efetuar um ato magístico visando o bem-


estar de uma pessoa necessitada, caso não saibamos
coordenar esse processo, ou mesmo, caso a pessoa a
quem se pretende auxiliar não estiver sintonizada (por
meio de seu comportamento interior e desejo sincero de
melhora, por exemplo), não se irá efetivar o processo de
Sintonia, tornando os resultados aquém do esperado.

Ainda dentro das Leis de Sintonia, consideraremos uma


de suas faces, a Lei de Afinidade, segundo a qual cada
intenção enunciada pelos pensamentos emitidos por cada
um de nós, situa-nos na condição espiritual em que
transitamos, consciencialmente, como Espíritos (pelo
menos momentaneamente). Essa condição é que define-
nos em nosso estágio de "evolução espiritual" em relação
às demais mentes (encarnadas ou desencarnadas) com as
quais estabelecemos relações.

Dessa forma, a intenção desencadeadora do processo


magístico, colocará aquele que opera o ato em sintonia
com entidades espirituais, cujas suas graduações
e alcance espiritual estarão em razão da afinidade que
guardarão com o que se pede. Desta forma, que ninguém

118
espere contar com um Nume Celestial quando seu desejo
e aspiração ao realizar um trabalho mágico/espiritual é o
de atrair o mal sobre o próximo, angariar condições
financeiras ou sociais para as quais não se possua
méritos, etc.

Somente os bons pensamentos e a conduta reta diante da


Vida podem proporcionar-nos o contato e a simpatia com
as Entidades Espirituais em condições de nos auxiliarem
e esclarecerem-nos para o Bem.

Por último, concluiremos tratando do processo de


Reverberação, como decorrência da atuação magística.

Todas as práticas espirituais realizadas na Umbanda,


essencialmente mágicas, propiciam o contato do adepto
com seus conteúdos inconscientes, como se tornassem
abertos os portões para esta dimensão subjetiva do ser
humano, para a qual "mergulhamos" no ato do transe e
das realizações de ordem ritualística.

Dessa forma, entendemos que há no íntimo de cada um


de nós, assim como em tudo que nos cerca, uma
realidade supra-racional, a qual define-se como estando
além da razão finita de cada ser, no entanto plena de vida
e ordenadora do que vivenciamos como sendo este
mundo de relação, no qual estagiamos temporariamente.

Sendo assim, as práticas mágicas imitam, em escala


menor, o processo da Cosmogênese, a qual cremos ter
sido gerada pela ação do(s) Orixá(s) sobre a matéria,
manifestando-a e concentrando-a em um ponto único,

119
desencadeando o Big-Bang, do qual resultou nosso
universo, suas galáxias e nosso planeta. Vemos então, a
ação da Mente como instrumento da Consciência
Cósmica (Orixá) na escala Universal, acionando os
processos que transmutam e dinamizam os elementos
materiais e sutis, repercutindo no tempo e no espaço, os
quais surgem a partir daí, ocasionando a concepção do(s)
universo(s) existente(s).

Como dito, em escala menor, a prática mágica irá seguir


essa mesma ordenação, na qual a mente humana
(encarnada ou desencarnada) desencadeará o
entrelaçamento das energias nos diversos planos citados
(material, etérico, astral, mental), reverberando no
Cosmo.

Isso mesmo, os atos mágicos transcendem os limites do


espaço, reverberando-se no Cosmo, enquanto dure a
sustentação dada pela(s) mente(s) que auto influenciam-
se e projetam-se sobre os elementos corpóreos utilizados
na consecução do trabalho mágico (seja uma guia, uma
pemba, um ponto riscado, um patuá, uma fita, uma
oferenda ritual, uma imagem, etc.).

Da mesma forma que nós, ainda na condição de Espíritos


desencarnados, mesmo que de maneira inconsciente,
engendramos os corpos físicos dos quais nos servimos na
atual encarnação, cujas estruturas mantêm-se pelos
"mapas" morfológicos pré-estruturais que trouxemos
conosco, gravados em nossos corpos espirituais,
sustentamos tudo ao nosso redor pela ação de nossa
mente.

120
Percebamos que na prática mágica as barreiras entre o
concreto e o imaterial rompem-se, restando na base do
fenômeno as condições mentais que irão se colocar em
ação para influenciarmos e sermos influenciados pelas
forças sutis e inteligências variadas que permeiam e
povoam os planos extrafísicos. Tal efeito liga-nos a
mecanismos profundos de compensação e equilíbrio de
forças, tornando-nos doadores e receptores de energias de
diversas gradações, as quais irão influenciar nossa saúde
emocional, física e mental.

Portanto, a opção pelo Bem é sempre a que irá nos


proporcionar integrar em nosso patrimônio íntimo, tudo
o quanto haja de pleno, felicitador e gratificante, assim
como também para aqueles que comungam de nosso
trabalho espiritual (como consulentes, filhos-de-
santo, irmãos de corrente); conquanto a investida no
Mal irá acarretar, invariavelmente, consequências
desastrosas nas vidas comprometidas em tal ato, seja
daquele que pede o Mal, daquele que executa-o, daquele
que lhe sirva de "médium", tanto quanto para aqueles
que compartilham do ambiente (filhos-de-santo, irmãos
de corrente), no qual tais práticas se fazem predominar.

Saibamos então de nosso compromisso perante a Vida,


sob a tutela de nossos Guias e Protetores, os quais
influenciam-nos, voltando-nos para o Bem e para a Luz
do esclarecimento e da ação enobrecida pelo ideal de
sermos melhores a cada dia e para todo o sempre.

121
As Hierarquias na Umbanda

A Umbanda caracteriza-se como uma religião


notadamente sacerdotal, dotada de ritos de iniciação e
ascensão do conhecimento relativo ao universo
simbólico/sagrado por parte de seu adepto, conforme este
avança pela estrada espiritual, configurando-se como
um praticante cada vez mais integrado às vivências
dentro da tradição umbandista a que esteja vinculado por
intermédio do terreiro que frequente e de seu mestre
espiritual: seu pai ou mãe-de-santo.

Os sacerdotes de Umbanda (pais e mães-de-santo) detêm


e legitimam os domínios do conhecimento do sagrado
dentro do rito, e é por meio da transmissão feita por estes
que dão-se os acessos dos filhos-de-santo aos diversos
níveis da estrutura da liturgia, angariando novos saberes e
ascendendo os degraus da iniciação. Desta forma, as
relações hierárquicas estabelecem-se primordialmente
como mecanismo de estruturação de poder a ser
convertido em um saber passível de transferência por
meio do processo da comunicação estabelecido entre
mestre e discípulo no decorrer do tempo de vivência
religiosa, na medida em que são observados o
comportamento e engajamento do discípulo junto ao seu
templo, à sua tradição, e principalmente no cumprimento
dos papéis socioreligiosos que dele fazem-se esperados

122
conforme avança e aprofunda-se na experiência
religiosa.

Assim, estão configuradas dentro do mundo de relação


presente nos terreiros de Umbanda, as figuras do
Pai/Mãe-de Santo, Pai-Pequeno/Mãe-Pequena, Médiuns
(graduando de acordo com o nível de iniciação ritual),
Cambones, Ogãs e a Assistência.

Tal ordenação implica no fato de que o adepto dos


círculos espirituais umbandistas, deve dominar e
compreender determinados níveis da experiência mítica e
sagrada pertinente ao universo religioso em questão e
submeter-se àqueles que se apresentam como
pertencentes aos níveis de hierarquia mais elevados, bem
como aos espíritos Guias e Protetores, objetivando fazer-
se bom aluno para no futuro lograr ser, de igual forma,
um bom mestre.

O Pai-Pequeno e a Mãe-Pequena representam a extensão


da influência espiritual/social do Pai/Mãe-de-Santo sobre
todos no terreiro, devendo por isso corresponder-lhe
afirmativamente quanto às expectativas pertinentes ao
seu papel, primeiramente pelo exemplo de compromisso
e responsabilidade, zelando pela boa preparação e
disciplina do corpo de médiuns, a boa orientação dos
médiuns novos, a contribuição na transmissão do
conhecimento simbólico/espiritual e também das
informações organizacionais referentes ao templo.

Aos médiuns já iniciados, cumpre seguir as


determinações de ordem espiritual e social transmitidas

123
pela direção do templo e aplicar-se na prática da
experiência religiosa, mediante o trabalho com seus
Guias para que possa evoluir no domínio de sua função
mediúnica, cumprindo seus deveres de preparação
ritualística e espiritual, bem como adquirir cada vez mais
ciência a respeito dos ritos praticados dentro e fora do
templo, o cronograma destes ritos, os trabalhos de caráter
especial/iniciáticos, aliados a conhecimentos sólidos e
bem estruturados acerca de sua religião e de seu
mediunismo. Tudo isso para que possam tornarem-se
adeptos conscientes e críticos em torno de sua
religiosidade, além de suficientemente esclarecidos a
respeito dos fundamentos de sua prática religiosa.

Já aos Cambonos (Cambones) cumpre o


acompanhamento das entidades espirituais ao longo dos
trabalhos, fornecendo aos médiuns o suporte necessário,
também no que se refira aos objetos que estes necessitem
utilizar no decurso do trabalho espiritual, a observação
atenta da assistência a fim de zelar pela tranquilidade dos
trabalhos e pela orientação daqueles que adentram à casa
pela primeira vez, ou que vejam-se tomados pelo
fenômeno do transe em meio ao trabalho (estando na
assistência), a coleta de cartas e bilhetes redigidos pelos
assistidos (solicitando atendimento de suas necessidades,
pedidos de oração, etc.).

“Quanto mais as pessoas sobem os degraus de uma


evolução espiritual nos níveis da hierarquia mediúnica,
mais se submetem às regras do desempenho de seus
papéis e mais interiorizam as crenças pertinentes ao seu
status” (Victoriano, 2005).

124
O desenvolvimento mediúnico permite uma assimilação
das linguagens rituais e seu executar ao longo da prática
umbandista, cujo seu aprofundamento e integração no
psiquismo do médium, permitem-no uma cada vez mais
afetiva e segura incorporação – a firmeza do médium -,
fazendo com que esteja cada vez mais em evidência
perante o dirigente/sacerdote do terreiro, e possa aos
poucos ganhar o seu “consentimento para que represente
a experiência simbólica das entidades” (Victoriano,
2005) perante o próximo, contribuindo no atendimento e
participação na "linha de passe", na presença ativa nos
ritos de tratamento espiritual, nos ritos de iniciação, entre
outros.

A própria subordinação do adepto às normas sócio


administrativas que regulam as atividades do terreiro (em
seu aspecto social e colaborativo) também define-se
como caráter estabelecido da relação de respeito
hierárquico, na qual cada um concorre para a manutenção
do templo, zelando pela sua integridade financeira (de
maneira que este possa arcar com seus custos fixos para
manter-se em atividade ao longo do tempo), assim como
adaptando-se às regras de convivência social dentro do
templo (dias e horários a serem obedecidos, roupas que
deverão ou não ser utilizadas dentro do templo, modos de
falar e se comportar, etc.).

As hierarquias presentes na Umbanda também verificam-


se nas relações do mundo espiritual, no qual estão
estabelecidas as formas de relação e subordinação dos
Guias e Protetores trabalhadores de determinado templo
aos Espíritos que se afigurem como os Dirigentes

125
daquele núcleo religioso. Por tanto, seguimos os
princípios de ascensão espiritual no tempo como atributo
principal de sustentação dos ritos e da raiz da tradição
seguida por cada templo, de maneira a perpetuar e
intensificar as noções de identidade espiritual do rito e,
consequentemente, de seus adeptos, vinculando-nos a
todos numa mesma dimensão consciencial de
entendimento da Vida e da realidade espiritual, portanto,
numa mesma egrégora.

Assim é que as estruturações de relação entre os


indivíduos dentro do rito correspondem a obediência de
uma ordenação originalmente estabelecida na dimensão
espiritual, e suas inter-relações dimensionais dão-se na
medida em que, como discípulos, saibamos
comportarmo-nos como tal, assim como aquele que se
faz mestre também guardará uma atitude correspondente
ao seu papel.

A troca simbólica efetuada na vivência espiritual entre os


adeptos umbandistas, e destes para com seus pais e mães-
de-santo, fortalecem a dinâmica dos trabalhos efetuados
em favor de todos, estreitando os elos entre a Corrente
Mediúnica do Terreiro com a Corrente Astral de
Umbanda, com a qual aprendemos a nos ligar e
identificar, finalizando por mitificá-la em nosso campo
psíquico, servindo a multiplicidade de seres do mundo
espiritual, advindos deste mundo mítico e transcendente,
os quais acessam nosso campo mediúnico, como fatores
de integração psicológica e fortalecimento da noção de
identidade profunda e espiritual de que todos somos
dotados.

126
Colhemos, pela diversidade de componentes e níveis de
manifestação da realidade espiritual expressa pela
Umbanda, vários momentos de felicidade e profundas
experiências mediúnico/espirituais, das quais guardamos
lembranças e convicções íntimas da imortalidade do
espírito e da beleza que se revestem os planos de
Aruanda, os quais podemos constatar durante os
trabalhos de ordem espiritual, ressignificando nosso
existir e agradecendo sempre por sermos discípulos de
tão grandiosa trilha de luz em mais esta encarnação, pois
aprendemos cada vez mais a rogar a cobertura de nossos
ancestrais, guardar carinho pelos nossos pais/mães-
espirituais, irmãos mais velhos de santo e assegurar o
respeito mais profundo pelos irmãos mais novos.

Por isso, peço a benção aos mais velhos e dirijo meu


respeito aos mais novos...

127
A Prática Oracular na
Umbanda

Oráculo define a prática divinatória (de adivinhação)


concebida por vários povos ao longo do tempo, como
meio de comunicação com a Divindade. Pelo Oráculo
podia-se compreender a vontade dos deuses, predizer as
alegrias e tristezas reservadas a uma pessoa, bem como
fatos importantes para todo um povo. Nas culturas
egípcia, persa, judaica, chinesa, grega, nórdica, iorubá,
etc., encontramos sistemas oraculares com a finalidade
de consolidar essa ligação do homem com o divino.

Assim, oráculo passou a ser o termo que designa:

a) A pessoa capaz de fazer predições;

b) O local onde tais predições ocorrem (um templo


religioso, por exemplo);

c) Os métodos utilizados para a obtenção da predição


(jogos e sistemas divinatórios).

No meio umbandista iremos encontrar determinadas


formas de práticas oraculares. Embora estas não sejam de
propriedade da Umbanda, uma vez que não as criou, tais
práticas encontram-se inseridas em vários templos
umbandistas e acabaram por incorporar-se aos sistemas
de crença de seus adeptos.
128
Cremos que os sistemas oraculares mais comuns à
Umbanda são: Jogo dos Búzios, Jogo de Otás, Opelê
Ifá, Cartomancia, Vidência na Água (Copo de
Vidência) e as consultas espirituais com os Guias e
Protetores.

Não iremos aqui entrar em detalhes a respeito de como


processam-se os ritos e a esquematização destas práticas,
tão pouco por quais signos representativos dão-se as
interpretações e suas consequentes predições.

Nossa intenção é a de refletir a respeito dos sentidos


psicológicos e espirituais que envolvem estes sistemas
oraculares e como estes compõem recursos de auxílio
para o entendimento da subjetividade humana e suas
perspectivas diante de questões existenciais
fundamentais, como sejam as relações dialéticas entre
Livre-Arbítrio e Destino.

Até que ponto os caminhos da vida de uma pessoa estão


sujeitas a estas duas Leis Espirituais, tão intrigantes e tão
debatidas ao longo dos séculos pelas mais diversas
filosofias e religiões?

Será que os rumos da vida do homem encontram-se


totalmente estabelecidos antes de seu nascimento e
vinculados à Suprema Vontade Divina?

Ou, ao contrário, seria a capacidade de discernir e optar


(Livre-Arbítrio), próprias a cada ser humano, os atributos
preponderantes para que cada homem, a seu turno, atinja
sua condição de felicidade ou desdita?

129
Bem, primeiramente, para que possamos adentrar à
questão de como os sistemas oraculares relacionam-se
com pontos de crença aparentemente divergentes,
precisamos entender como a prática divinatória
contempla, em seus métodos diversos, uma visão
profunda e abrangente a respeito.

Em decorrência da influência cultural africana - neste


caso, a iorubá - o imaginário umbandista preencheu-se,
embora tenha adaptado e ressignificado seus elementos,
da cosmovisão destes povos a respeito da realidade
espiritual e como esta estrutura-se perante à Divindade.

Assim, temos a figura de Orunmilá, tido na cultura


iorubá como sendo o representante da mais alta sabedoria
e o depositário de todo o conhecimento da humanidade e
dos próprios Orixás. Fora isso, também eram atribuídos a
Orunmilá a sustentação do ciclo da vida, a fertilidade das
terras e da juventude do planeta.

Outra característica fundamental a respeito deste Orixá


refere-se à sua abrangência tempo-espacial. Uma vez que
as divindades naturais iorubás estavam totalmente
vinculadas ao espaço territorial de seu povo, estas não
transitavam junto a seus "filhos" no caso de um processo
de migração. Aliás, este foi um dos grandes dilemas dos
Iorubás quando chegaram cativos, ao Brasil, pois viram-
se distantes das suas terras e, consequentemente,
distantes de suas divindades. No entanto, com
Orunmilá essa regra não se perpetuava, porquanto um de
seus atributos é justamente o de transitar pelos quatro
cantos do mundo e entre a terra e o céu.

130
Orunmilá tem justamente neste fundamento, portanto, a
explicação do porquê ele sabe e conhece a respeito da
vida de todos os homens, bem como quais são ou deverão
ser seus atos perante à vontade Divina.

Na cultura iorubá, estão sob a regência de Orunmilá as


várias práticas oraculares destes povos. Orunmilá
também é conhecido como Ifá, sistema de jogo
divinatório empregado por esse mesmo Orixá, segundo
contam suas lendas.

Entendemos que o homem é o ser deste planeta que


possui a capacidade de raciocinar a respeito de sua
própria existência e estabelecer consciência de si-mesmo.
Desta condição própria ao ser humano, advém o fato de
que temos contato com nosso passado, presente e futuro.
O homem sabe que irá envelhecer. O homem sabe que irá
morrer e pode até contemplar aspectos dessa realidade.

Por conta disso, o homem possui a necessidade de tomar


resoluções e efetuar escolhas vislumbrando o seu
futuro. Seus empreendimentos de ordem material
(econômico, financeiro, social), afetivos
(relacionamentos, casamentos, pater/maternidade),
espirituais (a prática religiosa, a busca por significados
existenciais, etc.) carecem de ser contemplados com o
sucesso, de maneira que possa fruir de saúde,
prosperidade e felicidade.

À incapacidade circunstancial que o homem tem de


compreender as forças e os fatores existenciais que
influenciam diretamente a sua vida, tornando-se

131
motivos de dúvidas e receios, criou-se a concepção do
Destino.

Muitas vezes, essa incompreensível dinâmica da vida,


atuante sobre o homem, faz com que a vida de muitos
tome rumos os mais diversos e inusitados,
causando verdadeira perplexidade e espanto.

Acreditamos, como homens religiosos, na realidade da


vida como sendo regulada e diretamente influenciada por
forças de natureza espiritual, as quais se sobrepõem à
capacidade de apreensão humana, no seu atual estágio
consciencial. Em decorrência disso, criamos métodos e
estabelecemos práticas para termos acesso a
determinados níveis da Realidade Universal, cujos
mecanismos afetam diretamente nossas vidas.

Dessa forma, os sistemas oraculares irão trazer à tona


determinados fatores preponderantes na vida daquele que
os consulte. Serão abertos e colocados em questão
ângulos que dirão respeito do passado, do presente e de
seu futuro, estabelecendo quais seus vínculos kármicos
(anteriores ao nascimento), predisposições psicológicas,
situações momentâneas de vida, e finalmente, quais suas
vocações para a concretização de seu futuro.

Lembramos que somos possuidores de estruturas sutis


que estabelecem a nossa Individualidade como seres
humanos (encarnados) e como Espíritos. Nestas
estruturas, estão impressas as marcas e os registros
acumulados ao longo de nossa jornada como seres
imortais.

132
No que pese não sermos senhores, neste atual estágio, da
totalidade de nossa realidade espiritual, estamos
vinculados e dirigidos por Consciências Superiores (os
Orixás), as quais direcionam nossos Destinos, no ciclo
reencarnatório.

No entanto, essa condução impulsiva por parte destas


forças invisíveis que imanam por meio de nosso vasto
inconsciente, vai aos poucos transformando-se na medida
em que o homem, por intermédio de sua capacidade de
intuir, logicar e escolher, apropria-se da sua condição
como Espírito, assenhoreando-se de suas possibilidades
de engrandecimento e plenificação.

O oráculo irá auxiliar o indivíduo a considerar os fatos e


circunstâncias de sua própria vida, identificando quais os
fatores que correspondem ao seu destino (fatores
kármicos) e como este, pela execução de seu livre-
arbítrio, poderá conciliar-se com as Leis da Vida,
promovendo harmonia.

Justifica-se, portanto, a busca e a validade destes


métodos de orientação espiritual, os quais processam-se
desde a consulta ao jogo de búzios até a conversa direta
com os Guias e Protetores, costumes tão presentes nas
nossas práticas.

Nestas consultas, irão ser contemplados atitudes e


comportamentos passíveis de serem adotadas pelo
indivíduo, portanto a partir de seu livre-arbítrio, as quais
irão conciliá-lo com as forças reguladoras do destino,

133
amenizando impactos danosos e às vezes até desastrosos
na falta de tal orientação.

De igual forma, as novas posturas e ideias aconselhadas


pelos Guias Espirituais, no momento da consulta, ou pelo
jogo divinatório, proporcionarão uma ampliação das
possibilidades de amadurecimento psicológico e
desenvolvimento ético do indivíduo, sintonizando-o com
seu Orixá interior (Deus Interno), dinamizando suas
forças próprias e estabelecendo contato com as faixas de
luz dos Planos de Aruanda, por onde ampliará a sua
consciência diante da Vida e da Realidade, sentindo-se
pleno e interiormente gratificado.

134
As Votividades e Oferendas na
Umbanda

A Umbanda é uma religião essencialmente mágica, pois


em suas práticas lida não somente com as potencialidades
e faculdades humanas (sensoriais e extra-sensoriais), mas
também com energias de diversos tipos vinculadas a
sistemas de forças fora da esfera humana, os quais
encontram-se situados na natureza, seja em sua dimensão
material ou astral.

"A oferenda possui, portanto, dois propósitos claros que


não podem ser entendidos separadamente. O primeiro
consiste no próprio ato de dar, de "oferendar" algo que
deve necessariamente fazer parte do seu cotidiano, ou
seja, o orixá deve ser presenteado por alguma coisa que
faça parte da vida daquele que oferece o "presente",
como se fosse ele mesmo quem tivesse se doando
através da oferenda. Trata-se de um ato de entrega
onde apresentar alguma coisa a alguém é apresentar
algo de si mesmo (MAUSS, 2003: 183-314).

A contrapartida ou o segundo propósito, já descrito


acima, é a transmutação de energia em benefício
daquele que oferta. A transmutação aparece aqui como
expressão de um "equivalente imaterial" da prática
material que lhe confere poder (MILLER, 2005)”.
(apud Chiesa, 2011)

135
As práticas votivas e ofertórias visam, segundo cremos,
propiciar que o adepto atinja a experiência do numinoso.

O termo numinoso foi criado pelo teólogo protestante


Rudolf Otto, e posteriormente adotado pelo insigne Carl
Gustav Jung, como um dos termos de sua Psicologia
Analítica. Segundo estes, o numinoso seria um efeito
dinâmico que apodera-se da consciência do indivíduo,
não causado por um ato arbitrário, sendo assim
independente de sua vontade. No entanto, ainda segundo
estes, a religião mostra que existem causas externas ao
indivíduo para que tal ocorrência se dê. Essas causas
externas poderiam ser propriedades de um determinado
objeto visível (elementos litúrgicos, totens, ou
oferendas rituais, como é o caso em questão), ou pela
ação de uma "presença invisível" (divindades, espíritos,
anjos, etc.), ambos produzindo uma modificação na
consciência.

A consequência das experiências numinosas implicaria


numa modificação positiva e ao mesmo tempo
arrebatadora na conduta do indivíduo, produzindo
verdadeiros marcos na história de vida de quem as tenha
vivenciado.

As práticas rituais religiosas são, portanto, tentativas de


provocar o efeito do numinoso na experiência do adepto.
E isso pode ocorrer, pois no ato de ofertar já está
implícita a condição do Sagrado, manifestado pelos
elementos constitutivos da oferenda, abrindo campo para
a possibilidade de contato com o divino no momento em

136
que o adepto abre-se ao acesso a diferentes níveis de
consciência.

Ao ofertar e ao cumprir votos, o adepto atua com práticas


que visam sua vinculação com seu Orixá e com seus
Guias e Protetores. Essa vinculação dar-se-á pela
movimentação de energias sutis (irradiações) que serão
atraídas e integradas no indivíduo, sempre por intermédio
de elementos corpóreos e pelo próprio corpo do médium
(entenda-se aqui a condição em que este realiza o
trabalho de feitura da oferenda, ritualiza seus atos,
cumpre resguardos, etc.).

Essa prática deverá contemplar uma relação de harmonia


entre a postura interior e exterior daquele que oferenda.

Mauss & Hubert (2005: 34-35), "trata-se de efetuar


um ato religioso com um pensamento religioso: a
atitude interna deve corresponder à atitude externa.
(...) o sacrifício exige o credo, o ato implica a fé". A
junção desses três elementos produzirá a magia
(Chiesa, 2011).

No ato votivo ou no trabalho ofertório, vislumbramos a


possibilidade de ampliar nossa ligação com aspectos
transcendentes de nossas vidas, embora muitas vezes este
ato também seja realizado com vistas a consecução de
favores por parte das Entidades Espirituais, as quais, na
Umbanda, funcionam como intermediárias das graças e
bênçãos dos Orixás.

137
A adoração na Umbanda, portanto, efetiva-se
especialmente com a elaboração de oferendas, cujos seus
símbolos são detentores de significados profundos,
mesmo passando despercebidos ou entendidos como
adereços.

Os elementos que compõem, de maneira geral, uma


oferenda, são flores, frutos, legumes, velas, água, bebidas
específicas, fitas, panos, imagens, tabaco, alguidares ou
gamelas, entre outros.

Isso deve-se ao fato de que, tanto os negros quanto os


indígenas brasileiros, eram pertencentes às culturas
notadamente agrícolas e realizavam suas ofertas às suas
divindades e aos seus ancestrais desencarnados, dando-
lhes o resultado de seu trabalho, de suas colheitas, com a
intenção de gozar do auxílio dos Deuses e dos espíritos
familiares, trazendo-lhes prosperidade e saúde.

Remontando-nos ao fato de que estes personagens


representam simbolicamente duas, das três principais
correntes que constituem a base do corpo de
trabalhadores espirituais da Umbanda, compreendemos o
porquê da utilização de tais "ingredientes". Uma vez que
estes Espíritos trouxeram seus signos e significados
culturais para a execução de seus trabalhos, eles só
poderiam operar sobre aquilo que lhes fosse pertencente
ao patrimônio de experiência próprio assim como
daqueles que se tornariam seus médiuns e adeptos de
uma maneira geral.

138
Em outras palavras, os Guias e Protetores irão utilizar-se
de elementos que estejam vinculados à cultura e ao
inconsciente da coletividade que tutelam para poderem
estabelecer seus trabalhos no campo da fé e da orientação
espiritual.

Conforme havíamos dito no início deste post, a Umbanda


é uma religião mágica, pois que trata não somente dos
fenômenos e significados pertinentes à subjetividade
humana, mas também lida diretamente com elementos da
natureza que veiculam a manifestação de forças sutis
diferentes daquelas próprias aos seres humanos.

Isso não quer dizer que estas energias sejam inferiores,


ou "densas", como querem alguns de nossos amigos de
outras correntes espiritualistas. Dentre as forças naturais,
estão aquelas que caracterizam-se pelo fato de serem
extremamente sutís e, num grau de comparação, embora
impróprio, com as energias do espírito humano, muitas
encontram-se inclusive acima destas.

Para a compreensão efetiva das práticas votivas e


ofertórias dentro dos templos de Umbanda, bem como de
maneira particular, realizada por seus adeptos,
buscaremos desmembrar três mecanismos principais que
envolvem o "início e o fim" de tais práticas, consolidando
o ato de adoração e de estreitamento do humano com o
plano divino.

Nesta relação, temos o encadeamento das imagens


simbólicas que chegam à nossa consciência, provocando
o sentimento religioso e despertando a necessidade de

139
contato com o divino, no ato de recolhimento pela prece,
reflexão e adoração.

Pela prece asserenamos nossos pensamentos,


liberando-nos da agitação e do excesso de estímulos
sensoriais para sintonizarmos com nosso mundo
interior e projetando-nos para o mundo espiritual.

Pela reflexão adentramos as portas do mundo


interior, revisando sentimentos e comportamentos,
auto-avaliando-nos e estabelecendo novas condições
para o nosso proceder diante de nós mesmos e do
outro.

Pela adoração consumamos o nosso contato com a


Divindade, encaminhando, pela projeção simbólica, os
pensamentos de harmonia, agradecimentos, pedidos e
louvores, efetuando a entrega à natureza, seja num
ponto de força do Orixá, seja no congá do terreiro ou
particular, daquilo que retiramos de nós com o
objetivo de dar-nos em homenagem à Vida,
possibilitando-nos desafogar os sentimentos, abrir a
percepção da mente para vislumbrar novas
oportunidades que se abrem e, harmonizando-nos
com o nosso eixo interior, centrando-nos.

Finalizamos dizendo que o ato de ofertar e cumprir


votos são as maneiras pelas quais o adepto pode
reforçar e dar dinâmica à sua tradição, seguida
dentro das Leis de Umbanda.

140
Quando repetimos atos ritualísticos aprendidos no
ambiente do terreiro, estamos sintonizando-nos com as
correntes abertas e movimentadas nos trabalhos
espirituais próprios da casa, e nossos atos de
ofertas particulares serão assimilados por essa corrente de
energias superiores que já estão em movimento,
agregando-se àquela irradiação e, portanto, sendo
encaminhados aos planos celestes e retornando-nos, de
acordo com nossas necessidades.

Estejamos certos de que tudo na Umbanda tem


fundamento, a ser aberto e entendido por cada um de
acordo com suas condições próprias, e que não estamos à
margem da vida em momento algum, pois que estamos
rodeados de forças as mais diversas que nos sustentam,
nos guiam e nos amparam sempre.

Que as Iabás e seu Povo das Águas irradiem sua Luz a


cada um neste instante, cobrindo-nos de Paz, de Amor e
Felicidades!

141
O Psíquico e o Imaginário:
Relação entre Mundo Espiritual
e Materialidade

"Eu escutei

E olhei

Com olhos tão abertos.

Verti minha alma

No mundo

Procurando o desconhecido

No conhecido

E canto em altos brados

Em meu assombro!"

(Rabindranath Tagore)

Compreender a realidade espiritual sem a presença da


materialidade é uma tarefa imaginativa, um processo
psíquico difícil (em particular para o homem ocidental),
uma vez que nossas expressões culturais e paradigmas
142
filosóficos estão intrinsecamente ligados à interpretação
dual da realidade, expressa na
relação interacionista sujeito-objeto.

Elaborar uma visão em torno da realidade espiritual, na


qual não haja a presença de objetos, paisagens, paragens,
cidades espirituais parece uma questão um tanto
complicada e dotada de um vazio de significação no que
diz respeito a compreensão da dimensão transcendente,
porquanto nossas vivências e experimentações estão
repletas nas impressões que adquirimos por meio dos
sentidos (mesmo na relação com o mundo psíquico) e na
interação com uma "realidade exterior".

As experiências dentro do universo religioso dão-nos


conta da existência de "localidade" e
"individualidade" no mundo espiritual, definindo-as das
mais diversas formas, variando conforme o meio cultural
e as referências pessoais daqueles que se vêem sujeitos
de tais "revelações", obtidas por via mediúnica ou do
êxtase.

Devemos reflexionar a respeito da efetiva existência de


tais paragens e personalidades do mundo espiritual, tendo
como base o contributo ministrado por tais experiências
da ordem do transcendente, verificadas de maneira tão
ampla no mundo religioso. Todavia, o entendimento de
como uma mesma realidade (a espiritual) pode
apresentar-se de maneira tão diversa e ao mesmo tempo
verdadeira para cada cultura religiosa, necessitará apoiar-
se no conhecimento da dinâmica da psique como a chave

143
para a sua compreensão, respeitada a notável diversidade
cultural.

"As únicas coisas do mundo que podemos experimentar


diretamente são os conteúdos da consciência". (Jung,
1971). Mediante tal assertiva de Carl Jung
compreendemos que toda a nossa experimentação em
torno da "realidade que nos cerca" está centrada em
projeções que fazemos de objetos e sensações, permeadas
pelo nosso complexo psíquico. Dessa forma, lidamos
com o mundo e estabelecemos com ele relações, na
medida em que podemos percebê-lo fora de nós, embora
sua origem e complementaridade estejam imersas no todo
psíquico de cada indivíduo.

"[...] pode-se entender que é da natureza humana se


relacionar e construir o mundo por intermédio das
imagens psíquicas, o que tem como consequência a
apreensão e relação do homem com o universo a partir de
subjetividades que se de fato condizem com algo que se
possa chamar de essência das coisas ou realidade, pouco
importa. Sua importância reside na constatação de que
esta subjetividade existe e quando partilhada se torna
objetiva na vida daqueles que assim o fazem". (Leme,
2006)

Dentro do círculo religioso umbandista (tanto quanto de


outras religiões ou doutrinas), temos as descrições,
informadas diretamente por alguns sensitivos ou, por seu
intermédio, pelas entidades espirituais manifestadas, de
regiões do mundo espiritual, onde "vivem" e
"transitam" um sem número de seres afastados da

144
experiência carnal, no entanto, dotados de corporeidade.
A Aruanda, a Cidade da Jurema, os Reinos das Águas, o
Reino dos Astros, bem como os seus
habitantes Caboclos, Pretos-Velhos, Crianças, etc., são
alguns símbolos que aparecem dentro do imaginário
religioso umbandista, servindo como comunicadores da
existência de localidades e personalidades "Luminosas"
na dimensão extrafísica.

Conforme encontramo-nos relacionados com esses


significados das experiências místicas oriundas da práxis
umbandista, populamos, ao longo da vida religiosa, o
nosso universo psíquico e contribuímos ao sistema de
crenças pertinentes a nossa religião. Construímos, dessa
forma, as bases para a transmissão e o compartilhar dos
sentidos presentes nas experiências espirituais,
associando-os ao imaginário existente e constantemente
reelaborado pela coletividade umbandista. Dessa forma
"[...] os símbolos religiosos têm um pronunciado 'caráter
de revelação' e, em geral, são produtos espontâneos da
atividade inconsciente da psique". (Jung, 1971).

"O imaginário, visto do prisma da pluralidade das


imagens, é a própria vivência psíquica e constitui-se
como campo onde se situam e guardam o patrimônio de
linguagens, símbolos e artefatos culturais que se
consubstanciam em imagens e suas significações,
produzidos pela humanidade, e que se concretizam, se
expressam, se toram 'visíveis' em memórias, fantasias,
doutrinas, teorias, modos de comportamento,
sentimentos, afetos, na arte, etc, habitualmente
associados aos produtos da imaginação". (Leme, 2006)

145
Os aspectos encobertos pelas comunicações simbólicas
dentro do campo místico da Umbanda, guardam em si a
apreensão de um senso de totalidade, comunicado pelas
entidades espirituais - e por seus cavalos, quando estes o
conseguem captar -, o qual leva a compreensão
essencial de uma profunda conexão entre tudo o que
existe e a não-separação original entre sujeito e objeto
dentro do mundo fenomenológico, embora suas relações
assim o pareçam. Portanto:

"Os dois mundos, o divino e o humano só podem ser


descritos como distintos entre si [...] os dois reinos são,
na realidade, um só e único reino. O reino dos deuses é
uma dimensão esquecida do mundo que conhecemos"
(Joseph Campbell, 1997)

No entanto, configura-se uma dúvida em torno das


revelações trazidas pelas entidades espirituais e
comunicadas a nós. Como pode haver uma realidade na
qual não há cisão entre sujeito-objeto se a própria
descrição de locais na dimensão espiritual e da própria
presença de seres com corpos espirituais levam a crer
nisso? Uma vez que se existem espaço e materialidade no
mundo espiritual, haverá também a interação dualista
entre sujeito e objeto?

"A antítese do realismo materialista é o idealismo


monista. Segundo esta filosofia, a consciência, e não a
matéria, é fundamental. Tanto o mundo da matéria
quanto o dos fenômenos mentais, como, por exemplo, o
pensamento, são criados pela consciência. Além das
esferas material e mental (que, juntas, formam a

146
realidade imanente, o mundo da manifestação), o
idealismo postula um reino transcendente, arquetípico, de
ideias, como origem dos fenômenos materiais e mentais.
Importa reconhecer que o idealismo monista é, como o
nome implica, uma filosofia unitária. Quaisquer
subdivisões, como o imanente e o transcendente, situam-
se na consciência. A consciência, portanto, é a realidade
única e final". (Goswami, 2002).

Entenderemos, por conseguinte, que segundo a visão


espiritualista, a qual também parte do princípio monista
em torno da realidade existencial, é a consciência
como princípio e essência que fundamenta a experiência
do ser, e gera os contextos que podem ser entendidos
como objetos e sujeito sendo coisas distintas. Essa
consciência, podemos entendê-la como sendo a alma,
ou espírito em sua dimensão mais profunda: "[...] a
alma é o único fenômeno imediato deste mundo
percebido por nós e por isto mesmo a condição
indispensável de toda experiência em relação ao
mundo". (Jung,1971)

Por meio do universo psíquico, o qual entenderemos


como uma instância da consciência, surgem os símbolos
que significamos como pertencentes ao universo de
relação. Entendemos que o mesmo fenômeno dá-se
também na dimensão espiritual, por conta dos próprios
relatos das entidades espirituais que dão conta de
situações nas quais objetos ou construções são erigidos,
desmanchados ou modificados; espíritos que em estado
de sofrimento e estagiando em um local sombrio, após
sofrerem uma avassaladora modificação no padrão

147
mental, por intermédio do arrependimento e da
oração, veem-se em local completamente diverso, onde
podem ser tratados e orientados; entre outras.

Interessante observarmos, a partir de tais relatos, que a


percepção do mundo espiritual, originada na consciência,
"[...] pode se estender além dos limites humanos e incluir
vários animais, plantas e até materiais inorgânicos e
acontecimentos. Parece que tudo o que possa ser
vivenciado no dia-a-dia como um objeto tem, nos estados
incomuns de consciência, um complemento
correspondente numa experiência subjetiva. O que
comumente percebemos como elementos separados de
nós - como pessoas, animais, árvores e pedras preciosas -
podemos, na verdade, transformar e identificar num
estado transpessoal”. (Grof, 1990).

Embora Grof estivesse referindo-se àqueles estados


experimentados por indivíduos encarnados, no contato
com a realidade espiritual, podemos também relacioná-
los as percepções dos próprios espíritos. "Os estados
transpessoais, então, não diferenciam entre o mundo da
realidade consensual e o mundo mitológico das formas
arquetípicas”. (Grof, 1990)

Essas correlações entre o mundo material e o mundo


espiritual, desencadeadas por um princípio em comum - a
consciência, espírito ou alma - conforme aprendemos,
também são comunicados por intermédio dos símbolos
religiosos contidos nas mais diversas culturas.

148
Na Cultura Vedanta, Nama representa os arquétipos
transcendentes e Rupa as suas formas imanentes.
Brahman situa-se como a consciência universal, a qual
abarca ambas (Nama e Rupa).

Na Filosofia Budista temos Nirmanakaya como reino


material e Sambhogakaya, o reino das idéias.
Dharmakaya, como consciência única contemplando
ambos os reinos.

No Kardecismo temos Matéria (realidade imanente) e


Espírito (realidade transcendente) e Deus como sendo
a inteligência suprema, causa primária de todas as
coisas (implicando na ideia de que a Divindade
contempla em seus domínios tanto a manifestação -
matéria -, quanto a ideação - espírito).

Na cultura Cristã, de maneira geral, temos os símbolos


Deus, Terra e Céu, da mesma forma identificando o
princípio de que na Divindade estão abarcados os
domínios da imanência e transcendência.

A Umbanda contempla em seu bojo de conhecimentos e


experiências espirituais uma variedade de significados
passíveis de aprofundamentos, pela dialética que encerra
entre a vivência do Sagrado e a apreensão dos conteúdos
psíquicos oriundos da prática mediunista, formando uma
rede de sentidos ampla, a qual pode conduzir à
compreensão de uma origem essencial e a conexão com o
todo, com o Orixá, com o Divino.

149
"[...] Não obstante seja imediato o impacto estético e
sensorial dos seus ritos, a intencionalidade subjacente às
ações, entretanto, quando se alcança percebê-la,
manifesta-se pelo encadeamento dos seus símbolos, que
se revelam inteligíveis à medida que o interlocutor
progressivamente se afina com a sua linguagem e sistema
simbólico e passa a ser capaz de 'senti-los'". (Pagliuso;
Bairrão, 2010).

O sentir, processo psíquico primordial para a apreensão


das vivências transcendentes experimentadas na
Umbanda, é o recurso interior a ser desenvolvido pelo
seu adepto. O sentir permite que retiremos das camadas
mais profundas da psique os conteúdos mais próximos da
nossa totalidade como espírito, integrando-os às nossas
vivencias emocionais e produzindo mudanças em nossas
percepções da realidade com a qual nos relacionamos,
passando, gradativamente, a agir de maneira mais íntegra
e menos fragmentária em torno de nossa existência,
ampliando nossa consciência e compreendendo que
somos Seres rumando para a reintegração com a
Essencialidade Divina, na qual as dualidades se
dissolvem no Todo, no Um.

150
A Realidade Espiritual do
Terreiro de Umbanda

Vimos expondo, conforme publicações anteriores, as


relações existentes entre o médium e seus guias
espirituais - no campo da prática mediunista - e
estabelecendo considerações, embora sumarias, em torno
de determinadas características semânticas observadas
nos ritos umbandistas, quais sejam a dança, a curimba, o
ponto riscado, as ervas, as oferendas, a magia, as roupas
litúrgicas, entre outras.

Cremos agora ser o momento de estabelecermos algumas


considerações em torno dos aspectos que relacionam-se
com as percepções de natureza espiritual, seus
desdobramentos dentro da experiência mística,
identificando-as com as movimentações que dão-se no
plano espiritual, ao longo da gira, as quais implicam na
elaboração de um discurso e interpretação de natureza
interior e particular de nossas experiências nos ritos de
Umbanda, as quais intentaremos, por ora, transmitir aos
amigos leitores e irmãos de fé.

Entendemos ser o rito umbandista uma prática religiosa


de caráter coletivo, no qual cada participante comunga
com o outro a experiência espiritual.

151
Desta forma, compreenderemos que cada indivíduo que
se integra aos trabalhos da casa (mesmo aqueles sentados
na assistência, bem se diga), traz para o interior do
terreiro todo o conjunto de suas possibilidades psíquicas
e anímicas, assim como todo o complexo de suas
relações espirituais, identificadas diretamente com sua
existência. Assim, cada participante do rito traz ao
terreiro os seus protetores espirituais e depositam ao
longo do rito, na irradiação (egrégora) formada ao longo
dos trabalhos, a sua contribuição em benefício de si
mesmo e de todos quantos estejam compartilhando do
momento da gira.

É de conhecimento, "senso comum", no meio umbandista


que os espíritos Guias iniciam um processo de
maior estreitamento de suas energias com as de seu
médium (cavalo), num período de 24 horas antes do
início dos trabalhos espirituais. Isso implica no
conhecimento de que há, adrede programado, um
relacionamento estabelecido entre as estruturas psíquicas
do medianeiro com as de seus Guias, os quais irão
penetrar em seu campo consciencial de maneira ostensiva
nos momentos de transe, culminando na realização de sua
função mediúnica e aplicando-a na experiência religiosa.

De tal sorte que o cavalo de Umbanda deve preparar-se


ritualisticamente para o seu mister como medianeiro. O
recolhimento, a oração, os banhos de defesa e a
iluminação de suas correntes, conforme recomendação de
cada templo, deverão ser práticas presentes em sua vida
religiosa.

