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Cadernos CEDES

Print version ISSN 0101-3262On-line version ISSN 1678-7110

Cad. CEDES vol. 18 n. 43 Campinas Dec. 1997, p. 8-25.

https://doi.org/10.1590/S0101-32621997000200002

Como citar este artigo:


GUSMAO, Neusa Maria Mendes de. Antropologia e educação: Origens de um diálogo. Cad. CEDES, Campinas , v.
18, n. 43, p. 8-25, Dec. 1997 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
32621997000200002&lng=en&nrm=iso>. access on 31 Aug. 2020. https://doi.org/10.1590/S0101-
32621997000200002.

Antropologia e educação: Origens de um diálogo

Neusa Maria Mendes de Gusmão*

Resumo: Antropologia e educação constituem hoje, um campo de confrontação em que a


compartimentação do saber atribui à antropologia a condição de ciência e a educação, a
condição de prática. Dentro dessa divergência primordial, profissionais de ambos os lados se
acusam e se defendem com base em pré-noções, práticas reducionistas e muito
desconhecimento. Muitas coisas separam antropólogos e educadores, mas muitas outras os
une. Neste texto, busca-se ressaltar o que há de comum e de diferente em ambas as áreas
com base na existência de um diálogo do passado que possibilite um diálogo futuro.
Considera-se assim, a possibilidade de superação dos preconceitos e, neste sentido, apontar
para um avanço do conhecimento.

Palavras-chave: Antropologia, educação, etnografia, culturalismo, etnocentrismo, cultura,


relativismo.

A alteridade, terra prometida da antropologia, é um tema difícil, principalmente quando


consiste numa ambição de disciplinas diferentes, que põem por terra a divisão clássica, diz
Darnton (1996, p. 9), referindo-se às relações entre antropologia e história. No diálogo
entre antropologia e educação, a questão parece ser a mesma: a aventura de se colocar no
lugar do outro, de ver como o outro vê, de compreender um conhecimento que não é o
nosso. Nessa "encruzilhada, os não-antropólogos buscam "um olhar antropológico" pelo
qual se guiarão nos mistérios da pesquisa de campo. Por sua vez, a antropologia e os
antropólogos se vêem em grandes dificuldades, quando são chamados a tratar dessa
realidade cujo nome é educação, seja por não conhecerem, ou ainda, por desligitimarem
um certo percurso do passado da antropologia. No entanto, é sabido que uma ciência não
se faz a partir do nada; além de ser fruto de necessidades fundamentais postas pelo
movimento das sociedades humanas, nasce comprometida com seu tempo, sem ser jamais
verdade absoluta. A ciência como conhecimento é movimento que se constrói, define-se e
redefine-se vinculada ao contexto histórico que a origina. Nada mais legítimo, portanto, do
que buscar conhecer os caminhos trilhados pela antropologia para dimensionar os caminhos
em constituição em face de diferentes campos.

Antropologia e educação parecem constituir, hoje, um campo de confrontação, em que a


compartimentação do saber atribui à antropologia a condição de ciência e à educação, a

1
condição de prática. Dentro dessa divergência primordial, os profissionais de ambos os
lados se acusam e se defendem com base em pré-noções, práticas reducionistas e muito
desconhecimento. Se há muitas coisas que nos separam - antropólogos e educadores -, há
muitas outras que nos unem. Neste texto, pretende-se ressaltar o que há em comum, já
que o que nos separa só pode ser compreendido com base nesse mesmo patamar . O que
nos une é, portanto, anterior ao que nos separa, e nele se inscreve o diálogo do passado,
tanto quanto a possibilidade do diálogo do futuro.

O diálogo entre antropologia e educação, percebido por muitos como uma "novidade" que
se instaura com as transformações da década de 1970, neste século, é mais antigo que isso
e reporta-se a um momento crucial da história da ciência antropológica. No âmbito deste
artigo, não se poderá dar conta da totalidade dessa história; pretende-se, no entanto,
chamar a atenção para alguns pontos fundamentais. Antes de mais nada, é necessário que
se adentre no pensamento antropológico, em suas bases epistemológicas como ciência e
como ciência aplicada, com seus alinhamentos teóricos, avanços e limites. Aqui parece
residir a importância do passado para nosso presente, pois somente nesse percurso parece
ser possível vencer uma certa instrumentalização da antropologia pela educação,
propiciadora de muitos equívocos, e onde, certamente, se terá, como ganho, a superação
de estigmas e preconceitos que grassam de ambos os lados dessa fronteira ou desse divisor
de águas - a antropologia como ciência, a pedagogia como prática.

Avaliar a questão das diferenças, tão cara à antropologia e tão desafiadora no campo
pedagógico justamente por sua característica institucional homogeneizadora, não é uma
tarefa simples. Desde sempre, a antropologia e a educação têm se defrontado com
universos raciais, étnicos, econômicos, sociais e de genêro, entre tantos outros, como
desafios que limitam ou impedem que se atinjam metas, engendrando processos mais
universalizantes e democráticos. No tempo presente, com tantas mudanças numa sociedade
que se globaliza, estas questões não só não se encontram resolvidas, como renascem com
intensidade perante os contextos em transformação.

