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Artigo: “Eu sou você amanhã”, por Milton

Pomar
As reações inéditas da China aos ataques sofridos por ela na Austrália, Brasil e EUA, relativos à origem
da pandemia, não deixam margem para “talvez”
01/12/2020 21h12

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Grande fornecedora de carne bovina e ovina de qualidade, vinho, cevada, carvão, ferro e gás natural para a China, a Austrália está em
6º lugar (à frente do Brasil, o 7º) no ranking dos maiores exportadores para o país, com vendas de US$ 87,7 bilhões em 2019. A
importância da maior compradora é expressa por seu peso como cliente: 35% das exportações australianas são para a China, que é
também o maior parceiro comercial da Austrália há muitos anos.
Como se pode constatar, as coincidências entre a situação da Austrália e a do Brasil, na relação comercial com a China, são muito
grandes: além do país asiático ser o maior parceiro comercial de ambos, é também o seu maior importador de produtos
agropecuários. Como agravante nessa relação tão forte, o saldo negativo chinês na balança com os dois é expressivo: US$ 57 bilhões
com a Austrália (3º maior) e US$ 43 bilhões com o Brasil (4º maior).

Infelizmente, as coincidências não param por aí. Desde o início de 2020, por causa de acusações sobre a origem da Covid-19, as
relações políticas entre a China e a Austrália se deterioraram, com repercussões muito fortes no comércio entre os dois países,
iniciadas com a acusação de “dumping” em exportações agropecuárias australianas e a imposição de sobretaxas elevadas pelos
chineses. As primeiras “vítimas” foram as exportações de vinho e de cevada. Para que se tenha uma noção do impacto das retaliações
comerciais, a Austrália foi o maior exportador de vinho para a China no primeiro semestre de 2020. Outro produto que poderá ser
atingido é a carne de ovino (153 mil toneladas compradas pela China só no ano passado).
No acordo com os Estados Unidos assinado em janeiro desse ano, a China se comprometeu a comprar mais US$ 200 bilhões do país,
inclusive produtos agropecuários. Ou seja, pela via política, os produtores agropecuários e os exportadores norte-americanos
asseguraram espaço privilegiado na relação comercial com a China, podendo assim ganhar parte do mercado até agora ocupado pelos
australianos.
Sem dúvida, 2020 será lembrado como divisor de águas na política externa chinesa. As reações inéditas da China aos ataques
sofridos por ela na Austrália, Brasil e Estados Unidos, relativos à origem da pandemia, não deixam margem para “talvez”. Com o
acordo comercial do Pacífico, de 15 de novembro, do qual os Estados Unidos foram excluídos, e o Japão, Coreia do Sul, Vietnã e
Indonésia destacam-se, mais uma vez a China demonstra que está no comando da política e do comércio mundiais.
Utilizando o “dumping” para justificar a retaliação comercial via sobretaxa, a China “dá um troco” ao mundo ocidental, que sempre
recorreu a esse mecanismo legal contra ela, utilizando terceiros países para “comprovar” que os custos chineses eram superiores aos
preços praticados. Com a alternativa norte-americana de importação adicional de produtos agropecuários, a China prova que não
depende de nenhum fornecedor, por maior que seja. E para sua total independência, está investindo na Argentina e em países
africanos e asiáticos, visando ter logística e um leque de suprimento capaz, inclusive, de trabalhar com preços menores do que os
atuais.
Resumindo: em relação ao setor exportador de produtos agropecuários da Austrália, o do Brasil hoje está igual àquele anúncio de
vodca famoso: “Eu sou você amanhã”.

Milton Pomar é geógrafo, mestre em Políticas Públicas.

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