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GERIATRIA | Débora Rodrigues

DELIRIUM

INTRODUÇÃO

Delirium: é uma alteração cognitiva com início agudo, com curso flutuante, caracterizada pela
alteração global das funções psíquicas e se manifesta através de distúrbios da consciência, atenção,
memória, pensamento, comportamento psicomotor, das emoções e do Delirium: é uma síndrome
ciclo sono-vigília. mental orgânica.
Delírio: é um sintoma,
 É uma condição secundária a uma patologia clínica percepção falsa da realidade
(alteração da consciência).
o Tem uma melhora rápida quando o fator causal é
identificado e eliminado
 É considerado uma emergência geriátrica
o É grave, potencialmente fatal e evitável (30-40%)
 Pode ser pensado como um indicador de qualidade de cuidados de saúde para os idoso;
 Com frequência leva a uma cascata de eventos que culmina com a perda da independência,
aumento do risco de mobi-mortalidade e aumento dos custos com saúde
 É um fator de pior prognóstico durante a internação e após a alta hospitalar
 Leva a um maior tempo de internação e eleva os custos
Epidemiologia
 É uma síndrome clínica comum no idoso  Afeta até 50% dos idosos
 Alta prevalência em idosos hospitalizados: causa de 14-24% das admissões hospitalares
 Incidência de 6-56% em hospitais gerais
o 15-53% dos pacientes cirúrgicos
o 70-87% dos pacientes geriátricos em UTI
o 60% dos idosos institucionalizados
o 83% dos pacientes em fase terminal

FISIOPATOLOGIA

Pouco compreendida  natureza flutuante e transitória de origem funcional e não estrutural


 O acúmulo de evidências sugere que vários conjuntos diferentes de fatores biológicos
interagindo entre si, resultam em rompimento de redes neuronais em larga escala no cérebro,
levando à disfunção cognitiva aguda
 Ocorre uma redução do metabolismo cerebral  Falência da transmissão colinérgica 
Atividade dopaminérgica em excesso
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o Diminui a liberação de acetilcolina  Falência da transmissão colinérgica


Principais mecanismos postulados  Neurotransmissores, inflamação, estressores fisiológicos,
distúrbios metabólicos, distúrbios eletrolíticos e fatores genéticos
 Núcleos localizados no tronco: axônios colinérgicos, dopaminérgicos, serotoninérgicos e
noradrenérgicos com ação direta ou indireta sobre o córtex cerebral
 Deficiência colinérgica
o Diminuição da consciência e prejuízo da memória
o Precipitação por drogas anticolinérgicas e condições clínicas que reduzem a produção
de acetilcolina  Hipoxia, hipoglicemia e diminuição tiamina
 Excesso de dopamina
o O sistema dopaminérgico modula o córtex frontal para manter e mudar a atenção
o Alguns agentes dopaminérgicos, como a Ldopa, selegilina e pergolida podem levar ao
episódio de delirium
o Bloqueadores dopaminérgicos potentes, como o haloperidol, são comumente usados
para tratar os sintomas de agitação do delirium
 Alterações nos níveis de noradrenalina, serotonina, GABA, glutamato e melatonina podem
também ter papel na fisiopatologia do delirium, porém com menos evidência
o A serotonina tem função estabilizadora no processo de informações e modula o ciclo
sono-vigília
o A ativação excessiva do sistema da serotonina produz a “síndrome serotoninérgica”,
caracterizada por confusão, inquietação, tremor e diaforese
 O sistema GABA-érgico é responsável pela sonolência, apatia e torpor
o Acontece na insuficiência hepática avançada, uso de quinolona associadas ao AINES
o Delirium decorrente de abstinência de drogas sedativas está associado com o aumento
da atividade GABA, a qual está comumente relacionada com o aumento da
sensibilidade do receptor
o A associação de antagonistas H2 (?) e delirium é bem estabelecida, mas o mecanismo
não é compreendido
 As citocinas pró-inflamatórias ao aumentar a permeabilidade da BHE e alterar a
neurotransmissão contribuem para o delirium
o O estresse crônico  Ativa o SNA simpático e o eixo HHA  Aumento das citocinas
e hipercotisolismo crônico  Efeito deletério nos receptores de 5-HT hipocampal
contribuindo para o delirium
 Delirium é uma manifestação possível na síndrome de Cushing
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 Há alguns estudos relacionando o delirium a lesões estruturais, envolvendo áreas corticais e