O interesse central é trazer o aluno da pedagogia para uma aproximação no campo teórico
da antropologia, que lhe é inteiramente desconhecido. Por outro lado, o aluno de ciências
sociais, campo onde o antropólogo é formado, no caso brasileiro, também desconhece o
itinerário da antropologia no campo da educação. A razão é simples: a educação não tem
sido um dos campos privilegiados pela antropologia, da mesma forma que certas
abordagens teóricas, que estão na origem deste diálogo, também não se constituem em
objeto de conhecimento e análise, em particular, lembro aqui, o culturalismo americano,
representado por Franz Boas e as gerações formadas por ele. Poderíamos elencar um
número significativo de razões para que isto ocorra, mas importa chamar atenção para uma
certa distorção de visão de que somos todos acometidos e que nos leva a considerar
aprioris e ou críticas insuficientes, deixando de entender a constituição da ciência de que
somos herdeiros. Ser herdeiros não nos torna culturalistas, acríticos ou conservadores, mas
exige que reconheçamos que o conhecimento, como ciência, não nasce e morre dentro de
um tempo determinado, senão que se alimenta do que existe antes dele e fornece alimento
ao que lhe sucede, sem nunca deixar de existir como referência. Defendo, ainda, a
importância desse resgate, se quisermos cobrar alguma coerência no fazer de outros
campos, quando se utilizam do referencial da antropologia na abordagem de temas
singulares, particularmente na educação. Essa é a razão pela qual esta reflexão, ainda
iniciante, parte da negação imediata de um tempo mágico - a década de 1970-,1 como
referência para as pesquisas educacionais de tipo etnográfico e também para as pesquisas
no campo das ciências humanas, ditas pós-modernas, que, negando todo o passado,
tornam-se reificadoras de muitos limites.

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O pioneirismo do diálogo entre antropologia e educação, relatado por Galli (1993), 2 mostra
que, já ao final do século XIX, a antropologia tentava compreender uma possível cultura da
infância e da adolescência. Eram temas de suas pesquisas e de seus debates os processos
interculturais infantis e os sistemas educativos informais, dentro de uma concepção
alargada de educação. Antropólogos participavam em processos de revisão curricular e
continuaram a participar no transcorrer do presente século, nesse e em outros movimentos
ligados à escola e à educação.

Entre os anos 20 e 50 deste século, muitos antropólogos envolvidos nesses debates


travaram celeumas com os pensamentos de Freud e Piaget. O que se sabe ou se conhece
desses debates no Brasil? Pouco ou nada. No entanto, entre os anos 30 e 40, os
antropólogos tiveram uma atuação importantíssima no vasto programa de reforma
curricular promovida nos EUA. Deles não se fala nem se ouve falar entre nós. No entanto,
importantes aspectos para a compreensão de nossa visão da escola estão aí contemplados,
pelo fato de que muitos antropólogos que atuaram no processo vinham de uma linha
tradicional, e mesmo axial, na antropologia, posto que eram discípulos de Boas, tais como
Margareth Mead (que dedicou toda sua vida ao estudo da educação) e Ruth Benedict.
Nomes que certamente não soam estranhos aos ouvidos do estudante de antropologia, mas
que certamente nunca são pronunciados nos corredores de uma Faculdade de Educação.

Por que ser discípulo de Franz Boas importa? Antes de mais nada, por ser ele mesmo um
aluno de Morgan - outra referência axial na antropologia -, que, rompendo com o mestre,
abre as portas para a fecundidade e as multiplicidades de pensamentos que orientarão
novas abordagens teóricas que alimentam a antropologia do século XX. Os discípulos de
Boas, neste início de século, dão continuidade ao próprio Boas, quando este nos alertava
para o fato de que tínhamos um modelo pedagógico ocidental que iria nos conduzir a uma
pedagogia da violência.

Hoje, quando vemos as dificuldades das escolas, em particular, das escolas públicas de
periferia, o fato de a escola como valor não fazer eco entre os estudantes, a indisciplina
violenta, a evasão escolar e sua face mais cruel, a exclusão social, só para citar alguns
problemas de nosso tempo, cabe perguntar qual a natureza dos riscos de que falava Boas.
Qual a natureza dos riscos de hoje? Para ele, a realidade de seu tempo apontava um risco
para os povos do futuro e para o futuro da própria civilização. A razão era que,
historicamente, a nossa sociedade e a escola que lhe é própria não desenvolviam - e não
desenvolvem - mecanismos democráticos, perante as diversidades social e cultural.

A propriedade e a atualidade da inquietação de Boas revelam que o diálogo foi iniciado, mas
não foi concluído. A breve síntese de um processo vasto e intenso que se desenvolveu na
primeira metade do século, e que não termina aí, está exigindo olhares mais profundos na
história da intersecção entre antropologia e educação. A pergunta que muitos podem fazer
é: Por que seria importante conhecer tais processos? Não estariam eles superados pela
dinâmica de um mundo moderno que se transforma continuamente e de modo acelerado?

