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André Luiz Paulilo

As estratégias de administração das políticas


públicas de educação na cidade do Rio de
Janeiro entre 1922 e 1935

André Luiz Paulilo


Universidade Municipal de São Caetano do Sul

Uma preocupação com a administração e o Este artigo é uma tentativa de entender os


desenvolvimento da educação popular é particular- aspectos centrais da política e da administração do
mente visível nos anos de 1920 e 1930. Na capital ensino na capital do Brasil entre 1922 e 1935. Há
da República, Carneiro Leão (entre 1922 e 1926), preocupação com o órgão que mais diretamente
Fernando de Azevedo (de 1927 a 1930) e Anísio Tei- viabilizou a política educativa de Carneiro Leão,
xeira (a partir de 1931 até 1935) ocuparam a direção Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira: a Diretoria
da instrução pública, o posto-chave da administração Geral de Instrução Pública. Leva-se em conta o
escolar na cidade. Durante essa quase década e meia, modo de reorganizar o mando nas instâncias admi-
tanto produziram intensa documentação administrativa nistrativas dos serviços educativos à luz de alguns
e legislação quanto trataram da organização adminis- dilemas políticos da gestão do poder no período.
trativa do ensino em livros e publicações diversas. O Nesse sentido, a análise põe em foco a instituição
período foi, sobretudo, de importante reorganização central da administração do ensino na cidade do Rio
do funcionamento escolar na cidade do Rio de Janeiro. de Janeiro como forma de discutir suas atribuições.
Iniciativas como ampliação do número de turnos esco- Em que pesem os nexos entre os diversos órgãos de
lares, a reestruturação da carreira do magistério, a im- decisão político-administrativa do Distrito Federal,
plantação de novos serviços educativos e a utilização o foco na Diretoria de Instrução visa mostrar as mar-
da estatística permitiram redimensionar a capacidade gens de manobra que era possível ter no comando
de atendimento da instrução pública na capital à época. da educação pública. Dessa perspectiva, a ênfase da
Embora invariavelmente comprometido com referên- abordagem recai sobre as estratégias do mando e o
cias ao “cipoal de leis” e à “excessiva burocratização modo como se constituíram institucionalmente e, ao
dos serviços de ensino”, o tema da administração mesmo tempo, foram se tecendo ao sabor de conjun-
escolar possibilita principalmente abordar o processo turas e de atuações individuais. Em outras palavras,
de decisão que essas ações envolveram. o esforço da análise se dá no sentido de mostrar o

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papel operatório da administração escolar na imple- para ampliar tanto as instituições de assistência e
mentação de um novo projeto educacional. cooperação da escola e da família quanto as instituições
No trato com o órgão central da administração de aperfeiçoamento do ensino, como cinema educativo,
escolar, fundamentalmente se pergunta sobre a ação museus escolares e bibliotecas. Composta por uma
dos principais administradores. Perguntar sobre o que seção de expediente, outra de contabilidade e as seções
fizeram Carneiro Leão, Fernando de Azevedo e Anísio de arquivo e estatística, a Subdiretoria Administrativa
Teixeira para administrar a educação pública da capital mantinha organizada a burocracia e a logística dos
do país foi a forma encontrada para pensar algumas das serviços educativos. Dessa forma, a reforma do ensi-
estratégias de reforma do ensino. Na hipótese de que no em 1928 estabeleceu uma primeira separação dos
as reformas do ensino público da capital entre 1922 e setores administrativos e técnicos na Diretoria Geral
1935 tenham traduzido decisões políticas em ações ins- de Instrução Pública do Distrito Federal. Por um lado,
titucionais é central na abordagem deste texto explicitar então, a Subdiretoria Administrativa encarregava-se da
algo dos processos por meio dos quais isso ocorreu. estruturação dos aspectos administrativo-burocráticos
Assim, a proposta analítica que se segue intenta realçar que definiam a implementação das novas medidas
a dimensão inovadora e engenhosa das manobras orga- adotadas. Por outro, o estudo e a solução de problemas
nizadoras levadas a cabo nas principais instituições da de ordem técnico-pedagógica eram atribuições da
administração do sistema escolar do período. No rastro Subdiretoria Técnica. O período entre 1928 e 1932 na
da história da racionalização utilitária do detalhe que educação da capital pode ser visto como de enquadra-
busquei aplicar no doutoramento, este estudo procede mento das relações que se estabeleceram entre o pessoal
da preocupação com o modo de as reformas educativas encarregado das tarefas educativas e de secretariado na
fazerem funcionar as muitas tecnologias de uma racio- estrutura administrativa.
nalidade própria à aprendizagem escolar. Um pouco depois de assumir a direção do ensino
na cidade do Rio de Janeiro em 1931, Anísio Teixeira
Uma política de reforma da instrução pública iniciou um decisivo processo de ampliação da organi-
zação administrativa do ensino. O decreto n. 3.763, de
Entre a posse de Carneiro Leão na Diretoria de 1º de fevereiro de 1932, reconstituiu a Diretoria Geral
Instrução Pública em 1922 e a exoneração de Anísio de Instrução Pública, criando os serviços de matrícula
Teixeira da Secretaria de Educação e Cultura em escolar, promoção de alunos, programas, educação
1935, a administração do ensino público no Distrito física, música e canto orfeônico, ensino secundário
Federal foi inteiramente reformada. Até 1927 com um geral e profissional, prédios e aparelhamentos esco-
gabinete de despachos e uma secretaria de expedientes lares e rearticulando outros (contabilidade, pessoal
funcionais, o órgão central da administração do ensino e arquivo, expediente e publicidade, estatística e ca-
na capital do país chegou a reunir, quase uma década dastro, obras sociais e escolares e educação de saúde
depois, dois institutos, seis divisões de serviço e sete e higiene escolar).
superintendências. Mas foi no ano seguinte, com a transformação da
Em 1928, o decreto n. 3.281, de 23 de janeiro, Diretoria de Instrução em Departamento de Educação,
criou a Subdiretoria Técnica para a Diretoria Geral de que Anísio Teixeira consolidou uma nova estrutura
Instrução Pública do Distrito Federal, reunindo todo técnico-administrativa para o ensino público na capital
o trabalho de secretaria numa outra subdiretoria, a federal. O decreto n. 4.387, de 8 de setembro de 1933,
Administrativa. Como determinava a regulamentação constituiu o Departamento de Educação a partir da
da nova lei de ensino, eram competência da Subdire- organização de institutos e divisões técnicas e admi-
toria Técnica os serviços de propaganda e publicidade nistrativas, de estudo e coordenação, e de órgãos de
da educação popular e o desenvolvimento de medidas administração, orientação e fiscalização. O conjunto

