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Artigos Jurídicos
Criado em 03/09/2019
Por Dr. Harvey
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A Lei 13.709 de 2018, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (“LGPD”) considera como dado pessoal, de
acordo com seu art. 5º, I, qualquer informação relacionada a uma pessoa iden ficada ou iden ficável.
Nesse sen do, uma fotografia, desde que permita a iden ficação de uma pessoa, pode ser considerada um
dado pessoal, de forma que o seu tratamento (operação realizada com dados pessoais, como as que se
referem a coleta, produção, recepção, classificação, u lização, acesso, reprodução, transmissão,
distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da
informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração) somente poderá ser realizado
observando-se os princípios e regras das legislações envolvendo proteção de dados pessoais.
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Inicialmente, percebe-se que não existem grandes discussões sobre o enquadramento de uma fotografia
como um dado pessoal – desde que revele uma pessoa iden ficada ou iden ficável, todos concordam que
se trata de um dado pessoal. A situação fica mais complexa quando se trata da sensibilidade desse dado.
A GDPR explicitamente trata uma foto automa camente como uma categoria especial de dados (dado
biométrico) quando for “processada por meio de um meio técnico específico, permi ndo a iden ficação ou
auten cação exclusiva de uma pessoa”. Com isso, o Grupo de Trabalho do Ar go 29 (WP29), órgão
consul vo composto por representantes das autoridades de proteção de dados dos países membros da
União Europeia, concluiu que apenas fotos digitais poderiam ser consideradas dados pessoais biométricos.
Na Alemanha, por exemplo, há uma tendência maior em considerar uma fotografia como dado pessoal
sensível considerando as informações sensíveis que de lá se pode depreender.
É importante notar, no entanto, que as diversas Autoridades de proteção de dados pelo mundo ainda não
emi ram diretrizes relevantes desmis ficando de forma efe va o tema.
Na Bélgica e na Espanha, especificamente, uma foto é tratada como informação pessoal se for processada
para fins de iden ficação (por exemplo, no local de trabalho ou na escola), mesmo que ela revele
informações confidenciais, como raça, etnia, religião ou deficiência da pessoa. No entanto, se a nalidade
do processamento se relacionar com a informação sensível (por exemplo, triagem étnica, per l de
imigrantes, investigação de má conduta do aluno, etc.), a foto pode ser classi cada como informação
pessoal sensível.Enquanto isso, no Reino Unido, reconhece-se que, embora uma foto seja uma informação
pessoal, nem sempre ela pode determinar com precisão um traço sensível de um indivíduo. Assim, só pode
ser considerado como informação pessoal sensível quando a organização que o processa possui outros
dados que confirmam a referida caracterís ca sensível. Em úl ma análise, é a foto, juntamente com os
outros dados, que seria categorizada como dado pessoal sensível.
No passado, em um caso envolvendo a modelo Naomi Campbel, no Reino Unido, um dos advogados da
modelo alegou, dentre outras questões, que a foto con nha dados pessoais sensíveis, porque mostrava sua
raça. No entanto, nesse quesito, a decisão inicial sustentou que isso era irrelevante, pois Campbell se
orgulhava publicamente de seu status de modelo negra e não sofreu qualquer dano ou angús a pelo
processamento de uma foto que confirmou sua iden dade racial. Em outras palavras, mesmo que
tecnicamente os dados pudessem revelar origens raciais, não foi reconhecido qualquer impacto nega vo à
tular em razão de suas fotos revelaram sua iden dade racial.
Isso reforça como, na prá ca, o impacto e risco ao titular para de nir a sensibilidade do dado deveriam
ser levados em consideração.
Quando se pensa em impactos e riscos aos tulares, é necessário pensar nos aspectos culturais locais, já
que o que é normal e aceitável em algumas jurisdições pode ser um verdadeiro tabu em outras: uma foto
mostrando um homem pra cando sua fé ou sexualidade pode não ter consequências em um país, mas
pode desencadear uma controvérsia (ou pior) em outro.
Uma análise mais aprofundada do tema traz a re exão: as exigências adicionais e até restrições da
LGPD para dados sensíveis tem sentido prático ou trazem o resultado esperado pelo legislador ao
estabelecer taxativamente os dados pessoais considerados sensíveis?
Afinal, existem dados pessoais atualmente classificados como comuns (ou seja, não-sensíveis) que podem
ser usados de forma discriminatória ou causar danos ainda maiores aos tulares do que aqueles
enquadrados taxa vamente como sensíveis pela lei.
Da mesma forma, existem dados que, pela LGPD, seriam sensíveis, mas que não trazem danos maiores aos
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tulares e – mesmo assim – deverão ser tratados com
(h ps:/ o zelo adicional exigido pelo ar go 11 da lei.
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Para fotografias tratadas com a finalidade de processamento de informações pessoais sensíveis, essas
deverão atender as regras muito mais restri vas e, portanto, mais di ceis de atender, do tratamento de
dados sensíveis, que sequer incluem a possibilidade do uso da base legal de interesse legí mo. A solução
mais simples pode ser obter o consen mento dessa pessoa, mas, e quanto aos casos em que imagens de
centenas ou até milhares de pessoas claramente iden ficáveis são capturadas?
Em linhas gerais, a interpretação que tem se visto na Europa é que fotogra as podem não atingir o nível
dos dados pessoais “sensíveis”, desde que o objetivo do processamento não esteja relacionado ao
caráter potencialmente sensível dos dados. Ou seja, se a finalidade do tratamento das fotografias for
relacionada à uma categoria de dado sensível (ex. triagem étnica, análise de saúde), essas fotografias serão
consideradas dados pessoais sensíveis e exigirão o cumprimento do ar go 11 da LGPD. Em contrapar da,
o tratamento de tais fotografias não precisaria ser tratado de acordo com o ar go 11 se não fosse
processado para fins sensíveis.