subcorticais

ETIOLOGIA E FATORES DE RISCO

É tipicamente multifatorial
 A sua ocorrência envolve uma complexa interrelação entre o paciente vulnerável e a
exposição a fatores precipitantes ou nocivos
Fatores predisponentes  é o que o paciente tem
 Características: ≥ 65 anos; sexo masculino
 Status cognitivo: demência; CCL; histórico de delirium; depressão
 Status funcional: dependência funcional; imobilidade; baixo nível de atividade; história de
quedas
 Déficit sensorial: déficit visual; déficit auditivo
 Redução da ingestão oral: desidratação; desnutrição
 Drogas: polifarmácia; uso de vários psicoativos; abuso de álcool
 Condições clínicas: doenças graves; comorbidades/multimorbidades; doença renal crônica ou
hepática; doença neurológica/AVC; distúrbios metabólicos; fratura ou trauma; doença
terminal; HIV
Fatores precipitantes  É o que vai desencadear a desenvolver o delirium
 Drogas: hipnóticos sedativos; anticolinérgicos; polifarmácia; álcool ou abstinência de drogas
 Doença neurológica primária: AVE, principalmente de hemisfério não dominante;
sangramento intracraniano; meningite ou encefalite
 Intercorrências clínicas: infecção; iatrogenia; doença aguda severa; hipóxia; trauma; febre ou
hipotermia; anemia; desidratação; desnutrição; baixo nível de albumina sérica; distúrbios
metabólicos Sempre tentar conter
 Cirurgias: ortopédicas; cardíacas e não cardíacas com medicamento, e
evitar a contensão
 Causas ambientais: admissão em UTI; uso de contensão física; uso física.
de sonda vesical; múltiplos procedimentos; dor e estrese emocional Faz parte do exame
 Privação do sono físico o toque retal,
pois o fecaloma pode
 Medicamentos: em especial aqueles com efeitos anticolinérgicos e estar desenvolvendo
o delirium.
que atravessam a BHE
o Pode usar quinolona para idosos, mas evitar naqueles com predisposição para
delirium.

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Quanto maior for a predisposição para o delirium, com menos intensidade poderá ser o fator
predisponente. Do mesmo modo, quanto menor for a predisposição para o delirium, maio deverá ser a
intensidade do fator predisponente.

QUADRO CLÍNICO

O delirium está relacionado a alteração


Manifestação: início agudo (horas e dias), com sintomas em horas/dias, quando se tem
predominantemente noturnos. alterações por meses pensar em
demência.
 No idoso pode ter início relativamente insidioso,
precedido por algumas manifestações prodrômicas  Diminuição da concentração, insônia,
irritabilidade, pesadelos, alucinação transitória
 Flutuação dos sintomas (durante o dia?)
 Disfunção global da cognição  Essencial (pensamento vago e fragmentado)
 Distúrbio da atenção  Capacidade de focar (Memória comprometida?)
 Anormalidades da sensopercepção  Ilusões e alucinações
 Comprometimento da orientação na forma tempo-espaço
 Alteração do estado de alerta, com sonolência diurna e sono noturno reduzido e fragmentado
o Alteração do ciclo sono-vigília
 Déficit de memoria de fixação
 Relativa preservação da memória remota
 Comprometimento da atividade psicomotora  Aumento ou redução
 Fala e linguagem: a disartria é a alteração mais frequente, podendo correr capacidade
diminuída para nomear objetos, assim como para escrever, além das afasias
 Alterações neurológicas: inespecíficas como tremor, mioclonia, alterações do reflexo, do
tônus muscular podem ocorrer dependendo da etiologia do delirium
 Nistagmo e ataxia: intoxicação por medicamentos
 Sinais cerebelares, mioclonia e hiperreflexia generalizada: intoxicação por lítio
 Convulsões: abstinência alcoólica, sedativos, hipnóticos, intoxicação por cocaína, TCE,
hipoglicemia, AVC ou queimaduras extensas
Alteração no comportamento psicomotor  Formas
 Hiperatividade: 3 ou mais dos seguintes
o Inquietação, discurso rápido ou alto, raiva, incompreensividade, agressividade ou
irritabilidade, impaciência, riso fácil, euforia, pesadelos e pensamentos persistentes
o Geralmente associada à abstinência de medicamento ou álcool