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compreendia o Instituto de Educação; o Instituto de lizadora. Para Anísio Teixeira (1935, p. 63), a reforma
Pesquisas Educacionais, com duas divisões: a de da administração central da educação pública se fazia
Pesquisas Educacionais e a de Obrigatoriedade Escolar em nome de “um reconhecimento otimista de que o
e Estatística; a divisão de Bibliotecas Escolares e Cine- problema da organização e da articulação eficazes de
ma Educativo; a divisão de Prédios e Aparelhamentos um sistema escolar pode vir a ser resolvido”.
Escolares, a Divisão de Secretaria; as Superintendên- Embora a concepção de que a reforma adminis-
cias especializadas de Música e Arte, Desenho e Artes trativa da educação pública era uma estratégia para
Industriais e Educação Física, Recreação e Jogos; solucionar os problemas de extensão e qualidade
a Superintendência Geral de Educação de Saúde e da escola elementar tenha surtido resultados muito
Higiene Escolar; a Superintendência de Educação concretos entre 1928 e 1935, a figura central para a
Secundária Geral e Técnica e do Ensino de Extensão; compreensão dos propósitos gerenciais às vistas das
as Superintendências de Educação Elementar e as reformas do ensino foi anterior a esse período. No qua-
Superintendências de Ensino Particular. driênio de 1922 a 1926, Carneiro Leão consolidou uma
Em 1935, a lei n. 17, de 2 de setembro, transfor- visão política do gerenciamento da educação pública
mou o Departamento de Educação da Prefeitura do que permaneceu influente até 1935 no Distrito Federal.
Distrito Federal em Secretaria de Educação e Cultura, Fundamentalmente, tratou-se de um momento pouco
com poucas alterações. A estrutura então constituída reconhecido pelas realizações de reforma ou pelas
por Anísio Teixeira funcionava por meio de serviços iniciativas de organização escolar, mas continuamente
de estudo, coordenação, controle e atuação direta e referido como fecundo de ideias inteligentes e lúcidas
indireta sobre a escola. Conforme a compreensão do de renovação do sistema público de ensino (Zentgraf,
diretor do departamento de educação, tratava-se de 1994). Tanto se encontram nele as pretensões de Aze-
dar à administração educacional a fisionomia técnica e vedo e Anísio a respeito do desvencilhamento entre
especializada igual à de Saúde Pública e a de serviços atribuições técnicas e tarefas administrativo-buro-
ligados à engenharia (Teixeira, 1935, p. 63). O prin- cráticas na direção do ensino quanto as preocupações
cípio com o qual Anísio se justificou e que consagrou em relação à articulação dos serviços escolares e sis-
na reorganização do Departamento de Educação foi tematização da educação popular. Em seu livro sobre
o da distinção entre as ações executivas e as de assis- a reforma do ensino que conduziu no Rio de Janeiro,
tência técnica. Sobreleva a nitidez da distinção que Carneiro Leão (1926, p. 7) tratou a direção do ensino
então se fez entre os órgãos de execução e provimento como tarefa de caráter social e político. Sua ênfase na
das condições de realização das ações de reforma e ideia de que a solução dos problemas de natureza cí-
as repartições encarregadas de assistir e auxiliar a vica e nacional dependia de aparelhar a escola pública
execução. O próprio Anísio Teixeira (1935,  p.  65) para uma obra de nacionalização dos costumes pode
reconheceu o caráter consultivo e técnico dos Insti- ser notada em boa parte das iniciativas de reforma.
tutos de Educação e de Pesquisas Educacionais e das Foi principalmente assim que Carneiro Leão (1926,
Divisões de Obrigatoriedade Escolar e Estatística e de p. 52, p. 130-137, p. 214) justificou as necessidades
Prédios e Aparelhamentos Escolares, deixando reser- de uma maior dotação orçamentária para a educação,
vadas às superintendências as funções de execução e incentivou solenidades escolares de caráter cívico ou
desenvolvimento do trabalho escolar. Continuamente social e frisou o papel da escola na orientação vocacio-
interessado em instituir um efetivo sistema público de nal da criança. Por outro lado, as medidas de amparo
ensino, Anísio estabeleceu e definiu as atribuições de material e assistência médica e alimentar mostraram-
toda uma rede de controle dos serviços educativos da se relevantes no balanço efetuado pelo diretor da
cidade. Nunes (2000, p. 238) tem razão quando diz que instrução carioca em 1926. Para Carneiro Leão, as
esse projeto nunca escondeu sua consciência raciona- ações de defesa da saúde nas escolas, a organização da

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assistência escolar e a criação e generalização da edu- Diretoria para o problema da assistência, estimulando a
cação física pareceram ser importantes indicativos do criação e o desenvolvimento das Caixas Escolares, Ligas
alcance social das iniciativas que fez organizar quando de Bondade, Copos de Leite, Sopas Escolares, Gabinetes
na Diretoria Geral de Instrução Pública do Distrito Dentários, para que o esforço particular viesse em auxílio do
Federal. Significativamente, os principais benefícios poder público e pudessem os deserdados da sorte conseguir
para a criança contabilizados no relato do diretor da uma preparação para a vida capaz de evitar a sua condenação
instrução advêm de empreendimentos vinculados aos trabalhos braçais, sem beleza e sem futuro. Por toda parte
aos serviços de inspeção médica e de distribuição da em que tais medidas se generalizam, a matrícula cresce, a
merenda escolar: alimentação, vacinação, exame de frequência se eleva consideravelmente.
saúde e tratamento dentário.
Ambos os conjuntos de medidas coincidiram Tanto no sentido de ampliar os anos de estágio
no esforço de aumentar os anos de escolaridade da escolar gratuito quanto no de atrair e manter as crianças
população em geral e das classes operárias em es- por mais tempo na escola, a Diretoria Geral de Instrução
pecial. Carneiro Leão (1926, p.  8) argumentou que providenciou soluções de extensão dos serviços escola-
o acréscimo do tempo de escolarização das crianças res, quer em tempo, quer em recursos. Esse propósito
era condição necessária para “preparar o nosso povo era muito nítido em 1924, quando Carneiro Leão apre-
para assimilar os estrangeiros que nos procuram”. E, sentou um anteprojeto de reforma da instrução pública
de fato, organizou o programa de ensino das escolas para o então prefeito do Distrito Federal, Alaor Prata.
primárias diurnas em sete anos, um acréscimo de dois A Justificação do Plano de Reforma apresenta não
anos em relação ao período de educação elementar só uma concepção clara de sistema público de ensino
vigente desde 1919. O diretor de instrução da capital como os meios de sua subvenção e controle. Para
justificou tal providência esclarecendo a importância Carneiro Leão (1926, p. 219), começando no jardim
de um estágio escolar elevado: da infância ou na escola primária, a criança deveria
atravessar o curso fundamental e passaria daí para
Pouco há de valer um ensino de dois ou três anos dado aos uma escola profissional ou seguiria, em linha direta,
cidadãos de uma capital, como o Rio de Janeiro, se para aqui pelo curso complementar até a Escola Normal, se não
imigram milhares e milhares de filhos de povos em que a se encaminhasse antes para os cursos secundários e a
cultura popular mínima corresponde a 7, 8 e 9 anos de estudo universidade. Nesse esquema, foi central o esforço de
e com um trabalho escolar de 30 horas por semana, quando conduzir o aluno do curso fundamental para a escola
nós temos 22 horas de tal trabalho nas escolas de dois turnos profissional como forma de iniciá-lo na aprendizagem
e 25 nas de turno único. (Carneiro Leão, 1926, p. 8) de um ofício e prolongar sua escolarização. Significati-
vamente, respeitou-se o limite máximo que os rapazes
Do mesmo modo, as iniciativas de assistência pobres atingiam na escola primária, entre o 3º e 4º
escolar, social, alimentar e de saúde compunham uma anos, flexibilizando-se os critérios de admissão aos
estratégia de ampliação do tempo médio de escola- cursos técnico-profissional. Contudo, essa proposta
rização da população. Carneiro Leão (1926, p.  14) para fazer da instrução um bloco ajustado e completo
compreendeu sobretudo que atrair e manter por mais de escolarização se consolidava através de dispositi-
tempo as crianças na escola também era uma tarefa vos de assistência e inspeção. Em parte, as estratégias
administrativa de ordem social: para prolongar os efeitos dos serviços escolares sobre
a população infantil pobre foram pensadas a partir da
A preocupação diante da escassez da matrícula nos últimos oferta de merenda, tratamento dentário, assistência
anos não podia ser a redução do estágio, mas a atração da de saúde e pensões e merenda (Carneiro Leão, 1926,
população infantil às classes superiores. Daí a atenção da p. 227-228, p. 231-232). Em contrapartida, a justifica-

