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Cante para Mim

Luciana Ramos
Copyright © 2015 Luciana Ramos

Todos os direitos reservados. Livro registrado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

João Pessoa - PB, Brasil, 2015.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, lugares e acontecimentos aqui descritos são produtos da
imaginação da autora. A cidadezinha mineira citada neste livro é ficcional.

São proibidos o armazenamento e/ou reprodução total ou parcial de qualquer parte desta obra,
através de quaisquer meios, sem o consentimento prévio e expresso da autora.

Criado no Brasil.
Agradecimentos

Ah, são tanta pessoas a quem agradecer! Começo sempre destacando a eterna gratidão que tenho
à minha querida mãe, Maria Betânia (que não pode ler os meus livros, mas que fica imensamente
feliz por mim, a cada pequena conquista, em todos os âmbitos de minha vida).

Meus agradecimentos especiais aos meus tios Graça Ramos Honorato, Alcione Honorato e Luiz
Henrique Ramos, e claro, aos primos Leo Honorato, Hermann Honorato, Flávio Henrique e Thaís
Araujo.

Não poderia deixar de agradecer também aos amigos, colegas de trabalho, escritores e leitores.
São eles: Denise Barbosa, Rosana Alves, Ronaldo Pinheiro, Kátia Cilene, Anderson Clayton,
Daluane Melo, Johny Medeiros, Germano Felipe, Marina Martins, Ana Luisa Vieira, Ana Kaline,
Rafaela Araújo, Rosângela Alves, Alexandre Morais, Nadja Xavier, Leandra Almeida, Marcelo
Soares, Carlos Toscano, Carlos Roberto, Conceição Gomes, Daniely Veras, Mariza Gondim, Fátima
Gondim, Ilma Gomes, Ana Silvia Velloso, Alberto Paz, André Carlo Torres, Flávio Sátiro Filho,
Hugo Fernandes, Anderson Amadeu, Cristina Munhoz, Sheylla Sales, Denise Brito, Natalia Silva,
Beatriz Pizon, Tamiris Oliveira, Suely de Santana, Cláudia Misael, Michelle Dantas, Micheline
Ayres, Petrônio Santos, Gilberto Costa, Luciano Medeiros, Erivalter Fernandes, Talita Alubuquerque,
Wandenberg Farias, Iracilba Pereira, Graça Almeida, Nilvanda Vieira, Sérgio Galisa, Eva Galisa,
Maria Zaira Guerra, Francisco Lins, Cristiane Costa, Crystiane Pessoa, Patrícia Santos, Renata
Carrilho, Ana Cláudia Bandeira, Ana Cláudia Albuquerque, Ana Cláudia Ferreira, Sol Ribeiro,
Rejane Freitas, Rogério Marques, Renata Freitas, Nilda Freitas, Alexandre Camelo, Giovani Luiz,
Marcos Caetano, Gerluce Ribeiro, Astrogildo Cabral, Francisca Dantas, Euclides de Sá, Dom
Oliveira, Rejane Serrão, Marineide Brito, Anderson Souza, Silvana Matos, Cristina Melo, Paulo
Emanuel, Ídio Matos, Zu Ribeiro, André Sá, Kléber Sá, Jullyana Ramos, Luciana Lindoso, Cinthia
Gutierrez, Caroline Oliveira, Lena Rossi, Manu Torres, Elaine Elesbão, Juliana Costa, Maurício
Gomyde, Simone Fraga, Marcia Rubim, Janaína Rico, Priscila Ferreira, Camila Moreira, JM Alvarez
e Raphael Montes.

Um agradecimento especial aos que apoiam e fazem parte da “Associação Brasileira para Ação
por Direitos da Pessoa com Autismo - ABRAÇA”, e a todos os pais e mães de filhos autistas.
Sinopse

Lucca Baroni, um carioca descendente de italianos, tem uma vida bastante comum e confortável.
Filho de pais ricos, resolve abandonar a faculdade de Economia e ir em busca de seu grande sonho:
ser um Astro do Rock.

Após entrar na Faculdade de Música da UFRJ, Lucca cria sua banda, a Sonic Beat, que logo faz
um estrondoso sucesso na cidade. No entanto, no auge de sua popularidade, e às vésperas de gravar
seu novo CD, o grupo perde um dos seus mais queridos integrantes.

Eva Martins, uma paulistana radicada no Canadá, volta ao Brasil logo após concluir a faculdade
de Veterinária em Quebec. Para ganhar um extra além de seu trabalho em um Pet Shop, ela resolve
tentar a seleção na banda.

Acostumado a uma vida relativamente fácil e com dúzias de mulheres dando em cima dele,
Lucca se vê diante da única garota que parece não dar a mínima para o seu charme: a nova guitarrista
e vocalista do grupo.

De personalidades fortes, Lucca e Eva batem de frente desde os primeiros instantes em que se
veem até o momento em que se descobrem completamente apaixonados um pelo outro. No entanto, os
segredos do passado de Eva voltam para atormentá-la, forçando-a a deixar o país e abandonar seu
namorado sem ao menos uma despedida.

Após quase nove anos, Eva retorna ao Brasil para trabalhar no único lugar do mundo onde ela
jamais imaginaria encontrar o seu grande amor do passado. Ao vê-lo diante de si, Eva encontra um
homem muito diferente do jovem sonhador e sorridente de anos atrás. Agora, Lucca carrega um
coração pesado de amargura, pessimismo e ódio. Ódio dela; da vida; de Deus.

“Cante para Mim” aborda temas como amor verdadeiro, amizade, ressentimentos, superação e,
principalmente, fala sobre perdas e desencontros... porque, nesta existência, não são raras as vezes
em que é necessário nos perdermos para encontrarmos a nossa verdadeira redenção... e retomarmos
o caminho que o destino já havia trilhado para nós.
Prólogo
Rio de Janeiro/2005
Lucca

As pessoas costumam viver dias normais, sem acontecimentos importantes, em grande parte de
suas existências. Há dias, no entanto, que são verdadeiramente extraordinários. Hoje é um deles para
mim. Estou imensamente feliz. Felicidade é pouco para descrever o que se passa em meu coração,
momentos antes de voltar ao palco: o lugar onde me sinto mais abençoado, vivo e completo.

Noite de sexta-feira. A casa de show onde começamos a tocar há alguns anos está
completamente lotada. Em menos de dez minutos iremos reestrear a nova formação de nossa banda, a
"Sonic Beat".

O nome, devo confessar, foi motivo de muita discussão. Uns queriam algo em português, porque,
afinal de contas, somos brasileiros tocando e cantando no Brasil. No entanto, o nosso som é o rock e
o pop internacional. Então, pensei que seria bom termos um nome gringo. Quem sabe algum dia,
quando a nossa banda ficasse mais famosa e pudéssemos sair em turnê fora do país, ele nos ajudaria
de alguma maneira.

Estávamos tristes pela ausência do Vitor, que havia partido desta vida cedo demais. Horas antes,
eu e os caras choramos por sua morte e rezamos por ele. Mas, apesar de todos sentirmos sua falta, a
presença da Eva havia renovado nossas esperanças. Ela entrou na banda e acabou mexendo com
todos nós, especialmente comigo. Ela bagunçou os meus pensamentos e desordenou todas as minhas
prioridades, e isso estava me deixando completamente maluco.

Segundos antes de entrarmos no palco, eu observei quando ela colocou sua guitarra sobre os
ombros, fitou meus olhos e logo em seguida desviou o olhar. Ela não gostava de mim,
definitivamente. E havia motivos para isso. Eu não tinha sido um bom sujeito com ela desde o
momento em que a vi fazendo o teste para entrar em nossa banda.

Nossa relação se complicou ainda mais quando eu logo percebi que ela não dava a mínima pra
mim. Essa garota parecia ser a única pessoa do mundo que conseguia me desconcertar e tirar todo o
meu equilíbrio.
Respirei fundo, arrumei coragem e me aproximei. A agitação da multidão lá fora me deixava
ansioso, mas a presença daquela mulher ao meu lado era sempre mais apavorante. Nunca estive tão
nervoso em toda a minha vida. Hoje seria, de fato, uma noite memorável. Os planos que eu havia
feito para as próximas horas surpreenderiam a todos.

__ Então, Eva? Está pronta? - eu sorri ao fixar meu olhar em seus lindos olhos castanhos.

__ Estou sim! - ela respondeu friamente e mais uma vez me ignorou.

__ Acho que eles vão amar você! Eles vão amar o nosso som, Eva! Boa sorte!

Eu a abracei, meio sem jeito, e senti que o seu coração estava acelerado; ou talvez fosse o meu.
Ela estranhou a forma carinhosa como a abordei naquele instante. Eu e ela não costumávamos passar
mais do que vinte minutos sem nos agredirmos. Na verdade, ela era quem revidava as minhas
insistentes grosserias. Eu entendia bem o porquê dela não gostar de mim. Hoje, porém, eu estava
disposto a deixar de agir como um perfeito idiota.

__ Ok, Lucca! Só espero que suas fãs não surtem quando descobrirem que o novo guitarrista e
vocalista a dividir o palco com você é uma garota! - ela sorriu.

Aquele era o sorriso mais meigo que eu já havia visto no rosto de uma mulher. Não conseguia
deixar de olhar pra ela. Adorava seus lindos olhos; sua boca sexy; seu tom de voz; o cheiro de seu
perfume; a forma como ela caminhava; o jeito como ela balançava os cabelos.

Senhoras e senhores. A Open Night Club tem o prazer de apresentar o show de estreia da
nova turnê da banda "Sonic Beat", agora em sua nova formação.

A plateia aplaudia fervorosamente. A banda havia conquistado fãs muito fiéis nos últimos anos.
Eles estavam ansiosos para conhecer o seu mais novo integrante e as músicas do novo album que
seria finalizado e lançado nas próximas semanas. A iluminação da boate diminuiu e toda a atenção e
luzes estavam voltadas agora para o palco.

Na bateria, Vinícius Lacerda! No contrabaixo, Giovane Franco!

__ Eva! - eu voltei a me aproximar.

__ Oi. - ela respondeu fixando os olhos no cabo de sua guitarra.


__ Sinto muito pela forma como venho lhe tratando. Eu nem sei como você me aguentou esse
tempo todo. Desculpe-me por tudo!

Ela me olhou com espanto, pois nunca tinha ouvido de mim qualquer palavra de carinho ou
qualquer tipo de desculpas.

__ Eu aguentei você, Lucca, porque adoro música, fiz boas amizades e preciso da grana que
começaremos a ganhar em breve! Bom, agora chegou a hora do nosso show! - ela respirou fundo
outra vez enquanto ouvia a banda sendo anunciada.

Nos teclados, Felipe Gonçalves! Na guitarra e vocais, o grande Lucca Baroni!

As meninas foram à loucura quando eu entrei e me posicionei no local habitual, à frente da


banda. Grande parte dos nossos fãs estavam ali, com destaque para a presidente de nosso fã clube:
Lorena Vilar. Eu acenei para alguns amigos que consegui ver e fiz um charme para as meninas. Agora
seria o momento do maior impacto, eu pensei um tanto ansioso.

E por fim, senhoras e senhores, deem as boas vindas ao novo integrante do grupo. Também
na guitarra e vocais, com vocês, Eva Martins!

Os homens presentes ficaram alucinados quando viram a linda morena clara, de cabelos e olhos
castanhos, entrar no palco. Talvez, naquele momento, ninguém imaginasse que aquela garota meiga de
rosto angelical pudesse se transformar numa artista tão confiante e talentosa quando estava cantando
e tocando sua guitarra.

Começamos a show. Virei para o lado e vi que a Eva já estava à vontade e sorria para alguns
fãs. Olhei de volta para o público e os homens babavam pela beleza dela. As meninas se
surpreenderam quando viram que o Vitor tinha sido substituído por uma garota. Após os instantes
iniciais da música, eu procurei esquecer os olhares maliciosos direcionados a ela e comecei a cantar.

__ Esse show é pra você, amigo! Você nos faz muita falta! 'Livin' on a Prayer', Vitor!

Estavam programadas dezoito músicas para aquela noite, entre covers dos principais clássicos
do rock e algumas de nossas composições próprias. 'Livin' on a Prayer', do Bon Jovi, foi a música
escolhida para iniciarmos nosso show. Quando comecei a cantar, a galera foi ao delírio. A casa
estava realmente lotada. Todos pulavam e cantavam juntos.

We've got to hold on to what we've got


Nós temos que nos agarrar ao que temos

'Cause it doesn't make a difference


Porque não faz diferença

If we make it or not
Se nós causamos isso ou não

We've got each other and that's a lot


Nós temos um ao outro e isto é muito

For love... we'll give it a shot


Por amor... nós iremos tentar

Olhei para o lado, extasiado com a beleza da Eva, enquanto ela arrasava com sua guitarra e
começava a cantar o refrão da música. Ela vestia uma calça jeans que valorizava suas curvas e uma
blusa preta regata, com um lindo colar caindo sobre seus seios. Todo aquele visual simples e
despojado a deixava incrivelmente linda. Sua sensualidade era natural.

Ela era espetacular, principalmente quando cantava. Eu estava perdido em sua voz. A Eva
exalava uma dualidade que a tornava difícil de decifrá-la. Ela conseguia ser extremamente forte e
vulnerável ao mesmo tempo.

Ow, we're half way there


Ow, estamos quase lá

Ow, livin' on a prayer


Ow, vivendo em oração

Take my hand
Pegue minha mão

We'll make it; I swear


Nós vamos conseguir; eu prometo
Ow, livin' on a prayer
Ow, vivendo em oração

Os homens continuavam embasbacados com o desempenho dela, que já dominava o palco


completamente. Vinícius, Giovane sorriam como crianças. Nem em nossos melhores sonhos
imaginamos que a reestreia de nossa banda seria tão empolgante.
Desde o início, eu havia sido contra esse lance de uma mulher na composição da banda, mas fui
voto vencido. Os caras adoraram a Eva desde o primeiro minuto em que ela segurou sua guitarra e
começou a tocar naquela tarde em que fizemos os testes. Eu nunca havia me esquecido daquele
momento e o rememorava todas as noites, antes de dormir. Foi exatamente ali que eu fui fisgado por
aquele anjo de voz suave e sorriso intenso. Em meus 23 anos de vida, eu nunca havia sentido algo
parecido por nenhuma outra garota.

Quando o show acabou, os aplausos explodiram. Estávamos exaustos, mas imensamente felizes.
Todos adoraram a nossa playlist e ficaram encantados com o talento e o carisma da Eva. As luzes se
apagaram. Deixamos nossos instrumentos e saímos do palco, ainda sob aplausos calorosos.

__ O que foi esse show, gente? Puta que pariu! - Vinícius gritou segurando as baquetas da
bateria, completamente encharcado de suor.

__ Eles amaram você, Eva! - Giovane a abraçou. - Nós temos que comemorar muito hoje!

__ Meu coração ainda está pulsando forte, pessoal! - ela sorria com seus cabelos suados sob o
rosto, que a tornavam ainda mais sexy.

Então, eu me aproximei e fui cumprimentá-la.

__ Eu estava errado, Eva! Você trouxe uma alma nova para a banda. Você é muito talentosa. Esse
foi o show mais incrível que eu e os caras já fizemos, e grande parte grande desse sucesso nós
devemos a você! Parabéns! - eu novamente a abracei.

Notei que ela ficou sem palavras e impressionada pela forma gentil que eu estava agindo esta
noite. Como já disse, eu não tinha sido um cara exatamente educado ou sensível nos últimos dois
meses em que convivemos. Ao contrário, fui muito duro com a moça desde o momento em que pus os
olhos nela, mas principalmente, nos primeiros ensaios da banda. Bastava ela errar uma nota que eu já
explodia. Quando fazia isso, os caras ficavam putos comigo.

Eles elegeram a Eva como a mascote; a protegida do grupo. Certa vez, eu até a fiz chorar quando
fui extremamente estúpido com ela. Lembro-me bem deste dia.

__ Assim não dá, garota! Você é tão burra que não sabe fazer uma simples escala? É a terceira
vez que você erra a porra dessa nota!
Os caras me olharam como se quisessem me fuzilar. Ela tirou a guitarra dos ombros e começou a
guardá-la em seu case, momento em que lágrimas se juntaram em seus olhos.

__ O que diabos deu em você, seu imbecil? - Felipe gritou comigo e foi consolá-la.

__ Eu não tenho culpa se ela é uma amadora! Precisávamos de um homem na banda; não de uma
garota inexperiente para atrasar nossos ensaios! - tentei contestar, olhando com cara de poucos
amigos pra ela.

__ Vai à merda, Lucca! Você é um miserável narcisista e não estou mais disposta a ouvir suas
grosserias. Não consigo mais aturar seu maldito ego! - ela se encaminhou para a saída do estúdio
onde costumávamos ensaiar.

__ Não, senhora! Você não vai sair daqui. - Vinícius a segurou pelo braço. - Se você deixar a
banda, todos nós sairemos também!

__ É isso mesmo, Eva! Você fica! - Giovane foi enfático.

__ Vocês estão malucos se pensam que a Sonic Beat vai chegar a algum lugar com essa garota! -
eu larguei minha guitarra e fui embora com raiva.

No dia seguinte, estávamos todos ali, ensaiando juntos novamente. Fui voto vencido e os caras
foram enfáticos: entre mim e a Eva, ela seria a escolhida! Se eu não controlasse meus nervos, era eu
quem teria que deixar a banda. Eles a convenceram a continuar.

Voltei meus pensamentos para o presente. Ela não falou nada após o meu elogio sobre sua
performance no show. Todos se retiraram e foram para o camarim se limpar e trocar de roupa. Logo
em seguida, fiz o mesmo. Troquei minha camisa, lavei meu rosto, ajeitei meu cabelo e procurei
arranjar coragem para fazer o que havia planejado desde o início da semana.

Meia hora após o fim de nossa apresentação, eu voltei ao palco. Peguei meu violão e sentei em
um banco. Já havia combinado tudo com os caras do som e da iluminação.

__ Boa noite, pessoal! - eu falei e a música ambiente parou.

Avistei os caras da banda ao lado da Eva, no bar, comemorando nossa bem sucedida reestreia.
Ela estava sorrindo, segurando uma latinha de cerveja, e parecia ainda mais linda do que há poucos
minutos.

__ Bom, eu gostaria de agradecer a todos que prestigiaram o nosso show esta noite, em especial
aos integrantes do nosso fã clube e aos nossos amigos da Faculdade de Música da UFRJ. Valeu,
irmãos! Obrigado por terem vindo. O show que fizemos hoje foi inteiramente dedicado ao nosso
grande amigo, Vitor Carvalho.

Olhei novamente para a Eva. Respirei fundo e continuei.

__ Mas o motivo do meu retorno a este palco agora é para fazer uma homenagem a outra pessoa.
Gostaria de apresentar uma composição de minha autoria. Essa música é muito significativa para
mim e é dedicada a alguém especial que estará fazendo 23 anos amanhã. Parabéns antecipado pelo
seu aniversário, Eva! Eu a compus apenas uma semana após conhecê-la, assim que tive plena
convicção de que eu estava completamente apaixonado por você!

__ Puta merda! O cara enlouqueceu! - Vinícius deu uma gargalhada.

__ Tá explicado o motivo de o cara agir como um babaca perto dela! - Giovane brincou.

__ Eu jamais poderia imaginar! Ele nunca me disse nada! - Felipe continuou a beber e também
sorriu.

Enquanto falava, olhava o tempo todo para a Eva. Notei o quanto ela tinha ficado petrificada
com o que acabara de ouvir. Sem dizer uma única palavra, ela se afastou um pouco dos rapazes,
segurando sua bebida, e me olhou com espanto.

Algumas pessoas conversavam baixinho e riam como se não estivessem acreditando no que
estava acontecendo, principalmente as meninas do fã clube. Também percebi que a Lorena, que
estava bem próxima do palco, me fitou com desaprovação, já que tínhamos tido um relacionamento
rápido meses atrás e ela ainda não havia superado o nosso fim.

Eu comecei a tocar. A boate inteira silenciou nos primeiros sons do dedilhado do meu violão.
Ali, éramos apenas eu e o meu instrumento. Fechei os olhos, não antes de encará-la novamente. Ela
continuava me olhando em estado de choque.

Nice to meet you, where you been?


Prazer em conhecê-la, onde você esteve?

I could show you incredible things


Eu posso lhe mostrar coisas incríveis

Magic, madness, heaven, sin


Mágica, loucuras, paraíso, pecado

Saw you there and I thought


Vi você ali e pensei

Oh my God, look at that face


Oh, meu Deus, olhe esse rosto

You look like my next mistake


Você parece o meu próximo erro

Ain't it funny, rumors fly


Não é engraçado, os rumores voam

And i know you heard about me


E eu sei que você já ouviu falar sobre mim

So hey, let's be friends


Então, ei, vamos ser amigos

I'm dying to see how this one ends


Estou louco para ver como isso acabará

Grab your passport and my hand


Pegue seu passaporte e a minha mão
So it's gonna be forever
Então, irá durar para sempre

Or it's gonna go down in flame


Ou acabará em chamas

You can tell me when it's over


Você pode me dizer quando tiver terminado

If the high was worth the pain


Se os momentos bons superaram a dor

'Cause we're young and we're reckless


Pois somos jovens e imprudentes

I'll leave you breathless


Vou deixá-la sem fôlego

Or with a nasty scar


Ou com uma cicatriz horrível

Got a long list of ex-lovers


Tenho uma longa lista de ex-namoradas

They'll tell you i'm insane


Elas lhe dirão que eu sou maluco

But I've got a blank space, baby


Mas eu tenho um espaço em branco, querida

And I'll write your name


E eu escreverei o seu nome

As pessoas aplaudiram muito ao término da música. Olhei para a Eva e vi quando ela deixou sua
cerveja numa das mesas e entrou pelo corredor indo em direção ao camarim. Deixei o palco
rapidamente e fui atrás dela. Alguns instantes depois, entrei na pequena sala e fechei a porta com
chave.

__ Por que você fez aquilo? - ela me questionou ainda atônita pela minha atitude.

__ Fiz porque eu queria cantar pra você e aproveitei a ocasião. Essa música entrará no CD em
que estamos trabalhando. Vamos gravá-la ainda esta semana. As pessoas adoraram! Você viu? Vai ser
um sucesso!

__ E quando você iria mostrá-la pra gente, Lucca?

__ Ainda não tinha achado o momento apropriado, Eva.

__ E aí você resolveu que hoje seria o momento, na frente de todo mundo?

__ Exatamente! O que você achou?

__ O que eu achei da música ou do que você acabou de fazer?

__ Das duas coisas.

__ A música é bonita! Gostei muito mais da melodia do que da letra, se quer saber a verdade! Já
o que você fez naquele palco não foi certo. Você me deixou numa situação delicada! Eu tenho
namorado, Lucca!

__ Qual é, Eva? Você e esse tal Alexandre não combinam. Já os vi juntos naquele dia em que ele
foi a um de nossos ensaios. Você não o ama! Eu notei!

__ Isso não lhe diz respeito! Quem você pensa que é para me dizer essas coisas?

Eu silenciei. Ela continuou.

__ E eu não preciso de que você tenha um espaço em branco na sua vida para escrever o meu
nome, como a letra da sua música diz. Você é muito convencido, sabia? Eu não esse tipo de mulher!
Você não sabe nada sobre mim! Como se atreve a me tratar como você faz com as suas fãs ou com as
suas amiguinhas?