Na relação entre antropologia e educação abre-se um espaço para debate, reflexão e


intervenção, que acolhe desde o contexto cultural da aprendizagem, os efeitos sobre a
diferença cultural, racial, étnica e de genêro, até os sucessos e insucessos do sistema
escolar em face de uma ordem social em mudança. Nesse sentido, como ciência e, em
particular, como ciência aplicada, antropologia e antropólogos estiveram, no passado e no
presente, preocupados com o universo das diferenças e das práticas educativas. Se, como
diz Galli, tais questões fazem convergir os estudos da cultura, no caso da antropologia, e
dos mecanismos educativos, no caso da pedagogia, possibilitando a existência de uma

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antropologia da educação - tema e produto de uma grande conversa do passado -, isto
também ocorre no presente, posto que a antropologia e a educação estabelecem um
diálogo, do qual faz parte, também, o debate teórico e metodológico das chamadas
pesquisas educativas, relacionadas às diversas e diferentes formas de vida que, neste final
de século, estão ainda a desafiar o conhecimento. Em jogo, as singularidades, as
particularidades das sociedades humanas, de seus diferentes grupos em face da
universalidade do social humano e sua complexidade através dos tempos e, em particular,
num mundo que se globaliza. Resta, pois, conhecer um pouco dessa história.

Caminhos cruzados: Educação, cultura e relativismo

O fato mais curioso nesse encontro de culturas de que resultou a conquista da América foi
provavelmente a surpresa de ambos, espanhóis e indígenas, ao se depararem. Uns jamais
suspeitaram da existência dos outros. Para se livrarem do incômodo desse assombro,
ambas as partes mergulharam nas suas tradições míticas, a fim de encontrarem indícios
reveladores ou presságios que os ajudassem a identificar e esconjurar os espectros com que
haviam topado. Que estranha tribo desgarrada dos filhos de Israel seriam esses gentios,
perguntavam os espanhóis? Que pavorosos deuses vingadores eram aquela gente barbada,
toda revestida de metal e montada em veados gigantes, clamavam os indígenas? (Nicolau
Scevcenko. Folha de S. Paulo/Ilustrada, domingo 2/2/1985, p. 53)

O que tem a ver com antropologia e educação o texto acima? O texto conta a história do
contato entre espanhóis e indígenas (astecas, maias, incas) na conquista da América. É um
fato real, histórico e concreto, em que dois povos e duas culturas distintas mostram o
espanto do olhar - do europeu e do indígena, ambos envolvendo de imediato a percepção
de um sobre o outro. Trata-se de um olhar etnocêntrico, fruto, como diz Azcona (1989), da
experiência do agir humano, segundo um modelo explicativo do conhecimento e também
como realidade da cultura, entendida como o sentir, o pensar, o agir do homem em
coletividade. Qualquer experiência vivida, referida a objetos, situações, fatos, são, diz o
autor, intersubjetivos, porque vivemos no mundo da cultura "como homens entre outros
homens, ligados a eles por influências e trabalhos comuns, compreendendo os outros e
sendo objeto de compreensão para outros" (p. 49).

A antropologia como ciência desenvolve-se preocupada em superar o mundo intersubjetivo,


de modo a superar o etnocentrismo que, resultando do encontro entre a civilização
ocidental e outros povos, implicou em violência, distorções sobre estes povos e suas
culturas. O texto "Todos Nós Somos Loucos por Ti, América", de Scevcenko, fala desse
encontro/desencontro e situa para nós o papel de uma ciência preocupada com as
diferenças e seu movimento. A antropologia preocupada, antes de tudo, em superar a
cultura própria do mundo que lhe dá origem - o mundo europeu em expansão - para poder
conhecer a realidade do outro, faz disso seu grande desafio. O desafio de ver-se e ver aos
outros homens, para, então, estabelecer as bases do conhecimento.

Como diz Scevcenko, "os europeus representando uma civilização mais pragmática e que
lançava nesse momento as bases da ciência positiva moderna, logo passaram a utilizar-se
dos mitos indígenas a seu favor (...) os espanhóis não tiveram escrúpulos em se aproveitar
das crenças indígenas (...) para depois da conquista destruir os seus deuses e impor-lhes o
cristianismo a ferro e fogo" (op. cit., p. 53). A partir daí, segundo o autor, o que se tem é
um trágico processo de invasão, conquista e extinção da cultura indígena.

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Compreende-se, então, que o mundo da cultura e seu movimento, como parte da história
de um povo, de uma tradição e herança, ao ser confrontado com outros universos,
pressupõe interesses diversos postos numa relação de alteridade (o eu e o outro em
relação) mais que de diversidade (o eu e o outro). Resultam, daí, processos de manipulação
da realidade, segundo diferentes formas de percepção e conhecimento. A experiência de
contato entre povos diferentes e culturas diversas coloca em questão um espaço de
encontro, de confronto e de conflito, marcado pelo diverso, pelo diferente. Esta tensão é
essencial à constituição e ao desenvolvimento da antropologia como ciência e como prática.

Assim, a antropologia nasce de relações historicamente constituídas entre os homens e, por


sua natureza, busca compreender o outro diferente de si - de seu mundo de origem, a
Europa do século XIX - dialogando com outras formas de conhecimento, tendo por base e
pressuposto central o mundo da cultura, as relações entre os homens e a construção do
saber.

