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3. Fiscalização da Constitucionalidade

A fiscalização de constitucionalidade visa a garantir a supremacia e a defesa das normas


constitucionais explícitas ou implícitas frente a possíveis usurpações, devendo ser entendida
como a verificação da compatibilidade (ou adequação) de leis ou aCtos normativos em relação a
uma Constituição, quanto ao preenchimento de requisitos formais e materiais que as leis ou actos
normativos devem necessariamente observar. A ideia da supremacia constitucional surgiu com as
revoluções liberais que trouxeram à tona a noção de Constituição escrita, formal e rígida. A
rigidez de uma Constituição tem como principal consequência o princípio da supremacia, do qual
decorre os princípios da compatibilidade vertical das normas do ordenamento jurídico, segundo o
qual uma norma só será válida se produzida de acordo com seu fundamento de validade.

Para o autor Uadi Bulos, o controle de constitucionalidade é o instrumento de garantia da


supremacia das constituições que serve para verificar se os actos executivos, legislativos e
jurisdicionais são compatíveis com a carta magna.
Controlar a constitucionalidade é examinar a adequação de dado comportamento ao texto maior,
mediante a análise dos requisitos formais e materiais. Assim, a inconstitucionalidade é a doença
que contamina o comportamento desconforme à constituição e o controle é o remédio que visa
restabelecer o estado de rigidez constitucional.
Fiscalizar a constituição significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um
acto normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais e materiais (MORAIS,
2009).

Contudo, controlar a constitucionalidade não significa única e exclusivamente verificar a


compatibilidade do acto normativo com a Constituição Republica, haja vista a existência de
situações em que a inconstitucionalidade decorre da actuação negativa do legislador, que se
omite na edição da norma.
O princípio da superioridade requer que todas as situações jurídicas se conformem com os
princípios e preceitos da Constituição. Essa conformidade com os ditames constitucionais, agora,
não se satisfaz apenas com a actuação positiva de acordo com a constituição.
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Exige mais, pois omitir a aplicação de normas constitucionais, quando a Constituição assim a
determina, também constitui conduta inconstitucional (SILVA, 2010).

Neste sentido podemos concluir, dos ensinamentos dos autores supracitados, que o controle de
constitucionalidade tem por escopo garantir a supremacia da Constituição de Moçambique
mediante a extirpação do mundo jurídico de acto normativo contrário a ela e, se necessário,
provocar a actuação do legislativo ou do executivo para que eles adoptem a medida até então
omitida: a edição de lei ou prática do ato necessário para tornar aplicável a norma constitucional.
A fiscalização e controlo do cumprimento da constituição são fundamentais num Estado de
Direito e é uma tarefa que pode ser levada a cabo por dois tipos de órgãos:
 Órgãos políticos; e
 Órgãos jurisdicionais
A fiscalização pode, assim, ser jurisdicional ou politica, consoante seja efectuada por órgãos
jurisdicionais ou políticos, os quais têm formas próprias de agir e critérios bem diferenciados
(ROCHA et all, pp.210).
No nosso ordenamento jurídico, a fiscalização da constitucionalidade cabe essencialmente aos
órgãos jurisdicionais. Porem, a Assembleia da Republica através do presidente assembleia e um
terço, pelo menos dos deputados pode solicitar a inconstitucionalidade. Mas de facto, é essencial
aos tribunais que compete o poder e trata-se de um poder-dever, já que esse poder constitui uma
verdadeira obrigação de solicitar apreciar a inconstitucionalidade, de recuar a aplicação de
normas inconstitucionais e de destruir todos os efeitos que estas eventualmente tenham
produzido conforme o disposto no artigo 213.⁰ da CRM.
Evidentemente que é o Concelho Constitucional que cabe o papel mais importante de
fiscalização da inconstitucionalidade, cabendo-lhe em exclusivo a declaração de
inconstitucionalidade de qualquer norma (n.⁰2 do art. 241⁰ da CRM).
Ou seja, os tribunais judiciais não podem aplicar normas que julguem inconstitucionais (art.
213.⁰ da CRM), mas a declaração dessa inconstitucionalidade cabe em exclusivo ao concelho
constitucional (n.⁰2 do art. 241⁰ da CRM).
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4.Modalidades de fiscalização da constitucionalidade

4.1. Fiscalização preventiva da constitucionalidade

A fiscalização preventiva da constituição também denominado por alguns autores de fiscalização


prévia – é aquela realizada antes de a lei entrar em vigor.
Em outras palavras, podemos afirmar que a fiscalização preventiva da constitucionalidade é
aquela realizada durante a elaboração da lei pelos envolvidos no processo legislativo, isto é,
pelos Poderes Executivo e Legislativo.
A fiscalização prévia, como vimos acima, é o controlo realizado durante o processo legislativo
de formação do acto normativo. Logo no momento da apresentação de um projecto de lei, o
iniciador, a “pessoa” que deflagrar o processo legislativo, em tese, já deve verificar a
regularidade material do aludido projecto de lei. (LENZA, 2010).

