Você está na página 1de 5

VISLUMBRANDO UM FRACASSO SILENCIOSO NO COVID-19 BRASILEIRO.

por José Carlos Parente de Oliveira, Dr


Físico e Professor

A doença Covid-19, provocada pelo novo coronavírus, SARS-CoV-2, já é conhecida como a pandemia do
século, mas as medidas para sua contenção poderão ser batizadas como o fracasso do século.
É notória a necessidade de bons e confiáveis dados para orientar os tomadores de decisão na implementação
de ações que busquem o equilíbrio e o bem estar da sociedade, bem como o monitoramento dos impactos
dessas ações. No Brasil, governadores e prefeitos decidiram colocar as pessoas em distanciamento social e
quarentena sem que existissem dados de quantas pessoas foram infectadas pelo SARS-CoV-2 ou que
continuavam infectadas. Essas decisões foram baseadas em dados inexistentes!
Apesar da inexistência de dados, por que essas medidas, draconianas em sua natureza, foram decididas e
efetivadas? Por causa dos exemplos em outros países? Por causa do pânico que se instalou na sociedade?
Por crença em projeções de modelos epidemiológicos alienígenas que, além de alarmistas, não consideram
as características próprias de nosso país e população? Ou, porque na ausência de dados o melhor é se
preparar para o pior? Ou para “espalhar” no tempo o pico da “curva” epidêmica? Ou por que não há
equipamentos em número suficiente?
Qualquer que seja a resposta, a quarentena e o isolamento, apesar de não rígidos na sua execução, estão
comprometendo seriamente o desenvolvimento do país, o bem estar da sociedade, assim como nossas
crianças e seus futuros. Em estreita associação a estes problemas, o desemprego parece se alastrar mais
rápido que o vírus.
A possibilidade de vacinas testadas adequadamente e remédios eficazes poderão levar meses para serem
desenvolvidos – a favor da população há o esforço coletivo de profissionais da área de imunologia que
poderá abreviar a chegada de uma vacina. Portanto, ante o cronograma incerto, a decisão pelo isolamento e
quarentena por longo prazo se mostra completamente irracional, frente às implicações econômicas e sociais
potencialmente danosas. Uma consequência dessa irracionalidade já foi projetada: até o fim deste ano 130
milhões de pessoas se somarão aos 135 milhões já existentes em crise alimentar aguda. Este enorme prejuízo
em vidas humanas poderá ser uma real e possível consequência da pandemia do SARS-CoV-2, conforme
comunicado do Programa Alimentar Mundial, órgão da ONU. Estamos, portanto, diante de uma contradição
inescapável - para não morrer do vírus muitos milhares morrerão de fome.
Apesar disso, essas medidas restritivas da liberdade de ir e vir foi adotada em todos os municípios. Se a
quantidade de óbitos for pequena, como está se desenhando, como saber se foram por causa dessas medidas
ou porque a pandemia se dissipou por conta própria? Ainda não há como saber! Ou, de outra forma, por
quanto tempo essas medidas restritivas devem ser mantidas caso o vírus se mantenha ativo? E quantas vidas
serão perdidas pela Covid-19 ou pela possibilidade real de uma anomia econômica resultante da paralisação?
Uma solução apontada para a maioria dos países, incluindo o Brasil, é a realização massiva de testes rápidos,
além de testes de detecção do RNA do vírus (RT-PCR, Transcrição Reversa seguida de Reação em Cadeia
da Polimerase) e de sorologia. Esta importante solução poderá demandar um tempo muito precioso que,
simplesmente, não temos.
O “achatamento da curva” para evitar a sobrecarrega do sistema de saúde além do limite suportável é
repetido e repetido. Em princípio, esse mantra é conceitualmente válido e ele “viralizou” tanto na mídia
tradicional quanto nas redes sociais. Entretanto, no caso de o sistema de saúde passar a trabalhar no seu
limite por causa da Covid-19, mais mortes acontecerão por outras doenças como ataques cardíacos,
derrames, traumas, sangramentos e outros que não serão adequadamente tratados ou sequer tratados. E, mais
uma vez estamos diante de outro dilema: alguém poderá morrer com atendimento hospitalar se for
“covidiano” ou poderá morrer sem atendimento caso não seja “covidiano”, sendo a segunda alternativa já
decidida a priori pelas autoridades de saúde. Ou seja, não se está salvando vidas, mas, simplesmente,
mudando a causa mortis!
Desde que no Brasil ainda não se tem dados confiáveis sobre as características da epidemia pelo SARS-
CoV-2 - número de infectados, transmissão, letalidade, taxa de mortalidade, etc. - vamos buscar dados e
resultados em países que enfrentam a pandemia há mais tempo, mesmo sabendo que eles ainda não possuam
uma sólida base de dados.