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o Podem ocorrer manifestações autonômicas (rubor facial, taquicardia, sudorese e


hipertensão) e sintomas como raiva, medo, ansiedade e euforia na forma hiperativa
 Hipoatividade: 4 ou mais dos seguintes
o Alerta diminuído, fala lenta ou escassa, letargia, redução da atividade motora, apatia
o Mais associada a distúrbios metabólicos e infecciosos
o É mais comum em idosos
o Tem sido associada a piores prognósticos
o Subdiagnosticada
 Misto: critério de hipoativo e hiperativo
o Alternância entre os idosos
Delirium com duração ≥ 2-3 dias  Associado com piores resultados do que de episódios
transitórios

DIAGNÓSTICO

Uma história e um exame físico completos constituem o fundamento da avaliação médica na


suspeita de delirium.
 É obrigatório que dados clínicos sejam conseguidos com familiares e/ou cuidadores
 Deve ser feita uma avaliação cognitiva através de testes e escalas
o É importante a realização do mini-exame do estado mental
 Tendo em vista as altas taxas de resultados adversos e mortalidade, qualquer caso suspeito ou
incerto deve ser tratado como delirium, até que se prove o contrário
 O delirium pode ser o prenúncio de uma emergência médica
 A doença pode ter apresentação oculta ou atípica em idosos
 A reclamação inespecífica de um membro da família de que o paciente “não é assim”, nunca
deve ser igonrada
Critérios diagnóstico  DMS-V
A) Distúrbio da consciência (redução do nível de consciência) com redução da capacidade de focar,
manter ou deslocar o foco de atenção
B) Alteração de cognição (déficit de memória, desorientação, distúrbio de linguagem) ou
desenvolvimento de algum distúrbio que não seja melhor explicado por uma demência prévia
C) O distúrbio se desenvolve em um curto período de tempo (horas ou dias) e tende a flutuar no
período de 24 horas

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D) Evidência na história, exame físico ou achados laboratoriais de que a alteração seja causada por
alguma condição orgânica
Confusion Assessment Methd (CAM)  É o instrumento mais utilizado para identificação
 Critério 1: início agudo; existe evidência de uma alteração aguda do estado mental do
paciente em relação ao nível de base
 Critério 2: déficit de atenção; dificuldade para focar a atenção. Característica flutuante
 Critério 3: pensamento desorganizado
 Critério 4: alteração do nível de consciência; hiperativo, letárgico, estupor
 Achados associados: desorientação temporal ou espacial; alteração da memória; alteração da
percepção (alucinações); agitação psicomotora ou retardo psicomotor; alteração do ciclo
sono-vigília
 Diagnóstico: critérios 1, 2 e 3 ou 4
Investigação e exames complementares  Diagnóstico etiológico
 Todos os pacientes
o Sinais vitais
o Glicemia capilar
o Estabilização clínica
 A avaliação laboratorial deve ser guiada pela avaliação clínica, levando em conta dados da
história clínica do paciente
o Hemograma, glicemia, função renal e hepática, função tireoidiana, eletrólitos,
gasometria arterial, ECG, RX de tórax e procurar por infecção oculta
 Exames adicionais (em casos específicos): função da tireoide, dosagem de B12, nível de
cortisol, níveis de drogas ou de toxicologia, sorologia da sífilis, e o nível de amônia
 EEG: particularmente útil na diferenciação e causas orgânicas de distúrbios funcionais ou
psiquiátricos em pacientes de difícil avaliação da deterioração do estado mental em pacientes
com demência, e de identificação de crises convulsivas ocultas
 TC e RNM
 Punção lombar: delirium persistente, ou nenhuma causa foi identificada
 Neuro imagem  APENAS: Em pacientes com etiologia
o Presença de sinais localizatórios clínica ou com quadro
prévio de demência, a
o Quando há história de TCE neuroimagem é norma em
98% dos casos.
o Quando a história clínica não pode ser realizada
Diagnóstico diferencial  Diferenciar de outras causas que cursam com prejuízo cognitivo global