O Presidente da República tem solicitado com frequência ao Conselho Constitucional a


verificação preventiva das leis aprovadas pela Assembleia da República e submetidas à
promulgação e, em muitos casos, a sua iniciativa é motivada por inquietações que lhe são
transmitidas por organizações da sociedade civil ou por outros órgãos do Estado, como o
Procurador-Geral da República, ou, ainda, pela falta de consenso, entre a maioria e a minoria,
sobre a constitucionalidade da lei, revelada no momento da sua discussão e aprovação na
Assembleia da República. Entre estas solicitações de verificação de inconstitucionalidade
aparecem leis aprovadas pelo Parlamento por iniciativa do Governo, que é chefiado pelo próprio
Presidente da República.

Quando o Conselho Constitucional declara a inconstitucionalidade de uma lei em processo


de controlo preventivo, o efeito da decisão é o veto obrigatório e devolução da lei à Assembleia
da República para reapreciação (artigo 245, n.º 5 da CRM). Nestes termos, podemos afirmar que,
no quadro da separação dos poderes, o Conselho Constitucional contribui para o funcionamento
do mecanismo de interdependência ou dos checks and balances na relação entre o Poder
Legislativo e o Poder Executivo.
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Além disso, considerando que o Presidente da República é, por um lado, o chefe do partido
maioritário no Parlamento, por outro, chefe do Governo, percebe-se que ele, ao solicitar a
verificação preventiva da constitucionalidade, assume-se como Chefe do Estado e garante da
Constituição, distanciando-se, deste modo, do seu partido e do Poder Executivo.
O exercício reiterado, pelo Presidente da República, da iniciativa de fiscalização preventiva da
constitucionalidade de leis, aprovadas pela maioria parlamentar com que se identifica
politicamente, é um sinal não só de confiança ao Conselho Constitucional como também de um
clima de bom relacionamento entre os dois órgãos.

4.2. Fiscalização sucessiva abstracta

Na fiscalização sucessiva abstracta, a maioria dos pedidos de declaração de inconstitucionalidade


e de ilegalidade são apresentados por deputados da minoria parlamentar. Alguns dos pedidos têm
como objecto leis aprovadas pela Assembleia da República e promulgadas pelo Presidente da
República, outros incidem sobre decretos presidenciais ou decretos do Conselho de Ministros,
que são, respectivamente, actos normativos do Presidente da República e do Governo.
Nota-se às vezes que, ao dirigir-se ao Conselho Constitucional pedindo a declaração de
inconstitucionalidade de uma lei, a minoria transfere para a justiça constitucional as suas
preocupações que, no processo legislativo, não são atendidas pela maioria. Assim, o
Conselho Constitucional acaba funcionando como uma espécie “árbitro a posteriori” de conflitos
entre a maioria e a minoria parlamentar e, quando a inconstitucionalidade é declarada, a minoria
sente-se mais valorizada e a maioria, acaba moderando o uso do seu poder de fazer passar as leis,
mesmo sem o acordo da oposição, procurando cada vez mais consenso no procedimento
legislativo.

Os processos de declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade de actos normativos do


Presidente da República e do Governo têm conduzido à reflexão sobre a materialização da
separação dos poderes, visto que neles se discute, normalmente, os limites constitucionais da
competência normativa do Poder Executivo face ao Poder Legislativo, ou seja o problema da
reserva da lei ou da reserva da competência legislativa do Parlamento.
Neste âmbito, é notório o papel de arbitragem desempenhado pelo Conselho
Constitucional, tendo já declarado inconstitucionais e ilegais alguns decretos presidenciais
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e do Conselho de Ministros, em processos de fiscalização desencadeados por deputados da


oposição parlamentar e por dois mil cidadãos.

O acatamento das decisões do Conselho Constitucional pelo Presidente da República e pelo


Governo é bastante positivo. Tem sido praxis do Presidente revogar, por iniciativa própria, seus
decretos baseando-se em jurisprudência constitucional anterior expressa em acórdão que
declarou a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de um decreto Presidencial. Outro fenómeno
que acontece com alguma frequência, consiste em o Presidente da República ou o Governo, que
é por aquele chefiado, adiantarem-se à decisão do Conselho Constitucional, revogando um
diploma normativo cujo processo de fiscalização ainda se encontra em tramitação.
Os factos descritos demonstram que as decisões do Conselho Constitucional em processos de
fiscalização sucessiva abstracta de inconstitucionalidade e de ilegalidade têm influenciado
positivamente a postura do Poder Executivo face ao princípio da separação dos poderes.