152
Isso porque serão trazidos ao campo de influência de sua
aura (irradiação) não somente aqueles espíritos que irão
comungar com o médium no momento do transe, mas
também aqueles espíritos que encontram-se
"adormecidos" no plano espiritual ou que estejam
influenciando negativamente determinada pessoa ou
local. Compreendamos tal fato ao considerarmos que o
indivíduo-médium, ao propor-se a realizar a sua iniciação
espiritual, passa a ampliar as suas relações com o mundo
espiritual, levando-o a um maior estado de sensibilidade
das influências espirituais (positivas e negativas)
verificadas em determinados ambientes e pessoas.

Porque ilumina a sua consciência com a Luz espiritual


que adquire na senda mediúnica, passa a servir como
farol àqueles que ainda encontram-se na escuridão e
necessitam do "choque" com as suas irradiações para
recuperarem a lucidez espiritual. Encontrando-se
preparado, disciplinado, e consciente de sua
responsabilidade como médium, poderá servir como
instrumento útil aos Mentores de Luz no socorro aos
necessitados do mundo espiritual, sem sofrer com isso
nenhum prejuízo ou desgaste.

Voltando à questão coletiva da prática umbandista,


gostaríamos de enfocar algumas percepções a respeito de
particularidades do rito umbandista e seu campo de
influência espiritual sobre os participantes e também
sobre toda a região física e extrafísica que pode ser
alcançada pelas irradiações do templo, a depender de
seus propósitos de trabalho e compromisso diante das
Leis de Umbanda.

153
Movimentando as consciências de todos, no
momento, irmanados no sentimento religioso, para um
estado de equilíbrio psíquico, o rito Umbandista efetiva
desvincular os presentes (encarnados e desencarnados,
sempre vale lembrar) de mecanismos
emocionais perturbadores, afastando influências
espirituais negativas e dissipando acúmulos de energias
nocivas.

Lembremos que a proporção de seres habitantes do


mundo espiritual é cerca de 8 vezes maior do que a
população da Terra, portanto, o número de assistidos na
dimensão astral é significativamente maior do que a
quantidade de pessoas encarnadas presentes ao Rito.

Assim, a Corrente Espiritual da casa reúne em torno de si


todos aqueles espíritos que serão atendidos e
encaminhados para as paragens de refazimento e
orientação, na Aruanda Maior.

Fazem isso, com a participação muitas vezes


inconsciente da corrente mediúnica da casa,
proporcionando quadros de profunda beleza, quando
unem-se as irradiações espirituais produzidas pelas
mentalizações coletivas (expressas ritualisticamente por
meio dos pontos cantados e das orações), com aquelas
provindas de instâncias superiores de Aruanda, evocadas
pelos Guias no momento do trabalho, manifestando
símbolos universais e plasmando-os no plano astral, sub
cujo impacto abrem-se portais de luz (que geralmente
podem ser vistos pela clarividência cintilando no centro
do congá ou no "centro ritual" do terreiro), para onde são

154
atraídos os espíritos recém-desencarnados ou aqueles
tantos ainda doentes e inconscientes de sua condição
espiritual.

Os Mentores de Luz também reordenam no mundo astral


as forças que se tornarão vinculadas aos sustentáculos
vibratórios do templo de Umbanda (o congá, suas
firmezas, seus pontos, etc.), integrando-as ao seu campo
de influência e expandindo, consequentemente, as
dimensões do templo no plano astral. Daí, imaginemos
uma casa com uma tradição sólida, vivenciada durante
anos e anos na prática do bem e da caridade, e poderemos
vislumbrar o quão extensa pode ser a "amplitude
espiritual" de um terreiro de Umbanda.

Quando presentes à gira de Umbanda, todos aqueles que


nela encontram-se (médiuns ou não) são envolvidos pelo
campo de atuação espiritual do terreiro, ao qual
entregam, mesmo que de maneira inconsciente, todo o
complexo próprio de seu mundo interior (estado
emocional, memórias, conflitos, rogativas, etc), sendo
este prontamente assimilado por essa "alma coletiva"
formada e movimentada dentro do templo.

Esse campo "psíquico-coletivo" é acessado pelos Guias


da casa e invariavelmente observado por aqueles
(espíritos) que incumbem-se de trazer ao plano
existencial os meios de influenciar o campo de
consciência de todo filho-de-fé que pede, que ora, que
agradece, plantando em seu mundo íntimo, por meio da
inspiração, as disposições e possibilidades criativas de

155
encontrar novos rumos para a sua vida, mediante a
realidade de cada um.

Vemos, portanto, que a atuação espiritual realizada pelos


Guias de Umbanda realiza-se, não de maneira fantástica e
repleta de episódios sobrenaturais (como quer a fantasia
de muitos), mas de maneira sutil e contínua sobre todos,
buscando inspirar ideias e comportamentos novos ao
filho-de-fé, facultando que este possa libertar-se do julgo
dos conflitos existenciais e abrir-se a novas
possibilidades em sua vida, contribuindo
primordialmente para que este aprenda e desenvolva a
gratidão, a paciência, a humildade, a caridade e a
compaixão, que são atributos psicológicos dos indivíduos
maduros e seguros diante da Vida.

A prática da oração (feita de coração, com atenção, e não


somente repetindo palavras decoradas, de maneira
compulsiva) é o elo que possibilita ligar-nos aos Guias de
Luz de nossa Umbanda, e será ela (a oração) o fio
condutor de nossos pensamentos com os planos
superiores da Vida, capaz de integrar-nos à própria
Divindade, em cujo contato poderemos haurir, das fontes
inesgotáveis de Amor e Paz, a Serenidade e o Equilíbrio
necessários para podermos aliviar nossos sofrimentos e
superarmos nossos desafios íntimos.

156
A Obsessão Espiritual

A obsessão espiritual é uma problemática que grassa na


sociedade contemporânea, variando seu grau de
influenciação e impacto sobre o comportamento de um
indivíduo, ou de uma coletividade, afetando até mesmo,
em casos mais graves, sua saúde psicológica e orgânica.

Importa entendermos que o mecanismo que une o ser


humano à realidade que experimenta durante sua
existência, como espírito encarnado ou desencarnado,
está centrado nas expressões da mente, a qual coordena
todas as manifestações de cada Individualidade em
quaisquer planos ou circunstâncias que possamos
alcançar para exemplificação.

Portanto, o nível de consciência diante da realidade de si


mesmo logra fazer com que o ser abra-se às
possibilidades de optar conscientemente pelos
caminhos que haverá de trilhar na senda das
experimentações que inevitavelmente realizará, ao longo
de todo o seu ciclo de desenvolvimento como Espírito
que se É, rumando para a auto iluminação.

No entanto, por conta dos mais diversos dilemas


existenciais com os quais o homem defronta-se - muitos
permanecendo fixados em seu inconsciente desde as eras
mais primevas da humanidade -, quais sejam os dramas
157
envolvendo a ideia da ocorrência da morte, da doença, da
violência, da solidão, da miséria, da perda, entre outros,
este incorre na busca de mecanismos de fuga e alívio das
pressões psíquicas que se lhe fazem estressantes e
esmagadoras, desta forma surgindo os hábitos
perniciosos, comumente observados em nosso meio
social, como o tabagismo, o alcoolismo, a drogadição, a
sexolatria, etc...vícios profundamente danosos à saúde e
refreadores tenazes das possibilidades de transformação
mental de todo aquele que se lhes torne um adicto.

Situamos a problemática do comportamento humano, e


os seus desvirtuamentos, como premissas para
compreendermos que na base das obsessões espirituais
existe a conjunção de duas (ou mais) mentes que se
afinizam e se estreitam, por identidade de pensamentos e
emoções. Dessa forma, o ser encarnado não é e nunca
será uma marionete nas mãos das individualidades
desencarnadas. Todos recebemos as influências das
dimensões extrafísicas, tanto as situadas nas regiões de
Luz quanto nas regiões de Escuridão, pois que ambas
encontram ressonância em nosso mundo íntimo, pelo fato
de que nossa própria condição humana caracteriza-se por
essa polaridade, Luz e Escuridão (Sombra), que permeia
nosso mundo mental e psíquico.

Nossos padrões emocionais estabelecem nossa conduta


e pensamentos referentes às impressões que detemos em
torno de nós mesmos e do mundo que nos cerca.
Enquanto estagiamos inconscientemente em padrões
emocionais de caráter perturbador, reagimos quase
mecanicamente perante as ocorrências do cotidiano, cujas

158
consequências podem afigurar-se demasiadamente sérias.
A insistência e a repetição de pensamentos em torno de
questões deprimentes e perniciosas, vão, aos poucos,
sendo fixadas em nossos registros cerebrais, dotando-as
de automatismos estabelecidos nas conexões neuronais,
fisiologicamente, e programando, dessa forma, os
pensamentos que iremos primeiramente emitir, como
resposta aprendida pelo cérebro. Assim, formar-se-ão
padrões de pensamentos de caráter intrusivo, a repetirem-
se automaticamente, estabelecendo-se um mecanismo
estressante.

Os sentimentos sistemáticos de culpa, de desvalorização,


de desânimo, de irritação, de revolta, efetivam uma
gradual negação de si-mesmo, como forças repressoras
que tornam-se verdadeiros gigantes emocionais, a
pressionarem "para baixo" os pensamentos de caráter
positivo, desvitalizando o corpo e sobrecarregando as
estruturas psíquicas, rumando para um processo de
adoecimento, podendo levar até mesmo à desencarnação.

Encontraremos aí, unidas à desarmonia iniciada por


processos inconscientes da personalidade encarnada, as
mentes desencarnadas que buscam, porque também
doentes e desajustadas, o convívio psíquico do indivíduo
obsidiado, nutrindo-se de sua vitalidade e entrelaçando-se
ao seu "hospedeiro", num processo de simbiose
espiritual, conforme já narrado em livros referentes ao
tema. A obsessão dar-se-á dentro de um mecanismo de
"retroalimentação", no qual ambos (obsessor-obsidiado)
nutrem-se um do outro, comungando dos mesmos
pensamentos e padrões emocionais. Tal vinculação se

159
estabelecerá por períodos mais ou menos longos, com a
possibilidade de perdurar por uma ou várias encarnações
inteiras, a depender da gravidade e dos compromissos
que ligam os indivíduos envolvidos no processo
perturbador.

Somente com a ocorrência da "quebra" de sintonia entre


as mentes conjugadas no processo obsessivo é que será
possível alcançar-se a recuperação e a retomada do
equilíbrio gradativo para ambos.

O tratamento espiritual torna-se, então, o recurso pelo


qual será possível penetrar no campo de ligação das
mentes doentias e desvinculá-las, aos poucos, do contato
enfermiço e infelicitador no qual deixaram-se fixar.

O passe, a oração, o acompanhamento


médico/psicológico (quando a questão afetar de maneira
mais profunda as condições psicofisiológicas do
paciente), deverão constituir o caminho da reabilitação,
ao qual o indivíduo deverá vincular-se a fim de modificar
seus padrões de comportamento emocional, suas
percepções de si e do outro, conscientizando-se dos seus
conteúdos perturbadores e buscando apoios
especializados para que possa encontrar meios saudáveis
de resolvê-los ou de lidar com estes de maneira madura.

A busca por atividades esportivas, pela ocupação do


tempo livre com compromissos edificantes e regulares, o
trabalho regrado e ordenado (assalariado ou voluntário),
o estudo, a vivência religiosa, o hábito da meditação,
entre outros, são instrumentos valiosos dos quais poderá

160
dispor para angariar forças e disposições íntimas a fim de
superar os seus conflitos e recuperar o equilíbrio
emocional.

A vivência de valores positivos, os quais possam trazer-


nos experimentações gratificantes e felicitadoras, é a
meta a que devemos nos propor ao longo de nossa atual
encarnação. Tornarmos a nossa vida programada por
realizações edificantes são o antídoto para os
mecanismos perturbadores que poderão situar-nos nos
círculos do sofrimento e do flagelo espiritual, aos quais
podemos entrar por nossa própria invigilância e descaso
diante de nossas necessidades de reajustamento e
transformação constantes.

Se procuramos vincularmo-nos aos nossos Guias e


Protetores, permitindo que essa ligação se faça cada vez
mais profunda, como uma ponte que nos permita chegar
aos níveis de compreensão da realidade espiritual, é
necessário, antes de tudo, que nossos canais estejam
limpos para que o fluxo de nossas energias possam se
fundir de maneira cada vez mais profunda.

Devemos, portanto, "subir" em direção aos planos nos


quais os Numes de Aruanda encontram-se, ao invés de
fixarmo-nos, imóveis, no lamaçal de nossos sofrimentos
e indecisões, esperando que eles "desçam", como sempre,
para que possamos nos contentar com uma mínima
"faísca" de toda a Luz que em Aruanda está e da
qual percebemos tão pouco, por conta das sombras da
inconsciência a que preferimos nos entregar, para
continuarmos com nossos desatinos.

161
Que a Luz de Aruanda Maior esteja iluminando-nos cada
vez mais, na medida em que nos permitimos ir ao Seu
encontro!

Saravá!

162
As Egrégoras (A Utilização das
Forças Naturais e Mentais no
Rito Umbandista)

Julgamos necessário tratarmos de um assunto já bastante


explorado no campo do conhecimento místico, as
Egrégoras, por reconhecermos serem estas um
aspecto sempre carecedor de considerações em torno de
suas composições estruturais, as quais dinamizam e
criam a "identidade energética" do templo umbandista,
assim como também afiguram-se presentes nos trabalhos
espirituais realizados dentro do terreiro de Umbanda.

É a partir do conjunto de pensamentos e emoções


emitidas pelos indivíduos participantes da gira de
Umbanda, encarnados e desencarnados, que formam-se
as chamadas Egrégoras. Resultam estas em um campo de
energia dinâmica que passa a transitar entre as dimensões
física e extrafísica (espiritual), contemplando em si uma
carga de intensidade maior do que a doada inicialmente
por cada um de seus criadores.

Essencialmente, todos os Ritos de Umbanda buscam


gerar e alimentar uma egrégora específica (também
chamada em algumas casas de "irradiação", "campo
estrutural" ou "forma-pensamento") que contenha em si a
163
conjunção de todas as mentalizações e exteriorizações de
sentimentos, pensamentos e memórias, característicos da
vivência de uma determinada coletividade em um
determinado local.

A egrégora forma-se sempre, portanto, na dependência


de mentes que a sustentem ao longo do tempo em um
espaço específico (as giras em um terreiro de umbanda,
no nosso caso) para comportar as movimentações de
energias que servirão para mantê-la viva - as egrégoras
são estruturas vivas-.

A irradiação - a egrégora - formada e sustentada no Rito


será perpetuada pela execução repetida das giras,
alimentando-a pelas nossas mentalizações emitidas em
resposta ao processo contínuo de evocações, orações
e práticas ofertórias. De igual forma, a manipulação de
elementos naturais (águas, ervas, pedras, chamas), em
união com as energias das correntes mediúnica e astral,
concorrerão para a acentuação do efeito criador, no qual
a soma de energias entregues será sempre de intensidade
maior do que aquelas doadas por cada um, conforme
dissemos anteriormente.

A dialética da prática umbandista compreende um


conjunto de ritmos, sons, imagens, cores, movimentos
(entre outros) dispostos em categorias harmônicas,
implicando numa criação de sentidos estéticos que são
percebidos pela consciência e integrados nesta,
contemplando seus aspectos intelectuais e intuitivos (não
racionais), de tal sorte que há a entrega, por parte
daqueles que vinculam-se aos ritos, de suas próprias

164
elaborações psíquicas, memórias, sentimentos, sensações,
que passam a compor o complexo abstrato, energético, o
qual se enriquecerá conforme mais intenso e positivo
esteja o comportamento de seus criadores encarnados: a
corrente mediúnica do templo.

A abrangência vibratória, própria da egrégora do templo,


alcança cada um de seus filhos além dos limites do
espaço, pois que transita num nível de existência
temporal (a egrégora possui existência finita), mas
conserva-se à parte do limite espacial, como em qualquer
processo de formação de estruturas extrafísicas, no qual
há a sujeição às influências do tempo e a "quebra" das
leis que circundam o espaço, embora necessite, para a sua
estruturação, de um local (espaço social) adequado, no
qual o agrupamento de mentes afins será o seu dínamo
gerador. Toda egrégora, por conseguinte, é o resultado de
uma ação psíquica e social.

Na medida em que se desenvolve, ao longo do tempo, a


tradição umbandista seguida pelo templo servirá como a
contraparte social da expressão de sua egrégora. Seu
complexo de conhecimentos internos ao grupo, seus
trabalhos, calendários, práticas específicas (abertas ou
fechadas ao público), processos iniciáticos e "modos de
fazer", compõem o universo simbólico/religioso que
passa a se incorporar na vida cotidiana de seus adeptos,
implicando numa agregação de valores que passam pelo
compartilhamento comunitário, fazendo-se memória
emocional, conteúdos psicológicos influenciadores do
mundo interior de cada um.

165
Porque seus criadores são dotados de vida e,
consequentemente, de existência, também as egrégoras o
são, e as suas expressões tornam-se possibilidades do
real, agentes veiculadoras e transmutadoras das
circunstâncias da vida, manancial criativo e dinâmico
onde o adepto poderá colher inspiração e sustentação
espirituais, por conta das práticas rito-comportamentais
aprendidas no templo, as quais são associadas pelo
adepto e realizadas em seu cotidiano particular (hábito da
oração e da mentalização, a firmeza de suas correntes,
banhos de ervas, o uso de guias e patuás, etc.).

Não obstante, quando o seu comportamento estiver


destoando da ética proposta pelo exercício do bem e da
caridade, entrará em choque com os padrões de energia
estabelecidos pela egrégora que o influencia, sujeitando-
se às contraposições cármicas e reordenadoras, com o
intento de internalizar as suas atitudes e rever seu
proceder diante de si e do outro.

Pelas experiências espirituais que vivenciamos junto aos


Guias e Protetores de Aruanda, entendemos ser o plano
astral sensível e influenciável pela mente, cujos seus
estados de felicidade ou sofrimento elaborarão paisagens
belas ou zonas de escuridão, a refletir, em verdade, a
condição mental dos espíritos que a estas regiões estão
ligados. O mundo astral molda-se, salientamos, às
construções mentais próprias do(s) indivíduo(s),
situando-no nas regiões que guardem o mesmo padrão de
mentalização.

166
Sendo assim, as Egrégoras sofrem a influência dinâmica
dos conteúdos mentalizados pelos seus criadores e suas
estruturas se expressarão luminosas ou sombrias a
depender das propostas de cada trabalho e gira a ser
realizada, de todo o bem que se deseja e pratica em favor
do próximo e de si mesmo.

Os ritos de iniciação do médium colocam-no em ligação


cada vez mais aprofundada com a egrégora espiritual do
templo no qual este opta por realizar sua jornada dentro
das Leis de Umbanda. A manipulação dos elementos
naturais e religiosos, acompanhada pela oração e a
evocatória, direcionarão para a coroa mediúnica os focos
de irradiação próprios e afins ao médium (característicos
de seu Orixá-de-frente), abrindo-lhe, gradualmente, os
canais de percepção espiritual e ampliando seu campo de
integração e influência sobre a irradiação - a egrégora -
do templo, exigindo-lhe maiores responsabilidades e
condutas consentâneas aos graus a que se alça ao longo
do caminho espiritual.

Desta feita, o compromisso assumido junto às correntes


espirituais do terreiro direciona-o aos movimentos de
aprendizado, reflexão e interiorização das experiências
que passará a vivenciar nas giras, pela prática do transe e
das obrigações a que deverá cumprir, assim como das
relações humanas que passa a estabelecer com os irmãos
de fé, percorrendo os caminhos da devoção, da pertença
social a que todo o ser humano equilibrado em sua
conduta buscará realizar como ser atuante e produtivo em
sua sociedade.

167
Seguidos os tempos de prática e entrega ao círculo
religioso próprio à Umbanda, o seu adepto deparar-se-á
com um cadinho de lembranças afetivas, conhecimentos
adquiridos, maturidade alcançada, esperança na vida
futura, na certeza da imortalidade e na efetiva presença
de seus Guias e Protetores ao longo de sua jornada como
espírito encarnado.

Suas experiências de vida passam cada vez mais a


integrar-se à Egrégora na qual interpenetrou
consciencialmente, a pouco e pouco, ordenando suas
impressões espirituais, preparando-se-lhe a
desencarnação, pela sua eminente proximidade, sob cuja
ocorrência volverá à Aruanda, como filho de Umbanda,
aproximando-se, em novo processo de iniciação, às
correntes espirituais ligadas àquela egrégora na qual
tornar-se-á, então, colaborador e participante da agora
corrente astral de Umbanda, junto da qual passará a um
estado de novos aprendizados e refazimento em vista do
cometimento do processo reencarnatório que, amiúde,
tornará a ascender sobre suas necessidades de contínua
transformação e desenvolvimento como espírito.

O dinamismo das Leis espirituais impulsiona-nos os


passos para o encontro com a Saúde, a Felicidade e o
Bem-Estar, por tanto, façamo-nos seres ativos e
conscientes destes mecanismos para que com eles
possamos interagir de maneira positiva, comandando
nossos caminhos, sabendo utilizarmo-nos das Egrégoras
de Alta Luz e Beleza que certamente são produzidas e
firmadas em nosso cazuá com muito Amor, Devoção e

168
desejo de praticar o Bem, para o próximo e para nós
mesmos.

Saravá a todos!

169
A Demanda

Dissertaremos a respeito de uma questão bastante


controversa e presente no meio umbandista, qual seja
a Demanda e seus mecanismos de ação, expressando-
se nas relações culturais que permeiam o imaginário
em torno deste aspecto da mística de Umbanda;
os entrechoques verificados entre as egrégoras
correspondentes ao templo e as cargas de força
negativa; os embates ocorridos entre as correntes
astrais do templo e aquelas provindas das sombras; bem
como, o complexo simbólico no qual estabelecem-se os
processos criadores dos campos de atuação das
chamadas magias negativas e os mecanismos de defesa
espiritual contemplados nos ritos umbandistas.

Compreender as redes de sentidos que demarcam o


complexo psíquico umbandista e os discursos inerentes
ao mundo interno da religião de Umbanda faz-se
necessário para realizarmos um reconhecimento de quais
são as estruturas de relação estabelecidas entre indivíduos
pertencentes a este sistema de crenças, num aspecto
social, tanto quanto de como estas expressam-se na
própria subjetividade de seus adeptos.

O sinônimo de Demanda equivale a litígio, disputa,


necessidade, pedido ou solução. Implica tal ideia, com
isso, na transposição para a realidade existencial de uma
significação para os embates com situações adversas, as

170
mais variadas, as quais são passíveis de serem
vivenciadas pelo homem na sociedade, como seja a
miséria, a violência, a marginalização, a doença.
Também englobando-se neste conjunto de adversidades,
aquelas vivências que não podem ser explicadas de
maneira totalmente racionalizada, entretanto, afigurando-
se de grande ascendência sobre o indivíduo que as
experimenta, tais como as perturbações entendidas como
sendo de ordem espiritual, imiscuídas em sensações e
pensamentos inquietantes, que se dão amiúde, na vida
cotidiana. Enfim, toda a causa de sofrimento, em que
duas forças de caráter opostos conflitam-se e se
verifiquem de grande peso emocional para o ser humano,
caracteriza-se como uma Demanda.

No entanto, gostaríamos de aprofundar estas reflexões


em torno desta questão, a priori consideradas sob um
prisma psicossocial, processando-as a partir de uma visão
interna ao fenômeno religioso e à vivência espiritual
experienciada nas Leis de Umbanda.

Segundo o conhecimento da mística umbandista, bem


como das ciências ocultas, tudo é real, pois a realização
da experiência plasma em níveis dimensionais as
impressões geradas pela ação do Espírito sobre o plano
astral, engendrando, inclusive, os
contextos subjetivos que este trará ao mundo físico, em
sua presente encarnação, como caracteres indicativos de
suas necessidades de transformação e reajuste (a lei do
karma).

171
Este mesmo mecanismo, verificando-se em uma escala
ampliada, demonstrará como a coletividade de
espíritos cria o mundo no qual encarnam, bem como seus
níveis de inter-relação, a serem concebidos ao longo do
processo do desenvolvimento da humanidade, pela
formação de sociedades e culturas diversas.

Sendo assim, a humanidade constrói e reelabora,


continuamente, todo um complexo simbólico que
permeia, sob os matizes diversos das expressões
culturais, as idealizações e concepções próprias do
psiquismo de cada ser presente na sociedade, tanto nesta
encarnada, quanto naquela desencarnada (mundo
espiritual). O imaginário, criado a partir deste processo,
servirá de elemento veiculador de uma infinidade de
significados que poderão ser extraídos das simbologias
presentes em uma dada sociedade, a colocar-se, então em
contato com a possibilidade de ser interpretada segundo
as referências inerentes a um dado sistema de
pensamento, seja ele filosófico, científico ou religioso.

Tal é o caso da Demanda.

O Mal é real e inerente à integralidade das Leis da Vida.


Tratar de bondade, caridade, misericórdia e perdão,
considerando tais virtudes como expressões do Bem,
implica inevitavelmente no aceite, mesmo que tácito, da
existência do Mal, o qual se faz possuidor de
manifestações contrárias a estas já citadas.

Assim é que a mente humana gera de si os elementos de


Luz e Sombras, a presentificarem-se na realidade

172
existencial do homem, como reflexos de suas realizações
felizes ou de seus transtornos interiores, sintonizando-o
com as mais diversas formas e seres existentes no mundo
espiritual, com as quais estreitará relações,
primordialmente num nível inconsciente.

"O manuseio das forças cósmicas, psíquicas e físicas faz-


se através da manipulação de símbolos" (Lima, 1997).

O Rito Mágico, no qual estão estabelecidas as formas de


manuseio das energias espirituais e as intenções
determinantes da destinação do trabalho a ser realizado
(se boas ou más), opera segundo a manipulação de
ordens simbólicas, efetivando impactar a realidade do
plano físico e também astral, envolvendo seu objeto
visado (pessoa ou coletividade) com as mentalizações de
caráter benéfico ou maléfico. Evidentemente, quando
tratamos do caso da Demanda, estaremos falando
daquelas de caráter negativo.

Estaremos cientes de que tal prática incorre na junção de


duas ou mais mentes que se associam, em mecanismo
mórbido (no caso da Demanda, obviamente), com
o objetivo de causar um mal, um prejuízo ou uma
desestabilização, por determinado tempo, sobre a
existência de outrem. Teremos aí, personagens em
comum, identificados naquele que pede; o que lhe
atende; o(s) ser(es) espiritual que se torna o propagador
destas intenções nefastas no mundo astral; a egrégora
como mecanismo vivo que atrai e projeta-se sobre o que,
ou quem, se é visado: pessoa(s) ou local.

173
A utilização e manipulação de símbolos fazem-se
necessárias, pois estes interferem na estrutura psíquica do
homem, em seu inconsciente, trazendo à tona uma série
de significados carregados de energia psíquica
pulsante, unindo aspectos racionais e não racionais. O
símbolo contém em si, portanto, uma totalidade de
sentidos que comportam as instâncias conscientes e
inconscientes do ser e, por isso, estão carregados de
energia vital e existência no tempo e no espaço.

"Dissemos que a luz astral é o receptáculo das formas.


Evocadas pela razão, estas formas se produzem com
harmonia; evocadas pela loucura, elas vêm
desordenadas e monstruosas; tal é o berço dos pesadelos
de Santo Antônio e dos fantasmas do Sabbat" (Levi,
1995).

Imprimimos no mundo astral os reflexos dos nossos


pensamentos e sentimentos, o qual assimila-os e
transforma-se conforme estes padrões. A manipulação
dos símbolos servirá ao mesmo tempo para projetar as
mentalizações envolvidas no rito e para atrair a si as
criações correspondentes no mundo astral,
movimentando-se segundo a projeção do inconsciente,
sobre seu objetivo.

"[...] na luz astral se conservam as imagens de pessoas e


coisas. É também nesta luz que se podem evocar as
formas daqueles que não estão mais neste mundo, e é por

174
meio dela que se realizam os mistérios tão contestados
como reais da necromancia" (Levi, 1995).

As mentalizações atraem para si os agentes (seres


desencarnados) identificados com a intenção do
operador, os quais servirão como amplificadores das
egrégoras de caráter perturbador que se desdobrarão na
dimensão extrafísica, estabelecendo seu raio de
influenciação em uma faixa que se coloca entre o mundo
físico e o espiritual. Quantos estejam ligados às
idealizações e pensamentos de caráter
negativo, corresponderão a este campo de ação
dissonante, ampliando-se conforme a contribuição de
cada qual que se situe sob a condição de sofrimento, ira,
violência, etc.

Da mesma forma como geram-se as Egrégoras dentro dos


Templos de Luz, também são construídas aquelas que
servirão como concentradoras da energia psíquica de tais
locais sintonizados com o desejo e o sentimento do Mal.
Em tais núcleos - existentes tanto em nosso plano quanto
na dimensão astral -, onde a escuridão encontra
ressonância no interior de seus acólitos, a sintonia com
seres em escala negativa aprofunda-se cada vez mais,
encarcerando-os nas teias da culpa e da aflição,
porquanto a deliberação do mal incorre na imediata
necessidade de reajuste.

"José Guilherme Magnani (1991:59) define demanda


como uma desavença interpessoal que se transfere, por
meio de oferendas, a determinadas entidades espirituais,

175
que passam a atuar como intermediários e atores do
conflito" (Sillos, 2001).

O processo da Demanda implica na entrega à dimensão


astral das energias psíquicas que estruturam e sustentam
o tentame do mal. Os seres desencarnados, consorciados
no desejo de provocar o desajuste, tornam-se os
executores das emissões do Mal, lançando-se nas
sombras e fixando-se em realizar seu intento.

Quando a utilização da Demanda visa atingir um núcleo


religioso (no nosso caso, o terreiro de Umbanda), seus
construidores irão movimentar a egrégora negativa em
direção ao campo de energia próprio do templo. A
intenção será a de atingir a coroa do dirigente do terreiro,
o qual está situado (diante das Leis de Iniciação na
Umbanda) como o ponto de ligação central entre o
domínio do complexo simbólico de sua tradição e as
interações entre as correntes mediúnica e astral do
templo.

Agir no caos, desestabilizando o sacerdote do templo,


provocaria a desestruturação da egrégora (irradiação,
campo estrutural, etc.) pertencentes a este, permitindo a
entrada violenta dos agentes de perturbação na faixa
mediúnica de toda a corrente de médiuns da casa.

Entretanto, esquece-se aquele que intenta a Demanda,


que é da Lei que o Mal pelo Bem seja atraído para que
justamente possa ser internalizado em suas irradiações
salutares e nele possa ser dissipado.

176
São várias as egrégoras negativas atraídas aos templos de
luz ao longo da execução de suas giras, para justamente
serem interiorizadas ao seu campo de ação e influência, e
possam, dentro das correntes luminíferas afirmadas ao
longo do rito, ser desmanchadas e dissolvidas. Incluem-
se aí, aquelas tantas formadas pela inconsciência dos
seres que alimentam o mal, pelo uso inadequado e
vicioso que fazem das palavras, do comportamento, da
própria saúde, do dinheiro, da sexualidade, etc.

Pelo que foi explicitado, entenderemos que o Bem


assimila o Mal, no entanto, nunca o revida (gerando a
contra demanda), antes sim, o reelabora e devolve ao
mundo astral a ordenação primordial de harmonia e
equilíbrio.

"Na magia [...] tudo é imagem, cor, ritmo, sonoridade,


movimento. A abstração [...] é lhe estranha" (Bouisson
apud Lima, 1997).

A composição de nossos trabalhos espirituais,


fundamentados em concepções do Bem e do Belo, da
alegria e da fraternidade, faz com que nossas giras
expressem-se em cantos, danças e orações de grande
beleza, nas quais haurimos das Egrégoras de Luz, os
campos de proteção contra a carga negativa, a qual
porventura tenha sido atraída ao cazuá, com vistas a ser
desintegrada.

O resultado da prática umbandista, centrada em ritos que


contenham em si profundas ligações com uma tradição

177
estabelecida pelos Mentores do Bem, cujos seus símbolos
possam ser projetados no plano espiritual e comunicados
ao mundo psíquico/emocional daqueles que se permitam
penetrar por sua irradiação, trará a cada um o equilíbrio e
a sustentação adequada para que se conserve em saúde,
serenidade e paz, conforme necessidade particular.

Atingimos, pelo transe, a dimensão astral, na qual


estabeleceremos contato com os Guias e Protetores de
nossa Aruanda Maior, de onde provém nosso sustento
psíquico e espiritual.

O contato com os numes de Aruanda nos eleva o padrão


mental, vindo daí a cobertura que recebemos de nossos
Caboclos, Pretos-Velhos, Baianos, Crianças...colocando-
nos fora do campo de influência dos seres negativos, os
quais também são atraídos ao templo com fins de serem
levados a um estado de despertar da lucidez que os fará
ligarem-se, novamente, com as Luzes Divinas dos
Orixás, que norteiam o caminho dos Espíritos na
dimensão extrafísica.

A mensagem de Amor e Caridade que possamos espalhar


àqueles que recorrem aos nossos trabalhos, torna-nos
sempre divulgadores do Bem que deveremos distribuir
pela Terra, fazendo-o, principalmente, incorporar-se em
nossas próprias vidas e colocando-nos, conscientemente,
como exemplo de tais virtudes, em busca de uma vida
feliz, sem nenhuma pretensão de santidade ou
messianismo.

178
Tendo braços estendidos com amor, responsabilidade e
discernimento, faremo-nos faróis para muitos seres
errantes na escuridão, contribuindo, dentro de nossas
possibilidades, para a recuperação daqueles que sofrem e
são utilizados como veículos do mal, pelas mentes
endurecidas do mundo físico e espiritual, as quais ainda
são aguardadas pela Luz que um dia as colherá, para dar-
lhes alívio.

Conforme já dissemos alhures, o mundo astral é


totalmente sensível às projeções mentais dos seres
(encarnados ou desencarnados), cujas suas criações
fixam-se em torno do campo de energia de seu
criador (ser pensante), a determinar-lhe o padrão de
sua vibração astral, energia vital, condição psíquica
e o campo de irradiação de sua aura, os quais
costumam ser mui reduzidos quando o seu é um estado
de degradação espiritual.

Entretanto, a junção de vários seres situados em uma


mesma faixa de condições espirituais de caráter
negativo, espalha no mundo astral as suas criações
perturbadas, exteriorizando o morbo que exala de seus
"hálitos mentais", plasmando regiões de intensa
escuridão e desolação, onde milhões de
espíritos encontram-se presos a dolorosos processos
expiatórios, no campo da culpa e da
revolta, expurgando por via do sofrimento todo o
veneno psíquico do qual alimentaram-se durante sua
última encarnação.

179
Descrevemos brevemente algumas paragens do plano
astral para chegarmos ao ponto de sequência do assunto
tratado no post anterior, enfocando a Demanda, dentro da
interpretação do universo simbólico e religioso da
Umbanda.

Dissemos que as construções das egrégoras criadas no


processo de elaboração da Demanda, são estabelecidas,
como em qualquer rito mágico-espiritual, por meio da
utilização de símbolos.

Os símbolos funcionam como expressão de aspectos


duais da consciência (racionais e não-racionais),
tornando-se catalizadores da energia psíquica irradiada
do centro mental do operador do rito, assim como de
todos quantos estejam participando do evento.

As entidades espirituais, atraídas ao meio no qual


encontram-se os evocadores, possuem grande
identificação com os propósitos daqueles que unem-se no
ato petitório maléfico, e satisfazem sua ânsia pela
reconstrução de um elo com as energias de um corpo
vital, que não mais possuem, por meio da
vampirização pelo contato psíquico que poderão usufruir
daqueles que, inadvertidamente, solicitam-lhes o
concurso para a "resolução de seus problemas", os quais
estes entendem como existindo por conta da ação de
outro que se lhes tenha ficado entre seu desejo
mesquinho e o objeto ou realização almejada.

Interessante ponderarmos que, no campo processual da


Demanda, quando esta verifica-se entre

180
indivíduos, ocasiona-se, no mais das vezes, de conflitos
existentes entre pessoas de relacionamento próximo,
como sejam familiares em comum, sócios de empreitada
profissional, ex-amantes, etc. Tal fato deve-se aos laços
emocionais que ligam os seres de maneira muito estreita
e que podem ser facilmente desvirtuados - e não
destruídos - pela fragilidade psicológica de que muitos de
nossa sociedade se veem hoje afligidos.

A busca atormentada pela ascensão social, pela


realização hedonista de aventuras amorosas, pela herança
familiar (com a qual pensa-se poder lucrar, sem os
maiores esforços próprios do trabalho digno), pela ideia
infantil e egocêntrica de querer ver-se livre de outrem
que possa afigurar-se como a projeção de uma ameaça ou
um fardo existencial, leva indivíduos descuidados e
inconsequentes a buscar ajuda em mãos de outros que
também fazem-se inescrupulosos e irresponsáveis
lidadores das forças espirituais, ocasionando
compromissos graves mediante as Leis Divinas.

Como sabemos, na base das Demandas existem


profundos estágios obsessivos (sendo estas uma variação
complexa da obsessão) envolvendo os personagens/atores
destes conflitos de ordem espiritual. De tal sorte que, não
raro, muitos obsessores de hoje foram aqueles mesmos
que um dia comungaram de uma vida conosco, na
condição de parceria conjugal, ou de filhos, pais, amigos,
os quais foram vitimados pelos nossos atos de violência,
abandono, ingratidão, traição...

181
Vejamos então, serem as profundas vinculações
emocionais os elementos de ligação entre as mentes em
estado de perturbação (obsessor-obsidiado). O amor de
um passado, subvertido em ódio e revolta por parte da
vítima, liga-se ao sentimento de culpa do então algoz,
unindo-os pela Lei Kármica com vistas ao reajuste e ao
perdão, que mais tarde logrará suceder-se.

"A demanda assume formas de desequilíbrio/obstáculos


na vida das pessoas, que podem ser causadas por uma
outra pessoa. Exemplo: 'Trabalho feito' (na quimbanda)
para prejudicar a vida de alguém. Dentro de um discurso
religioso, esse conflito se transfere para uma atuação
espiritual. Quando a parte prejudicada procura ajuda, as
entidades irão atuar através de uma prática ritual para
que o equilíbrio retorne. Nesse sentido, as práticas
umbandistas assumem um caráter de luta, de desafio nas
resoluções desses obstáculos". (Sillos, 2001).

Assim, quando em conflito emocional por conta de


dissenções ou desentendimentos de variadas naturezas,
determinado indivíduo entrega-se aos pensamentos de
ódio, revolta, culpa, entre outros, neste instante abre
campo para que as cargas de energia negativa,
manipuladas pelo criador do feitiço em conjunto com as
entidades sombrias, estreitem-se com as irradiações de
sua própria aura, baixando sua cintilação, afetando
seu corpo de energia vital, e finalizando por descarregar-
se em seu corpo físico, podendo até ocasionar
somatizações, manifestando-as por processos de
conversão psíquica (mudez, cegueira, surdez,

182
imobilidade motora) ou infecciosos, alérgicos e até
mesmo, em casos muito complexos, tumorais.

Atormentado pelos campos de energia negativa que o


envolvem, o indivíduo busca auxílio em um terreiro de
Umbanda, este levará consigo todo o conjunto de
energias e entidades espirituais a envolverem-no,
carecedores de uma intervenção externa para que
possam, gradualmente, serem desvinculados.

As orações, os banhos, os passes, as defumações, as


práticas ofertórias, criam a abertura mental e trazem o
indivíduo para um campo de neutralidade daquelas
energias que o estão envolvendo, para que sua mente
possa desvincular-se do caráter de sofrimento assumido,
ressignificando a realidade de si mesmo e do mundo que
o cerca.

Isso porque as entidades manipuladoras do feitiço


negativo operam à distância, criando contrapartes nas
quais possam ser descarregados os entrechoques que
enfrentam no contato com as egrégoras luminíferas do
terreiro bem dirigido e firmado pelos Guias de Aruanda
Maior, dificultando que sejam atraídas para o campo de
energia do cazuá, para que possam ser interrompidas e
reencaminhadas.

Agem dessa forma utilizando-se de espíritos sofredores,


os quais jazem em profundo estágio de inconsciência nas
zonas de escuridão, servindo como anteparos para a
prática encantatória nefasta. Sabem, estes seres que
atuam no mal, interferir nos processos mentais de suas

183
vitimas, quando as vejam em estado de perturbação ou
desespero, para isso vinculando-as aos milhares de
sofredores inconscientes do mundo espiritual, num
mecanismo de reverberação mental, o qual torna-se cada
vez mais intenso e repetitivo no campo perceptivo do
indivíduo, verificando-se como recurso altamente
desgastante a exaurir suas forças mentais e vitais.

Por isso é comum, observando relatos de pessoas que já


viram-se atingidas por verdadeiras Demandas, que o
envolvimento negativo no qual encontravam-se era de tal
maneira extenuante e perturbador que não viam-se com a
mínima condição de emitir sequer uma palavra, um
pensamento em direção a Deus, realizando uma prece
que as poderia colocar a salvo do contato hipnotizante
das criações mentais de caráter deletério.

Dessa forma, tal situação deverá interromper-se pela ação


externa, de forças que estejam em condições de se
chocarem com as egrégoras malsãs, dissipando-as no
mundo astral.

Aí iniciam-se os embates entre as correntes espirituais do


templo e as hostes negativas que buscam ampliar sua
ação sobre a vítima, estabelecendo-se uma disputa em
vários níveis dimensionais, incluindo aí o próprio embate
entre o "médium curador" e o "feiticeiro negro" (permita-
nos o leitor a utilização desta analogia simbólica para
facilitar-lhe o entendimento), no qual medir-se-ão as
forças mentais e espirituais de ambos, envolvidos que
estejam por aqueles seres espirituais identificados como
seus Protetores.

184
Os domínios do mundo psíquico passam a manifestar-se
por meio de um conjunto de ritos e trabalhos de ordem
espiritual que passarão a desenrolar-se, sejam
aqueles envolvendo o "paciente", como aqueles
realizados em secreto, por médium graduado na prática
Umbandista.

Seu estado espiritual deverá estar em total sintonia com o


de seus Mestres Espirituais para que possa suportar os
níveis de influenciação que passará a experimentar, uma
vez que as cargas de energia anteriormente direcionadas
à vítima, serão transferidas para a sua coroa, para seu
corpo, para o seu congá, para as suas firmezas, para as
suas vestes até, de maneira que possam ser absorvidas e
desintegradas.

Quando finalizam-se os períodos, mais ou menos longos,


de assimilação e desintegração dos miasmas astrais,
culmina-se na assimilação psíquica do médium do campo
vibratório da entidade manipuladora que será inserida em
sua faixa mediúnica, na qual passará a transitar com o
propósito de receber um "choque" pelo contato que
experimentará com a irradiação espiritual do medianeiro
e sua energia vital: o chamado "choque anímico",
conforme é descrito pelos irmãos kardecistas.

A intenção é a de restabelecer a este espírito a sua lucidez


espiritual, devolvendo-lhe as feições de um ser humano,
que um dia já foi, e integrando-o às correntes espirituais
que passarão a deter-lhe a guarda, rumando para um novo
caminho de cura e regeneração, cujo maior prêmio dá-se
quando, no futuro, este mesmo ser, antes opositor,

185
passará ao grau de trabalhador nas correntes espirituais
do templo.

Por conta de tal cometimento ser de alta gravidade e


exigir grande experiência e tarimba do médium nas lides
das Leis de Umbanda, tais ocorrências, quando
verdadeiras, dão-se, felizmente, com pouquíssima
frequência, sendo seu atendimento e resolução destinados
àqueles que detenham alto grau de iniciação, mormente
os Pais ou Mães-de-Santo de nossa Umbanda de Luz.

Salientamos tal fato pois é necessária a compreensão de


que são inúmeras as variações de condições espirituais,
nas quais as pessoas de modo geral encontram-se, e
somente um médium de Umbanda, com uma sintonia fina
muito alinhada com os Guias regentes de sua coroa, pode
ter acesso a tais níveis de contato com a realidade
espiritual do outro.

Conforme já dissertamos em artigos anteriores,


gostaríamos novamente de ressaltar que não é finalidade
última da Umbanda combater magias
negativas, sendo antes de tudo a de cultuar o
Sagrado, entretanto, suas tradições e sistema de crenças,
dotam-na de amplos recursos e elementos que
possibilitam-na tratar de tais questões, valendo-se de suas
representações simbólicas para restabelecer a ordem e o
equilíbrio na existência do ser humano, quando as forças
caóticas assomam fazendo-se parecer assustadoras.