Uma variável muito importante a ser estabelecida é a taxa de mortalidade associada à Covid-19 – definido
como o número de mortes dividido pelo número real de infecções (casos confirmados mais os não
diagnosticados). O primeiro anúncio oficial desta taxa, igual a 3,4%, foi feito pela Organização Mundial da
Saúde, OMS, em 3de março. Este valor, que causou horror e pânico, além de não fazer qualquer sentido - se
comparada com taxa semelhante de outras epidemias - se traduz em cerca de 20 milhões de mortes no
mundo!
Atualmente, o valor desta taxa está em torno de 1,0% nos países que desenvolveram uma grande quantidade
de testes na população: na Coreia do Sul a taxa de mortalidade é estimada em 0,65% e na Austrália é de
1,0%. Mesmo com a taxa de mortalidade sendo 1%, ela é extremamente impactante. No final de março,
estudos por pesquisadores da Universidade de Melbourne sugeriram que entre 20% e 60% dos australianos
poderiam contrair a Covid-19 que, associado a uma taxa de mortalidade de 1,0%, significaria entre 50 mil e
150 mil mortes. Estudos realizados nos Estados Unidos da América, EUA, pela Universidade de Stanford,
por exemplo, estabeleceram estimativas para a taxa de mortalidade na população geral dos EUA variando de
0,05% a 1%.
Considerando o intervalo de 0,05% a 1% para a taxa de mortalidade pelo SARS-CoV-2entre indivíduos
brasileiros podemos inferir as mortes que poderiam ser provocadas pela Covid-19: se 10,0% da população
geral for infectada (aproximadamente 23 milhões de pessoas), entre 11.500 e 230.000 mortes ocorreriam.
Mesmo o menor desses números, apesar de ser uma significativa quantidade de vítimas, é menor que o
número de mortes provocadas pela hepatite, HIV/AIDS, cardiopatias, alcoolismo ou suicídio, por exemplo, e
comparável ao número de mortes por tuberculose, gripe, diarreia, desnutrição ou afogamento, conforme
dados do IBGE.
Diante dessas incertezas é natural sentir temor, e mesmo pânico, sobre como será o comportamento da
“curva” seja ela de casos ou de mortes. Neste momento a informação mais importante para responder muitas
das dúvidas e auxiliar nas tomadas de decisão é saber que proporção da população está infectada. Esta
informação poderá ser rapidamente obtida através da realização de testes de sorologia, por instituição de
pesquisa em saúde associada com instituição de pesquisa de opinião, em uma amostra aleatória e
representativa da população brasileira.
Contudo, os dados necessários às tomadas de decisão demandarão tempo preciosíssimo. Então poderíamos
perguntar se há razões palpáveis que justifiquem o retorno à normalidade antes de ter os dados confiáveis? A
resposta é sim, devemos voltar às escolas e ao trabalho, apesar do enorme pânico anunciado diuturnamente.
E é claro, esta volta acontecerá baseando-se em evidências reais! Assim, o retorno às atividades deve ser
acompanhado de medidas protetivas à população sujeita aos maiores riscos.
Vejamos essas evidências - apresentadas a seguir sem qualquer ordem de importância.
1. CIÊNCIA.
A ciência é sempre lembrada e feita cumplice das medidas restritivas. A ciência da Epidemiologia,
semelhantemente às demais, não é consensual, portanto, os tomadores de decisão deveriam ouvir as várias
correntes desta ciência. No Brasil só são escutados os epidemiologistas que defendem que o isolamento
social e a quarentena são as únicas medidas eficazes no combate ao SARS-CoV-2. Pesquisadores na
Alemanha, França, EUA, Israel, e também no Brasil, apresentam outras abordagens no combate à epidemia
a exemplo de uma “interdição vertical” que trataria de proteger e isolar os que correm maior risco de morrer
ou sofrer danos de longo prazo (idosos e pessoas com doenças crônicas e com baixa imunidade) e trataria o
restante da população basicamente da mesma forma que sempre se lidou com outras doenças como a gripe.
2. TEMPERATURA
Um resultado amplamente conhecido é que a temperatura e a umidade do ambiente são fatores importantes
na transmissão de vírus: maiores temperatura e umidade freiam a transmissão de vírus. No caso específico
do SARS-CoV-2 já há resultados na literatura indicando que ele também apresenta este comportamento.
Estudos observacionais em cerca de 500 localidades da China sugerem que o SARS-CoV-2 se propaga com
maior velocidade em temperaturas em torno dos 12 ºC, diminuindo sua propagação em temperaturas
maiores. O Brasil esta na transição Verão-Outono com temperatura média em torno de 25 ºC: um veneno
para vírus!