4.3. Fiscalização concreta da constitucionalidade

Os processos de fiscalização concreta da constitucionalidade são raros, contando-se apenas


quatro processos desde 2003, dos quais três iniciados pelo Tribunal Administrativo e o outro por
um Tribunal Aduaneiro. Em nenhum dos casos foi declarada a inconstitucionalidade ou a
ilegalidade, mas as decisões do Conselho Constitucional neste âmbito têm contribuído para
clarificar a delimitação da competência em razão da matéria entre os tribunais especializados e
nos tribunais comuns.
A ocorrência deste tipo de processos confirma e reforça a posição do Conselho Constitucional
como órgão superior de justiça constitucional no País, na medida em que, em matéria de
constitucionalidade, aprecia e decide, em última instância, “recursos” das decisões de quaisquer
tribunais, incluindo o Tribunal Supremo e o Tribunal Administrativo.
A Constituição consagra a supremacia das suas normas no artigo 2.⁰, nº 4, ao dispor que “ [as
normas constitucionais prevalecem sobre todas as restantes normas do ordenamento jurídico”.
Esta disposição exprime de forma inequívoca o princípio da constitucionalidade que vincula
todos os órgãos de soberania , mas cuja garantia constitui tarefa primordial e especial do
Conselho Constitucional (artigo 243, n.º 1, alínea (c) da CRM). A jurisprudência constitucional
em Moçambique, quer em processos de fiscalização preventiva quer em processos de
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fiscalização sucessiva, concreta ou abstracta, têm tido consequências notórias para a


concretização do princípio da constitucionalidade e o reforço do papel primacial da Constituição
no ordenamento jurídico. Além de clarificar normas sobre direitos, liberdades e garantias, as
decisões do Conselho Constitucional contribuem sobremaneira para o desenvolvimento e
consolidação da cultura jurídico-constitucional no seio da comunidade nacional e dos órgãos do
poder político.

O procedimento no Conselho Constitucional tem natureza contraditória, mas não oral. Como foi
antes referido, a Lei Orgânica prevê a notificação do órgão autor da norma cuja declaração de
inconstitucionalidade ou de ilegalidade se pede, para se pronunciar, inquerindo, nos limites do
prazo legal (artigo 51).
O princípio da oralidade parece mais vantajoso quando se trata de aumentar a transparência do
tribunal, porém pode, de certa forma, não favorecer a independência dos juízes constitucionais,
mormente, em contextos de democracias pluralistas incipientes, como é o caso de Moçambique.

4.4. Fiscalização repressiva da constitucionalidade

Estabelecidas as principais características da fiscalização preventiva da constitucionalidade,


passamos à apreciação da fiscalização repressiva da constitucionalidade. A fiscalização
repressiva da constitucionalidade é aquele realizado após o ingresso da lei no mundo jurídico.
Por se tratar de controlo efectuado sobre a lei, e não mais sobre um projecto de lei, ele também é
denominado de controlo posterior.
Por se tratar de fiscalização exercida sobre lei vigente, seu objectivo é extirpar do ordenamento
jurídica norma contrária à Constituição da República, assegurando, por conseguinte, a
supremacia da Lei Mãe.
De se relembrar que a contrariedade à Lei Mãe pode ser de natureza formal ou material,
conforme o vício com que a lei foi editada. Nesse sentido, se o vício incide sobre o processo
legislativo, estaremos diante de vício formal; de outro vértice, se o conteúdo da norma é
contrário à Constituição da Republica, estaremos diante de vício material, ambos passíveis de
correcção mediante arguição de inconstitucionalidade.
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4.5. A fiscalização difusa da constitucionalidade

A fiscalização difusa de constitucionalidade, consoante afirmamos linhas atrás, é aquele


realizado por qualquer juízo ou tribunal. Trata-se de controlo incidental, pois o objecto da
controvérsia posta em juízo não é a inconstitucionalidade da norma. Nesta espécie de controlo
alguém ingressa em juízo alegando lesão ou ameaça a lesão a direito subjectivo, fundamentada
na inconstitucionalidade da norma.
O controlo difuso verifica-se em um caso concreto, e a declaração de inconstitucionalidade dá-se
de forma incidental (incedenter tantum), prejudicialmente ao exame de mérito.
Pede-se algo ao juízo, fundamentando-se na inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo,
ou seja, a alegação de inconstitucionalidade será a causa de pedir processual (LENZA, 2010).
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