Finalmente, esperamos ter contribuído um pouco


mais na ampliação do conhecimento de nossos irmãos

186
umbandistas em torno da questão da
Demanda, desejando neste momento que mãe Iemanjá,
juntamente com todo o Povo do Mar, possa envolver-nos
a todos com suas irradiações luminosas, limpando-nos e
aos nossos lares, atraindo para si aqueles seres ainda
inconscientes e desesperados que vagam no mundo
espiritual, dando-lhes alívio e orientação.

Que nossa Mãe Iemanjá nos envolva com sua Luz e suas
Bênçãos!

187
Saúde e Cura na Umbanda

Cada prática terapêutica obedece a uma concepção a


respeito do ser humano. Na Umbanda, os aspectos do
binômio saúde-doença são identificados por meio de
interpretações fornecidas pelas concepções
próprias acerca da realidade existencial dos
seres, estando vinculadas a uma linguagem (verbal e
não-verbal) e a uma simbologia características, as quais
proporcionam a identificação dos estados doentios e
auxiliam no tratamento do paciente, tornando-se uma
forma criativa e complementar da terapêutica médica
convencional.

Na Umbanda, entendemos a Individualidade como sendo


essencialmente de natureza Espiritual, vinculada às
experiências que esta tenha realizado ao longo de seu
périplo carnal (sucessivas encarnações), tendo como
resultado de suas vivências anteriores (se mais ou menos
felizes) as disposições que irão influenciar, em termos de
saúde-doença, a sua presente encarnação.

Soma-se à isso, a compreensão umbandista de que a


Individualidade Espiritual - a qual somos cada um de nós
- manifesta-se como parte integrante de uma estrutura de
relação existencial além de Si-mesma. De tal sorte que o
ser humano, de maneira particular, está associado aos
seus ancestrais espirituais e divinos, como sejam seus
Guias, Protetores e Orixás.
188
Assim, as vivências psíquicas do indivíduo resultam não
somente daquilo que seria próprio de um sujeito portador
de uma consciência centrada somente em si-mesmo, mas
também como estando [a sua consciência] situada num
sistema mais amplo, sujeito a influências e atuações de
forças de origem transcendente, provindas do mundo
espiritual, por meio dos seres extrafísicos com as quais
esteja vinculado.

É uma demanda comum aos templos de Umbanda


espalhados pelo país, a das pessoas portadoras dos mais
variados problemas, na área da saúde ou social, as quais
buscam o auxílio desta religião para a solução de suas
queixas.

"No Brasil, o sincretismo de invocação religiosa, os


remédios, as simpatias, as rezas, fazem parte de um agir
coerente em busca da cura" (Andrade, 2005).

A precariedade das condições de vida e acesso aos


meios de tratamento das doenças, no passado, bem
como a sempre presente necessidade interior de ser
entendida não somente como um complexo orgânico,
mas principalmente como individualidade
transcendente/espiritual, levaram a grande massa de
pessoas a buscarem o socorro aos curandeiros,
rezadores, benzedeiros, médiuns (entre outros) de
todas as épocas de nossa sociedade.

No caso da Umbanda, o terreiro é um dos pontos de


vivência fundamentais na lide dos processos de saúde
e cura do indivíduo. Os templos religiosos fazem-se

189
pontos centrais no processo de apoio na busca do
tratamento terapêutico. "Tais entidades e suas crenças
servem de base e de fator disseminador destas práticas de
cura, assim como estas as compõem fazendo parte de
seus principais rituais e práticas" (Andrade, 2005).

Sendo assim, a busca pelo contato com as Entidades


Espirituais, Guias e Protetores da Corrente Astral de
Umbanda configura-se como o recurso direto para a
solução e a cura dos males variados na vivência cotidiana
dos pacientes. No rito umbandista, os seres vindos dos
planos elevados do mundo espiritual (a Aruanda),
chegam à Terra (o terreiro) para trabalharem a favor dos
necessitados, os quais podem relacionar-se de maneira
direta com estes, dirigindo-lhes seus pedidos e rogativas.

Cremos, como umbandista, que os desequilíbrios


manifestos no complexo psíquico/orgânico do indivíduo
surgem em decorrência das disfunções de ordem
energética entre seus corpos espirituais, ocasionando a
quebra da homeostase, efetivando-se em desarmonias
variadas. Tal mecanismo pode ocorrer por conta de
processos próprios do indivíduo, mediante ocorrências
em sua vida cotidiana, em seus aspectos psicológicos
(complexos psíquicos, conflitos existenciais, depressão,
stresse, etc), bem como por aqueles de ordem orgânica
(males de ordem genética ou ocasionados por hábitos e
vícios maléficos à saúde, exposição a agentes externos,
etc.). Da mesma forma, também a vinculação às
entidades espirituais de caráter negativo e perturbador (os
chamados obsessores, quiumbas, "encostos"), também
surgem no rol das circunstâncias que podem levar a

190
desequilíbrios na área da saúde, segundo a concepção
umbandista.

Dentro deste contexto religioso, verificar-se-ão as várias


formas de tratamento e cura promovidos pelas práticas
umbandistas, como sejam os "benzimentos", os "passes",
as "desobsessões", o "transporte", os "ebós", os "banhos
de folhas", as "defumações", entre outros.

A medicina convencional, primordialmente, irá valer-se


do tratamento dos sintomas por meio da diagnose e
prognose adequadas, administrando remédios e
terapêuticas variadas com o intuito de dissipar a doença,
contribuindo com a melhoria na qualidade de vida do
paciente.

A utilização de duas angulações diferentes a respeito


da realidade do indivíduo associa modalidades
diagnóstico-terapêuticas distintas, mas
complementares.

Por fim, diremos que todo o Rito de Umbanda, é uma


prática de cura, por meio da qual nossos Guias e
Protetores, no simples ato de sua incorporação, trazem ao
terreiro suas irradiações de Saúde e Harmonia,
integrando-as no psiquismo e no organismo do
médium, enquanto percorrem o congá, dançando ou
caminhando, descarregam e limpam o ambiente, assim
como atraem para si as entidades "negativas" - trazidas
para tratamento - e desfazem os acúmulos de energias
deletérias que porventura tenham se agregado por conta
da irradiações de pensamento de todos quantos estejam

191
presentes ao rito em condições de sofrimento
e perturbação.

Toda a gira de Umbanda é curativa por excelência, pois


coloca-nos em contato com o Divino, fonte próspera e
inesgotável de Felicidade e Saúde, da qual cada um se
alimentará mediante as suas possibilidades de momento e
condições de assimilação das experiências no campo
do Sagrado, junto aos nossos Orixás que irradiam sobre
todos nós sua cobertura em forma de amor e força
interior para prosseguirmos em nossa jornada.

192
Tratamento Espiritual

A sociedade contemporânea possui, no tocante às


terapêuticas médicas convencionais, seus paradigmas em
torno das concepções advindas da biomedicina - por sua
consequente expansão pelo mundo -, bem como pela
evolução histórica do campo de saúde na maioria das
sociedades (Giglio-Jacquemot, 2006).

Como consequência de seu processo histórico de


evolução, a biomedicina passou a defrontar-se
com realidades culturais diversas, as quais possuem em si
também a proposta terapêutica de promover respostas aos
estados de doença e aflição vividos pelo ser humano. Isso
fez com que surgissem várias formas de ajustamento com
sistemas terapêuticos não biomédicos (Giglio-
Jacquemot, 2006).

Entram aí, as terapêuticas religiosas que visam o bem-


estar da criatura humana, em sua dimensão biológico-
psicológica e, consequentemente, espiritual. Trataremos a
respeito da terapêutica umbandista.

Nas práticas umbandistas visamos interpretar a doença


segundo uma "semiologia espiritual" (Mantovani, 2006),
sem desconsiderar a ótica da medicina convencional, no
entanto, utilizando-nos de elementos simbólicos
pertinentes ao nosso universo religioso.

193
Dessa forma, a ótica umbandista enfoca o entendimento
do processo doentio interessando-se pelos mecanismos
que irão influenciar na dimensão espiritual do indivíduo,
independentemente se a sua causa dá-se por questões de
ordem "material" ou "espiritual".

Essa assertiva implica numa compreensão de que tanto a


dimensão corpórea, quanto a dimensão espiritual estão
interligadas numa relação profunda, cujos mecanismos de
saúde-doença são indissociáveis, corroborando, por tanto,
com a realidade do tratamento espiritual como sendo
complementar à terapêutica médica convencional.

"Aspectos como fé, oração e ritual são elementos


importantes para o trabalho dos curadores". (Andrade,
2005)

Os elementos do rito e das práticas espirituais efetuados


no tratamento dentro do contexto umbandista, visam
restabelecer o equilíbrio (homeostase) entre as energias
do complexo orgânico (corpo físico) e as do ser espiritual
nele encarnado (Espírito).

Cremos na realidade manifesta da Individualidade como


sendo um complexo de energias que transitam em
diferentes níveis dimensionais, as quais definem e
delimitam-nos como seres existentes no tempo e no
espaço, embora nossa origem (de procedência divina)
esteja situada além do universo cognoscível.

Sendo assim, todos os recursos terapêuticos utilizados


(passes, orações, banhos, benzimentos, defumações, etc),

194
visam a reordenação das energias do Ser, uma vez que os
estados doentios propiciam com que o indivíduo irradie
de Si energias de caráter deletério, tornando-o "aberto" à
absorção de cargas negativas que resultariam por agravar
suas condições físicas ou psíquicas, até mesmo deixando-
o ao alcance de entidades espirituais de caráter
perturbador, comprometendo ainda mais sua existência.

Os elementos simbólicos e a linguagem ritual presentes


no sistema de tratamento do doente ao longo das giras
trazem em si impregnadas as irradiações benéficas e
salutares da natureza e do mundo espiritual, propiciando
a integração destas no organismo e psiquismo do
paciente, tornando-o suscetível à renovação e
recuperação da saúde.

Lévi-Strauss, ao analisar o sistema terapêutico e de cura


dentro de contextos religiosos similares aos
experienciados na Umbanda, cunhou o termo eficácia
simbólica ao observar os resultados positivos das
práticas de cura espiritual.

A eficácia simbólica (Lévi-Strauss, 1985) das práticas


populares de saúde, traduziria-se no processo pelo qual
o indivíduo-médium (curador) levaria o indivíduo-
doente a significar seus estados de mal-estar,
manipulando os elementos simbólico-religiosos
presentes no rito. No caso do rito umbandista seriam os
pontos riscados e cantados, alguidares, guias,
defumações, ervas, banhos, etc. Tudo isso de maneira a
fazer com que o estado doentio possa ser identificado
dentro deste contexto específico e a partir daí seja

195
racionalizado, equacionando-o. Seria, enfim, um
processo de transformação na percepção do indivíduo-
doente a respeito daquilo que este entenderia como
sendo "a doença", proporcionando uma passagem para
um contexto de saúde, de ressignificação.

Se por um lado essa concepção do processo de adequação


psicológica faculta a abertura do indivíduo a novos
contextos de vivências que o possibilitarão restabelecer
suas condições de saúde, não podemos negar, como
umbandistas, a realidade do mundo espiritual que atua
sobre o ser ali encarnado, cercando-o de um campo
protetor e curativo, que auxiliará no tratamento médico
convenientemente adotado pelo paciente, facultando sua
gradativa melhora e a compreensão das situações
vivenciadas mediante a realidade da doença, fornecendo-
lhe recursos criativos para lidar com tal evento.

Isso por que cremos, como espiritualistas que somos, que


o Ser é o somatório de todas as suas experiências vividas
ao longo de sua jornada como Espírito em
transformação, cujos nossos passos nas sendas do
passado trouxeram-nos consequências mais ou menos
felizes, gravando-se em nosso interior e tornando-se
portas e janelas abertas para que neste presente
pudéssemos contemplar nossas limitações e
potencialidades de desenvolvimento, incidindo inclusive
nas predisposições a determinadas doenças que trazemos
em nosso código genético, as quais verificar-se-ão em
nossa jornada atual a depender de nosso livre-arbítrio e
de nossas necessidades de reajustamento.
196
Por último, lembraremos que nem sempre a cura da
doença física ou psíquica é possível, pois que a cada
indivíduo são dadas as circunstâncias que o situarão
diante da oportunidade sempre renovada de voltar o olhar
para seu mundo interior, perscrutando sua consciência
em busca das causalidades de seu estado atual ou das
possibilidades de ajuste e adaptação saudável frente à
situação que se afigura real, indicando-lhe a iminência de
sua própria desencarnação.

Lembremos que nunca nos furtaremos aos compromissos


que nos couber arcarmos ao longo de nossas existências,
pois que de outra forma, quando vinculados ao processo
doentio como meio de expiação, estaríamos
simplesmente saindo de uma doença para mais adiante
cairmos em outra, uma vez que as Leis Divinas
são imutáveis e inamovíveis.

Entregando-nos ao contato terapêutico com os Guias de


Luz, os quais "arriam" em nossas coroas durante as
nossas giras, integraremos em nosso patrimônio íntimo a
compreensão cada vez maior da Lei Divina que regula
nossos caminhos existenciais, com a qual aprenderemos a
nos ajustar e entender que saúde e doença são estados
que primordialmente surgem da maneira como a
consciência do indivíduo relaciona-se com
a realidade, indo além da presença ou não de sintomas
físicos ou psíquicos que caracterizem-nos.

Assim, há aqueles que, mesmo dotados de um organismo


perfeito e faculdades psíquicas normais, entregam-se ao
desânimo, a preguiça e à apatia diante da Vida,

197
doentes...Também aqueloutros existem, por sua vez, que
a despeito de padecerem sofrimentos inomináveis por
conta das limitações e dificuldades impostas por uma
saúde orgânica debilitada, tornam-se verdadeiros
mananciais de alegria, ânimo e esperança, contagiando a
todos ao seu redor, detentores que são, espiritualmente,
da saúde daquele que se ilumina por meio das
situações provacionais.

Buscando o auxílio e o esclarecimento junto aos


Mentores de Aruanda Maior, compreenderemos, então, a
inteireza das Leis Kármicas que visam o reajuste
do Indivíduo perante a Vida e amadureceremos o
entendimento da máxima do Cristo, quando o Mestre nos
promete o Alívio ao invés da Cura:

"Vinde a mim todos os que estais cansados e


sobrecarregados e Eu vos aliviarei" (Mateus, 11-28:30).

198
Vivência Religiosa e Bem-Estar

O entendimento a respeito da Saúde deve estar centrado


na compreensão de que esta corresponde ao “estado de
completo bem-estar físico, mental e social (OMS 2011)
passível de ser vivenciado pelo ser humano”. Desta
forma, tal conceituação não implica somente na ausência
de sintomas ou doenças, mas na concepção de que é a
partir da maneira pela qual o indivíduo relaciona-se com
a realidade (interior e exterior) que este estabelecerá seus
estados de saúde e bem-estar ou de adoecimento e
perturbação.

Entendemos ser a vivência religiosa um dos recursos


mais profícuos para o estabelecimento de estados
de saúde e bem-estar no ser humano, uma vez que esta
faculta a integração do indivíduo a um contexto de
experiências que o possibilitam identificar significados
mais profundos em sua própria existência,
compartilhando-as, ainda, com o grupo ou comunidade
no qual este efetiva a sua integração.

Segundo a compreensão umbandista, somos


Individualidades reencarnadas em processo de
ajustamento e re-identificação com a divindade e
com nossa origem primordial: o Orixá. Por isso, a
existência, dentro de nosso círculo religioso, da filiação

199
entre o adepto e o seu Orixá, por intermédio de seu Guia,
"Pai-de-Cabeça".

A busca de sentido do ser humano, segundo nosso


sistema de crenças, situa-nos num mundo de relação
direta com a dimensão espiritual, por cujo contato com os
Guias e Protetores torna-se possível estabelecer formas
criativas de significação de nossa vida interior.

Os valores que são vivenciados dentro da comunidade


religiosa, cujos ensinamentos e exemplificações nos são
ministrados pelas entidades espirituais, bem como pelos
sacerdotes/sacerdotisas dirigentes do templo, facultam-
nos a possibilidade de criarmos novos sentidos para as
nossas necessidades subjetivas, reelaborando dramas,
conflitos, criando um sentido de utilidade para nós
mesmos e de pertença a um grupo, no qual identificamo-
nos como sendo parte integrante.

Os efeitos emocionais da vida religiosa somam-se ao


comportamento do indivíduo, porquanto os princípios
éticos e morais, fortemente estabelecidos no meio
religioso, aos poucos passam a integrar-se na consciência
do adepto, permitindo que esse reflita com maior
frequência a respeito da finalidade da vida, de seus
compromissos e deveres perante a família e a sociedade,
assim como de tudo quanto lhe caiba como
responsabilidades perante a si mesmo, em seu processo
de autodesenvolvimento.

Soma-se a isto, a compreensão que a fé religiosa dota o


ser humano de um sentido existencial, proporcionando

200
que este supere às constantes dúvidas e incertezas que
lhe povoam os pensamentos, dando-lhe uma direção e um
objetivo pelos quais lutar e seguir adiante em sua
caminhada existencial.

A fé umbandista, por fornecer ao adepto a crença e a


convicção na existência de um Mundo Maior,
transcendente a este universo imediato e transitório,
motiva-o a buscar recursos, por meio das práticas e
comportamentos prescritos pelo templo religioso, que
ajudem-no a lidar com as várias situações que se
afiguram presentes ao longo da vida.

A confrontação com a realidade da morte (dos outros e


de si mesmo), da doença, dos infortúnios de toda a sorte,
tanto quanto aquelas vivências de indizível felicidade e
gratidão, por meio da prática da caridade e do exercício
voluntário da abnegação em favor do próximo e da
própria comunidade religiosa, granjeiam no íntimo de
cada adepto valores imperecíveis e marcantes, cuja
meditação particular em torno destes, levará ao estado de
compreensão das Leis da Vida, as quais cada um de nós
encontra-se vinculado.

A adoção do hábito da oração, da reflexão e da


meditação em torno da realidade de si mesmo, bem como
das necessidades dos outros ao seu redor, ampliam o
sentimento de compaixão, humildade e tolerância, por
reconhecer as suas próprias limitações como ser, não
impondo, por conseguinte, ao próximo, exigências de
comportamento de qualquer natureza, ao mesmo tempo
sabendo manter-se firme em suas convicções íntimas,

201
fazendo-se maduro emocionalmente, guardando uma
correspondente postura Ética em seu labor diário na
sociedade, na família, e dentro da comunidade religiosa.

As práticas religiosas são realizadas pela Humanidade


desde os tempos mais primevos, preenchendo todas as
culturas espalhadas pelo planeta com seus símbolos,
valores e ritos. Como seres em processo de
desenvolvimento espiritual, passamos por várias destas
culturas, colhendo de cada uma as experiências
necessárias para nosso aprimoramento e ascensão
consciencial.

Ligados hoje à Umbanda, realizamos dentro de nosso


contexto cultural-religioso, as práticas correspondentes a
tal universo, por meio das quais buscamos reintegrarmo-
nos à dimensão divina, restabelecendo nosso contato
inicial de unificação da consciência com o Sagrado. Tal
experiência preenche-nos psicológica e espiritualmente,
colocando-nos em contato direto e dinâmico com a
possibilidade da saúde e da cura: a autocura.

Ao integrar-se a um templo religioso umbandista detentor


de um corpo de fundamentos e ritos bem estruturados, o
adepto compreenderá a Umbanda como sendo um
caminho espiritual a ser seguido (Jorge, 2008), abrindo-
se para ele uma série de práticas dentro do rito que o
façam entender que a doença não existe por si só, mas há
o indivíduo doente. Assim, ao reconhecer o seu estado
espiritual, o adepto poderá decidir-se por adotar práticas
que o desvincule dos processos doentios, facultando-lhe
restabelecer a conexão com seu estado de plenitude

202
interior, ligando-o ao seu Orixá, por meio do
entendimento de que sua conduta deverá ser a de buscar
sempre o melhor para si, com maturidade e
discernimento, evitando o sofrimento e contribuindo para
o seu próprio aprimoramento.

As práticas ritualísticas na umbanda, portanto, são


terapêuticas em si mesmas, endereçando-nos os caminhos
da auto cura e da conexão com a Divindade. Durante os
trabalhos espirituais, isso ocorre durante vários
momentos e em vários níveis. Vejamos:

Nas giras - as correntes de espíritos trabalhadores,


manifestos por meio de seus médiuns descarregam
energias negativas, desbloqueiam energias acumuladas
nos centros de força do complexo orgânico das pessoas
presentes nas giras e fornecem orientações espirituais.

Como disciplina a ser aprendida mediante a vivência


dentro dos ritos realizados pelo templo - a utilização de
posturas e movimentos corporais (danças) e respiração
(antes e ao longo dos movimentos) que viabilizam o
processo do transe e canalizam energias de caráter
positivo a serem integradas no complexo
orgânico/espiritual do médium.

Práticas a serem efetuadas dentro do rito, bem como


de maneira particular - utilização de ervas (como
banhos e defumações), de cantos, evocações e orações
(pontos cantados), de oferendas com elementos naturais
(flores, frutos, água, doces), de velas e incensos.

203
Todos estes instrumentos ritualísticos objetivam ser
veiculadores de energias curativas e desvincular-nos de
irradiações negativas, reestruturando nosso organismo,
por meio da harmonização de suas estruturas sutis.

O saber espiritual contido nas lides umbandistas é


grandioso e engrandece-nos a cada novo passo dado em
direção ao esclarecimento e à compreensão de como cada
prática ritualística, cada símbolo presente no templo,
cada detalhe de uma gira é carregado de todo um
complexo de significados e de uma memória coletiva.

Vemos então, a grandiosidade do conhecimento


transmitido por nossos Orixás, intermediados pelas
Correntes de Guias e Protetores, os quais acessam e
integram a nossa consciência a porção de luz do
entendimento, da gratidão e plenitude passíveis de
vivenciadas ao nos relacionarmos com as irradiações
positivas e curadoras desta egrégora da Umbanda,
sabedores de que nossa experiência religiosa produzirá
no íntimo de cada um de nós, os frutos do conforto, da
segurança interior e serenidade da alma diante da Vida!

204
O Mediunismo de Umbanda

Mediunismo e Mediunidade.

Palavras que evocam princípios em comum, embora


denominem práticas e vivências diversas.

O leitor mais assíduo e atento às obras umbandistas irá


notar a utilização do termo mediunismo em uma
frequência muito maior do que o termo mediunidade por
parte de seus autores.

Isso tem uma razão de ser. E para bem explicá-lo, iremos


recorrer aos escritos de Allan Kardec, especificamente à
obra O Livro dos Médiuns.

Salientamos que não somos "kardecista", no entanto,


como veremos, ambos os
conceitos (mediunidade/mediunismo) surgiram a partir
da conceituação kardequiana conforme segue
em importantes referências contidas na obra supracitada:

(O Livro dos Médiuns - Cap XXXII "Vocabulário


Espírita").

205
Médium - (Do latim - medium, meio, intermediário.) -
Pessoa que pode servir de intermediária entre os
Espíritos e os homens.

Medianimidade - Faculdade dos médiuns. Sinônimo de


mediunidade. Estas duas palavras são, com freqüência,
empregadas indiferentemente. A se querer fazer uma
distinção, poder-se-á dizer que mediunidade tem um
sentido mais geral e medianimidade um sentido mais
restrito. -Ele possui o dom de mediunidade. - A
medianimidade mecânica.

(O Livro dos Médiuns - Cap XIV, item159). Todo aquele


que sente, num grau qualquer, a influência dos Espíritos
é, por esse fato, médium. Essa faculdade é inerente ao
homem; não constitui, portanto, um privilégio exclusivo.
Por isso mesmo, raras são as pessoas que dela não
possuam alguns rudimentos. Pode, pois, dizer-se que
todos são, mais ou menos, médiuns. Todavia,
usualmente, assim só se qualificam aqueles em quem a
faculdade mediúnica se mostra bem caracterizada e se
traduz por efeitos patentes, de certa intensidade, o que
então depende de uma organização mais ou menos
sensitiva. É de notar-se, além disso, que essa faculdade
não se revela, da mesma maneira, em todos. Geralmente,
os médiuns têm uma aptidão especial para os fenômenos
desta, ou daquela ordem, donde resulta que formam
tantas variedades, quantas são as espécies de
manifestações. As principais são: a dos médiuns de
efeitos físicos; a dos médiuns sensitivos, ou
impressionáveis; a dos audientes; a dos videntes; a dos

206
sonambúlicos; a dos curadores; a dos pneumatógrafos; a
dos escreventes, ou psicógrafos.

No contexto da Umbanda, a faculdade mediúnica mais


presente é a dos médiuns sonambúlicos, ou mais
conhecidos como de incorporação (para nos valermos do
termo popular). Também é comum encontrarmos a
mediunidade de vidência, audiência e de cura entre os
médiuns umbandistas.

De acordo com as referências citadas acima,


depreendemos então que mediunidade expressa um
conceito geral, referindo-se à capacidade que todo o ser
humano tem (potencialmente) de relacionar-se com o
mundo espiritual, ou seja, a de colocar-se em
comunicação com os Espíritos.

Evidente que isso deve-se ao fato de que, como cremos,


somos Espíritos encarnados, e portanto, embora
dimensionalmente afastados, nosso contato é direto com
o mundo espiritual, mesmo que muitas vezes estejamos
inconscientes disso.

A partir disso compreendemos que se o termo


Mediunidade reporta-se à capacidade inata de todos os
seres humanos colocarem-se em relação com o mundo
espiritual (do qual procedemos), a terminologia
Mediunismo implica na prática, na vivência da faculdade
mediúnica, em toda a sua extensão e forma de
manifestação nos mais diversos contextos religiosos ou
místicos.

207
Detalhando um pouco mais, podemos fazer a
diferenciação entre mediunidade e mediunismo, como
sendo a primeira, em termos de prática, dada ao
Espiritismo de maneira particular, enquanto o segundo às
práticas mediúnicas que extrapolam o contexto espiritista
ou "kardecista".

Explico. A ideia da mediunidade é central na concepção


kardequiana a respeito do mundo espiritual, pois dois de
seus pontos de credo basilares, são justamente a crença
na imortalidade e na comunicação dos espíritos, sendo
que a primeira seria fundamentalmente comprovada
mediante a ocorrência da segunda, para isso servindo-
se do fenômeno mediúnico (lembremos de Chico Xavier
e suas cartas consoladoras).

Em outras palavras, na conceituação prática, segundo


entendimento de nossos confrades kardecistas, a
mediunidade seria a vivência com o mundo espiritual
com a finalidade de comprovar a existência dos espíritos
e a possibilidade de sua comunicação com os "vivos"
(encarnados). Dessa forma, suas comunicações deveriam
ser pautadas na possibilidade de identificação do espírito
que se comunica, citando, por exemplo, o nome que teve
em sua última existência corpórea, referências pessoais,
etc.

Já na prática mediunista, presente na Umbanda (e em


outras denominações religiosas que creem no mundo
espiritual), não existe uma preocupação focada em
comprovar a existência dos espíritos ou do mundo
espiritual.

208
Assim é que a manifestação do mundo espiritual na
Umbanda revela-se por meio de espíritos que "deixam de
lado" sua individualidade referente à sua última
encarnação, comparecendo às giras utilizando-se de
nomes simbólicos, de fundamento, com o objetivo
premente de trazer a "luz do Orixá" para seus filhos de fé,
assim como estender as suas bênçãos a todos os
necessitados ou crentes em seu amparo e no seu poder.

A prática mediunista foca a experiência do Sagrado, cujo


contato com o mundo espiritual ocorre por meio de uma
experiência subjetiva, do transe de possessão (que não
tem nada a ver com possessão pelo demônio, como
querem alguns), na qual o adepto vivencia o contato com
seu Orixá, identifica-se com seus Guias e Mentores e
significa a sua vida espiritual mediante a vivência no rito.
Essa experiência se dá num contexto coletivo, a
subjetividade é vivida e ao mesmo tempo
compartilhada em um "elo" com o outro (irmão de santo
ou de corrente), uma vez que as entidades manifestam-se
nos médiuns em "falanges", diferentemente da prática
mais "individualista" presente nas sessões espiritistas.

Com o passar do tempo, algumas entidades de nossa


Umbanda chegam a revelar quem foram em sua última
encarnação, dando dados e possibilitando confirmações a
respeito de sua existência como encarnados. No entanto,
isso é sempre de caráter secundário.

Diferentemente do que alguns amigos espiritistas creem,


o mediunismo umbandista não é uma forma "inferior" de

209
contato com o mundo espiritual, marcada por fetichismos
ou práticas primitivas.

O mediunismo de umbanda é vivência dentro do rito, em


um contexto simbólico rico e polissêmico (por conta de
suas diversas práticas mágicas, danças, rezas,
benzimentos, etc.), de contato interior com o mundo
espiritual, apontando para um caminho de luz, de
plenificação e de expansão da consciência do
indivíduo, respeitados o seu contexto religioso e sua
subjetividade.

Saravá!

210
Sensações Mediúnicas – Parte I
(Fenomenologia Orgânica e
Psíquica do Transe Mediúnico)

"Se as portas da percepção fossem abertas, tudo


apareceria ao homem tal qual é, infinito. Pois o homem
fechou a si mesmo, vendo as coisas através das estreitas
fissuras de sua caverna" (William Blake).

Transitamos por diversos níveis de consciência.

Nossos estados de consciência são manifestados por meio


de nosso organismo, cujo comando é dado ao cérebro.
Essa é uma consideração importante a ser feita, pois
necessitamos compreender que o fenômeno mediúnico,
assim como outras ocorrências psíquicas, dá-se sempre
por intermédio do organismo, gerando impactos e
alterações neste.

Por sermos espiritualista, cremos ser o cérebro o


modulador das expressões da consciência em seus
diferentes níveis, e não o produtor de tais ocorrências.

A faculdade mediúnica revela-se, de acordo com as


pesquisas do Dr. Sergio Felipe de Oliveira, como sendo
de natureza sensoperceptiva. Ou seja, a faculdade
mediúnica necessita de um órgão sensorial que capte a
mensagem, uma área do cérebro (cortical) que faça a sua
211
interpretação e elementos psíquicos que atribuam
significado e julgamento a esta.

Com isso também deixamos claro que a faculdade


mediúnica, embora seja um atributo da alma (espiritual,
portanto), necessita de implementos orgânicos para que
seja manifestada.

Uma vez compreendida essa prerrogativa, trataremos das


sensações físicas experimentadas pelo médium (ou
candidato a) como efeitos dos processos de assimilação
psíquica (de origem espiritual) e da produção dos
estados superiores de consciência, evidenciados no transe
mediúnico.

1 - Tonturas e desmaios;

2 - Distúrbios do sono e de fome;

3 - Transição acentuada entre estados de humor;

4 - Aceleração dos batimentos cardíacos;

5 - Sensação de dormência na face, mãos, pernas e pés;

6 - Crises de choro;

7 - Sensação de estar sendo observado;

8 - Recorrência de pensamentos intrusivos


(pensamentos insistentes que repetem-se contra a
vontade do indivíduo);

212
9 - Ouvir vozes ou ter visões recorrentes;

10 - Dores de cabeça acentuadas.

Elencamos acima alguns dos "sintomas" mais comuns


relatados e experimentados por médiuns ao longo de seu
processo de educação ou eclosão da sensibilidade
mediúnica (estágio de pré-educação mediúnica).

Tal sintomatologia é estudada por pesquisadores (ainda


que poucos) engajados no estudo das ditas "experiências
psi" no meio acadêmico. Embora estas pesquisas ainda
sejam de âmbito preliminar, deixando abertura para que
tais experimentos sejam aprofundados, já existem
algumas considerações importantes para nossa
compreensão a respeito de como nosso cérebro registra e
processa as percepções espirituais, advindas por
intermédio do psiquismo, convertendo-as em estados
orgânicos característicos.

Por exemplo, (ainda segundo o Dr. Sergio Felipe de


Oliveira): Uma pessoa vivenciando o "despertar" de sua
potencialidade mediúnica, ou seja, ainda inconsciente
desta, pode incorrer em perda de controle de
determinados tipos de comportamento, como o da fome
(falta de apetite ou excesso deste); o do sono (idem); da
agressividade (sendo esta em relação aos outros, ou
contra si mesmo, como o caso da depressão e da fobia),
entre outros.

A interferência espiritual ainda provoca aumento do


fluxo sanguíneo na região encefálica, produzindo "dores

213
de cabeça" (cefaleias ou enxaquecas). Da mesma forma,
pode provocar aumento no fluxo renal, predispondo a
formação de pedras nos rins (não havendo uma
proporção adequada de ingestão de líquidos), etc.

Por ainda encontrar-se inconsciente desse processo, o


impacto mediúnico amplifica-se no organismo e no
psiquismo do indivíduo, "somatizando-se".
Consequentemente, o corpo irá responder aos processos
inconscientes, influentes na sua instabilidade emocional e
orgânica.

Ou seja, uma vez que a interferência espiritual relaciona-


se com um órgão cerebral (a glândula pineal, por
exemplo), sua manifestação impactará no organismo e,
uma vez que esta também implica numa alteração do
psiquismo do indivíduo, decorrerá uma modificação no
seu comportamento psicobiológico.

Entendemos, a partir desta perspectiva, serem


diretamente interligadas as questões espirituais e
orgânicas. Por conta disso é que o indivíduo, sob o
impacto amplificador de origem mediúnica (a
mediunidade não gera o distúrbio no indivíduo, mas
amplifica-o), necessita realizar um acompanhamento
conjunto de suas questões:

a) Orgânicas/Psicológicas: acompanhamento médico


(psiquiátrico, se for o caso) e psicológico. Isso porque o
indivíduo necessita encontrar um ponto de adequação de
sua saúde orgânica e de seu bem-estar psicológico para
que possa comandar seus processos mediúnicos.

214
b) Espirituais: frequentar seu templo religioso com vistas
a uma gradativa adaptação e aprendizado a respeito de
sua realidade espiritual e suas possibilidades mediúnicas.
No caso da Umbanda, este irá iniciar o processo
assistindo as giras, recebendo passes, tomando seus
banhos de ervas (para que possa equilibrar as estruturas
sutis de seus corpos espirituais e fixar as irradiações
benéficas e curativas de seus Orixás), habituando-se ao
cultivo de momentos de oração, de concentração, de
meditação e de estudo das questões do Espírito.

Uma vez que o indivíduo esteja alicerçado


psicologicamente e fisicamente, assim como após
a confirmação da sua tarefa mediúnica (sim, porque não
são todas as pessoas que possuem a faculdade ostensiva,
para "trabalho"), este poderá iniciar suas atividades
juntando-se à corrente de médiuns da casa.

Salientamos que a saúde física e psicológica é de


fundamental importância para que o médium possa
exercer seu labor mediúnico, pois que este deverá
manter-se íntegro em sua subjetividade e suas
possibilidades físicas para que estas possam traduzir-se
em alicerces para os estados superiores da consciência,
advindos no transe mediúnico durante as sessões, cujas
suas características são, segundo W.T. Stace:

- Sensação de perda da noção do "eu";

- Perda da noção de tempo e espaço;

- Sensação de entrar em contato com o Sagrado;

215
- Sensação de objetividade e realidade profundas;

- Qualidade noética (conhecimento interior profundo,


inexprimível em palavras);

- Superação do dualismo e das contradições;

- Sensação de felicidade, alegria;

- Mudanças positivas na conduta social.

Importa considerar, como acima exposto, da realidade da


experiência espiritual, manifestada no transe, como sendo
dotada de expressões de saúde e equilíbrio psicológico.
Isso porque necessitamos reforçar de que a prática
mediúnica não é um traço patológico, alienante para o
indivíduo, como pretenderam considerar, durante muitos
anos, alguns pretensos "defensores" da sociedade e
da psiquiatria no Brasil. Uma vez exercida dentro de um
contexto religioso específico e sério, e cujo praticante
esteja dotado de estruturas psicofisiológicas em
"harmonia", sua vivência poderá ser sentida como rica,
plena de sentido e significado psicológico, cultural e,
principalmente, espiritual.

A disposição natural do homem, seu impulso


transcendente, para a busca do contato com a Divindade
é a força mais poderosa e inata da Humanidade e não
pode ser relegada a uma função secundária, mera
condição biológica e adaptativa da criatura humana na
Terra.

216
Por último, ressaltamos não crermos num "universo
espiritual" dissociado do "universo material".

Somos favoráveis a uma visão holística, integral, da


individualidade humana. Por conta disso, faz-se mister a
conjunção de procedimentos espirituais e médicos para o
acompanhamento de casos de ordem espiritual-
psicobiológica ou psicobiológica-espiritual.

217
Sensações Mediúnicas – Parte II
(Fenomenologia Orgânica e
Psíquica do Transe Mediúnico)

Em continuidade ao item anterior, buscaremos


aprofundar alguns aspectos específicos da manifestação
do transe e as experiências passíveis de serem
vivenciadas pelo médium, estando este agora já não
somente na condição de sujeito passivo ao transe
(conforme tratado no post anterior) mas também como
sujeito atuante no transe (médium "desenvolvido" ou ao
menos "em desenvolvimento").

Adiantamos que não trataremos de maneira específica do


fenômeno de Incorporação, mas sim da possibilidade da
experiência mediúnica numa esfera mais ampla e geral.

A respeito da Incorporação, pelo fato de ser a


mediunidade mais comum à Umbanda, daremos um
enfoque especial em artigos futuros, compondo uma série
de cinco textos, os quais trarão uma visão abrangente e
exclusiva do fenômeno.

Outro ponto a ser relatado, refere-se à bibliografia


utilizada para a elaboração deste artigo. O leitor poderá
notar, ao analisar as referências citadas no fim do texto,
que utilizamo-nos de um vasto compêndio de escritos, os

218
quais revelam-se provenientes de escritores e
pesquisadores Espíritas ("kardecistas").

Tal deliberação deve-se ao fato de que, em relação ao


estudo da mediunidade, nossos irmãos kardecistas têm, já
há muitos anos, liderado pesquisas acadêmicas e escrito
obras (mediúnicas ou não) versando a respeito do tema,
enquanto os umbandistas, especificamente os escritores,
ainda engatinham neste sentido, trazendo em suas obras e
discursos conceitos bastante superficiais e muitas vezes
até confusos a respeito do significado e da
fenomenologia mediúnica. Todavia, buscamos realizar
uma filtragem dos conteúdos, interfaceando-os com a
nossa realidade e aplicação como médium umbandista.

Como tais obras citadas tratam da questão mediúnica no


seu aspecto geral, e não só na prática específica da
mediunidade dentro dos círculos espiritistas, entendemos
que as considerações contidas nesta bibliografia podem
acrescentar significativamente para a nossa reflexão e
esclarecimento, levando-nos além do "senso comum",
como sempre será o propósito dos textos deste blog.

Bem, isso posto, avançaremos para o nosso tema central.

Devemos frisar que a faculdade mediúnica está presente,


potencialmente, em todas as criaturas humanas,
independentemente de sua condição intelectual, social,
idade, sexo e moral. Ou seja, ela está para todos os
SERES HUMANOS, pois somos, segundo cremos,
Espíritos momentaneamente encarnados e, por conta
dessa nossa condição essencial, é natural que

219
possamos entrar em contato e comunicação com o
mundo espiritual.

Deixamos claro que, segundo nossa ótica, os animais não


são médiuns, pois apesar de poderem ter contato e até a
percepção de entidades espirituais, estes não dispõem de
instrumentos psíquicos e mesmo cerebrais para dar
significação e interpretação objetiva ao fenômeno, sendo
estes fatores fundamentais para a experiência mediúnica.

Ela [a mediunidade] não constitui um dom presente em


pessoas especiais e escolhidas, tão pouco um castigo
divino. Sua presença no ser humano deve-se ao seu
próprio trajeto evolutivo biológico e espiritual.

A faculdade mediúnica, por estar presente em todos nós,


constitui atributo Espiritual, no entanto, dotada
de instrumentos biológicos. Isso quer dizer que o Espírito
manifesta seu corpo físico na dimensão material e, por
isso, estrutura em seu complexo orgânico elementos que
poderão captar e expressar as suas impressões advindas
das esferas espirituais. Assim, cremos ser o sistema
nervoso, em toda a sua complexidade, o ponto terminal
da materialização do corpo espiritual na dimensão física.

Primeiramente necessitamos demarcar alguns pontos a


respeito dos "movimentos" psíquicos e espirituais que
verificam-se a partir do fenômeno do transe,
desembocando em sintomas orgânicos, passíveis de
experimentados pelo médium.

220
Uma vez que possuímos um organismo dotado de
implementos para expressarem a faculdade mediúnica, o
corpo manifesta estados característicos, notadamente na
condição cerebral, predispondo-nos para a ocorrência do
transe.

Estudos acadêmicos dão conta de que a cada 90 minutos


nosso cérebro predispõe-nos para o estado alterado de
consciência, uma vez que nosso estado de consciência
ordinário não está a todo o tempo centrado somente na
dimensão biológica. Assim, neste instante, as ondas
próprias do córtex frontal e pré-frontal tornam-se
alentadas, de maneira muito próxima ao estado de sono,
colocando-nos em estado possível de experiências
espirituais.

Faremos referência aos estudos do Dr. Sérgio Felipe de


Oliveira (espírita, médico psiquiatra, neurocientista,
mestre em ciências pela USP) para abordarmos a questão.

É sempre importante frisar que os estudos a respeito


destes tipos de fenômenos vêm sendo realizados
academicamente e suas pesquisas ainda são preliminares,
passíveis de aprofundamentos e experimentos mais
conclusivos, no entanto, a observação clínica destes
experimentos aponta para características interessantes,
para as quais deveremos dar atenção.

Tratando especificamente dos fenômenos de transe, com


conotação espiritual, podemos categorizá-los como:

221
a) Fenômenos de "Expansão" Espiritual: equivalem a
expansibilidade dos corpos espirituais além da
dimensão física. Ou seja, é a propriedade do Espírito
encarnado de "ir ao encontro" da dimensão
espiritual. Neste processo, o médium disponibiliza e
exterioriza energias orgânicas e psíquicas, por conta
do alto estado de relaxamento e concentração em que
se encontra. O médium, neste caso, adquire uma
percepção bastante dilatada do ambiente em que
encontra-se e até mesmo de suas dimensões físicas
(sensação de que o corpo está "dormente"
e "inflando"). Estão contempladas neste tipo de
fenômeno a clarividência, a clariaudiência, a
psicometria, a projeção mental (conhecida como
desdobramento), a materialização e a mediunidade de
cura.

b) Fenômenos de "Aproximação" Espiritual: o


"movimento" espiritual consolida-se no sentido
contrário ao da expansão, embora para que possa
ocorrer, o início do processo seja equivalente. Ou seja,
num primeiro momento, o médium também expande-
se em direção ao mundo espiritual, estabelecendo
sintonia com os Espíritos. No entanto, ao assimilar o
contato experimentará um alto nível de agitação e
impulsividade para determinados padrões de
comportamento e movimento corporal. Em outras
palavras, a pessoa modifica a sua fisionomia, sente
forte impulso de falar e se
movimentar (incorporação), escrever (psicografia),
pintar (pictografia), entre outros. Isso deve-se ao fato
de o médium disponibilizar, mesmo que parcialmente,

222
o centro de sua consciência para que outra
Individualidade manifeste-se.

Obedecendo a esta primeira categorização, podemos, do


ponto de vista da fenomenologia orgânica - a partir de
como os fenômenos impactam e manifestam-se
no organismo -, classificá-los em:

a) Fenômenos de Expansão => Efeitos Colinérgicos:


relacionados com o sistema nervoso
autônomo (responsável pela vida vegetativa, a regulação
dos processos involuntários do organismo, como a
respiração, digestão, batimento cardíaco, circulação
sanguínea e temperatura corporal).

Tendência de aumento na atividade do sistema


digestório, diminuição da pressão arterial, diminuição da
frequência cardíaca, sensação de entorpecimento,
sonolência, etc.

Um exemplo de efeito orgânico deste caso, ocorre


quando a pessoa momentaneamente percebe-se
registrando a presença de uma entidade espiritual e
sente seus pelos, "arrepiarem-se". Isso se deve a uma
substância chamada acetilcolina, neurotransmissor que
produz um estado de excitação dos pelos e que está
diretamente ligada ao Sistema Nervoso Autônomo.

Muitas vezes, embora a pessoa registre a presença da


entidade espiritual, sentindo organicamente os efeitos do
contato (entorpecimento, eriçamento dos pelos,
aprofundamento da respiração, etc.), a impressão

223
decorrente fica um tanto imprecisa e vaga, como se não
houvesse um sentido daquela sensação. Ocorre que o
contato, após ser registrado espiritualmente pelo
indivíduo, é transmitido ao cérebro pelas chamadas "vias
extra-leminiscais", implicando numa ativação sub-
cortical do cérebro e ocasionando essa percepção difusa.