O que é o saber? Segundo Galli, é uma dimensão social holística3 que vai do caos à ordem,
para outra ordem; que se desconstrói com bases em pressupostos construtivos, postos em
movimento pela experiência e pela vivência. Trata-se da fruição da cultura, que gera um
fazer reflexivo e crítico, por vezes chamado educação.

O objetivo é assimilar o indivíduo à ordem social propiciadora do nós coletivo e que, ao


mesmo tempo em que integra buscando homogeneizar, diferencia cada um por suas
características pessoais, por gênero, por idade, garantindo o equilíbrio da vida em
sociedade. A educação realiza-se, então, no interior da sociedade, composta por diferentes
grupos e culturas, visando um certo controle sobre a existência social, de modo a assegurar
sua reprodução por formas sociais coletivamente transmitidas.

A educação, nessa forma primeira, é uma modalidade de ajustamento psicossocial que


resulta numa forma de controle social, com base na organização social e no horizonte
cultural partilhado por um grupo. Um aspecto a considerar é que a cultura é, aí, entendida
como técnica social de manipulação da consciência, da vontade e da ação dos indivíduos,
com a finalidade de modelar as personalidades humanas dos membros do grupo social, tal
como afirma Florestan Fernandes, ao tratar da educação entre os Tupinambás (1966).

Para exemplificar que todas as sociedades possuem técnicas para estimular e corrigir seus
membros da infância à idade adulta, via transmissão de conhecimento, valores e normas,
Melatti (1979) relata o processo educativo de uma criança marubo. Diz ele: "Durante o
tempo em que o indivíduo é uma criança de colo, sem dúvida já se inicia sua formação
como marubo". Ela pressupõe desde o contato com os alimentos até outros hábitos como
amarrar os pulsos, os braços, os tornozelos e as pernas para que engrossem, fazendo dele
um bom trabalhador no futuro. À medida que cresce, está sujeito a tapas, empurrões ou
ainda a punições quando faz algo de errado. Uma punição comum é a urtiga que é passada
no corpo para que a criança deixe de ter preguiça e torne-se aplicada no trabalho. Da
mesma forma, quando maiores, tomam a "injeção de sapo", uma espécie de queimadura
em pele viva, que espanta a preguiça e o panema (azar) (op. cit., pp. 291-301).

Este e outros exemplos entre grupos tribais como os Arapesh, estudados por Mead, ou os
japoneses, estudados por Ruth Benedict, revelam a existência de um sistema de
interpretação de um modo de vida, mas também uma pedagogia, como diz Galli, que se
formaliza como técnica e ritual educativo, criando sistemas especializados nessas técnicas e
ritos. Nesse sentido, cultura e educação são termos que se invocam e se concitam
mutuamente, como afirmam Cazanga M. e Meza (1993). Segundo esses autores,

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"permanentemente envolvido no processo educativo e pelo simples fato de estar vivendo, o
homem está aprendendo na sociedade pela cultura; a sociedade é o meio educativo próprio
do homem, ainda que a todo momento não tenha consciência disso" (p. 82). 4

Isto não quer dizer que os indivíduos sejam produtos mecânicos de uma linha de
montagem. O homem como ser variável, mutável no temperamento e no comportamento,
não fica à mercê de sua natureza e de sua cultura, mas sim está sujeito a condições
históricas determinadas e determinantes do universo em que está inserido.

No pano de fundo da história, os processos culturais revelam-se arbitrários, posto que


objetivam não apenas a produção e a reprodução da sociedade em que se está e se vive,
mas objetivam, também, interesses e metas que, indo além da própria sociedade, envolvem
outras sociedades, outros grupos sociais, outras culturas. Tal como aconteceu com a
expansão colonial na América e, portanto, com as relações entre europeus e indígenas.

É comum entre antropologia e educação, portanto, tal como afirma Galli, a existência real e
concreta de diferentes grupos humanos. Uma existência que, segundo Lara (1990), mostra
o mundo cultural marcado por uma luta de interesses, com tudo o que ela implica: a
dominação, a espoliação, entre outras coisas. Para esse autor, os caminhos da produção
cultural de um povo foram, muitas vezes, obstruídos, "enquanto memória negada ou
recalcada, enquanto memória distorcida ou mesmo completamente deturpada por aqueles
que têm a força para se impor. A história cultural de um povo, na maioria dos casos, fica
sendo a história das dimensões hegemônicas dessa cultura" (p. 104).

Retomando pois, o caso dos espanhóis e dos indígenas, fica clara a imposição das crenças
dos valores dos conquistadores em nome de um domínio que nega ao outro a própria
existência de seu mundo. Diziam alguns sábios astecas: "Somos gente simples/ somos
perecíveis, somos mortais,/ deixai-nos, pois, morrer,/ deixai-nos perecer,/ pois nossos
deuses já estão mortos" (Scevcenko op. cit., p. 53). O processo político que impõe a cultura
do outro à revelia dos sujeitos sociais conduz à violência que mata o corpo (genocídio),
como também mata a alma, preservando o corpo físico (etnocídio). Os indígenas não são,
assim, indiferentes às condições vividas, aprendem com elas, e se os espanhóis foram:
"adorados inicialmente como deuses, temidos depois como demônios e desprezados por fim
apenas como bárbaros", é porque os indígenas perceberam a "cupidez dos europeus e na
sua obsessão proselitista, a raiz de todo o sofrimento em que submergiram (...) esse
sentimento (...) transformou-se numa pulsação de resistência e é até os nossos dias
revivido cerimonialmente como na periódica dramatização da morte de Atahualpa" (idem;
ibidem).