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tiva de reforma admitia que as modificações do ensino lamentação do ensino público, Carneiro Leão (1926,
público dependiam apenas de uma organização admi- p.  49) agiu por meio de medidas administrativas
nistrativa “mais harmônica e mais consentânea com a orientadas em função do que entendia serem as “nossas
importância dos estabelecimentos e a sua finalidade características sociais e nacionais”.
no meio” (Carneiro Leão, 1926, p. 233). Embora se Ainda de acordo com o relato de Carneiro Leão
achasse que, fora isso, a questão era de programas, nos (1926, p. 199), a implementação desse plano de fi-
quais o ensino das matérias se faria mais experimental nalidades ressentiu-se do modelo organizacional da
e de acordo com os cursos da Escola Normal e das Diretoria Geral de Instrução Pública, que era repleta
escolas profissionais, os cursos de formação docente “de empecilhos regulamentares no movimento de
em serviço e a remodelação dos serviços de secretaria papéis”. Sobretudo a crítica registrada pelo diretor
mostravam a compreensão que então havia da refor- da instrução pública visou o acúmulo das funções
ma educativa como um problema de ajustamento das técnicas e burocráticas do cargo. A falta de uma
inovações ao aparelhamento escolar. subdiretoria técnica não só causava sobrecarga de
O projeto sequer foi encaminhado para a apre- trabalho burocrático, segundo Antônio Carneiro
ciação no Conselho Municipal. No entanto, suas Leão (1926, p. 199), como impedia “uma distribui-
bases permaneceram visíveis nos procedimentos da ção de serviço mais racional”. Consequentemente,
Diretoria Geral de Instrução Pública. Ao relatar o es- pleiteava-se a criação das subdiretorias técnica e
forço empreendido no quadriênio em que administrou administrativa para desafogar os afazeres do diretor
o ensino da capital, Carneiro Leão (1926, p. 46-49) de instrução (Carneiro Leão, 1926, p. 200). Essa
examinou o que se procurou conseguir dentro de um sugestão de solução tinha no seu cerne a concepção
plano de finalidades: de que as funções técnicas da direção do ensino
precisavam estar desvencilhadas da sua parte buro-
1º Determinação da finalidade do ensino dentro das exi- crática para terem maior eficiência. Basicamente, o
gências sociais e nacionais presentes. relato de Carneiro Leão sobre os resultados dos seus
2º Aproximação da escola com o meio familiar e social. trabalhos no quadriênio de 1922 a 1926 suscitou a
3º Defesa da saúde na escola. expectativa de uma organização da Diretoria Geral
4º Organização da assistência escolar. de Instrução semelhante à que já funcionava em ou-
5º Criação e generalização da educação física. tras repartições da Prefeitura do Distrito Federal.
6º Determinação do desenho e dos trabalhos manuais como Embora sem autorização para a reforma da
base do ensino primário. Diretoria Geral, Carneiro Leão redimensionou o
7º Orientação profissional pela escola. alcance dos seus serviços. Por meio das comissões
8º Preparação da confraternização pela escola. de trabalho e pesquisa e a incorporação de ações de
9º Instalação do “Cinema Pedagógico”. assistência aos dispositivos de controle sanitário das
10º Criação das excursões escolares. escolas, assegurou-se a organização das práticas de
prevenção, de assistência escolar e promoção da saú-
Carneiro Leão (1926, p. 49) elaborou um relato de e a experimentação de novas fórmulas de ensino
dos trabalhos realizados na Diretoria de Instrução em e avaliação. Para implementar alguma mudança na
que ficou acentuada a preocupação de seguir uma rotina de trabalho das escolas da capital, Carneiro
finalidade conscientemente determinada. Nos termos Leão tanto constituiu grupos de atividades quanto
do seu relato, a finalidade do ensino foi definida nos aproveitou grupos já mobilizados para assistir aos
cursos de formação dos professores e estabelecida na necessitados. Fundamentalmente, agiu por meio da
reforma dos programas primário, normal, noturno e rede de comissões e do agenciamento de inspetores,
profissional. Sem conseguir modificar a lei de regu- professores e funcionários que pôde organizar em

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torno da administração do ensino e da escola. Em vez falou em racionalização para descrever as atribuições de
de uma reforma das instituições do serviço educativo, direção voltadas ao estudo e solução dos problemas téc-
Carneiro Leão recondicionou as relações sociais e de nicos. Principalmente, ele reconheceu que no campo da
trabalho no seu interior. Mesmo impedido de realizar administração escolar a decisão de criar a Subdiretoria
qualquer remodelação institucional, o diretor da instru- Técnica permitiu a formulação de algumas estratégias
ção pública do Distrito Federal alterou a abrangência para a ação imediata sobre a escola: a transformação da
da ação administrativa da Diretoria Geral. Sobrepôs inspeção escolar, de serviço fiscalizador em instrumento
ao modelo de organização da Diretoria Geral procedi- de assistência técnica; o estabelecimento de concursos
mentos auxiliares de assistência escolar e de estudo e para o preenchimento de cargos, a estruturação da car-
pesquisa que, se por um lado não alteraram a estrutura reira do magistério e a realização de recenseamentos
de funcionamento desse órgão, por outro serviram para escolares (Nagle, 1974, p. 204).
desenvolver atividades formativas e de proteção social Outro conjunto de estratégias que se consolidou
segundo princípios claramente definidos. na Diretoria Geral de Instrução Pública entre 1922 e
1930 tem a ver com a política de pessoal. As comissões
Transformações no modelo organizacional da para Estudo e Aplicação dos Testes, para Generalização
Diretoria de Instrução do Distrito Federal da Educação Física, para reelaboração dos Programas
Escolares e para Compilação das Leis de Ensino, em
Os propósitos de Carneiro Leão quanto ao plano de atividade a partir de 1924, compunham-se de profes-
finalidades sociais que a escola deveria satisfazer não sores, especialistas e inspetores indicados por Carneiro
apenas permaneceram sendo uma política de atuação Leão para estudo, implantação ou planejamento de
da Diretoria de Instrução no período seguinte como, em ações relacionadas a objetivos específicos de reforma.
parte, foram viabilizados. Com a criação da Subdire- Em relação à estrutura de cargos da Diretoria Geral
toria Técnica em 1928, Fernando de Azevedo institu- de Instrução, elas apenas referenciavam uma função
cionaliza o órgão que Carneiro Leão reivindicava em técnica ou administrativa, tornando mais evidentes
1926 para constituir a unidade de pensamento e a ação algumas das propostas de direção. Entretanto, o foco
construtora das reformas educativas. E, de fato, foi por especializado das comissões dava relevância profis-
intermédio da Subdiretoria Técnica que a administração sional aos seus componentes por meio de publicações
do ensino na capital organizou o curso de conferências ou cursos de formação. No trabalho comissionado, a
“A Escola Nova e a Reforma”, entre abril e maio de administração não só se aproveitava da autoridade
1928, a Exposição de Cinema Educativo, em 1929, técnica de alguns professores do quadro de funcio-
o Curso de Educação Sanitária, em 1929, e a edição nários da Diretoria Geral, da Escola Normal ou das
do Boletim de Educação Pública, periódico oficial da próprias escolas como também conferia visibilidade
Diretoria Geral lançado em 1930. Igualmente da alçada ao trabalho desenvolvido. Essa solução de organização
da Subdiretoria Técnica a realização dos concursos pú- de alguns serviços reuniu, em torno de alguns pontos
blicos para provimento dos cargos docentes da Escola do plano de finalidades administrativas, docentes e
Normal e os processos de licitação para a construção inspetores escolares competentes para capacitar nas
de novos edifícios escolares. Como observou Jorge novas tarefas propostas, destacando-os e legitimando-
Nagle (1974, p. 202-203), as atribuições de natureza os como autoridades técnicas. Entre muitos outros,
técnico-pedagógica das seções técnicas das diretorias os professores da Escola Normal Manoel Bomfim,
de instrução nos anos de 1920 resultaram de um esfor- Maurício de Medeiros, Nereu Sampaio, Edgard Sus-
ço geral no sentido de aperfeiçoar e tornar eficiente o sekind de Mendonça e José Paranhos Fontenelle, os
funcionamento da rede escolar. Como Nunes (2000) em inspetores escolares Paulo Maranhão e Deodato de
relação aos anos 1930, também Nagle (1974, p. 205) Morais, o diretor da Escola Profissional Visconde