Um aspecto problemá co que essa questão traz é que algoritmos e inteligência ar ficial têm a capacidade
de processar dados comuns e produzir inferências que podem ser sensíveis. Um caso famoso referente a
esse tema foi o caso do supermercado Target nos Estados Unidos, que, a par r da análise de dados de
compras de consumidores, pôde inferir um caso de gravidez – o que gerou envio de cupons de descontos
para a casa da consumidora para produtos de cuidados para grávidas. Dizem as “más línguas” que isso
causou um problema, já que, embora o algoritmo da Target soubesse que ela estava grávida, seu pai não
sabia.
Deveria se aplicar aspectos de dados sensíveis para esse dado, que inicialmente era um dado pessoal
comum? Se sim, desde a coleta ou em posterior momento? Quando o controlador sabe que está lidando
com dados sensíveis? É necessário ter a intenção de tratar o dado sensível para que ele seja sensível? E se
for uma inferência completamente equivocada do algoritmo, mesmo assim, deve ser tratado como um dado
sensível?
Diversas empresas, através de cookies e tecnologias similares, direcionam publicidade para usuários
potencialmente que tenham “interesses em assuntos homossexuais”, para determinada doença ou para
determinada religião ou assunto polí co.
Esse seria um argumento forte para discu r a forma como a legislação brasileira, inspirada pela GDPR,
dividiu dados pessoais comuns de dados pessoais sensíveis.
A GDPR não resolveu esse ponto e discussões existem sobre o tema na Europa. Mesmo que tenha sido
construída a par r de aprendizados da legislação europeia, a LGPD não trouxe clareza sobre o assunto.
Uma vez que o Brasil decidiu manter o status de categoria sensível de certos pos de dados de forma
taxa va e automá ca, as empresas precisam ter clareza para entender adequadamente os riscos
envolvidos e para que possam estar em conformidade com lei.
Uma solução para essa questão poderia ter sido o reconhecimento ou criação de uma forma de verificação
ou teste de balanceamento a ser realizado com base no potencial dano para dados pessoais que se
concentram nos pos de processamento com maior probabilidade de afetar indivíduos, para, somente
então, serem considerados dados pessoais sensíveis.
Em vez disso, de acordo com atual redação da lei, é necessária uma abordagem geral para qualquer po de
processamento de dados de categorias classificadas como sensíveis pela lei (mesmo se esse dado não traz
qualquer dado ou ofensa à determinado indivíduo).
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Como se percebe, ainda não há uma definição sobre o tema sequer na Europa, de forma que ainda
precisamos aguardar para verificar como a questão será interpretada na prá ca. No entanto, dada a
abordagem mais abrangente exigida pela LGPD e as penalidades e riscos reputacionais associados à não
conformidade, as empresas precisam da maior segurança possível.
Assim, além de minimizar o uso de fotografias para inferências rela vas aos dados que são expressamente
sensíveis, exceto se legi mado por uma base legal aplicável, é mais adequado que se faça uma análise caso
a caso para definir se o dado deve ser tratado como sensível e, por fim, avaliar se o tratamento desse dado
sensível compensa a necessidade de cumprir com as exigências adicionais previstas na lei para esses casos.
Essa discussão, mais uma vez, deixa clara a necessidade de a ANPD atuar não só com o intuito de zelar
pelo cumprimento da lei, mas sim de, primordialmente, nortear a sociedade no que tange à LGPD e sua
interpretação.
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1 (h ps://www.jota.info/opiniao-e-analise/ar gos/lgpd-fotos-inferencias-e-a-sensibilidade-de-dados-
pessoais-03092019#sdfootnote1anc) Um pesquisador da American Psychological Associa on realizou, em
2017, estudo envolvendo 35.326 imagens faciais, concluindo que redes neurais profundas (algoritmo)
conseguem dis nguir corretamente a sexualidade da pessoa analisada em 81% dos casos para homens e
em 74% dos casos para mulheres. A precisão do algoritmo aumentou para 91% e 83%, respec vamente,
dadas cinco imagens faciais por pessoa. De acordo com o estudo, humanos conseguiram dis nguir essa
caracterís ca com precisão de 61% para homens e 54% para mulheres. (resultados do estudo, em inglês,
disponíveis em: https://psyarxiv.com/hv28a/ (h ps://psyarxiv.com/hv28a/) )
2 (h ps://www.jota.info/opiniao-e-analise/ar gos/lgpd-fotos-inferencias-e-a-sensibilidade-de-dados-
pessoais-03092019#sdfootnote2anc)Um estudo realizado no MIT revelou que é possível extrair
informações aparentemente escondidas em vídeos, como fluxo sanguíneo no rosto e pequenos
movimentos, sendo inclusive prever questões de saúde através de uma análise dos resultados (resultados
do estudo, em inglês, disponíveis em: https://dspace.mit.edu/handle/1721.1/86955
(h ps://dspace.mit.edu/handle/1721.1/86955) )
ALINE FUKE FACHINETTI – Advogada é graduada pela Pon cia Universidade Católica de SP e graduanda
em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vergas e em Direito e Tecnologia pelo Ins tuto New Law.
Cer ficada em Privacy & Data Protec on. Atualmente trabalha na EY Brasil e já trabalhou com GDPR na
EY de Londres, Reino Unido.
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