Assim, num processo inverso ao da homogeneização proposta pelo campo político das
relações entre povos e culturas distintas, renasce a diferença, celebra-se a alteridade. A
realidade vivida implica um fazer e refazer constantes, via processos culturais que, no dizer
de Lara, produzem e veiculam projetos de vida humana, com propostas tidas como válidas
e como tais transmitidas. Daí que o processo de ver-se e ver a outros homens, só pode
ocorrer em contextos históricos concretos, seja em termos do senso comum, seja em
termos do conhecimento científico.

A compreensão das diversas sociedades humanas, em seus próprios termos, através de


questionamentos dos valores e das convicções de nossa sociedade, como diz Novaes
(1992), permite o conhecimento através da crítica "ao etnocentrismo, à intolerância e à não
aceitação da diferença" (p. 128). A superação do etnocentrismo, a apreensão do diverso
para compreendê-lo em relação, significa relativizar o próprio pensamento para construir

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um conhecimento que é outro. Alargado, como diria Merleau Ponty. Um conhecimento como
ciência, ou seja, a realidade como realidade vivida e experimentada pela compreensão de
outras sociedades e da própria cultura.

Nesse movimento de tensão e compreensão reside a natureza do diálogo entre antropologia


e educação, já que ambas são devedoras científicas do processo de imposição de si ao
outro, posto pelo desenvolvimento do mundo colonial e do colonialismo ocidental, cuja meta
visava suprimir toda e qualquer alteridade, em nome de um modelo de vida cultural e
pedagógico de tipo etnocêntrico, autocentrado e homogeneizador. O diálogo revela como
ponto comum a cultura, entendida como instrumento necessário para o homem viver a
vida, distinguir os mundos da natureza e da cultura e, ainda, como lugar a partir do qual o
homem constrói um saber que envolve processos de socialização e aprendizagem. No
primeiro caso trata-se de diferentes formas de transmissão de conhecimento, de habilidades
e aspirações sociais; no segundo, trata-se das formas de transmissão de herança cultural,
através de gerações implicando processos de apropriação de conhecimentos, técnicas,
tradições e valores. Tudo em acordo com a criação dos homens em situações sociais,
concretas e historicamente determinadas. Situações essas, segundo Galli e outros autores,
tipicamente pedagógicas e diversas. Aqui seria possível citar inumeráveis exemplos de
diversidade social e de múltiplas situações pedagógicas que precisariam ser relativizadas
para ser melhor compreendidas.

No entanto, a dominação política e historicamente determinada nas relações entre


diferentes grupos e, principalmente, na história do mundo ocidental, revela o colonialismo
como negador da diversidade humana. Centrado num modelo cultural único e na
necessidade de colocar sob controle o diferente, a sociedade ocidental constrói uma prática
pedagógica também única e centralizadora. O movimento deste mundo, de que fazemos
parte, caminha da diversidade para a homogeneidade, eixo em que também se inscreve a
história da antropologia, como ciência, e da pedagogia ocidental, como prática. Vinculadas e
determinadas pela lógica impositiva dessa história comum, defrontam-se ambas com o
desafio de resgatar e redimensionar o universo das diferenças, da diversidade que, como diz
Carvalho (1989), referindo-se aos antropólogos, exige renovar a visão de mundo e das
coisas (p. 20).

Antropologia e educação: O diálogo do passado

As origens da antropologia e do fazer antropológico como ciência, ou melhor dizendo, de um


modo de fazê-la, tem a ver com a expansão do mundo colonial que conduz o mundo
europeu a defrontar-se com outros povos e outras culturas - nas Américas e na África. O
defrontar-se com o diverso, com o desconhecido, implicou fazer perguntas, cujas respostas
permitiram a constituição de um saber legítimo e reconhecido como ciência. Entre o século
XIX e o atual século XX, as perguntas e suas respectivas respostas organizaram-se em
diferentes formas de interpretação da realidade. Assim, afirma-se que o "olhar
antropológico" não é um único olhar, mas qualquer que seja ele, é dependente de
pressupostos que orientam as perguntas que são feitas e indicam caminhos de busca das
possíveis respostas. Isto quer dizer que, dependendo de onde se parte, têm-se configurados
modos diversos de fazer uma mesma ciência, no caso, a ciência antropológica com base em
diferentes teorias que a sustentam.