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de Cayru, Theophilo Moreira, o catedrático Joaquim Técnica, que então, desde a organização dos programas
Ferreira de Souza, o adjunto Jayme Pereira Batista e escolares até a edificação de novos prédios escolares,
a adjunta Nicolard Frossard integraram comissões de centralizou as decisões e as responsabilidades acerca
trabalho tanto assumindo responsabilidades a respeito do estudo e da solução dos problemas de atendimento
da pesquisa e experimentação quanto participando das escolar e aprendizagem. Significativamente, por meio
iniciativas de formação da Diretoria Geral. Embora li- das ações da Subdiretoria Técnica, a inspeção escolar
mitado, o recurso aos trabalhos comissionados foi uma cada vez mais se comportou como instrumento de
possibilidade de Carneiro Leão operar prescindindo assistência técnica. Nesse âmbito, a própria inspeção
de uma lei de reforma da instrução. Em que pesem as médico-escolar foi paradigmática. Entregue à chefia
restrições da base organizacional da administração de um dos inspetores médico-escolares, teria a incum-
central do ensino, esse tipo de manobra revelou-se de bência de fiscalizar, orientar e coordenar os serviços
relevância para indicar diretrizes novas de trabalho. de higiene nas escolas. Conforme determinava o
A partir de 1928, a aprovação e regulamentação da regulamento de ensino de 1928, era responsabilidade
reforma do ensino permitiram a Fernando de Azevedo do inspetor médico-chefe fazer executar e fiscalizar,
repensar a composição dos cargos da Diretoria Geral mas também organizar, o serviço de inspeção médica
de Instrução Pública. A criação das Subdiretorias Téc- e dentaria. Cumpria principalmente à chefia do serviço
nica e Administrativa e da função de inspetor médico- médico-escolar servir, em comissão, junto à Subdireto-
escolar chefe constituíram postos-chave de comando ria Técnica como especialista.
na gestão do ensino público na capital. Em parte, a Também politicamente a reforma administrativa
reestruturação burocrático-administrativa do mando na da Diretoria Geral serviu para legitimar manobras de
educação serviu para estabelecer atribuições de serviço composição do poder de mando naquela repartição. Por
superintendidas e orientadas por uma autoridade de um lado, a centralização dos serviços de secretaria no
competência especializada. Tanto a Subdiretoria Ad- gabinete do subdiretor administrativo pareceu tornar
ministrativa quanto a Técnica e a chefia dos serviços adequada a nomeação de um funcionário de carreira
médico-escolares deixavam entrever a ideia de tornar na Diretoria Geral de Instrução. Tudo indica que esse
eficientes os serviços educativos por meio da especiali- aspecto não escapou a Fernando de Azevedo quando
zação das ações supervisoras. Nesse sentido, os recursos designou Frota Pessoa para o cargo. Não só coube a este
que Nagle (1974, p. 204) identificou quando descreveu chefiar um expediente que já conhecia, superintendendo
as medidas para proporcionar maior eficiência ao fun- e fiscalizando o protocolo, despachando e decidindo
cionamento dos sistemas escolares nos anos de 1920 sobre a concessão de abono e justificação de faltas como
encontraram expressão nas mudanças introduzidas na também organizar os serviços de estatística e cadastro
Diretoria Geral de Instrução do Distrito Federal sob a escolar na recém-criada 4ª seção da Diretoria Geral.
direção de Fernando de Azevedo. À Subdiretoria Admi- Por outro lado, em razão das atribuições estabelecidas
nistrativa coube, além do expediente de secretaria e dos pela regulamentação da lei do ensino de 1928 para a
serviços de protocolo e controle da vida funcional do subdiretoria técnica da instrução, Fernando de Azevedo
magistério, aperfeiçoar as modalidades de informação nomeou Vicente Licinio Cardoso, autoridade de perfil
da Diretoria de Instrução. A criação da seção de estatís- publicista reconhecida pelo magistério da capital e
tica e cadastro escolar configurou, para a administração membro da Associação Brasileira de Educação (Tinoco,
escolar, esse lugar específico de produção e gerencia- 1975). Talvez um exemplo melhor do recurso que eram
mento de dados sobre a educação pública da capital. as nomeações para os cargos diretivos da administração
Como já se disse aqui, os principais recursos para dar tenha sido a indicação de Jonathas Serrano para o lugar
à escolarização as feições de uma atividade planejada de Vicente Licinio Cardoso. A feição especializada da
foram obtidos em função da atividade da Subdiretoria Subdiretoria Técnica foi reafirmada por Fernando de

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Azevedo quando nomeou o então diretor da Escola paulistas do jornal O Estado de S. Paulo e membros da
Normal da capital como o novo titular do cargo. Não só ABE que apoiaram a reforma e com ela colaboraram
se mantinha na equipe de administração uma autoridade ampliaram os horizontes políticos e as possibilidades
em educação, mas uma figura adequada para tentar de implementação do programa de renovação do ensino
implementar a reforma do ensino junto ao magistério. público da capital. Fundamentalmente articuladora, a
Fernando de Azevedo (1929) parecia mesmo entender ação de Fernando de Azevedo na Diretoria Geral susten-
que a realização das orientações de reforma dependia tou redes de relações pessoais e institucionais centrais
de uma rigorosa autoridade formal. Nesse sentido, à reforma que se pretendia para a educação.
outra mudança relevante no enquadramento de pessoal Já as mudanças introduzidas na Diretoria Geral de
da repartição sob sua direção foi a criação da função Instrução Pública do Distrito Federal por Anísio Teixei-
de inspetor médico-chefe na subdiretoria técnica. Para ra (1935) tornaram evidente um acentuado processo de
desempenhá-la foi designado o inspetor médico-escolar institucionalização dos serviços educativos. A forma
Oscar Clark, que, de fato, como previa o regulamento como Anísio desenvolveu e estendeu a capacidade de
de ensino, esteve empenhado em fiscalizar, orientar e controle administrativo da educação pública entre 1933
coordenar os serviços de higiene nas escolas da capital. e 1934 tanto implicou uma redefinição dos instrumen-
Com a chefia de Oscar Clark, em vez de uma orientação tais de execução do programa de reformas do ensino
estritamente preventiva, venceu na Diretoria Geral de carioca quanto a criação de órgãos de pesquisa e estudo.
Instrução uma proposta de inspeção terapêutica. Os Clarice Nunes (2000, p. 237) mostrou que toda a rede
serviços de inspeção médico-escolar então cuidaram do de instituições que então se pôs a serviço da escolari-
encaminhamento e, por vezes, do tratamento das popu- zação na cidade do Rio de Janeiro foi imaginada como
lações escolares, intensificaram o fichamento sanitário “instrumento para a constituição efetiva de um sistema
nas escolas e promoveram um curso de formação de público de ensino”. Segundo sua avaliação, tratava-se
enfermeiras escolares. de um esforço para enfrentar a fragmentação escolar
Ao deixar a direção da Instrução Pública da da capital, até certo ponto entendida como reflexo da
capital, em outubro de 1930, Fernando de Azevedo própria fragmentação social (Nunes, 2000, p.  237-
tinha realizado boa parte do que, antes, Carneiro Leão 238). Dessa perspectiva, a organização administrativa
(1926,  p.  198) havia proposto para dar eficiência e da Diretoria de Instrução planejada e experimentada
melhor ordem aos serviços da Diretoria Geral. Fun- por Anísio Teixeira pode ainda ser entendida como o
cionavam as Subdiretorias Administrativa e Técnica, e cerne de um projeto de melhoramento social elaborado
os serviços de inspeção médica ampliaram-se de modo a partir de procedimentos operacionais que exigiram
a propiciar tratamento às principais endemias entre a um importante esforço ideologizador.
população escolar. De 1928 até 1929 as nomeações Em fins de 1933, a Diretoria Geral de Instrução
previstas no novo regulamento de ensino aumentaram Pública passou a ser denominada Departamento de
muito as margens de manobra do Diretor de Instrução Educação. O decreto n. 4.387, de 8 de setembro de
Pública, sobretudo servindo às estratégias de implanta- 1933, instituindo o Departamento de Educação do
ção da reforma educativa desenvolvidas por Fernando Distrito Federal, consolidou a organização técnica e
de Azevedo. Através de nomeações como as de Vicente administrativa do aparelho de direção do sistema es-
Licinio Cardoso, Jonathas Serrano, Frota Pessoa e Oscar colar. Mas não só a nova designação do órgão central
Clark, a Diretoria Geral de Instrução Pública agregou da administração escolar serviu para estabelecer e
um grupo de colaboradores empenhados em promover legitimar os propósitos dessa repartição da prefeitura
uma plataforma de convicções renovadoras para a edu- do Distrito Federal. A mudança de nomenclatura da
cação pública. Como Marta Carvalho (2004, p. 169) instituição central da administração do ensino pôs
já demonstrou, também os laços estabelecidos entre em causa a articulação entre os níveis de ensino no