Para ficar claro. Quando olhamos para determinado


objeto (uma cadeira, por exemplo), nossos olhos captam
os estímulos luminosos, convertendo-os em impulsos
elétricos que irão ser levados ao lobo occiptal (localizado
na parte posterior do cérebro, acima da nuca), onde
ocorrerá a interpretação da informação, gerando a
imagem do que vemos.

O córtex cerebral é a faixa superficial do tecido cerebral


(composto de 06 camadas de células) e, portanto, uma
zona bastante delimitada. Só temos a percepção
consciente do que vemos, ouvimos, degustamos ou
tocamos, quando o estímulo é interpretado pela área do
cérebro correspondente na região do córtex, ou seja, em
sua superfície.

Como, no caso em questão, o estímulo foi levado ao


cérebro pela impressão do corpo espiritual, logo, não foi
ocasionada diretamente por um órgão do sentido. Neste
caso, o cérebro não identifica qual a área responsável por
fazer a sua interpretação, descarregando o estímulo
elétrico nas zonas abaixo da sua superfície (abaixo do
córtex, portanto, sub-cortical) gerando essa impressão
vaga e inespecífica.

224
No caso de um médium clarividente, por exemplo, a
captação espiritual é comunicada ao cérebro e
interpretada pela área correspondente, na sua superfície
(córtex), e por isso ele terá a visão clara do espírito,
podendo dar até detalhes de sua aparência, suas roupas,
etc.

b) Fenômenos de Aproximação => Efeitos


Adrenérgicos: também relacionado ao Sistema Nervoso
Autônomo, cuja manifestação predominantemente ocorre
pela liberação da Adrenalina.

Tendência de aumento da frequência cardíaca


(taquicardia), da pressão arterial, aumento do fluxo de
sangue notadamente na cabeça, aumento no consumo de
glicose, aumento do fluxo renal (é comum o médium de
incorporação ter vontade de ir ao banheiro durante os
trabalhos), diminuição da atividade do aparelho
digestório.

Sob o contato mediúnico de aproximação, verifica-se a


presença de outra Individualidade, modificando o olhar,
as feições e o perfil de personalidade - as atitudes e
comportamentos diferindo do habitual, alterando humor e
cometendo atos muitas vezes à revelia da vontade do
médium -.

A característica desse fenômeno está ligada diretamente à


Glândula Pineal. Essa glândula está localizada próximo
ao centro do cérebro, entre os dois hemisférios.

225
Segundo os estudos do Dr. Sérgio Felipe de Oliveira
(motivado pelas obras do espírito André Luiz que
versavam a respeito desta glândula), o corpo pineal é o
responsável por captar as influências espirituais e
desencadear no organismo as reações compatíveis. Tal
propriedade deste órgão deve-se ao fato de ser
constituída por cristais de apatita, os quais são minérios
produzidos pelo organismo (biomineralização), com
propriedades diamagnéticas (eles repelem e reverberam o
campo magnético dentro do cérebro).

O contato do Espírito encarnado com o mundo espiritual


dá-se pela emissão e transmissão de magnetismo, cujas
ondas podem deslocar-se fora do tempo e do espaço.
Estas ondas magnéticas seriam as veiculadoras da
mensagem do Espírito ao Corpo, sendo a Glândula Pineal
o órgão responsável por captar essa informação e
comunicá-la às áreas cerebrais pertinentes.

No caso do fenômeno de aproximação espiritual,


predomina o comando dos lobos frontal e pré-frontal,
responsáveis pela coordenação motora, articulação das
palavras, atribuição de significado e todas as questões
referentes à personalidade.

Assim é que a glândula pineal, após captar as


"informações" de origem espiritual (as impressões do
Espírito encarnado no contato com a dimensão
extrafísica), deve enviar para o lobo frontal
(parte anterior do cérebro, a "frente" do cérebro) tais
registros para que sejam interpretados e significados.

226
Estes seriam os mecanismos básicos de funcionamento
orgânico para a manifestação mediúnica, tanto de
expansão quanto de aproximação. Para o médium
"desenvolvido" ou em "desenvolvimento", a vivência do
contato com o mundo espiritual automatiza esse
mecanismo, para que este torne-se saudável, promotor de
equilíbrio e saúde.

Dizemos isso pelo fato de que, no indivíduo com


possibilidades mediúnicas afloradas, mas desinteressado
e inconsciente das questões espirituais, os
registros mediúnicos não são interpretados pelo lobo
frontal (sede da vontade do homem), "desaguando" na
estrutura límbico-hipotalâmica cerebral (responsável
pelos comportamentos emocionais, instintivos e
inconscientes), amplificando as pré-disposições para o
desenvolvimento de desarmonias físicas e/ou psíquicas.

Esse o significado do desenvolvimento e da


aprendizagem mediúnica. O exercício prático por parte
do médium, fá-lo-á identificar quais são seus padrões de
funcionamento psíquico e orgânico em relação a sua
sensibilidade mediúnica.

Adquirindo o hábito da oração e da prece, da


concentração e da meditação a respeito de seus estados
psíquicos e de transe, além da própria sistematização da
prática (ter um dia e um horário definidos para dar vazão
aos seus estados mediúnicos), é que o médium irá, aos
poucos, aprendendo a respeito de si mesmo e ampliando
suas possibilidades de experimentação dos contatos
espirituais.

227
Importante considerar que a separação entre as duas
características fenomenológicas (expansão e
aproximação) é feita para fins de aprendizado e
observação do contato espiritual, no entanto devemos
lembrar que as possibilidades mediúnicas estão
contempladas umas nas outras. Não há uma divisão clara
e estática entre os fenômenos, pois classificamo-los de
acordo com a dominância do perfil mediúnico (qual
destes torna-se preponderante). Por isso é que podemos
ter, por exemplo, durante um fenômeno de psicografia ou
incorporação (aproximação espiritual) a correlação de
fenômenos de vidência ou visão espiritual à distância
(expansão espiritual).

Vale ainda considerar que, para tornar-se bem sucedida a


vida mediúnica, de maneira que a prática espiritual torne-
o rico em conteúdos positivos, contribuindo para a sua
constante melhora como ser humano (espírito
encarnado), o médium deverá possuir uma estrutura
psicológica madura e centrada, para que não perca as
referências a respeito de si mesmo, pois entre
a confluência de conteúdos psíquicos inconscientes que
passam a emergir e chegar à sua consciência, estão
aqueles:

- Plenificadores: dotados de aspectos positivos e repletos


de significados emocionais profundos, ocasionando
estados de paz, alegria, serenidade, felicidade, etc;

- Sombrios: no sentido de sombra, daquilo que não se


conhece a respeito de si mesmo ou que está reprimido.
Na sombra estão contidos os complexos da

228
personalidade, e os mais comuns a serem assimilados
pelo médium são os complexos de culpa (achar que deve
salvar a humanidade) ou de poder (sentir-se vaidoso,
portador de poderes acima das suas possibilidades e das
demais pessoas).

Os conteúdos contidos na sombra tornam expostas as


suas questões "mal resolvidas", a hipersensibilidade em
relação ao ambiente e até mesmo um sentimento
de "perda de identidade", pelo fato de identificar-se, por
conta de sua mediunidade, de maneira exagerada com o
outro (quando, obviamente, não possui dos recursos
psicológicos para auto-avaliar-se).

A mediunidade provoca a flexibilização das fronteiras


entre o inconsciente e o consciente, e por isso o acesso
aos seus aspectos de personalidade ignorados ou
reprimidos dá-se de maneira intensa, podendo gerar uma
forte identificação com tais questões, causando prejuízos
para a sua estabilidade emocional. Por conta disso, os
recursos da oração, da meditação e do estudo a respeito
de suas possibilidades mediúnicas e de sua estrutura
psicológica, facultar-lhe-ão uma dimensão bastante
segura a respeito de si mesmo, engrandecendo-o em
direção à sua ascensão espiritual.

Outra questão decorrente do que expusemos acima


refere-se ao desenvolvimento mediúnico em crianças.
Justamente pelos requisitos psicológicos que aventamos
como sendo fundamentais para a manutenção da
estabilidade emocional do indivíduo, cremos não ser
recomendável a inserção da criança na prática mediúnica,

229
uma vez que esta ainda está construindo sua estrutura de
personalidade e consolidando seu Ego. Desde que a
criança demonstre experiências possíveis de serem de
ordem espiritual (uma vez que é um espírito encarnado e
ainda com uma ligação muito intensa com as faixas
espirituais), devemos acolhê-la com naturalidade, mas
sem incentivar a manifestação espiritual.

É imprescindível lembrar ao candidato à Luz, que


somente pelo mergulho nas sombras é que se pode tomar
contato com a grandeza divina adormecida no âmago de
si-mesmo, e que os vôos mais altos da espiritualidade só
poderão tornar-se realidade a partir do consentimento
lúcido por parte daquele que se candidate a vivê-lo,
desprendendo-se das amarras que o retém na ignorância e
na indiferença diante da Vida.

Por isso as disciplinas concernentes ao abandono de


vícios e hábitos doentios, não são prescrições de ordem
religiosa e moralista, mas constituem-se como
indispensáveis para que o indivíduo possa reconhecer e
adestrar sua mente, tornando seus filtros
mediúnicos límpidos e sintonizados com as esferas de
Luz.

Lembremos que a faculdade mediúnica, embora


seja mecanismo de libertação do espírito, pelas
possibilidades de dilatação do entendimento da vida e de
si-mesmo que proporciona, é antena receptora das faixas
espirituais, de onde procedem inteligências de várias
graduações. Pela nossa condição de espíritos encarnados,
com nossas luzes e nossas sombras, estamos sujeitos às

230
influenciações dos Numes Celestes tanto quanto dos
sofredores, ignorantes e maus.

Finalmente, esperamos ter contribuído um pouco mais


com o esclarecimento de aspectos pontuais a respeito das
manifestações mediúnicas, na intenção de fazermos luz
para todos aqueles que possuam interesse e vontade
de alçar voos mais altos em direção à Espiritualidade
Maior.

231
O Médium de Umbanda

A mediunidade é uma potência humana, conquista e


patrimônio de todos os homens, sem distinção,
encarnados no planeta Terra. Eis que esta sublime
faculdade reside no interior de cada um, necessitando
ser observada, estudada e vivenciada para que seu
detentor tome consciência de sua realidade e possa
identificar quais os rumos deverá dar-lhe para que
forneça experiências de enriquecimento pessoal, por
meio do contato salutar que poderá fruir dos Guias e
Protetores, com os quais estreitará relações e ampliará
seu círculo de afinidades espirituais, coroando-lhe o
ministério desenvolvido.

Temos lido, em obras umbandistas, a respeito das


características especificas dos médiuns de Umbanda,
numa tentativa de diferenciá-los, em termos de atuação
com o mundo espiritual, daqueles médiuns ditos
"kardecistas".

Gostaríamos, neste post, de colaborar com algumas


colocações, compartilhando nosso ponto de vista a
respeito deste tema, servindo-nos, para isso, de nossa
experiência particular como médium e estudioso da
Doutrina Espírita.

Reportando-nos ao que tratam os autores umbandistas (e


outros que embora não sendo umbandistas, pretendem
falar sobre), em seu enfoque destinado a qualificar e
232
especificar a atuação do médium de Umbanda temos que
este seria destinado, desde antes de sua encarnação atual,
ao compromisso com os Guias e Protetores da Corrente
Astral de Umbanda, e suas atribuições seriam,
pontualmente, a de atuar principal e diretamente no
"combate" ao submundo astral, no desmanche de magias
e feitiços de caráter negativo e, ainda segundo o ponto de
vista de alguns, como "enfermeiro" para resolução de
problemas graves (geralmente na área da saúde física)
desacreditados por outros setores da assistência
humana, ou ainda na resolução de processos avançados e
complicados de obsessão espiritual para os quais outros
setores religiosos não lograram sucesso.

Enquanto isso, os médiuns "kardecistas" estariam


destinados ao trabalho da orientação moral àqueles que
buscam seus núcleos espiritistas e do esclarecimento
espiritual aos espíritos menos esclarecidos, doentes e
perturbadores.

Ainda segundo a visão destes autores, os médiuns de


nossas correntes seriam preparados no Astral de maneira
especial, com "acréscimos de energias" sobre seus corpos
espirituais, de maneira que possam fornecer os elementos
necessários para que os Guias e Protetores efetuem seus
trabalhos e manipulem as energias do médium com vistas
a cumprir os atos magísticos, os quais constituem as
principais ferramentas e recursos para a prática
mediunista na Umbanda.

Cremos, de nossa parte, haver uma certa tendência por


parte destes escritores de valorizar e diferenciar o

233
trabalho do médium umbandista, para isso buscando
atribuir-lhe significados e funções que, embora não
sejam equivocadas, não refletem uma realidade total a
respeito de suas possibilidades de trabalho espiritual e
campo de atuação religiosa.

Entendemos a tentativa nobre de preservar as práticas


umbandistas, no entanto reconhecemos que estas
especificações tendem a esvaziar o significado
profundo da vivência mediúnica e subjetiva dentro das
Leis de Umbanda, por parte daquele que busca integrar-
se às suas fileiras com o objetivo de vivenciar sua
religiosidade de uma maneira mais ampla.

Primeiramente devemos colocar que os médiuns


umbandistas lidam com as mais diversas faixas e
graduações de energias, bem como de inteligências do
mundo espiritual, e não somente com aquelas de caráter
"denso" com predominância da materialidade, etc. Sendo
assim, estamos abertos, primordialmente, ao contato
mediúnico com os Numes da espiritualidade, bem como
lidamos com energias as mais sutís, embora muitas vezes
nossas práticas não sejam entendidas, num todo, por
parte daqueles pertencentes a outras vertentes religiosas.

Estamos enfocando essa questão, pois vemos a


necessidade de reforçar que os médiuns umbandistas
estão também a serviço da Espiritualidade Maior,
assistidos por Espíritos dotados de esclarecimento e
elevação. Notamos muitas vezes uma "cultura de
marginalidade", pela qual ficou estigmatizado o conceito
de que a Umbanda serviria-se, em suas práticas, de

234
Espíritos de categorias "inferiores", ignorantes e
primitivos, os quais, caso a orientação da casa fosse para
a prática do Bem, estariam sujeitos à supervisão de
outros Espíritos "superiores" e "esclarecidos".

No que pesem, logicamente, as relações de afinidades no


círculo mediúnico, em que cada médium estará em
contato com os Espíritos com os quais guarde similitudes
de objetivos, pensamentos, sentimentos e conduta moral,
compreendemos o valor da Umbanda e de seus Guias e
Protetores como estando no mesmo nível de quaisquer
outras denominações religiosas.

Se existem médiuns, dentro de nossos círculos, que


estreitam relações mediúnicas com Espíritos cujas
características são negativas ou perturbadoras, isso é uma
questão de particularidade de conduta, e não uma regra
geral, na qual possa incluir-se todo aquele praticante
de nossa religião.

Bem, voltando à caracterização dos médiuns


umbandistas, entendemos que estes têm suas atribuições
voltadas ao trabalho espiritual refletidas no contexto
cultural-religioso, no qual encontram-se. Desta forma, o
praticante da Umbanda prima por louvar a Divindade
dando culto aos Orixás, numa experiência de encontro
com o seu universo interior, com a sua religiosidade, por
meio da qual este se servirá do fenômeno mediunista para
acessar a realidade espiritual e comungar desta
experiência com os Guias e Protetores.

235
Na vivência desta experiência religiosa, este poderá, ou
não, atuar em casos de "desmanche", de "desobsessões
complexas", de "curas", de "demandas", etc., o que é
natural, uma vez que a práxis umbandista dota-o de
conhecimentos e elementos que o capacitam a isso, mas
não que estas sejam o objetivo final de suas práticas.

Entendemos então, particularmente, que o objetivo do


adepto umbandista é o de cultuar o Sagrado e
utilizar-se do transe para comungar sua experiência
interior com os Espíritos habitantes dos planos de Luz
do mundo espiritual, cujo contato torna-se de
plenificação, de enriquecimento e fortalecimento
interiores para o entendimento da Vida e seu
aprimoramento Moral e Ético.

Numa relação com os médiuns


"kardecistas", não obstante toda a comparação entre duas
culturas religiosas distintas seja sempre difícil e muitas
vezes equivocada, a consagração de sua experiência
religiosa está na comprovação da realidade "post
mortem", sendo estes capacitados a colocarem suas
mediunidades a serviço dos espíritos sofredores, de
maneira que possam ser esclarecidos ou "doutrinados"
(por intermédio da incorporação/psicofonia) a respeito de
sua condição espiritual momentânea, pois muitos dos que
aqui encontram-se encarnados atravessam os umbrais do
mundo espiritual sem darem-se conta, muitas vezes
padecendo de terríveis sofrimentos e angústias, acabando
por vagar, inconscientes, nas regiões espirituais.

236
Em suas práticas, a mediunidade "kardecista" também
destina-se a trazer mensagens consoladoras, por
intermédio da psicografia, para aqueles que "perderam"
seus entes queridos de formas as mais diversas.
Outrossim, a mediunidade espiritista também é colocada
a disposição de Guias e Protetores afins a essa
denominação religiosa, os quais trazem suas mensagens
de orientação e esclarecimento àqueles que lhes são
simpáticos às ideias. Fora isso, o socorro por intermédio
do passe reconfortante e curativo, também constitui
prática corrente dentro do círculo kardequiano.

Outra questão importante ainda a ser tratada diz respeito


a preparação espiritual destinada ao médium umbandista,
a qual seria diferente daqueles médiuns das correntes
kardecistas.

Não cremos, em absoluto, seja isso real, pois que nunca


sentimos a menor diferença entre a prática da
mediunidade de incorporação, tanto nos trabalhos
umbandistas quanto nos kardecistas, sendo seu
estado "pós-transe" sempre plenificador e
gratificante, embora obviamente a destinação de cada
trabalho fosse diversa.

Compreendemos, conforme fomos ampliando nossos


estudos, ser a mediunidade uma capacidade de colocar-
nos em ligação com o mundo espiritual, manifestando-o
por meio de nosso psiquismo e organismo.

Assim, não há uma preparação especial ou condição


específica que destine um médium a ser trabalhador

237
exclusivamente da Umbanda ou do Espiritismo, a não ser
aquelas de ordem psicológica (sua herança familiar, seu
contexto cultural, sua dinâmica emocional, seu
patrimônio espiritual trazido de outras vidas, etc.), as
quais influirão na escolha do indivíduo a respeito de qual
denominação religiosa este irá seguir.

Ambos não constituem correntes de trabalhos estáticas


perante o mundo espiritual, uma vez que a faculdade
mediúnica é uma só, segundo cremos, e sua destinação
estará vinculada ao rumo que seu detentor lhe entregue,
considerados os fatores citados acima.

Óbvio que não pretendemos esgotar todo o assunto aqui,


neste breve texto, no entanto, entendemos ser necessário
tal esclarecimento para que possamos compreender que
tanto os médiuns umbandistas quanto os "kardecistas"
são trabalhadores de uma Causa Maior, conquanto
estejam em caminhos diversos da experiência religiosa.

Não existe, portanto, um sistema hierárquico que coloque


tanto uma quanto outra denominação como estando
acima, sendo mais importante ou mais nobre.

Finalizando nossa reflexão de hoje, voltando ao médium


umbandista, gostaríamos de reforçar a respeito da
conduta interior, a qual deverá espelhar um
comportamento (atitude exterior) que reflita serenidade,
ética, responsabilidade e compromisso.

Os Guias e Protetores não esperam que ascendamos,


como Anjos aos Céus, para que possamos estar em

238
condições de auxiliá-los no mister mediúnico ou para que
possamos travar contato com eles. No entanto, a contínua
reflexão em torno de nossa conduta, a abstenção de
vícios e comportamentos inconsequentes servem-nos
para disciplinarmos nossos pensamentos, libertando-nos
das "distrações" que tanto nos atam às atitudes infelizes,
favorecendo que fortaleçamos a nossa Vontade, pois
somente por este mecanismo psíquico é que podemos
ampliar nossa condição de Espírito e possamos cada vez
mais identificarmo-nos com as Esferas de Luz dos
Mensageiros de Aruanda, sendo melhores médiuns e
melhores Homens.

Que o Homem, nosso Cristo-Oxalá, neste momento,


abrace-nos a todos, traduzindo nossos votos de Paz,
Amor e Felicidade!

239
A Espiritualidade Umbandista
Manifesta no Estado Superior
de Consciência

Na Umbanda, primamos pelos estados de transe


(mediúnicos ou não), conhecidos como
estados alterados (ou superiores) de consciência
(E.A.C/E.S.C), como experiência basilar para o acesso a
dimensões mais profundas da realidade humana,
propiciando-nos: gradativo conhecimento de
nossa própria Individualidade (de procedência
Espiritual); fortalecimento de nossa relação com o
mundo (reconhecimento da alteridade); e, consumação de
nossa relação com a Divindade.

O termo perenialismo corresponde a uma corrente


filosófica, a qual identifica-se com a visão dos místicos
de todas as tradições acerca do terreno divino do
universo por trás da consciência; a verdade metafísica
fundamental é una, universal e perene, e as diferentes
religiões constituem distintas linguagens que expressam
essa verdade única, mas muitos a interpretam de
maneira diferente. (Beauregard)

A partir da religiosidade (a qual pode ser expressa pela


prática de uma religião específica ou não), fundamentada

240
na tentativa sincera de entender os "porquês" da Vida, o
homem chega a percepção cada vez mais profunda sobre
a perenidade desta (sua eternidade), e a maneira como há
uma interconexão entre tudo e todos.

Na Umbanda, também buscamos a vivência interior da


perenidade da Vida, dela nos conscientizando a pouco e
pouco, por meio de nossas experiências profundas com
os Guias e Protetores de nossas "coroas". Para isso,
valemo-nos de um estado não ordinário de consciência,
sob cuja ocorrência podemos "romper" os limites tênues
entre o "mundo material" e o "mundo espiritual",
experimentando percepções profundas e plenas de
significado.

Utilizaremo-nos, daqui por diante, do termo Estado


Superior de Consciência, para nos referirmos a estes
fenômenos produtores de ocorrências positivas na
experiência subjetiva do indivíduo (já estamos
desconsiderando aqueloutros de ordem patológica, os
quais, segundo nosso entendimento, estão fora do
contexto mediúnico).

"A atividade mediúnica se expressa até nos sonhos, que


(...) ganham um tratamento peculiar dentro da visão de
mundo umbandista. Nela a realidade vai muito além das
vivências objetivas na relação com o ambiente ou da
atividade consciente, revelando-nos uma riqueza
imaginativa que compreende o real muito além dos
contornos da percepção profana. Segundo nos relatam, o
"mundo dos espíritos" e o dos vivos é separado por um
tênue estado de inconsciência, que obviamente não vale

241
para os médiuns. Através dos sonhos, visões, devaneios e
pensamentos, estes têm acesso a esta realidade para nós
imperceptível, mas que não obstante, entendem como
objetiva". (Leme e Bairrão, 2003)

Para que possamos compreender os E.S.C, como sendo


experiências profundas e essenciais na vida de um
umbandista, primeiramente devemos entender que
possuímos níveis de consciência fragmentados a respeito
de nós mesmos e do mundo que nos cerca.

Isso é evidenciado pela quantidade de estímulos que


captamos pelos nossos órgãos do sentido (olhos, ouvidos,
nariz, boca, mãos/pele), dos quais somente alguns destes
chegam à nossa percepção consciente (pense em quantos
estímulos visuais, sonoros e táteis, você está recebendo
enquanto lê este texto). Essa ocorrência deve-se a
propriedade que nosso corpo, mais especificamente nosso
cérebro, tem de modular e regular nossas experiências
sensoriais, para que tenhamos preservadas a nossa saúde
e integridade.

Da mesma forma, nosso "organismo psíquico"


(somatório de nossos conteúdos psicológicos conscientes
e inconscientes) também restringe nossa experimentação
integral da realidade. Conforme afirma C.G Jung:

“(...) a psique não constitui uma exceção à regra geral,


segundo a qual a essência do universo em questão só
pode ser conhecida na proporção permitida pelo
organismo psíquico" (Jung)

242
Queremos com isso deixar claro que há possibilidades
não experimentadas ou vivenciadas por nós em relação
ao mundo no qual estamos inseridos, e que estamos, na
maior parte do tempo, limitados em nosso campo
perceptivo.

Concebemos nossa consciência ordinária como sendo


uma instância de relação com o mundo, importante para
nossa vida cotidiana, no entanto, limitante de nossa
percepção a respeito da realidade espiritual,
a qual afigura-se cheia de vida e de possibilidades
infinitas de realização.

Místicos e determinados pesquisadores (da escola


transpessoal da psicologia, por exemplo), identificaram
vários níveis possíveis de expressão da consciência,
partindo do mais básico (consciência de corpo) até o mais
complexo e pleno (consciência cósmica, na qual o
indivíduo, em um êxtase místico identifica-se com a
própria Divindade).

Mediante estas constatações, entendemos que podemos


transcender nossa percepção "normal" para alçarmo-nos
às esferas espirituais da Vida, colocando-nos em contato
com nossos Guias e Mentores.

Para que possamos chegar a esta condição,


necessitamos "vencer" as restrições dadas pelo nosso
organismo, e também pelos condicionamentos
emocionais e culturais aos quais estamos ligados.

243
As disciplinas envolvidas na prática mediúnica
(concentração, meditação e oração), assim como na
prática rito-litúrgica (utilização das ervas como banhos e
defumações, as curimbas e as danças), propiciam a
"quebra" dos padrões ordinários de consciência, para que
estejamos suscetíveis a estes novos padrões (E.S.C) e ao
mesmo tempo resguardando nossa individualidade e
nossa coerência subjetiva.

Os padrões não convencionais de consciência (E.S.C), na


Umbanda, dar-se-ão pela ocorrência do transe, pelo qual
o indivíduo médium entra em contato com a dimensão
espiritual, identificando-se com outra Individualidade,
espiritual e transcendente (espíritos protetores e guias),
com a qual comungará a experiência mediúnica.

Os ritos preparatórios, os quais simbolizam a "passagem"


do médium umbandista pelos degraus da vida espiritual
dentro das Leis de Umbanda, implicam no estreitamento
da ligação mental entre os Guias e seu tutelado, por
intermédio de sua "coroa" (cabeça-mente). Esta prática
implica num rompimento primordial (ainda que breve) da
percepção sujeito/objeto, para um estado de
transcendência, no qual a Individualidade Médium
"funde-se" com a Individualidade/Guia, efetivando a
"fluência do princípio espiritual" do Orixá regente de
ambos.

Conforme dissemos, há a possibilidade da ocorrência


gradual de vários níveis superiores de consciência, por
meio dos quais podemos apreender nuances variadas
acerca da realidade, do mundo transcendente,

244
significando nossa vida na Terra, como espíritos
encarnados, em jornada espiritual.

Sensus Numinis refere-se ao termo usado para designar a


percepção direta do transcendente vivenciada pelo ser
humano durante um êxtase místico. Seria a expressão
máxima de um E.S.C, no qual o indivíduo "atinge" o
nível de Consciência Cósmica por breves instantes,
porém de maneira arrebatadora, ocasionando profundas
modificações em sua vida, como decorrência um estado
de plenitude e profundo sentido psicológico apodera-se
do indivíduo ("Já não sou eu quem vive, é o Cristo que
vive em mim" - Gálatas, 2:20).

Na medida em que nossa vivência no rito, por meio da


prática mediunista junto aos nossos Guias e Protetores,
vai se desenvolvendo e ampliando nossas possibilidades
de compreensão espiritual, iremos galgando níveis mais
amplos de consciência, vislumbrando a Realidade
profunda e divina, para a qual aos poucos iremos
ascendendo.

Isso por que, ao nos ligarmos às mentes destes


verdadeiros prepostos do(s) Orixá(s) na dimensão
espiritual, seus conteúdos numinosos são compartilhados
e experimentados por nós, gradativamente, fazendo com
que sejam despertos os nossos próprios, aumentando
nossa disposição diante da vida, acurando nossa
percepção de Deus e do próximo, facultando que
cheguemos, ao longo do tempo, a atingir a Consciência
Cósmica (Consciência de Orixá).

245
Evidentemente, essa ocorrência máxima de nossa jornada
espiritual somente ocorrerá mediante nossa disposição
íntima em vivenciarmos este "aprofundar" no contato
com os Numes Espirituais, os quais não se cansam em
seus contínuos avisos e chamados, no entanto, como o
caminho espiritual é dado a cada um, cabe a nós que
estejamos "despertos", aplicando-nos as disciplinas
psíquicas, morais e ritualísticas, para que possamos
conduzir-nos a este processo em nós mesmos.

Saravá!

246
Processos Mentais e o Transe
Mediunista – Parte I

Devemos encarar a questão em torno dos Processos


Mentais envolvidos na construção do Transe Mediunista,
observados na prática do intercâmbio com a realidade
transcendente, como importante e necessário ponto de
estudos, merecedor de maior desenvolvimento, capaz de
produzir um Saber suficientemente estruturado, a respeito
de como tais processos relacionam-se e se integram para
a culminância do Transe.

Nossa intenção é a de contribuir, humildemente, com a


colocação de alguns pontos extraídos de nossos estudos,
reflexões e observações em torno de nossos próprios
estados de transe, na expectativa de sermos úteis ou
motivadores de mais aprofundadas perquirições a
respeito.

Desejamos, conforme o já dissemos, estabelecer algumas


relações referentes aos processos mentais que estão
presentes, segundo nosso parecer, na construção do
estado de transe, os quais verificam-se sendo processados
em ambas as instâncias psíquicas do ser, quais sejam o
consciente e o inconsciente.

Seguindo nossas reflexões, depreendemos que a prática


mediunista obedece a um mecanismo de construção
dinâmica dos processos mentais que elaborarão outros, os
247
quais deverão sucedê-los no contato com a dimensão
psíquica do indivíduo, de maneira que este transitará por
diversos estágios de processamento de sensações e
estímulos de variada ordem, emoções, pensamentos e
imagens psíquicas, até o momento no qual efetuar-se-á a
conjugação de um estado psíquico e mental totalizador,
por cujo seu continuum ocorrerá o transe (entendido por
nós como o ponto integrador de uma rede complexa de
processamento mental, de cunho psicofisiológico) e seu
consequente intercâmbio com a dimensão espiritual
(interna e transcendente ao indivíduo).

Os processos mentais são elementos constitutivos da


consciência, sendo suas estruturas funcionais, e atuam
como atividades instrumentais no homem, incluindo em
si um caráter de nível social, realizados coletivamente.
Assim, tais processos mentais definem o funcionamento
da mente humana de uma maneira ampla. Estão
englobados como processos mentais: funções sensório-
motoras, emoção, pensamento, linguagem, memória,
imaginação, percepção, atenção, concentração, vontade,
intuição, criatividade, transe, entre outros.

Observamos serem estes os processos mentais presentes e


configurados como a estrutura de base criativo-
construtiva da experiência espiritual tida como Transe
Mediunista.

Na base desta composição estruturante, identificamos o


par Memória-Emoção como processos mentais
propulsionadores (primeiro estágio) das demais
ocorrências psíquicas. Primeiramente, devemos

248
compreender a memória como uma função situada tanto
no psíquico quanto no somático, emotivo-cognitiva -
vinculada a uma ampla rede de associações de caráter
sensório e emocional -, sugerindo o "retorno da
experiência (e do sujeito, enquanto formado pela
experiência) ao passado, até o desligamento completo do
real" permeado pela reelaboração da experiência vivida,
no entanto, acrescida de novos elementos vivenciais
atuais do indivíduo, implicando em uma "[...] ideia de
atualização do vivido pelo presente [...]". (Leonardelli,
2008). Assim, memória implica na transposição contínua
para o presente das vivências contidas no complexo
psíquico do ser, avançando sobre as barreiras do tempo e
do espaço.

Os arquivos registrados pela Individualidade Espiritual


ao longo de sua jornada pelo ciclo das reencarnações,
experiências anteriores e a própria reminiscência de sua
origem primordial estão contidas nos processos
mnemônicos, sedimentados nas profundezas do
inconsciente.

Nossos registros mnemônicos ligam-se ao nosso


psiquismo por intermédio da experiência afetiva
vivenciada na interação com o meio. Benntto de Lima
(1997), ao referir-se as experiências de ordem espiritual
(ou mística) e sua relação com a emoção, diz-nos que "o
que caracteriza esse processo mental [...] é precisamente
a emoção concentrada nos conceitos de: próximo, grupo
e espécie. A variação da intensidade emocional das
vivências determina os diferentes tipos de experiência", e
ainda que "[...] estas [experiências místicas ou

249
espirituais] se inserem, por conseguinte, num processo
histórico ao mesmo tempo individual e social. E não
apenas no processo histórico social de determinada
época, mas ao longo da existência da espécie. Depois de
passar por uma experiência psíquica radical, quase
sempre também mística, o indivíduo busca sua identidade
na realização com o grupo, no encontro com o próximo".

A emoção surge, então, como o elemento capaz de gerar


a vinculação do ser ao seu próprio mundo psíquico e ao
mundo de relação, cuja experiência com o outro (no
início com a mãe e depois, em diversos níveis, com o
meio social), sedimenta seu enraizamento na realidade
experimentada em-si e ao mesmo tempo fora-de-si,
dimensão afeta à alteridade, ao outro, as chamadas
relações interindividuais (Camargo, 1999).

A integração da paridade memória-emoção revelar-se-á a


consciência por intermédio de um segundo par
estruturante (segundo estágio), seu sucessor: Pensamento
- Imagem (Imaginação).

Em continuidade ao ato mnemônico-emotivo (de


processamento inconsciente) evidenciam-se à
consciência, pelo fluxo do pensamento, a conjunção de
imagens (portadoras de elementos de memória e emoção)
que preenchem os espaços da rede psíquica, formando a
"tela mental" que passa a ser populada pelas ideações
pertinentes a condição interior do indivíduo.

Vejamos que a sucessão de estágios entre processos


mentais não anula aqueles que servem aos primeiros

250
níveis. Ao contrário, o mecanismo visa uma manutenção
energética dos conteúdos da consciência, pela soma de
vários níveis de processamento psíquico, integrando-os
em um processo de sinergia. Portanto, o estado
mnemônico-emocional, além de servir de base para o
surgimento do estágio seguinte (pensamento-imagem)
também determinará a sua intensidade e configuração.

Ao ponto em que estão integrados os dois primeiros pares


estruturantes (memória-emoção; pensamento-imagem), o
correspondente estágio sucedâneo formará-se, ocupando
a consciência com novas informações e conteúdos a
serem experienciados e integrados. Este terceiro par
estruturante se formará pela junção da paridade
Linguagem-Funções Sensório/Motoras.

A partir daí, o psiquismo passa a comunicar-se


diretamente ao corpo, por intermédio de sensações e
impulsos (ou relaxamento) de ordem motora, assim como
pela intrusividade de elementos dotados de significado e
qualidade semântica, portanto, inteligíveis. Salientamos
que a ideação, iniciada na irrupção do par pensamento-
imagem, assume caráter mais amplo e intenso neste novo
estágio, comunicando-se por meio de ideias inteligíveis e
expressões significantes (linguagem), observadas na
postura corporal, gestualidade e, até, em alterações facias
(funções sensório-motoras), como personificação e
presentificação do estado alterado de consciência
(transe) que já se faz pronunciado.

O transe, de uma maneira geral e introdutória, pode dar-


se por diferentes motivos e necessitamos conhecer as

251
suas possíveis naturezas para que possamos entendê-lo
como um processo mental amplo e quando este está
ligado a experiências transcendentes (não
necessariamente mediúnica ou mediunista) ou, quando
deriva de outra ordem de fatores.

Entre os estados de transe originados por causas


diferentes das experiências místicas ou espirituais,
podemos identificar aqueles ocasionados por substâncias
químicas ou farmacológicas; por bebidas alcoólicas;
drogas diversas (como a cocaína, a maconha, LCD, etc.);
ausência de oxigênio no sangue (anóxia); doses
oscilantes de glicose no sangue (como no caso de
diabéticos); distúrbios metabólicos; hipnose; epilepsia;
etc.

De igual maneira, o transe de ordem espiritual também


pode processar-se como sendo de caráter perturbador (no
caso de uma obsessão espiritual) ou, pelo menos, como
um mecanismo desordenado que assoma à realidade do
indivíduo seu portador, carecendo de aprendizado e
comando de seus mecanismos para que possa lograr um
estado de normalidade e adaptação a esta nova
experiência psíquica, propiciando inclusive
possibilidades maiores no campo da conquista e
plenificação interior. Ressaltamos que até este terceiro
estágio, as ocorrências psíquicas podem dar-se (como
efetivamente ocorre, sendo mais comum do que se
imagina) passando por um processamento totalmente
inconsciente no indivíduo, culminando num transe, e por
isso mesmo até este nível, não há uma distinção entre a
experiência saudável do estado alterado de

252
consciência (mediúnica ou não) e a de caráter
perturbador.

Assim, "a passagem à consciência é o início de uma


etapa superior ao desenvolvimento psíquico. O reflexo
consciente, diferentemente do reflexo psíquico próprio do
animal, é o reflexo da realidade concreta [...] que
distingue as propriedades objetivas estáveis da
realidade". (Leontiev, 1978).

Embora A.N. Leontiev fundamente seu pensamento com


base no paradigma do realismo materialista, entendemos
ser a sua assertiva de valor inestimável para chegarmos a
um entendimento de que somente a partir do momento
em que os conteúdos psíquicos passam a ser percebidos
de maneira consciente pelo ser humano, é que poderão
ocorrer os próximos níveis de desenvolvimento do
psiquismo humano. Tratando especificamente dos
processos mentais e o transe, podemos dizer que somente
a partir do instante em que o ser coloca sob o seu
comando seus processos mentais é que poderá lograr
atingir níveis mais profundos de suas experiências
espirituais, conservando sua integridade psíquica e,
inclusive, utilizando-se de tais experiências como
recursos para o seu amadurecimento como ser humano e
Espirito que É.

Portanto, a partir do terceiro estágio, deverão estabelecer-


se uma nova ordem de processos mentais estruturantes do
transe, uma vez que estamos referindo-nos àquele que se
caracteriza como constituído de higidez psicofisiológica,

253
ou seja, possuidor de características saudáveis, não-
patológicas.

O transe, que passará a ocorrer sob o domínio de seu


experimentador, deverá, além dos 3 pares estruturantes já
citados, lastrear-se em 3 próximos níveis de construção
(Quarto, Quinto e Sexto estágios estruturantes), sobre os
quais falaremos nos dois próximos artigos, quais sejam:

4º Estágio: Percepção - Atenção;

5º Estágio: Concentração - Vontade;

6º Estágio: Intuição - Criatividade;

Finalizaremos falando do próprio Transe Mediunista: 7º e


último estágio, ponte para a Consciência Mediúnica.

254
Processos Mentais e o Transe
Mediunista – Parte II

Tornar-se ciente da sucessão de emoções, lembranças,


pensamentos, imagens, linguagens e sensações, implica
no processo da Consciência a dobrar-se sobre si mesma,
intensificando a noção do eu como um processamento
subjetivo que mantém o indivíduo no centro da
experiência mental, integrando, por intermédio da função
seletiva do mecanismo atencional, o conjunto de
processos mentais que servirão para a sua presente
experiência psíquica, não desvinculando-lhe do contato
com o meio no qual se encontra (o médium não perde o
contato com o ambiente).

"Milhões de itens [...]são apresentados aos meus sentidos


e nunca entram propriamente na minha consciência. Por
que? Por que não tem interesse para mim. Minha
experiência é aquilo que eu concordo em prestar atenção
[...]. Todos sabem o que é a atenção. É a tomada de posse
pela mente, de forma clara e vívida, de um dentre o que
parecem ser vários objetos possíveis simultâneos ou linha
de pensamento". (William James apud Lima, 2005).

Atenção - Percepção (4º estágio estruturante)


localizarão, no nível consciente, as ocorrências psíquicas
e corporais que servirão para caracterizar o momentum
do entrelaçamento com as irradiações da Personalidade

255
Espiritual que estreita vinculação com o psiquismo
mediúnico.

Em torno da Atenção, devemos conceituá-la como "a


capacidade do indivíduo responder predominantemente
os estímulos que lhe são significativos em detrimento de
outros". (Lima, 2005). Consideremos, então, que a
atenção é um processo mental, cujos seus mecanismos de
funcionamento estão predominantemente ligados ao
aparelho cerebral. Ou seja, sua elaboração possui
dominância fisiológica.

A atenção possui 3 características importantes, referidas


por William James como:

"- A possibilidade de se exercer um controle voluntário


da atenção;

- Inabilidade em atender diversos estímulos ao mesmo


tempo, ou seja, o caráter seletivo e focalização;

- Capacidade limitada do processamento atencional”.


(James apud Lima, 2005)

Adicionalmente, devemos ter em conta que "[...] aquilo


que percebemos depende diretamente de onde estamos
dirigindo nossa atenção. O ato de prestar atenção,
independente da modalidade sensorial, aumenta a
sensibilidade perceptual para a discriminação do alvo,
além de reduzir a interferência causada por estímulos
distratores" (Pessoa apud Lima, 2005). Em decorrência
disso, na construção do estado alterado de consciência, os

256
mecanismos atencionais sustentam a percepção do
somatório de ocorrências sucedidas tanto no campo
psíquico quanto fisiológico.

A possibilidade de perceber está diretamente ligada à


capacidade atencional do indivíduo. De tal sorte que,
podemos conceituar a Percepção como significados
atribuídos pelo cérebro as informações obtidas pelos
órgãos dos sentidos.

Ambas (atenção e percepção) irão veicular-se ao campo


da memória e emoção, as quais detém a força energética
capaz de lançar ao nível da consciência os resultados
obtidos pela percepção, somados à complexidade
psíquica do mecanismo de Apercepção (a qual também é
um processo mental). Dessa forma, a Percepção é o
resultado predominantemente fisiológico do
processamento das informações obtidas do meio (por via
dos órgãos sensoriais), enquanto a Apercepção seria a sua
contraparte, entretanto de predominância psíquica.
Conforme diz-nos C.G. Jung (1970), a respeito da relação
Percepção/Apercepção:

"[...] Nós vemos, ouvimos, apalpamos e cheiramos o


mundo, e assim temos consciência do mundo. Estas
percepções sensoriais nos dizem que algo existe fora de
nós. Mas elas não nos dizem o que isto seja em si. Isto é
tarefa, não do processo de percepção, mas do processo
de apercepção. Este último tem uma estrutura altamente
complexa. Não que as percepções sensoriais sejam algo
simples; mas sua natureza complexa é menos psíquica do
que fisiológica. A complexidade da apercepção, pelo

257
contrário, é psíquica. Podemos identificar nela a
cooperação de diversos processos psíquicos".

"Na verdade. não há percepção que não esteja


impregnada de lembranças. Aos dados imediatos e
presentes de nossos sentidos, misturamos milhares de
detalhes de nossa experiência passada. Na maioria das
vezes, estas lembranças deslocam nossas percepções
reais, das quais não retemos mais do que algumas
indicações, simples 'signos' destinados a nos trazer à
memória, antigas imagens". (Bergson apud Leonardelli,
2008)

Consequentemente, a Apercepção seria o mecanismo


mental pelo qual aqueloutras significações atribuídas às
nossas impressões nos chegam por vias não relacionadas
aos órgãos dos sentidos. Os conteúdos do inconsciente,
impulsionados pela memória-emoção, ligam-se,
pela ideação (pensamento-imagem psíquica), às
percepções que obtemos do ambiente em que nos
encontramos e que vamos registrando sensorialmente
(cores e luzes que vemos no ambiente do terreiro, sons
que ouvimos, cheiros e gostos que sentimos, tudo aquilo
que tocamos, etc). Essa ligação entre o experienciado
"fora-de-si" e o "em-si" promoverá a integração dos
aspectos conscientes e inconscientes e a dissolução da
cisão, mesmo que breve, na Consciência, do dualismo
entre sujeito-objeto. Dessa forma, dentro do complexo do
ser (médium), o ambiente e seus elementos sacralizam-
se, assim como o seu próprio corpo. A dimensão
espiritual contata, de maneira inteligível, a dimensão
física.

258
Entretanto, a culminância deste estado último de
completude só pode concluir-se e sustentar-se pela
utilização coordenada da atenção, a concentração, pela
qual o médium poderá selecionar os estímulos recebidos
e mantê-los no centro de seu interesse, sabendo mediar o
seu foco atencional para não perder-se em distrações, ao
mesmo tempo não alienando-se do que se passa ao seu
redor, conforme veremos adiante.