__ Calma! Eu sei que a letra da música sugere uma relação casual, mas não é isso que eu quero
com você, Eva! Estou completamente apaixonado e eu quero que você seja minha namorada. Isso
tudo é muito novo pra mim. Estou assustado pra caralho!

__ Você tem uma maneira bem estranha de se apaixonar e de demonstrar isso, Lucca! Você disse
que compôs a música uma semana após me conhecer. Então, por que me tratou tão mal nesse tempo
em que convivemos?

__ Tratei você mal porque não sabia lidar direito com o que estava acontecendo comigo. Nunca
senti isso por nenhuma mulher, Eva! - eu me aproximei dela.

__ Não faça isso! Nós somos colegas de banda. Afaste-se!

__ Eu não posso mais evitar! Eu preciso sentir você! - eu a encostei na parede e beijei seu
pescoço suavemente.

__ Abra a porta!

__ Não antes de você entender que o que falo é verdadeiro.

__ Abra já essa porta! - ela insistiu.

__ Não, Eva! - eu novamente me aproximei e dessa vez beijei seus lábios. Ela não correspondeu
ao beijo e me empurrou.
__ Se afaste de mim e abra essa maldita porta agora mesmo!

__ Ok! - eu coloquei a chave de volta. - Se você quer se enganar ficando com esse seu namorado
que não a ama, fique à vontade pra ir.

__ O Alexandre nunca me tratou mal, como você fez desde o dia em que me conheceu! Você tem
ideia do quantas vezes me humilhou nas últimas semanas? Só não desisti de tudo porque os rapazes
insistiram muito. Eles sim são meus amigos e gostam de mim.

__ Esse Alexandre pode nunca ter lhe tratado mal, mas ele nunca amou ou amará você como eu,
Eva! Quanto à forma rude como a tratei, eu só posso lamentar. Estava muito confuso. Odiava o fato
de você não dar a mínima para a minha existência e odiava quando você falava com o seu
namoradinho pelo telefone. Fiquei com ciúmes, você entende? Mas a única coisa que eu sei agora é
que eu a amo! É uma paixão que se transformou em algo bem maior.

__ Você não sabe o que é amar alguém, Lucca!

__ E o que você conhece sobre o amor, Eva? Você tem a minha idade! O que você acha que sabe
de diferente do que eu sei? Alguma vez na vida você já amou um homem? Você realmente acha que
ama esse seu namorado? E o mais importante: ele a ama? Duvido muito! E repito: eu vi vocês juntos!
Vocês não parecem um casal apaixonado.

__ Eu já lhe disse que isso não lhe diz respeito, Lucca! - notei que ela tentava conter suas
lágrimas.

__ Lembre-se da letra da música e de como me expus ao cantá-la na frente daquelas pessoas lá


fora, e conclua se eu entendo ou não sobre o real significado da palavra 'amor'.

__ Você só sabe amar a si mesmo! Você não tem ideia do quanto é egocêntrico e narcisista! O
que você talvez sinta por mim seja apenas uma paixãozinha... e só porque eu nunca lhe bajulei como
as outras garotas fazem com você o tempo todo. Talvez eu seja apenas uma conquista difícil para
testar seu poder de persuasão.

__ Pense como quiser! Pelo menos eu fui sincero. Eu estou apaixonado por você e não posso
mais negar esse fato! Eu a amo, Eva! E eu vou provar que este sentimento é verdadeiro.

Nesse instante, eu novamente me aproximei e a encostei na parede. Levantei seus braços acima
de seu rosto, segurei firme as suas mãos e empurrei meu corpo contra o dela. Olhei fixamente para
aquela boca linda e a beijei com fervor.

Ao sentir seus lábios, meu sangue ferveu. Eu nunca havia experimentado sensação parecida
antes. Era algo muito mais intenso do que uma excitação sexual. Além da minha visível ereção, senti
meu peito disparar. Aquele momento parecia mágico! Aquele beijo foi mil vezes mais incrível do
que eu havia idealizado, desde o momento em que pus os olhos nela.

Eu estava louco por aquela mulher. Senti o quanto a minha proximidade também a excitou.
Estávamos queimando de tesão. Se não a largasse naquele instante, não conseguiríamos mais parar.
Eu me afastei.

__ Pense bem, Eva! Lembre-se da música que eu fiz pra você e lembre-se da forma como nossos
corpos se tocaram agora. Eu sei muito bem o que sinto por você. Resta saber o que você sente por
mim. - eu abri a porta e saí da sala, me dirigindo pra fora da boate.

Ao deixar o local, fui andando pela rua assim que percebi que não havia nenhum táxi nas
imediações. Estava frio. Coloquei minhas mãos nos bolsos de minha jaqueta. Fiquei pensando em
todos os acontecimentos das últimas horas. Segundos antes de girar o quarteirão, ouvi uma voz gritar
o meu nome.

__ Lucca!

Eu me virei e abri um grande sorriso quando a vi andando apressadamente em minha direção.


Ela chegou bem perto e não disse nada; apenas entrelaçou seus braços em meu pescoço e me beijou
com total entrega. Ao fim daquele beijo incrível, que fez meus pés flutuarem, ela repetiu, sorrindo,
um trecho da música que eu havia cantando no palco.

__ Estou louca para ver como isso acabará. Pegue seu passaporte e a minha mão. Então, irá
durar para sempre ou acabará em chamas!

Eu sorri e a apertei contra meu peito, no abraço mais apaixonado que eu já havia dado em uma
mulher. Não consegui conter minha alegria. Era maravilhoso sentir o calor de seu corpo e cheiro de
seus cabelos. Tive a sensação de estar no céu. Eu estava realmente ferrado. Eva Martins tinha
surgido do nada para abalar todas as minhas estruturas. Lembrei-me da composição que fiz pra ela,
mas inverti os papéis, falando em seu ouvido.

__ Você vai me deixar sem fôlego ou com uma cicatriz horrível, Eva!
Trechos da música “Blank Space” - Taylor Swift
(OBS.: na ficção, composta por Lucca Baroni)
Capítulo 1

Minas Gerais/2014
Eva

Ao término de mais um longo dia de trabalho, eu não via a hora de chegar ao apartamento da
Júlia e reencontrar a minha garotinha. Odiava ter que ficar longe dela, especialmente depois da
recente morte do pai.

Minha filha Ana Beatriz era a maior razão para eu ter conseguido sobreviver a anos tão difíceis.
Olhar pra ela, no início e no fim do meu dia, fazia tudo ter valido a pena e me dava forças para
continuar lutando. Ela é tudo pra mim!

Estava dirigindo de volta pra casa, sentindo-me infeliz com a vida e com o meu trabalho. Se
tudo saísse como previsto, eu não voltaria à clínica veterinária no dia seguinte. Desde que havia
voltado novamente ao Brasil, estava sendo difícil conseguir um emprego bem remunerado que me
possibilitasse dar a assistência de que a minha filha precisava e, por isso, fiquei muito ansiosa para
fazer a ligação para o pai do Felipe. Ao ler aquela oferta de emprego no jornal, eu quase não
acreditei. Fiquei extremamente animada.

Ao chegar, a minha amiga já havia alimentado a Bia. Fiquei um pouco com ela. Adorava ficar
alisando seus cabelos. Nossa interação não era muito boa. Mal nos falávamos. Conseguir penetrar em
seu mundo era sempre muito difícil. Perdi as contas de quantas vezes já havia chorado por não
entender o porquê de minha filha ser deste jeito. O diagnóstico de Asperger que eu e o Alexandre
tivemos, quando ela tinha apenas três anos, nos abalou profundamente.

Até essa idade, ela era uma criança com desenvolvimento quase normal, com exceção de sua
inteligência bem acima da média. Nós logo percebemos que se tratava de uma garota superdotada.
Aos dois anos e meio, a Bia já conseguia ler praticamente tudo em português e tinha muita facilidade
para aprender outras línguas. A leitura era o seu maior divertimento. Ela amava ler.

Perto dos três anos, nossa filha começou a se fechar e ficar cada vez mais antissocial. Ela tinha
dificuldades de interagir com outras crianças, falava pouco e não gostava de brincadeiras que
exigisse contato físico ou alguma habilidade motora. Sempre tentei fazê-la se interessar por algum
instrumento, mas ela não parecia ter muito jeito. O maior prazer da minha pequena era ficar
quietinha, no quarto dela, junto aos seus livros e ao seu bichinho de pelúcia favorito.

Em nossa casa, em Sidney, eu sempre tocava piano e violão em sua frente. Essa era a minha
função: apresentá-la ao mundo da música. Porém, o que ela mais curtia e ansiava era ver o pai chegar
do trabalho para ficar com ele. Ela adorava jantar no colo do Alexandre e só conseguia dormir
quando ele lia algumas páginas de algum livro pra ela. Eles tinham essa fixação por leitura e eles
amavam compartilhar este prazer.

Logo após ser diagnosticada com Asperger, a Bia passou a ter uma equipe multidisciplinar
acompanhando seu desenvolvimento. Eu e o Alexandre nunca fomos ricos, mas trabalhávamos muito
e fazíamos de tudo para darmos o melhor à nossa pequena. Semanalmente, um dos dois a
acompanhava ao psicólogo, ao neuropediatra, à fisioterapeuta e à fonoaudióloga. A escola em que
ela estudava era excelente e muito inclusiva no trato com crianças especiais.

Estávamos notando uma razoável melhora em seu comportamento. Ela estava interagindo um
pouco melhor com outras crianças e até estava gostando de jogar de basquete no quintal de casa com
o Alexandre. Não queríamos que a nossa filha passasse todo seu tempo livre apenas lendo em sua
cama. Ela precisava de brincadeiras e de movimento.

Todo o progresso que conseguimos com a Bia nos últimos anos foi por água abaixo em poucos
minutos. A morte do pai pareceu arrancar um pedacinho de seu coração. E, a partir daí, ela se fechou
em sua aconchegante conchinha e parou de se comunicar. Ela não falava sequer uma única palavra
comigo ou com qualquer pessoa.

Deixei minha vida na Austrália três semanas após o Alexandre partir. Nada mais me prendia
àquele lugar. Larguei tudo e voltei para o Brasil. Vim morar em Minas Gerais, no apartamento da
única amiga que tinha feito na época da infância e que havia reencontrado pela internet.

Há cerca de dois anos, a Júlia deixou a capital paulista e se mudou para Belo Horizonte por
causa de um namorado. Ela gostou tanto da cidade que não quis mais retornar a São Paulo, mesmo
depois de ter rompido o relacionamento com o mineiro.

Eu já havia estado em BH uma única vez e adorei voltar a esta cidade, mas não poderia
continuar morando de favor no apartamento da minha amiga e ganhando tão pouco na clínica onde
trabalhava. O serviço era muito puxado e pagava mal. Eu tinha pouco tempo para conviver com a
minha filha e, o pior, não tinha muitos recursos para investir no tratamento dela.

__ Querida, eu preciso fazer uma ligação importante. Não demoro, está bem?

Ela meneou a cabeça concordando. Eu deixei o quarto e fui para a mesa da sala. Abri o jornal e
disquei o número. O telefone chamou algumas vezes. Quando já estava prestas a desligar, alguém
atendeu.

__ Alô!

__ Boa noite! Meu nome é Eva Martins. Gostaria de falar com o Sr. Felipe Gonçalves. É sobre a
oferta de emprego de veterinário.

__ O Sr. Felipe não é mais o dono aqui do haras já faz alguns anos. Ele e a esposa voltaram a
morar no Rio de Janeiro.

__ Entendo. E o Felipe Júnior? Será que eu poderia pegar o telefone dele? Nós fomos muito
amigos há algum tempo.

__ Sinto muito, mas eu não os conheço e não tenho os telefones deles. Eu só estou trabalhando
aqui há pouco mais de um ano. Espere que eu vou passar a ligação para o meu marido. Esse é o
celular é dele. É o Inácio quem está tratando da contratação do veterinário.

__ Ok. Como é mesmo o seu nome?

__ Beth!

__ Obrigada, Beth.

__ De nada, querida! Espere um minuto.

Aguardei alguns instantes até que um homem de voz calma atendeu ao celular.

__ Pois não?

__ Boa noite, Sr. Inácio. Eu me chamo Eva Martins e estou ligando para saber sobre a oferta de
emprego que vocês colocaram no jornal. Eu conheci os antigos donos do haras alguns anos atrás e
quando vi o anúncio, fiquei bastante animada para trabalhar aí.
__ Boa noite, Eva. Necessitamos de um veterinário com máxima urgência, mas acho que o
emprego não vai interessar você. É que precisamos de um profissional para morar aqui, folgando
apenas do sábado de manhã até o domingo à noite. O trabalho é bem pesado, você entende?

__ Eu compreendo, mas é justamente isso que me atraiu no anúncio. Eu preciso de um local para
morar com a minha filha pequena. Seria perfeito morar e trabalhar aí.

__ Você viria com uma criança?

__ Sim. Sou viúva e preciso trabalhar para sustentá-la. Ela tem sete anos e possui algumas
limitações. A Bia necessita de vários profissionais para acompanhar o seu desenvolvimento.

__ Entendo.

__ Eu preciso muito desse emprego, Sr. Inácio! Estou morando de favor e tenho que ganhar
melhor para dar assistência à minha filha.

__ Mas você sabe lidar com animais de grande porte?

__ Claro! Na verdade, tenho uma razoável experiência com equinos. Fiz minha faculdade de
Veterinária no Canadá e também trabalhei alguns anos com cavalos enquanto morei na Austrália.

__ Então a senhora deve ser muito boa, uai! - ele brincou. - Apesar do sotaque, eu não sou
mineiro, viu? Eu e minha esposa somos de Belém do Pará, mas adoro o "minerês" que alguns dos
nossos funcionários falam aqui. Às vezes me pego falando igual a eles. Você é de onde, Eva?

__ Eu acho que sou do mundo, Sr. Inácio! Nasci em São Paulo; morei no Rio; no Canadá; na
Austrália. Enfim, meu sotaque é meio misturado. Quanto ao tal "minerês", eu ainda não encontrei
pessoas aqui BH que falam com esse linguajar mais arrastado.

__ Pois aqui temos um "minerim matuto" chamado Damião que nos faz rir todos os dias com o
palavreado dele.

__ Vou adorar conhecê-lo. - eu sorri. - Quanto ao emprego, acho que ele é perfeito pra mim! Se
o senhor me vir interagindo com os animais, concluirá que eu tenho jeito para a coisa. Eu amo
cavalos!

__ Você poderia aparecer aqui no haras amanhã? O patrão não está, mas eu tenho total liberdade
para contratá-la. Se você for mesmo boa como diz, o emprego é seu!

__ O senhor não sabe como fico feliz em ouvir isso. Posso chegar por volta das 16h? Preciso
resolver algumas pendências antes de pegar estrada.

__ Eu e a Beth estaremos esperando por você e sua filha nesse horário.

__ Obrigada. O senhor é muito simpático! Ah, vocês ainda trabalham com a Raça Campolina?

__ Trabalhamos sim. Você a conhece?

__ Conheço. Vocês têm um plantel de quantos equinos?

__ Temos atualmente quarenta e dois cavalos. Quatro garanhões e várias éguas matrizes de
excelente qualidade.

__ Ótimo! Como já disse, adoro trabalhar com cavalos. Boa noite, Sr. Inácio!

__ Boa noite, Eva! Até breve.

Na tarde seguinte, logo depois que eu acertei as minhas contas e deixei o pet shop, eu me
despedia da minha amiga antes de partir.

__ Vai ser melhor assim, Júlia! Estamos tirando a sua privacidade.

__ Você está indo porque quer, Eva! Que isso fique bem claro, viu? Não queria que vocês
fossem.

__ Eu sei, querida!

__ Você tem certeza de que lá nesse haras a Bia terá um acompanhamento adequado de bons
profissionais?

__ Claro, querida! O salário é muito bom! É bem superior ao que ganhava na clínica. Assim
poderei investir ainda mais no tratamento e na capacitação dela. Pretendo vir a Belo Horizonte uma
vez por semana para algumas consultas.

__ Entendo. E não se esqueça de vir ficar um pouquinho aqui comigo sempre que puder.
__ Pode deixar! E pense em nos visitar também! Aquele haras é lindo e não fica muito longe
daqui. Eu estive lá há alguns anos com o pessoal da banda. Fiquei fascinada por aquele lugar.

__ É só me convidar e eu vou.

__ Tchau, Júlia! Obrigada por tudo! Nunca poderei agradecer o suficiente.

__ Que isso, Eva! E por favor, amiga, não suma!

__ Não tenha dúvidas de que estaremos sempre em contato, ok? Fique com Deus!

__ Tchau, garotas! Façam uma boa viagem.

Após uma hora, eu e minha filha finalmente chegamos ao pequeno município de Jardim Campo
Belo. Ao pegar uma estradinha que dava ao Haras Campo do Vale Sul, me recordei da única vez em
que estive aqui, há alguns anos. Pouca coisa parecia ter mudado.

__ Filha, você vai amar morar aqui. Poderemos andar a cavalo, criarmos um cachorro grande e
brincarmos ao ar livre. - eu tentava fazer alguma comunicação com a Bia.

"Entenda, mamãe: eu tendo livros e internet, poderei ficar bem em qualquer lugar!"

Assim que estacionei o carro em frente a uma casa muito bonita, a morada principal do haras, fui
recepcionada pelo Sr. Inácio e pela Dona Beth.

__ Olha só, Inácio, que moça linda a nossa veterinária! - Beth me abraçou. - E como é o nome
dessa mocinha aqui?

__ Prazer em conhecê-la, Dona Beth. A minha filha se chama Ana Beatriz.

__ Querida, me chame apenas de Beth! Sem cerimônias, ok? Oi, lindinha! - ela mexeu nos
cabelos da Bia, que logo se afastou emburrada.

__ Ok, Beth! Muito prazer, Sr. Inácio! Obrigada por nos receberem. - eu o cumprimentei.

__ Sejam bem vindas! Você não deveria querer trabalhar com bosta de cavalo, Eva! Você
poderia ser modelo, uai! - ele sorriu.
__ Garanto ao senhor que prefiro mil vezes trabalhar com bosta de cavalo a ser modelo. E aí,
podemos dar uma volta no haras para conversamos melhor? - eu disse logo após entregar o meu
currículo e a minha carteira de trabalho pra ele.

__ Podemos sim.

__ Gente, antes de irmos, eu gostaria dar uma palavrinha com vocês. - eu disse. - Filhota, por
que você não vai até o lago ver os peixinhos?

"Eu me afastei. Esse era o momento em que a mamãe iria explicar que eu era esquisita. Eles
me observaram por alguns segundos e logo depois voltaram a falar."

__ A Bia é uma criança especial. Ela não fala e não gosta de contato físico, como vocês já
perceberam.

__ Percebi sim, Eva. - Beth asseverou.

__ Vocês sabem algo sobre a Síndrome de Asperger? Trata-se de um transtorno psicológico de


espectro autista. Depois eu posso explicar melhor. Agora, apenas lhes adianto que ela é muito
inteligente e que às vezes pode ficar bastante nervosa e agitada quando está sob forte crise de
estresse.

__ Entendo. - Inácio falou olhando pra ela.

__ Pode ir, Eva! Eu vou ficar de olho na sua filha! - Beth me tranquilizou.

__ Obrigada! Ah, se você quiser fazer amizade com ela, a melhor forma de começar a ter êxito é
dando um livro para a Bia ler. - eu sorri.

__ Pois então eu vou buscar um agora mesmo. Qual tipo de leitura ela prefere?

__ Bom, ela lê de tudo! Minha filha gosta de obras que adultos poderiam considerar de difícil
compreensão. Ela, por exemplo, lê e escreve muito bem em inglês, francês e espanhol.

__ Nossa! Essa menina é um pequeno gênio! E ela só tem 7 anos? - Inácio a olhou admirado. -
Eu mal falo e escrevo em português!

__ Eu costumo dizer que ela é um "gêniozinho" de gênio forte porque não gosta de se comunicar
e se acha muito esperta. - eu brinquei.
__ Vamos, Eva! Quero lhe mostrar algumas coisas antes que a tarde caia.

Depois de uma boa andada pela propriedade, eu fui deixando claro para o Sr. Inácio o quanto eu
conhecia sobre cavalos e que eu era apta a trabalhar com aqueles animais. Aproveitei para tirar
algumas dúvidas a respeito do haras.

__ Aqui nós temos cerca de 60 hectares. Na casa grande, mora o dono. Naquela casa ao lado,
moramos eu e a Beth. E lá nos fundos, bem mais distante, vivem dois funcionários que passam a
semana por aqui. Os outros quatro têm residência em Jardim Campo Belo.

__ Se o senhor resolver me contratar, onde eu e a Bia ficaremos?

__ Nós nunca tivemos um veterinário que morasse aqui. O patrão decidiu que seria assim há
poucos dias. Ele falou que iria construir uma casinha para o profissional que fosse contratado.
Provisoriamente, você e a menina ficarão na casa grande. - ele explicou assim que chegamos ao
galpão para olhar os cavalos.

__ Qual o tamanho dessas baias? Os animais ficam soltos quantas horas por dia?

__ Todas têm quatro metros quadrados e eles ficam soltos por umas três horas, em média.

__ Pelo que estou vendo, o espaço é excelente. No entanto, os cochos de ração e os bebedouros
estão mal posicionados. Eles devem ficar em lados opostos. Ah, e a pata desse animal aqui está
machucada. - eu olhei para o belíssimo cavalo diante de mim.

__ Já vi que você entende mesmo de cavalos, Eva. O nome dele é Apolo D' Ângelo. Ele é o
xodó do patrão!

__ Eu sou veterinária, Sr. Inácio. Seria estranho se eu não entendesse, não é? - eu sorri. - Será
que o proprietário poderia fazer algumas pequenas adaptações por aqui?

__ É possível! Ele está voltando da capital daqui a pouco. O Sr. Lucca é um cara meio cabeça
dura e de pouca conversa, mas ele não se importaria de investir na melhoria do conforto de seus
animais.

__ Perdão, como é mesmo o nome dele?


__ Lucca.

__ E o sobrenome?

__ Baroni.

__ Ah, meu Deus! - eu congelei. - Vamos! Eu preciso ir embora daqui agora mesmo!

__ Por quê? - ele me seguiu.

__ Porque eu conheço o dono deste haras, e acredite, ele não vai querer que eu seja a veterinária
da propriedade dele.

__ Não entendo.

__ Não posso explicar agora, Sr. Inácio! Vamos! Eu preciso pegar a minha filha e sair daqui
antes que anoiteça.

Ao chegar perto do meu carro, eu encontrei a Beth.

__ Onde está a Bia?

__ Ela está perto do lago com a Luna, a cachorrinha do patrão. Ele acabou de chegar.

Eu olhei de longe e vi que o Lucca estava agachado conversando alguma coisa com a minha
filha. Meu coração disparou.

__ E onde estão as nossas coisas que estavam no carro?

__ Ah, eu chamei um dos empregados e levamos tudo para dentro da casa grande. Aquele violão
bonito é seu ou da menina?

__ Beth, por favor, me ajude a pegar tudo de volta. Eu preciso sair daqui o quanto antes!

__ Por que, Eva?

__ Eu não quero que o patrão de vocês me veja aqui.

__ Você o conhece?
__ Sim, o conheci anos atrás! Sr. Inácio, enquanto eu pego as minhas coisas, vá buscar a Bia e
não deixe que ele entre na casa até eu sair de lá, está bem? Por favor! - eu dizia completamente
angustiada.