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 Depressão: comportamento apático, distúrbio do sono, porém o início é gradual, sem


alteração pronunciada da cognição e da atenção e com estado de alerta mantido
 Psicose: geralmente o paciente apresenta história psiquiátrica prévia. O estado de alerta é
mantido, sem flutuação dos sintomas e as alucinações são mais auditivas
o A história é fundamental para distinguir o curso flutuante, as oscilações do nível de
consciência e o início agudo dos sintomas
 Demência
o O delirium que ocorre sobreposto em pacientes com demência tem uma prevalência
maior que em indivíduos sem demência
o O diagnóstico muitas vezes é um desafio, já que os sinais do delirium podem se
confundir com a flutuação da função cognitiva ou com sintomas comportamentais da
demência

TRATAMENTO

Incialmente; investigar as causas reversíveis


 Infecção, hipoglicemia, distúrbios hidroeletrolíticos, medicamentos, retirada de álcool ou
drogas, anemia, hipotensão, hipoxemia
 Priorizar o atendimento clínico primário.
Posteriormente: iniciar o tratamento para o delirium e das causas específicas
Aplicar medidas ambientais e de suporte
 Criar um ambiente calmo, confortável e familiar
 Reorientação tempo-espaço do paciente
 Permitir ao paciente um período ininterrupto a noite com pouco barulho e luminosidade para
um sono tranquilo
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 Manter a capacidade de autocuidado e mobilização do paciente


 Estimular o uso de óculos e próteses
 Evitar contensão física e sondagem vesical
 Musicoterapia
Tratamento farmacológico  Reservado aos pacientes com delirium hiperativo
 Sintomas podem oferecer perigo à integridade física do paciente ou da equipe
 Oferece risco de interrupção do tratamento essencial
 Não há evidencias de que os antipsicóticos ou sedativos efetivamente melhoram o
prognóstico
o Pode resultar e mudança do delirium hiperativo para o hipoativo
o Um crescente corpo de evidência sugere que os antipsicóticos e sedativos podem
prolongar a duração do delirium e déficits cognitivos associados e piorar os resultados
clínicos
 Drogas Geralmente no
o Haloperidol (antipsicótico) delirium hiperativo
se usa antipsicóticos.
 Primeira escolha para o delirium hiperativo
 Dose: 5 mg IM ou VO, se necessário, a cada 30min – 1h
o Antipsicótico atípico (risperidona, clonazepina, quetiapina)
 Agitação de manhã e de noite: Quetiapina
 Se houver agitação e violência  Associar o Haloperidol como uma medida
de SOS Todos os casos de agitação
 Dose (risperidona): 1 mg VO psicomotora são tratados com
antipsicóticos, exceto as
o Benzodiazepínicos (Lozepam) abstinências, que são tratadas
com benzodiazepínicos.
 Pode perpetuar o delirium, assim como os
antidepressivos tricíclicos
 Não usar sem critérios
o Antidepressivo (Trazodona)

PROGNÓSTICO

A gravidade e a importância da causa determinante, as condições de saúde, a idade e o estado


mental prévio do paciente em questão são decisivos para o curso e o prognóstico do delirium.
 Os efeitos cognitivos do delirium desaparecem lentamente ou podem se perpetuar.

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 O delirium é um marcador de mortalidade durante o ano após a admissão hospitalar,


associado a menos 5 anos de sobrevida
Por ser um efeito adverso evitável muito comum no idoso, frequentemente ligado à iatrogenia e
integralmente ligada ao processo de cuidar, o delirium é comumente considerado como um marcador de
qualidade no cuidado e segurança do paciente.

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