3. OBESIDADE
A obesidade é um grande fator de risco em pessoas infectadas com o SARS-CoV-2. Especialmente em
pessoas com menos de 60 anos, conforme dados do Ministério da Saúde, que afirma que 57% dos mortos
dessa faixa idade tinham excesso de peso. Em pessoas mais idosas a obesidade é potencialmente mais
perigosa. O Brasil possui menor quantidade de pessoas com Obesidade Mórbida e Diabetes que os EUA.
Também foi observada uma relação entre obesidade e quadros mais graves de pacientes, em 2009, por
ocasião da pandemia do H1N1.
4. IDADE
No Brasil as pessoas que morrem devido a SARS-CoV-2 têm, em média, mais de 60 anos de idade, segundo
dados do Ministério da Saúde. A população do Brasil tem muito menos idosos que a maioria dos países
europeus: no Brasil 8% da população está acima de 65 anos, enquanto na Itália são 22%!
5. SISTEMA DE SAÚDE
De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil tem, proporcionalmente, um número maior de leitos de UTI
que a França, Itália e Reino Unido. O Brasil tem uma média de 26,2 leitos para cada 100 mil habitantes (um
total de cerca de 60.000 leitos) e este número tende a crescer com a incorporação de cerca de 40.000 novos
leitos. A Itália possui 8,3 a cada 100 mil pessoas, o Reino Unido tem 6 e a França 10,5. Já a Alemanha, em
contrapartida, está em melhor condição com 30,2 leitos a cada 100 mil pessoas. Portanto, o Brasil encontra-
se pronto para atender uma demanda maior que a que está se apresentando atualmente.
6. DENSIDADE GEOGRÁFICA
O Brasil possui uma taxa demográfica de 23 habitantes por quilômetro quadrado (km2), que é muito menor
que a taxa da maioria dos países europeus: Reino Unido, 243; Alemanha, 230; França, 110 e Espanha 91
habitante/km2. Quanto maior a densidade demográfica maiores as chances do vírus se propagar.
7. IMUNIDADE PELA VITAMINA D
A importância da vitamina D como fator de proteção imunológica nas pessoas é muito conhecida. Na síntese
desta vitamina os raios solares desempenham um papel fundamental, assim países com maior insolação
tendem a ter uma população com maior imunidade devido à vitamina D.
8. CONHECIMENTO ACUMULADO
Muitos países foram acometidos pela pandemia com cerca de um mês de antecedência ao Brasil. Neste
tempo muitas observações, experiências e estudos sobre a pandemia foram acumulados. Assim, o Brasil teve
a oportunidade de planejar melhores terapias e tratamentos evitando mais mortes e mais contágio. Um fator
muito importante foi o conhecimento já existente no Brasil a respeito da cloroquina, que deu ao Brasil uma
importante oportunidade de poupar vidas – lamentavelmente o uso deste fármaco foi politizado. Em
particular, os protocolos de ventilação e o uso de outras drogas foram evoluindo com erros e acertos nos
países que foram atingidos antes do Brasil (China, Itália, Espanha, por exemplo) e Brasil pode contar com
esta evolução.
8.1. USO DE RESPIRADORES
É cada vez mais comum ouvir que o uso de respirador mecânico deve ser evitado e que eles são um dos
últimos recursos para pacientes com insuficiência respiratória grave após infecção pelo SARS-CoV-2.
Pesquisas preliminares na Inglaterra, na China e nos Estados Unidos indicam altas taxas de letalidade em
pacientes intubados e mostram que ainda há mais dúvidas do que respostas no seu uso no combate à Covid-
19. Segundo pesquisadores de Washington, a mortalidade entre pacientes críticos foi alta, com cerca de 80%
de mortes em pacientes infectados que usaram respirador. No Reino Unido, um estudo publicado pelo
Centro Nacional de Pesquisa e Auditoria em Terapia Intensiva indicou que a taxa de mortalidade foi de
66,3% entre os pacientes com Covid-19 que usaram ventilação artificial. Como até recentemente uma das
grandes preocupações por aqui era o reduzido número de respiradores mecânicos, entretanto esses informes
certamente reduzirá a pressão existente pela “pequena quantidade” de respiradores.
8.2. COMPARATIVO DE DIAS ATÉ ATINGIR 100, 200 e 300 MORTES DIÁRIAS
Os países europeus mais atingidos pela pandemia em termos de mortes diárias são a Itália, Espanha, França,
Reino Unido e Alemanha. Uma comparação entre esses países e o Brasil em termos do número de dias, a
partir da primeira morte registrada por Covid-19, até que se registrasse (a) 100 ou mais mortes diárias, (b)
200 ou mais mortes diárias e (c) 300 ou mais mortes diárias mostra que a taxa de crescimento diária de
mortes no Brasil é bem menor que a desses países, excetuando-se a Alemanha, cuja mortalidade diária é
semelhante a do Brasil.