__ Calma, Eva! Eu não entendo por que você está agindo assim.

__ Realmente não posso explicar nada agora. Pegue a minha filha, coloque-a no carro e depois
afaste o seu patrão da frente da casa, o senhor entendeu? - eu corri puxando as mãos da Beth.

__ Querida, por que você está tão nervosa? - ela me perguntou enquanto entrávamos na casa.

__ O Lucca e eu namoramos há alguns anos.

__ Sério? Que mundo pequeno! E por que esse medo todo de vê-lo?

__ Porque eu o deixei.

__ E daí?

__ Daí que eu simplesmente sumi sem nenhuma despedida. Ele deve me odiar. Ele não pode me
ver. Por favor, Beth, me ajude!

__ Acalme-se! Vamos pensar em alguma coisa.

__ Poxa, eu já estava fazendo planos de morar aqui. Esse emprego seria perfeito pra mim. Eu
não tenho como criar uma filha especial ganhando tão pouco em Belo Horizonte e morando de favor.
No início, eu achei que o haras ainda fosse do pai do Felipe. Quando eu soube que ele o havia
vendido, jamais passou pela minha cabeça que o novo proprietário pudesse ser o Lucca. - eu
explicava para ela enquanto pegava as minhas malas.

__ Vamos levar suas coisas para o primeiro andar, Eva! Se sairmos agora, você corre o risco de
esbarrar com ele.

__ E então, garotinha? Você não fala?

"Eu olhava pra ele enquanto segurava o livro que aquela senhora havia me dado. Ele tinha
uma tatuagem no braço bem legal."
__ O nome da minha cadela é Luna. É uma Golden Retriever de dois anos. Ela é bem dócil.

"Acariciei a Luna. Ela era muito bonita e cheirava bem."

__ Venha! É bom entrarmos. Está começando a fazer frio aqui fora. Vamos procurar seus pais.

__ Inácio, encontrei essa menina sozinha perto do lago. O que ela está fazendo aqui?

__ Ela é a filha de uma moça que veio se candidatar ao cargo de veterinária, mas ela não vai
trabalhar conosco. Não daria certo. Pode deixar a garota comigo, Sr. Lucca. Ah, o senhor poderia ir
lá na baia do Apolo? Acho que ele está com uma das patas machucadas.

__ Uma veterinária com uma garotinha morando aqui nesse fim de mundo? Não daria certo
mesmo! Bom, daqui a pouco eu vejo o Apolo. Antes preciso tomar um banho e comer alguma coisa.

__ Ah, o Damião quer falar com o senhor! Parece muito importante.

__ Falo com ele amanhã, ok? Estou muito cansado.

__ Acho que o senhor deveria vê-lo agora. Ele está no redondel.

__ O que diabos deu em você, Inácio? Saia da minha frente! Até parece que você não quer eu
entre em minha casa. Leve a menina para a mãe. Despache as duas daqui e deixe-me descansar um
pouco.

__ Sim senhor.

__ Ah, meu Deus! Ele está entrando na casa. O que faremos, Beth?

Ele entrou na sala, sentou no sofá e se livrou do tênis. Em seguida, tirou sua camisa deixando
seu tórax à mostra. Eu olhava pra ele do primeiro andar, escondida. Ele estava tão diferente. Parecia
bem mais musculoso e agora tinha uma tatuagem no braço e uma bem maior nas costas. Ele estava
mais moreno e seu cabelo mais crescido. Em seu rosto, havia uma barba muito bonita que
anteriormente ele retirava com frequência. Seu olhar expressava dor e solidão. Ele estava ainda mais
atraente do que da última vez em que o vi.
__ Já sei! Vamos! Você vai pular pela janela. Não é muito alto! Vou jogar suas malas! - Beth
disse baixinho.

__ Ok!

Eu olhei pra ele pela última vez e fui para o quarto onde estavam as minhas coisas. A Beth
trancou a porta, abriu a janela e ligou para o marido.

__ A menina já está no carro?

__ Está sim! Agora vocês precisam sair daí.

__ A moça vai pular pela janela do último quarto dos fundos. Deixe a garota aí e venha nos
ajudar. Já jogamos as malas.

__ Entendido.

__ Pronto! Sente-se aqui, Eva. O Inácio vai pegar você.

__ Muito obrigada, Beth! - eu a abracei com carinho.

__ Vá em paz, querida!

Eu tomei coragem e pulei. O Sr. Inácio me ajudou amortecendo o meu impacto na queda. Ele
pegou as minhas malas e começamos a caminhar rapidamente. Eu precisava sair logo dali. Ao erguer
meu rosto e olhar para frente, meu coração disparou e minhas pernas tremeram. O Lucca estava
parado ao lado de meu carro, segurando o meu violão. Fiquei paralisada de ansiedade e medo. Ele
veio andando em nossa direção.

__ O que porra você está fazendo aqui? - ele gritou enfurecido.

Eu não sabia o que dizer. Tentei, a todo custo, conter minha emoção.

__ Fale alguma coisa, droga! Você é muda igual a sua filha?

__ Não se atreva a falar nada sobre a minha filha! Já estamos indo embora daqui!

Enquanto segurava o violão com uma das mãos, ele agarrou o meu braço com a outra.

__ Você não vai embora antes de me dizer o que diabos está fazendo aqui, Eva Martins! - ele me
puxou.

__ Solte meu braço!

__ Responda a minha pergunta!

__ Eu vim para assumir o cargo de veterinária. Não sabia que você era o dono dessas terras.
Agora, deixe-me ir!

__ Interessante! Quando vi esse violão no meu sofá, a primeira coisa que percebi nele foi a sigla
"SB - Sonic Beat". Se não tivesse visto o maldito instrumento, você sairia daqui fugida, se
escondendo, como a covarde que você sempre foi, não é Eva?

__ Por favor, me deixe em paz!

__ A maneira como você foi embora, sem se despedir, deixando apenas aquele bilhete idiota foi
ridículo! Eu esperava bem mais de você, sua desgraçada traidora!

Ele me fuzilava com seu olhar. Um olhar que transbordava ódio.

__ Eu sinto muito!

__ Você sente muito? - ele apertou ainda mais o meu braço e eu comecei a chorar.

__ Droga! Solte-me! Você está me machucando!

__ Pare agora, Sr. Lucca! - Beth apareceu ao nosso lado. - O senhor será capaz de machucar
essa moça na frente da filha?

__ Não se meta nessa história, Beth! Vocês dois saiam já daqui! Isso é assunto nosso!

__ Lucca, largue meu braço! Deixe-me ir! - eu continuava chorando.

Naquele instante, a Bia veio para perto de nós e o empurrou. Ela tinha começado a ter uma de
suas crises nervosas.

"Solte a minha mãe, seu babaca!

Ele me saltou e empurrou o violão contra mim. Eu o segurei e em seguida abracei a minha filha.
__ Calma, querida! Nós já vamos embora, está bem? - eu disse ao limpar seus olhinhos
chorosos.

__ Suma daqui, sua maldita! - ele esbravejou.

__ Acalme-se, meu anjo! A mamãe está aqui! - eu tentava consolá-la quando nem eu mesma
conseguia conter minha própria emoção.

__ Vamos, Eva! Você e a sua filha vão ficar em nossa casa até as duas se acalmarem. - Beth
asseverou.

__ Não! Nós precisamos sair daqui agora mesmo.

__ Vocês duas não vão embora nesse estado, de jeito nenhum! Venham comigo! Já está
anoitecendo! Vocês são nossas convidadas, não é Inácio?

__ Com certeza, meu bem!

Eu, a Beth e a Bia nos afastamos.

__ Sr. Lucca, eu não sei o que aconteceu entre vocês dois, mas deixe-me dizer uma coisa.

__ Não se meta nisso, Inácio!

__ Essa moça é muito competente. Ela fez veterinária no Canadá e trabalhou com cavalos na
Austrália. Veja o currículo dela.

__ Não quero ver porra de currículo nenhum!

__ A Eva é uma mulher viúva com uma filha autista, sem trabalho e sem lugar pra morar. Ela
precisa deste emprego, Sr. Lucca!

__ Você está maluco se acha que eu vou empregá-la aqui!

__ Pense bem! Em quinze minutos de conversa eu pude perceber o quanto ela entende de
cavalos. Por que o senhor não esquece essa desavença do passado e deixa essa moça cuidar dos
animais? Estamos sem veterinário e é difícil arranjar alguém que queira ficar responsável por um
plantel tão grande e ainda morar aqui durante a semana. O senhor precisa de um bom profissional, e
ela e a menina precisam de um lugar pra viver. Elas podem morar comigo e com a Beth.

__ Inácio, vá embora! Deixe-me sozinho.

__ Se eu fosse o senhor, eu iria pedir desculpas àquela garotinha. A Bia ficou muito assustada
com o que viu. Ela perdeu o pai há poucos meses e mudou de país. O senhor poderia ser um pouco
menos desalmado.

Coloquei a minha filha para dormir. Ela ficou muito nervosa e demorou um tempo considerável
para se acalmar e pegar no sono. Eu também estava uma pilha de nervos. Nunca imaginei que
pudesse encontrar o Lucca logo aqui. Deixei o quarto e fui para a cozinha. Encontrei o Sr. Inácio e a
Beth.

__ Ela finalmente conseguiu dormir.

__ Que bom! E você está melhor, querida?- Beth me perguntou.

__ Estou com muita dor de cabeça, mas nada que uma boa noite de sono não resolva.

__ Eva, eu já vou me recolher. Amanhã o trabalho começa cedo. Você a sua filha podem ficar
aqui conosco pelo tempo que for necessário. - Inácio me abraçou.

__ Muito obrigada, mas pretendo partir assim que conseguir dormir algumas horas.

__ Aqui é um bom lugar para trabalhar, querida!

__ Eu sei, Sr. Inácio! Mas não há a menor possibilidade de seu chefe e eu convivermos.

__ Desculpe a intromissão, mas eu posso saber o porquê disso?

__ Eu e o Lucca namoramos há alguns anos. Eu o deixei e fui para a Austrália com o Alexandre,
o pai da Bia. Ele tem razão para me odiar. Por isso, partiremos assim que amanhecer.

__ É uma pena! Nós adoraríamos vê-la trabalhando aqui conosco. Gostamos muito de você e da
garotinha. - Beth falou com tristeza.

__ Muito obrigada pela acolhida. Vocês foram tão bondosos com a gente! Até amanhã! - eu disse
ao tomar um copo de água e me dirigir ao quarto.
Tentei dormir, mas não conseguia. Comecei a chorar. Não queria que minha filha acordasse e me
visse daquele jeito. Levantei-me da cama e fui para o terraço. Peguei meu celular, liguei a lanterna
que havia nele e caminhei até o galpão. Fiquei com pena do animal que estava com a pata ferida.
Abri uma porta que ficava aos fundos e liguei a luz. Encontrei tudo de que precisava para fazer um
curativo no cavalo.

__ O Sr. Inácio me disse que você se chama Apolo. É um nome muito bonito! - eu disse com
lágrimas nos olhos. - Desculpe-me por não estar sendo uma boa companhia nesse momento.

Enquanto cuidava do lindo animal, me lembrei do Lucca me olhando com ódio. Eu nunca fui
capaz de esquecê-lo e de me perdoar pelo que eu fiz, embora tivesse fortes motivos para ter agido
daquela forma. Mas ele tinha razão: eu fui uma grande covarde! Agora só me restava deixar este
lugar o quanto antes.

Trechos da música “Behind These Hazel Eyes” - Kelly Clarkson


(OBS.: na ficção, composta por Lucca Baroni)

Parece que foi ontem


Você era parte de mim
Eu era tão imponente
Eu era tão forte
Seus braços me segurando firme
Tudo parecia tão certo
Inquebrável, como se nada pudesse dar errado
Agora não consigo respirar
Não, não consigo dormir
Eu mal posso seguir em frente
Estou rasgado em pedaços
Achei que você era a pessoa certa para mim
Mas você não verá as lágrimas que vou chorar
Não, não choro mais por aí
Nunca mais
Capítulo 2

Lucca
Ao terminar minha conversa com o Inácio, fui para o galpão, entrei na baia de Apolo e me sentei
perto dele. Ali, me recordei com tristeza da tarde em que, anos atrás, cheguei ao meu apartamento no
Rio e li um bilhete que a Eva havia deixado em cima de nossa cama.

Lucca, eu conheci outro homem e acabei me envolvendo. Não tive coragem de encarar você
para dizer o quanto sinto por isso. Eu queria que tivesse durado para sempre, mas a gente não
escolhe por quem se apaixonar. Seja feliz, querido! Torço para que a banda continue fazendo
muito sucesso. Diga aos rapazes que lamento muito. Adeus.

Os acontecimentos dos últimos anos haviam acabado com qualquer resquício de sensibilidade
em meu coração. Eu era, de fato, um homem de gelo, que nem mesmo conseguia mais chorar. Os
únicos sentimentos que nutria dentro de mim eram amargura, ódio e raiva. Meu coração parecia ter
sido congelado com tanta dor e desilusão.

Após passar um tempo com o meu cavalo, eu fui para casa. Estava exausto. Tomei um banho,
alimentei a Luna, fiz um sanduíche e caí na cama. A minha vontade era de dormir para nunca mais
acordar. A grande merda era que eu não conseguia adormecer. Ver aquela mulher em minha
propriedade tinha sido surpreendente. Nunca imaginei que pudesse voltar a encontrar, logo ali, a
única mulher que eu amei em minha vida.

Ela parecia ter jogado um feitiço em mim desde o momento em que apareceu para fazer o teste
com a banda. Nunca havia me esquecido daquele dia e agora aquelas recordações pareciam ainda
mais vívidas em minha mente.

Lembro-me de que, na ocasião, tocamos com vários caras diferentes para testá-los. Nenhum
deles tinha o mesmo talento que o nosso amigo Vitor. As drogas tinham tirado a vida de mais um
jovem, que se foi cedo demais. Ele perdeu a dura batalha em sua luta para se livrar daquele vício
medonho.

O Vinicius e o Vitor eram muito unidos, inclusive nas drogas. Os demais integrantes do grupo
eram "caretas", como eles mesmos gostavam de nos chamar. Estávamos prestes a começar a gravação
de nosso segundo CD quando o Vitor foi encontrado morto na casa de seus pais.
Assim que o nosso amigo morreu de overdose, aos 24 anos, o Vini se internou em uma clínica de
recuperação. Paramos tudo por três meses e meio. Pensamos em acabar com a banda, mas os nossos
fãs nos deram muito apoio para continuarmos.

Após as primeiras semanas de luto, a gravadora começou a fazer pressão para retomarmos o
trabalho e gravarmos o novo álbum. Tínhamos que achar um substituto o quanto antes. Espalhamos
notas nos jornais e rádios anunciando os testes para seleção do novo guitarrista e vocalista, e
marcamos uma tarde inteira para avaliarmos os candidatos.

Dentre os vários músicos que apareceram hoje, o último se destacou. Gostamos dele de
imediato e tocamos algumas músicas juntos. Quando terminarmos, estávamos esgotados. Passamos a
tarde inteira tocando. Comecei a guardar a minha guitarra já imaginando que o Jaime iria se encaixar
perfeitamente conosco. Ele tinha acabado de ir embora, feliz pelo seu excelente desempenho.
Naquele instante, eu ouvi uma voz feminina atrás de mim. Parecia a voz de um anjo.

__ Desculpem o atraso! Vim o mais rápido que eu pude. Ainda posso fazer o teste?

Quando me virei, vi aquela linda moça de profundos olhos castanhos em minha frente. Fiquei
hipnotizado em seu olhar. Ela segurava uma guitarra e carregava uma bolsa enorme nos ombros.

__ Oi. Qual o seu nome? - Felipe perguntou.

__ Eu me chamo Eva. Prazer em conhecê-los. Cheguei do Canadá há poucas semanas e soube


da Sonic Beat através de um colega. Sinto muito pelo amigo de vocês. Deve estar sendo uma perda
muito difícil.

__ Olá, Eva! Prazer em conhecê-la! - ele já foi logo bancando o bom moço.

Todos a cumprimentaram. Eu continuei guardando minhas coisas.

__ E então, eu ainda posso fazer o teste? Eu vim do centro da cidade. Saí correndo do Pet
Shop onde trabalho. Foi uma loucura chegar até aqui com esse trânsito terrível. - ela falava já tirando
a guitarra de seu case.

__ É uma pena, mas já finalizamos o processo de seleção. Um cara já foi escolhido. - eu fui
enfático.
__ Deixe-me apenas me apresentar! Poxa, eu queria muito fazer o teste. - ela olhou pra mim
como se implorasse para ser ouvida.

__ Como eu já disse, os testes já acabaram! Além do mais, não precisamos de uma garota na
banda. - eu ri com ironia.

__ Qual é, Lucca? Que mal há em ouvirmos a moça? - Giovane também tentava ser educado.

__ Vocês estão brincando comigo, não é? Passamos a tarde inteira aqui. Estou exausto e morto
de fome. Não vou perder meu tempo fazendo teste com essa mulher.

__ O que você tem contra as mulheres? - ela me olhou furiosa. - Garanto a você que posso tocar
e cantar melhor do que qualquer homem!

__ Você é muito bonitinha, Eva, mas tenho certeza de que você não toca porra nenhuma! - eu
sorri mais uma vez em tom de deboche.

__ Eu vim de longe para fazer o teste e vou fazê-lo! - ela colocou sua guitarra nos ombros.

__ Você não vai fazer teste nenhum! Vê se você se enxerga! Vá pra casa. Você deve saber
cozinhar muito bem.

__ Você é um grande babaca, sabia?

Os caras sorriram. Eles adoravam ver alguém me enfrentando, não importava quem fosse.

__ E você é uma mulherzinha chata pra caralho e muito sem noção. Você mal deve tirar alguns
acordes nessa sua guitarra.

__ Olha aqui, seu grosso, eu toco cinco instrumentos! Você quer que eu faça teste para qual
deles?

Todos olharam pra ela com espanto.

__ Você toca tudo isso, Eva? - Vinícius se surpreendeu. - Você é musicista?

__ Não. Eu acabei de me formar em Medicina Veterinária, mas eu toco desde criança. Toco
violão, guitarra, teclado, piano e violino.
__ Sério? - Felipe sorriu empolgado. - Queremos muito vê-la tocar, não é pessoal?

__ Plugue sua guitarra nesse amplificador à sua direita, Eva! Vamos fazer seu teste. - Giovane
falou enquanto ligava o contrabaixo novamente.

__ Obrigada! - ela disse sorrindo enquanto olhava para mim com desdém.

__ Vocês estão malucos? Já achamos o cara de que precisávamos! Vocês vão mesmo perder
tempo com essa garota?

__ Lucca, meu velho! Se não quiser tocar com a gente, senta aí e cala a boca! Ela vai fazer o
teste sim. - Vinícius se posicionou em sua bateria.

Eu saí bufando da frente deles e me sentei do outro lado do estúdio.

__ Eva, você quer tocar o quê? - Felipe perguntou enquanto fazia algumas configurações no
teclado.

__ Eu toco de tudo. O que vocês preferem?

"Essa garota está se achando. Quem ela pensa que é? Que garota exibida!"

__ Você escolhe. Fica a seu critério - Giovane falou.

__ Ok. Podemos fazer umas músicas com vocais femininos? Que tal começarmos com "I Love
Rock N Roll", dos Blackhearts e Joan Jett?

__ Excelente escolha! - Vinícius se animou.

Ela começou a tocar. Os caras ficam abobalhados olhando pra ela. A danada era boa. Fiquei
muito puto. Achei que era só um rostinho bonito, mas ela tocava pra caralho. Ela tinha carisma e
esbanjava segurança. Quando achei que não pudesse ficar melhor, ela começou a cantar e sua bela
voz me golpeou com força.

Singing, I love rock and roll


Eu amo rock n' roll

So put another dime in the jukebox, baby


Então bote outra moeda na máquina de discos, querido
I love rock and roll
Eu amo rock and roll

So come and take your time and dance with me


Então venha, arranje tempo e dance comigo

Ao final da música, os caras vibraram.

__ Ficou show, Eva! Você arrasa, garota! Seu sotaque é ótimo! - Felipe dizia animado.

__ Incrível! Parabéns! Você disse que veio do Canadá, Eva? - Giovane se mostrava interessado.

__ Obrigada, gente! Sim, eu sou paulistana, mas fui morar em Quebec quando tinha 12 anos.
Assim que me graduei em veterinária, eu me mudei aqui para o Rio.

__ E você fala quantas línguas? - Felipe a questionou curioso.

__ Francês, inglês e espanhol.

__ Ual! Você parece ser bem inteligente, Eva! Bom, qual vai ser a próxima música? - Vinícius
perguntou.

__ Podemos fazer um som mais pop agora? Talvez vocês não conheçam essa música, mas
certamente saberão tocar. Vamos começar em Si bemol. A batida da música é bem empolgante. Tem
uma mistura de rock e country music. Vejam.

Ela voltou a tocar sua guitarra. A bateria a acompanhou. Eu conhecia a maldita música. O que
ela estava pretendendo ao cantar aquela canção? Queria sensualizar? Que mulherzinha manipuladora.
Ela sabia jogar muito bem.

Let's go, girls! Come on!


Vamos lá, garotas! Vamos lá!

Os caras também reconheceram a música. O som estava ótimo. A banda parecia bem entrosada,
mesmo sendo um simples ensaio. Todos estavam adorando. Aquela garota estava encantando os
idiotas. Mas, puta que pariu! Ela arrasava! Não conseguia desviar meus olhos daquela mulher como
se ele houvesse um imã me puxando em sua direção.

I'm going out tonight


Eu vou sair esta noite

I'm feelin' alright


Estou me sentindo bem

Gonna let it all hang out


Vou ficar totalmente relaxada

Wanna make some noise, really raise my voice


Quero fazer um pouco de barulho, realmente levantar minha voz

Yeah, I wanna scream and shout


Sim, eu quero gritar e berrar

No inhibitions, make no conditions


Sem inibições, não faço condições

Get a little outta line


Sair um pouquinho fora da linha

I ain't gonna act politically correct


Eu não vou ser politicamente correta

I only wanna have a good time


Eu só quero me divertir

The best thing about being a woman


A melhor coisa a respeito de ser uma mulher

Is the prerogative to have a little fun and


É a prerrogativa de ter um pouquinho de diversão e

Oh, go totally crazy, forget I'm a lady


Oh, enlouquecer totalmente, esquecer que sou uma dama

Men's shirts, short skirts


Camisa de homem, saias curtas

Oh, really go wild, yeah, doin' it in style


Oh, realmente ficar desvairada, sim, fazendo isso com estilo

Oh, get in the action, feel the attraction


Oh, entrar em ação, sentir a atração
Color my hair, do what I dare
Pintar meu cabelo, fazer aquilo que ousar

Oh, oh, oh, I wanna be free, yeah, to feel the way I feel
Oh, eu quero ser livre, sim, para sentir o que eu sinto

Man! I feel like a woman


Cara! Eu me sinto como uma mulher

The girls need a break


As garotas precisam de um tempo

Tonight we're gonna take


Esta noite vamos aproveitar

We don't need romance


Nós não precisamos de romance

We only wanna dance


Nós só queremos dançar

We're gonna let our hair hang down


Nós vamos deixar nosso cabelo solto

Oh, I wanna be free, yeah, to feel the way I feel


Oh, eu quero ser livre, sim, para sentir o que eu sinto

Man! I feel like a woman


Cara! Eu me sinto como uma mulher

Que solo de guitarra incrível! Ela estava dominando o ambiente. A garota tinha um carisma
intimidador e uma sensualidade natural. Estava vestida com calças jeans e blusa baby-look branca.
Devia mesmo ter vindo direto do trabalho. Estava sem maquiagem e seus cabelos castanhos ficavam
lindos quando ela se movimentava. Aliás, ela e sua guitarra se moviam numa harmonia perfeita. Ela
tinha uma forma linda e lasciva de tocar. Será mesmo que a filha da mãe tocava cinco instrumentos?
Eu estava fascinado com o que via e ouvia.