A primeira dessas teorias, que nasce junto com a própria ciência antropológica, foi o
evolucionismo. As idéias de evolução e progresso, inspirados em princípios da biologia e,

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portanto, das ciências naturais do século XIX, conduzem a que se pensem as diferenças
entre grupos e sociedades numa escala evolutiva que toma o mundo europeu como modelo
único de humanidade. A concepção etnocêntrica de mundo vê o "outro" a partir de si
mesma e estabelece um fazer científico de base discriminatória e racista, já que entende
que branco, europeu e cristão constituem a superioridade da condição humana, enquanto os
demais povos e culturas representam um atraso, uma sobrevivência do passado do homem
e, como tal, uma condição inferior da própria humanidade. Um evolucionista importante, no
século XIX, foi L. Morgan, inspirador de muitos pensadores, entre eles seu aluno Franz
Boas.

Franz Boas vivencia todas as descobertas de seu tempo e chega ao presente século
trazendo para debate, agora, através de seus próprios alunos, importantes antropólogos da
primeira metade do século XX, uma crítica contundente ao pensamento de seu mestre L.
Morgan. Boas considera a idéia de que cada grupo, cada cultura têm uma história singular,
própria, que depende do que é a vida do grupo, no aqui e agora de sua existência. Não se
trata, portanto, de olhar as diferenças próprias do modo de ser do "outro" como
sobrevivência de um momento já superado pela evolução da humanidade e, como tal,
exemplo vivo de atraso social e cultural. A possibilidade de que a história da humanidade
não tenha seguido um único caminho e direção faz do pensamento de Boas uma condição
revolucionária na compreensão das realidades humanas. Como história múltipla e variada,
elimina o viés do pensamento evolucionista etnocêntrico. Com este princípio, Boas mostra a
imensa riqueza do social humano e a natureza da cultura como não determinada
biologicamente. A cultura, e não a biologia, torna-se referência para pensar as diferenças e
compreendê-las em suas bases constitutivas. O pensamento de Boas, ao investir contra o
evolucionismo de Morgan, possibilita também a crítica aos valores liberais e de igualdade
postos pelo campo político do século XIX, como modelo autocentrado para as sociedades
humanas e suas instituições, entre elas, a escola e seu modelo pedagógico ocidental.

Boas será um crítico atuante diante do sistema educativo americano, denunciando, entre
outras coisas, a ideologia que lhe serve de base, centrada na idéia de liberdade, e sua
prática educativa de cunho conformista e coercitivo, visando criar sujeitos sociais
adequados ao sistema produtivo, segundo um modelo ideologizado de cidadão. Demonstra,
através de estudos diretos obtidos no campo educacional, que a escola inexiste como
instituição independente e, como tal, não possibilita independência e autonomia dos sujeitos
que aí estão. A meta da escola centra-se num aluno-modelo que desconsidera a diversidade
da comunidade escolar e, para contê-la, atua de forma autoritária.

Boas revela como a diversidade do social é desrespeitada no modelo político de


desenvolvimento americano, já que diferenças sociais ou culturais, de gênero, raça ou etnia,
são ainda pensadas a partir das idéias evolucionistas. Com isso, Boas influencia muitos
outros a pensarem a questão da diferença como parte de mecanismos culturais, referidos a
pequenos grupos ou regiões, que exigem um intenso trabalho de campo junto a esses
grupos, para que seja possível compreendê-los. O fazer científico que se instaura nessa
concepção particularista da história humana, chamada também de história cultural ou
culturalismo, tem por significativo o fundamental dessa ciência chamada antropologia,
o trabalho de campo, e elege como central, para pensar as sociedades humanas, o conceito
de cultura. Por outro lado, cabe dizer que esta é a vertente americana de desenvolvimento
da antropologia, a antropologia cultural. Mais centrada nos conceitos de sociedade e de
estrutura, elaborada por Radcliffe-Brown e outros, constitui-se a vertente da antropologia
social, na Inglaterra, da qual emergirá uma segunda e fundamental corrente teórica da
antropologia, o funcionalismo, cujo representante maior será B. Malinowski. Boas e
Malinowski, segundo Laplantine (1987), são os pais fundadores da etnografia, na medida

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em que percebem e sistematizam os caminhos pelos quais "o pesquisador deve ele mesmo
efetuar no campo a própria pesquisa" (p. 75). Com eles, o trabalho de campo se torna a
própria fonte de pesquisa e a condição modular da antropologia como ciência da alteridade
que, segundo Laplantine, se dedica ao estudo das lógicas particulares de cada cultura.

A corrente americana terá maiores preocupações com a questão educacional, cuja


continuidade se fará com os alunos de Boas. Ruth Benedict e Margaret Mead dedicam-se
aos estudos do campo educativo e trazem à tona a questão da diversidade das culturas,
vista por diferentes ângulos: as formas operativas da cultura dentro dos processos
educativos nos primeiros anos de vida; os ciclos de desenvolvimento da infância à idade
adulta e o papel da educação formal e informal; a questão do controle social e o campo das
emoções e do sexo; as dificuldades educativas e os relacionamentos entre grupos dentro
dos estados nacionais e deles com os outros, como por exemplo, a América e a África, o
mundo ocidental e o oriental; a adolescência e a formação da personalidade, entre tantos
outros temas que se podem elencar na produção culturalista do início do século até os anos
50.