Importa considerarmos que, até o quarto estágio, os


processos mentais construídos, por si só, já desencadeiam
estados alterados de consciência, verificando-se transes
mais ou menos pronunciados, no entanto, afigurando-
se um tanto oscilantes, fugidios, os quais embora
conservem no psiquismo reminiscências e no corpo
impressões de sua ocorrência, ainda não são suficientes
para garantirem apercepção e apreensão conscientes do
contato com as dimensões mais profundas do ser e com a
experiência espiritual.

Prolongando-se a experiência integrada nestes 4 estágios,


enseja-se a passagem para um novo estágio (quinto
estágio estruturante), composto pelo par Concentração -
Vontade.

Os mecanismos da Concentração e da Vontade passarão


a agir como os direcionadores dos registros até então
obtidos por processos mentais predominantemente
inconscientes, automatizados. Neste novo estágio, a
intervenção consciente do medianeiro deve passar a
conduzir o todo processado até o momento, de maneira a
produzir efeitos benéficos para as estruturas do

259
psiquismo, bem como sustentá-lo por um espaço de
tempo mais dilatado, escolhendo e extraindo do conjunto
de percepções, aquelas que merecerão a importância
adequada em vista do objetivo almejado.

Assim, a Concentração funcionará como recurso a


comando do ser, no qual estarão contempladas a
Percepção e Atenção, as quais passarão a ser coordenadas
pela personalidade mediúnica, colocando no centro da
atenção (daí o termo Concentração) os momentos
próprios de cada parte do trabalho espiritual que está
sendo realizado, alternando a atenção para o que se passa
em seu mundo íntimo e no ambiente, de forma a entender
os instantes propícios para a sua manifestação, seja ela de
qualquer ordem, distinguindo a hora certa de conversar,
de se portar desta ou daquela maneira, de entregar-se ao
transe, de manter uma conduta adequada, atenta, e
inclusive de respeito pelo local onde se encontra e pelas
pessoas que comungam do trabalho (demais médiuns e,
principalmente, assistidos).

"[...] o sistema nervoso é capaz de manter um contato


seletivo com as informações que chegam através dos
órgãos sensoriais, dirigindo a atenção para aqueles que
são comportamentalmente relevantes e garantindo uma
interação eficaz com o meio". (Brandão apud Lima,
2005). Entretanto, sem o contributo da Concentração
aliada a Vontade - conforme veremos adiante -, o
processo automatizado de seleção de percepções, não
produzirá por si mesmo um resultado comportamental
satisfatório para a conduta adequada do ser onde quer
que se encontre. A Postura do Medianeiro, condizente ao

260
seu papel Ético-religioso, implica na aplicação de
ordens Intelecto-Morais sobre a sua conduta. Em
palavras simples e diretas: o cérebro por si só nunca
será capaz de tornar alguém educado ou
comportamentalmente adequado, a não ser por
processos Educativos e Éticos que se receba
(Educação) e que se proponha vivenciar (Ética).

Prosseguindo. Acompanhada da Concentração, a


Vontade desempenhará um papel fundamental na
sustentação do estado mental e psíquico oportuno para a
concretização de um determinado fim. A Vontade
caracteriza-se como ato mental que, após o
reconhecimento dos conteúdos derivados das instâncias
relacionadas aos estágios estruturais anteriores, produtos
variantes da ideação mnemônico-emocional
(pensamento-imagem; memória-emoção), identifica a
necessidade de realização de um objetivo e conclui o
processo mental em uma ação dirigida, intencionando
a compensação felicitadora. A Vontade, portanto, é
processo mental proativo, a qual deve ser conquistada e
desenvolvida mediante a construção do hábito de
interessar-se por tudo aquilo quanto provoque mudanças
(benéficas, obviamente) na existência do ser e estabelecer
motivações para consegui-lo.

O exercício da Vontade é aplicado na troca de hábitos


doentios e perturbadores para outros que produzam saúde
e paz interior, na conquista de experiências que
aprofundem o ser no encontro com ideais enobrecedores.

261
Quanto mais repete o exercício da Vontade, maiores se
tornam as possibilidades de realização e mais ampla sua
intensidade e predominância no comportamento.

Vale ressaltar que as funções mentais tratadas aqui


implicam num aprendizado, o qual ao ser repetido e
compartilhado com o outro, uma vez que depende
totalmente da integração com o meio, forma um processo
educativo. Vemos que estamos formando,
dinamicamente, uma Educação (Educação Mediúnica) e
estabelecendo uma Disciplina (Disciplina Mediúnica) em
torno de nossas vivências psíquicas, conduzindo-nos a
construção de um Saber, a ser integrado em nossas
práticas e, consequentemente, em nossas vidas dentro e
fora do intercâmbio espiritual.

262
Processos Mentais e o Transe
Mediunista – Parte III

Finalizaremos neste texto, a tríade de artigos


componentes do tema "Processos Mentais e o Transe
Mediunista", abordando o último estágio estruturante e
a culminância do Transe Mediunista (7º nível de
atividade mental).

Quando o exercício do mediunismo na Umbanda


solidifica-se por meio da utilização consciente dos
recursos psíquicos e mentais que o médium possui a sua
disposição (Concentração e Vontade), de maneira a
conduzir os processos fenomenológicos da dinâmica
psíquica, conjugadas no processo de captação (ideação
mnemônico-emocional) e manifestação do estado
mediúnico, torna-se sua decorrência a composição de um
Campo Intuitivo, no qual são depositados, por assim
dizer, os seus registros anímicos - ocasionados pelas
experiências de contato com a dimensão espiritual
(motivadoras da atividade criativa) -, assim como aqueles
derivados da ligação telepática do medianeiro com os
Espíritos que passam a comungar de seu campo psíquico,
na condição de Guias e Orientadores Espirituais,
propiciando as intuições de caráter mediúnico.

263
Sendo assim, entendemos que há nas instâncias
superiores do inconsciente, uma formação sensível de
conteúdos que surgem pela condição captativa da
sensibilidade medianímica do Ser, cujos seus registros
encontram-se em estado de latência e passíveis de serem
acessados pela consciência, servindo de elementos
estruturais para novos contextos existenciais que o ser
poderá vivenciar, devido à grande intensidade energética-
emocional do qual são dotados. Esse, portanto, o Campo
Intuitivo. A passagem dos conteúdos anímicos latentes
no Campo Intuitivo implica em dois direcionamentos
psíquicos possíveis que se afigurarão como a ocorrência
de intuições acentuadas ou de impulsos criativos.

O 6º estágio, portanto, encontra-se relacionado à


Construção do Saber Espiritual, de caráter interior, via de
acesso às experiências numinosas do Transe, cujas suas
instâncias encontram-se situadas no par Intuição-
Criatividade.

"[...] Certos conteúdos provêm de uma psique mais


ampla do que a consciência. Com frequência, eles
encerram uma análise, uma compreensão ou um saber de
grau superior que a consciência do indivíduo seria capaz
de produzir. O termo mais apropriado para designar tais
acontecimentos é: intuição" (Jung, 1974).

A Intuição, embora surja não como decorrência


do processo intelectivo, mas como fenômeno mental
espontâneo, necessita da integração dos processos
citados anteriormente para que sua apercepção

264
possa traduzir-se de maneira precisa ao consciente e ser
compreendida pelo ego.

Os registros mediúnicos não fixam-se, em sua totalidade,


na consciência do médium. Devido ao intenso tráfego de
pensamentos e percepções que passam pelo seu campo
psíquico - na conjugação com o psiquismo da Entidade
Espiritual -, o organismo psíquico, a semelhança do
cérebro, realiza uma filtragem daquilo que chegará a
percepção consciente.

No entanto, nessa "troca" desenvolvida no


relacionamento mental entre médium-Guia Espiritual,
deposita-se, no Campo Intuitivo, uma carga muito maior
de registros do que aqueles que chegam-lhe à
consciência. Esses, que permanecem em estado latente no
arquivo anímico, serão colhidos pela consciência por
conta do ato voluntário do médium quando este buscará,
nos momentos de oração e de profundo recolhimento
interior, a inspiração ou o entendimento necessário a um
dado acontecimento, seja de ordem pessoal ou na busca
de beneficiar aquele que lhe busca.

"A intuição decorre de um processo inconsciente, dado


que seu resultado é uma ideia súbita, a irrupção de um
conteúdo inconsciente na consciência. A intuição é,
portanto, um processo de percepção, mas, ao contrário da
atividade consciente dos sentidos e da introspecção , é
uma percepção inconsciente" (Jung, 1970). A "[...]
intuição é um processo de percepção das possibilidades
inerentes a uma dada situação". (Jung, 1978).

265
A elaboração daquilo que constituíra-se como
intuição, provirá das instâncias superiores
do inconsciente, porquanto seus conteúdos formadores
serão aqueles conquistados por consequência do ato da
vontade concentrada em torno de determinada realização
ou conhecimento. O médium, voltando-se sobre Si-
mesmo, reelabora os conteúdos adquiridos (racionais e
não racionais), reordenando-os de forma totalmente
inovadora, surgidos do Campo Intuitivo, no qual poderão
ser abarcadas as dimensões mais profundas e abrangentes
da Consciência.

Tais intuições poderão ocorrer em estados de pré ou pós-


transe, bem como noutros momentos, sob forma de
memórias/imagens espontâneas em estado anterior ou
posterior ao sono e insights ocorridos em momentos de
prece e oração.

O resultado emocional da influência do Campo Intuitivo


sobre o médium caracteriza-se por um estado de
relaxamento, de sensação de paz e segurança intima,
acompanhadas da fluência espontânea de pensamentos e
imagens de caráter benéfico e direcionadores da conduta
que deverá observar ou das palavras que deverá enunciar
em favor de si ou do próximo.

Originária do Campo Intuitivo, a Criatividade assume a


função de reorganizadora dos conteúdos latentes no
arquivo psíquico, os quais conservam-se em estado
potencial, por cujo seu devir, sua atualização, irrompem a
consciência os novos contextos existenciais elaborados
no ato criativo.

266
"Criatividade é a expressão de um potencial humano
de realização, que se manifesta através das atividades
humanas e gera produtos na ocorrência de seu
processo" (Sakamoto, 1999).

"Na criatividade, o novo se refere ou a um novo


significado ou a novos contextos para se estudar o novo
significado (Goswami, 1996 e 1999) [...] chamo-la de
criatividade situacional. [...] Por outro lado [existe] a
criatividade fundamental, pois envolve a descoberta de
um novo contexto de pensamento ou invenções
subsequentes" (Goswami, 2001).

No mediunismo, o campo criativo servirá como


repositório de energias psíquicas que funcionarão como
catalisadoras das construções mentais, emocionais e
comportamentais do médium, pois quanto mais se
proponha a agir de maneira voluntária, colocando-se
como sujeito útil e produtivo, também galgará os degraus
de sua própria construção mediúnica, aumentando suas
possibilidades captativas e de apreensão da realidade
espiritual.

Alçar metas enseja a realização saudável de conquista


para a existência e a expressão do Ser criativo, o qual não
estaciona na fixação dos condicionamentos sociais ou nas
travas do desapontamento e do receio diante do
desconhecido, ao contrário, passa e vai além, atingindo
novas situações de vida que se lhe fazem de extrema
compensação e completude interior.

267
Poder olhar a vida sob novos significados, o que não quer
dizer uma fuga da realidade - antes sendo uma mudança
de ótica sobre um dado acontecimento existencial -,
propicia um enquadramento das estruturas psíquicas do
Ser em novos contornos do seu existir, aumentando-lhe a
resiliência diante das ocorrências que não pode mudar e
angariando em seu íntimo aquelas ideações que lhe
servirão de amparo para a contínua busca de seu
significado existencial.

A Criatividade serve como recurso para compor o quadro


subjetivo da Vida, daquele que atinge o processo
psíquico criativo, pois é daí que retirará a inspiração para
novas realizações, para a resolução de desafios os mais
variados, além de garantir a si a experiência do prazer de
produzir algo útil a sua e a vida de outrem.

Acrescentamos, no que diz respeito a Criatividade, que a


elaboração de conteúdos correspondentes à ordem
positiva e salutar para a vida emocional do Ser deverá
estar pautada na atitude de Bem Querer e Bem Dizer a
vida, pois não se pode esperar uma mente criadora de
novos contextos existenciais, se esta não se desgarrar das
impressões tormentosas a que nos prendemos e dos maus
hábitos que adquirimos, por nossa limitação no
discernimento das Leis da Vida.

Criar é voltar o olhar para dentro si e ser capaz de


encontrar, no caos aparente do arquivo psíquico, os
elementos capazes de pintar com novas cores a tela
mental que permeia nossas impressões e serve como

268
pano de fundo para a experimentação de tudo quanto
percebemos dentro e fora de nós.

Assim é que o filtro mediúnico, para que seja capaz de


transmitir de maneira fidedigna as mensagens do mundo
espiritual, necessita de boa dose criativa, conforme o
conceito que ora apresentamos, uma vez que as
construções da mente só atingem significados e
possibilidades inovadoras quando são profundamente
significantes para alguém.

A Criatividade e a expressão criativa cingem o ato de


viver e elevam-no aos páramos do Ser e do Sentir,
entregando-se ao labor do amadurecimento pelo produzir,
sujeito ativo e integrado intimamente, para tornarem-se,
mediante a injunção da morte (desencarnação), a força
propulsora no Superconsciente que proporcionará a nossa
"passagem" lúcida pelos portões de além-túmulo, bem
como nossas possibilidades de escolha para novos
contextos de vida, em nossa próxima encarnação.

Ocorrendo a quebra das fronteiras entre os aspectos


racionais e não-racionais da experiência, por meio da
Criatividade, formar-se-á uma visão integralizadora do
conhecimento de Si e da Vida. Neste estágio incorrem os
pródromos da Experiência Mística de caráter inefável e
arrebatador, momento no qual desaparecerão as
contradições intelectivas e a aparente separação entre eu
e não-eu. O Ser que se É, integrara-se a um Todo, de
onde retornará conservando uma forte e determinante
impressão da transcendentalidade da Vida, diluindo-se os
paradoxos e modificando o sentido de seu existir.

269
"Criar é o verbo por excelência do existir humano, já
que Criar é para o ser humano, o mesmo que existir e o
mesmo que evoluir. É sempre construir e expressar para
os seres humanos e, o mesmo que ampliar a consciência
do ser, do sentir e do agir. É penetrar o universo das
infinitas possibilidades e a partir desta experiência,
modelar parcelas de realidade, trazendo à luz da
consciência, verdades humanas" (Sakamoto, 1999).

Saber criar é condição imperiosa para saber morrer e


renascer.

O potencial criativo humano, dentro da prática


umbandista, consolida-se na ocorrência do Transe
Mediunista (7º estágio de Processos Mentais),
criatividade em expressão máxima, quando seu resultado
é de completude interior naquele que o vivencia como o
ápice da construção subjetiva da experiência religiosa.

"O sensitivo durante o transe se despoja, como já


dissemos, de sua lógica cotidiana, de sua razão e dos
comandos racionais sobre seu corpo. O cavalo rejeita a
personalidade definida por seu condicionamento histórico
e permite a manifestação de uma personalidade-símbolo
que represente um elo com a totalidade de
personalidades" (Lima, 1997).

O Transe Mediunista constitui-se, então, de uma rede


complexa de processos mentais, que deverão estar sob
comando do medianeiro, caso este esteja sob o interesse
de fazer com que suas vivências mediúnicas e religiosas

270
sejam caraterizadas pelas possibilidades de
enriquecimento de seu patrimônio interior.

"Temos de reconhecer, dessa forma, duas maneiras


diferentes de participar de uma religião. Uma delas diz
respeito aos que a cumprem ou seguem apenas
socialmente, dela se utilizando como degrau de ascensão
no grupo. A outra maneira de perceber a religião implica
viver os processos simbólicos do inconsciente, isto é,
através da experiência mística. Por um lado, a religião
apresenta-se meramente ética e formal, exterior,
consuetudinária, atuante ao nível social, sem maior
significado psicológico. Por outro, apresenta-se essencial
e interior, com origens na psique e atuante como técnica
de transformação da alma. Quando assumida por força de
vocação, a religião age como comunicação com o
universo psíquico. Ao falarmos das relações do homem
com seu inconsciente que, para a mentalidade natural, a
realidade de um objeto só se prova por sua similitude
com um modelo sagrado. Este carateriza uma hierofania,
na medida em que designa um caso particular de
manifestação da energia cósmica capaz de exprimir o
real. Não uma falsa noção do real desprovida de
emotividade, mas o real qualitativamente reconhecido
pela experiência e captado pela emoção" (Lima, 1997).

Sabemos que o intercâmbio entre mundos (físico e


espiritual) sempre existiu em todas as épocas da
humanidade, constituindo-se episódio inerente a
condição humana na Terra (como coletividade de
espíritos encarnados). No entanto, as práticas do
intercâmbio carecem de ampliação de conhecimentos em

271
torno de sua realidade e dos seus campos de atuação, de
maneira que os seus experimentadores (médiuns) possam
também ampliar o seu saber, fazendo-se mais úteis e
conscientes de seu papel e responsabilidades.

Conforme já tratamos em artigos anteriores, quando


falamos do fenômeno de Incorporação, entendemos que
dentro do Transe, construído e sustentado positivamente
após a integração dos estágios estruturantes já
mencionados, existe uma seriação de eventos possíveis,
sendo a comunicação espiritual uma dentre estas várias
possibilidades.

Também dissemos que o ponto mais importante deste


processo, conforme nosso parecer é o da Comunhão
Espiritual, na qual o indivíduo-médium troca, em seu
campo psíquico, conteúdos de ordem energética com seu
Guia Espiritual, desenvolvendo seu Campo Mediúnico
que posteriormente irá facultar-lhe a comunicação. No
entanto, primordialmente, sua função é a de ampliar-lhe o
Campo Intuitivo, fornecendo elementos para desenvolver
sua condição captativa, integrando-a em sua expressão
criativa, canalizando-a, a princípio, na elaboração das
imagens psíquicas que servirão como formadoras da
experiência simbólica das Entidades, as quais passará a
manifestar ao longo de sua vivência religiosa, nas giras
de Umbanda.

Dessa forma, o Transe Mediunista concorre para a


construção psíquica de nível superior para seu
experimentador, contribuindo para o desenvolvimento de
funções psicológicas de caráter integrador,

272
possibilitando-lhe vivenciar suas experiências, dentro e
fora da vida religiosa, de forma a reter em seu mundo
interior vivencias que sejam relevantes para si, dotando-
as de sentido existencial e dilatando-se a esperança diante
da Vida e a confiança na sobrevivência ao fenômeno da
desencarnação.

Mais do que "poder mágico", a experiência do Transe


Mediunista é a busca pela realização numinosa, a
Criatividade do Espírito, em direção do encontro com a
Realidade Última que intui estar ínsita e totalmente
presente em-Si: Deus.

273
A Incorporação

Pretendemos, a partir de agora, iniciar nosso compêndio


tratando especificamente do fenômeno de
Incorporação, abordando diversas particularidades
desta experiência mediúnica/espiritual, relacionando-as
com aspectos integrantes da vivência do médium e das
práticas umbandistas.

Assim, disponibilizaremos ao todo 5 textos, os quais


tratarão dos seguintes temas:

1) A Manifestação;

2) A Interpretação Psíquica e Espiritual;

3) A Relação Médium/Guia;

4) A Ascensão da Consciência;

5) Visões do Transe de Possessão.

A Manifestação
Seguiremos estabelecendo considerações a respeito do
primeiro tema: Incorporação - A Manifestação.

274
A questão a pontuarmos, para tratar do fenômeno de
incorporação e sua manifestação, é a de justamente
falarmos, sucintamente, do que representa este tipo de
transe como experiência espiritual e corroborarmos o
nome "popular" dado a esta modalidade mediúnica,
dando-lhe senso de identidade e validade
cultural/espiritual.

Queremos, com isso, dizer que Incorporação, dentro das


práticas umbandistas, não é um termo errôneo, conforme
encontramos citações em algumas obras de nosso circulo
religioso e mesmo naquelas "kardecistas," pois
diferentemente da maneira como esta irá processar-se
durante a experiência mediúnica nas sessões espíritas, o
mediunismo de Umbanda irá valer-se de todo um estado
complexo - tanto das questões fisiológicas quanto
psíquicas - que irá desencadear não somente a
comunicação espiritual por meio da fala do médium
(conforme aconteceria no termo psicofonia, próprio da
conceituação "kardecista"), mas também todo um
conjunto de ações efetivas no seu comportamento,
expressando-se por meio de movimentos corporais (em
alguns casos até de certa complexidade e tonicidade),
bem como gestos, expressões e danças ritualísticas
características de cada entidade manifestada.

Sendo assim, o que ocorre de fato na prática do


mediunismo de Umbanda trata-se, positivamente, de uma
Incorporação.

É claro que não cremos que o Espírito que se manifesta e


comunica-se "entra" no corpo do médium, no entanto, o

275
entrelaçamento psíquico e de energias pode ser tão
intenso a ponto de deixar transparecer sinais patentes da
Individualidade Espiritual que presentifica-se no
momento do transe mediúnico.

Outra colocação importante a se fazer, a qual é muito


pouco observada e comentada dentro dos círculos que
lidam com a faculdade mediúnica e as experiências
transcendentes, refere-se ao entender o transe como
sendo o ponto denominador comum de todas as
experiências espirituais ou místicas, na forma em que
apresentem-se - ou apresentaram-se - em todas as
culturas e religiões.

Dizemos isso pois, talvez por influência do pensamento


espírita dentro da Umbanda, criou-se uma visão um tanto
direcionada ao entendimento da experiência espiritual
como sendo, invariavelmente, de caráter mediúnico. Em
verdade, a comunicação mediúnica é uma dentre
várias possibilidades ocorridas no momento do transe.

Importa, então, aprofundarmo-nos nestas considerações


para que possamos compreender a Incorporação em seu
aspecto de Manifestação no mediunismo de Umbanda.

Entendemos que, na Umbanda, a rito-liturgia é o


veículo pelo qual os seus adeptos vinculam-se à tradição
do templo e louvam a Divindade, dando campo a
exteriorização de seu sentimento religioso, num processo
coletivo de compartilhar da experiência do Sagrado, pois
conforme vimos e vivenciamos as giras no terreiro,
compreendemos que todos, mesmo aqueles sentados na

276
assistência, estão envolvidos nos trabalhos espirituais e
compõem elos da corrente que forma-se dentro do congá,
no espaço simbólico-espiritual, onde irão ocorrer as
manifestações transcendentes e por onde as Entidades
irão fazer-se presentes.

A manifestação do fenômeno espiritual tem, portanto,


uma função social em decorrência da realidade
transcendente que expressa e da simbologia de que se
utiliza dentro dos ritos em um templo de Umbanda.

A dança, a expressão e a gestualidade do caboclo, do


preto-velho, das crianças, dos baianos, etc., ao mesmo
tempo em que tornam evidentes os estados psíquicos dos
médiuns, pela sua mística e simbologia que carregam,
comunicam aos presentes condições e momentos
diversos dos trabalhos espirituais, bem como servem de
referência para que aqueles "não-incorporados" presentes
ao rito dirijam suas preces, rogativas e agradecimentos.

Igualmente, o neófito nas lides de Umbanda irá


aprender a identificar os seus estados de transe e a
comandá-los, por conta da disciplina a que se vincula
dentro das práticas da casa, obedecendo a horários, dias e
sistemas a serem aprendidos dentro do templo que
frequente. A manifestação espiritual fora do momento e
do local adequado (do trabalho espiritual dentro
do templo de umbanda) é tida como indesejada e
perturbadora e por isso o novo médium deverá educar-se
a fim de conseguir esta coordenação da sua
hipersensibilidade que o predispõe ao fenômeno.

277
Como umbandistas, nossa vida religiosa está centrada na
vivência do fenômeno de ordem espiritual como sendo a
porta de acesso direto à Divindade, representada pelas
Entidades Espirituais próprias do contexto cultural-
religioso em que estamos inseridos. Portanto, o veículo
mediador desta experiência é o corpo. O médium é o
próprio templo dos Orixás, de seus Guias e Protetores.

Dessa forma, a experiência do transe implica em reações


psicofisiológicas específicas que abrirão campo para o
transitar da consciência para níveis diferentes do
convencional, os chamados Estado Alterados de
Consciência (E.A.C), também entendidos como Estados
Superiores de Consciência.

Estão, dentro destas reações características, a


descontinuidade das funções de personalidade,
psicomotoras, de memória, sensoriais e de
comportamento. A maneira mais ou menos intensa em
que estas reações processam-se, junto à transposição da
consciência do indivíduo para níveis "não-
convencionais", irá possibilitar por parte do médium um
estado de maior ou menor lucidez durante a experiência
do transe.

Esse "estado de coisas" experienciado pelo médium em


relação ao seu psiquismo e ao seu organismo físico o
levará, naturalmente, a criar identificações pontuais a
respeito das imagens que lhe assomam à consciência,
bem como as sensações físicas de que se vê "tomado",
possibilitando por aí reconhecer qual a Entidade
Espiritual que se lhe aproxima do campo mediúnico e

278
com que tipo de energias está sendo influenciado neste
momento.

A partir deste fenômeno de modificação da atividade


cerebral, o nível de percepção subjetiva e objetiva do
sujeito/médium altera-se facultando que ele vivencie a
experiência mística/espiritual. Assim, sua individualidade
fará um "movimento em sentido vertical", a projetar-se
em direção à dimensão espiritual, abrindo campo para a
comunhão com outras mentes situadas no plano astral.

Neste instante, ao passo em que o médium adquire uma


percepção dilatada do ambiente em que encontra-se, e até
mesmo de determinados aspectos da realidade espiritual,
ele é acessado pela mente de Outro, com o qual irá
comungar neste momento da experiência espiritual. Seu
coração aumenta os batimentos, ao mesmo tempo em que
uma sensação de agitação e alentamento dos
pensamentos ocorrem. Um sentido de torpor e de perda
de noção do tempo assomam-se e o acesso involuntário
de uma nova expressão facial e postura corporal
irrompem... O médium, momentaneamente, não é mais o
Eu identificado ao Si-Mesmo, embora conserve o eixo e
o centro de sua individualidade. Agora, é o Outro
espiritual que movimenta-se e gesticula pelo seu corpo,
manipulando-o por "motu proprio". É o Caboclo que
chega em terra, o Preto-Velho que agacha e curva o
corpo de seu "cavalo", as Ondinas, Caboclas e Sereias
que giram e dançam extaticamente fitando seus espelhos,
o Boiadeiro com seu laço e seu brado.

279
Assim, o médium "sente a presença" ou a "aproximação"
de seu Guia, o qual "acosta-se", "irradia", dando a
entender ainda um estado de transição "branda" entre o
médium e o Espírito. A prática da dança ritualística e da
oração consolida o momento desta experiência e facultam
ao adepto o estado de concentração mental e correlação
corporal adequada para o estreitamento da ligação entre
ambos.

Neste nível de convivência entre as duas mentes


relacionadas no processo de comunhão espiritual,
processa-se a assimilação das correntes de pensamento
entre ambos, viabilizando ao longo do tempo a
possibilidade da comunicação espiritual, processo em que
o Guia ou Protetor irá servir-se das propriedades
sensoriais, motoras e cognitivas do médium para
presentificar-se.

Finalmente, concluiremos dizendo que a Umbanda prima


por colocar o adepto em contato profundo com seu Orixá,
com a "Divindade-em-si", de maneira que este possa
fortalecer seu senso de identidade, ampliando suas
concepções e conhecimentos diante da realidade, a qual é
continuamente ressignificada e reelaborada por este,
durante e após cada gira. Ao término dos trabalhos, "o
dia renasce" pleno de novos significados e esperança aos
presentes.

Adicionalmente, entendemos que todo este mecanismo


de significação social, psicológica e espiritual do
fenômeno do transe de incorporação é importante
para fazermos entender que a comunicação mediúnica

280
não é essencial para a vivência do adepto em relação ao
seu contato com o mundo espiritual, sendo antes de tudo
a condição de comunhão mental e espiritual a
experiência preponderante no estado de plenificação e
sentido da vivência religiosa.

Cremos, sinceramente, que a faculdade mediúnica


direcionada à comunicação e atendimento ao próximo é
patrimônio adquirido com anos (não poucos) de
experiência e contato com o mundo espiritual, estando
destinada a sua utilização eficaz e austera para aqueles
que persistam no seu processo de educação mediúnica e
vivência ritual.

Salientamos estes processos iniciais dentro do fenômeno


de Incorporação e da prática umbandista, pois notamos
uma preocupação exagerada, e até ingênua, por parte de
muitos que pretendem obter da prática mediunista de
Umbanda resultados rápidos e eficazes no contato com o
mundo espiritual, esquecidos de que tal acontecimento
exige conquista, vivência e disciplina dentro das Leis de
Umbanda, sem contar nos acréscimos de
responsabilidade diante da Vida e do próximo que nos
procura, necessitado e aflito, o qual deve encontrar
amparo num médium bem equipado, amadurecido e
portador de uma faculdade nobre e bem adestrada de
maneira a evitar enganos, mistificações e perturbações
para si mesmo e para o outro, em desfavor à nossa
Corrente Astral de Umbanda.

Saravá!

281
282
A Interpretação Psíquica e
Espiritual do Fenômeno

Abordaremos os aspectos da interpretação Psíquica e


Espiritual envolvidos no fenômeno de Incorporação,
próprio ao mediunismo de Umbanda. Dessa forma,
estabeleceremos uma interface entre as abordagens de
viés psicológico e espiritual, englobadas nesta
fenomenologia, de maneira a contemplar e fornecer
subsídios às reflexões dos interessados e
experienciadores (médiuns) de tais ocorrências.

A presentificação das entidades espirituais, dentro das


práticas mediunistas de Umbanda, é a condição
fundamental para que possa processar-se uma gira. Todo
o mecanismo e sistema rito-litúrgico desenvolvido no
culto religioso visa, primordialmente, a consecução do
fenômeno espiritual, por meio do qual o adepto entrará
em contato com o Sagrado.

São as entidades presentes "em terra", através da


fenomenologia mediúnica, que irão trazer do mundo
espiritual as forças divinas que serão entregues ao
ambiente e aos participantes do rito, bem como poderão
ministrar o concurso do atendimento e da palavra para
aqueles necessitados de esclarecimento, orientação, cura
de males psíquicos, espirituais e até orgânicos.
283
Podemos definir o fenômeno do transe de incorporação
como sendo a "consciência modificada, caracterizada
por uma mudança qualitativa da consciência ordinária,
da percepção do espaço e do tempo, da imagem do
corpo e da identidade pessoal" (Lapace apud Barbara,
2002).

O processo de alteração da consciência do indivíduo


médium dá-se, segundo a visão própria dos umbandistas,
como decorrência de uma capacidade inata de
sensopercepção da realidade espiritual, caracterizada por
uma hipersensibilidade psíquica e fisiológica,
predisponente ao transe mediúnico de incorporação. Essa
hipersensibilidade deverá ser adestrada ao longo do
processo de seu "desenvolvimento" mediúnico,
pela vivência do transe de maneira ordenada e
sistematizada, assim como pelas práticas rituais, as quais
o médium deverá submeter-se (servindo-se dos banhos de
ervas, da "iluminação" e firmeza de suas correntes, etc.).

Dizemos, a partir de um "senso comum", ser por conta


do "afastamento" do corpo espiritual do médium, o
processo pelo qual irá efetuar-se a ligação da Entidade
Espiritual ao seu corpo astral, num primeiro momento,
para que por meio deste possa dirigir o corpo físico do
sensitivo e apossar-se de seu psiquismo, alterando-lhe as
expressões e manifestando sua própria individualidade,
diferenciada daquela própria do médium, embora
permaneça conservada a estrutura e coerência subjetiva
deste.

284
Entendemos ser este "afastamento" do corpo espiritual do
médium a condição de fluência e dinâmica de nossos
padrões de percepção consciente, os quais transitam
continuamente, da dimensão biológica a dimensão
psicológica, sob cuja condição o indivíduo percebe (torna
consciente) desde um estímulo em determinada região de
seu organismo, por um determinado espaço de tempo,
para em seguida entregar-se a pensamentos e reflexões
mais ou menos envolventes, desapercebendo-se da
realidade "exterior", do mundo que o cerca.

Dentro das práticas rito-litúrgicas da Umbanda, o


médium aprenderá a servir-se de recursos próprios para
direcionar seu pensamento e suas emoções, de maneira a
criar as condições de expansão da sua consciência,
voluntariamente, para que ocorra a transposição de seu
estado consciencial ordinário para aqueloutros de
natureza "superior", pelos quais sintonizará com o
pensamento irradiante dos espíritos Guias e Protetores
vinculados à sua coroa mediúnica.

Na esfera espiritual, o processo ajustado pelos Espíritos


que irão incorporar-se ao médium caracteriza-se pela
"aproximação" destes ao seu campo vibratório, o qual
pode ser definido como sendo o conjunto de pensamentos
e emoções, dos quais o medianeiro disponha em seu
cotidiano. A conjunção do "pensar e sentir" determina a
cada um o seu padrão de forças potencial, o qual situa-
nos em relação a dimensão astral, caracterizando quais
sejam as nossas respectivas afinidades espirituais e
momento evolutivo. Em decorrência, os Espíritos Guias e
Protetores irão buscar sintonizar-se com o medianeiro,

285
inspirando-o (num primeiro instante) a elevar sua
condição mental, por meio da oração e das práticas
ritualísticas já mencionadas.

Dessa forma, a interpenetração dos pensamentos de


ambos (médium-Guia), criará um campo de
potencial único, no qual circularão as imagens mentais a
serem assimiladas pelo médium, das quais a pouco e
pouco este irá apercebendo-se, proporcionando o
estreitamento de forças e o enlace da Entidade Espiritual
junto ao seu corpo espiritual e físico. Esta mecânica dar-
se-á acompanhada de sensações corporais características,
como seja um leve torpor, espasmos involuntários nos
membros superiores e inferiores, aumento da frequência
cardíaca, aumento da necessidade de oxigenação, leve
tremor em regiões diferenciadas do corpo, etc.

Este campo de forças, constituído pela contínua postura


de "passividade" - espontânea e comandada - do médium
frente ao impulso e direcionamento dado pela Entidade
Espiritual, funcionará como o elo sustentador do transe,
uma vez que o pensamento de dúvida ou resistência por
parte de um ou de ambos os envolvidos no processo,
ocasionará, invariavelmente, a desvinculação mental e,
consequentemente, a comunhão espiritual não poderá
existir.

"O transe e o corpo são a viabilidade para que


expressões que transcendem o sujeito psicológico
possam se expressar de maneira rica e
multifacetada nas várias formas que se apresentam nos
rituais umbandistas (Bairrão apud Pelliciari, 2008).

286
As Entidades Espirituais, ao ligarem-se ao corpo
espiritual do médium, manipulam-no por intermédio dos
chakras, também conhecidos como centros de
iluminação. Estes centros de força estão localizados na
dimensão astral (corpo espiritual) e encontram
correspondência em nosso organismo físico. Vejamos:

Chakra Coronário - Alto da Cabeça (coroa)

Chakra Frontal - Entre os Olhos

Chakra Laríngeo - Garganta (aparelho fonador)

Chakra Cardíaco - Centro do Tórax (coração)

Chakra Esplênico - Baço

Chakra Solar (Gástrico) - Umbigo

Chakra Básico (Sacro) - Órgãos Genitais

No entanto, gostaríamos de relacionar um aspecto


interessante a respeito do processo de incorporação,
segundo o qual são os componentes de natureza
emocional que dispõem da "força imantatória"
responsável por conectar a mente extrafísica à mente
encarnada, enlaçando a Entidade Espiritual ao corpo
astral do médium.

O processo de incorporação movimenta grande carga


emotiva no campo psíquico do médium, tanto quanto no
Ser desencarnado que partilha do processo de comunhão

287
espiritual. Ao mesmo tempo em que o medianeiro sente
sua consciência tomada por pensamentos, imagens e uma
"impulsividade" intrusivas e incontroláveis (como se uma
força superior o dominasse, embora de maneira
voluntária), o Ser Espiritual envolvido no mecanismo
mediúnico irá deixar-se também tocar pelas sensações
de "imergir" no complexo orgânico, sentindo-lhe de
maneira intensa as irradiações eletromagnéticas, a
temperatura, o fluxo sanguíneo, os batimentos cardíacos,
etc, vendo-se interpenetrar numa câmara escura e
reacendendo sua percepção lúcida após a conclusão deste
momento em que há a confluência das forças de ambas as
dimensões para culminar na "chegada em terra" da
entidade manifestante.

Salientamos que a Entidade Espiritual não entra no corpo


do médium, tomando o "lugar" do Espírito-médium, no
entanto, o entrelaçamento de mentes situadas em campos
dimensionais diversos ocasiona a interpenetração dos
campos vibratórios do sensitivo e do Guia/Protetor, o
qual leva à sensação de estar sendo "tomado" por
um Outro (no caso do médium), ao mesmo tempo a de
estar "mergulhando" para dentro do organismo físico (no
caso da Entidade Espiritual). Talvez essas impressões
subjetivas, relatadas em tempos passados, numa época
em que não se conhecia os mecanismos psíquicos e
mesmo as reações fisiológicas envolvidas no transe
mediúnico, levaram a crença de que o Ser manifestante
entraria no corpo do médium, tomando o lugar de sua
Individualidade Espiritual.

288
Outro ponto a tratarmos neste texto refere-se ao campo
vibratório identificador do médium, o qual é único e
demarcador de sua identidade espiritual. Este campo está
assignado a um determinado Guia/Protetor de nossa
Corrente Astral de Umbanda, o qual é o responsável por
"abrir" e "fechar" o campo mediúnico, de maneira que as
ocorrências espirituais perpassem sempre por esta "tela
dimensional" situada entre as irradiações do médium e do
seu Guia/Protetor "pai-de-cabeça", "guia-de-frente", entre
outros nomes que este possa receber.

Assim compreenderemos - no processo mediúnico


positivo, evidentemente - que a abertura do contato
mediúnico entre médium e a realidade espiritual irá ser
desencadeada pela confluência das correntes de
pensamento entre este e o seu guia-de-frente, e as demais
entidades manifestantes deverão penetrar, com
consentimento de ambos (médium e Guia), este campo
estabelecido.

Obviamente, para esse contato mediúnico ocorrer neste


nível é preciso que o médium esteja em processo de
conscientização a respeito de sua potencialidade
mediúnica, para que em seguida esta possa vir-a-ser uma
faculdade.

O termo "Faculdade", aqui empregado, remete-nos à


condição de conquista e automatização de determinados
processos psíquicos e orgânicos, os quais são
"condicionados" e "comandados" pelo sujeito médium,
tanto quanto pelo Espírito Guia envolvido no processo de
comunhão espiritual, a fim de proporcionar uma

289
Incorporação equilibrada e suave, evitando desgastes e
perturbação por parte do médium e também do Ser
Espiritual, os quais poderão ressentir-se demasiadamente
em ocasião de uma "união" ou "ruptura" brusca e
repentina entre ambos. Aliás, por isso é que recomenda-
se falar ao médium, quando este está em transe, com
suavidade evitando tocar-lhe de maneira abrupta, uma
vez que está em estado acentuado de sensibilidade
psíquica e orgânica.

De igual maneira, os médiuns em transe, no momento em


que transitam pelo congá ou realizam sua dança
ritualística devem evitar o contato físico com outros, pois
sua sensibilidade pode ser atingida em prejuízo ao estado
de transe pronunciado pela comunhão espiritual.

Por último, pontuaremos algumas considerações a


respeito da influência da conduta interior do médium
como sendo o ponto focal para a conclusão efetiva do
mecanismo de Incorporação. A prática da oração - não
somente no ambiente do terreiro, mas no cotidiano
particular -, a participação efetiva e contínua nos ritos
realizados pelo templo (do início ao fim), assim como
a conduta caritativa, a alegria de servir, e o exercício
Ético e Moral, induzem à centralização e condução
salutar de sua Individualidade, por cujo núcleo (da
Individualidade) irão fluir aqueles conteúdos
identificados ao Si-Mesmo, possibilitando fortalecer-se e
reelaborar os aspectos de sua Personalidade, conscientes
e inconscientes.

290
Essa dinâmica objetiva fazer com que a fluência destes
conteúdos não entrave o processo de recepção da
corrente de pensamentos e as irradiações dos Espíritos
Guias, as quais chegam à nossa percepção consciente por
intermédio do nosso psiquismo.

O "médium" de conduta egoísta, intolerante, insensível,


agressiva, renitente, etc., revela possuir complexos
psíquicos que situam o seu Ego em uma instância
bloqueadora dos conteúdos próprios (inconscientes) e
também daqueles transcendentes, não possibilitando a
fixação e a consequente propagação da corrente
mediúnica, em prejuízo de si mesmo, pois dificilmente
poderá situar-se numa condição consciente e
plenificadora de seus estados de transe, uma vez que não
cede espaço ao Outro dentro de Si, tornando-se
impermeável às influenciações de seus
próprios conteúdos numinosos, bem como das
inteligências extrafísicas que buscam orientá-lo e auxiliá-
lo.

Somente quando abrimo-nos para a Vida, com a meta de


transformarmo-nos continuamente, realizando nosso
caminho de descoberta interior e libertação das distrações
a que nos apegamos ao longo de nossa jornada, é que
podemos alçar vistas aos aspectos mais profundos de
nossa Individualidade, de procedência Espiritual,
facultando-nos aprimorar nossos processos mentais, o
direcionamento de nossos pensamentos e atitudes, bem
como descortinar as nossas dificuldades e possibilidades
de ação nas mais variadas formas em que apresentem-se.

291
Assim, como indivíduos seguros e maduros em torno
daquilo que represente nosso próprio mundo interior,
saberemos diferenciar-nos e situar nossa postura psíquica
para servirmos ao nosso propósito de relação profunda
com os Orixás, Guias e Protetores, tornando-nos
melhores Espíritos e médiuns, ativos e cooperadores,
espelhando de forma cristalina o pensamento dos Numes
da Espiritualidade, auxiliando o próximo e plenificando a
nós mesmos.

292
A Relação Médium-Guia na
Umbanda

A perspectiva metafísico-religiosa do universo


umbandista caracteriza-se por estabelecer uma relação
de interdependência dos seres desencarnados com os
encarnados, implicando não só numa constante
influência dos primeiros nas vivências psíquicas e
relações sociais dos segundos, mas também no trânsito
do sujeito psíquico/biológico (médium) pela dimensão
espiritual, cuja experiência possibilita
ressignificar constantemente sua compreensão da
Espiritualidade e ampliar seu campo de
ação como medianeiro.

Esse discurso sagrado cultual, no qual os Espíritos


Guias e Protetores concorrem como "recursos"
significantes da vivência religiosa do
umbandista, faculta um campo de aprimoramento da
Individualidade expressivo, sendo "[...] capaz de
fortalecer laços interpessoais e intergeracionais e de
promover concomitantemente inclusão social e
integração psíquica"(Pasqualin, 2009)... aditaríamos,
de nossa parte, a Ascensão Espiritual, como sendo o
corolário da relação com os Guias e Protetores de
Aruanda.

293
Estabelecemos nos dois parágrafos acima as premissas de
que nos utilizaremos para dissertar a respeito deste novo
texto, o qual trata do fenômeno do transe
de Incorporação sob a perspectiva da relação
Médium/Guia Espiritual.

Temos que a construção de um espaço interior e


sagrado ao médium, por conta da prática da
Incorporação e da relação dialógica (Carvalho,
1998) com os Guias Espirituais, é a constante na prática
espiritual dentro da Umbanda, uma vez que nesta forma
de religiosidade o acesso à dimensão do Sagrado não é
realizada por meio de um pontífice ou um sistema
doutrinário que codifique e cerceie as possibilidades de
contato e relação com o universo espiritual, o qual pode
ser interpretado de maneira plural, de acordo com as
possibilidades e vivências próprias daquele
que experimenta o transe.

Esta relação de constante diálogo entre médium-


Guia, implica na utilização de determinadas funções
psíquicas do médium, aprendidas no seu contexto
religioso (ou até mesmo aquelas inatas), para que faça-se
a comunhão espiritual. Dentre estas funções, estão:
concentração, meditação, reflexão, oração, intuição,
inspiração, além, é claro, do próprio transe.

Por meio das funções citadas acima é que o médium


percebe e registra o pensamento de seu Guia ou Protetor,
com o qual permuta continuamente as suas energias
psíquicas, correlacionadas com a sua psique e com o

294
cérebro físico, o qual funciona como modulador destas
mesmas funções.

O envolvimento nas irradiações do psiquismo


dos Guias, ocasiona o processo de manifestação de
símbolos advindos do inconsciente do médium, no qual
localiza-se uma instância limiar que perpassa e permeia
as ocorrências de entrelaçamento mental, entre
outras manifestações paranormais, como seja o chamado
Inconsciente Superior ou Superconsciente, segundo a
denominação própria da Psicologia Transpessoal.