Oh, I wanna be free, yeah, to feel the way I feel


Oh, eu quero ser livre, sim, para sentir o que eu sinto

Man! I feel like a woman


Cara! Eu me sinto como uma mulher
I get totally crazy
Eu fico completamente louca

Can you feel it


Você consegue sentir isso?

Come, come, come on, baby


Venha, venha, vamos lá, querido

I feel like a woman


Eu me sinto como uma mulher

Ao término da música, os caras sorriram empolgados.

__ Bom demais! Você toca e canta muito, Eva! - Vinícius falou.

__ Vocês gostaram mesmo, gente?

__ Se gostamos? Nós adoramos! Por mim, você já faz parte da Sonic Beat! - Giovane disse com
animação.

__ Ei, calma aí! A pessoa selecionada se chama Jaime Vasques! - eu me intrometi na conversa e
ela me observou com um olhar de poucos amigos.

__ Você tá maluco, Lucca? Já pensou no impacto que uma mulher na banda pode causar entre os
nossos fãs? A Eva toca pra cacete! Você viu! Isto aqui é uma democracia. Eu voto na Eva! - Felipe
falava enquanto desligava o teclado.

__ Não! Ela não fica! - eu contestei.

__ Ei, o que você tem contra mim? - ela me encarou. - Como é mesmo o seu nome?

"Que garota atrevida! Ela estava querendo mesmo me tirar do sério. Quem não conhecia meu
nome no Rio de Janeiro?"

__ Não tenho nada contra você, lindinha! Você toca e canta divinamente, mas já selecionamos a
pessoa que vai dividir os vocais e as guitarras comigo. Não insista! Vá embora! Ah, e o meu nome é
Lucca Baroni.
__ Bom, rapazes, vocês acham que eu devo ir embora como o Lucca Baroni quer? - ela falou
enquanto guardava seu instrumento.

__ Deve sim, Eva! Você deve ir pra casa e voltar amanhã à tarde para o início dos ensaios.
Temos um CD para gravar e vários shows para fazer! - Giovane falava me encarando.

__ Qual é, galera? Vocês ficaram doidos?

__ Lucca, você pode ser a porra da estrela dessa banda, mas nenhuma decisão é tomada de
forma unilateral. A Eva foi a escolhida pela maioria. Esqueça o tal Jaime. Ele é ótimo, mas a Eva
tem mil vezes mais carisma e domínio de palco do que ele. - Vinícius foi incisivo.

__ Ok, eu não vou insistir! Vocês estão pensando com cabeça de baixo e depois vão se
arrepender. O que vocês querem mesmo é levá-la pra cama! E, você, garota, veio com a intenção de
seduzir a macharada inteira, não foi?

__ Ei, seu arrogante desgraçado! Eu exijo respeito! - ela veio em minha direção com raiva, mas
o Felipe a segurou no meio do caminho.

__ Você acha que eles ficaram loucos apenas pelo seu talento? Claro que não! Você veio muito
mal intencionada para impressionar todos os caras aqui. Você é uma manipuladora das melhores,
viu? Diria até que você é uma vadiazinha com cara de anjo! - eu olhei pra ela sorrindo com desprezo.

__ Alguém já lhe disse que você é um grande filho da mãe prepotente e mal educado? - ela
continuou me encarando com fúria, enquanto o Felipe a impedia de partir pra cima da mim. - Eu não
sou nenhuma vadia, seu imbecil! Vim porque amo tocar e cantar, e porque preciso fazer um extra com
a banda. Eu não quero seduzir ninguém! Eu tenho namorado! - ela dizia com muita raiva.

__ Peça desculpas, Lucca! Você a ofendeu. - Giovane foi enfático.

__ O caralho que eu vou pedir desculpas a essa garota! - peguei minha guitarra e sumi dali
possesso de raiva, não antes de encará-la mais uma vez. Ela me causava uma sensação estranha. Eu
mal a conhecia e já a odiava.

Tive uma noite péssima. A presença daquela mulher ali estava me angustiando. Não pude deixar
de perceber o quanto ela continuava bonita. O passar dos anos pareciam tê-la deixado mais sexy.
Seus cabelos castanhos pareciam alguns tons mais claros. Seu rosto estava mais fino. Ela tinha
perdido aquele ar juvenil e se tornado uma bela mulher. Quando a vi ontem, meus nervos ferveram de
raiva. Eu entreguei meu coração para aquela maldita e ela me abandonou, como se estivesse largando
uma roupa que não lhe servia mais.

Ao sair, vi que o carro dela ainda estava estacionado em frente à minha casa. Queria que aquela
mulher sumisse dali levando a garotinha problemática o mais rápido possível. Resolvi dar uma
olhada no Apolo. Ontem, a pata dele estava ferida. Eu precisava buscar um veterinário na capital ou
em alguma fazenda nas redondezas.

Assim que entrei no galpão, vi o Inácio se aproximando. Ele me cumprimentou.

__ Bom dia, Sr. Lucca!

__ Bom dia! Inácio, eu quero aquela mulher e a filha fora daqui o mais rápido possível. Você
entendeu?

__ Entendi sim, mas acho que o senhor está cometendo um grande erro.

__ Não me venha com esse papo de novo.

__ Ontem, ela e a garota foram dormir, apertadas, naquela cama de solteiro que temos no quarto
de hóspedes. Um pouco antes de eu ir deitar, vi quando a Eva saiu do quarto e veio até a baia do
Apolo para tratar o ferimento dele.

Nesse momento, eu olhei para a pata do cavalo e percebi que estava enfaixada.

__ E você acha que por ela ter cuidado do Apolo eu vou deixá-la ficar?

__ Elas não têm para onde ir, Sr. Lucca! O pai da garotinha morreu. A moça não tem nenhum
parente vivo. Ela não tem ninguém e ainda precisa sustentar uma criança com necessidades especiais.

__ Ela falou o nome do pai da menina?

__ O falecido se chamava Alexandre.

"Quer dizer que o tal homem que ela se dizia apaixonada era o ex-namoradinho! Aquela
maldita traidora!"
Eu continuava conversando com meu empregado quando vi aquela mulher entrar de maneira
afobada. Ela me encarou e, em seguida, desviou o olhar.

__ A Bia está por aqui, Sr. Inácio? Não consigo encontrá-la!

__ Eu só a vi hoje cedo, com a Beth, antes de você acordar.

__ Ela sumiu! - ela falou com angústia. - Ah, meu Deus! Aonde será que ela foi?

__ Calma, Eva! Nós vamos encontrar a menina. - ele tentava acalmá-la.

__ Por acaso o senhor pegou a chave que estava na ignição? Tenho absoluta certeza de tê-la
deixado no carro. Fui lá agora há pouco e não a vi.

__ Eu não a peguei. Venha comigo! Vamos achar sua filha e depois procuramos a chave.

Uma hora depois, a criança ainda não havia aparecido. Eu dei ordens para que todos os meus
funcionários começassem a procurá-la. A minha cadela também havia sumido e imaginei que talvez
as duas pudessem estar juntas. Mantinha certa distância da Eva, mas não pude deixar de observar o
seu desespero, encostada ao carro.

__ Oh, meu Deus! Onde será que ela está, Beth? - ela levou as mãos ao rosto com aflição.

__ Você precisa ficar calma, querida!

Instantes depois, o Inácio liga pra mim.

__ Sr. Lucca, achamos a garota aqui perto do rio! Ela não quer vir comigo. O que eu faço?

__ Fique de olho nela até eu chegar! - desliguei o telefone.

Eu me aproximei da Eva e comuniquei que o Inácio havia localizado a menina.

__ Eu vou com você! - ela disse ainda muito angustiada.

__ Você fica aqui! Trate de achar a maldita chave! Assim que eu voltar com a garota, quero que
vocês sumam daqui imediatamente.
__ É isso que pretendo fazer o mais rápido que eu puder.

Selei um dos meus cavalos e desci até o rio. Ao chegar, vi que a menina ainda estava de pijamas
e segurava um livro nas mãos. A Luna estava parada ao seu lado. Parecia até que a minha cadela
estava de vigília, como se a estivesse protegendo.

__ Eu tentei falar com ela. Já tentei de tudo para tirá-la dali.

__ Inácio, suba e vá procurar a chave do carro. Eu levo a menina comigo em poucos minutos.

__ Sim senhor.

Eu saltei do cavalo. Desci alguns metros rumo à margem do rio. Ela e a Luna estavam dentro de
minha velha canoa, embaixo da sombra de uma árvore. Eu me aproximei.

__ Bom trabalho, garota! Você fez bem em ficar de olho na Bia! - olhei para a criança, que
continuava ignorando a minha presença ali.

__ Sua mãe está procurando por você. Ela está muito preocupada. Temos que ir agora, está bem?

Ela me olhou, negou com a cabeça e voltou-se para o livro. Se ela não quisesse ir por bem,
pegaria aquela menina esquisita e a jogaria em cima de meu cavalo. Minha responsabilidade era
entregá-la para a mãe, não importava a forma que fosse.

__ Escute: eu não quis amedrontá-la ontem. Estava muito nervoso e por isso agi daquela forma.

Ela continuava me ignorando.

__ A sua mãe está esperando por você. Vocês precisam pegar estrada.

A menina permanecia em silêncio. Aquilo estava me enervando.

__ Você não quer ir embora daqui com a sua mãe?

Ela confirmou que não queria.

__ Você não quer ir? - eu a questionei novamente.

"Não!"
__ Então, se eu prometer que você não vai embora, você sobe comigo para tomarmos um belo
café da manhã? Posso levar você no meu cavalo. O nome dele é Cometa. A Luna vai seguindo a
gente. Você quer andar de cavalo comigo?

"Sim."

Ela me encarou por alguns segundos e levantou-se da canoa.

__ Então, vamos! - eu segurei sua mão para tirá-la dali.

Coloquei a menina em cima do Cometa e o montei. Não entendia o porquê de ela não querer ir.
O que eu faria agora? Eu tinha que fazê-la entrar no carro com a mãe. Mentir para uma criança soava
meio cruel, mas era isso que tinha que fazer. As duas precisavam deixar a minha propriedade.

Ao chegarmos, a Eva veio até nós. Eu tirei a menina de cima do cavalo e a passei para os
braços da mãe.

__ Filha, você quase ma matou de susto! Por que você saiu andando para longe, meu anjo?
Nunca mais faça isso, está bem?

__ A Luna deve tê-la seguido quando a viu se afastar. As duas estavam juntas. - eu falei.

__ Obrigada. - Eva me olhou. – Venha! Vamos trocar de roupa para irmos.

"Não!"

A menina se agitou. Ela se afastou da mãe e veio em minha direção com cara de choro.

__ Ela não quer ir! Só consegui trazê-la porque prometi que ela não iria embora.

__ Como assim você não quer ir? Você vai comigo, Bia! Nós vamos voltar a morar com a Júlia.

Ela continuou muito nervosa, e em seguida, agarrou-se à minha cintura. A Beth e o Inácio me
olhavam com cara de espanto.

__ Ela não quer ir agora! Além do mais, eu aposto que a chave do seu carro continua perdida.
Vocês duas vão ficar por algum tempo. Se a chave não aparecer, peço para o Inácio levá-las em
minha caminhonete amanhã cedo.
__ Venha, filha! Vamos comer alguma coisa.

"Não!"

Ela se recusou a me largar.

A Eva parecia desnorteada com a situação. Eu não estava entendendo por que a menina agia
daquela forma. A Eva se afastou de nós. O Inácio e a Beth a seguiram. Eu fiquei sozinho com a
criança.

__ Ei, pare de chorar! Fique tranquila! Você não vai embora!

A garota se acalmou mais.

__ Você escondeu a chave do carro da sua mãe, não foi?

"Joguei no rio."

Ela confirmou, meneando a cabeça.

__ Então, você não quer mesmo ir?

"Eu não quero ir embora!"

__ Certo! Agora vamos comer alguma coisa. A Luna vai ficar com você, está bem? Pare de
chorar.

Levei a menina para perto da mãe. Ela ainda parecia angustiada com aquela situação.

__ Eu preciso falar com você!

__ Não temos nada a falar, Lucca!

__ É importante! Vamos lá fora!

Após outra negativa e depois de eu insistir mais uma vez, ela resolveu me acompanhar até o
terraço.

__ Eu preciso saber a razão da garota não querer ir. Por acaso ela sofre algum tipo de abuso?
Você bate nela? O pai batia nela? Não vou permitir que uma criança tão pequena sofra maus tratos.
__ Você perdeu o juízo, seu miserável? Quem você pensa que é para colocar em xeque os
cuidados que eu tenho com a minha filha? Nós nunca encostamos um só dedo nela. - Eva respondeu
com muita raiva.

__ Então, por que ela não fala? Por que ela não quer ir? Aliás, foi ela quem escondeu a chave do
seu carro.

__ A Bia tem Síndrome de Asperger. Ela já falava pouco, mas deixou de falar completamente
após a morte do pai. Quanto ao sumiço da chave, pode ter certeza de que minha filha não faria isso.

__ Pois ela fez sim! Ela confirmou que escondeu a chave para não ir.

__ Você deve estar louco! Arranje um carro para nos levar daqui. Partiremos em meia hora.
Depois mandarei um reboque pegar o meu carro.

__ Eu prometi à menina que ela não iria hoje. E eu costumo cumprir as minhas promessas, bem
diferente de você! - eu saí rapidamente de perto dela, deixando-a furiosa.

No meio da tarde, eu conversava com o Inácio no redondel, enquanto via o Damião trabalhar
uma de minhas éguas.

__ Eita égua danadiboa, uai!

O Inácio sorriu. Ele adorava ouvir aquele linguajar carregado.

__ A Celeste está indo muito bem, não é Damião?

__ Tá sim! Ela é lindimais! Tem uma boniteza de enchê os zóio, patrão! Achei que ia demorá
mais um cadim de tempo, mas a danada já tá prontinha. Tá mais doce que mulé apaixonada! Ispia só!

Estávamos treinando a Celeste para ampliar nossos animais para as sessões de equoterapia que
fazíamos três vezes por semana. Recebíamos algumas crianças da capital com problemas diversos e
que melhoravam muito com o contato com os cavalos. Para isso, precisávamos de cavalos mansos e
bem treinados.

__ Estava pensando aqui, Sr. Lucca. - Inácio falou. - Colocar a Bia para fazer essas sessões com
as outras crianças seria muito bom pra ela, não é mesmo? O senhor vê como ela fica nervosa e grita
quando está estressada? Ela poderia melhorar muito dessas crises.

__ Você tem razão! Eu também pensei nisso. A menina não quer ir. Ela adorou esse lugar e
adorou a Luna. Não vejo motivo para despachá-la com a mãe. Temos aqui uma boa terapia para o
problema dela. A Eva me disse que ela tem Asperger.

__ Eu nem sabia que essa doença existia.

__ O apropriado é falar em transtorno; não doença! É uma espécie de autismo mais brando.

__ E, então? O que faremos, Sr. Lucca? O senhor decidiu empregar a moça?

__ Sim! Mas que uma coisa fique bem clara, Inácio: você fica responsável por ela e pela
menina. Preciso que você explique todas as regras que eu imponho aqui na minha propriedade. Não
quero ter que falar com aquela mulher mais do que o necessário. Você vai orientá-la em tudo,
estamos entendidos?

__ Claro, Sr. Lucca! Pode deixar comigo.

__ Outra coisa: as duas vão ficar com você e a Beth! Mais tarde, vá lá em casa com dois
funcionários pegarem uma cama de casal de um dos quartos. Leve tudo o que for preciso para elas.
Quero que a menina tenha algum conforto.

__ Que bom que o senhor mudou de ideia. A minha esposa ficará muito feliz em ter a garotinha
por perto e o haras finalmente poderá ter um bom veterinário vivendo aqui. - ele falava. - E a Eva já
sabe que ficará com o emprego?

__ Não! Isso eu também deixo pra você resolver. Vou repetir: quero ter o mínimo de contato com
aquela mulher. Aliás, é bom que você não se esqueça de que ela só vai permanecer aqui porque a
filha não quer ir. Fiquei com dó da criança.

Minutos depois, peguei minha caminhonete e deixei o haras. Tinha que sair dali. Uma companhia
feminina era o que eu mais precisava naquele momento.
Trechos da música “Man! I Feel Like a Woman” - Shania Twain
(OBS.: na ficção, interpretada por Eva Martins)
Capítulo 3

Eva

Após ser informada pelo Sr. Inácio de que o Lucca queria que eu assumisse os cuidados com os
animais do haras e que iria me contratar, fui procurá-lo para negar a oferta de emprego. Aliás, uma
oferta que ele nem mesmo tinha feito diretamente a mim.

__ Beth, eu preciso falar com o Lucca. Não consigo encontrá-lo.

__ Ah, o patrão saiu agora há pouco. Ele não costuma ir para a capital perto de anoitecer. Então,
eu acho que ele foi para Jardim Campo Belo.

__ Você soube que ele quer que eu assuma o cargo de veterinária? O seu marido acabou de me
avisar.

__ Soube sim! Foi uma excelente decisão, querida!

__ Eu sinto muito, Beth, mas eu não pretendo ficar aqui. Cuidarei dos cavalos até a Bia
concordar em voltar comigo sem ser pressionada. Até porque eu ainda preciso encontrar a bendita
chave do carro.

__ Você acha que sua filha pode tê-la escondido?

__ Sinceramente, eu não sei.

__ Por que não vai dar uma volta na propriedade enquanto eu começo a preparar o jantar? A
menina já está mais tranquila. Ela está lendo no terraço junto da Luna. Vá respirar um pouco de ar
fresco, Eva!

__ Farei isso sim! Obrigada por tudo, Beth.

Fui até o galpão. Encontrei um dos funcionários e me dirigi a ele.

__ Oi. Tudo bem?


__ Ôpa! A sinhora é a cuidadora dos bicho, num é?

__ Sou sim! Meu nome é Eva.

__ Desculpi meu modifilá, mas a sinhora é bunita dimais da conta, sô!

Eu sorri. Lembrei-me do certo funcionário com o sotaque engraçado com o Sr. Inácio me falara
ao telefone. Ele era um mineirinho matuto muito simpático.

__ Obrigada! Você deve ser o Damião.

__ Sou sinsinhora!

__ Tem algum cavalo manso aqui para eu montar?

__ A sinhora não prefere muntar amanhã? É que eu já tô indo cascá fora. Meu tempo de sirviço
já terminou e tão esperando por eu.

__ Faça o seguinte: mostre pra mim um bom animal para montaria que eu mesma o preparo.
Quando voltar, deixarei tudo guardadinho.

__ Entaum tá! Mas cuidado com a friagi e cuidado pra não trupicá no chão.

__ Não se preocupe! - eu sorri. - Eu sei montar! Aliás, eu amo fazer isso!

__ Eu tumbém gosdimais de muntar! Vou indo simbora. Tem um tandicoisa esperando por eu lá
em casa. Se não chegar logo minha mulé me mata. Aqui tá o bicho. O nome dele é Valentino. As coisa
dele taum logo ali do lado.

__ Muito obrigada, Damião! Até amanhã!

Minutos depois, saí com o cavalo lentamente, mas logo resolvi que seria bom galopar numa
corrida solta. A última vez em que havia estado ali, eu montei um dos cavalos do Felipe.

“Meu Deus! Como esses anos passaram rápido!”

Quando estive naquelas terras anos atrás, eu nunca pensei que minha vida pudesse mudar tanto.
Jamais imaginei ter que me separar do Lucca e ir viver com o Alexandre em Sidney. Hoje, estar de
volta naquele lugar, fazia com que um filme inteiro passasse pela minha cabeça. As recordações
daqueles dois dias ali voltaram à minha mente, como se tudo tivesse ocorrido ainda ontem.

Estávamos fazendo um show em Belo Horizonte. A Sonic Beat continuava estourada nas rádios
com três músicas. Éramos um sucesso. Ao final da nossa apresentação, o Lucca cantou novamente a
música que ele havia composto pra mim há um ano: “Blank Space”. Fiquei muito emocionada.

Em poucas horas você estará fazendo 24 anos, Eva! Essa é a minha homenagem a você,
meu anjo! Esse último ano ao seu lado foi o melhor de toda a minha vida! Eu te amo! Feliz
aniversário, linda!

Fomos para o hotel logo depois do show e passamos uma noite muito especial juntos. Eu era
louca por aquele homem. No dia seguinte, assim que acordamos, partimos para o haras dos pais do
Felipe. O Sr. Gonçalves e a Dona Suzanna ofereceram o lugar para descansarmos e comemoramos o
meu aniversário enquanto eles viajavam pelo sul do Brasil.

Quando chegamos, eu e o pessoal da banda ficamos encantados com o lugar. Eu era a mais
empolgada porque a minha formação em veterinária me fazia enxergar tudo de forma mágica. Os
cavalos Campolina que o Sr. Gonçalves criava eram lindos e imponentes. Foi a primeira vez em que
eu tive contato com aquela raça de equinos.

Ficamos hospedados na casa principal. Havia seis suítes no primeiro andar e amplas sala e
cozinha na parte de baixo. Assim que entramos, vimos o belíssimo piano da mãe do Felipe. O que
mais me encantou, porém, foi o lindo terraço que circundava toda a casa, de canto a canto, com
várias redes espalhadas.

Recordo-me bem que no sábado à tarde, depois de termos nos instalado e descansado um pouco,
os rapazes foram para a cidadezinha perto dali.

__ Eva, você tem certeza de que não quer ir com a gente? - Lucca perguntou ao me abraçar.

__ Tenho sim, querido! Uma mulher no meio dos homens acaba estragando um pouco a diversão
de vocês. - eu sorri e o beijei. - As meninas dessa cidade vão surtar quando virem os astros da Sonic
Beat por aqui.

__ Voltaremos logo! Vamos conhecer um barzinho bacana aqui perto e aproveitamos para
comprar comida e bebida para a sua festa de aniversário.
__ Vocês vão virar esse bar do avesso! Juízo, hein? - eu brinquei.

Ele sorriu e me beijou.

__ Eu sei bem quem eu vou virar do avesso mais tarde. - ele piscou pra mim. - Até logo, minha
linda! Te amo!

Quando os rapazes partiram, fui dar uma volta no haras e logo decidi passear em um dos
cavalos. Adorava animais, de qualquer raça ou tamanho. Trabalhei com cães e gatos no Pet Shop,
antes da banda estourar no Rio de Janeiro e, logo depois, em todo o país. O que eu imaginei ser um
complemento de renda se tornou a minha profissão exclusiva. Fiz uma grande loucura na época:
larguei o meu trabalho como veterinária e fui viver de música.

Aqueles cavalos despertaram em mim uma paixão especial. Ao terminar minha cavalgada, eu
tomei banho, me arrumei e peguei o meu violão. Estava com uma melodia e uma letra na cabeça já
fazia algum tempo. Sentei-me em um banquinho de pedra perto de um lago que ficava alguns metros à
frente da casa e comecei a tocar, esperando o retorno dos rapazes.