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sistema escolar da capital. Por essa perspectiva, o educação pública. Contudo, as finalidades de articula-
Departamento de Educação designava a ampliação ção dos níveis de ensino e das instituições para a sua
dos objetivos do sistema escolar do Rio de Janeiro. administração não se impuseram sem conflitos. Apesar
Com efeito, Anísio Teixeira (1935, p. 141) autorizou o de Anísio ter contemporizado com a legislação federal,
ensino secundário pelo decreto n. 3.763, de 1º de feve- ele divergiu das exigências da União na sua ação, das
reiro de 1932, buscando criar os necessários vínculos propostas dos grupos católicos e esquerdistas no seu
da educação pós-elementar com o ensino primário e programa de reformas e da rotina de trabalho das pró-
superior. Nesse sentido, também a nomenclatura foi prias escolas em funcionamento na implantação das
um modo de expressar a unidade e a amplitude dos suas iniciativas. As reações ao que se propunha como
objetivos do empreendimento de reforma. estratégia de organização técnica e especializada da
Politicamente, a trama de interesses era ainda escola pública indicavam o caráter polêmico da gestão
mais cerrada. Como Carlos Eduardo Sarmento (2000, de Anísio Teixeira. Nesse sentido, parece-me preferível
p.  33-57) e Michel Conniff (2006) deixam ver em pensar aqui a reforma do Departamento de Educação
suas pesquisas sobre a administração Pedro Ernesto, da capital federal entre 1933 e 1934 a partir do seu
o governo da cidade se realizou pela manipulação do ajustamento à diversidade de ações dos vários grupos
acesso da população aos serviços públicos e fazendo de interesse envolvidos a discutir a condução política
deles sua moeda essencial na negociação política. do processo de reforma (Nunes, 2000), o alcance das
Basicamente esses autores mostram que Pedro Ernesto suas realizações (Garibello, 1977; Teixeira, 1985) ou o
ampliou o leque e a abrangência dos sistemas de servi- ideário por meio do qual se expressaram as competên-
ço para tentar trazer o indivíduo para o interior de uma cias do seu discurso (Gandini, 1980; Nunes, 2001).
relação de poder. Observam que, em consequência,
por meio do controle de tais sistemas materializava- As estratégias de gabinete
se o principal do jogo político da cidade. Penso que
também a organização do Departamento de Educação Anísio Teixeira (1935, p. 103) tinha clareza quan-
presta-se a uma análise nessa perspectiva. Não é o caso to ao método por meio do qual procurava resolver os
do presente estudo, que enfatiza os aspectos políticos problemas escolares do Rio de Janeiro:
mais circunscritos à reestruturação dos serviços ad-
ministrativos da educação pública. O administrador sincero perdeu, desde que examinou um
Em todo caso, o modelo organizacional sob o pouco mais profundamente a situação, a ilusão dos planos
qual funcionou o Departamento de Educação havia integrais e perfeitos, desenvolvidos a golpes de lógica e
tanto comprometido o poder público com o “controle de doutrina.
eficiente” dos processos de escolarização na capital A realidade contraditória, desigual e incerta obrigou-o a
quanto criado a possibilidade de estruturar um campo planos desiguais para a conquista de uma progressiva coe-
de especialização profissional em meio ao jogo político rência de todo o sistema.
da cidade. Assim, as mudanças que Anísio Teixeira Esta, a distinção mais assinalável na atual administração
impôs nos padrões de controle escolar da demanda por do ensino no Distrito Federal. O método por que estamos
educação mostraram ser mais que o resultado de uma procurando resolver o problema escolar do Rio de Janeiro é
estratégia para reconstituir o funcionamento do sistema o da experimentação gradual das soluções e o da obediência
público de educação. O empreendimento de reforma rigorosa às condições locais.
do órgão central da administração do ensino contribuiu
parcialmente para a redistribuição das responsabilida- A passagem é representativa da transigência de
des de controle, assistência técnica e experimentação, Anísio diante da situação de desigualdade de condi-
intensificando a supervisão e a regulamentação da ções materiais e pessoais do sistema escolar carioca.

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As estratégias de administração das políticas públicas de educação na cidade do Rio de Janeiro entre 1922 e 1935

Como também fazem entender os testemunhos estudos de Vidal (1998, 2001), a fala da continuidade
de Paschoal Lemme (1988, p. 151) e Juracy Silveira no fazer administrativo assumiu caráter de diferença.
(1960), a ação do Departamento de Educação entre 1933 Essas pesquisas advertem acerca da singularidade das
e 1935 tanto foi flexível quanto obedeceu às condições ações reformistas de Azevedo e Anísio.
locais de realização das iniciativas de reforma. Por um Na tentativa de desembaraçar as falas de Anísio
lado, o testemunho de Juracy Silveira (1960) aponta os e Fernando, Vidal (1998, p. 76) destaca as suas dife-
ajustes progressivos das regulamentações e das orienta- renças de acepção quanto ao ensino laboratorial, às
ções do trabalho educativo. Por outro lado, o depoimen- diretrizes fixadas para o ensino primário, ao trabalho
to de Paschoal Lemme (1988, p. 151) é indicativo do de organização administrativa e à formação docente.
quanto se consideraram as manifestações de ambições Tendo em vista as singularidades da ação reformista
e interesses pessoais para que a consecução dos obje- de um e outro, compreende a maneira distinta de per-
tivos centrais da reforma não fosse prejudicada. Com ceberem a formação para o magistério e a função da
efeito, as modificações dos decretos, a republicação de escola pública. Fernando de Azevedo preocupou-se
instruções e a política de pessoal observadas durante a em estruturar a Escola Normal, prevendo-lhe anexos
reforma do ensino no Distrito Federal advertem sobre a em quantidade suficiente para a prática em laborató-
existência de estratégias de composição e organização rios, escolas de aplicação e gabinetes para a pesquisa
do poder de decisão no Departamento de Educação aplicada, procurando harmonizar cultura utilitária e
pouco aparentes, mas decisivas para a implantação da estudos desinteressados. Para Anísio Teixeira, formar
nova política escolar. professores era desenvolver-lhes a atitude científica,
Como Carneiro Leão e Fernando de Azevedo, “munindo-os de um saber técnico específico, de um
Anísio Teixeira também se valeu das designações instrumental de análise capaz de subsidiá-los na re-
e da regulamentação para produzir mudanças no solução de problemas práticos” (Vidal, 1998, p. 91).
funcionamento dos serviços educativos da capital. Segundo Vidal (1998, p. 93), a constituição da Escola
Em parte, tratou de criar alianças e conseguir apoio de Professores do Instituto de Educação foi o exemplo
político. Nesse âmbito, a reorganização que Anísio prático de observância desse ideal. A respeito das fun-
conseguiu realizar na Diretoria Geral de Instrução ções da escola pública Azevedo e Teixeira emitiram
Pública resultou da sua capacidade de regular o traba- enunciados comuns; no entanto, diferiram quanto aos
lho de diversas divisões especializadas. Entrementes, procedimentos. Em ambos, a sociedade, percebida
a expansão dos serviços de administração do sistema como em permanente mudança, exigia uma escola
educativo da capital absorveu parte do grupo que tra- capaz de efetuar a educação progressiva do indivíduo
balhou na reforma do ensino em 1928, explicitando aos novos ritmos da civilização. Contudo, como bem
a solidariedade de Anísio com a obra de Fernando de compreendeu Vidal (1998, p.  94), enquanto “para
Azevedo. Como percebeu Diana Vidal (1998, p. 76), Fernando a difusão de ideias transformaria a prática,
a indicação de Anísio para dirigir a instrução carioca Anísio, diferentemente, percebia a mudança não como
respondia às reivindicações da ABE, especialmente na uma simples conquista da propagação de um ideário,
tentativa de recuperar a imagem de alguns educadores mas como resposta a uma ação prática”.
hostilizados com as mudanças políticas ocasionadas Noutra perspectiva, os sucessivos decretos de re-
pela Revolução de 1930. Anísio Teixeira assumiu forma configuraram um campo de operações por meio
sem dificuldades um discurso de continuidade com as do qual Anísio Teixeira buscou estabelecer, no embate
gestões de Fernando de Azevedo e de Carneiro Leão. das lutas sociais do período, novos espaços de atuação
Preocupadas em renovar a escola brasileira, de fato de- do educador e seu valor social. Conforme mostrou E.
fendiam uma concepção de ensino centrada na criança P. Thompson (1987, p. 358), enquanto regras e procedi-
e no interesse infantil. No entanto, como fazem ver os mentos formais e como ideologia, a legislação não pode