A maneira como dão-se as manifestações espirituais


dentro das Leis de Umbanda, depreendemos das
simbologias pertinentes ao universo semântico desta
religião, as formas pelas quais os Espíritos Guias e
Protetores irão utilizar-se para a sua "passagem" e
presentificação nos trabalhos espirituais: "caboclos",
"pretos-velhos", "baianos", "marinheiros", "crianças"...

Estas formas simbólicas de apresentação da realidade


espiritual, contidas no imaginário umbandista, são
importantes para entendermos como estão estabelecidas
as relações mais ou menos estreitas e afetivas entre o
sujeito/médium e aquele que representa seu Guia ou
Protetor. À maneira como estão consteladas as imagens
simbólicas no inconsciente do médium, este terá relações
psíquicas diferenciadas entre aquele "grupo" de Espíritos
que compõem a sua coroa mediúnica. Assim é que,
normalmente, muitos médiuns, apesar de possuírem um
Guia que lhe seja o seu principal mentor, estabelecem

295
com um segundo Guia de suas correntes uma relação
mais estreita de parceria e afinidade.

O imaginário coletivo umbandista permeia o fluxo das


correntes de pensamento, pela Lei de Afinidade, as quais
são dirigidas ao médium pelo plano Espiritual, assim
como, inversamente, são emitidas pelo medianeiro em
direção àqueles que se lhe afiguram como orientadores e
mentores.

Na medida em que o médium transita entre a sua


instância psíquica objetiva e aqueloutra subjetiva, onde
estão gravadas as suas experiências vivenciadas na
prática do transe de Incorporação, este vai adquirindo
consciência de Si, como Espírito Imortal e totalmente
vinculado a tudo o que existe no mundo, visível ou
invisível.

Ipseidade, implica na compreensão do caráter individual


e único de cada ente, distinguindo-o de todos o outros. O
centro da consciência, define-se como o menor ponto
"no interior" da alma do médium, no entanto, capaz
de o iluminar por completo à medida em que pratica
a incorporação (Carvalho, 1998).

São breves as vivências espirituais, bem como os


registros destas afiguram-se, a princípio, fugidios. No
entanto, neste processo de percorrer o trajeto de ida ao
seu mundo interior, poder-se-á aperceber da riqueza
simbólica (psíquica) e espiritual com as quais aos poucos
vai constituindo-se e amadurecendo, concretizando seu

296
processo de transformação íntima, como experiência
espiritual, a tão falada "evolução espiritual".

Os Guias e Protetores, ao mesmo tempo em que


conservam-se como seres transcendentes e à parte do
inconsciente do médium, são também, dentro do sistema
simbólico da Umbanda, símbolos que o integram e
potenciais interlocutores sociais (Lambek apud Rotta,
2010).

Dessa forma, "colocar o coração (o sentimento, o afeto


e, por derivação, a própria entrega à entidade, que é
realmente muito intensa nessa tradição religiosa)", faz-
se na Umbanda como "a mais desenvolvida das funções
espirituais" (Carvalho, 1998).

A vinda dos Guias Espirituais, fazendo sua passagem do


mundo espiritual para o mundo terreno, por meio de sua
"descida", consolida a chegada do divino no terreiro,
tornando sagrado o corpo e a mente do médium neste
instante, pois que acessa e domina a mente do sensitivo
durante o transe, mesmo que parcialmente. Isso faz com
que o próprio médium integre-se à realidade espiritual e
funda-se consciencialmente com o próprio Congá de seu
terreiro (o espaço sagrado na Terra).

Cada médium que hoje trabalha com seus Guias e


Protetores em seu terreiro, vivenciando a sacralidade do
Congá, no qual fundem-se as Individualidades presentes
num estado coletivo de fenômeno espiritual, revive no
Rito a tradição praticada pelas gerações de médiuns e
Guias que passaram pelo templo, reelaborando as forças

297
espirituais primevas (as irradiações), trazendo-as para o
tempo atual e reencaminhando-as para todos aqueles que
pertencem, ou pertenceram, às correntes Astral e
Mediúnica daquele templo.

A vivência do Sagrado e do fenômeno espiritual na


Umbanda possibilita ao médium que, ao estreitar relação
com o mundo transcendente, este possa perceber as
dimensões mais amplas da Vida, na qual a
Individualidade que se É compreende-se como estando
vinculada a um esquema maior, de ordem Divina, do qual
tornamo-nos aos poucos conscientes, como um ponto de
luz que ilumina ao redor de si, num Universo maior do
que a razão intelectiva pode alcançar.

A prática das diferentes funções psíquicas, desde a


reflexão interior até o transe de incorporação, veicula na
mente do médium a presença Daqueles vindos de
dimensões maiores da Vida, facultando o acesso às
instâncias inconscientes de sua própria Individualidade,
identificando-o com seu Orixá (o Deus-em-Si) num
processo de ascensão contínua para o seu centro psíquico,
o Self, concretizando o seu amadurecimento emocional e
seu consequente aprimoramento espiritual.

Outrossim, o convívio psíquico com as mentes dos Guias


e Protetores, segundo a perspectiva umbandista, promove
a estimulação dos conteúdos mais profundos e
plenificadores do médium, sob cujas suas influências, de
grande força emocional, este acrisola a sua personalidade
sutilizando seus pensamentos, sua sensibilidade, sua
emotividade, alcançando novas concepções daquilo que

298
está em seu patrimônio psicológico/espiritual, bem como
daquilo que é próprio do Outro com o qual relaciona-se,
também merecedor de apreciação e respeito.

299
A Ascensão da Consciência

Seguindo nosso conjunto de escritos a respeito do


estudo do transe de Incorporação como um recurso
fundamental para a vivência espiritual do adepto
umbandista, teceremos algumas considerações a
respeito de como esta prática faculta o desabrochar da
consciência do médium, aprimorando suas relações
intrapsíquicas e seu consequente comportamento
perante o Outro, corroborando sua transformação
espiritual como Individualidade Transcendente
(Espírito).

O contato do médium com seus Guias e Protetores


efetua-se por meio de fluxos de pensamento e ideias, os
quais emergem à consciência dentro do seu cotidiano, e
não somente em momentos de vivências psíquicas
características de um estado de êxtase místico, como
muitas vezes dá-se a impressão numa análise mais
superficial. Embora os níveis de experiência mística e
fenômenos espirituais possam dar-se em diferentes
condições (de uma leve intuição a um transe extático), é
no dia-a-dia em que irão promover-se as relações mentais
e psíquicas entre a Individualidade medianeira e a
Individualidade Espiritual, a qual se lhe afigure como
Guia ou Protetor.

300
Partindo das experiências do indivíduo ainda em
Educação Mediúnica, entendemos que a conjunção de
pensamentos e sensações parecerão assomar-se de
maneira confusa, causando insegurança e dúvidas várias.
Um sentido de “perturbação” poderá ser experimentado,
inclusive incidindo, de maneira mais ou menos
incômoda, em sintomas físicos e psíquicos, conforme já
tratado em artigos anteriores. Tal ocorrência verifica-se
por conta da abertura do canal de sensibilidade próprio ao
médium, o qual encontra-se ainda em “estado bruto”,
transitando da inconsciência à consciência. Aliás, adimos
que a grande maioria dos seres humanos transita em
estados mediúnicos mais ou menos acentuados,
entretanto, por conta destes ainda estarem situados numa
vivência inconsciente, embora o sujeito ressinta-se de
seus efeitos, seu comportamento apontar-se-á como
algo doentio e inquietante em determinados aspectos,
influenciando sua saúde física e emocional.

Lembramos, novamente, não ser a Mediunidade a


causa dos processos de perturbação vividos pelo
médium, no entanto, esta funcionará como elemento
amplificador destes estados.

Na medida em que o indivíduo/médium apercebe-se e


toma conhecimento de seus "estados mediúnicos",
buscando dar-lhe significado proveitoso, ao mesmo
tempo em que acerca-se de sua realidade, suas
elaborações poderão tornar-se, aos poucos, integradas à
sua consciência, facultando o amadurecimento de sua
condição psicológica e o aprimoramento de sua
Individualidade Espiritual.

301
A apreensão dos registros e experiências que podem
integrar-se na consciência do médium, ao longo de sua
vivência mediúnica, é de caráter profundamente
particular e não pode ser explicada em sua totalidade
utilizando-nos da racionalidade e intelectualidade. Não
pode ser transmitida e abarcada por conceitos, conforme
nos diz Otto (2005), ao referir-se às experiências
religiosas profundas:

“Em boa verdade não se transmite no sentido próprio


da palavra: não pode ensinar-se, apenas se pode fazer
despertar no espírito. Por vezes diz-se a mesma coisa da
religião em geral e no seu conjunto. Mas é um erro.
Muitos elementos que contém podem ensinar-se, isto é,
transmitir-se por meio de conceitos, traduzir-se numa
forma didática, exceto precisamente o sentimento que
lhe serve de fundo e de infraestrutura. Só pode ser
provocado, excitado, despertado”.

Ainda segundo Otto, a transição dos conteúdos próprios


do fenômeno espiritual coloca-se numa relação entre
elementos racionais e irracionais. O equilíbrio entre
ambos os elementos mantém a possibilidade latente das
vivências religiosas profundas (irracionais), significando-
as de maneira a não perderem-se na irracionalidade total,
mergulhando-as no fanatismo.

Quando dizemos - transportando o acima exposto para


a prática umbandista - que a relação mediúnica faz com
que o médium acesse conteúdos próprios, de caráter
positivo e salutar, bem como dos seus Guias e Protetores,
focalizamos o fato de que há um processo em execução

302
de "despertar" aquilo que está latente no inconsciente do
médium, mais especificamente na região "transmarginal",
como conceituaria William James, onde jazem todos os
conteúdos plenificadores e também aqueles de caráter
perturbador, próximos à consciência.

Toda essa gama de conteúdos que acessam à consciência


do indivíduo, manifestando-se por meio de símbolos (nos
sonhos e nos estados de transe, por exemplo), contém em
si registros de todas as experiências que a
Individualidade realizou no seu périplo de
desenvolvimento como Espírito, os quais afiguram-se-lhe
como sendo as chaves que abrirão as portas interiores do
Si para o desvendar de suas necessidades de (re)ajuste
perante a Vida, bem como de suas infinitas possibilidades
de realização e felicidade.

Salientamos que a experiência do transe de Incorporação,


conforme trata a proposta do presente texto, envolve a
integralidade da percepção psíquica e mental, bem como
dos sentidos físicos (corpo).

No processo de iniciação (desde a educação mediúnica


até a coroação) o “corpo” como sujeito da experiência
objetiva do transe, modifica sua forma e significação.

É um processo natural que passará a desenvolver-se na


vida cotidiana do adepto, o qual iniciará uma nova
condição perceptiva de sua realidade espiritual. A relação
com o corpo é a primeira etapa, a qual estará presente e
participará de todas as demais, passíveis
de desenvolverem-se no futuro (vivências psíquicas e

303
mentais de caráter profundo). Sempre as sensações
corporais acompanharão a vida mediúnica do indivíduo.

Será por meio do corpo que o indivíduo perceberá as


influências recebidas do mundo espiritual, num primeiro
momento. Sensações variadas e ao mesmo tempo
envolventes permitem que este identifique seus estados
mediúnicos, fomentando sua frequência ao templo
religioso, com a finalidade de praticar e educar-se na
vivência do transe.

Adiante neste processo de Ascensão da Consciência,


realiza-se a construção da Identidade do adepto, a qual
situa-se em diferentes contextos (individual,
espiritual, social e ritual). Ou seja, ao longo da vida como
médium nas lides de Umbanda, o indivíduo constituirá
uma relação de identidade própria. Identidade essa que
permanecerá vinculada a sua percepção do corpo, pois é
direcionada para o sentido de sacralização deste. Nos
ritos iniciáticos, o médium vê que seu corpo, aos poucos,
é convergido para a relação com o mundo espiritual,
devido a vinculação de "partes simbólicas" fundamentais
na vivência subjetiva do indivíduo, com as entidades
espirituais que lhe servem de Guias e Protetores. O "dono
da cabeça", o "dono das mãos", etc., são termos que
surgem da experiência simbólica, psiquica e espiritual
vividas pelo médium ao longo do seu processo de
iniciação. Tal processo tem como caráter a expansão da
consciência mediúnica na relação com o mundo espiritual
e a sua consequente sensopercepção por meio das
estruturas orgânicas, pelas quais manifesta-se o espírito
encarnado (médium).

304
Primeiramente, por reconhecer-se como Espírito em
relações diversas com o mundo espiritual. De igual
forma, o médium também definirá sua pertença ritual,
onde terá "assentados" (firmados) os seus Orixás, Guias e
Protetores, com nomes, pontos e firmezas estabelecidos,
bem como verificar-se-á a sua identificação social, como
sujeito participante de uma coletividade específica (do
templo religioso, o terreiro), com cujos demais membros
este comungará e trocará irradiações (em sua coroa
mediúnica) colhendo em campo íntimo todo o Bem a
que se proponha doar de Si.

Conforme sua jornada mediúnica junto aos Guias e


Protetores da Corrente Astral de Umbanda, o médium
irá assenhoreando-se de um grau de percepção maior a
respeito de sua condição espiritual, na qual o Orixá (e
seu preposto, o chamado guia-de-frente) traduz-se, pela
mística de Umbanda, como sendo a realidade última do
próprio espírito/médium. Ou seja, o médium adquirirá
consciência de que ele é o próprio Orixá e que
sua essencialidade divina encontra-se no seu interior, por
cujos influxos destes conteúdos de caráter numinoso
este poderá ascender às esferas maiores do mundo
espiritual.

No entanto, o ínterim deste processo é marcado por uma


série de desafios íntimos que o medianeiro deverá vencer,
com paciência e honestidade para consigo mesmo, uma
vez que deverá equipar-se de maturidade e compreensão
para defrontar-se como seus próprios dramas e conflitos,
vencendo-os aos poucos, de maneira a ultrapassar as
sombras de sua própria individualidade e rumar para a

305
luz de sua condição divina, processo pelo qual
jornadeamos e lograremos conquistar no suceder de
várias vidas.

A relação com o Outro, o qual apresenta-se como


Individualidade Espiritual e Transcendente, portanto,
à parte do psiquismo do médium, encaminha a
possibilidade de entendermos a Divindade não como
um Ente desvinculado do que somos, mas, ao
contrário, como estando também em nós a
essencialidade divina, a qual propicia-nos galgar os
degraus desta "escada de Jacó" cuja escalada nos
alçará aos níveis mais amplos e plenos de
entendimento da Vida e de nossa realidade existencial
como Espíritos Imortais, constituindo parte do
Divino.

306
Visões do Transe de Possessão

Finalizaremos com este post nosso compêndio a


respeito do fenômeno da Incorporação dentro das lides
umbandistas, esperando que - embora nossa intenção
não seja a de esgotar o assunto - o conteúdo expresso
neste conjunto de cinco textos possa ter contribuído
com o acréscimo de conhecimentos de nossos leitores
ou pelo menos tenha despertado o interesse por
aprofundar o Saber e aprimorar sua Prática.

Traremos agora, por fim, uma visão à parte daquela já


constituída nos quatro textos anteriores, nos quais
abordamos o fenômeno da Incorporação enfocando
suas implicações psíquicas, orgânicas e principalmente
espirituais na vivência do médium umbandista.

Estabeleceremos colocações que nos possibilitarão


identificar as interpretações dadas ao fenômeno do
transe de incorporação (conhecido também como transe
de possessão) no curso da história de nossa sociedade,
na qual a Umbanda encontra-se inserida, de maneira
que possamos contemporizar a identidade de nossas
vivências espirituais e entendê-las como plenamente
válidas dentro do nosso contexto religioso e social.

307
O fenômeno do transe foi visto durante muito tempo
como um estado doentio e demoníaco. Na Idade Média
pessoas que praticavam o transe (mesmo aquelas que se
viam "tomadas" pelo fenômeno, de maneira involuntária)
eram vistas como praticantes de bruxaria, ritos pagãos
ou como estando sob possessão demoníaca e de espíritos
malignos, etc.

Já no século XIX, com o surgimento da Psicologia e da


Psiquiatria, afora os estudos já realizados pela Medicina a
esse respeito, foram estabelecendo-se outros termos para
adjetivarem o fenômeno do transe de possessão, sempre
com a intenção de buscar “explicações fisicalistas que na
maioria das vezes, serviram para estabelecer distâncias
entre um saber popular e o conhecimento de elites
profissionais, sendo também estratégia de afirmação
política de disciplinas como a psiquiatria”(Gonçalves,
2008).

Neste contexto, o estudo das questões a respeito dos


mecanismos da mente, e até mesmo a sua própria
essência, deixaram o campo filosófico (Descartes e sua
discussão da dualidade mente-corpo) para irem de
encontro às concepções da fisiologia. Surgem aí, o
Mesmerismo, a Frenologia, a Fisiognomia, a Etnologia, a
Antropologia e, posteriormente, a Sociologia (Mateo
apud Gonçalves, 2008).

A inclusão do fenômeno do transe de possessão no rol


das “histerias” (durante o auge da escola de Charcot em
Salpêtrière, na França), Pierre Janet com sua teoria a
respeito das “personalidades duplas” e, mais

308
recentemente, na quarta edição do Diagnostic and
Statistical Manual of Mental Disorder (DCM-IV),
aparecendo como Transtorno de Possessão, dentro do
grupo de Transtornos Dissociativos, trouxe uma
dimensão tendente a classificar os fenômenos de caráter
complexo, como os fenômenos de transe mediúnico,
como entidades nosológicas (denominação referente a
doenças).

No Brasil, Henrique de Brito Belford Roxo (1877-1969)


chegou a criar uma nova classe diagnóstica, conhecido
como "delírio espírita episódico", que foi apresentada em
uma conferência médica realizada em 1936, em Paris. O
psiquiatra paulista Francisco Franco da Rocha, tratará
também a respeito da "loucura espírita". Igualmente, os
antropólogos Raymundo Nina Rodrigues (1900), Manoel
Querino (1955) e Arthur Ramos (1940), irão utilizar-se
das informações e conceitos transmitidos pela psiquiatria
(notadamente a escola francesa) para explicar o
fenômeno do "transe de possessão" como estando no rol
de doenças psiquiatricas, como a "histeria em massa".

No entanto, as experiências anômalas (EA) e os estados


alterados de consciência (EAC) são descritos em todas
as civilizações de todas as eras, constituindo-se
elementos importantes na história das sociedades
(Almeida, 2002).

Herkovits (1967) trouxe, em seus estudos antropológicos


a respeito da mediunidade, uma dimensão social a
respeito da prática do transe, deixando de ser
caracterizado como sendo de caráter psicopatológico.

309
Com Roger Bastide, René Ribeiro, Pierre Verger e
Octavio da Costa Eduardo, a prática do transe mediúnico
(também chamado de “transe místico”), passa a ter um
valor e uma função social, representando em si uma
“metáfora” cultural, pela qual expressariam-se os
sentidos de protesto de uma determinada coletividade
(composta em sua maioria por indivíduos marginalizados
ou oprimidos) em oposição a ordem social vigente.

Contemporaneamente, temos novamente a abertura das


discussões em torno da realidade e da validade das
vivências espirituais e dos estados de transe, como sendo
experiências comuns no cotidiano das pessoas em todo o
mundo e, mais especificamente, como estando
fortemente ligada à identidade cultural da sociedade
brasileira. A psicologia, a psiquiatria, a neurociência, a
antropologia, entre outras disciplinas acadêmicas, voltam
novamente suas atenções ao estudo das experiências
religiosas, enfocando quais as suas interferências e em
que níveis estas se dão na saúde e na relação social do
indivíduo que as experimenta.

Fernando Câmara (2005), embora ainda classifique o


transe de possessão (incorporação) como sendo um
estado de caráter doentio, identifica que a prática do
transe realizada dentro de um contexto cultural que o
perceba como sendo natural e estabelecendo disciplinas e
sistemas adequados para a sua manifestação, propicia a
liberação das forças criativas do indivíduo, de maneira
que este possa significar a realidade mais ou menos
opressiva, na qual o sujeito vê-se inserido, além de
facultar que este trabalhe com as pressões psíquicas,

310
extravasando-as em um regime controlado, exercendo,
portanto, um caráter regulador da vida psíquica.
Transeterapia, é a denominação cunhada por esse autor
para denominar o efeito da prática reguladora do transe.

Embora as últimas qualificações a respeito dos


fenômenos espirituais ainda tratem de maneira
patologizante as vivências do transe de incorporação, a
adoção de uma perspectiva também social no âmbito
antropológico abre campo para discutir-se a respeito das
hipóteses espirituais e transcendentes envolvidas nestas
manifestações (a realidade do fenômeno como sendo
provocado pela interferência de uma mente externa ao
indivíduo/médium). Assim, entenderemos que o
fenômeno do transe é visto como um estado dissociativo
da mente - no qual há uma quebra da estrutura da
identidade do indivíduo - somente quando este ocorrer
fora do contexto religioso da pessoa.

É natural que realmente durante o efeito do transe de


incorporação haja, momentaneamente, uma dissociação
psíquica no indivíduo, uma vez que este deverá "ceder"
ao acesso de outra mente (a mente do Espírito,
individualidade extrafísica), para que possa ocorrer o
fenômeno. No entanto, dentro do contexto e do sistema
religioso em que tal ocorrência verifica-se, esta não
derivará para estados patológicos da mente, ao contrário,
resultando num processo de intensificação da identidade
pessoal, de bem-estar e efeitos positivos sobre a saúde
psíquica e orgânica do indivíduo, ressaltando seu
potencial criativo e plenificador.

311
O transe na umbanda não é nem estritamente
individual (como no kardecismo) nem propriamente
representação mítica (como no candomblé) ...(Barros).

Sendo assim, segundo nossa visão de adepto umbandista,


a prática do transe de incorporação dentro das práticas
espirituais verificadas em nossos templos religiosos,
faculta a integração do indivíduo em um processo de
ressignificação de sua realidade, em diferentes aspectos
(individual, social, psíquico e espiritual), incentivando-
nos a refletir quais os resultados positivos de tal
experiência na conduta pessoal daquele que experimenta
e vive neste círculo religioso.

As discussões, cada vez maiores, abertas pela


Organização Mundial de Saúde envolvendo a relação
religiosidade x saúde, nas quais foram surgindo e
mantendo-se, atualmente, estudos versando a respeito de
como a prática religiosa pode interferir na saúde e no
bem-estar do homem são importantes para que pensemos
a respeito do quanto podemos absorver, em termos de
possibilidades de engrandecimento e fortalecimento
interior, de nossa vivência particular como adeptos
umbandistas.

Uma vez que sigamos em nosso processo de


conscientização da realidade que nos cerca e de nossas
próprias capacidades criativas como Espíritos, ligados às
Leis de Umbanda, colaborando para resplandecer a luz de
nossos Guias e Orixás para tudo e todos que nos cercam,
colocando-nos como cidadãos exemplares, pais e mães
responsáveis, profissionais éticos e religiosos

312
fraternos, contribuiremos para que joguemos luz às
dúvidas que ainda cercam os fenômenos espirituais,
eliminando aos poucos de nossa sociedade o preconceito
e dando mostras do quão poderosas e profundas são
nossas Leis, nosso Saber e nossa Prática.

313
Desenvolvimento Mediúnico na
Umbanda

Questão amplamente discutida e imersa em diversos


discursos que procuram explicar e dar-lhe uma diretriz
satisfatória, o Desenvolvimento Mediúnico afigura-se
como um estágio muito importante na vida religiosa do
adepto de Umbanda, candidato a médium, uma vez que
esta fase implicará diretamente na construção da
própria identidade mediúnica do indivíduo, bem como
estará vinculada ao todo de seu complexo psíquico,
carecedor de atenção e cuidados, pois sua elaboração e
vivência dentro do campo religioso assumirão
influência direta sobre a constituição psicológica do
neófito umbandista.

Iniciaremos, neste momento, a série de estudos


"Desenvolvimento Mediúnico na Umbanda".

Desdobraremos o tema "Desenvolvimento Mediúnico na


Umbanda", abordando a questão em 5 textos, a serem
publicados em data futura, especificando a dinâmica e o
mecanismo das funções psíquicas envolvidas no tentame
da prática mediunista até o atingimento e completude
da Consciência Mediúnica.

314
Aprofundaremos, então, nossos estudos enfocando a
perspectiva psicológica sob a qual dão-se as adaptações
das estruturas psíquicas do médium, de maneira a fazer
surgir a experiência simbólica das entidades, por meio do
transe, com o consequente atingimento da função
mediúnica, salvaguardando o eixo e o centro da
individualidade medianeira.

Entretanto, gostaríamos de tecer algumas considerações


introdutórias a respeito da questão do Desenvolvimento
Mediúnico, para podermos situar nossa ótica em torno
dessa problemática e refletir sobre a necessidade de
estudos a respeito da função mediúnica, entendendo
como essa faculdade mental está relacionada ao contexto
religioso umbandista e de quais traços ela se reveste no
intercâmbio mediunista dentro do círculo religioso em
questão, sob as mais diferentes gradações.

Existem muitas explicações, tratadas em livros e nos


discursos presentes nos terreiros, visando o
esclarecimento em torno da necessidade do
desenvolvimento da capacidade mediúnica do indivíduo
com vistas a promover a sua "evolução" como espírito,
dando cumprimento a uma missão assumida no passado.
Da mesma forma, o meio religioso umbandista procura
vincular ao discurso de justificava da necessidade
do trabalho mediúnico, práticas e métodos os mais
diversos para que se dê tal mister. No entanto, não nos
ateremos aqui a avaliar tais práticas ou a validade destes
discursos que tornaram-se "senso comum" dentro da
Umbanda. Nossa intenção será a de abordarmos essa
questão sob uma ótica psicológica, identificando as bases

315
psíquicas envolvidas na elaboração dessa experiência
religiosa e a sua preponderante relação com o campo
subjetivo do adepto umbandista.

Realizaremos uma interface com alguns aspectos


pertinentes ao conceito da mediunidade e suas
particularidades, entretanto, enfocaremos a perspectiva
psicológica como sendo nosso interesse predominante.

Justificamos tal intenção pela convicção que temos, a


respeito de alguns mecanismos que envolvem a questão
do mediunismo de Umbanda, segundo a qual entendemos
que toda e qualquer experiência medianímica pertencente
ao mundo interior do ser humano encarnado ocorre
obedecendo a um processo de construção, cuja sua
elaboração dá-se por um sistema de causalidade, em que
aspectos mentais e psíquicos vinculam-se e são
modulados pelo aparelho cerebral, o qual manifesta no
organismo e na relação com o meio a sua realidade.
Assim, todo e qualquer elemento que constitui-se como
resultado do intercâmbio mediunista, e até mesmo a
própria formação subjetiva do indivíduo, deverá passar,
condição sine qua non, pelo campo mental, psíquico e
pelo aparelho cerebral para que possa ocorrer e interagir
no meio em que vivemos. De tal sorte que as funções
psicológicas determinarão profundamente os resultados
de toda e qualquer experiência realizada pelo ser, seja no
aspecto de manifestação da função mediúnica, seja nos
seus resultados compensadores que servirão como
recursos de engrandecimento e transformação interior.

316
A realização da experiência mediunista obedece a um
processo de aprendizado a ser realizado pelo adepto, ao
longo de sua jornada espiritual. Este deverá passar por
vários momentos em seu aprendizado ritual, pelos quais
estará cada vez mais integrado a vida religiosa dentro de
seu terreiro. A presença frequente e interessada nos ritos
da casa, nas giras, garante ao médium o cabedal de
experiências que aos poucos guardará em sua memória,
aprofundando seu conhecimento e contato com os
fundamentos da casa, avançando os degraus de sua
iniciação e aprimorando sua sensibilidade psíquica.

O Aprendizado mediúnico funciona como elemento


formador da identidade ritual do adepto, por cuja sua
vivência deverá lograr o atingimento de níveis mais
amplos de consciência perante si mesmo e sua vida,
identificando na sua possibilidade mediúnica ensejo para
a construção de estados íntimos plenificadores,
saudáveis, para si e para a coletividade na qual transita e
vive.

Por conta disso, o potencial medianímico deve ser


entendido como constituído por grande carga energética,
ligada ao campo psíquico e vital, provenientes da
profundeza do Ser Espiritual que somos, emergindo à
Consciência e manifestando-se por intermédio do
organismo físico, passando pelas instâncias psíquica e
mental (componentes do corpo perispiritual), as quais
funcionam como estruturas de base e condutoras deste
potencial, a ser convertido em faculdade mediúnica, sob
o comando do médium, momento no qual a
personalidade medianeira adquire consciência de si

317
mesma e ruma em direção a transcendência do ego, na
busca da libertação do ciclo kármico.

Disciplinar as forças medianímicas ordenando-lhe as


expressões, lastreando-as em princípios Ético-Morais,
compõe imperiosa necessidade para que a comunicação
espiritual seja repleta em conteúdos enriquecedores e
úteis para o aprimoramento pessoal e coletivo.

Educar a si mesmo é exigência para o desempenho


mediúnico correto e de efeito salutar, desvinculado das
relações perturbadoras, para isso aprendendo a identificar
e comandar as suas próprias emoções e pensamentos,
para que não se imiscuam em sua personalidade os traços
inferiores que denotem maus hábitos e a má condução de
conversações e atitudes que se mostram irrefletidas.

O desenvolvimento mediúnico, como experiência


disciplinadora e educativa das capacidades do indivíduo,
deve servir como um comunicador com seu mundo
íntimo, a sua consciência, acerca da realidade premente
que se encerra no aprimoramento pessoal, na libertação
de hábitos arraigados, na superação de conflitos e
limitações íntimas, com vistas a se lançar em um novo
contexto de vida e possibilidades de amadurecimento

Lembramos, conforme já vimos escrevendo (Processos


Mentais e o Transe Mediunista), que transes ocorrem
frequentemente, constituindo experiência compartilhada
por muitas pessoas, no entanto, muitas vezes
desvinculados de mais estreitas ligações com aqueles
recursos que indicam o comando saudável de seu

318
experienciador. Portanto, o fenômeno por si só não é
capaz de fornecer ao campo íntimo a possibilidade de
elevação do médium e daqueles que o buscam. Somente
quando ligada a uma concepção de vida bem elaborada,
pautada em princípios capazes de produzir benefícios
psicológicos para a vida é que a medianimidade poderá
operar a construção de valores duradouros, internos à
tradição umbandista na qual se manifeste, assim como a
orientação de cunho libertador, a qual não engana, não se
liga a interesses pessoais ou ao comércio espiritual,
visando primordialmente a alegria de servir e a conquista
de valores nobres para o engrandecimento de todos.

O médium deve enriquecer seu patrimônio intelecto-


moral para que possa encontrar em si as diretrizes de sua
própria existência, o significado de sua própria vida,
seguindo um caminho de exemplo e dedicação, pois seu
papel religioso exige postura condizente com sua função,
num compromisso responsável que deve esposar
conscientemente, contribuindo para a sua boa imagem,
assim como de seu terreiro e da religião que optou por
abraçar.

O caminho da iluminação mediúnica ocorre na inter-


relação do que se vive e aprende dentro do templo
religioso, na prática mediunista, convertendo seus
resultados para a vida cotidiana em seus vários papéis
que cumpre desempenhar, como profissional, cidadão e
elemento pertencente ou responsável por uma família.

Desenvolvimento mediúnico bem estruturado implica em


disciplina e educação reunidas num aprendizado, cuja sua

319
finalidade é a iluminação da consciência, por meio da
qual será possível viver a própria existência carregada de
expressões felizes e de momentos gratificadores. Logo,
desenvolvimento mediúnico não é um breve trecho da
história religiosa do adepto de Umbanda. É
aprimoramento e ampliação das possibilidades de
interação com a Vida, em quaisquer planos que esta se
apresente. Dessa forma, desenvolvimento mediúnico é
trabalho de evolução íntima que ao médium cabe
cumprir, do primeiro ao último passo de sua jornada
mediúnica.

O rito de Umbanda, desde que bem fundamentado em


uma tradição sólida e ética, pode fornecer recursos
auxiliares e influenciadores do campo psicológico do
médium, para que possa conduzir os elementos da
consciência, num processo de amadurecimento
psicológico, ao integrá-los ao Self - seu originador -,
realizando o seu vir-a-ser, iluminando-se e iluminando a
sua trilha de vida, servindo como farol àqueles que lhe
observam os passos e o visam como modelo e exemplo.

Formularemos, baseados em nossos estudos e reflexões,


as correlações entre o desenvolvimento mediúnico e a
estruturação psicológica da experiência espiritual para
que possamos compreender melhor a finalidade da
prática mediunista e seus efeitos na vida de seu
experimentador.

Saravá!

320
Função Anímica e Mecanismos
Adaptativos

Desdobrando a temática anteriormente iniciada, quando


da publicação a respeito do Desenvolvimento Mediúnico
na Umbanda, prosseguiremos nossas reflexões em torno
de uma questão fundamental na estruturação da
experiência espiritual envolvida na prática umbandista, a
qual identificamos como sendo relativa à questão anímica
e aos mecanismos adaptativos inerentes ao processo
psíquico de construção da experiência medianímica.

Devemos entender o princípio do aprendizado mediunista


como sendo um caminho repleto de novas experiências
de ordem sensorial, emotiva e experimental, uma vez que
o adepto, logo após ser admitido ao círculo de médiuns
da casa, deverá iniciar-se na prática do transe, sob as
regras e normas vigentes no templo de Umbanda.

Interessa-nos, neste momento, enfocarmos as


características de ordem psíquica que se irão aflorar ao
longo do processo do chamado "desenvolvimento", ao
qual o candidato a médium será submetido. Variando de
acordo com as características de cada um, observamos
que se somam às fileiras de trabalhadores dos templos de
Umbanda, indivíduos portadores das mais diversas
gradações entre sua sensibilidade psíquica e o tônus
321
característico dos estados de transe que cada um passa a
vivenciar.

Dessa forma, em alguns irrompem os estados de transe,


em verdadeiro estupor, sob o qual o neófito agita-se
bruscamente, girando de maneira desordenada, muitas
vezes chegando a desequilibrar-se, arriscando-se em
causar um acidente para si-mesmo e para aqueles que lhe
estejam próximos. Noutros, o transe dá-se de uma
maneira muito sutil, quase imperceptível, não logrando,
em alguns casos, tornar-se mais intenso mesmo com o
passar dos anos e da vivência nas giras.

Características de ambos, entretanto, as funções


psicológicas de caráter anímico sucedem-se no início das
experimentações mediunistas, comunicando-se por meio
da expressão corporal, da gestualidade, da dança e dos
trejeitos específicos da entidade que ensaia manifestar-se,
aos poucos, por intermédio de seu medianeiro.

Buscando compreender o animismo como sendo a


expressão da "alma do médium" dando seu colorido às
manifestações espirituais que ocorrem por seu
intermédio, entendemos que a manifestação particular do
médium no ato da experiência mediunista ocorre sempre
e invariavelmente, pois que é justamente pela função
anímica que estruturam-se os campos de registros
próprios para os contatos com a dimensão espiritual,
neles sendo impressos e decodificadas as informações
obtidas e comunicadas pelo "cavalo".

322
Entendamos a alma como sendo não identificada
diretamente com a consciência, a qual é composta por
duas partes, a saber, o consciente e o inconsciente; tão
pouco a alma identifica-se com as nossas emoções,
sentimentos ou processos psicofisiológicos que dão-se
em nosso organismo, em nosso cérebro; a alma é um
campo que vai para além do tempo e do espaço e une
todas estas partes (consciência, emoções, sentimentos,
sensações, corpo físico), em um todo maior e dotado de
identidade.

Assim é que a alma corresponde ao próprio Espírito, no


caso, o médium. A personalidade que ora se encontra na
condição de médium, é a elaboração de um processo
complexo de mecanismos psicológicos, cujos seus
conteúdos foram elaborados tanto interiormente quanto
introjetados por força da influência com o meio social.
Não há como, portanto, deixar-se de lado a influência
direta do médium nas manifestações mediunistas, sob
pena de incorrermos num "pensamento mágico" ao
acreditar que os fenômenos de ordem espiritual dão-se
por razões extemporâneas ou fora daquilo que se
configura como sendo os mecanismos já dados e
estabelecidos pela nossa condição de seres humanos. A
fenomenologia, por isso, não ocorre fora do campo
psíquico e orgânico do médium, embora sua origem
remonte a uma outra condição dentro da subjetividade
humana (não originando-se exclusivamente do psiquismo
ou do organismo biológico).

As emoções e sensações que passa a experimentar ao


longo do processo de desenvolvimento mediúnico,

323
servem como comunicadoras da função anímica do
médium, denunciando seus estados de transe,
independente da intensidade na qual este ocorra. Imagens
psíquicas de caráter simbólico e pensamentos fugidios
também assomam ao consciente como sendo os primeiros
movimentos da alma do médium na tentativa do
intercâmbio espiritual.

O animismo, por intermédio da função anímica, serve


como mecanismo saudável da expressão inconsciente do
médium, inclusive por força de uma irrupção catártica
que pode provocar, trazendo à tona emoções e conflitos
reprimidos. Médiuns que adentram, mesmo durante a
manifestação do transe nas giras, em crises de choro, de
paralisia, de esgares, etc, geralmente estão sob influência
do processo catártico, anímico, funcionando como
válvula de escape das tensões psíquicas de que se vêem
tomados. Obviamente, essas primeiras expressões do
animismo devem ser superadas pelo adepto, ao longo do
tempo, que a elas não deve fixar-se, para que não
constituam entrave à passagem das irradiações e
pensamentos das entidades espirituais, de maneira que
estas sejam plenamente integradas ao seu campo psíquico
e emocional, promovendo o comando da função
mediúnica.

Em conjunto a estas impressões intensas que são


vivenciadas, o médium vai aos poucos elaborando um
constructo psicológico, do qual emergirá as
personalidades-simbólicas que servirão como refletoras
das entidades espirituais que adentrarão a sua faixa
mediúnica, personificando-as segundo a mística e a

324
simbologia dada ao imaginário umbandista, variando de
acordo com a tradição e a ritualística de cada terreiro.

Percebemos, por conseguinte, que a alma do médium


modela personas simbólicas que servem como veículos
para o mergulho ao inconsciente coletivo, do qual retira
seus substratos e arquetipias, de onde podem emergir as
forças contidas no si-mesmo, cuja sua realidade se faz
presente quando, por ocorrência do transe assumido pelo
médium, este sente-se tomado de grande força interior,
de serenidade e paz autênticas.

Podemos conceber, por conta deste mecanismo


adaptativo que se desenvolve, a psique do médium como
sendo dotada de plasticidade e dinâmica criativa,
promovendo a manutenção do eixo e do centro de sua
individualidade, em torno das quais, as personalidades-
símbolos irão constelar-se. Essa plasticidade e
dinamização das estruturas psíquicas possibilitam que a
subjetividade do invíduo-médium permaneça sempre no
centro da experiência mediunista, não derrapando para
um mecanismo patológico esquizofrenógeno, o qual
ocorreria caso houvesse a fixação do "eu" do médium a
uma destas personalidades-símbolos.

Ao longo do tempo o "cavalo" deve passar a organizar e


comandar interiormente este processo psíquico, o qual
não irá desaparecer, conforme o já dissemos, mas
sedimentar-se-á cada vez mais, com vistas a possibilitar
que num dado futuro, haja a ocorrência da comunicação
medianímica, de forma segura e saudável para o médium,
deixando em si marcas indeléveis de plenitude e

325
amadurecimento emocional, por conta de uma construção
salutar e segura que realizou em seu processo de
"desenvolvimento mediúnico".

Salientamos sempre a necessidade da boa orientação e da


paciência àqueles que buscam a realização espiritual
dentro dos círculos umbandistas, pois trata-se de uma
conquista que ficará gravada nas estruturas mais íntimas
de nosso ser. Por isso, deixar de lado a pressa em querer
dar comunicações e consultas, lembrando sempre de que
a comunhão espiritual com o Guia é o elo mais poderoso
de aprendizado espiritual, por conta da formação do
campo intuitivo que passa a se desenvolver no íntimo do
filho-de-santo.

Nossa preocupação deve-se ao fato de que observamos,


cada vez mais, pessoas com mediunidades ou potenciais
mediúnicos sendo desperdiçados e tornando-se
totalmente atormentadas e atormentadoras por não
cumprirem os processos de construção e amadurecimento
que só o tempo e a vivência podem dar, causando sempre
um desserviço à nossa Corrente Astral e à Umbanda
como um todo.

Por isso, ponderação, paciência, dedicação e estudo,


nos campos das experiências espirituais, dentro das lides
umbandistas, serão sempre os recursos valiosos que todos
deveremos nos valer, para que nossa religiosidade seja
vivida de maneira plena e repleta de realizações
felicitadoras, desmistificando tabús e ampliando o
entendimento de conceitos e simbologias pertinentes ao
nosso imaginário religioso, à nossa espiritualidade, na

326
busca de conhecimentos sólidos em torno de nossa
religião de Umbanda, retirando-nos da condição de
marginalidade a que nos vemos colocados, muitas vezes
por falta de preparo e esclarecimento de nossos próprios
adeptos.

327
A Construção dos Papéis
Estruturantes

Em seu caminho por dentro do tempo de iniciação nas


Leis de Umbanda, o médium, cavalo de santo, irá
construindo, ao longo das experiências que elabora no
transe, uma relação de maior estreitamento com as
entidades espirituais que acercam-se de seu campo
mediúnico-sensitivo.

As entidades espirituais que comporão sua coroa


mediúnica, funcionam como reguladoras de seu
psiquismo, no que se refira às sensações e memórias que
deixarão impressas em seu íntimo durante e após o
transe, estabelecendo a possibilidade de sua identificação
por parte do médium, conforme este amadurece na
prática mediunista e habitua-se a refletir sobre seus
estados mediúnicos e seu mundo íntimo como um todo,
construindo assim o seu Campo Intuitivo.

Em conta do que relatamos, entendemos que há, por parte


do médium e do templo no qual irá iniciar-se na
Umbanda, uma construção de papéis estruturantes, os
quais são erigidos segundo o processo de assujeitamento
do neófito ao complexo de ritos, simbologias e
expressões variadas que passarão a determinar as suas
noções de pessoa e alteridade.

328
Isso porque, ao adentrar no universo imaginário próprio
da mística de Umbanda, sua percepção a respeito de si-
mesmo (pessoa) passará a identificar-se como sendo a de
um ser transpessoal, essencial, cuja sua origem está
atrelada a um Todo mais amplo, abstrato e integrador, o
Espírito Imortal, o qual, justamente por estar imerso em
um universo mais amplo do que este apreendido no sentir
e no observar da experiência psíquica imediata de objetos
e sensações da realidade física, tem em si a possibilidade
de interagir em diversas dimensões da vida, pois é sujeito
da experiência de sua própria individualidade, conquanto
também propagador de consciências outras que por seu
intermédio manifestam-se e fazem presentificar-se.

Sua noção de alteridade também encaminha-se para uma


ampliação, uma vez que este deve o significado de seu
universo íntimo, não somente a si mesmo, mas também a
outras Individualidades, de origem Espiritual (Guias e
Mentores), as quais mostram-se como atribuídas de duas
funções de sentido psicológico distintas, sendo tanto a de
servir como estruturadoras da experiência do transe de
seu médium, quanto a de estruturantes do rito de
Umbanda que se processa ao nível religioso-social. O rito
de Umbanda forma-se em torno das características
próprias aos grupos de entidades que manifestam-se
dentro do templo, situando, pelo contexto de suas
atuações e performances rituais, a fluência sob a qual a
gira irá desenvolver-se. Sendo assim, o médium não
existe somente por si, mas também em função do papel
que lhe cabe na relação com seus Guias, bem como na
relação de "suas" entidades com o meio religioso no qual
estas desenvolvem seu mister.

329
O médium em desenvolvimento deve, portanto,
constituir-se por um mecanismo de aprendizado, no qual
este recebe, por parte dos médiuns mais experientes e,
também, do babalorixá ou yalorixá da casa, uma atenção
destinada a adequar suas manifestações dentro destas
estruturas fundamentais do culto. Por isso, a conversa
alternada realizada pelos "orientadores" do médium em
seu processo de educação mediúnica, ora falando com a
entidade incorporada, ora com o próprio médium, de
maneira que se definam os papéis e se desperte no
medianeiro a fluência na expressão de seus estados de
transe.

"Símbolos e funções psíquicas são


considerados estruturantes porque o resultado da ação das
funções sobre os símbolos é a produção de significados,
que formam a Consciência" (Byington, 2006).