Outros antropólogos que também discutem a escola e a educação nesse período são M.
Herskovits, R. Redfield e C. Kluckholn, que apontam para a questão da escolha cultural, do
papel da cultura e das experiências vividas que marcam e constituem um universo centrado
no relativismo. São parte da discussão: a negação dos chamados "testes de inteligência",
tão em voga nos anos 30/40; as dificuldades de integração cultural do diferente, em face da
visão etnocêntrica da organização escolar; a questão da tarefa do educador perante as
experiências pessoais e a herança cultural e, ainda, a questão dos valores de cada grupo em
face dos conflitos entre grupos e perante as diferenças. A relativização dos saberes e as
conexões entre saberes diversos só se fizeram possíveis em razão das experiências vividas
e da integração no mundo e na cultura de cada um. A exigência, portanto, de se pensar um
saber e uma aprendizagem diversa, porém de igual valor, coloca em vigência uma ética no
fazer antropológico e lhe dá uma dimensão política afinada com seu tempo.

Por sua vez, o funcionalismo dos anos 20/30 baseava-se no fato de que as necessidades de
um povo, grupo ou indivíduo, dadas pela vida em sociedade, encontram na cultura os
caminhos de sua satisfação e conduzem às respostas originais, singulares e coletivas, que
demarcam e estruturam formas próprias de ser e de pensar o mundo, diferentes para cada
povo ou grupo, já que são dependentes da dinâmica de diversos sistemas sociais e de seu
funcionamento. Como conseqüência, a melhor forma de compreender os diferentes povos é
estar com eles, viver em profundidade o universo de suas práticas, entendendo-as como
práticas "encarnadas", como diria Malinowski, ou seja, como práticas que possuem um
sentido e um significado. A perspectiva de que o homem não apenas vive, mas que, ao
viver, questiona, cria sentidos, valores, mitos, artes e ideologias que ordenam sua
compreensão de mundo, revoluciona o fazer etnográfico, pois impõe o trabalho empírico, de
campo, como fundamental na compreensão de outros povos e de nós mesmos.

O trabalho de campo redimensiona o conhecimento científico, na medida em que exige uma


rigorosa e sistemática apreensão de uma dada sociedade ou grupo em seus múltiplos
aspectos, formais, institucionais, concretos, tal como se encontram relacionados entre si e
de acordo com a representação que deles é feita. A cultura se torna, assim, central para a
compreensão das práticas humanas, vistas como práticas significantes que distinguem o
homem da natureza, o homem do animal e que fundam diferentes sistemas de
interpretação da vida. Nesse processo, o antropólogo é aquele que faz a "teoria nativa" da
sociedade que estuda, ou seja, que busca explicá-la em seus próprios termos. Isso exige
desde a compreensão da especificidade de cada cultura, já posta pelo culturalismo, como

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também a compreensão das partes que compõem uma dada cultura em termos de um todo
integrado, de que fala o funcionalismo. Na conjunção de ambas as teorias, torna-se possível
o estudo de pequena parte da sociedade - um microcosmo de seu universo - para
compreendê-la no seu todo. A isso, se propuseram os chamados estudos de comunidade.

Os estudos de comunidade constituem a outra ponta da perspectiva antropológica que hoje


parece retornar, sem uma efetiva consciência do fato, nas pesquisas educacionais deste fim
de século. A proposta desses estudos conduz os pesquisadores a verem no âmbito de
pequenos grupos a reprodução da sociedade, elegendo no campo da pesquisa o particular,
como objeto de conhecimento, e não a generalização. A cultura vista nela mesma, no
interior do grupo e a ele referida, o contexto em si mesmo tornam-se expressão maior
dessa perspectiva de análise, desse fazer científico.5 Não dão conta, porém, do fato de que
"as relações culturais estão submersas em relações de poder " (Carvalho op. cit., p. 21) e,
como tais, dizem respeito a realidades mais amplas, estruturadas em torno de relações de
classe e baseadas em mecanismos de desigualdade e dominação.

Ainda assim, as vertentes do culturalismo e do funcionalismo, que ao final dos anos 40


começam a ser criticadas nos EUA, terão forte influência no Brasil, primeiro via Gilberto
Freyre, que estuda com Boas nos anos 30 e escreve seu célebre e polêmico Casa grande e
senzala; depois será a vez de pesquisadores americanos que, entre os anos 40 e 50,
chegam ao Brasil através da Universidade da Bahia, e aqui desenvolvem estudos de
comunidade, que serão inspiradores, mais tarde, das propostas do CBPE (Centro Brasileiro
de Pesquisas Educacionais) dirigido por Anísio Teixeira, em termos de pesquisas e de
programas educacionais no Rio de Janeiro, entre os anos 50 e 60. No entanto, a crítica feita
a tais estudos, já a partir da década de 1940, parece não fazer parte da reflexão daquele
momento, como não o faz na atual retomada da aplicabilidade das técnicas de pesquisa
antropológica aos estudos das culturas complexas, na antropologia e na educação.