Trouxe meus pensamentos de volta ao presente assim que vi o Lucca entrar no haras em sua
caminhonete. Ele me viu galopando o Valentino. Eu observei que ele trazia uma mulher no banco do
carona. Desacelerei a corrida e resolvi voltar, seguindo o seu carro. Já estava escurecendo e eu
precisava falar rapidamente com o Lucca sobre minha impossibilidade de permanecer como a
veterinária dali. Eu tinha que retornar para a capital com a minha filha, assim que eu a pudesse
convencê-la, sem crises ou birras.

No momento em que ele estacionou o carro, eu vi que uma mulher loira muito bonita o beijou e
sorriu. Segundos depois, parei com o cavalo perto deles.

__ Lucca, eu preciso conversar com você sobre o emprego. Eu o procurei mais cedo, mas você
tinha saído.

__ Agora eu não posso! Procure por mim amanhã à tarde, perto da hora do almoço. É que a noite
promete ser longa! - ele agarrou sua acompanhante na minha frente, o que me deixou bastante
constrangida.

__ Nossa conversa não tomará mais do que dois minutos de seu tempo. Pode ser aqui mesmo. -
eu falei, tentando manter a calma, ainda montada ao cavalo.

__ Não temos o que conversar, Eva! - ele disse ao puxar a mulher para o terraço de sua casa.

__ Ok, Lucca! Você tem razão! Não temos mesmo nada a conversar. Amanhã cedo, partirei com
a minha filha de táxi. - virei o Valentino bruscamente e saí dali o mais rápido que eu pude.

Fiquei triste e furiosa ao vê-lo se agarrando com aquela mulher. O que eu estava pensando,
afinal? Estava com ciúmes dele, depois de todos esses anos? Não podia ter ciúmes de um homem que
não tinha mais nada a ver comigo; de um homem que eu mesma deixei para trás.

Ajeitei o Valentino e guardei as coisas dele. O animal ficou descansando em sua baia, que já
estava com comida e água limpa. Aproveitei para dar uma olhada na pata do Apolo. Já havia
anoitecido. Liguei um das luzes, entrei no quartinho onde ficavam os medicamentos. Queria ver se o
ferimento estava melhorando. Ele era um cavalo especialmente bonito. Tinha um porte muito
imponente, típico da raça Campolina.

Quando terminei de refazer o curativo, notei que alguém se aproximava.

__ Escute bem, Eva: você vai permanecer nesta propriedade! Eu espero já ter sido
suficientemente claro!

__ Quem você pensa que é para me dar ordens, Lucca?

__ Eu sou o seu patrão, querida!

__ Não é mesmo! - eu sorri. - Em nenhum momento você me ofertou esse emprego e em nenhum
momento eu o aceitei.

__ Não se faça de difícil! Sei o quanto precisa deste trabalho. Você vai ficar e ponto final! Pelo
menos até o momento em que a menina não quiser mais permanecer aqui.

__ A Bia só tem 7 anos! Ela não tem idade para ditar regras e fazer escolhas. Amanhã cedo, nós
estaremos partindo.

__ Eva, você não vai embora!

__ Isso é o que veremos!


__ Você não tem onde cair morta! O Inácio me falou que você não tem moradia e que precisa de
uma boa grana para o tratamento da menina. Portanto, deixe seu orgulho de lado e me obedeça. Agora
você é a veterinária responsável por este haras.

__ Sinto muito, mas tenho que recusar sua "delicada" oferta. Partirei amanhã. Nem você nem
ninguém irá me impedir.

__ Você não vai! - ele se aproximou de mim e agarrou o meu braço.

__ Você não manda em mim! - eu me afastei dele e saí do galpão.

Ele me seguiu.

__ Todos aqui têm ordens expressas para não deixar você sair sem meu consentimento. Quando
eu acordar amanhã, você estará trabalhando. Eu fui claro?

__ Você só pode estar maluco! Ninguém aqui tem o direito de me dar ordens, muito menos você!
Vê se amadurece!

__ Você falando de maturidade é no mínimo engraçado. A forma como você me deixou há alguns
anos explicita bem a sua enorme maturidade.

__ Por que você não para de perder tempo revivendo a forma como terminamos e vai logo
começar a sua noite de sexo com a mulher que trouxe pra casa? - eu falei ao continuar andando à sua
frente.

__ Você está com ciúmes, Eva?

Eu parei de caminhar e me virei para ele.

__ Sério, Lucca? Não ma faça rir!

__ Você está morrendo de ciúmes da Isabel!

__ Vai sonhando com isso! - eu procurava manter meu ciúme devidamente camuflado.

__ Tenha uma boa noite, Eva! Você não irá embora daqui! Acate as minhas ordens!

__ Não vou continuar discutindo uma coisa tão óbvia como a minha liberdade de ir e vir, Lucca!
Você não tem qualquer poder sobre mim ou sobre minha filha.

Ele puxou meu braço novamente.

__ Não brinque comigo porque nesse jogo, acredite, eu sairei ganhando. Sabe por quê? Porque
não sou mais aquele jovem idiota que acreditou nas suas juras de amor. Você não tem ideia de quem
está enfrentando agora. Se você partir com a menina, você vai se dar muito mal!

__ Estou morrendo de medo das suas ameaças. Você está louco se acha que pode me intimidar! -
eu falei furiosa.

__ Não se meta à espertinha, Eva! Se fizer isso, você estará brincando com fogo. Agora me
deixe voltar pra casa. Tem uma bela mulher esperando por mim.

“Filho da mãe!”

Depois do jantar, li um pouco para a minha a filha e a coloquei para dormir. Fui dar uma volta.
Minha cabeça doía. Sentei perto do lago, naquele mesmo banquinho de anos atrás, e chorei. Fiquei
ali, envolta a um cobertor, recordando-me de como a minha vida tinha sido difícil e de como ela
nunca parecia melhorar. Voltei a me lembrar daquele dia, no meu aniversário de 24 anos.

Estávamos no terraço da casa. Os rapazes haviam comprado muita comida e bebida e o Lucca
trouxe uma enorme torta de chocolate. Estava sendo uma noite incrível. Conversamos e rimos muito.
O pessoal cantou parabéns pra mim. Eu estava muito feliz.

Algum tempo depois, peguei o meu violão e me sentei perto do Lucca.

__ Pessoal, eu queria mostrar uma música que comecei a compor há poucos dias. Aproveitei
esse climinha do campo e a finalizei um pouco antes de vocês chegarem.

__ A gente vai adorar ouvir! Nós sempre gostamos de suas composições, Eva! - Giovane falou
sorrindo.

__ Não sei! Estou meio envergonhada! Cantar para uma plateia não me assusta tanto como cantar
pra vocês. - eu sorri.

__ Deixa de bobagem, meu anjo! Tenho certeza de que vamos adorar! Pelo menos, eu vou! E é
só a minha opinião que importa neste caso. - Lucca me beijou.

__ Espero que gostem! - eu disse, ainda insegura.

__ Canta logo, Eva! Para de enrolar! - Vinícius falava deitado em um das redes.

Tomei coragem e comecei. O Lucca me olhava com entusiasmo, encostado à parede, com uma
latinha de cerveja nas mãos. Ele estava lindo ali. Esse ano ao lado dele tinha sido incrível.

Somethin' in your eyes makes me wanna lose myself


Alguma coisa nos seus olhos faz com que eu queira me perder

Makes me wanna lose myself in your arms


Faz com que eu queira me perder em seus braços

There's somethin' in your voice makes my heart beat fast


Há algo na sua voz que faz meu coração bater mais forte

Hope this feeling lasts the rest of my life


Espero que este sentimento dure pelo resto de minha vida

If you knew how lonely my life has been


Se você soubesse como minha vida tem sido solitária

And how long I've been so alone


E há quanto tempo estou tão sozinha

And if you knew how I wanted someone to come along


Se você soubesse o quanto eu queria que alguém viesse

And change my life the way you've done


E mudasse minha vida do jeito que você fez

It feels like home to me, it feels like home to me


E eu me sinto em casa, e eu me sinto em casa

It feels like I'm all the way back where I belong


Parece que estou de volta para onde pertenço

A window breaks, down a long, dark street


Uma janela quebra na rua escura

And a siren wails in the night


E uma sirene toca na noite

But I'm alright 'cause I have you here with me


Mas estou bem porque tenho você aqui comigo

And I can almost see through the dark there is light


E quase posso ver que há uma luz em meio à escuridão

Well, if you knew how much this moment means to me


Bem, se você soubesse o quanto este momento significa para mim

And how long I've waited for your touch


E por quanto tempo esperei pelo seu toque

And if you knew how happy you are making me


E se você soubesse como está me fazendo feliz

I never thought that I'd love anyone so much


Nunca pensei que amaria alguém tanto assim

It feels like home to me, it feels like home to me


E eu me sinto em casa, e eu me sinto em casa

It feels like I'm all the way back where I belong


Parece que estou de volta ao lugar de onde pertenço

__ Meus Deus! Que letra linda! O arranjo que você fez ficou perfeito.

Ele puxou o violão de mim e me beijou com carinho. Ficamos colados por alguns segundos. Ah,
como eu amava aquele homem; aquele toque; aquele beijo.

__ Ei, gente! Temos vários quartos lá em cima! É melhor vocês subirem logo! - Felipe brincou.

De volta ao presente, pensei em como minha vida parecia estar de cabeça pra baixo desde que
eu era só uma criança. Desejei que ao menos aquela época da banda e do meu namoro com o Lucca
tivesse durado mais tempo. Foi a época mais feliz da minha vida. Fiquei mais uns minutos ali
imaginando ele e aquela mulher se divertindo em seu quarto. Enxuguei minhas lágrimas, levantei-me
e fui dormir com a minha filha.

Na manhá seguinte, por volta das 9h, entrei, furiosa, na casa do Lucca.
__ Onde está aquele desgraçado? - eu dizia ao subir as escadas.

__ O Lucca está dormindo! Vá embora daqui! - a tal Isabel resmungou.

__ Fique aí, garota! Isso não é assunto seu!

Ao abrir um dos primeiros quartos, eu o vi dormindo, nu, de bruços. Nenhum lençol o cobria.
Nesse instante, pude observar melhor seu corpo cheio de músculos e a linda tatuagem em suas costas.
Eu o fitei por alguns segundos e depois voltei a si. Não era hora de eu apreciar a virilidade daquele
homem. Minha vontade mesmo era de esganá-lo.

__ Ei, seu idiota! Você vai pagar pelo que me fez!

Eu o empurrei da cama com força. Ele caiu no chão e acordou assustado.

__ O que diabos é isso, sua louca? Eu estou nu! O que faz aqui? - ele tentava esconder sua
ereção matinal com um travesseiro que ele logo puxou para perto.

__ Eu já vi você sem roupas um bom número de vezes e também já vi o seu 'amiguinho' aí


acordado. Então, relaxe! Acabei de receber uma visita bem interessante. Era o Delegado de Jardim
Campo Belo alegando que veio averiguar uma denúncia anônima de maus tratos em relação à Bia.
Você perdeu seu juízo, seu filho da mãe?

__ Eu avisei pra você não me enfrentar.

__ Quero que você fale agora mesmo com o Delegado e desfaça esse mal entendido. Ele está
conversando com o Inácio e a Beth, e depois vai falar com a Bia. Até ele checar tudo, estou presa
aqui sem poder chamar o táxi e ir embora. Você sabe que eu jamais encostei a mão em minha filha!
Você sabe disso, droga!

___ Eu não a conheço, Eva! Acho que eu nunca a conheci de verdade. A única coisa que eu sei é
que a menina não quer sair deste lugar de jeito nenhum e que ela escondeu a chave de seu carro para
não ter que partir. Agora, vá embora e comece a trabalhar!

__ Eu já disse que não vou trabalhar pra você, seu prepotente! Você acha que é o dono do
mundo?

__ Não sou o dono do mundo, mas sou o dono deste haras e você trabalha pra mim.
__ Não trabalho não! Não assinei nenhum contrato.

__ Eu assinei a sua carteira de trabalho desde ontem.

__ Isso não tem a menor importância. Eu não vou trabalhar pra você, Lucca! Desfaça a bobagem
que fez e fale com o Delegado para que eu possa sair logo daqui.

__ Eva, o Antônio é meu amigo! Nessa história, você é a parte mais fraca! Esqueça essa merda
toda e vá trabalhar! Assim que você resolver começar a cuidar dos meus animais, eu irei desfazer o
mal entendido. Mas se você continuar com esse papinho de sair daqui com a menina, eu irei
complicar ainda mais as coisas.

__ Você não tem o direito de me intimidar e de se meter na minha vida, seu arrogante!

Quando eu já estava prestes a deixar o quarto, ouvi um grito muito forte da Bia. Saí correndo
dali. Vi que ele procurou se vestir rapidamente, também parecendo apreensivo. Corri até onde ela
estava. Ao chegar, vi minha filha no terraço da casa da Beth debruçada sobre a Luna, a cadela do
Lucca. Ela estava imóvel. A Bia chorava copiosamente. Perto dela, o Inácio, a Beth e o Delegado
permaneceram calados, me olhando.

__ O que houve com a Luna? - eu perguntei para eles.

__ Não sabemos! Quando a menina gritou, viemos correndo pra cá e a cachorra já estava
desacordada. - Inácio respondeu.

__ Por favor, Beth, tire a Bia daqui! - ela puxou minha filha, que continuava gritando e chorando
muito.

O Lucca chegou minutos depois e jogou-se no chão.

__ Luna! - ele parecia apavorado. - O que aconteceu?

__ Saia daqui, filha! Prometo que eu vou cuidar dela!

"Nãoooo!"

__ Venha, querida! - Beth tentava puxá-la sem êxito.

"Não! Eu quero ficar com ela!"


__ Meu anjo, a cachorrinha está viva e ficará assustada se você continuar chorando desse jeito.
Ela pode escutar você! Se quiser permanecer aqui, terá que se acalmar. - eu dizia. - Lucca,
precisamos virá-la para o outro lado.

Comecei a fazer uma massagem cardíaca com fortes e curtas pressões no coração da Luna. Fiz
uma contagem de quinze. Depois, fui para a sua frente, fechei seu focinho e soprei em suas narinas o
máximo de ar que eu tinha em meus pulmões. Fiz cinco respirações profundas. Ela não se movia.
Voltei para o outro lado e continuei repetindo as pressões com as minhas duas mãos, com
movimentos fortes, porém rápidos.

__ Pare, Eva! A Luna está morta! - ele gritou.

__ Saia daqui, Lucca! Você não está ajudando desse jeito.

Continuei fazendo a massagem cardíaca. Retornei para as respirações em seu focinho. A


cachorrinha não esboçava nenhum sinal de vida.

__ Pare com isso agora, droga! - ele gritou novamente. - Você não sabe o que está fazendo!

Eu o ignorei e continuei a fazer o meu trabalho. Ele se afastou como se tivesse desistido. A Bia
voltou a se desesperar.

__ Filha, se acalme! Lembra-se do que eu disse? Ela está ouvindo você!

Quando estava na terceira sessão de pressões cardíacas, contando pela oitava vez, vi a Luna
fazer um pequeno movimento As pessoas se espantaram. Retornei ao seu focinho e repeti novos
sopros para dentro de suas narinas. Segundo depois, a cadela movimentou as patas bruscamente. Eu
puxei sua língua pra fora e massageei o céu de sua boca. A Luna voltou a respirar e abriu os olhos.

__ Sr. Lucca! Sr. Lucca! - Beth gritou. - A Eva conseguiu!

Observei quando ele refez o caminho de volta correndo e a abraçou no chão. Minha filha se
desvencilhou da Beth e se agarrou à Luna, ainda com os olhinhos cheios de lágrimas.

Eu estava cansada. Fiquei feliz por não ter desistido. Por muito pouco, a cadela não conseguiria
mais retornar.

__ Vocês precisam deixá-la quietinha. Afastem-se os dois.


__ Você a salvou, moça! - o Delegado disse com admiração.

O Lucca me encarou de maneira estranha. Pela primeira vez, desde que o tinha reencontrado, eu
não vi ódio em seu olhar. Ele não disse nada, nem mesmo um simples obrigado, mas aquele olhar
dizia muita coisa.

__ Só fiz o meu trabalho! Quanto à denúncia que o senhor recebeu, eu quero que saiba que ela
não tem o menor cabimento. Como já lhe falei há pouco, a minha filha tem um transtorno de espectro
autista chamado de Síndrome de Asperger. Eu nunca a bati; muito menos o pai. Quando ela grita ou
fica arredia, não é porque tem medo de mim. Isso é típico do transtorno. O senhor viu como ela
gritava ao ver a cadela desacordada, não viu? Quando ela está sob forte estresse ou quando é
contrariada, ela fica assim!

__ É verdade, Sr. Antônio. A Eva é uma excelente mãe! O senhor me conhece. Pode confiar no
que estou afirmando. A menina está segura com a mãe! - Beth asseverou.

__ Bom, então a senhora pode partir. Vou ignorar a denúncia. Faça boa viagem de volta à
capital. E mais uma vez, parabéns pela competência no trato com a cadela.

__ Obrigada! Tenha um bom dia!

__ Até mais, Eva! Tchau, Beth, Inácio! A gente se fala, Lucca! - e ele se foi.

Assim que o Delegado saiu, eu fui lavar minhas mãos e meu rosto. Pensei, aliviada, ao me olhar
no espelho, que agora sim eu poderia ir embora dali. Minutos depois, voltei ao terraço para ver
como Luna estava.

__ Muito bem, querida! Você foi muito forte! - eu disse enquanto alisava sua cabeça.

O Lucca me olhou por um bom tempo e depois resolveu me agradecer.

__ Obrigado, Eva!

__ Fiz apenas o meu dever. Já que o Delegado já foi, chegou a hora de eu a Bia partirmos. Se
você puder liberar o Inácio para nos levar até BH, seria ótimo! Eu economizaria no táxi. Mandarei
um reboque amanhã para pegar o meu carro.

__ Não posso impedir que você vá, Eva! Foi imaturidade minha pensar que eu podia interferir
em sua decisão. Fiz isso pela menina. Ela gostou daqui; ela não queria ir. Mas você é a mãe e deve
saber o que é melhor para ela.

Eu permaneci calada. Fiquei fazendo as últimas averiguações no estado geral da Luna,


auscultando o seu coração.

__ Vou buscar o cheque pelos dois dias que trabalhou pra mim. Um pagamento mais do que
merecido, principalmente depois de ter salvado a vida da minha cadela.

__ Não preciso de nenhum pagamento; só da carona!

A Bia olhava pra mim com tristeza. Eu sentia que ela não queria deixar aquele lugar. Ela se
deitou no chão e encostou sua cabeça na barriga da cachorrinha e ficou acariciando seu pelo. Ver
aquela cena era muito doloroso, mas eu tinha que ser firme.

__ Sugiro que leve a Luna, ainda hoje, para fazer uma bateria de exames. Não é normal uma
cadela tão jovem ter uma parada cardiorrespiratória. Você tem que investigar o que causou isso. Se
quiser, o Sr. Inácio e eu poderemos levá-la. Eu faço os exames dela na clínica onde eu trabalhava.
Depois, a Bia e eu pegamos o nosso rumo e o Inácio trará a Luna de volta com a indicação do
tratamento.

__ Não vá, Eva! A Bia não quer ir! Ela ficou muito apegada à Luna. Você não vê? É como se as
duas fossem melhores amigas. Além disso, eu gostaria de tentar um tratamento de equoterapia para
ela. Temos tido ótimos resultados aqui com crianças especiais. Seria perfeito para ela socializar e
melhorar algumas outras aptidões. - ele tentava ser gentil.

__ Eu entendo, Lucca, mas eu e você não podemos conviver aqui.

__ Fique e cuide dos meus animais, Eva! Podemos conviver sim. Só depende de nós!

__ O patrão está certo, querida! Fique com a gente! Você já está bem instalada. Você precisa do
emprego e nós precisamos de um bom veterinário. É uma troca justa. - Inácio ponderou.

Eu silenciei e pensei por alguns segundos, enquanto olhava para minha filha debruçada sobre a
cadela.

__ Bia, eu preciso que você me diga uma coisa. Promete que vai falar a verdade?
Ela olhou para mim.

__ Você promete, querida?

"Sim!"

__ Foi você quem escondeu a chave do nosso carro para não termos que ir embora?

Ela balançou a cabeça confirmando. Eu fiquei chocada. Não entendia por que ela queria tanto
permanecer ali.

__ Você quer mesmo ficar aqui, filha?

"Quero muito, mamãe!"

Ela confirmou. Eu tinha que levar a sua vontade em consideração. A minha pequena já havia
sofrido demais com a morte do Alexandre.

__ Vamos ficar, Lucca! Mas que fique bem claro uma coisa: devo ser tratada com respeito. Não
admito que você queira mandar em mim ou me tratar mal. Esqueça o que aconteceu no passado. Sou a
veterinária de sua propriedade. Você me paga, dá moradia a mim e a minha filha, e eu serei a melhor
profissional possível para os seus cavalos. Você está de acordo?

__ Totalmente de acordo.

__ Ótimo! Agora, eu e o Sr. Inácio temos que levar a Luna para uma clínica veterinária. Eu só
preciso comer alguma coisa antes de partirmos.

Pouco tempo depois, colocamos a Luna no banco de trás da caminhonete cabine dupla do Lucca.
Ela parecia bem, mas precisávamos fazer um check-up para entendermos melhor o que havia
ocorrido.

Antes que pudéssemos pegar estrada rumo à capital, paramos em Jardim Campo Belo para
deixar a tal loira que havia dormido com o Lucca. O silêncio que reimava dentro do carro era
constrangedor.

__ Ainda bem que deixamos logo essa moça, Sr. Inácio! O senhor viu como ela parecia querer
me fuzilar com os olhos?

__ Eva, antes de tudo, você tem que parar com esse negócio de me chamar de senhor. Basta me
chamar de Inácio! Eu não sou tão velho assim, afinal! - ele sorriu.

__ Ok, Inácio!

__ A Isabel é uma boa pessoa. Ela deve sentir ciúmes de você. - Inácio falava enquanto dirigia.
- Já que agora temos um pouco de privacidade, por que não me fala sobre o que aconteceu entre você
e o patrão?

__ Você quer mesmo falar sobre isso?

__ Sim, uai! Sou muito curioso! - ele sorriu.

__ Em resumo, eu e o Lucca namoramos quando tínhamos 23 anos e morávamos no Rio de


Janeiro. Ficamos um ano e quatro meses juntos. Eu precisei terminar o namoro através de um bilhete
e, como você vê, ele nunca me perdoou pelo que fiz.

__ Sinceramente, eu também não perdoaria! Por que você fez isso, Eva?

__ É uma longa história! Só posso dizer que eu tive os meus motivos. Eu sofri muito por ter que
agir daquela forma.

__ Você não sente nada mais por ele, Eva?

__ Eu não quero falar sobre isso, Inácio!

__ Toquei no assunto porque você precisa saber que o patrão não passa muito tempo sem uma
mulher ao seu lado. A Isabel é a companhia mais frequente porque ela mora pertinho do haras. Mas
quando não é ela, são outras. Ele tem a maior fama de pegador nessa região.