Dizemos então que os processos mentais presentes no


funcionamento psíquico do indivíduo, os quais permitem-
no acomodar em seu complexo íntimo a manifestação de
identidades outras, perpassam por seu inconsciente e, ao
se ligarem ao complexo simbólico expresso pelo
conjunto de ritos praticados na casa e presentes em sua
memória, formam o campo da consciência mediúnica. A
experiência simbólica das entidades passa aí a ser
vivenciada, de pouco a pouco, de maneira ordenada e
integrada ao campo da vida cotidiana do medianeiro.

Dessa forma, as percepções mediúnicas podem variar de


médium a médium por conta da atuação dos papéis
estruturantes construídos em seu psiquismo.

330
Para ratificarmos nossas colocações expostas acima
(referentes à conjunção de processos psíquicos com
elementos socioculturais para a formação da experiência
religiosa-mediunista na Umbanda), em nossa intenção de
abordar a questão mediunista na Umbanda pelo viés
psicológico-cultural-espiritual, transcrevemos um trecho
do artigo científico de Zangari (2003):

“[...]não é possível compreender a mediunidade por um


enfoque que exclua os elementos culturais, uma visão
descontextualizada. A mediunidade passa a ser vista
como uma construção psicossocial, como fenômeno
individual e coletivo ao mesmo tempo. Uma importante
teorização nesse sentido foi proposta por Zangari
(2003). Seu trabalho se notabiliza pelo desenvolvimento
de uma teoria da mediunidade de incorporação, na
Umbanda, que engloba tanto a dimensão social mais
ampla, quanto a dimensão social dos grupos e a
dimensão individual dos fenômenos mediúnicos. Sua
teoria parte da noção básica da mediunidade como
fenômeno psicossocial, enfatizando o papel da linguagem
na construção grupal das experiências anômalas /
paranormais[...] o fenômeno mediúnico num contexto
religioso em que ele se dá de maneira bastante natural,
onde a experiência direta das “entidades espirituais” é
extremamente valorizada - visto que toda a tradição
umbandista é transmitida de forma oral, pois são poucos
os livros existentes a respeito, ao contrário do
Espiritismo dito kardecista.

331
[...] o desenvolvimento da função mediúnica
[...]atravessaria seis estágios ou processos específicos,
que atuariam de forma concomitante e independente:

a) Assimilação = processo pelo qual o indivíduo passa a


conhecer melhor a doutrina religiosa e o papel que cabe
ao médium nesse contexto. Caracteriza-se pela
“constituição de uma imagem interna ou representação
das crenças do grupo” (Zangari, 2003, p. 174), e que
envolve não apenas uma compreensão consciente, mas
informações não-verbais e subliminares presentes em
qualquer forma de interação humana;

b) Entrega = consiste na aceitação dos fenômenos, na


disponibilidade para adentrar o estado de transe e
permitir a “incorporação”;

c) Treino = afirma que a mediunidade é uma alteração


de consciência disciplinada culturalmente, a qual segue
determinados passos e comportamentos previstos pelas
crenças do grupo. Esses passos devem ser seguidos caso
se queira executar a função mediúnica adequadamente.
O indivíduo se envolve cada vez mais com as crenças
grupais, interiorizando-as e acomodando-as frente às
diferentes situações da vida e ao contexto religioso em si.
Esse processo envolve não só uma adaptação
psicológica, como corporal:[...] uma vez que a entrega
se realize, o organismo (compreendido aqui como o
conjunto corpo-mente) se acomodará conforme o
esperado. Uma vez vencida a resistência inicial, a
estranheza de ter seu corpo ocupado por um outro ser, a

332
médium exercitará seu sistema nervoso de modo a que
funcione de acordo com as crenças do grupo, agora
também crenças da médium, uma vez que ela também é
parte do grupo. (Zangari, 2003, p. 176)

d) Criação = período de “incubação criativa” (Zangari,


2003, p. 178) em que as[os] médiuns constroem
inconscientemente as entidades que se “comunicarão”
por seu intermédio. Esse processo está limitado pelos
conteúdos próprios da doutrina religiosa;

e) Manifestação = atuação das criações num contexto


ritual;

f) Comprovação = busca por evidências que comprovem


a origem espiritual do fenômeno, em prol da manutenção
da identidade mediúnica e da identidade grupal.

Para Zangari (2003) deve-se considerar o papel do


médium como unificado, e não como a simples soma dos
“espíritos” ou facetas de sua identidade manifestadas no
estado de transe. O médium é, na verdade, aquele que
tem “a capacidade de assumir múltiplos papéis” (p.
185). Os espíritos são expressões de papéis sociais, mas
cujo automatismo não permite às médiuns exercer
qualquer controle sobre eles. As médiuns [estudadas
pelo pesquisador] seriam ao mesmo tempo intérpretes e
coautoras de suas entidades”

A elaboração dos papéis estruturantes da experiência


mediúnica dá-se, portanto, sob a inter-relação de seu
mundo psíquico-espiritual com o meio religioso-cultural

333
no qual encontra-se. Há um sistema de estímulo-resposta
e de elaboração simbólico-ritual que alimenta a esfera
não-racional do psiquismo do médium, de maneira que
seu inconsciente torne-se preenchido e criativamente
ressignificado, na medida em que este vai se
assenhoreando da vivência dos ritos, das giras, das
preparações, dos trabalhos...

"Dessa forma, um símbolo e sua linguagem simbólica


somente passam a serem compreendidos, a partir do
momento em que o ser se transporta para a esfera ou
egrégora em que ele se instala. Adentrando no universo
místico da Umbanda, penetra-se em sua simbologia,
distanciando-se o adepto lentamente do aspecto
simplório de cada coisa e se projetando em sua essência.

O aspecto simbólico então reveste-se de realidade, uma


vez que ao interno do núcleo central a artificialidade ou
o irreal passa a não mais existir enquanto estrutura
variável e sim, agrega em seu contexto sua própria
realidade. Desperta-se então para a mística, aprendendo
a observar e enxergar em um símbolo a imagem tangível
do plano invisível impresso em toda a sua significação"
(Nunes, 2009).

Ao enfatizarmos a função do inconsciente como instância


psíquica plenipotente na elaboração dos papéis
estruturantes da experiência mediunista, no decorrer do
desenvolvimento mediúnico, não queremos com isso
corroborar com a ideia de que a fenomenologia e a
expressão espiritual originam-se no inconsciente.
Entretanto, elas fluem por este, pois é no inconsciente

334
onde estão os sedimentos simbólicos, as arquetipias, e o
substrato da mundivivência realizada por cada um, como
Ser Espiritual, que comporão a expressão profunda do
intercâmbio com o mundo espiritual, pois "[...] o
inconsciente resume no psiquismo uma modalidade
múltipla da realidade, ao passo que o ego corresponde a
uma modalidade fixa e parcial do real”. (Lima, 1997)

Finalmente, não podemos deixar de mencionar a


importância da relação com o corpo e sua correspondente
imagem corporal elaborada pelo médium, em conjunto
com cada entidade manifesta, como papel estruturante no
processo de desenvolvimento mediúnico. Cada Espírito
carregará para a mente do médium, os elementos que
sejam possíveis de expressar, por meio da gestualidade e
do simbolismo corporal, a essencialidade do trabalho e a
energia espiritual a que cada Guia está vinculado.

Conforme o médium vai tomando consciência dessa


imagem corporal e seu correspondente espaço
psicológico criado dentro e fora de si, poderá sentir o
fluir das irradiações carreadas por cada Guia de Luz que
por sua coroa presentifica-se, permitindo reencontrar, na
experiência subjetiva com o seu próprio corpo, os
significados mais profundos a respeito de sua
individualidade, por permitir a integração de suas
funções sensoriais e psíquicas, ampliando a sua
percepção mediúnica.

Essa integração da imagem corporal, construída pelos


transes específicos de cada entidade, na personalidade
mediúnica, faculta a percepção profunda da sacralização

335
da mente, pela qual o adepto aos poucos vai adentrando
ao entendimento de que ao ser acessado pelas Entidades
Astralizadas (Guias e Mentores de Luz), este estabelece
contato direto com a Divindade que por ele flui e irradia-
se, espalhando as bênçãos dos Orixás para o mundo
físico, onde por ora nos encontramos.

Cabe ao médium, neste processo, ir tornando-se cada vez


mais consciente a respeito de sua realidade interior, bem
como deste complexo de manifestações que ocorrem em
si-mesmo para que seja capaz de plenificar-se e
gratificar-se psicologicamente, traduzindo modificações
profundas em sua conduta e sutilizando seus
pensamentos, ampliando assim suas possibilidades de
viver com paz e amor em seu coração.

336
O Comando da Função
Mediúnica

A base para a conquista do comando da função


mediúnica é a estabilidade psicológica. O medianeiro -
"cavalo-de-santo" - deve estar em condições de
experienciar, de maneira saudável, o transe medianímico,
passando por todo o seu processo de estruturação até o
seu encerramento, sem guardar em si perturbações
emocionais ou fisiológicas.

Saber "entrar e sair" do transe, de maneira calma e


tranquila, evitando estertores e obedecendo aos
comandos de "chegada" ou "subida", determinados pela
curimba, ou pelo pai (mãe)-de-santo é o ponto ótimo de
comando da função mediúnica, ao nível da manifestação
produzida ao longo da gira no terreiro de Umbanda.

Por outro lado, reflexionando sob o ponto de vista


emocional, o comando da função mediúnica deve ser a
consequência e, ao mesmo tempo, a função psíquica
alimentadora de uma potencial individuação por parte de
seu experimentador, fazendo com que este estruture e
desenvolva-se sob um Sentido único de Si-Mesmo.

Estar consciente de suas questões emocionais (positivas


ou negativas) de forma madura, meditando nelas e agindo
337
para que suas qualidades sejam ampliadas, bem como as
deficiências sejam, por sua vez, sanadas aos poucos, fará
com que o medianeiro produza uma forte percepção de
sua individualidade, ampliando sua capacidade de
identificar e interferir em seus estados emocionais, sem
com isso, deixar-se derrapar para as crenças
inconscientes, de que é vítima de demandas, espíritos
obsessores, etc., tombando em estados perturbadores e
aflitivos.

Perceber-se como um partícipe da Vida Maior, veículo


para a manifestação do Sagrado, filho e filha do Orixá,
que por intermédio de seu organismo psíquico-biológico
efetiva a união espaço-temporal do Divino com o
humano, é aprofundar-se na compreensão da finalidade
última, subjetiva, do transe mediunista de Umbanda, por
meio do qual abrimos verdadeiras janelas para
entendermos nossa relação com os intrincados
mecanismos das Leis do Universo, sintonizando-nos com
o Cosmos Dei.

Temos que as Personas manifestas a partir da estrutura


do Self, organizador essencial do organismo psíquico, são
fundamentais para a construção dos elos que irão unir a
estrutura psicológica, cognitivo-emocional do médium,
com aquelas próprias da entidade comunicante (Espírito
Guia ou Protetor). É necessário que haja a edificação da
forma, da máscara de cera sobre a qual a inteligência
extrafísica irá imprimir sua essencialidade, seus
conteúdos, dando vazão ao seu potencial energético, para
ação sobre o organismo do médium durante o trabalho

338
espiritual e suas consequentes necessidades de expressão
pelo psiquismo de intermediação.

Entretanto, para que haja a consolidação do Comando da


Função Mediúnica, importa que reconheçamos e
compreendamos que o tônus movimentador desta relação
intermúndio advém de um Estado Mental propiciador.
Mediunidade, dessa forma, refere-se a uma faculdade que
encontra-se ao nível mental nos seres humanos, e para
que seja vivenciada de maneira consciente, com o
comando dessa função, devemos aprender a acessar e
fixarmos nosso ambiente interior neste nível mais
profundo de nossa subjetividade.

Reconhecendo a Mente como o pólo originador das


ocorrências mediúnicas, pois que é o recurso principal do
Espírito, vamos compreendê-la como sendo uma
instância mais ampla, em cujo domínio, encontram-se os
organismos psíquico e biológico do ser humano, bem
como seu mundo de relação.

339
Quando o indivíduo, médium, não compreende essa
questão, suas comunicações e seus estados de transe
ocorrem da mesma forma, entretanto, como não há o
Comando da Função Mediúnica, este fica à mercê do que
os seus Guias e Protetores - ou entidades outras, caso
esteja em estado de perturbação espiritual - poderão
realizar pelo seu intermédio, apesar de sua ignorância.

Assim, quando há o Comando da Função Mediúnica,


abre-se o caminho para que o fluxo da energia mediúnica
percorra trajeto natural, passando da Mente para o
Psiquismo, pelo Superconsciente (falaremos dessa
instância psíquica em mais detalhes, posteriormente), de
maneira que ocorra a presentificação patente das
Entidades Espirituais, num sentimento inconfundível,
para o seu experimentador, de que está sendo "possuído"

340
por uma outra inteligência, com a qual comunga dessa
experiência espiritual.

Toda manifestação espiritual, no contexto umbandista,


retrata uma Experiência Simbólica do Transe, por meio
da qual são representados os estados subjetivos
experimentados pelo médium, denunciados, em sua
postura corporal, expressão facial e gestual. A
Experiência Simbólica é a tradução psíquica da
comunhão mental com os Espíritos Guias, os quais
trazem consigo a essência do Orixá e que preenchem o
médium com a sua vitalidade e transcendência.

Dessa Vitalização Interior é que o médium pode


identificar as sensações prazerosas e de enlevo que
experimenta ao final das giras. Como se as tensões
interiores diluíssem e as contradições dissolvessem.

O Estado de Completude que ressuma dessa condição de


tranquilidade e vitalidade interior resulta da liberação das
energias emocionais represadas nas estruturas próximas
da funcionalidade psíquicas ordinárias e que necessitam,
então, serem escoadas por um mecanismo que seja
suficientemente detentor de uma força propulsora capaz
de alavancá-las, uma vez que pulsam sob as camadas
estratificadas no psiquismo do medianeiro. Somente que
essa completude deve ser atingida pelo processo
consciente de construção da Experiência Simbólica, pois
que, ao contrário disso, o que vemos é somente o
extravasamento catártico de tensões emocionais.

341
Por fim, podemos dizer que, além do sentir a Vitalidade
Interior e um Estado de Completude, o Comando da
Faculdade Mediúnica, deve produzir um sentido de
utilidade prática para a vida do seu experienciador. E, o
que podemos esperar do "retorno" dessa viagem interior,
ao longo das práticas nos trabalhos espirituais de
Umbanda, é a Experiência saudável com o Real.

O médium capaz de comandar sua faculdade mental,


possui os recursos dos quais se utiliza para viver o
cotidiano de maneira saudável. Meditando em torno de
suas condições interiores e conservando sempre um
comportamento positivo e maduro para com as
necessidades diárias. Sabe instrumentalizar-se para
cumprir com seus deveres de cidadão, familiar e
profissional, sem negligenciar quaisquer das partes que
lhe digam respeito em sua vida íntima e social,
conservando um comportamento de exemplo e respeito a
si-mesmo e ao próximo, onde quer que se encontre e,
principalmente, fazendo com que sua vida espelhe todo o
Bem que colhe da Umbanda, demonstrando, pelos seus
atos, o quão enriquecedor e libertador pode ser o
caminho de um filho-de-fé dentro das Leis de Umbanda

342
A Identificação do
Supraconsciente e a Expressão
Criativa

"Podemos nos beneficiar e utilizar qualquer função ou


elemento da psique, sempre que compreendamos sua
natureza e propósito, e o coloquemos em sua justa
relação com o Todo" (Assagioli, 2009).

O exercício regular e consciente do intercâmbio


espiritual, no campo da prática religiosa mediunista de
Umbanda, o qual agora passa a ser entendido por nós
como um processo de comunhão mental, e, portanto,
dentro de um aspecto de vivência das nossas
possibilidades subjetivas, em um contexto de
compreensão mais abrangente daquilo que se entende e
se discursa em torno do mediunismo - no que se refere ao
contato com a espiritualidade e a ampliação das nossas
condições emocionais saudáveis -.

Passamos, dessa forma, a discernir a faculdade mediúnica


como sendo uma Ascese, por meio da qual nos é possível
adentrarmos nos níveis mais amplos de nossa
individualidade, atingindo uma vivência mental e,
consequentemente, expandindo os recursos de nosso
mundo interior, descobrindo-nos e identificando nossos
343
potenciais e possibilidades de conquistas íntimas, bem
como os meios mais saudáveis de lidarmos com nossas
limitações pelas vias corretas, sem deixarmos nosso
clima mental de paz e serenidade.

Pela experimentação, estudo e meditação em torno das


experiências na relação de contato com o Sagrado,
manifesto no universo simbólico-religioso das Leis de
Umbanda, temos compreendido que, da mesma forma
que os Hindus, Iogues, possuem a meditação como
recurso para acessar e descobrir a mente e a dimensão
profunda do ser humano, a Umbanda oferece-nos o
Transe Mediunista como passagem para essa realidade
espiritual que emana e se potencializa em nosso interior.

Dentro desse cadinho de experiências, o médium de


Umbanda, conforme já tratamos em A Mística Mistérica
de Umbanda, vai criando um Espaço Sagrado dentro de
si, sendo a memória de seus contatos espirituais
experimentados no suceder dos transes a que se fez
sujeito, durante o tempo de prática religiosa.

Este Espaço Sagrado contido nos domínios de sua


subjetividade comporta em si parte de uma instância
intrapsíquica denominada Supraconsciente (ou
Superconsciente). Conforme nos diz Roberto
Assagioli,"[...] o Superconsciente é a região na qual
recebemos nossas intuições e aspirações superiores -
artísticas, filosóficas ou científicas -, "imperativos"
éticos e impulsos para a ação humanitária e heroica. É a
fonte dos sentimentos superiores, tais como o amor

344
altruísta, a genialidade e os estados de contemplação,
iluminação e êxtase" (Tabone, 1988).

Segundo Pietro Ubaldi "se esta zona não-consciente [o


Supraconsciente] é aquela que nos põe em comunicação
com a realidade, na intuição, e com a Divindade, nos
estadas místicos, é para horrorizar-se quando se ouve
dizer que a graça de Deus se manifesta no homem
através do subconsciente ou que o homem, para alcançá-
la, se transfira ao subconsciente. Mas, a graça é
fenômeno evolutivo, não involutivo, de superconsciência
e não de subconsciência. A graça é uma elevação ao
Superconsciente; é através deste que ela se dirige ao
homem, e a esse plano que o convida a transferir-se. Por
aí se vê como quem não sabe superar a dimensão
racional permanecerá impotente em face de tais
concepções e tateará constantemente na treva".

Não devemos confundir o Supraconsciente com o


Subconsciente (zona inconsciente que carrega os
conteúdos próximos da consciência). Explica-nos Pietro
Ubaldi: "[...]a psique humana é um organismo em
contínuo crescimento (expansão) por descida na
profundidade, mediante estratificações, das sínteses das
experiências da vida, as quais gravitam para o interior.
Essa assimilação contínua, operada em zona de livre
arbítrio, se fixa no determinismo dos equilíbrios
estabilizados na trajetória do destino. O subconsciente é
precisamente a zona dos instintos formados, das idéias
inatas, dos automatismos criados pela repetição habitual
da vida"..."Se quiséssemos ser mais precisos, intentando
reduzir a termos de espaço o que não é espacial,

345
deveríamos dizer que das duas não-consciências,
consideradas em relação com a consciência lúcida de
superfície, a superconsciência se estende em
profundidade, nas zonas interiores, avança para Deus e
tende para a unificação com o todo, a que se chega pois,
por introspecção. A subconsciência, ao contrário,
estende-se em direção oposta, não sob, mas para o
exterior da superfície, é filha das experiências do mundo
exterior e nele é abandonada. O eu avança entre duas
zonas igualmente não lúcidas, mas sua progressão é
para o interior, sua evolução o afasta do subconsciente e
o leva para o superconsciente. Valores opostos: o
primeiro é um resíduo, o segundo, uma conquista; o
primeiro é uma zona inferior, de que nos distanciamos, e
uma escória que abandonamos; o segundo é uma zona
superior, de que nos aproximamos, não contém os
remanescentes da vida, ainda que no momento sejam
necessários, mas o futuro da vida. A passagem do
subconsciente ao superconsciente é uma expansão para o
interior, se assim podemos expressar-nos, uma expansão
em profundidade, em que o ser, aprofundando-se para o
centro, se eleva aos planos mais altos que lhe são a
aproximação. Nesse caminho, o eu é como um núcleo
que se enriquece, dilatando por estratificações suas
potencialidades, através das experiências da vida, que
são exatamente o agente revelador daquele mistério
íntimo em cuja profundeza está Deus (manifestação).
Assim, esse mistério é continuamente exteriorizado
naquele plano de consciência lúcida que, como se vê, e
uma consciência de trabalho e de transição, em marcha
do subconsciente ao superconsciente, cuja posição é
portanto relativa, assaz diversa de indivíduo para

346
indivíduo, segundo sua história e sua maturidade
evolutiva" (Ubaldi, 1983).

Esquema Didático da Constituição do Self

1. O Inconsciente Inferior

2. O Inconsciente Médio

3. O Inconsciente Superior ou Supraconsciente


(Superconsciente)

4. O Campo da Consciência

5. O Self Consciente ou "Eu"

6. O Self Superior

7. O Inconsciente Coletivo

O Supraconsciente é manifestação própria do vir-a-ser,


dentro do organismo psíquico, em cujo bojo estão
contidos os receptáculos das irradiações e pensamentos
provindos das esferas de Mais Alto e sobre cuja indução
o homem desenvolve suas capacidades de transformação
para melhor, introjetando e ampliando os princípios
(ética, moral, intelecto, cognição, linguagem e afeto) que
norteiam sua Ascensão Consciencial.

A prática mediunista consciente e a vivência do Sagrado,


tem como objetivo, no que diz respeito aos efeitos da
vida religiosa e espiritual do médium de Umbanda,

347
permitir que haja o acesso a este campo de construção
interior, para que a produção medianímica possa ganhar
força emocional suficientemente capaz de impulsionar o
seu experimentador ao caminho da libertação do seu
próprio sofrimento e da autocura espiritual.

Com isso, queremos enfatizar que estamos tratando a


questão do Desenvolvimento Mediúnico na Umbanda
como um processo que vai para além de um período mais
ou menos definido em que o neófito vai aprender, pelo
menos, a maneira como deverá se portar durante as giras
(como dominar seu transe, o discurso ritual característico
do terreiro, etc.), assim como perante os irmãos de
terreiro, a hierarquia da casa e os demais frequentadores.

Mais que isso, referimo-nos ao Desenvolvimento


Mediúnico como um processo continuado e que implica,
obrigatoriamente, na aquisição de autoconsciência por
parte do médium, de maneira que sua trajetória pelos
caminhos da Umbanda seja coroada por conquistas
plenificadoras e surtam efeitos saudáveis de mudança,
melhoria e, principalmente, no desabrochar da
maturidade deste, não só como médium, mas como ser
humano.

"Há uma troca contínua, uma "osmose" entre a


consciência e o inconsciente. Em um ponto que era
superconsciente se torna consciente, permanece lá por
um período mais longo ou mais curto, e depois retorna
para o superconsciente. Eu gostaria de recordar a este
respeito que "superconsciente", "inconsciente" e

348
"consciente" são adjetivos, ou seja, condições
temporárias do fato psíquico" (Assagioli, 2009).

"A entrada de consciência superconsciente pode ocorrer


de duas formas: a primeira e mais comum que pode ser
chamada "descendente", e consiste no surgimento de
elementos supraconscientes dentro do campo da
consciência na forma de intuições, inspirações súbitas ou
iluminações. Muitas vezes, espontânea e inesperada, mas
às vezes também pode atender a uma chamada ou
invocação, tanto consciente e inconsciente. A segunda
maneira poderia ser chamado de "ascendente" e
acontece quando nosso centro da consciência é elevada
a partir do Eu auto-consciente em níveis acima do
normal, para chegar à área do supraconsciente."
(Assagioli, 2009).

A região Supraconsciente (Superconsciente) é o campo


de registros mediúnicos que carregam memórias
marcantes no contato com a Espiritualidade. Visões
(clarividências), intuições (comprovadamente acertadas),
comunicações (escritas ou faladas) com informações
comprobatórias da autenticidade mediúnica. Todas estas
ocorrências patentes ligam-se a esse canal por onde
fluem os conteúdos recebidos pela Espiritualidade, Guias
e Protetores, portadoras da energia emocional que
promove alterações benéficas na maneira de entender a
vida, pela convicção que produzem e, consequentemente,
afetando o comportamento do médium.

"[...] o valor destas experiências [...], portanto,


efetivamente ajudam a solucionar todos os problemas

349
humanos, individuais ou sociais. Fazem-no
enquadrando-os em uma realidade mais ampla,
reduzindo-os a sua justa proporção, permitindo valorizá-
los de forma distinta e muito mais justa. De tal modo que
os problemas, ou já não nos preocupam mais e se
evaporam, ou aparecem em uma luz superior, de modo
que a solução é apresentada com clareza e concisão"
(Assagioli, 2009).

A vivência dos conteúdos carreados ao Supraconsciente


abre campo para que o médium de Umbanda desenvolva
Expressões Criativas para o seu existir.

Dentro da vida ritual, a manifestação simbólica


pertinente à Expressão Criativa refere-se aos quadros e
intuições que são interpretados e expressos nos pontos
(riscados e cantados), captados pelo médium, tanto
quanto na confecção de guias, patuás, banhos, firmezas
ou demais objetos rito-simbólicos manufaturados.

Indo além, trazendo a Expressão Criativa para as


questões do existir, esta incorreria na estimulação de
comportamentos emocionais salutares perante os desafios
da existência, conservando sempre um clima de otimismo
e confiança na vida, construído e alimentado por um
sentimento de esperança, norteando o prosseguimento
ante os embates do cotidiano e o cumprimento dos
deveres a que todos somos chamados.

A manutenção de um clima psíquico de alegria e


descontração, aliado a uma atitude de perseverança e
resiliência, é fundamental para a superação das

350
limitações a que todos estamos sujeitos, sem perder o
sentido existencial. Encontrar formas criativas para a
resolução ou, ao menos, o minimizar das agruras e
problemas é a chave para a conservação da saúde e a
garantia de encontrar-se sempre em sintonia com a
Aruanda Maior, a benefício de si-mesmo e de todos
aqueles que, mais que nós próprios, sofrem e necessitam
de solidariedade e compaixão. Estas virtudes, nada mais
são do que as bases da Caridade.

Por fim, a relação desse comportamento virtuoso e a


Expressão Criativa se deve ao fato de que, o
Desenvolvimento Mediúnico, consciente e bem
estruturado, não prescinde do cultivo de valores ético-
morais mais profundos, direcionando o médium para o
aprendizado do Altruísmo, traduzindo-se como uma
conquista vertical, ao mesmo tempo horizontal, pois ao
aprofundar-se nas vivências interiores, amplia o seu
campo de ligação com os Guias e Protetores
(verticalmente), também adentrando na necessidade de
compreender-se como elemento útil na sociedade e na
família, devendo servir, dentro de suas possibilidades,
com discernimento e sensatez, para a promoção e a
edificação daqueles que lhe seguem os passos
(horizontalmente), espalhando a luz do Orixá e
colaborando para a construção de um mundo melhor.

Afinal, conforme Jesus Cristo já houvera dito "Porque


não é boa a árvore a que dá maus frutos, nem má árvore
a que dá bons frutos. Porquanto cada árvore é conhecida
pelo seu fruto. Porque nem os homens colhem figos dos
espinheiros, nem dos abrolhos vindimam uvas. O homem

351
bom, do bom tesouro do seu coração tira o bem; e o
homem mau, do mau tesouro tira o mal. Porque, do que
está cheio o coração, disso é que fala a boca". (Lucas,
VI: 43-45)

Eis o princípio evangélico pelo qual podemos avaliar e


mensurar os efeitos e a utilidade da vivência religiosa em
nossas vidas. Que cada um avalie por si mesmo esta
questão, no silêncio interior, e reflita quais tem sido os
frutos que tem colhido, ou não, do seu Desenvolvimento
Mediúnico.

352
Educação e Consciência
Mediúnica

Como adendo aos artigos já publicados na temática O


Desenvolvimento Mediúnico na Umbanda, porém não
menos importante, finalizaremos, por ora, nossa série de
estudos tratando dos conceitos e relações que envolvem
Educação e Consciência Mediúnica.

Lembremos São Paulo (ou apóstolo Paulo, como


queiram), quando este escreve, em sua primeira epístola
aos Coríntios (12:1): "Ora, a respeito dos dons
espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes".

Sendo assim, o Estudo a respeito da Mediunidade e


demais questões pertinentes às experiências espirituais,
aliadas ao Estudo e entendimento das lições do
Evangelho de Jesus aplicadas às nossas vidas, permitem
que sejamos capazes de Educar as expressões dos nossos
pensamentos, sentimentos e de nossas irradiações
mentais.

Permita-nos o leitor o esclarecimento de que, na


Umbanda em que praticamos, seguimos os princípios
cristãos como norteadores Ético-Morais de nossa conduta
humana e mediúnica, no que pese nosso respeito por
todos aqueles que, em suas tradições umbandistas,
valem-se de outros referenciais.
353
Pois bem, pelo Estudo - tanto de obras já escritas, quanto
das experiências que vivenciamos em nós mesmos ao
longo da prática mediunista -, passamos a entender as leis
e os mecanismos que nos colocam dentro de todo um
oceano de forças sutis que agitam-se em nós mesmos e
que estas mesmas forças também irradiam-se de todos os
seres existentes no planeta, ligando-nos, pela sintonia e
afinidade, às ideias, pensamentos e motivações dos mais
diversos tipos. Esta afinidade se estabelece tanto
positivamente, quanto negativamente, a depender daquilo
que guardamos dentro de nosso mundo íntimo e daquilo
que escolhemos pensar, sentir e expressar, tanto pelas
palavras quanto pelas nossas atitudes.

Se, em conjunto com o Estudo dos Processos


Mediúnicos, também associamos o Estudo do Evangelho
do Cristo, poderemos encontrar nele (no Evangelho) o
norteador da nossa conduta, pois passaremos a discernir
melhor o bem e o mal, e quais os comportamentos que
devemos adotar para que possamos amadurecer perante a
vida, deixando determinadas condutas, nas quais nos
prendemos ao longo do tempo, abrindo-nos para a
renovação e a libertação de estados de sofrimento.

Pior do que sofrer, é sofrer sem saber o porquê se está


sofrendo...

O Estudo equipa de recursos o indivíduo para que possa


compreender a sua própria realidade (psicológica, social,
financeira, religiosa, profissional, etc.), também como a
do mundo no qual vive e, assim, poder ter possibilidades

354
mais amplas de estabelecer programas educativos,
saudáveis e felicitadores para a sua existência.

Melhor do que fazer algo, é ter conhecimento suficiente


para poder fazer bem aquilo que se proponha a fazer.

Educação Espiritual, portanto, obedece ao mesmo


mecanismo da Educação na Terra (que não deixa de
ser espiritual, bem se diga).

Pensando assim, se nos lembramos do significado da


palavra Educação, veremos que esta origina-se de dois
termos latinos, "Educare e Educere". Educare significa
orientar, nutrir, decidir externamente, direcionando o
indivíduo a se transferir, de um determinado ponto em
que se encontra até outro ponto onde se deseja chegar.
Educere, por sua vez, implica num movimento interior,
fazendo surgir do intimo do indivíduo as potencialidades
que estão dentro de si e que até então permaneciam
desconhecidas.

Por isso, a conquista da Educação Espiritual, segundo


nosso ponto de vista, só pode ocorrer quando entramos
em contato com o meio em que vivemos, trocamos
experiências com o outro e somos, por isso, levados a
mudar nossas concepções e comportamentos diante da
vida. Ao mesmo tempo, ao adquirirmos elementos para
avaliar nossa própria realidade interior, por meio da
leitura e do diálogo, saberemos situar melhor nosso
pensamento, nossas emoções e assim, voltando à questão
mediúnica, saberemos com certeza onde situamos nossa
sintonia e nossas irradiações espirituais.

355
Assim é que, dentro dessa perspectiva de Educação, os
Centros Espíritas e os Terreiros têm modificado a
nomenclatura e a conceituação a respeito dos trabalhos
de Desenvolvimento Mediúnico, passando a tratá-lo
como Educação Mediúnica.

Tratamos muito as relações diretas entre a vivência


espiritual-mediunista e a vivência no dia-a-dia, porque
entendemos que não pode haver uma cisão entre o que
experienciamos na lide religiosa e o que experimentamos
na vida cotidiana. A busca pela Espiritualidade e a sua
correspondente introjeção em nossa vida particular, deve
servir justamente para provocar efeitos benéficos na
maneira de lidarmos com a realidade cotidiana que se nos
apresenta na jornada humana. Encontrar os meios mais
razoáveis de dar-lhe significados existenciais profundos,
utilizando-se para isso do que a religiosidade pode nos
oferecer, é a atitude positiva e madura de entendermos o
sentido e a importância da religião em nossas vidas.

Ao adentrarmos o campo da Educação Mediúnica, o seu


desenvolvimento operar-se-á sob a abertura da
compreensão em torno dos Níveis de Consciência em que
cada um de nós estagiamos e, consequentemente, como
eles estão relacionados à nossa prática mediunista.

Consciência deriva do latim scire (conhecer) e cum


(com). Consciência, portanto, significa "conhecer com".

O conceito de Níveis de Consciência foi exarado pelo


bioquímico Robert De Ropp, o qual inspirou-se nas
experiências e ideias de G. I. Gurdjieff, a respeito dos

356
Estados Alterados de Consciência, buscando estudá-los e
compreendê-los em sua relação com a subjetividade
humana. Didaticamente, De Ropp classificou-os como:

1. Consciência de Sono sem Sonhos: fenômenos


orgânicos automáticos se exteriorizam - digestão,
respiração, reprodução, circulação sanguínea,
etc. - sem o conhecimento da consciência, que
permanece como que anestesiada, sem ação
lúcida sobre os acontecimentos em torno da
própria existência e a ausência de vontade do
indivíduo contribuindo para o trânsito lento do
instinto para os pródromos da razão;
2. Consciência de Sono com Sonhos: liberação de
clichês e sujeição lenta à realidade, passando
pelas fases dramáticas - os pesadelos, os pavores
- para os da libido - ação dos estímulos sexuais -
e os reveladores - que dizem respeito à parcial
libertação do Espírito quando o corpo está em
repouso
3. Consciência de Sono Acordado (Desperto): há a
determinação pessoal aliada à vontade,
conduzindo o ser aos ideais de enobrecimento, à
descoberta da finalidade da sua existência, às
aspirações do que lhe é essencial, ao
autoencontro, à realização total.
4. Consciência de Transcendência do Eu: ocorre a
identificação consigo mesmo, com a consequente
liberação do Eu Profundo, realizando a harmonia
íntima com os ideais superiores, seu real objetivo
psicológico existencial. Superação de todos os
conflitos, angústias, desidentificação de todo e

357
qualquer conteúdo psicológico afligente,
atingindo a iluminação.
5. Consciência Cósmica: Dissolução de toda
contradição e a vinculação integral ao Logos
(Pensamento) Divino.

Ao realizarmos uma interface dos conceitos em torno dos


Níveis de Consciência na subjetividade humana, com a
maneira como estes podem delinear o alcance do nosso
universo espiritual e as relações afins com a dimensão
extrafísica que estabelecemos por conta da maior ou

358
menor amplitude mental de que somos portadores,
verificaremos que:

1. Consciência de Sono (sem sonhos e com


sonhos): a relação mediúnica aparecerá
marcada pela obsessão (comunhão mental
doentia com a realidade espiritual), ao mesmo
tempo em que recebe uma compensação pela
inspiração dos Espíritos Protetores e o "Anjo de
Guarda" particular.
2. Consciência de Sono Acordado (Desperto): a
mediunidade é preponderantemente de provas,
momento no qual a amplitude mental já faculta
ao ser libertar-se do contato rudimentar com o
mundo espiritual e desvincular-se dos
mecanismos obsessivos. A mediunidade passa a
ser acessada como uma faculdade, um recurso
mental que deve estar sob comando do Espírito e
não somente um canal de abertura para a
realidade transcendente.
3. Consciência de Transcendência do Eu: com a
consciência de Si, a transcendência do ego, a
mediunidade torna-se lúcida, saudável. O seu
detentor, naturalmente, direciona-a para
objetivos relevantes da existência, sob indução e
orientação dos Guias e Protetores.
4. Consciência Cósmica: a mediunidade expressa-
se livremente, sem as amarras corporais, num
êxtase. Possui uma característica que transcende
ao cognoscível, a qual podemos identificar na
frase do apóstolo Paulo: "Já não sou eu quem
vive, é Cristo que vive em mim".

359
Uma vez que o exercício de intercâmbio com o mundo
espiritual, em sua qualidade, dependerá do nível de
consciência em que o médium estagia, a prática regular e
equilibrada poderá fazer com que a faculdade mediúnica
sirva, como já vimos dizendo, como impulsionadora da
Ascensão Consciencial do médium, uma vez que este
pode, e deve, integrar-se aos conteúdos psíquicos novos e
superiores que são trazidos pelos Guias Espirituais,
introjetando-os em seu pensamento e comportamento,
para que tornem-se, por sua vez, cargas despertadoras de
seus próprios conteúdos, contribuindo para a sua
maturidade e individuação.

Dessa forma, o processo Educativo envolvido no


Desenvolvimento Mediúnico, objetiva não somente
adestrar o médium para comandar o fenômeno do transe
e a relação transitória do contato mediunista. A atividade
de Desenvolvimento Mediúnico na Umbanda estabelece
a abertura para a expansão da consciência do ser diante
da realidade e das suas próprias condições como Espírito,
permitindo-o inteirar-se e perceber os valores
transcendentes da vida, os espirituais.

Tudo isso, vincula-o a um estado de serenidade,


compaixão e discernimento que o faz compreender a
finalidade do existir, percebendo-se de maneira intensa e
tendo claramente a ideia e a vontade a seu dispor,
optando pelo que quer e onde objetiva chegar em sua
jornada.

Esperamos que tenhamos contribuído, humildemente, ao


decorrer destes 05 artigos, com uma compreensão mais

360
abrangente do que podemos entender como o
Desenvolvimento Mediúnico na Umbanda.

361
A Visão de um Adepto

O Processo de Ensino-Aprendizagem
na Umbanda

Pensando a respeito do processo de ensino-


aprendizagem, na cultura umbandista, gostaria de
compor algumas linhas sobre o tema.

Diferentemente de um fato que ocorria no meio


umbandista até poucas décadas atrás (até a década de 90),
em que pouquíssima coisa havia sido registrada e
transmitida, utilizando-se do recurso do livro e,
posteriormente, da internet, hoje, vemos uma grande
proliferação de obras literárias (acadêmicas ou não)
tratando especificamente da Umbanda, sem contar outras
falando das demais religiões pertencentes à cultura afro-
brasileira, assim como uma grande diversidade de sites e
blogs na internet, nos quais também existem conteúdos e
informações (embora muitas vezes repetidos ou
plagiados) a respeito deste universo religioso.

Não pretendo julgar a validade ou a qualidade do


conteúdo presente nestes livros ou na internet, pois,
naturalmente, existem aqueles de valor considerável e
aqueloutros que, de fato, não merecem nenhuma
362
consideração, tamanha a pobreza de ideias, a quantidade
de conceitos equivocados, visões de mundo distorcidas,
etc.

Bom, isso a parte... quero enfatizar que o processo de


ensino-aprendizagem na Umbanda está diretamente
ligado à transmissão oral (oralitura) e a experimentação
multissensorial (que não envolve somente o uso do
intelecto, mas de outras funções e percepções psíquicas).
Ou seja, nesta prática religiosa, o conhecimento é
transferido na interação direta e pessoal entre Pai (Mãe)-
de-Santo e Filho-de-Santo, a qual ocorre pelos ensinos
que são ministrados durante o dia-a-dia dos trabalhos –
antes, durante e após estes –, nos ritos especiais e nas
atividades específicas de iniciação (as obrigações,
preparações ou amacis, de acordo com o termo usado em
cada casa) pelas quais os adeptos passam, ao longo do
seu aprendizado mediúnico.

Ter contato com os objetos e elementos do culto. Sentir


os pés descalços no chão. Ouvir o som dos cânticos e dos
instrumentos. Orar em silêncio. Rezar em comunhão com
o irmão de terreiro. Mãos dadas. Observar o
multicolorido das roupas, fitas e velas. Sentir os aromas
das ervas, das defumações e das flores do ambiente.
Perceber-se em transe, tomado por uma energia fora de
si-mesmo.

Tudo isso compõe um processo de aprendizagem que


envolve múltiplas sensações e percepções, ampliando a
experiência psicológica e espiritual pertinente à
Umbanda. Trata-se de um conhecimento experimental,

363
de um saber-fazer que só pode ocorrer na prática e na
experimentação direta e interessada nas giras, nos
trabalhos espirituais de toda e qualquer natureza que se
desenvolvem dentro do terreiro. Essa condição que é
dada ao filho-de-santo, a de “estar presente”, é que
colabora para a gradual construção de
uma “compreensão intuitiva” a respeito da realidade
espiritual e dos sentidos profundos que estão “velados”,
ocultos, nos trabalhos espirituais.

Dessa forma, na Umbanda, a porta para o acesso ao


conhecimento espiritual está em “sentir” e “viver” esta
forma de religiosidade. Ou seja, a aprendizagem de maior
valor para essa cultura religiosa pertence ao que vem “de
dentro” do adepto e não, necessariamente, às formas
externas de aquisição de conhecimento. Ao longo dos
anos, a relação subjetiva, interna e particular, com as
entidades espirituais e com o seu Mestre Espiritual
(Pai/Mãe-de-Santo) implica em revelações que vão sendo
abertas para o médium a pouco e pouco.

As ferramentas para a aquisição do Saber, na Umbanda,


dentro desta perspectiva “desde de dentro” do médium
são as intuições, as descobertas interiores, as revelações,
a dedicação, o interesse pessoal e o dom (aqui entendido
como a capacidade inata do indivíduo de captar e receber
orientações diretas do mundo espiritual). Todos esses
fatores remetem a compreensão de que o modo de
aprender na Umbanda está ligado a uma tradição que é
vivida dentro do terreiro, aprendida e repassada,
principalmente por meio da memória e da oralidade.

364
Falando da oralidade, quero dizer que a fluência do
ensino é transmitida da “boca ao ouvido”. Da boca do
Chefe de Terreiro ao ouvido do(s) médium(ns). Isso tem
uma força simbólica muito grande, pois ouvir
diretamente um conhecimento transmitido por aquele que
tem o papel reconhecido como o de Mestre, vai muito
além do que ler algo distante e descontextualizado
daquela tradição na qual o médium está inserido.

Entretanto, a Umbanda não marginaliza a leitura como


fonte de conhecimento. Não há uma oposição ao livro ou
a leitura. O que acontece é a acomodação da cultura
literária como sendo uma experiência de segundo plano,
complementar, e não a experiência central para a
transmissão do conhecimento. Essa experiência central,
quero ressaltar, pertence ao campo da experiência pessoal
e subjetiva, da transmissão oral entre Mestre e discípulo e
da memória conservada ao longo das gerações dentro do
terreiro.

Devemos compreender que os livros cuja temática é a


Umbanda, colaboram para trazer esse universo religioso
para uma dimensão menos marginalizada em nossa
sociedade (pois nossa sociedade atual valoriza mais a
linguagem escrita do que outras formas de linguagem).
Podemos ver que atualmente há um interesse crescente
por parte de historiadores, antropólogos, cientistas da
religião, psicólogos entre outros pesquisadores no mundo
acadêmico, em estudar a Umbanda e divulgá-la como um
fenômeno religioso válido e com uma cultura rica e
saudável, ao contrário do estigma que fora criado sobre a
Umbanda, taxando-a como uma seita esdrúxula, repleta

365
de crendices e práticas perigosas para a saúde
psiquiátrica das pessoas.

Contudo, os livros, os blogs (inclusive esse que você lê) e


os sites tratam sempre de aspectos externos, genéricos e
superficiais da Umbanda. Eles falam daquilo que “pode
ser falado” abertamente. Por isso, o cuidado que o adepto
sempre deve ter ao ler e analisar tais obras a respeito
daquilo que elas trazem e ensinam, pois muitas das vezes
os livros estão refletindo o pensamento próprio do seu
autor dentro daquela tradição que é seguida por este e
que, naturalmente, não cabem dentro da tradição que
seguimos particularmente. Vale como um ponto de
informação e reflexão, mas nunca como “pedra de
toque”.