Segundo P. Sanchis (1996), nos anos 50 e 60 deste século, a descolonização e a


emergência de antigas colônias como nações independentes eliminaram a distância
estrutural entre sociedades, estabelecida de modo teórico e diverso pelo evolucionismo e
pelo funcionalismo (p. 29). Nesta segunda metade do século, não se trata mais de estudar o
"outro", diferente, distante, e sua cultura. A questão agora é que a "etnografia deixou de
ser privilégio de antropólogos desde que estes mudaram seu campo para as cidades", diz
Zaluar (1995, p. 85). Ao mesmo tempo, a necessidade de aplicar seus métodos, seus
conceitos e paradigmas às ditas sociedades complexas instaura o desafio e a aventura que é
"conhecer outros mundos simbólicos" no interior de nosso próprio mundo. Tal desafio,
segundo Zaluar, constitui-se numa via de mão dupla, em que estão em jogo a objetividade
e a teoria científica e também a sensibilidade interpretativa de quem se propõe a singrar
mares à la Malinowski.6 O desafio não é fácil, nem simples.

Segundo Ruth Cardoso (1986), no campo das ciências humanas o desafio atual é o de
conciliar a conquista do trabalho de campo, sistematizada pelo positivismo e, ao mesmo
tempo, dar conta de esquemas explicativos de outra natureza, centrados na questão das
sociedades complexas, as sociedades de classe, revelada pelas teorias mais críticas e menos
positivistas, tais como o estruturalismo e o marxismo. Diante do trabalho de campo e do
desafio da interpretação, a antropologia e a educação se debatem com o fato de que
sempre existiu "um modelo positivista de sociedade (...) e uma tendência interpretativa ou
compreensiva" das mesmas (Lovisolo 1984, p. 66). Para este autor, a antropologia
interpretativa é aquela que hoje é aceita, tanto no campo das ciências humanas como na
educação, e nisso consiste o desafio de agora. Em debate, o questionamento das práticas
científicas e das práticas educativas no tocante ao trabalho de campo e ao fazer

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etnográfico que, desenvolvidos na trajetória da antropologia como ciência, são hoje, década
de 1990, campos comuns e conflitivos no diálogo entre antropologia e educação.

Fazendo minhas as palavras de Santos (1996) e, certamente, alterando-lhes os sentidos,


estamos vivendo um tempo paradoxal, simultaneamente de conflito e de repetição. Cabe,
então, perguntar: Estamos perante uma situação nova? No presente, o relativismo e a
alteridade apresentam-se de forma ambígua e até antagônica (Garcia 1994, p. 135), de
modo que se torna obrigatório rever a idéia de que o passado seja reacionário, para se
buscar, como diz Santos, energias mais progressistas, menos conformadas no interior de
um universo matricial, da antropologia como ciência e da educação como prática.

Notas

1. Não se trata de negar a importância dessa década na definição temática e conceitual no


campo das ciências humanas, mas de demarcar tal período como o da cristalização de
processos que desde muito estavam em constituição e cujo movimento é parte integrante
das conquistas desse momento.

2. Deste ponto em diante, intercruzo, com outros autores, o trabalho de Matilde C.Galli,
"Antropologia Culturale e Processi Educativi", editado pela La Nuova Italia, Scandice,
Firenze, 1993, e tomo por roteiro parcial o curso de antropologia e educação que ministrei
em 1996, na Faculdade de Educação da Unicamp. Agradeço à professora doutora Ana Lúcia
G. de Faria por ter me apresentado à obra de Galli e ter, assim, desencadeado um processo
de reflexão de que participaram também meus alunos, aos quais agradeço pelo incentivo e
pela discussão.

3. O holismo tem sido abordado em diferentes estudos e, em geral, diz respeito às


propriedades do todo ou da totalidade da vida social, ainda que nem todos concordem com
isso.

4. No original: "Permanentemente involucrado en el proceso educativo y por el simple hecho


de estar viviendo, el hombre está aprendiendo en la sociedad por la cultura, la sociedad es
el medio educativo propio del hobre, aunque no en todo momento hay conciencia de esto."

5. Ver, a respeito, Josildeth da S. Gomes. "A educação nos estudos de comunidade no


Brasil. Educação e Ciências Sociais." Boletim do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
- CBPE. Ano 1, Nº. 2, Rio de Janeiro, agosto de 1956, vol. 1.

6. Ver, a respeito, Ana Lúcia F. Valente. "Usos e abusos da antropologia na Pesquisa


Educacional. Proposições." Revista da Faculdade de Educação da Unicamp. Campinas, 1997
(no prelo).

Anthropology and education: The origin of a dialogue

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Abstract: Today anthropology and education constitute a field of confrontation where the
compartimentalization of knowledge attributes to anthropology the status of science and to
education the status of practice. Within this primary divergence, professionals of both sides
accuse each other and defend themselves based on preconceived ideas, reductionist
practices, and lots of ignorance. Many aspects keep anthropologists and educators apart,
but many others bring them together. In this text, we seek to point out what is similar and
what is different in both areas based on the existence of a past dialogue which makes
possible a future one. Therefore, we consider the possibility of overcoming prejudice and,
thus, aiming at an advance in knowledge.

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* Antropóloga e professora do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas à Educação -


Decisae - Faculdade de Educação da Unicamp.

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