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Cauan E.E.Schettini. 2.º Ano – ADM. ETEC Mandaqui. LPCP.

Análise crítica do Ethos em textos das mídias alternativas.

1. O que é o Ethos?
Aristóteles foi o primeiro que, na Grécia Antiga clássica, designou no seu livro
“Retórica” o que seria o Ethos. Segundo ele, é uma ideia de credibilidade do
orador, sendo o seu poder de persuasão “o efeito de seu ethos manifestado no
discurso”. Ou seja, é um dos recursos retóricos mais poderosos para obtenção
da adesão do ouvinte. Segundo Ducrot (1984, p. 201): “o ethos está ligado ao
locutor como tal; é como origem da enunciação que ele se vê investido de
certos caracteres que, em contrapartida, tornam essa enunciação aceitável ou
recusável.”. Isto é, a demonstração de autoridade de que goza o locutor se faz
sob a força da competência que o ethos exerce como canal da sintonização
entre orador e ouvinte. Fazendo, assim, o discurso ser visto sob uma
perspectiva interacional — que é garantia da eficácia do discurso como
resultante de uma troca entre os participantes.

Dessa forma, assim como Derrida afirma os textos estarem embutidos


necessariamente de sua carga de cultura, também o ethos possui sua carga a
partir de como ele é expresso. Segundo Maingueneau, o ethos não é dito, mas
mostrado:

“O que o autor pretende ser, ele o dá a entender e mostra; não diz que é simples ou
honesto, mostra-o por sua maneira de se exprimir. O ethos está, dessa maneira,
vinculado ao exercício da palavra, ao papel que corresponde a seu discurso, e não ao
indivíduo “real” (apreendido) independentemente de seu desempenho oratório: é,
portanto, sujeito da enunciação (1993: 138).”.

Além dessa explicitação do ethos, vale ressaltar que, segundo Aristóteles, a


definição do ethos é como “imagem de si” construída no discurso. Bastante
explicativo é saber que o termo “Ética” é derivado dessa palavra, sendo,
portanto, o ethos a percepção que o público tem sobre sua autoridade e a sua
boa moral. Não basta, pois, dizer coisas boas, mas mostrar coisas boas a partir
da sua fala.

Com a finalidade de explicar melhor o ethos segundo Aristóteles, no capítulo 8


da Retórica, o filósofo explora o ethos segundo as formas de governo,
mediante os fins de cada uma. Por exemplo, à democracia se deve o caráter
da liberdade; à oligarquia o da riqueza, bem como a educação e as leis à
aristocracia. Portanto, a partir disso, determina-se o ethos do administrador.
Seguindo essa mesma lógica, Aristóteles explora cada um dos três
componentes de eficácia na argumentação, ou seja, o logos, o ethos e o
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pathos — fatores que tanto afetam a razão quanto a sensibilidade, as paixões.


Resgatando a definição aristotélica de ethos como “imagem de si”, segundo
ele, por exemplo, a ponderação, a simplicidade, a sinceridade, entre outras
virtudes explícitas no discurso, são predicados capazes de tecer a confiança no
exercício oratório, ou, se em vez de virtudes existirem vícios, o discurso terá o
resultado contrário. Diferentemente, os romanos, Cícero e Quintiliano, veem o
ethos como um dado preexistente que se apoia na autoridade individual e
institucional do orador. Sendo assim, como muitas das vezes acontece, o
candidato de certo partido político pode apresentar-se como homem honesto,
dinâmico, pragmático, experiente, conhecedor das necessidades do povo — de
onde pode decorrer a dimensão tanto moral quanto estratégica do ethos.
Consequentemente, como é comum, às vezes o fato de que a oratória do
enunciador se enquadra num determinado gênero de discurso — implicando
uma série de conhecimentos necessários — pode acarretar expectativas e
julgamentos prévios a respeito do ethos. Portanto, o lugar que explicita o ethos
é o discurso.

No dizer de Aristóteles: “toda forma de expressão resulta de uma escolha entre


várias possibilidades linguísticas e estilísticas. O verdadeiro ‘corpo de
persuasão’ são os argumentos”. (Retórica). Logo, ao fim e ao cabo, o que
realmente importa para a persuasão são os argumentos, o lugar do discurso,
que definirá, portanto, se forem válidos e bons, o ethos.
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2. Análise de um texto midiático a partir do seu Ethos.


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Essa imagem publicitária acima é um anúncio da marca “Van Heusen”, de


1952, mostrando sua nova linha de camisas “Oxford”. Fundada em 1881, a
marca de camisas sociais é a mais vendida do mundo, desde aquela época.
Hoje em dia, visto pelos padrões atuais, esse anúncio é extremamente
desagradável, intolerante e poderia facilmente ser barrado de circulação, pois o
racismo, em muitos países, é considerado um crime, como o é no Brasil.

O slogan diz: “4 em cada 5 homens querem Oxfords... Nestes novos estilos de


Van Heusen”., quatro dos homens são brancos, vestindo as novas camisas
Oxford, e o quinto homem é um negro africano vestido para parecer um
Neandertal. Ora, para bem entender esse anúncio e relacioná-lo com precisão
com a questão do ethos, é preciso que se compreenda como a sociedade
americana era nos anos 50. A própria palavra ethos quer dizer “hábito,
costume, uso”, sendo geralmente definida, como foi apresentado no tópico
anterior, como significando o “conjunto dos costumes e hábitos fundamentais,
no âmbito do comportamento e da cultura, característicos de uma determinada
coletividade, época ou região”. Portanto, é necessário que se tenha um
conhecimento de como era o ethos americano nos anos 50 para decorrermos
na análise dessa forma de discurso (anúncio publicitário).