__ Pronto! Agora eu já sei sobre a tal fama.

__ Tem mais algumas coisas que você precisa saber: ele é muito autoritário, mal humorado e ele
odeia música.

__ Como é? Ele odeia música?


__ Sim! Lá no haras ninguém pode nem colocar uma musiquinha pra tocar que ele se estressa. A
gente costuma ouvir escondido, quando ele está fora.

__ Isso é sério?

__ Claro que é sério, uai!

__ Isso é muito estranho, Inácio! Eu e o Lucca tínhamos uma banda. Ele tocava vários
instrumentos muito bem, além de cantar.

__ O Sr. Lucca cantava e tocava?

Eu assenti.

__ Não acredito! E o que diabos fez o homem não só parar de gostar como começar a ter horror
à música?

__ Não faço a menor ideaia! Depois que eu parti do Rio e fui morar em Sidney, eu evitava
procurar saber notícias da Sonic Beat ou do Lucca.

__ Sonic o quê?

__ Era o nome de nossa banda. - eu sorri.

__ Bem que podia ser um nome mais brasileiro, não é? Bom, agora você já entende que uma das
regras para uma boa convivência com ele é não ouvir música!

Ao chegarmos à capital, levamos a Luna para a clínica veterinária onde eu trabalhava. Fizemos
todos os exames necessários.

__ Os resultados só vão sair no fim do tarde. Teremos que esperar. Você quer aproveitar para
resolver alguma coisa, Inácio? - eu o questionei.

__ Não, Eva! Vou ficar por aqui mesmo.

__ Então, eu vou fazer umas compras. Volto logo.

Fui para um pequeno shopping comercial que ficava próximo dali. Comprei alguns livros para a
Bia e, em seguida, entrei em uma grande loja de música. Comprei fones de ouvidos, cordas novas
para o meu violão e alguns CDs. Antes de fechar a conta, falei com um dos atendentes.

__ Oi. Você conhece a banda carioca Sonic Beat?

__ Claro! O Brasil todo conhece. Sou um grande fã. Eles deixaram de tocar há alguns anos.

__ Eles lançaram quantos álbuns ao todo?

__ Cinco.

__ Quantos foram lançados depois que a mulher deixou a banda?

__ Você até que me fez lembrar dela. Bom, depois que a Eva Martins deixou o grupo, eles só
lançaram mais dois álbuns.

__ Eu tenho os três primeiros. Só preciso dos lançados após a saída da moça.

__ Infelizmente, não tenho esses dois aqui. Eles não vendem mais. Logo na época em que foram
lançados, esses CDs vendiam como água! Mas depois que a banda acabou, as vendagens
despencaram. Sinceramente, os únicos álbuns que chegam aqui para venda, até hoje, são os dois
produzidos na época da participação da Eva Martins. Esses são os melhores!

__ Por que você acha que esses são os melhores?

__ Como fã, posso dizer que a Eva era o tempero, você entende? Era a 'liga' que unia os caras.
Era o equilíbrio do grupo. Quando as músicas não eram muito animadas, tinham letras que nos faziam
refletir. Eu adoro esses álbuns em que ela participou porque estão repletos de sons diferentes. Tem
música pra você ouvir no carro, cantando junto, numa vibe alto astral; tem música pra pensar sobre a
vida; tem musica pra curtir um grande amor. Por mais que a banda tivesse uma pegada de rock bem
direcionada, as baladas românticas estavam presentes também. Aí, depois que a garota saiu, os caras
meio que perderam a mão.

__ Como assim 'perderam a mão'?

__ Bom, você deve saber que a Eva namorou o outro vocalista, o Lucca Baroni. Depois da saída
dela e após do rompimento do namoro, ele compôs músicas muito deprês. Era um som bem raivoso e
pessimista. Eu, sinceramente, não curti tanto como os dois álbuns que vieram antes desses.
__ Você sabe dizer por que a banda acabou?

__ Não sei. Na época, os fãs especularam muitas coisas, mas nada que se pudesse dar
credibilidade. O fim da SB foi anunciado em 2011. É a única coisa que eu sei.

__ Entendo. Bom, obrigada. Pode dividir toda a compra em duas vezes, por favor.

__ Ok.

Ao retirar a via do cartão de crédito, o atendente viu o meu nome e olhou para mim sorrindo.

__ Ei, você é a Eva Martins! Poxa, eu não acredito! Eu fui para aquele show maneiro que vocês
fizeram aqui em BH. Eu era apenas um garoto e tive que ir acompanhado do meu pai. Muito prazer!
Meu nome é Breno!

__ Que bom que gostou do show! Prazer em conhecê-lo, Breno! - eu sorri meio sem jeito.

__ Você poderia me dar um autógrafo?

__ Sério? Você quer um autógrafo de uma ex-integrante de uma banda que nem existe mais?

__ A música fica imortalizada nos discos, Eva. O que vocês gravaram fica pra sempre. Como já
disse, sou um super fã da banda!

__ Sendo assim, ficaria honrada em autografar alguma coisa pra você.

__ É verdade que você deixou o Lucca? Que você o abandonou?

__ Esse é um assunto muito pessoal, Breno! Desculpe! - eu disse constrangida.

__ Você assistiu ao vídeo que bombou na internet?

__ Que vídeo?

__ Aquele em que uma fã gravou em umas das apresentações que a Sonic Beat fez em São Paulo.
Isso foi em meados de 2010. Ele chegou a ter mais de um milhão de visualizações em pouco tempo.

__ E o que esse vídeo tem de tão especial?

__ Você não soube mesmo? Em que planeta você andou vivendo?


__ É que eu fui morar na Austrália assim que deixei o grupo.

__ O vídeo mostra o Lucca tocando piano e cantando uma música pra você no fim de um show.
O título era: "Lucca Baroni chora por Eva Martins". Aí o vídeo explodiu no You Tube. Poucas
semanas depois, nós, os fãs, ficamos sabendo que a esposa dele pediu a separação. Acho que ela não
gostou nada de ter visto o marido chorando por outra mulher.

__ O Lucca foi casado? Ele chorou por mim enquanto cantava? - eu o questionei atônita com
aquelas informações.

__ Sim, ele chorou. E sim, ele foi casado com a presidente do fã clube da banda. Não me
recordo o nome dela.

__ Por acaso seria Lorena Vilar?

__ Essa aí mesmo! Então, depois do vídeo cair no You Tube, ela se separou dele.

“Meu Deus! O Lucca se casou com a Lorena!”

__ Breno, será que eu poderia assisti-lo aqui na loja?

__ Claro!

Ele colocou o vídeo. Eu não acreditei no que vi. Logo depois, agradeci ao gentil atendente e fui
ao encontro do Inácio.

Trechos da música “Feels Like Home” - Eduina Hayes


(OBS.: na ficção, composta por Eva Martins)
Capítulo 4

Lucca
Eu estava preocupado. O Inácio e a Eva ainda não tinham voltado. Já ia dar 19h30 e nenhum
sinal dos dois. Vinte minutos mais tarde, ouvi o barulho de minha caminhonete chegando. Fui recebê-
los lá fora.

__ Por que você não atendeu as minhas ligações, Inácio? Que demora foi essa?

__ O celular descarregou, Sr. Lucca. Os resultados dos exames da Luna atrasaram muito. Assim
que paguei a conta, fizemos o caminho de volta.

Olhei para e a Eva a notei que ela parecia triste.

__ Por favor, vocês podem tirar a Luna do carro? Amanhã eu explico tudo sobre o que ela tem e
a forma como iremos tratá-la. Agora, preciso ver a Bia, jantar e ir dormir. Estou muito cansada. Boa
noite, Lucca. - ela se retirou segurando algumas sacolas.

Eu a observei indo em direção à casa da Beth e voltei minha atenção para a Luna. Ela parecia
bem. Fiquei aliviado.

__ O que há de errado com a Eva? Ela parece estranha.

__ Também notei, Sr. Lucca. A Eva estava normal até algumas horas atrás, mas daí ela mudou de
humor e veio o caminho de volta inteiro calada. Tentei puxar conversa, mas ela não quis.

__ Ok. Vá descansar, Inácio! Até amanhã.

Entrei com a Luna. Fiquei curioso sobre a aparente tristeza da Eva. Liguei o aparelho DVD para
assistir a um filme que há muito tempo estava querendo. Precisava me distrair. O filme era ótimo,
mas meus pensamentos estavam distantes dali.

Vê-la mais cedo salvando a vida da Luna me fez conter um pouco do ódio que eu sentia por ela.
Aquela mulher havia me feito de idiota. Aí, de repente, a maldita reaparece em minha vida com uma
menina esquisita como filha, cuida do meu cavalo, salva a vida da minha cadela e reabre feridas que
ainda nem estavam cicatrizadas.
Mas uma coisa era certa: eu não ia amolecer com aquela mulher. Ela ainda não conhecia o novo
homem que eu havia me tornado. Eu não tinha pena de ninguém. Não me importavam, nem um pouco,
os motivos da tristeza dela.

Deixá-la ficar no meu haras, ou melhor, pedir para que ela ficasse havia sido um plano muito
bem arquitetado. Ela pensaria que fiz isso pela menina; que estava com pena da garota ou que estava
grato pelo que ela havia feito com a Luna, mas a grande verdade é que eu a queria ali para vê-la
sofrer.

A Eva era a culpada pela existência de merda que eu levava, desde o dia em que ela me deixou.
Eu iria fazê-la sangrar, assim como ela fez comigo. Eu só precisava continuar tendo a garota como
minha aliada. Qualquer coisa que eu falasse ou fizesse, ela teria que aguentar pela filha.

Acordei cedo e fui correr. Exercitar meu corpo era um dos meus maiores prazeres. Chegava a
me dedicar aos exercícios por duas horas, diariamente, seis vezes por semana. Quando não treinava
de manhã, treinava no fim da tarde. Era um hábito que eu comecei a ter desde que comprei aquelas
terras.

Mandei meus funcionários fazerem umas barras para eu me exercitar e logo depois murei as
laterais e fiz um telhado para protegê-las da chuva e do sol. Em seguida, ainda não satisfeito, gastei
uma boa grana equipando minha academia privada, que tinha uma magnífica vista para o lago que
ficava de frente à minha casa. Comprei vários halteres, anilhas, barras e todos os equipamentos
necessários.

Como de praxe, saia para minha corrida em jejum. Ao chegar, tomava uma vitamina reforçada e
ia fazer meus exercícios de musculação.

Estava no meio de uma puxada lateral, quando vi a Eva passando a poucos metros dali, montada
no Valentino. Ela não me viu. Desconcentrei-me um pouco dos exercícios. Ela estava muito bonita
montada no cavalo. Seus cabelos castanhos estavam trançados e ela usava óculos de sol, jeans, botas
e uma linda camiseta azul clara. Depois que ela passou por mim, parei meus exercícios e fiz uma
ligação.

__ Inácio, peça para a Eva vir falar comigo aqui na academia. Quero saber sobre a Luna.
__ Ok, Sr. Lucca.

Minutos depois, ela veio à minha procura.

__ Bom dia. Você queria falar comigo?

__ Sim! Quero que me explique sobre o problema da Luna. Se não se importar, vou continuar
com meus exercícios.

__ Não me importo. - ela respondeu.

Eu notei que ela observava meu tórax enquanto eu estava deitado no banco segurando uma barra
com bastante peso. Vestia minha habitual bermuda, mas nunca malhava de camisa. Novamente notei
quando ela olhou para meu abdômen e analisou a tatuagem em meu braço.

__ E então, Eva, estou esperando.

__ Bom, fizemos um raio x na cachorrinha assim que chegamos à clínica. O exame acusou que
ela tinha um aumento bem significativo no átrio e no ventrículo direito, assim como um leve
deslocamento na traqueia. O ecocardiograma confirmou uma má formação congênita em seu coração.
A Luna terá que ser muito bem avaliada a cada seis meses. Ela precisará fazer uso de um
vasodilatador, de doze em doze horas, pelo resto da vida.

__ Não imaginei que fosse tão grave.

__ Além disso, será preciso alguns outros cuidados. A Luna comerá uma ração específica para
cães cardiopatas e precisará diminuir seu nível de atividade física.

__ Explique isso melhor, Eva.

__ Ela costuma correr pelas pastagens junto aos cavalos, não é?

__ Sim. Ela adora sair correndo por aí.

__ Então, a partir de hoje, o nível de atividade física dela tem que ser mínimo. Leves
caminhadas apenas. Ela não deve se agitar muito. Caso contrário, a Luna poderá vir a ter um novo
ataque, e desta vez, temo que seja fatal.

__ Entendo.
__ Eu já passei a medicação dela para o Inácio administrar diariamente.

A Eva permanecia me olhando enquanto eu me exercitava. Ela notou que estava me encarando
por tempo demais e, constrangida, tentou falar alguma coisa.

__ Era só isso?

__ Não! Daqui a pouco, começaremos a sessão de equoterapia com alguns de nossos cavalos.
Quero que você fique por perto para entender como tudo funciona e quero que traga a sua filha. Ela
precisa interagir com outras crianças. Em instantes, chegam os três fisioterapeutas que irão
acompanhar os alunos.

__ O verbo que você mais usa ultimamente é o "querer", você já perecebeu Lucca? A forma
como se expressa soa como se tudo que dissesse fossem ordens.

__ Sim, Eva! Eu adoro o verbo "querer". E sim, quase tudo que eu digo se resume a ordens.
Você é uma das minhas funcionárias e você me obedece.

__ Não foi isso que combinamos ontem. Eu não vou ficar aqui ouvindo suas grosserias. Pensei
que você tivesse concordado com isso.

__ Concordei na frente da garota. Ela adora este lugar. Se você for esperta e amar sua filha, fará
o que eu mando. Eu pagarei um excelente salário a você e a Bia terá qualidade de vida e alguns
tratamentos gratuitos aqui. O que mais você espera de mim?

__ Só um pouco de respeito, Lucca!

__ Como já disse, iremos conviver em harmonia se você acatar as minhas ordens. Vou tratá-la
com o mínimo de respeito sim. Porém, fingir que eu gosto de você é impossível. Eu só consigo aturar
você diante de mim porque simpatizei com a menina. Conviva com este fato! - eu falei ofegante,
devido ao trabalho de tríceps que estava executando.

__ Ontem, eu achei que você estivesse sendo altruísta. No entanto, agora vejo claramente que
você já maquinou um plano muito bom para conquistar a minha filha e me manter presa a este lugar.

__ É verdade, Eva! Eu já conquistei a sua filha, ainda mais depois do que eu fiz há alguns
minutos. A Bia me viu correndo e eu parei pra dizer que eu tinha resolvido deixar a Luna com ela.
Você precisava ver a carinha de felicidade que ela esboçou. Agora, a cachorrinha é
responsabilidades sua e da garota.

__ Excelente jogada! Pena que você joga sujo.

__ Lembre-se, Eva, que foi você quem veio até aqui! Foi você quem se meteu nessa história
toda. Agora vá e faça o seu trabalho! Quero a Bia participando das atividades daqui a pouco.

__ Você está me fazendo lembrar do Lucca arrogante e metido dos primeiros dias em que o
conheci.

__ O Lucca daqueles dias parece um cordeirinho indefeso perto do cara que você vê agora, Eva!
Por isso, siga meu conselho: cumpra a porra das minhas ordens e não banque a esperta! Na verdade,
você não merece nem mesmo respeito de minha parte. Você se esqueceu do que me fez? Você se
esqueceu de que me abandonou para ficar com outro homem, quando horas antes havia dito que me
amaria por toda a vida? Você não passa de uma grande mentirosa, Eva!

__ Eu sinto muito pelo que fiz, mas eu tive fortes motivos para ter agido daquela maneira.

__ Pena que agora seu arrependimento não serve de nada, sua vadia traidora!

__ Ei, muito cuidado com a forma que você fala comigo! Eu exijo respeito! - ela gritou.

__ Eu a trato como acho que devo tratá-la!

__ Você se acha superior a todos, não é Lucca?

__ Não me venha com lição de moral, meu bem! Você não tem autoridade nenhuma para bancar a
politicamente correta.

__ Só estou pedindo que me respeite. Caso contrário, não poderei continuar aqui com a Bia.

__ Já disse que irei respeitá-la se você acatar as minhas ordens.

__ Acatarei suas ordens como patrão, mas não me se meta em assuntos que fogem ao meu
trabalho. Isso eu não admito!

__ Quem dita as regras do jogo sou eu, Eva! Não se esqueça de que a menina me adora e parece
ser bem arredia em relação à mãe. Seja obediente e não brinque comigo! Posso fazer sua filha se
afastar ainda mais de você.
__ Eu também sei jogar, Lucca!

__ Você é só um peão nesse jogo de xadrez, querida! Eu sou o rei por aqui! - eu disse, segundos
antes de vê-la saindo dali furiosa.

Uma hora mais tarde, após tomar meu banho e me alimentar, fui até o redondel para início dos
trabalhos com a criançada. Aquilo não era caridade; era uma prestação de serviço bastante lucrativa.
O meu haras era um dos mais próximos da capital mineira. Vários pais e mães vinham de BH com o
objetivo de trazer seus filhos especiais, duas a três vezes por semana, para interagir com os cavalos.

Havia ali crianças com paralisia infantil, síndrome de down, autismo, déficit de atenção e
hiperatividade, deficiência visual, entre outras. Além das aulas de hipismo clássico, a equitação
terapêutica era um sucesso e uma de nossas maiores fontes de renda.

Logo que cheguei ao redondel, cumprimentei as fisioterapeutas que ajudavam com as crianças, a
Tatiana e a Renata.

__ Bom dia, garotas!

__ Bom dia, Lucca! - as duas responderam.

__ Onde está o Túlio? Queria dar uma palavrinha com ele.

__ Ah, ele está conversando com a veterinária. - Tatiana falou.

Eu fiquei furioso ao ver a Eva de papo com o Túlio, do outro lado da cerca. Aquela mulher
parecia mesmo que também sabia jogar. Olhei mais uma vez para os dois e vi quando ela sorriu com
alguma coisa que ele disse. Eu caminhei até eles.

__ Bom dia, Túlio! Vejo que já conheceu a nossa nova veterinária.

__ Bom dia, Lucca! Conheci sim! A Eva é encantadora. - ele falava olhando pra ela, como se
estivesse hipnotizado.

"Encantadora? Esse era um novo sinônimo para a expressão 'gostosa que eu quero levar pra
cama?’"
__ Onde está a Bia, Eva? - eu a questionei meio puto da vida.

__ Ela não quis vir. Tentei de tudo. Quando viu as crianças chegando, ela voltou para o quarto.
Não posso obrigá-la a participar de nenhuma atividade.

__ Se você quiser, Eva, eu posso tentar convencê-la a se juntar a nós. - Túlio falou querendo
bancar o bom moço.

"Quem aquele filho da puta pensava que era? Mal conheceu a Eva e já está querendo ficar
amiguinho da filha dela. Esse Túlio era bem esperto! Se ele não fosse um dos mais competentes
fisioterapeutas com quem já trabalhei, eu o jogaria para fora da minha propriedade agora
mesmo."

__ Deixe a menina vir por conta própria. Ninguém vai forçá-la. - eu fui enfático.

__ Então, Eva! Foi um prazer conhecê-la. Não se esqueça do meu convite, ok? - ele se afastou
sorrindo e se juntou às garotas para darem início à sessão.

Os cavalos começaram os trabalhos com as crianças. Hoje a Celeste estava estreando com a
meninada. O Damião a tinha treinado muito bem nas últimas três semanas. De égua um tanto arisca e
instável, ela ficou bastante dócil.

Os três fisioterapeutas montavam junto aos meninos e faziam alongamento e exercícios em cima
dos cavalos. Eles ensinavam as crianças a segurar as rédeas e a respirar de acordo com a passada
dos animais.

Após ficar observando a sesão por algum tempo, eu me aproximei da Eva.

__ E aí, querida, você já deu mole para o Túlio? - eu falei em tom de deboche.

__ Se você pensa que vai tirar minha paz de espírito com suas insinuações maliciosas, está
perdendo seu tempo. Seu plano de me desequilibrar não deu certo desta vez, Lucca!

__ E então, o convite do Túlio era pra quê?

__ Isso não lhe diz respeito! Na verdade, eu queria falar sobre outro assunto com você. O Inácio
me disse que você não gosta de música, o que me deixou bastante perplexa. De qualquer forma, eu
ouvirei minhas músicas com fones de ouvido. Só não posso deixar de tocar o meu violão. Você sabe
que eu não posso viver sem música.

__ Você pode tocar a porcaria do seu violão bem longe de mim. Aproveite para fazer isso nos
momentos em que eu estiver fora. Não admito, em hipótese alguma, ouvir música ou o som de nenhum
instrumento.

__ Então, não há a menor chance de você me deixar tocar o piano da mãe do Felipe que está em
sua sala?

__ Nem em sonhos! Até porque o piano não é meu. Eu comprei o haras, completo, incluindo as
terras, os cavalos, as casas e os móveis. Tudo, com exceção do piano! Eles é quem nunca vieram
buscá-lo. Procuro manter o piano conservado até os donos o tirarem daqui.

__ Lucca, estou curiosa pra saber como eu poderia estragar um piano. Seja razoável, pelo amor
de Deus!

__ Você não vai tocá-lo e ponto final.

__ É espantoso observar o quanto você mudou! Você se tornou um homem muito rude e
agressivo. O que aconteceu com você, Lucca?

__ A vida aconteceu!

__ Por que você acabou com a banda? Eu soube que o Leo se encaixou perfeitamente na Sonic
Beat? Por que vocês se separaram?

__ Que importância isso tem pra você agora? Você não pensou na banda quando nos largou uma
semana antes do início de nossa turnê. Você nos apunhalou pelas costas, Eva! Não foi só a mim que
você traiu; foi a todos nós! Éramos seus amigos, porra! Jamais esperaríamos uma postura dessas de
sua parte. Você agiu como uma vadia inconsequente.

__ Se você me chamar de vadia mais uma vez, eu juro que eu não respondo por mim, seu idiota!
- ela disse antes de se afastar com raiva.

Eu não estava mesmo com saco para aturar mais um minuto de conversa com aquela mulher. A
única coisa que eu sabia é que eu iria fazer aquela desgraçada sofrer um bocado.
Ao cair da noite, eu me arrumei e saí com a minha caminhonete. Hoje eu tinha planos de tomar
umas cervejas no bar e depois ir para a casa da Isabel. Adorei aquele barzinho desde a primeira vez
em que tinha estado ali, anos atrás. Era um local bem rústico e aconchegante. E o melhor: quase
sempre que ia até lá, voltava pra casa com uma bela mulher. Hoje não tinha sido diferente.

Depois de minha quarta cerveja, fiz mira certeira no meu alvo: uma ruiva da capital que tinha
passado a noite me paquerando. Eu pensei melhor e deixei a Isabel para outro momento. Liguei pra
ela e desmarquei o nosso encontro. Troquei meia dúzia de palavras com a tal garota que se chamava
Viviane e a convenci de sairmos dali.

Ao chegar em casa e estacionar o meu carro, vi a Eva sentada em frente ao lago. Ela nos viu
chegando. Fiquei puto da vida por ela estar tocando a merda daquele violão. Parecia que ela estava
querendo me desafiar, mas agora não era o momento de enfrentá-la. Fiz questão de trocar uns
amassos com a garota no lado de fora. Ficamos ali por uns dez minutos. Queria que ela nos visse.
Notei quando ela parou de tocar e nos olhou por uns instantes.