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ser proveitosamente analisada nos termos metafóricos nicipal, foi uma vitória política de impacto, mas não
de uma superestrutura distinta de uma infraestrutura. totalmente livre de desgastes. Ao estudar a tramitação
Fundamentalmente, a análise do caráter político da do projeto de reforma, Nelson Piletti (1994, p. 114)
intervenção legal baseia-se na compreensão de que mostrou que foram justamente os situacionistas que
também a lei, em sua dinâmica e contradições, objetiva fizeram oposição, na tentativa de obter vantagens. A
a própria dinâmica das relações sociais. Assim, um se- aprovação foi obra de articulação dos oposicionistas
gundo aspecto das lutas e tensões em torno do controle e independentes, que, em fins de 1927, adotaram a
da educação pode ser visto nas relações estabelecidas estratégia de obstruir a votação do orçamento de 1928.
entre a própria lei e as estratégias de intervenção de Em 26 de dezembro, passaram a lei de reforma e o or-
diferentes grupos no campo educativo. Nesse sentido, çamento. A insatisfação de Campos Medeiros (1928) é
as pesquisas de Nunes (1996, p. 200; 2000, p. 392-394) exemplar da perspectiva pela qual se criticou a sanção
exploram as resistências dos grupos diretamente atin- das medidas previstas na reforma do ensino:
gidos pelo trabalho de produção da legislação escolar
realizado no Departamento de Educação. Desde as Que valeram as considerações judiciosas do emérito prof.
queixas divulgadas por comunicado à imprensa até as Alberico de Moraes? Que valeram as objeções feitas por
pressões pessoais sobre Anísio por companheiros de Brício Filho, o eminente e erudito prof. da Escola Normal?
trabalho, foram vários os casos registrados de violação Que valeram os artigos de Alberto Moreira, brilhantíssimo,
da regra prescrita, “mediante uma atitude de recusa a no Jornal do Brasil?
acatá-la, descaso ou distorção na sua aplicação” (Nunes, Não valeram quase nada...
2000, p. 393). Valeram muito, é certo, para os que estavam na plateia,
Acerca do que dizem os estudos de Nunes (2000, observando sem interesses de emprego. Mas, para os que
p. 392) sobre as tensões entre os imperativos legais estavam no palco, ansiosos pela reforma, para estes todos
e as circunstâncias políticas de sua implantação, os argumentos eram interpretados como manifestações de
percebe-se que por traz da experimentação gradual das má vontade.
soluções e da obediência rigorosa às condições locais E a reforma passou. Passou amputada. – Passou sem um
havia cerrada disputa de poder, a fim de definir “um grande número de extravagâncias, das maiores. Ficou,
conjunto de soluções jurídicas para problemas postos porém, muita coisa inútil e dispendiosa, para as quais não
pelo contexto pedagógico”. Também Carneiro Leão e houve argumento capaz de demover nem os interessados
Fernando de Azevedo sofreram resistência importante. administrativos nem os legisladores.
Carneiro Leão nem mesmo viu enviada ao Conselho Chegou-se, pois, no Brasil, a este resultado: a inutilidade do
Municipal sua proposta de reforma da instrução. Alaor debate, mesmo nas questões técnicas. O interesse pessoal
Prata, então prefeito da cidade, demoveu Carneiro fala mais alto que o raciocínio!
Leão (1926, p.  201) da ideia de pôr a iniciativa de Ora, se antes da reforma votada e promulgada, de nada
reforma na dependência da audiência do Conselho valeram objeções  – de que valerão agora, que tudo está
Municipal. Já Fernando de Azevedo o fez, com o consumado? (p. 7)
completo apoio da prefeitura de Antônio Prado Júnior.
Segundo o próprio Azevedo (1929, p. 38), tratava-se Contra argumentos como esses de Campos Medei-
de um projeto “com vigoroso espírito de síntese, em ros, Fernando de Azevedo e alguns dos seus principais
que se acentuam as linhas diretrizes, inspiradoras e colaboradores na Diretoria de Instrução e na imprensa,
predominantes, bastante firmes para darem um caráter insistiram que a reforma era obra integral, atual e previ-
de harmonia e homogeneidade ao conjunto de todas dente, de longo prazo. Por diversos meios, procurou-se
as instituições escolares”. A aprovação do decreto de consolidar a ideia de que a nova legislação do ensino
reforma, após meses de discussão no Conselho Mu- era um plano harmônico e articulado de remodelação

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As estratégias de administração das políticas públicas de educação na cidade do Rio de Janeiro entre 1922 e 1935

educativa. As entrevistas de Azevedo (1929) sobre a os cursos de formação em desenho e modelagem e