Na Espanha foram necessários 11 dias para atingir (a), 16 dias (b) e 17 dias (c) s; na Itália foram 15 dias (a),
20 dias (b) e 22 dias (c); na França foram 17 dias (a), 22 dias (b) e 24 dias (c); no Reino Unido foram 20 dias
(a), 22 dias (b) e 25 dias (c).
Na Alemanha o número de dias para atingir quantidades representadas por (a), (b) e (c) foram 21 dias, 29
dias e 37 dias, respectivamente. No Brasil as correspondentes quantidades de dias foram 21 dias (a), 28 dias
(b) e 37 dias (c).
Se levarmos em consideração as populações dos países as discrepâncias das taxas de crescimento das mortes
diárias entre o Brasil e países europeus se tornam ainda mais significativamente menores.
8.3. INDICADOR DE MORTALIDADE GERAL, IMG, NO 42º DIA DESDE A 1ª MORTE
Se definirmos o Indicador de Mortalidade Geral, por Covid-19, como a relação entre o total de mortes
ocorridas em uma população, em dado período de tempo, relativamente a 100.000 habitantes, o Brasil
apresenta o menor valor para este indicador.
Agora vamos considerar para cada país o total de mortes até o 42º dia, desde o registro da primeira morte. O
IMG do Brasil vale 2,00, isto é, no Brasil morreram 2,00 brasileiros para cada grupo de 100.000 habitantes.
Os valores, entre parênteses, dos correspondentes IMGs são Alemanha (5,48 ou 5,48 alemães mortos para
cada 100.000 habitantes), EUA (5,67), França (15,81), Reino Unido (18,95), Itália (24,26) e Espanha
(38,56). Indiscutivelmente, o SARS-CoV-2 tem vitimado bem menos pessoas aqui no Brasil que na Europa
e EUA.
9. TRANSMISSÃO DO VÍRUS
O número reprodutivo da gripe comum é 1,3, o que significa que cada pessoa infectada passa a doença a 1,3
pessoa, em média. A gripe H1N1, em 2009, teve um número reprodutivo de 1,5. Os estudos disponíveis
indicam que o número reprodutivo do SARS-CoV-2 está entre 2 e 3. Ou seja, este vírus se espalha muito
rápido. Assim, quanto mais gente estiver exposta mais gente será contaminada, mas esse crescimento é
benéfico, pois mais e mais pessoas se tornarão imunes e a quantidade de novos infectados diminuirá. As
chances de o novo coronavírus ter chegado ao Brasil ainda no pré-carnaval são consideráveis e, desde essa
época, tivemos muitos ciclos de 14 dias. Assim, o vírus teve muito tempo para ser transmitido,
principalmente durante o carnaval, que é frequentado por uma população jovem e sadia, praticamente
isentos a graves consequências da Covid-19. Adicionalmente, a quarentena e o distanciamento social não
foram rígidos na execução o que propiciou que a transmissão continuasse em menor velocidade. Assim, a
chance de a população já ter alcançado um índice de contaminação elevado não deve ser descartado.
10. BENEFÍCIOS DA ECONOMIA
As ciências da saúde e da economia reconhecem a renda como uma das variáveis mais importantes e
efetivas na promoção da saúde e a longevidade das pessoas. As medidas restritivas diminuirão a renda com
consequências danosas às pessoas e à sociedade. Esses danos ainda não foram quantificados, mas, das lições
da história, é certo que os mais pobres serão os mais prejudicados e provavelmente os que receberão menos
ajuda. Neste momento os objetivos da sociedade e das autoridades é salvar o maior número de pessoas e
garantir que o sistema de saúde não colapse. Entretanto, a estratégia para conseguir esses objetivos não pode
destruir a economia, pois neste caso mais vidas serão perdidas.
Enfim, todas essas evidências são capazes de nos fazer acreditar que já atingimos o patamar máximo da
pandemia: no período corresponde a essa época que atravessamos vários outros países (Espanha, França,
Reino Unido, EUA) vivenciavam um crescimento excepcional no número de mortes por SARS-CoV-2. No
Brasil não se evidenciou tal explosão de casos e de mortes. Portanto, devemos aproveitar esta oportunidade
para ingressar no mundo pós-pandemia com grande vantagem econômica, inclusive para poder auxiliar
países necessitados e que não tiveram a mesma sorte.

Você também pode gostar