__ Vamos entrar, gato! Você está me deixando completamente louca! - Viviane falou sorrindo.

Eu também não estava aguentando mais ficar ali. Queria logo transar com aquela gostosa. Nós
entramos. Não demorou muito, e eu deixei a casa, enfurecido, e fui até a Eva.

__ Faz um bom tempo que não paro de ouvir você e esse seu violão insuportável! Pare agora
mesmo! - eu gritei.

__ Eu achei que daqui não desse pra você ouvir.

__ Dá para ouvir sim!

__ Para você se incomodar com um simples som de voz e violão, sua transa deve ter sido
horrível. - ela me encarou e depois desviou o olhar.

__ E você aí doida para estar no lugar daquela ruiva lá dentro.

__ O rodízio de mulheres em sua casa é surpreendente, mas não parece que elas são tão boas de
cama assim. Na nossa época, eu lembro bem que o deixava exausto. Não lhe sobrava energia para
quase nada depois que fazíamos amor. Mas a tal ruiva não foi capaz de lhe impedir de andar vários
metros, descalço, só para reclamar do som de um violão.
__ Você não 'fazia amor', Eva! Você trepava! Quem faz amor não é capaz de abandonar seu
parceiro como você fez para fugir com outro homem.

__ Veja bem como fala comigo, Lucca! Eu já lhe avisei que não vou admitir seus maus tratos!

__ Já que estamos falando sobre esse assunto, por que não confessa logo que você se arrependeu
de ter me trocado pelo Alexandre? O Inácio me disse que esse era o nome do pai da menina. Ele
morreu e deixou você na merda, sem nem um teto sobre a cabeça!

__ Não fale sobre o Alexandre! Você não tem esse direito!

__ Por que não confessa também que está com ciúmes e com saudades de como eu a deixava
satisfeita na cama?

__ Os homens e seus egos! Vocês são incríveis!

__ É ótimo vê-la assim! Você não imagina como é bom olhar para seu rostinho triste agora. Você
nem consegue disfarçar sua tristeza, Eva.

__ Eu não vou entrar no seu jogo. Pode ficar aí se exibindo como um pavão que isso não causará
nenhum efeito sobre mim. Você pode trazer três mulheres para a sua casa, de uma só vez, que eu não
vou me incomodar.

__ Você está morrendo de ciúmes, querida!

__ E você está morrendo de vontade de me causar ciúmes, não é querido? Isso está tão claro!
Desde que cheguei aqui, você tem adorado ficar se exibindo com essas mulheres na minha frente para
me afrontar.

__ Eu tenho mais o que fazer, Eva! Você é totalmente insignificante pra mim!

__ Sou insignificante?

__ Pode ter certeza!

__ Eu parecia significar muito pra você naquele show que a SB fez em São Paulo. Eu vi o vídeo,
Lucca! Eu vi a música que você compôs e que cantou pra mim, anos após termos nos separado.

"Quando ela tinha visto aquele maldito vídeo? O que eu poderia dizer agora?"
__ Eu estava bêbado ali, Eva! Foi só uma noite de bebedeira e de muita raiva. Você deixou de
significar qualquer coisa pra mim desde a tarde em que eu li aquela lixo de bilhete que você deixou
sobre a nossa cama.

__ Pois não é o que parece naquele vídeo. Ali você não aparentava sentir raiva; apenas muitas
saudades do que compartilhávamos; saudades do nosso amor.

__ Você se superestima demais! - eu tentava conter a minha vontade de chutá-la pra longe de
minhas terras.

__ Eu sinto muito por ter tido que deixá-lo daquela forma, Lucca! Você não merecia aquilo! Eu
queria ter a oportunidade de lhe explicar tudo!

__ Não quero ouvir nenhuma explicação! Na verdade, pensando friamente nos dias de hoje, acho
que você me fez um grande favor ao sumir de minha vida, sua desgraçada! - eu falei furioso.

Ela baixou a cabeça parecendo chocada com o meu insulto.

__ Encontrei ontem um fã da banda em Belo Horizonte e ele me disse que você se casou com a
Lorena, e que depois do vídeo, ela pediu a separação. Isso é verdade, Lucca? Você se casou com
ela?

__ Esse fã estava mesmo muito bem informado.

__ O vídeo foi o motivo da separação?

__ Você não tem ideia do ódio miserável que sinto de você, Eva! Eu queria que você estivesse
morta, sua maldita!

Naquele instante, ela se levantou e se afastou de mim. Eu a observei por alguns segundos, até
que ela parou. Quando ela se virou, seus olhos estavam repletos de lágrimas.

__ Eu compreendo que você tenha ódio de mim, mas uma coisa não entra na minha cabeça: por
que você tem tanta aversão à música? Isso era a sua vida, Lucca!

__ As pessoas mudam, Eva! Eu vou lhe avisar mais uma vez: aquele homem apaixonado,
sonhador e fã de música que você conheceu anos atrás está morto! Aquele cara começou a morrer
quando você me deixou, sua sacana traidora! Eu acreditei em você e no amor que você dizia sentir
por mim! Mas, na primeira oportunidade que teve, você fugiu com seu ex-namorado e foi brincar de
família feliz do outro lado do mundo. Tudo que vivemos não passou de uma grande farsa; de uma
grande mentira!

__ Tudo o que vivemos foi verdadeiro, Lucca! - ela chorava. - Eu amava você!

Por um momento, vê-la chorando em minha frente mexeu comigo. Algo dentro de mim quis tomá-
la em meus braços e consolá-la. Mas eu fui forte e me mantive firme. Ela não merecia nenhuma
compaixão de minha parte.

__ Nada disso me interessa mais! Não esqueça de que eu não quero mais ouvir você e seu
violão enquanto eu estiver por perto. Eu fui claro?

__ Eu não posso concordar com essa regra! Você sabe que não conseguirei viver aqui sem tocar
e cantar. Não há mais nada que eu possa fazer no meu tempo livre.

__ Isso não é problema meu! Minhas terras; minhas regras!

Ela se virou, como se estivesse vencida, e continuou caminhando para a casa da Beth e do
Inácio.

Estava voltando de Jardim Campo Belo, logo após ter deixado a Viviane na casa de sua prima.
Não estava disposto a dormir com aquela garota. Logo depois do sexo, eu queria vê-la bem longe de
mim. Era quase uma hora da manhã quando voltava pra casa. No meio do caminho, comecei a me
recordar da recente conversa que havia tido com a Eva sobre aquele vídeo idiota, que alguém gravou
e jogou na internet. Depois de algumas horas, o vídeo já tinha se espalhado na rede.

Lembro-me de que, na ocasião, tínhamos acabado de finalizar um show numa casa noturna em
São Paulo. Fiquei com os caras no barzinho. Nessa época, eu já estava casado com a Lorena, mas
nunca tinha conseguido amá-la. Nunca! Aquela maldita da Eva sempre esteve completamente
impregnada em minha pele.

Olhei ao meu redor e o ambiente estava quase vazio. Após minha quinta dose de whisky, me
encaminhei para um piano que havia ali. Comecei a cantar logo após os primeiros acordes do piano.
If I should die before I wake
Se eu morrer antes de acordar

It's cause you took my breath away


É porque você tirou meu fôlego

Losing you is like living in a world with no air


Perder você é como viver em um mundo sem ar

My heart won't move, it's incomplete


Meu coração não se move, está incompleto

But how do you expect me, to live alone with just me?
Mas como você espera que eu viva sozinho?

Cause my world revolves around you


Porque meu mundo gira ao seu redor

It's so hard for me to breathe


É tão difícil para mim poder respirar

Tell me how I'm supposed to breathe with no air?


Diga-me, como eu devo respirar sem ar?

Can't live, can't breathe with no air


Não posso viver, não posso respirar sem ar

That's how I feel whenever you ain't there


É assim que eu me sinto quando você não está aqui

There's no air, no air


Não há ar, não há ar

I walked, I ran, I jumped, I flew


Eu andei, corri, pulei, voei

Right off the ground to flow to you


Do chão para flutuar até você

There's no gravity to hold me down, for real


Não há gravidade para me segurar

I can't live without, baby


Eu não consigo viver sem você, querida
If you ain't here I just can't breathe
Se você não está aqui, eu simplesmente não consigo respirar

There's no air, no air


Não há ar, não há ar

Ao finalizar a música, eu chorei e disse o que não deveria ter dito.

Você me deixou sem fôlego e com uma cicatriz da porra, Eva! Sinto sua falta!

Alguém havia filmado aquele papelão. Em menos de uma hora, o vídeo estava no You Tube.
Algumas semanas depois, havia milhares de visualizações. Em dois meses, já eram um milhão e
duzentas mil. Fiquei morto de raiva e de constrangimento. Eu, ali, chorando feito um idiota, por uma
mulher que nunca me amou e que brincou com os meus sentimentos.

Depois do incidente, a Lorena pediu o divórcio. Eu não concordei. Ainda tentamos permanecer
apenas separados até as coisas se acalmarem, mas aí o divórcio veio como uma consequência
natural. Ela sempre desconfiou de que eu nunca havia esquecido a Eva, mesmo quando ela me
questionava enraivecida sobre isso e eu negava. Porém, depois daquele vídeo, a Lorena passou a ter
a certeza de que minha indiferença não era apenas porque eu não a amava, mas também porque eu
jamais havia conseguido tirar aquela mulher de meu coração.

Ao chegar em casa, eu olhei para o lago torcendo para que a Eva ainda estivesse ali. O que
diabos estava acontecendo comigo? Por que eu queria vê-la? Por que eu tive ciúmes dela com o
Túlio? A proximidade daquela mulher estava mexendo comigo e eu não estava gostando nada
daquela sensação de vulnerabilidade que ela fez ressurgir dentro de mim.

Eu tinha que arranjar um jeito de tirar aquela mulher de minha cabeça e executar uma boa
vingança. Não poderia continuar pensando nela ou em nós. Eu não iria, mais uma vez, cair nas
armadilhas de seus encantos.

Ela iria conhecer o novo Lucca Baroni e iria se arrepender, até o fim de sua vida, por ter pisado
em meu haras. Mas isso demandaria uma mudança de estratégia de minha parte. Já havia arquitetado
a forma para acabar com ela. Eu só precisava ter foco. Ainda viria aquela maldita chorar lágrimas de
sangue, até o momento de jogá-la pra fora dali. Eu não poderia ter pena dela. Tinha que me manter
firme em meu propósito.
No dia seguinte, comecei a colocar meu plano em prática. Assim que acordei, percebi que o
Inácio tinha saído com a Eva para comprarem medicamentos e insumos para os cavalos. Eles iriam
demorar porque ele tinha consulta em seu endocrinologista na capital. Aproveitei e chamei dois de
meus funcionários e lhes dei as instruções do que fazer.

A partir daquele momento, eu passaria a tratar a Eva com carinho e respeito, e iria conquistar,
cada vez mais, a confiança da menina. E quando ela estivesse bem vulnerável e apaixonada, eu a
faria pagar por toda dor que ela me causou. Se a Eva nunca havia me amado, verdadeiramente, eu a
faria me amar desta vez. E, no momento que ela menos esperasse, eu pegaria os sentimentos daquela
mentirosa desalmada e pisaria em cima deles. Não teria nenhuma compaixão por aquela mulher,
assim como ela nunca teve por mim.

Quando a Eva chegou, eu estava fazendo meus exercícios, que tinha deixado para a parte da
tarde. Ela saltou do carro e se encaminhou para a casa da Beth. Ao chegar no terraço, ela se
surpreendeu quando soube o que eu havia feito. Eu a segui e procurei ouvir um pouco da conversa,
escondido na lateral da casa.

__ Ele fez o que, Beth?

__ Ele mandou que levassem as coisas de vocês para duas suítes da casa dele.

__ E por que ele faria isso?

__ O Sr. Lucca disse que queria que a Bia tivesse o próprio quarto dela. Disse que a menina
estava mal instalada, dividindo a mesma cama com você. Ele montou um quarto para ela, ao lado do
seu.

__ Beth, isso não tem o menor cabimento! Eu e minha filha não podemos viver debaixo do
mesmo teto que o Lucca. Você já viu a quantidade de mulheres que ele leva para a cama dele? Eu não
posso deixar a Bia presenciar as noites de bebedeira e de sexo que ele apronta naquela casa.

__ Eva, eu mesma o questionei sobre isso e ele disse que não traria mais mulheres para cá. Ele
me garantiu!

__ E onde está a Bia?


__ Ela ficou toda animada e correu com a Luna para o quarto dela lá na casa grande.

__ Eu não acredito! A garota mal o conhece e já faz tudo o que ele quer.

Eu estava muito satisfeito. O plano estava saindo como imaginado. Voltei para os meus
exercícios. Minutos depois, vi quando a Eva se aproximou à minha procura.

__ Que história é essa, Lucca? Eu e a Bia não vamos morar na sua casa!

__ Eva, entenda: fiz isso pensando na menina. Ela ficou toda feliz com a estante de livros que
mandei instalar no quarto. Eu gosto da Bia. Além disso, já estava com saudades de ficar mais
próximo da Luna. E com sua filha morando na minha casa, eu poderei ver a Luna com mais
frequência.

__ Isso não vai dar certo!

__ Claro que vai! Outra coisa: eu pensei bem e acho que aquele piano deve sim ser tocado por
você. Só peço que toque o piano e o violão quando eu estiver longe da casa, ok? Você também terá
um quarto confortável. Ah, e antes me questione, eu não trarei mais nenhuma mulher aqui para o
haras.

__ E por que resolveu fazer tudo isso?

__ Eu só quero o melhor para a menina. Eu confesso que eu ainda não esqueci o que você me
fez, mas isso tem que ficar no passado. Hoje, você é a veterinária deste lugar, e temos que conviver
em harmonia. Você me respeita; eu lhe respeito. E o principal: vamos fazer o possível para ver sua
filha melhorando e desenvolvendo suas habilidades sociais. Também já contratei uma professora que
mora aqui perto para ensiná-la.

__ Lucca, a Bia é autodidata! É possível que ela saiba mais do que eu, você e a tal professora
juntos.

__ Não importa! Criança precisa de disciplina. Se ela não quer estudar numa escola, ela terá
uma tutora para direcionar seus estudos.

__ Não entendo! Ainda ontem você parecia pensar bem diferente. Por que está sendo tão
bondoso comigo e com a Bia agora?
__ Apenas pensei melhor e vi que não poderia continuar nutrindo ódio por você! Quero uma
trégua, Eva!

__ Mas sua vida vai mudar radicalmente com nós duas morando com você!

__ Minha vida vai continuar como sempre esteve. Vou continuar saindo pra namorar; vou
continuar convivendo com a Luna; vou continuar sem contato com música. Quanto a este último
ponto, eu repito: seja cuidadosa! Na minha casa, perto de mim, não quero escutar cantoria ou
instrumentos musicais. É a minha única condição.

Ela me olhava incrédula e cismada.

__ Lucca, se você estiver aprontando pra cima mim, lembre-se de que estará atingindo uma
criança inocente por tabela. Pense bem no que está fazendo.

__ Eu não sou um monstro, Eva! Confie em mim! Vamos esquecer o passado! Você e eu não
temos mais nada a ver! A nossa história já passou! Não quero mais sentir raiva do que aconteceu lá
atrás! E, então, temos uma trégua? Posso contar com sua ajuda aqui no haras, definitivamente?

__ Vamos fazer uma experiência e ver como as coisas se encaminham. Agora, deixe-me ver a
Bia. Estou curiosa para ver o quarto dela.

Ponto para mim. Ela havia caído como um patinho. Eu fui tão bom ator que até eu me surpreendi.
A minha mudança de estratégia tinha sido a solução perfeita para mantê-la por perto e conquistar
ainda mais o carinho da menina. Teria que continuar dando uma de bom moço por algum tempo. Mas
logo, o cordeirinho se transformaria em um lobo. Aquela mulher iria sofrer... e eu veria todo o seu
sofrimento de camarote.

Trechos da música “No Air” - Chris Brown & Jordin Sparks


(OBS.: na ficção, composta por Lucca Baroni)
Capítulo 5

Eva
Eu não estava acreditando. Como alguém poderia mudar tanto de um dia para o outro? Algo me
dizia que eu deveria manter meus olhos bem abertos. Aquela aparente bondade do Lucca me pareceu
uma grande jogada, e das boas, porque ele foi direto ao meu ponto fraco: a minha filha.

Entrei no quarto da Bia e a vi na cama, mexendo em seu laptop.

__ Oi, filhota! Acabei de saber sobre nossa mudança! Você gostou de vir para cá?

"Sim, mamãe!"

__ Você já jantou, querida? - eu a questionei enquanto alisava seus cabelos.

"A Beth fez sopa e pão de queijo! Eu adoro a comida dela!"

__ Eu vou tomar um banho. Se precisar de qualquer coisa, estou no quarto ao lado está bem?

Ela confirmou. Fui até o meu quarto. Aquele mesmo onde, poucos dias atrás, precisei pular pela
janela para fugir do encontro com o Lucca.

Havia uma linda cama ali, um grande armário, e o melhor, o meu próprio banheiro. Minhas
malas já estavam lá. Ajeitei algumas coisas rapidamente, peguei uma toalha e fui tomar meu banho.

Fiquei pensando em todas aquelas mudanças. Estava confusa. Será que eu poderia confiar
naquele homem depois do que ele me disse ontem? Na noite anterior, fui dormir chorando ao me
lembrar de suas duras palavras. Ele me chamou de 'maldita', 'desgraçada' e disse que preferia que eu
estivesse morta. Aquilo tudo me feriu demais. Aí, poucas horas depois, ele muda e se diz disposto a
uma trégua.

Após o banho, fui jantar na casa da Beth e do Inácio.

__ Agora que estou vivendo na casa grande, talvez seja melhor eu começar a cozinhar lá mesmo,
Beth.
__ Ah, não, Eva! Adoro você e a Bia comendo aqui com a gente.

__ Vamos fazer assim: almoçamos com você e o Inácio todos os dias. Nosso café da manhã e
nosso jantar eu mesma preparo, ok? Aquela cozinha magnífica precisa ser utilizada. Além disso, eu
adoro cozinhar!

__ Combinado, querida.

__ Beth, você não acha isso tudo muito estranho?

__ O Sr. Lucca é um homem bruto e carrancudo. Essas boas ações com você e sua filha me
causam espanto sim. Mas vai ver que ele se afeiçoou mesmo à menina.

__ Ontem ele foi bem claro ao dizer que ele preferia me ver morta e que eu não significava nada
pra ele. Talvez esses atos de bondade façam parte de um plano para ele se vingar de mim. - eu falei
com tristeza.

__ Você ainda gosta dele, não é Eva?

__ Não posso negar, Beth.

__ Por que você o deixou? Eu não entendo!

__ Sinto muito, mas eu não quero falar sobre isso. Acho que vou indo dormir, Beth! Fica com
Deus. Obrigada por tudo que tem feito por mim e por minha filha.

Voltei para a casa grande. Vi o lindo piano na entrada da sala e tive muita vontade de tocar
alguma coisa, mas eu não devia. O Lucca estava em casa. Eu não poderia afrontá-lo. Subi para o meu
quarto.

O quarto dele era o primeiro do lado direito do corredor. O meu era o último, ao fundo, e o da
Bia ficava ao lado do meu. Passei por ele. Vi que a porta estava aberta, mas não quis nem dar um
'boa noite'. Fui falar com a minha filha e a encontrei dormindo. Tirei o laptop e o livro de cima de
sua cama e ajeitei seu lençol. Fiquei ali por alguns minutos. Era muito triste ver a minha menina sem
falar. Eu era, definitivamente, uma mulher sozinha. Não tinha mais o Alexandre, meus pais e nenhum
outro parente vivo. Não tinha, principalmente, o amor e a amizade de minha filha falando comigo.
Aquilo me deixava arrasada, dia após dia.
Eu me recusava a sentir pena de mim mesma. Odiava autopiedade. Mas não eram raras as vezes
em que chorava depois que a Bia dormia. Chorava por ela, por mim e por todos os acontecimentos
de minha vida.

Depois que o Alexandre morreu, tive a sorte de ter reencontrado minha amiga de infância, a
Júlia. E agora havia feito amizade com a Beth e o Inácio. Queria poder conviver bem com o Lucca,
mas algo me dizia que eu não poderia confiar nele. Eu estava sozinha e tinha que continuar assim.

Limpei minhas lágrimas e fui para o meu quarto. Coloquei minha camisola e tranquei a porta.
Precisava descansar. Era estranho saber que o Lucca estava ali tão próximo. Eu adormeci pensando
nele; pensando em como fomos felizes juntos.

Seis semanas haviam se passado desde que chegamos ao Haras Campo do Vale Sul. Conviver
com o Lucca nesse tempo todo tinha me surpreendido positivamente. Ele adorava a Bia e sempre a
tratava com carinho.

Uma coisa que eu pude perceber nesse tempo de convivência com aquele homem era que ele
nunca sorria. Nunca vi um único sorriso brotando de seus lábios, desde que o reencontrei. Ele
parecia tão diferente do sempre sorridente Lucca de anos atrás. Nós ríamos sempre. Ríamos
ensaiando com a banda. Ríamos vendo TV. Ríamos enquanto fazíamos amor. Ríamos de tudo.
Atualmente, porém, eu ainda não tinha reencontrado aquele sorriso. Ele estava sempre de cara
fechada e absorto em seus pensamentos.

A rotina do Lucca não tinha mudado com a nossa presença na casa. Ele acordava por volta das
7h para fazer seus exercícios, administrava o haras durante o dia e, à noite, ia para o barzinho em
Jardim Campo Belo para beber e namorar. Aquilo me feria profundamente. Ele não trazia mais
mulheres para a sua casa, mas as encontrava em algum lugar por aí, ou até quem sabe, no próprio
carro.

Quando o expediente terminava, eu tomava banho e fazia o nosso jantar. Eu, o Lucca e a Bia
costumávamos comer juntos. Adorava aquele momento, mas logo em seguida, eu ficava arrasada
quando ele terminava de se arrumar e saía para seus encontros.

Logo após sua partida, eu organizava a cozinha e corria para o piano ou para o violão.
Geralmente tocava um pouco com a minha filha junto de mim, como costumávamos fazer em Sidney,
no velho piano que o Alexandre me deu de presente. Depois de aprontar a Ana Beatriz para dormir,
eu a deixava na cama lendo e descia para sala.

Todas as noites, assim que a Bia pegava no sono, a Luna vinha para perto de mim. Ela adorava
me ouvir cantar e tocar. Retomei o antigo hábito de compor. Anotava todas as letras e notas em um
caderno bem grosso que eu vinha guardando comigo há vários anos, e ficava tirando as músicas até
tarde da noite. Só parava quando ouvia o barulho da caminhonete do Lucca chegando.

Aquelas semanas convivendo de perto com aquele homem me fizeram ratificar algo que eu
sempre soube dentro de mim: eu nunca havia deixado de amá-lo! Ele estava me tratando muito bem,
com muita cordialidade, mas procurava manter-se distante. Suas atitudes me provaram que ele não
tinha planejado nada contra mim, e que suas ações tinham sido realmente bondosas e sinceras.

Adorava vê-lo fazendo sua corrida matinal, observando-o da janela de meu quarto. Ali,
pensativa e confusa, eu sempre concluia que eu devia ir embora daquela cidadezinha. Não aguentava
mais conviver com o Lucca e saber que ele nem sequer me notava. Pensei várias vezes em deixar o
haras. Porém, quando me lembrava de minha filha, eu perdia toda a coragem.