reforma educativa que então ele buscava implantar na em educação física e os serviços de registro e esta-
capital apontam para uma estratégia de legitimação tística da Diretoria Geral de Instrução. Nesse modo
sobretudo atenta às formas de garantia e controle da de conduzir os trabalhos de inovação, Carneiro Leão
legalidade das ações sobre a educação pública. A não só conferiu autoridade de especialistas a grupos
preocupação com o corpo de doutrina da lei de ensino de professores da Escola Normal, das escolas profis-
foi uma característica constitutiva dessas entrevistas. sionais ou mesmo das escolas primárias como também
Tanto há o esforço de mostrar que uma nova concepção parece ter se aproveitado do reconhecimento que
pedagógica foi integrada à legislação quanto o empenho parte desses professores já tinha junto ao magistério
de explicitar o modo como se pensou a execução das da capital. De certa forma, foi assim que o diretor da
iniciativas previstas em lei (Azevedo, 1929, p.  86). Instrução Pública da cidade à época criou as redes de
Antes de qualquer outra coisa, o ordenamento jurídico “solidariedade” profissional necessárias para assegurar
pretendido pela lei de ensino de 1928 para Azevedo alguma legitimidade às inovações pretendidas. Dessa
(1929, p. 129-140) constituiu fonte e indício de fun- perspectiva, as práticas por meio das quais Carneiro
damentação e consistência da reforma educativa. De Leão dirigiu a Instrução Pública ultrapassam a idea-
certa forma, assegurar a legitimidade da lei de ensino lização que reflexões como as de Zentgraf (1994) e
foi fundamental para formalizar novas práticas de fun- Sandra Mendonça (1997) sublinham quando tratam
cionamento das escolas, garantindo a execução não só desse período administrativo.
de iniciativas de ordenação e controle, mas também Fernando de Azevedo reuniu condições para
de inovação da estrutura educativa da capital. Nesse centralizar decisões de infraestrutura e recursos ma-
sentido, ao contrário de Anísio, que conduziu um tra- teriais em seu gabinete. No quadriênio administrativo
balho contínuo de regulamentação do ensino, Azevedo de Azevedo, os editais para construção de escolas
operou de acordo com um programa de ação duradouro, foram elaborados na própria Diretoria de Instrução.
produzido de maneira integral e homogênea. Do mesmo modo, a Instrução Pública passou a ter um
No entanto, operações de outro tipo acentuaram as almoxarifado privativo. Os serviços de saúde escolar
diferenças entre os fazeres administrativos de Carneiro também ficaram centralizados numa chefia subordi-
Leão, Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. Mediante nada à Subdiretoria Técnica. Noutro âmbito, a ênfase
o repertório de práticas em uso, cabe advertir que as na difusão das ideias que Diana Vidal (1994, p. 95)
diferenças das quais vou tratar em seguida são apenas identifica na administração de Fernando de Azevedo
de ênfase. As distinções que se pretende realizar entre pode ser também vista nas práticas de comunicação da
as ações de Carneiro Leão, Fernando de Azevedo e Diretoria de Instrução. As relações de Azevedo com
Anísio Teixeira na Diretoria Geral de Instrução Pública os jornalistas da capital – ele, que trabalhou no jor-
do Distrito Federal não devem ser entendidas como uma nalismo paulista – caracterizaram-se pela publicação
análise da originalidade de cada uma das gestões. Trata- regular de comunicados na imprensa em resposta às
se apenas de enfocar as principais direções assumidas críticas ou informando o público das decisões adminis-
por Carneiro Leão, Fernando de Azevedo e Anísio trativas e resultaram em larga repercussão social das
Teixeira na gestão da Diretoria de Instrução, sem com ideias da reforma do ensino. De fato, a capacidade de
isso negar a continuidade das demais práticas no fazer repercussão que teve a reforma do ensino desde 1927
cotidiano da administração de cada um deles. é um elemento de importância para a compreensão
Carneiro Leão organizou sua ação administrativa do fazer administrativo de Azevedo na Diretoria de
sobretudo através das comissões de trabalho. Por meio Instrução.
do trabalho comissionado realizaram-se, entre 1923 e A obra administrativa de Anísio Teixeira pode ser
1926, tanto as experimentações com os testes quanto vista com igual riqueza da perspectiva da instituciona-

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lização dos serviços educacionais. A transformação da homens de governo para o fato de a educação ser um
Diretoria Geral de Instrução Pública em Departamento investimento para o futuro, a possibilidade de o povo
de Educação no ano de 1933 apresentou-se como a de se preparar “para a luta pela vida” (Carneiro Leão,
expressão mais lógica de uma estrutura em que os 1926, p. 214). Fundamentalmente, ele (1926, p. 19)
papéis e as tarefas eram bastante definidas: defendeu o custeio da educação pública por meio de
um imposto escolar sobre a renda, propondo então a
Indispensável, entretanto, se torna acentuar o cuidado que se criação de rubricas de obrigações e empréstimos para
pôs em dotá-la de organismos diferenciados para as diversas a obtenção de recursos federais ao ensino municipal.
funções, ao mesmo tempo que se conseguiu uma rigorosa Fernando de Azevedo, por sua vez, insistiu na orga-
unidade de linhas de ação. Para isso, creio que sobreleva, nização de iniciativas para a obtenção de recursos
dentre todas as medidas, a distinção que se fez, nítida e privados. O estímulo que Carneiro Leão havia dado
expressa, entre a atuação executiva, ou “linhas de comando” ao desenvolvimento de caixas escolares, das ligas de
e a assistência técnica, ou “linhas consultivas”. bondade e até mesmo de um conselho de assistência
[...] escolar foi previsto na lei de reforma que Azevedo
Numa elaboração mais complexa de planos, a distinção se conseguiu ver aprovada junto ao Conselho Municipal.
faz até nos tipos de autoridades que velam pelo cumpri- Nesse âmbito, entre 1927 e 1930 Azevedo incentivou
mento do mister de educar – há o que provê os objetivos a criação de caixas escolares e a autogeração de ren-
e as condições de sua realização e o que assiste e auxilia a dimentos das escolas, principalmente as de caráter
execução. Na organização proposta, tais diferenciações se profissional. Outra prática que ele apontou na prática
tornam, muito precisas; o professor executa, o orientador administrativa da Diretoria de Instrução a partir de
assiste e instrui e o diretor e superintendente delimitam os 1927 foi a busca de convênios com entidades benemé-
planos e dispõem das melhores condições para o êxito final ritas, de assistência e tratamento de saúde. Sem perder
do mestre. (Teixeira, 1935, p. 66) nada dessas experiências, Anísio Teixeira operou, por
meio de decretos-lei, a criação de um fundo escolar,
Anísio Teixeira (1935, p. 68) definiu os órgãos vários redirecionamentos de verbas mediante estornos
de atuação do Departamento de Educação tendo em de uma dotação orçamentária para outra e aberturas
vista as funções e os planos de trabalho de cada um regulares de créditos especiais para as construções e
deles. Procurou expressar uma forma organizativa remodelações de equipamentos educativos.
desdobrada em vários órgãos de estudo, coordenação Também nesse âmbito se pode observar Anísio
e elaboração de planos, como ainda em aparelhos de agindo segundo circunstâncias especificadas pela
fiscalização, orientação e assistência. Anísio e seus necessidade e Fernando de Azevedo de acordo com
colaboradores conseguiram pôr em funcionamento princípios de mais longo alcance. Não é difícil ver o
uma estrutura administrativa apoiada sobre a fisio- quanto Carneiro Leão percebeu das necessidades de
nomia técnica e especializada que a direção geral da financiamento público da educação quando se estudam
educação pretendia ter. as medidas tomadas em seguida por Azevedo e Aní-
Em relação às manobras orçamentárias da ins- sio. Ainda que, por um lado, Azevedo tenha focado
trução pública, Carneiro Leão, Fernando de Azevedo a captação de recursos de particulares beneméritos
e Anísio Teixeira também constituíram estratégias e os convênios e, por outro, Anísio tenha buscado
bastante específicas. Carneiro Leão, muito em função definir melhores canais de financiamento público,
de perceber a redução dos recursos financeiros da ambos procuraram incrementar instituições capazes
prefeitura destinados ao ensino, disse não ter contado de auxiliar os custos da distribuição de merenda, de
com dotação orçamentária sequer para cobrir os gas- assistência social e de aperfeiçoamento e valorização
tos correntes. Em relatório, requisitou a atenção dos do magistério. Cumpre notar ainda que a maior ênfase

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As estratégias de administração das políticas públicas de educação na cidade do Rio de Janeiro entre 1922 e 1935