Sendo assim, nos Estados Unidos de da década de 50, como já é muito


sabido, havia um racismo explícito e arraigado em todas as ações cotidianas.
Até hoje se vê essa terrível herança, como é o caso de bairros para brancos e
bairros para negros, entre outros exemplos. O Movimento pelos Direitos Civis
(The Civil Rights Movement) começou a tomar forma em 26 de julho de 1948,
quando o Presidente Harry S. Truman assina a Ordem Executiva
9981(Executive Order 9981), que afirmava: “It is hereby declared to be the
policy of the President that there shall be equality of treatment and opportunity
for all persons in the armed services without regard to race, color, religion, or
national origin.” (É declarado que é política do Presidente que haverá igualdade
de tratamento e oportunidades para todas as pessoas nas forças armadas
independentemente da raça, cor, religião ou nacionalidade). Por seis anos, a
partir dessa declaração, o movimento se acalmou até chegar ao famoso caso
Brown v. Board of Education que abriu caminho para a dessegregação em
grande escala em 17 de maio de 1954.

As relações raciais da década de 1950 são estritamente diferentes das de hoje


em dia. Durante o tempo deste anúncio, a comunidade afro-americana foi
considerada “separada, mas igual”, porém, sabe-se que esta afirmação é falsa.
Os afro-americanos foram tratados (e ainda são em certa medida atualmente)
como cidadãos primitivos, de segunda classe, como que se não estivessem
evoluídos ao patamar do “homem”, considerando-o, como no anúncio, algo que
não se pode chamar de ser humano (homem). Toda essa perspectiva está
imortalizada nessa imagem. Segundo o filósofo franco-magrebino Jacques
Derrida, utilizando da sua análise retórica: “a linguagem — especialmente a
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linguagem escrita — não pode escapar dos preconceitos embutidos na história


que a produziu”. Derrida se utilizou de uma abordagem desconstrutiva para
analisar os discursos literários. Seu método se baseava em: 1) revelar os
mecanismos ocultos em funcionamento influenciando o significado (no sentido
de signo, significante e significado); 2) demonstrar o poder oculto dos símbolos
para moldar o pensamento; e 3) sublinhar o fato de que ninguém escapa
dessas qualidades elusivas da linguagem.

Utilizando-se desse método, é possível analisar o anúncio, observando os


mecanismos “ocultos” que tentam persuadir o público. No entanto, na imagem,
não há nada “escondido” sobre o seu significado. Esta mensagem implica que,
se você não comprar a camisa, você está entre os cidadãos do nível mais
baixo da sociedade, você é incivilizado e um Neandertal. Logo, apela-se ao
desejo humanista de pertencer a um grupo, pois ninguém quer ser
marginalizado. Esse anúncio, observando o ethos da época, é eficaz dessa
forma, persuadindo os homens brancos a comprar tais camisas para manter
seu status de predominância no círculo social. A segunda chave para a
desconstrução atua na primeira. A maneira como o homem africano está
vestido parece algo dos filmes de Hollywood, com o osso icônico no cabelo,
esse homem deve obviamente ter vindo da idade da pedra. Essa imagem do
osso com uma peruca foi apresentada, igualmente, no desenho animado para
televisão, The Flintstones, usado pelo personagem Pebbles Flintstone.
Ademais, o vestido africano é um símbolo de uma nação do terceiro mundo; o
piercing no nariz, no pescoço e o colar de dentes, bem como seu rosto tatuado
e seu corpo sem camisa, produzem imagens de um lugar primitivo da África.

Relaciona-se esse aspecto simbólico do ethos com a questão da incorporação


dos anúncios publicitários em seus respectivos períodos históricos e com seu
público. Ora, a publicidade sempre busca essa maleabilidade diante do ethos,
sendo este nunca inerente a certa marca, mas sim mutável diante do clamor
popular e momento histórico. Um anúncio publicitário, nos dias atuais, não
estaria de acordo com o ethos atual e, logo, não teria sucesso. Contrariamente,
naquela época, por ter este ethos da década de 50, teve enorme sucesso e
repercussão. Assim, o discurso publicitário e, logo, sua marca, possui a
finalidade de ter certa imagem, certo ethos, e isto se refletirá em como ele será
apresentado para o público diante do momento histórico e da opinião
majoritária popular — que, ao fim e ao cabo, será isso que determinará o
sucesso ou insucesso da publicidade.

Por fim, conclui-se que não é possível escapar dessas qualidades elusivas da
linguagem. Vê-se que, como Derrida afirmou, a linguagem escrita é sine qua
non influenciada pela cultura em que foi desenvolvida. Em 1952, esse anúncio
não teria levantado nenhuma polêmica ou indignação justamente porque o
ethos da época era esse; acreditava-se que a comunidade branca era superior
à comunidade negra. Hoje, no entanto, podemos presenciar uma mudança, ao
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menos em diversos aspectos, evidentemente não totalmente, de um mundo


segregado para uma maior diversidade. Por isso, aliás, por causa dessa
mentalidade, que, ao vermos o anúncio, nos espantamos e o destacamos de
forma tão flagrante.

Referências Bibliográficas.
https://lawrencejd.wordpress.com/2013/04/17/28/.

https://www.reddit.com/r/vintageads/comments/iqns86/4_out_of_5_men_want_
oxfords_in_these_new_van/.

DUCROT.O. Le dire et le dit. Paris : Minuit,1984.

MAINGUENEAU, D.Genèses du discours. Liège: Mardaga, 1984.

ARISTÓTELES, Arte Retórica e Arte Poética, Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.


(trad. de Rhétorique, Paris: Les Belles Lettres, 1967. Poétique, Paris: Les
Belles Lettres, 1979).

http://dlcv.fflch.usp.br/sites/dlcv.fflch.usp.br/files/06_18.pdf .

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