Os livros (os que detêm conteúdos coerentes, é claro)


também nos ajudam a entender a Umbanda como um
fenômeno religioso, compreendendo seu
desenvolvimento histórico e social, ensejando que
tenhamos uma visão crítica/analítica de nossa religião,
reforçando nossa identidade cultural-religiosa e sabendo
situá-la perante a sociedade em que estamos inseridos.

Assim, enfatizo que as obras umbandistas (e


espiritualistas em geral) são um recurso valioso para o
médium e demais adeptos, mas que têm seu lugar bem
definido e delineado na prática Umbandista.

Os conhecimentos centrais e profundos só são acessados


pela experiência na prática cotidiana, no “estar presente”
e interessado no terreiro, e pela transmissão oral, de

366
“boca a ouvido” entre Pai(Mãe)-de-Santo e Filho-de-
Santo...entre Mestre e discípulo.

Sustentação do Trabalho Espiritual

Gostaria de enfatizar, neste breve texto, uma questão


muito importante em qualquer trabalho de ordem
espiritual, principalmente naqueles que se utilizam do
fenômeno mediúnico, tal como ocorre nos templos de
Umbanda e nos centros espíritas. Essa questão se refere a
atividade de Apoio e Sustentação.

Geralmente, encontro muitos textos ou mesmo troco


experiências, informações e conhecimentos com pessoas
ligadas à Umbanda e ao Kardecismo, e de maneira geral,
quando falamos dos trabalhos espirituais, enfocamos
muito as expressões mais conhecidas da mediunidade,
como a Incorporação (psicofonia, no kardecismo), a
Psicografia, a Pictografia, a Vidência/Clarividência, a
Clariaudiência, a Intuição, a Inspiração, a Psicometria e
também algumas especialidades da mediunidade de
efeitos físicos (como a materialização e a ectoplasmia).

Entretanto, deixamos de lado uma especialidade que,


embora não seja propriamente uma expressão mediúnica,
é fundamental para os trabalhos espirituais: a atividade

367
de Apoio e Sustentação vibratória do ambiente, no qual
estão sendo desenvolvidos os trabalhos.

Seja numa sessão espírita (de atendimento espiritual,


desobsessão, ou mesmo numa palestra pública), seja
numa gira em um terreiro de Umbanda, temos a presença
de pessoas, colaboradoras da casa, desenvolvendo a
atividade de sustentação vibratória, quer elas saibam
disso ou não. Aliás, essa função pode ser e é, de fato,
realizada até mesmo por aquelas pessoas que estão
sentadas na Assistência destes trabalhos, mesmo que
também não o percebam.

Podemos desmembrar a composição de um trabalho


espiritual, de uma maneira genérica, em alguns elementos
que desenvolvem funções mais ou menos específicas.
Primeiramente, temos dois conjuntos de colaboradores
que operam em níveis diferentes do ambiente de trabalho,
ou seja, temos os trabalhadores Desencarnados (Guias,
Mentores, Protetores) e os trabalhadores Encarnados
(Médiuns, Dirigentes, Auxiliares). Da mesma maneira,
na parte da Assistência, temos a Assistência que é
composta por Encarnados e uma Assistência que é
composta por Desencarnados. Todos compartilhando do
mesmo ambiente, em ambas as dimensões da vida.

Como nossa intenção é falar da atividade de sustentação,


gostaria de tratar especificamente, do conjunto dos
trabalhadores encarnados, o qual é constituído por:

Dirigente dos trabalhos, aquele que exerce a liderança


espiritual naquela atividade;

368
Médiuns Ostensivos (“médiuns de trabalho”, no dizer
popular, pode ser médium de incorporação, vidente,
psicógrafo, etc..a depender do tipo de trabalho);

Sustentadores (também podem ser entendidos como


auxiliares, assistente, participante, apoiador, ou
“`médiuns” de sustentação, já numa linguagem mais
específica do kardecismo);

Então, qual seria, do ponto de vista da função, a


importância daqueles que servem como sustentadores do
trabalho espiritual? Bom, sabemos que a função dessas
pessoas é a de ajudar a SUSTENTAR os trabalhos...mas,
o que seria isso?

Se recorrermos a um bom dicionário da língua


portuguesa, vamos encontrar alguns significados para a
palavra Sustentar (como, ter ou segurar por baixo,
impedir de cair, apoiar, etc.). Mas, um desses
significados é bastante adequado para a ideia de
Sustentação no trabalho espiritual. Sustentar seria
AMPARAR; FORNECER RECURSOS A.

Logo, aquele que figura como Sustentador é todo e


qualquer pessoa que participe do ambiente do trabalho e
que possa contribuir fornecendo vibrações elevadas para
a formação e manutenção do campo espiritual e
energético da Casa. Esta pessoa pode ser um médium de
trabalho ou não, desde que NÃO ESTEJA SENDO
ATUADO diretamente por uma entidade espiritual (seja
na incorporação, na psicografia, ou qualquer outro
fenômeno que exija a participação direta do médium).

369
Na Umbanda encontramos esse papel sendo
desenvolvido, dentro da corrente mediúnica da casa,
especificamente pelos Cambones e Ogãs/Curimbeiros.
Também os demais médiuns que não estejam em trabalho
em um momento qualquer também servem como um
Sustentador.

No Kardecismo, encontramos os trabalhadores da


Sustentação, geralmente sentados ao lado dos médiuns de
psicofonia, nos trabalhos de desobsessão e/ou assistência
espiritual, auxiliando os médiuns de psicografia e
também formando a corrente necessária para os médiuns
passistas.

É importantíssimo que eu ressalte que não basta somente


“estar do lado” do médium, ou no ambiente de trabalho
para concorrer com a manutenção vibratória e espiritual.
É preciso estar numa condição própria para isso. O que
na verdade é algo bastante simples e sem demais
complicações. Basta, somente, que a pessoa esteja no
ambiente do trabalho com o seu pensamento voltado
exclusivamente para o que está acontecendo ali (ou seja,
não ficar dentro do trabalho pensando no “jogo do
Corinthians”, nem no que vai fazer na hora que sair dali,
ou demais distrações que não dizem respeito àquele
momento). Manter-se em oração, mentalizando imagens
positivas, saudáveis, etc. Sem forçar nada. Entregar-se
àquele momento com alegria e gratidão por poder estar
ali e direcionar sua atenção para o que está ocorrendo no
ambiente.

370
Vale lembrar também que todos os recursos humanos que
estão disponíveis no ambiente de trabalho são utilizados
pelos Mentores de Luz, seja a pessoa médium de trabalho
ou não. Eles se utilizam das emanações de energia
positiva que são geradas por cada pessoa, quando estas se
encontram envolvidas em pensamentos saudáveis, em
oração, etc. Com o passar do tempo, é até comum que
determinadas pessoas que antes só atuavam como
Sustentadores passem a ter afloradas em si, expressões
mediúnicas belas e ostensivas, direcionando-as para que
passem a também tornarem-se médiuns de trabalho.

Neste ponto, surge mais uma pergunta. Qual a relação de


importância entre o médium de trabalho e o sustentador?

O Sustentador funciona como um gerador e mantenedor


do padrão das energias que devem estar disponíveis no
ambiente. Quando um médium de trabalho está atuado
por um Guia (na Umbanda, por exemplo) desenvolvendo
um trabalho, ou mesmo numa sessão de desobsessão
(Espírita) em que o médium dá passagem a um irmão
sofredor, devemos saber que neste momento há um
consumo muito grande da energia de ambos. As energias
do Médium, assim como a do Espírito (seja ele um
Mentor ou não), vão sendo consumidas (como uma vela
que tivesse um pavio aceso em cada extremidade). Esse
consumo da energia pode ser mais ou menos intenso a
depender da capacidade de doação de energias próprias
de cada médium e de cada Entidade (nem todos tem o
mesmo potencial). Isso se deve ao fato da necessidade
que ambos têm, médium e Entidade Espiritual, de
equilibrar as suas vibrações para que o “encaixe” entre as

371
suas irradiações possa ocorrer e assim também provocar
a manifestação mediúnica (incorporação, psicofonia,
psicografia, etc.).

Dessa forma, o Sustentador gera um potencial de


energias que é distribuído na corrente mediúnica e é
assimilado pelo campo mediúnico-vibratório dos
médiuns que se encontram em trabalho, de maneira que
este campo possa ser revigorado, alimentado, e a sua
ligação com a Entidade Espiritual possa ocorrer durante o
tempo necessário para o trabalho.

Lembramos que no caso daqueles que se encontram na


Sustentação, embora não estejam em trabalho, os seus
Guias e Mentores de Luz também estão atuando, mas de
maneira sutil. Ao invés de atuarem envolvendo-os
diretamente com a sua irradiação (conforme o caso da
incorporação, psicografia, etc.), o Mentor atua criando
um campo de Inspiração e de Intuição para com o seu
médium, permanecendo também ele (o Guia) atuando
como um sustentador do ambiente, só que na dimensão
espiritual.

Falando especificamente da Umbanda, conforme já


tratamos em outros textos, as vibrações da música por
meio do ritmo percussivo (feito pelos atabaques, palmas,
etc.) e da voz (as melodias e as mensagens contidas nas
letras dos Pontos Cantados), geradas por aqueles que as
executam de maneira concentrada e em sintonia com o
trabalho, servem como um potencial gerador e
sustentador da corrente mediúnica. Da mesma forma,
aqueles que não se encontram cantando ou tocando,

372
podem manter-se em prece, mentalizando coisas boas
para também alimentar o trabalho dos demais.

Na sessão Espírita, os sustentadores devem agir também


em sintonia com o que se desenvolve no trabalho, sem
alienar-se do que está ocorrendo, mantendo-se em
oração, mentalizando imagens positivas, etc.

Já pensou se aquelas pessoas que assistiam ao Chico


Xavier ficassem mais interessadas em ver a marca da
assinatura da psicografia e o conteúdo da mensagem do
que em orar para que ele tivesse sucesso no atendimento
daquela multidão que o buscava, sedenta de consolo e
esperança?

Já pensou se estivéssemos no trabalho mais interessados


de que o nosso babalorixá ou yalorixá estivesse ali para
resolver um problema particular nosso do que o
atendimento daqueles que buscam o Templo Sagrado
pedindo um lenitivo para as suas dores e aflições?

Eles teriam muito trabalho para conseguir vencer as


resistências vibratórias impostas por aqueles que
deveriam estar ao seu lado para ajudá-los (ao médium e
principalmente aos Mentores de Luz que confiam em
nós), o que colocaria em sério risco as tarefas de
atendimento e consolação, com as quais nos vinculamos,
seja nas Leis de Umbanda ou nos princípios da Doutrina
Espírita.

Por isso a necessidade de SUSTENTARMOS (olha a


palavra aí, de novo) uma postura digna e condizente com

373
o caminho que escolhemos, por vontade própria, trilhar
nessa jornada espiritual de evolução e busca de
iluminação para nós mesmos e para todos que nos
cercam. E devemos fazer isso vigiando constantemente,
em nossas vidas, as nossas palavras e atitudes. Tratando
especificamente do ambiente de trabalho espiritual, essa
atenção precisa ser redobrada, pois necessitamos ter uma
conversação digna e uma postura coerente com o local
em que nos encontramos, em respeito a todos que
compartilham do mesmo ambiente conosco e,
principalmente, em respeito àqueles que batem em nossas
portas em busca de alívio e socorro.

Assim, espero ter contribuído, humildemente, com um


pouco mais de informações e, quem sabe,
esclarecimentos para os que se interessam.

O Templo Religioso como Ambiente


Educativo

Toda instituição edificada sobre princípios éticos e


morais, promovendo a transformação para melhor
daqueles que formam a sua comunidade, torna-se,
obrigatoriamente, em um Ambiente Educativo, Cultural e
Filantrópico, no qual se é dada uma nova proposta e
significação para a existência humana.

374
Sendo assim, o conjunto de experiências e atividades que
constituem o ensino religioso promovido dentro do
Templo, formam o manancial de sentidos que cada
frequentador deve encontrar para a sua própria jornada,
nos diferentes momentos de sua existência.

O templo religioso é uma verdadeira “escola de


almas”.

Ou seja, ele deve contribuir para a construção de novos


hábitos, para a modificação de comportamentos
arraigados, aprimorando o caráter de seu frequentador,
fomentando a troca do “homem velho para o homem
novo”, uma vez que é imprescindível a reforma interior
no adepto para que este esteja integrado a um novo
olhar e atitude perante a vida, os quais lhe serão
possibilitados pela vivência religiosa. Assim, o templo
precisa estar inserido de maneira atuante na dinâmica
da vida de relação das pessoas de sua comunidade,
produzindo uma vivência religiosa possível de ser
integrada na realidade de mundo que circunda o seu
frequentador.

Quando o templo religioso não provoca essas


modificações ou falha nesse quesito, não realizando um
acompanhamento junto a seus frequentadores e,
principalmente, junto aos seus trabalhadores,
permitindo que essa atitude de pequenas ações pela
melhora seja postergada indefinidamente, o efeito disso
é a identificação igrejista da instituição religiosa de
Umbanda.

375
E o que isso quer dizer? Quer dizer que o frequentador
passa a ver o templo somente como um ponto de
expressão de seu sentimento religioso. Um lugar para
onde vai, junto com outras pessoas, viver experiências
que ele não percebe como tendo profunda participação no
restante de sua vida diária. Muitas vezes até, essa
vivência no templo pode tornar-se composta de intenções
particularistas e momentos absolutamente egoístas, pois
não há vínculos com sentidos mais amplos naquela
experiência.

Penso que os templos religiosos, mais especialmente


aqueles pertencentes ao movimento umbandista, devem
se preocupar em oferecer uma possibilidade de vivência
interligada à vida cotidiana de seus adeptos. Porque me
parece frustrante e descompensador frequentar-se uma
“gira” e participar-se de um trabalho espiritual, os quais
se repetem dia após dia, conforme ocorre dentro destes
templos, e verificar que tais práticas possuem frágeis
conexões com aquilo que vivo e experiencio na minha
vida fora do ambiente religioso. Vê-se, atualmente, no
dia-a-dia de muitos templos de Umbanda, práticas e
discursos que encontram-se repletas de crenças mágicas e
imaturas atribuições de expectativas sobre os Guias
Espirituais, os Orixás, Deus... demonstrando pobres e
incompletas relações com a realidade psicológica do ser
humano. Quando muito, o que se vê em muitas casas são
pálidas tentativas de se relacionar a vida e seus desafios
com alguns poucos minutos de ensinamentos evangélicos
ou ético-morais, de maneira geral, mas que não deixam
de ser lições um tanto superficiais e até desconexas do
cotidiano.

376
O papel da Instituição Religiosa é, mais do que servir
como um lócus cultural para a expressão do religioso,
fornecer um conjunto de princípios norteadores para a
vida. E essa função inerente ao templo religioso só pode
ocorrer por meio da Educação.

Curiosamente, quando falamos de Educação, observamos


um preconceito latente no imaginário das pessoas. O de
que a Educação é algo que só se aplica às atividades da
infância e da juventude. Como se os ambientes e as
atividades que são frequentados, predominantemente, por
adultos não necessitassem da aplicação de princípios e
métodos educativos.

A palavra Educação (conforme já tratamos em outro


texto) deriva de dois termos do latim “Educare” e
“Educere”. Educare significa orientar, nutrir, decidir
externamente, direcionando o indivíduo a se transferir, de
um determinado ponto em que se encontra até outro
ponto onde se deseja chegar. Educere, por sua vez,
implica num movimento interior, fazendo surgir do
íntimo do indivíduo as potencialidades que estão dentro
de si e que até então permaneciam desconhecidas.

Naturalmente, existem variações no método educacional


de cada templo religioso, contudo, aqueles trabalhadores
que constituem a direção da instituição e aqueloutros,
incumbidos do ensino, da orientação aos neófitos e da
organização das práticas da casa, devem ter esse olhar
cuidadoso para observarem as expressões dos seus
frequentadores e companheiros de atividades, nunca
fatigando-se ao trabalho de corrigir e orientar qualquer

377
manifestação de comportamento menos feliz ou
inadequada, sempre com tranquilidade, brandura e
educação, embora com austeridade.

Os trabalhadores devem adquirir consciência de seu


papel dentro do ambiente religioso, de acordo com suas
atribuições e, aqueles que compõem o corpo da direção
e da organização da casa, devem também assumir a
postura e a condição premente de educadores. Pois, a
função do educador é despertar o impulso de auto-
educação do educando. O processo de educação é
sempre um processo de auto-educação. E, acima de
tudo, que a atitude do ensino venha sempre
acompanhada do exemplo. Não existe processo de
ensino-aprendizagem sem a justa exemplificação
prática.

Porque se meu companheiro pronuncia uma palavra


infeliz ou faz uma piada inadequada e eu dou risada junto
com ele, ou frequento locais onde ele me vê
compartilhando de seus mesmos hábitos, como vou poder
corrigí-lo dentro do templo religioso? Aí é que surgem os
recursos falidos da educação, como seja o grito, o gesto
agressivo, a palavra que fere e que, muitas vezes, atinge
também aqueles que nada tem a ver com o
comportamento alheio.

Como diria o Espírito Bezerra de Menezes: “Ensinar,


mas fazer; crer, mas estudar; aconselhar, mas
exemplificar; reunir, mas alimentar”.

378
O adepto deve, então, encontrar no templo religioso um
ambiente consolidado em princípios educativos, no qual
lhe seja possibilitado avançar de um ponto a outro em
suas questões existenciais e produzir modificações
interiores, sinalizadas por momentos simbólicos. A
passagem de um grau de iniciação a outro, por exemplo.
A amplitude de sua participação em atividades
específicas da casa. Por exemplo, existem Centros
Espíritas e Templos de Umbanda, nos quais não é
permitida a participação do trabalhador que traz
determinados hábitos (se fumante, se se alcooliza, se
alimenta-se mal) em trabalhos de saúde e cura. A
depender do comportamento manifesto do adepto (aqui,
dizendo mais especificamente em relação aos
trabalhadores da casa) e de como esse empreende a sua
modificação (ou não), o seu nível de acesso as atividades
e atribuições dentro templo, ficam mais ou menos
restritos.

Sendo assim, a Educação no ambiente religioso é a


aplicação de um processo sistêmico de inserção e
desenvolvimento de uma série de habilidades e valores
no campo psicológico de seus frequentadores,
facultando mudanças positivas, tanto intelectuais,
quanto emocionais e sociais.

Se um um novo filho do terreiro chega à casa e


identifica que o padrão de comportamento
dominante das pessoas é o de se portar de maneira
cordata, moderada, respeitosa, denotando hábitos
saudáveis, naturalmente, este se sentirá impelido a

379
proceder da mesma forma, mesmo que lhe faltem,
naquele momento, conquistas mais profundas neste
sentido. Seus hábitos ainda estão arraigados. Suas
expressões grosseiras e impulsivas ainda estão consigo.
Seus vícios ainda o inquietam. Mas, o ambiente não lhe
permite expressá-los, contribuindo para que se veja
induzido a ajustar-se a este novo meio, possivelmente,
lapidando essas arestas e, gradualmente, abrindo-lhe
espaço para novos hábitos, pensamentos e
comportamentos.

De outra maneira, caso seu atual nível de consciência


ainda não o permita reconhecer o ambiente e
comportar-se adequadamente, naturalmente o ambiente e
a postura de seus irmãos de terreiro o neutralizarão em
suas expressões, porque não encontrará identificação
com a qual possa se alimentar, reforçando-se. Ou, caso
não se sinta confortável e suficientemente resoluto em
abraçar essa nova proposta, naturalmente, este indivíduo
retrocederá, permanecendo como frequentador do
templo, mas não vinculando-se a responsabilidades
maiores, o que é compreensível.

Agora, se este filho de fé chega com a sua canga de


hábitos, vícios, má formação em sua educação do lar,
etc., e encontra um ambiente onde impera a indiferença
e/ou a omissão daqueles que deveriam servir-lhe como
educadores (ou mesmo quando há a boa intenção de
orientar, mas sem a devida qualificação e métodos para
isso), onde ele possa livremente se expressar e, ainda,
contando com companheiros que reforcem esses seus
desajustes, consequentemente, fica muito difícil (embora

380
nunca impossível) que ela vá se melhorar, de maneira
significativa, a curto e, muito menos, a longo prazo.

Existe um pensamento de Allan Kardec, que este utilizou


para definir o “autêntico espírita” e que eu julgo
oportuno apresentar:

“Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua


transformação moral e pelos esforços que emprega para
domar as suas más inclinações” (Allan Kardec, O
Evangelho Segundo o Espiritismo – cap. XVII)

Gostaria de pedir licença ao nobre educador lionês (sim,


Allan Kardec era professor e pedagogo) para ampliar
essa frase e colocá-la ao alcance de todo e qualquer
religioso sincero e verdadeiro, incluindo aí a nós, como
umbandistas:

“Reconhece-se o verdadeiro religioso pela sua


transformação moral e pelos esforços que emprega para
domar as suas más inclinações”.

Isso porque esse deve ser o resultado positivo a ser


alcançado por todo aquele que pratica uma religião, seja
ela qual for.

Particularmente, não me é concebível uma pessoa passar


décadas num dado ambiente religioso e não se
modificar de maneira profunda, permanecendo com os
seus maus hábitos mais pueris e exteriores. Sempre que
isso acontece, automaticamente evidencia-se um

381
fracasso no processo educativo, mesmo considerando-se
a possibilidade do livre-arbítrio de cada um.

Cito Jesus, como o Educador Sublime, o qual nos


mostra as mais sólidas regras de Educação.

Vemos, em diversas passagens dos Evangelhos (Mateus,


12:32, 16:23, 23:27, 52:53; Lucas 3:7, 22:31-32, 17:3,
12:27-28; Marcos 9:19, 14:32-41 e outros) a disciplina e
a austeridade de Jesus no trato para com seus discípulos
e inquisidores. Isso nos serve como contraposição a visão
romântica de que o ser “Iluminado”, na condição de
mestre e orientador, é aquele que adota o perfil
“bonzinho”, “melífluo” e que “finge que não está
vendo” o que ocorre ao seu redor. Jesus agia com
brandura e doçura para com os ignorantes, doentes e
esfomeados, mas em contrapartida, tratava com
severidade e exigência os seus discípulos (pois estes
haviam optado por seguí-Lo e dar testemunho das obras
dEle e, por isso, deveriam se portar de maneira coerente
ao seu Mestre). Não há um só momento em que,
observando comentários e atitudes inadequadas de seus
discípulos, Jesus prontamente não os tivesse corrigido e
chamado a atenção.

A essência ética da Pedagogia de Jesus está contida no


Amor. Mas não nesse amor revestido de romantismo
piegas de novela, abobalhado.

O amor de Jesus Cristo é verdadeiro e se expressa como


uma postura exigente e que incita a modificação.

382
Confessar amor a Jesus Cristo está íntima e
obrigatoriamente ligado em assumir uma vinculação
integral a uma proposta ética que lança o indivíduo a
um novo patamar de vida nos seus aspectos individual e
coletivo. Isso é muito diferente deste “Cristianismo
adocicado” (como dizem alguns teólogos) que mistura
frases do Evangelho, conceitos de auto-ajuda e de
empreendedorismo norte-americano, conforme andamos
vendo proliferar nos núcleos religiosos cristãos da nossa
sociedade.

Ligar-se a Jesus é ter visão crítica e ética da realidade


de si mesmo e daqueles que o cercam, tal qual Ele
houvera tido.

Não é uma postura de acordos ou de trocas com o


mundo, e muito menos com Deus, pela qual eu moldo
minha religiosidade e minha espiritualidade de acordo
com aquilo que me é conveniente, sem abrir-me ao
esforço da modificação de meus hábitos arraigados e das
minhas falhas morais.

Olharmos a vida de Jesus, contida nos Evangelhos, é


percebermos que nele há uma constante postura
educativa, repertoriada por diferentes tipos de
linguagens. Na Sua ética, não cabe a conivência com o
erro e a mentira, conquanto sempre Ele tivera também as
palavras, os ensinamentos e o convite para que cada um
olhasse não só para as suas debilidades e as chagas
morais que todos carregamos, mas também para os
potenciais de evolução de que somos portadores, se, e
somente se, optarmos por abandonar uns e abraçarmos

383
outros. De outra forma, estaremos sempre em desacordo
com a Educação do Cristo.

Vícios e Virtudes não caminham para o mesmo lado,


seguindo sempre sentidos opostos e que levam a
consequências também opostas.

Com Jesus, aprendemos que tolerar e compreender não


é “fingir que não está vendo o erro”. Ser bom “não é
deixar de corrigir e repreender”.

Portanto, não se pode haver uma permissão, mesmo que


tácita, dentro do templo religioso, para que expressões
cristalizadas dos hábitos negativos que “cada um traz
de casa” encontrem morada e se espalhem em um
comportamento dominante de seus frequentadores.

Essas situações, inclusive, concorrem para que haja a


abertura para a entrada, no templo religioso, daqueles
seres que habitam o mundo espiritual inferior e que não
querem a melhora real e o beneficiamento profundo
das pessoas, iludindo-as quanto a sua verdadeira
condição interior. Promover o cultivo da ignorância e
da acomodação, insuflar o desrespeito em forma de
deboche para com o líder e as regras da casa, a
conversação malsã, são maneiras que os adversários
das sombras utilizam-se para promover o bloqueio
espiritual daqueles que se deixam influenciar pelas suas
sugestões, tentando estender o seu raio de ação sobre
todos.

384
Por isso é que a vivência no ambiente religioso deve
servir justamente para que estas expressões possam ser
objetivamente cerceadas (cortadas), dando a ideia clara
para o frequentador, principalmente se for um
trabalhador, de que aquela maneira de se portar, de
falar e até mesmo de se vestir não são bem-vindas, pelo
menos no ambiente interno à Instituição, cumprindo-lhe
adequar-se.

Mesmo não sendo possível e nem conveniente perquirir


e exigir-se o comportamento do adepto em sua vida
privada - no seu ambiente profissional ou no seu lar -
resguardando-se à consciência de cada um a análise
sincera para identificar se aquilo que expressa no
ambiente religioso é coerente com o que manifesta em
sua vida particular, é impostergável manter o ambiente
interno do templo a salvo destas ervas daninhas, como as
expressões desequilibradas, desrespeitosas,
maledicentes, agressivas, viciosas, relaxadas,
irresponsáveis e irrefletidas de qualquer natureza, que
possam colocar em descrédito a instituição, colaborando
para o afastamento daqueles mais sinceros e interessados,
fragilizando - conforme o tempo em que perdurem - o
senso moral de seus frequentadores e, além disso,
maculando o nome da religião e a memória daqueles que
tanto lutaram, durante anos a fio, para a consolidação
daquela instituição e de seu trabalho de natureza
superior.

Para isso, é imprescindível uma atitude clara de


austeridade e a comunicação constante, sem enfado e
nem perturbação, da não conivência para com posturas

385
inadequadas e situações que desvirtuem a proposta
religiosa do templo.

O Templo não é feito para os Guias, é feito para as


pessoas. Os Benfeitores do Espaço vivem livres pelo
Cosmo e não dependem de quatro paredes. Portanto,
mais do que um mero ponto de convívio social. Mais do
que um local onde se presta a chamada “Caridade”. O
templo religioso deve ser colocado a um nível que seja
capaz de dialogar com as aspirações humanas. Discutir
a questão da morte, dos desafios da vida em família, da
vida em sociedade, dos cuidados com a saúde, dos
dramas interiores, do papel do umbandista no mundo, da
ética religiosa, etc. Proporcionando assim que o seu
frequentador tenha uma clara percepção psicológica de
que a sua atividade religiosa possui conexão com a sua
vida, num todo coerente, exigindo de si uma postura
condizente dentro e fora do ambiente do terreiro.

Saliento que o terreiro deve, necessariamente, servir


como um local no qual o indivíduo encontre uma nova
proposta de vida. Não deve servir, somente, como um
lugar para cumprir meras formalidades da sua vida
social-religiosa, mediante a sua presença física
desvinculada da emocional e o descompromissado
comparecimento a festejos e comemorações.

386
A Ética do Filho-de-Santo

Este texto trata de algumas reflexões particulares que


tenho feito sobre a ética que deve existir na relação
mestre-discípulo, pai/mãe-de-santo e filho-de-santo,
dentro da religião Umbandista.

“Difícil não é ser mestre. Difícil é ser discípulo”. Porque


"mestre” muitos acham que são ou podem ser.

O Sacerdote ou a Sacerdotisa dentro da religião de


Umbanda (pai ou mãe-de-santo) detém as chaves e os
conhecimentos fundamentais da raiz e da tradição
umbandista que cada terreiro possui.

Como pessoas mais velhas dentro da tradição religiosa,


que construíram o seu caminho antes de nós, o pai e a
mãe-de-santo são reconhecidos como sendo capazes e
capacitados para exercer sua função de líderes espirituais
de uma comunidade de terreiro. Isso porque nosso
pai/mãe-de-santo foram também filhos-de-santo daqueles
que os precederam e passaram por um longo período de
formação e aprendizado para estarem onde estão.

Na minha visão, quando uma pessoa escolhe uma casa de


umbanda para frequentar, principalmente se na condição
de médium, ela deve tomar essa decisão verificando se
aquele templo dispõe de princípios de trabalho que se
entendam como sendo ricos e coerentes com as

387
expectativas que esta pessoa possui em sua busca
espiritual.

Com mais destaque, quando falamos daquele que será


nosso pai/mãe espiritual. Devemos reconhecer essa
pessoa como sendo portadora de valores ético-morais
com os quais nos identificamos e como alguém de grande
experiência na vivência umbandista, sendo ela quem irá
guiar o discípulo pela estrada da iniciação, em cuja
imagem e exemplo devemos nos inspirar.

Não quero dizer que tenhamos que cultuar, idolatrar e,


muito menos, bajular a pessoa de nossa mãe/pai de santo.
Tão pouco, devemos procurar nela a imagem de um santo
ou anjo perfeito e infalível, que está a nossa disposição
para resolver todo e qualquer problema de nossas vidas,
coisa que está muito distante da realidade de qualquer ser
humano. Contudo, nosso mestre deve ser tido como
alguém merecedor de grande estima e respeito de nossa
parte.

Uma vez que escolhi aquela determinada pessoa para ser


minha mãe-de-santo ou pai-de-santo, a ponto de dar a ela
a minha coroa, a minha cabeça para ser “feita” e,
consequentemente, comprometi-me com ela e com a
minha comunidade de santo em ligações espirituais de
profundidade, é porque reconheço-a como sendo
plenamente capacitada para me guiar e orientar em minha
vivência religiosa/espiritual dentro das Leis de Umbanda.

O filho-de-santo deve compreender que desrespeitar o


seu Mestre Espiritual é desrespeitar o terreiro que

388
frequenta, assim como os Guias e Mentores da Casa e os
irmãos-de-santo que lhe compartilham da vivência
religiosa. Fazer piadas e debochar do Mestre demonstra
uma personalidade infantil e ególatra, que se pretende ser
autossuficiente e substituir a figura do pai/mãe-de-santo
pela sua própria. Mostrar despeito e desconsideração para
com os ensinamentos e/ou advertências do líder religioso
é achar-se melhor capacitado e mais experiente do que
seu próprio mestre.

Na condição de filho-de-santo, gostaria também de


colocar que essas situações são muito do gosto daqueles
seres espirituais que habitam as trevas do mundo
espiritual, os quais se valem destas aberturas que damos
em nossos pensamentos mal conduzidos para insuflar
essas atitudes infelizes, minando nossas resistências
morais, provocando a dúvida e o desrespeito para com a
Mãe ou o Pai-de-Santo, numa tentativa de desvirtuar e
fazer falir as atividades benéficas e de auxílio que o
templo religioso desenvolve.

Portanto, minha postura deve ser pautada em uma ética


de respeito ao meu sacerdote/sacerdotisa. Suas palavras e
ensinamentos devem ser sempre ouvidos em silêncio,
mesmo que no momento não compreendidos, para serem
posteriormente meditados pelo filho-de-santo para
entender o sentido de suas lições. Caso determinadas
colocações ou atitudes do babalorixá/yalorixá tenham
causado dúvidas, discordâncias ou qualquer sentido de
contrariedade para o filho-de-santo, este deve pedir uma
conversa particular e direta com seu pai/mãe espiritual.
Jamais colocar sua contrariedade como objeto de

389
discussão pública dentro do terreiro. Porque muitas
vezes, as razões que levaram o líder religioso a tomar
determinadas posturas e medidas estão de acordo com a
visão que este possui na sua condição de líder e de pessoa
mais experiente, e que ainda escapa ao filho-de-santo
uma compreensão integral a respeito, justamente por sua
inexperiência. Sendo assim, na ética imposta ao filho-de-
santo, jamais este deve fazer da figura, das atitudes e das
palavras de seu pai/mãe-de-santo um motivo de piadas,
de deboches e de despeito, denotando completo
desrespeito para com seu líder religioso, assim como para
com a comunidade que o rodeia.

Agora, cumprir obrigação para com a comunidade de


santo não significa, somente, estar presente nas giras e
nas datas festivas, uma vez que isso é algo que o filho-
de-santo irá fazer dentro da sua disponibilidade de tempo
dada pelo seu momento de vida e das atribuições de
responsabilidades a que esteja vinculado ou de acordo
com a regra de cada casa. Cumprir obrigações para com a
comunidade de santo é ter uma postura respeitosa para
com as regras disciplinares do templo, desde o vestuário
recomendado até o comportamento ético que se exige do
filho-de-santo dentro e fora do templo, para que sua casa,
sua religião, os Guias Espirituais, e seu
babalorixá/ialorixá sejam honrados pela sua conduta e
seus exemplos.

O filho-de-santo deve procurar ter uma visão


“horizontal” do seu templo religioso. Olhar ao redor e
perceber que para além da sua contribuição pecuniária
mensal, indispensável para o custeio mínimo das

390
despesas do templo religioso, existem atividades
necessárias para o bom andamento da casa e que
demandam trabalhadores voluntários para a sua
realização, podendo o filho-de-santo integrar-se as
equipes de limpeza e organização da casa. Pois, quanto
mais pessoas interessadas e dispostas a ajudar, menos
sobra para um pequeno grupo de irmãos-de-terreiro que
acabam ficando sobrecarregados, apesar de sua boa-
vontade em ajudar sem enfado, nem reclamação.

Falando de irmãos-de-santo, a postura ética com respeito


aos irmãos de terreiro. Irmão de santo ou de terreiro é,
primeiro e antes de tudo, nosso parceiro de vivência
espiritual e religiosa. Não deve ser visto como colega de
bar. Naturalmente, o terreiro não deixa de ser um local
próprio para uma experiência de cunho social e é
completamente aceitável e saudável que as pessoas criem
laços de amizade e de afeição umas pelas outras.
Entretanto, isso não deve servir para que os irmãos-de-
santo se vejam, dentro do ambiente do terreiro, como
estando em um churrasco em casa familiar, na qual se vai
falando todo o tipo de assunto, piadas, provocações,
brincadeiras, etc.

As conversações devem ser colocadas em um nível


coerente ao lugar onde estão. E o terreiro é um templo
religioso para onde vão pessoas buscando encontrar
sentidos maiores para a sua vida, capazes de fazê-las
suportar as provações pelas quais estão passando.

Da mesma maneira, olhar ao redor e perceber o público


que busca a sua casa. Pessoas com problemas de saúde,

391
com dificuldades no lar, desempregadas, vivendo dramas
os mais variados e inimagináveis. Elas merecem um
ambiente sereno e silencioso, onde podem orar e
encontrar paz interior, contando com pessoas (filhos-de-
santo) educadas, respeitosas e atenciosas? Ou merecem
ver pessoas como se estivessem num clube social, em
conversações despreocupadas, barulhentas, sobre coisas
que nada tem a ver com o ambiente religioso onde estão?

Quem constrói um ambiente de paz ou de balburdia são


os próprios filhos-de-santo da casa, uma vez que são os
seus trabalhadores.

Assim, provocar situações que demonstrem desrespeito


para com a pessoa do Líder Espiritual, seja fazendo
piadas, debochando de suas advertências e lições, com
pouco caso e despeito, desconsiderar o ambiente ao seu
redor e entregar-se a condutas e conversas relaxadas em
igual desrespeito para com os irmãos-de-terreiro e,
principalmente, para com aqueles que buscam a sua casa
de Umbanda em busca de amparo e consolo, é lançar
sobre si mesmo o peso das Leis de Umbanda e, por mais
que tais atitudes infelizes possam passar despercebidas
ou mesmo serem fechadas ao conhecimento de seu
Mestre Espiritual, jamais elas estarão desconhecidas dos
Guias e Mentores do Templo, os quais tudo vêem e tudo
sabem a respeito de cada um dos filhos-de-santo ligados
à sua tradição.

Concluindo, quero enfatizar que é imprescindível uma


postura ética e de estima para com a Mãe e o Pai-de-
santo do terreiro. São eles os sustentáculos humanos

392
dentro de cada tradição umbandista, são eles que detém
as chaves da iniciação e a experiência construída antes de
nós, capazes de nos ligar ao Sagrado e nos orientar na
jornada espiritual dentro das Leis de Umbanda que
escolhemos seguir, por vontade própria, os quais
devemos honrar a todo momento, com nossa atitude de
respeito, carinho e, acima de tudo, com nossos exemplos
de retidão de conduta e melhoria como seres humanos
dentro e fora do terreiro.

Fraternalmente.

393
Conclusão

Espero, amigo leitor, que esta obra possa ter contribuído


para, se não necessariamente propiciar a você níveis
mais profundos de conhecimento a respeito desta nossa
querida religião, ao menos, suscitar reflexões em torno
de quais caminhos queremos ou vislumbramos, como
adeptos umbandistas, trilhar em nossa jornada
existencial na Terra.

A finalidade em si dos estudos que tenho empreendido


em torno da Umbanda não é a de produzir ou ministrar
ensinamentos técnico/teóricos sobre a história desta
religião, sobre o fenômeno mediúnico pertinente ao seu
universo, sua participação no contexto social, sua
psicologia, sua Espiritualidade... Não. A finalidade dos
estudos, aos quais tenho dedicado-me neste projeto
pessoal, é a de instigar e provocar discussões, diálogos
(principalmente de cunho subjetivo-interior), análises
íntimas por parte deste que escreve assim como daqueles
que se dão ao trabalho de lerem-me, a fim de que
possamos delinear o que realmente significa a Umbanda
para a vida de cada um particularmente, e termos claro,
em nós, quais os caminhos pelos quais esta pode nos
conduzir.

394
Nós, umbandistas, temos vindo empregando, há décadas,
muito tempo, palavras, livros, discursos, buscando
legitimizar nossos cultos, templos e “doutrinas”,
estabelecendo-os como sendo portadores de força
simbólica, vocação e identidade própria. Dedicamos
trabalho nesta seara para atender aos necessitados,
aflitos, doentes – e curiosos, até – que acorrem aos
nossos núcleos, o que decorre também na preocupação
em acolher e congregar fiéis (sem proselitismo, bem se
diga). Tudo isso culminando no crescimento e
consolidação da Umbanda como religião autêntica
dentro do cenário religioso brasileiro

Mas, ainda assim, resta a cada vez mais urgente


necessidade de aprofundarmos nosso olhar e
compreensão em torno dos sentidos reais que encontram-
se velados por detrás dos ritos, rezas, encantamentos,
giras, passes, curimbas, obrigações, defumações,
banhos, incorporações, oferendas, velas, transes e
oráculos... Descobrirmos os verdadeiros propósitos e
direções para a existência humana que estão ocultos aos
olhos de muitos dos frequentadores de seus trabalhos
(médiuns ou não) e internos ao universo próprio da
Umbanda.

Devemos ser capazes de escutar estes apelos e


compreender suas mensagens sutis que a todo momento
tentam nos falar ao sentimento e à razão. Contudo, para
isso é preciso afastarmo-nos, consciencialmente,

395
aguçando o olhar reflexivo-analítico e deixando o
fascínio que toma conta de nossas percepções,
interpretações e discursos que, muitas das vezes, giram
sempre em torno de “lugares comuns” e conceitos
emprestados de outras crenças. É preciso centrar-se, em
momentos de meditação interior, e buscar a lucidez para
analisar sobre esse universo, abdicando da exaltação
dos sentidos que é provocada pelo contato fantástico
com esse mundo de energias e intuições característico da
Umbanda, a qual facilmente nos envolve em seus
encantos.

Trata-se de uma vivência religiosa fascinante, não há


dúvida.

Contudo, seu universo espiritual, simbólico e imaginário


é tão vasto que, da mesma forma, podemos facilmente
nos perder com distrações exteriores e superficiais
(como podemos notar, com certa frequência, em alguns
indivíduos que andam nos terreiros por aí). Podemos
ficar detidos no tempo, girando em círculos, mantendo-
nos afastados de questões pertinentes à nossa própria
existência que deveriam merecer maior apreço e
observação de nós próprios.

Umbanda, eis as perguntas que tenho tentado responder


sobre ti.

396
Onde está o teu propósito de vida?

Como transmites aos teus seguidores esse propósito?

Quais os teus valores?

Onde, a tua Filosofia?

Qual a tua posição diante das demais crenças


religiosas?

Qual o teu real alcance no processo de transformação da


criatura humana?

O que a experiência religiosa nesta tua cultura pode


trazer de benéfico para o ser humano?

Qual a tua participação no contexto social em que estás


inserida?

São essas, e algumas outras perguntas, caro leitor, sobre


as quais me debato e para as quais tenho sempre
buscado refletir procurando respostas. Penso que
devemos saber responder, claramente, a estas perguntas,
sob o risco de vermos, com o passar do tempo histórico,
esse caminho de elevação espiritual ser fechado, extinto
ou recolhido a uma posição de inexpressiva
mediocridade, por falta de maior aproveitamento de seus
significados e pela incapacidade de promover
transformações efetivas na criatura humana.
397
Amigo leitor, reflita e medite em torno de tudo o que foi
colocado.

Irmão de fé, peço-te, sinceramente. Ajuda-me a


responder essas perguntas?

Saravá!

398
Sobre o Autor

Meu contato com a Umbanda veio por conta da minha


ascendência paterna, na figura de meu pai e de minha
avó. Lembranças de quadros com imagens pertencentes
ao imaginário umbandista, histórias contadas por eles,
ensinamentos... A imagem de Cristo-Oxalá com os
braços estendidos, sustentando as guias de um Caboclo
de Ogum Rompe-Mato e de um Preto-Velho, que
ficavam no canto alto do quarto de minha avó. As festas
para Cosme e Damião em nossa casa. As aparições de
espíritos com traços indígenas ao longo da minha
infância e adolescência.

Após incursar no estudo do Espiritismo francês, doutrina


da qual sou um admirador e estudioso até hoje, já
formado como médium atuante no trabalho espiritista,
sentia o vazio que advinha desta necessidade cada vez
mais emergente em mim de ligar-me ao culto
umbandista, pela prática e pelo estudo desta religião,
além da percepção de haver uma lacuna em meu campo
mental-mediúnico. A presença de amigos espirituais que,
embora respeitassem minha dedicação e trabalhos no
campo doutrinário espírita, deixavam muito claro que seu
espaço e ordem de trabalho não pertenciam àqueles
núcleos.

Já adulto, decidi-me, enfim, a seguir o caminho espiritual


que me era oferecido e aberto pela Umbanda, por

399
intermédio destes Guias e Protetores que, até então,
permaneciam ocultos, embora os sentisse mui
claramente, à minha consciência. Tornei-me umbandista.

Hoje, como praticante e estudioso da Umbanda, assim


como da Psicologia Humana, busco ampliar
conhecimentos e estabelecer reflexões em torno deste
universo religioso. Entretanto, não conservo a intenção
de promover qualquer tipo de doutrina ou codificação
umbandista.

Entendo que a transformação das expressões culturais -


dentre elas a Religião - dá-se pela reflexão e elaboração
do pensamento crítico/analítico em torno destas,
propiciando sua constante dinâmica e adequação ao
contexto social no qual se expressam.

Assim, o estudo e a interface com outros ramos do


conhecimento humano (como seja a Filosofia, a
Psicologia, a Teologia, Antropologia e a Antroposofia),
tal como ora fazemos no blog Umbanda de Nego Véio e
nesta presente obra, intenciona a elaboração de
interpretações possíveis da realidade pertinente ao
fenômeno religioso em questão, a Umbanda, para que
seja possível ampliarmos nossa possibilidade de
interação consciente com esta mesma realidade, em sua
dimensão interior e exterior.

400
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A Construção dos Papéis Estruturantes


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O Comando da Função Mediúnica


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Zangari, W. (2009). Psicologia da Mediunidade: do
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Byington, C.A.B (2008). Psicologia Simbólica Junguiana

Educação e Consciência Mediúnica


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