de Azevedo na organização de caixas escolares visan- Cecília Hanna Mate (2002, p. 68) mostra, inclusive, que
do a captação de recursos advindas de particulares não a prática do censo permitia perceber “que novas técnicas
deixou de contar com substanciais aportes de recursos surgiam para uma série de melhorias sociais”.
públicos para a construção de edifícios escolares. Do Dessa perspectiva, não é por acaso que a publica-
mesmo modo, as manobras orçamentárias de Anísio ção, entre 1932 e 1935, das estatísticas sobre números de
Teixeira não dispensaram os dispositivos de lei que vagas e de frequência nas escolas da capital indicativos
regulamentavam as caixas econômicas e escolares de rendimento escolar e expansão dos serviços médico-
desde a reforma do ensino de 1928. escolares indique o aumento de matrícula, a melhoria dos
Outra dimensão das estratégias administrativas índices de rendimento escolar e o aumento da capacidade
que parece oportuno destacar aqui diz respeito à con- de atendimento escolar no período. E, de fato, o Departa-
solidação dos dados estatísticos da Diretoria Geral de mento de Educação conseguiu elevar todos os registros
Instrução Pública à época. Do mesmo modo que as es- estatísticos, se comparados aos períodos administrativos
tratégias administrativas e as manobras orçamentárias, anteriores, principalmente a partir da organização em
as estatísticas publicadas entre 1922 e 1935, quando departamento da Diretoria de Instrução. Anísio Teixeira
comparadas, apresentam especificidades. Tanto nas (1935) apresentou progressos em áreas de intervenção
categorias mensuradas quanto na inteligibilidade que social já identificadas nas reformas do ensino público
conferiam à realidade, o registro estatístico no período promovidas por Azevedo e Carneiro Leão.
foi produzido segundo circunstâncias objetivas de cons- Os avanços que Carneiro Leão (1926, p.  10)
trução da eficiência administrativa de cada gestão. apresentou nos índices de rendimento escolar entre
Nesse sentido, Carneiro Leão (1926) organizou e 1923 e 1926 proveram um princípio organizador para
publicou estatísticas sobre o rendimento escolar e o al- a enunciação do problema enfrentado pela reforma
cance dos serviços médico-escolares. Por um lado, pôde do ensino. Parte da obra Ensino na capital do Brasil
mostrar que as crianças não só estavam se mantendo por definiu a questão do aproveitamento escolar em termos
mais tempo na escola como o número de promoções de medidas estatísticas, servindo para argumentar que a
crescia nas escolas do Distrito Federal (Carneiro Leão, administração estava “conseguindo que o filho do povo
1926, p. 11). Por outro, Carneiro Leão (1926, p. 60- se vá mantendo por um tempo mais longo na escola,
61) deu a conhecer os bons resultados nos índices de para elevar a média geral da cultura da massa popular”
aumento de peso e altura das crianças produzidos nas (Carneiro Leão, 1926, p. 12). Do mesmo modo, a par-
escolas com distribuição regular de alimentos. tir de 1928 o melhoramento dos números da inspeção
Igualmente, apenas se encontram publicados no médico-escolar teve ampla cobertura estatística, ser-
quadriênio seguinte os índices relativos ao recensea- vindo para moldar, segundo expressão de Popkewitz e
mento escolar e aos serviços médico-escolares. De Lindblad (2001, p. 117), uma maneira de ver as possibi-
fato, os números da inspeção médico-escolar tiveram lidades de ação e de inovação dos serviços educacionais.
aumento expressivo entre 1927 e 1930, ultrapassando Os resumos dos serviços de inspeção médico-escolar
em muito os resultados apresentados por Carneiro foram mensalmente publicados na imprensa diária e
Leão. No caso do recenseamento, os números servi- trimestralmente no Boletim de Educação Pública (1930,
ram para iniciar uma política de edificações escolares, p. 136), realçando a importância que assumiu na obra
justificando-se a construção de escolas nas áreas com de reforma do ensino o “problema complexo da higiene
maior número de crianças em idade escolar. Embora física do aluno e da higiene escolar”. Assim, também os
não tenha havido menção ao recenseamento no efetivo resultados que Anísio Teixeira obteve nas percentagens
momento de edificação dos prédios, o papel desses ín- de matrícula e frequência e de aproveitamento davam a
dices no debate público gerado em torno da reforma do ver dados que convidavam a comparações entre essas
ensino público no Distrito Federal não foi desprezado. categorias ao longo do tempo. E a linguagem que atra-

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vessou os relatórios do diretor de educação em 1934 entre as suas práticas e fazeres. Como a organização
marcou diferenças e gerou normas que qualificavam a do mando na Diretoria de Instrução envolveu situações
reforma da educação pública na capital empreendida particulares, pareceu-me útil tratar aqui das estratégias
desde 1931. Fundamentalmente, o que Carneiro Leão, de empoderamento que cada novo gabinete adotou entre
Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira distinguiram 1922 e 1935 como forma de compreender a relevância
e enumeraram em suas administrações lhes permitiu das ações de gestão em cujo interior os esforços de
estabelecer bases para enunciarem os progressos. reforma do ensino se tornavam inteligíveis.
Como se procurou mostrar aqui, entre 1922 e 1935
o advento reformista na educação pública da cidade Referências bibliográficas
do Rio de Janeiro foi unitário apenas na aparência. A
regulamentação dos serviços educativos, a eficiência AZEVEDO, Fernando de. A reforma do ensino no Districto Fede-
administrativa e a quantificação dos resultados em esta- ral: discursos e entrevistas. São Paulo: Melhoramentos, 1929.
tísticas constituíram apenas uma moldura dentro da qual CARNEIRO LEÃO, Antonio. O ensino na capital do Brasil. Rio
é possível observar o desenho de diferentes estratégias. de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, 1926.
Os traços característicos das administrações Carneiro CARVALHO, Marta Maria Chagas de. O Manifesto e a Liga In-
Leão, Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira e suas ternacional pela Educação Nova. In: XAVIER, Maria do Carmo
interligações parecem singulares em muitos aspectos. (Org.). Manifesto dos pioneiros da educação: um legado educacio-
Em relação ao problema específico do controle adminis- nal em debate. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. p. 147-182.
trativo dos serviços educativos da capital, esta análise CONNIFF, Michel. Política urbana no Brasil: a ascensão do popu-
ficou circunscrita ao que se poderia considerar como lismo, 1925-1945. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2006.
estratégias de gabinete. Essencialmente, ela abordou a DISTRITO FEDERAL. Decreto n. 3.281, de 23 de janeiro de 1928.
organização que Carneiro Leão (entre 1922 e 1926), Fer- Reforma do Ensino no Distrito Federal. In: DISTRITO FEDERAL.
nando de Azevedo (de 1927 a 1930) e Anísio Teixeira (a Lei e regulamento do ensino. Rio de Janeiro: Oficinas Gráficas do
partir de 1931 até 1935) deram à Diretoria de Instrução Jornal do Brasil, 1929. p. 7-109.
do Distrito Federal, o modo como se delinearam suas . Decreto n. 3.763, de 1º de fevereiro de 1932. Modifica
atividades. Dessa perspectiva, o principal foco deste algumas disposições do Decreto n. 3.281, de 23 de janeiro de 1928.
estudo recaiu sobre a gestão da reforma do ensino, a In: PAGANI, Ivo; VELLOSO, Guilherme Paranhos; DIAS, Alexan-
política de pessoal e de obtenção de recursos e o con- dre. Coleção de Leis Municipais Vigentes – 1932 a 1935. v. 5. Rio de
trole de resultados. Em muitos aspectos, no entanto, o Janeiro: Oficinas Gráficas do Jornal do Brasil, 1937. p. 359-364.
que me parece ser relevante aventar como conclusão de . Decreto n. 4.387, de 8 de setembro de 1933. Consolida a
pesquisa é mais a distinção das diferentes estratégias organização técnica e administrativa do aparelho de direção do sistema
organizacionais desenvolvidas à época do que propria- educacional, instituindo o Departamento de Educação do Distrito
mente os resultados obtidos pelas reformas educativas Federal. In: PAGANI, Ivo; VELLOSO, Guilherme Paranhos; DIAS,
dos anos de 1920 e 1930 na capital do país. Alexandre. Coleção de Leis Municipais Vigentes – 1932 a 1935. v. 5. Rio
O propósito de também perceber as decisões de de Janeiro: Oficinas Gráficas do Jornal do Brasil, 1937. p. 427-436.
gabinete como ações de governo permitiu questio- GANDINI, Raquel Pereira Chainho. Tecnocracia, capitalismo e
nar diferentes estratégias de mando. Não obstante se educação em Anísio Teixeira (1930-1935). Rio de Janeiro: Civili-
poder dizer que herdaram e repetiram procedimentos zação Brasileira, 1980.
de organização da educação pública, Carneiro Leão, GARIBELLO, Wanda Pompeu. Anísio Teixeira: análise e sistema-
Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira arranjaram-se tização de sua obra. São Paulo: Atlas, 1977.
com eles, inventando e improvisando com indiscutível HANNA MATE, Cecília. Tempos modernos na escola: os anos
originalidade. Nesse sentido, o estudo de decisões e atos 30 e a racionalização da educação brasileira. Bauru: EDUSC;
administrativos desse período intensifica as distinções Brasília: INEP, 2002.

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As estratégias de administração das políticas públicas de educação na cidade do Rio de Janeiro entre 1922 e 1935

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