A Bia adorava morar naquele lugar. Três vezes por semana, ela fazia sessões de equitação
terapêutica com o Túlio. Ela começou a conviver melhor com as crianças, embora não falasse com
elas ou com mais ninguém.

Com o excelente salário que recebi após meu primeiro mês no haras, eu finalmente pude
começar a investir no tratamento da minha pequena. Após fazer uma cópia da chave do meu carro, já
que a outra jamais havia reaparecido, passei a levar minha filha para BH, todos os sábados, para
sessões de fonoaudiologia com a Júlia, que era uma excelente profissional da área. Logo depois, a
levava para a terapia com uma psicóloga indicada pelo Túlio.

A professora que o Lucca havia contratado logo desistiu do trabalho, após perceber que a Bia
era extremamente inteligente e que não se comunicava. Não havia muito o que pudesse ser feito.

Eu também pagava a Tatiana, uma das fisioterapeutas, para fazer um trabalho específico com a
sua parte motora. Ela era muito paciente e carinhosa com a minha filha. As duas geralmente usavam a
academia do Lucca para fazerem alguns exercícios e brincavam de frescobol ou vôlei no redondel
dos cavalos.

A Bia odiava esportes e não tinha a menor habilidade com eles, mas eu sempre me lembrava da
preocupação do Alexandre em fazê-la se movimentar e tomar sol. Ela não podia passar o dia inteiro
trancada em seu quarto e fechada em seu próprio mundo.

Como estava morando no haras, fiz questão de contribuir financeiramente para pagar as contas
de água, energia e alimentação. No entanto, o Lucca nunca aceitou receber nenhum centavo, por mais
que eu insistisse. Então, eu investia parte do meu salário na minha filha e guardava todo o restante.
Aquele emprego era perfeito pra mim. Tinha a segurança de que precisava e ainda conseguia fazer
uma excelente reserva financeira.

O grande problema em permanecer ali era ter que conviver com aquele homem. Não conseguia
mais esconder o quanto ele mexia comigo. Recusei vários convites do Túlio para sairmos porque eu
pensava no Lucca o tempo todo. Saber que a minha presença ali pouco significava pra ele e ter a
certeza de que ele dormia com outras mulheres me magoava demais. Por isso, eu acaba canalizando
todos os meus sentimentos para a composição de várias canções. Eu adorava compor e aquilo estava
sendo bom para a minha cabeça.

Certa noite, enquanto ele continuava ausente, sentei-me ao piano para tirar a melodia de uma
letra que havia criado alguns dias antes. Comecei a tocar e cantar.

I walked across an empty land


Eu andei por uma terra vazia

I knew the pathway like the back of my hand


Eu conheci o caminho como a palma da minha mão

I felt the earth beneath my feet


Eu senti a terra sob meus pés

Sat by the river and it made me complete


Eu sentei ao lado do rio e ele me completou

Oh simple thing where have you gone


Oh simplicidade, pra onde ela foi?

I'm getting old and I need something to rely on


Estou ficando velha e preciso de alguma coisa em que confiar

I came across a fallen tree


Eu dei de encontro com uma árvore caída

I felt the branches of it looking at me


Eu senti seus galhos olhando para mim

Is this the place we used to love?


Esse é o lugar que nós costumávamos amar?

Is this the place that I've been dreaming of?


Esse é o lugar com que eu tenho sonhado?

Oh simple thing where have you gone


Oh simplicidade, pra onde ela foi?

I'm getting old and I need something to rely on


Estou ficando velha e preciso de alguma coisa em que confiar

So tell me when you're gonna let me in


Então me fale quando você vai me deixar entrar

I'm getting tired and I need somewhere to begin


Estou ficando cansada e preciso de um lugar para começar

And if you have a minute why don't we go


E se você tiver um minuto por que não vamos

Talk about it somewhere only we know?


Conversar sobre isso num lugar que só nós conhecemos?

This could be the end of everything


Esse pode ser o fim de tudo

So why don't we go
Então por que nós não vamos

Somewhere only we know?


Para um lugar que só nós conhecemos?

Terminei a música, respirei fundo e fiquei ali, parada, por alguns instantes. Quando seria o dia
em que o Lucca me deixaria entrar em sua vida? Quando ele enxergaria o quanto eu ainda o amava?
Eu precisava de segurança e carinho; eu precisava de um recomeço.

__ Eva! - ele disse, posicionado a poucos metros de mim.

Olhei para trás e o vi me encarando.


__ Eu não sabia que você já tinha chegado.

__ Um dos pneus da minha caminhonete furou na estrada e eu vim caminhando. Amanhã resolvo
isso. Agora pare de tocar, ok?

__ Eu já parei.

__ Boa noite, Eva.

__ Até amanhã. - eu falei tristemente.

Eu o observei subindo as escadas. Continuei sentada ao piano.

__ Lucca! - ele parou e virou-se para me ouvir. - Alguma vez você se lembra de mim ou de nós,
mesmo com todas essas mulheres?

__ Não, Eva! Há muito anos deixei de pensar em você! Como falei há algumas semanas, você
não significa nada mais para mim! Hoje em dia, das poucas vezes que me lembro de você, eu só
penso na grande mentirosa que você foi e de como você me abandonou para ir foder com seu ex-
namorado. Você me dá nojo, sinceramente!

Aquelas palavras me acertaram como uma flecha. Não tive forças para me defender. Fechei o
piano, tentando conter minha vontade de desmoronar de tristeza. Prendi minhas lágrimas. Ele
continuou subindo as escadas e entrou em seu quarto. Levantei-me, fui direito para meu quarto e me
tranquei. Deitei em minha cama e comecei a chorar. Minutos depois, ouvi o Lucca batendo na porta.

__ Eva!

__ O que você quer? - eu falava chorando.

__ Abra a porta!

__ Vá embora!

__ Preciso falar com você.

__ Não temos o que conversar.

__ Abra logo, Eva!


Ele continuou insistindo até que eu, finalmente, abri a porta. O Lucca me encarou. Ele não disse
nada. Nem ao menos pediu desculpas por ter falado aquelas palavras tão duras.

__ Eu vou embora, Lucca! Ouvi-lo dizer que eu não significo nada e que você tem nojo de mim é
doloroso demais!

__ Eu quero você, Eva!

Ele se aproximou e tentou me beijar. Eu o empurrei.

__ Você já não teve o suficiente das vadias que você costuma pegar por aí? Saia já do meu
quarto!

Ele ignorou o que eu disse, me enconstou na parede e me beijou com aflição.

__ Pare com isso! - eu ainda pude dizer quando consegui afastar meus lábios dos dele.

Ele voltou a me beijar e agarrou meus seios e minhas coxas, deixando-me completamente
rendida. Não tinha forças para resistir. Eu queria aquele homem. Eu queria senti-lo novamente.

Puxei sua camisa por entre seus braços de maneira afobada. Nossos olhares se cruzaram por
alguns instantes. Não falamos nada. Ele baixou a minha saia. Fiquei apenas de calcinha e blusa. Ele
estava com sua habitual calça jeans. O Lucca me puxou para mais perto e voltou a me beijar
intensamente. Era maravilhoso sentir aquela boca tão gostosa e aquela barba incrivelmente sexy. Ele
me empurrou na cama e foi até a porta para trancá-la.

Vi quando ele retirou uma camisinha do bolso, se livrou de seus jeans e ficou completamente nu.
Ele veio em minha direção e, enquanto me beijava, rasgou minha blusa com força. Eu estava
enlouquecida com aquele homem tomando posse de meu corpo. Ele desabotoou meu sutiã e começou
a lamber meus seios. Eu me contorcia de prazer.

O Lucca pegou uma das minhas mãos e levou até seu membro, que parecia latejar de tão duro.
Ele começou a colocar o preservativo e, logo em seguida, colocou seus dedos dentro de mim. Aquilo
estava me levando à loucura. Não queria que ele parasse, mas ele interrompeu seus movimentos,
puxou minha calcinha com raiva, e logo em seguida, me penetrou com força. Eu gemi com um misto
de dor e prazer.

Ele continuou com suas estocadas firmes e um pouco violentas. De repente, ele parou, me virou
de bruços e voltou a me penetrar, enquanto beijava e lambia as minhas costas. Eu estava
enlouquecida com a virilidade daquele homem; um homem muito diferente do Lucca carinhoso de
anos atrás.

Ele continuou metendo forte enquanto manipulava meu clitóris com seu braço direito embaixo de
mim. Em poucos minutos, eu cheguei a um estrondoso orgasmo. Ele não demorou, e logo depois,
gemeu alto quando também gozou, desfalecendo seu corpo sobre minhas costas. Quis me virar para
olhá-lo e abraçá-lo, mas ele não deixou, me empurrando contra a cama.

__ Ei, o seu peso está me machucando.

__ Você gostou? - ele susurrou em meu ouvido. - Era isso que queria desde que chegou aqui, não
era?

__ Droga, Lucca! Minhas costas estão doendo!

Ele se levantou de cima de mim, retirou o preservativo e se afastou da cama. Ao me virar, eu


observei o ar de desprezo em seu rosto.

__ Seu desgraçado! Vá embora! - eu gritei jogando um travesseiro nele, enquanto ele pegava
suas roupas e me deixava ali, humilhada.

O filho da mãe tinha me tido fácil demais e eu fiquei com a sensação de que um imenso vazio
havia me preenchido. Quando ele deixou o quarto, tomei um banho e chorei no chuveiro, por um
longo tempo.

Assim que o dia amanheceu, fui fazer o café da Bia. Ele apareceu na cozinha e me
cumprimentou, como se nada tivesse acontecido.

__ Nós precisamos conversar. - eu falei com seriedade.

__ Agora estou indo correr. Falamos depois.

__ O que aconteceu ontem não vai se repetir, ok?

__ Ok, Eva! Até mais.


__ Lucca.

__ Sim.

__ Eu vou embora daqui até o fim da semana. Procure um novo veterinário.

__ Isso tem a ver com ontem? Você também desejava aquilo.

__ Minha decisão tem tudo a ver com ontem. Você transou comigo como se eu fosse uma vadia!
Você me humilhou, Lucca!

__ Você esperava que eu "fizesse amor" com você, Eva? Eu não a amo mais há muito tempo! Eu
achei que já tivesse deixado isso bem claro.

__ Você tem razão! Você deixou esse fato bem claro e eu, uma grande idiota, me deixei levar
pelas minhas emoções. Eu queria bem mais do que uma transa! Será que você não entende?

__ Você queria o quê?

__ Eu queria carinho! Eu precisava disso!

__ Isso eu não posso lhe dar! Eu dei tudo de mim pra você quando vivemos juntos no Rio. E o
que você fez? Você me abandonou, Eva! Sem nenhuma justificativa.

__ Eu sinto muito! Eu... eu não pude.. não havia como ... - eu tentava reordenar as ideias para
explicar tudo, quando ele me interrompeu.

__ Pare! Não quero mais explicações depois de todos esses anos. Quanto ao que aconteceu
ontem, achei que um bom sexo fosse deixá-la satisfeita.

__ Pois aquilo não me deixou nada satisfeita! Não quero ser tratada como uma qualquer que
você transa e descarta no dia seguinte.

Ele não disse mais nada e saiu pela porta. Eu tinha mesmo que ir embora daquela casa. Ontem,
não tinha conseguido pregar os olhos pensando no que fazer para conseguir um novo emprego e para
convencer minha filha a partir.

Passei o dia evitando o Lucca. No início da noite, ele pegou sua caminhonete e deixou o haras,
sem ao menos jantar. Lavei a louça da cozinha e fui para a cama cedo. Estava exausta.
Por volta das 4h30 da manhã, enquanto uma forte chuva caia, o Inácio me acordou pela janela do
meu quarto.

__ Eva! Eva!

__ O que foi, Inácio? - eu falei ainda um pouco desorientada.

__ Desculpe incomodá-la, mas temos uma emergência. A Lady está em trabalho de parto.

__ Encontro vocês no galpão em dez minutos.

__ O problema é que a égua não está na baia. Ela abriu a porta, de alguma forma, e saiu. Ela foi
se deitar perto do lago. O Damião está lá com ela. A pobrezinha está na chuva. O que fazemos?
Podemos levantá-la para levá-la a um local aquecido?

__ Não! Não mexam nela. Eu já estou descendo.

Assim que cheguei perto da Lady, imaginei que o parto ainda demoraria um pouco para ocorrer.
A essa altura, eu já estava completamente encharcada e com frio.

Aquela égua era uma das matrizes mais importantes do haras. O filhote seria o fruto de um
cruzamento com o Apolo. Se fosse um macho se chamaria Adonis; se fosse uma potranca se chamaria
Serena. Esses eram os nomes que o Lucca já havia escolhido. E logo hoje, no dia do nascimento do
filhote, ele não estava presente.

__ Inácio, preciso de outra lanterna aqui, de luvas e de meu kit de atendimento. Você poderia
buscar pra mim?

__ Claro, Eva!

__ Damião, vá com o Inácio e procure trazer bastante feno e algumas mantas velhas. Precisamos
aquecê-la.

__ Sinsinhora!

Poucos minutos depois, vi o Lucca estacionando sua caminhonete em frente à casa grande. Ao
observar o movimento perto do lago, ele veio em nossa direção.
__ Por que a Lady está aqui? - ele perguntou furioso.

__ Não sabemos! Ela deve ter escapado! - eu respondi sem nem olhar em seu rosto.

__ E quem foi o incompetente que deixou a baia aberta? Tem alguma coisa errada com o parto?

__ Lucca, vá embora! - eu falava tremendo de frio. - Não tem nada de errado!

__ Você está há quanto tempo debaixo dessa chuva?

Eu silenciei. Estava concentrada na égua e não queria papo com ele.

__ Estamos aqui há uns cinquenta minutos. - Beth respondeu.

__ Você pode ir. Daremos notícias em breve. Não vai demorar para o filhote nascer. - eu falei de
forma incisiva.

__ Eu vou ficar, Eva! Quem dá ordens aqui sou eu!

“Então fique, seu idiota!”

__ Faça como achar melhor.

Eu estava exausta para discutir com aquele arrogante. Meus lábios tremiam. O frio era intenso.
Tentamos deixar a égua o mais confortável possível, mas não estava sendo nada fácil para ela e para
nós. O Damião, gentilmente, passou a segurar um guarda-chuva sobre mim, enquanto eu acariciava a
Lady e tentava aquecê-la com as mantas.

Não demorou muito e eu coloquei as minhas luvas, assim que vi que o potrinho estava nascendo.
Queria que a Bia pudesse ver aquilo, mas ela estava dormindo. Eu comecei a puxá-lo, aos poucos e
bem devagar. Num último movimento, o potro saiu quase que por completo. Era um lindo cavalinho.
Ainda não sabíamos o sexo. Ele ficou ali, na chuva, deitado, com parte de suas longas patas ainda
presas dentro da mãe.

__ Vocês precisam se afastar agora. - eu falei para todos, enquanto descartava as minhas luvas.

__ Eva, você vai se molhar ainda mais. - Beth retrucou.

__ Gente, ela e o filhote precisam de espaço! Afastem-se! Aliás, vocês já podem ir! O pior já
passou! Vão tomar um café bem quente.

Todos foram para a casa do Inácio, menos o Lucca, que ficou a poucos metros de mim.

Fui para perto da Lady e continuei a conversar com ela, acariciando sua cabeça e verificando
seu estado de saúde. Eu a auscultei com o estetoscópio. Ela parecia bem.

__ Bom trabalho, garota! Você foi ótima! Agora, mamãe, seu filhotinho precisa de você! Vamos,
Lady!

Segundos depois, a égua se levantou de maneira impetuosa, o que fez com o que filhote
conseguisse se desprender por completo.

Era incrível como a mãe natureza era sábia. Mesmo exausta, com dor e com frio, a égua se
ergueu e começou a lamber o filhote. A finalidade daquilo era ativar a circulação de sua cria e
prepará-la para, algum tempo depois, ela conseguir se erguer. E isso não demorou. Em questão de
minutos, o potrinho se levantou, ainda sem forças e com pouco equilíbrio. Não pude conter minha
emoção ao ver mãe e filho juntos.

Vi que o Lucca me encarava. Não quis olhar pra ele. Naquele momento, eu só queria sair dali e
descansar.

__ É macho? - ele me perguntou.

__ Sim! - eu disse ao conferir de perto.

__ Adonis! - ele falou, confirmando o nome que já havia dado.

Ele tentou se aproximar.

__ Fique longe, Lucca! Nessas horas, as águas ficam muito ariscas para proteger seus filhotes.

__ Ok.

__ Diga ao Damião que mantenha os dois aqui por mais algum tempo. Assim que possível, ele e
o Inácio deverão levá-los para a baia para que eles se aqueçam e para que o filhote comece a mamar.
- falei com meus lábios tremendo.

__ Certo.
__ Agora eu preciso ir. Eu não estou me sentindo bem. Diga a Beth que cuide da Ana Beatriz.

Ele me observou enquanto eu caminhava para casa. Nunca ansiei tanto por um banho quente e
demorado. Depois de limpa, coloquei um pijama e me enrosquei nas cobertas. Continuava tremendo
de frio. Não tive ânimo de fazer café. Procurei dormir um pouco.

Passava do meio dia quando a Beth e a Bia vieram me ver.

__ Trouxemos uma sopinha pra você e um chá, querida!

__ Obrigada. Como estão a mãe e o filhote?

__ Eles estão ótimos! Acabamos de vê-los, não foi Bia?

Abracei a minha pequena e a puxei para cima da cama.

__ Beth, eu não estou com fome! Você poderia avisar ao Lucca que não irei trabalhar hoje? Eu
continuo indisposta.

__ Claro, Eva! Você precisa descansar. Tome a sopa, mesmo sem fome. Isso vai aquecê-la.

__ Eu não quero, Beth! Obrigada! Você pode continuar cuidando da Bia pra mim?

__ Vai ser um prazer! Adoro ficar com essa mocinha aqui! Vamos, querida! Sua mãe vai dormir
um pouco mais.

__ Eu te amo, filha! Até mais tarde.

"Ate logo, mamãe!"

Era quase 19h quando acordei e vi o Lucca sentado numa cadeira, próximo à cama.

__ O que faz aqui?

__ Vim ver como você estava. A Beth me disse que você estava com muita febre e frio. Ficamos
preocupados! É isso que dá ficar debaixo de chuva.

__ Eu estou bem.
__ Você não vai comer nada?

__ Não tenho fome.

__ Você precisa comer, Eva!

__ Já disse que não sinto fome.

__ Você está mesmo melhor?

__ Sim! Onde está a Bia?

__ Ela está no quarto com a Luna, agarrada a um livro. Não se preocupe com ela.

__ Ok! Então, pode ir!

__ Eva, queria pedir uma coisa a você: não deixe o haras! Eu vi a forma como você cuidou da
Lady. Você é uma profissional muito competente. Além disso, se você for, a Bia terá que ir também.
Ela está tão feliz aqui! Não faça isso!

__ Lucca, você acha que não penso no bem estar da minha filha? Eu sei que isso será péssimo
para ela, mas eu não posso continuar aqui.

__ Poxa, Eva, tirando a noite em que transamos e a tratei mal, eu estava sendo um cara gente boa
nessas últimas semanas. Acho que podemos continuar convivendo bem.

__ Não podemos!

__ Por quê?

__ Porque você não pode me dar o que eu preciso; porque eu odeio vê-lo saindo todas as noites
para ficar com essas mulheres; porque eu nunca consegui esquecê-lo, e agora, depois de nossa
recente convivência, eu simplesmente não paro de pensar em você o tempo todo.

Ele ficou em silêncio por alguns instantes, até que conseguiu esboçar alguma reação.

__ Você está querendo dizer que me ama?

__ Lucca, eu o amo desde os meus 23 anos. Eu nunca o esqueci! Queria poder ter uma nova
chance ao seu lado.
__ Por que está fazendo isso comigo, Eva? Por que você diz que nunca me esqueceu quando na
verdade você me largou por outro homem e sumiu no mundo? - ele falava angustiado. - Não! Não
responda! Vamos deixar o passado no seu lugar! Não quero ouvir mais nada!

__ Lucca, eu ainda o amo! Deixe-me explicar tudo.

__ Eu vou arranjar alguém, Eva! Assim que conseguir um veterinário, você poderá partir.

__ Você não ouviu o que lhe disse?

__ Ouvi.

__ E isso não significa nada pra você?

__ Eu não posso! Não depois desses anos todos! Você não entende? Eu sou um cara sem alma,
sem coração e completamente fodido! Eu não a amo mais! Esqueça o que você acha que sente por
mim.

Ela saiu do quarto desnorteado e, mais uma vez, me deixou ali, sozinha e frustrada.

Quase duas semanas já haviam se passado e nenhum veterinário tinha se interessado pelo
anúncio no jornal. O Lucca e eu não conseguíamos mais conviver sem aquele clima de estranheza e
constrangimento. Depois de termos feito sexo e após eu ter falado com ele sobre meus sentimentos,
tudo mudou. Ele se afastou ainda mais. Ele continuava tratando a Bia muito bem e ela continuava
adorando ele, mas a forma como ele me tratava, com indiferença, era terrível pra mim.

Eu já tinha algumas propostas de emprego. Um fazendeiro da região me ofereceu um ótimo


salário para trabalhar com ele. O Túlio também já havia feito alguns contatos pra mim na capital. Só
não tinha deixado o haras ainda porque estava difícil para o Lucca conseguir um profissional que
topasse morar ali.

Depois do jantar, eu conversei com a Bia sobre a nossa partida, e foi nesse momento, que ela
teve uma nova crise, como há muito tempo eu não via. Ela gritou, chorou e até me bateu no rosto.
Fiquei muito triste por ela ter me batido e bastante perplexa ao deduzir que minha filha amava aquele
lugar e aquele homem mais do que a própria mãe.

Eu fiquei destroçada com aquilo. Não sabia o que fazer. Será que eu estava sendo uma mãe tão
ruim, ao desconsiderar o desejo de minha filha em permanecer ali? Mas como poderia continuar
convivendo com o Lucca daquela forma?

Estava chovendo muito. Era época de fortes chuvas. Não estava conseguindo dormir. Fui para a
cozinha fazer brigadeiro. Depois de matar minha vontade, peguei o violão e comecei a toca-lo no
sofá da sala. O Lucca estava ausente e deveria demorar a voltar.

Toquei por um bom tempo. Estava no meio de uma canção quando o vi abrindo a porta. Tomei
um susto. Não pude notar a sua chegada devido ao barulho da tempestade que caía lá fora. Assim que
o fitei, parei de tocar.

Ele me encarou com um olhar furioso, veio em minha direção e segurou meu braço com força.

__ Já disse que na minha casa eu não admito música!

Senti que ele tinha bebido um pouco além da conta.

__ Eu já parei. Solte meu braço!

__ Por que você continua me afrontando, Eva?

__ Você não estava em casa, Lucca! Eu não vi você chegar!

__ Pela milésima vez, eu vou repetir: sou eu quem dito as regras por aqui! Resta a você cumpri-
las. - ele me largou e pegou o meu violão. - Você vai ver o que farei com essa porcaria de
instrumento, Eva! - ele gritou furioso.

__ Fale baixo! Você vai acordar a Bia!

__ Você tem razão! Não quero acordar a menina. Vou fazer o que tenho que fazer lá fora.

Ela saiu com o meu violão, no meio da chuva.

__ Isso não lhe pertence! - eu corri atrás dele. - Devolva-o! Não faça isso, Lucca! Eu estou lhe
implorando.

Ele ignorou o que eu disse e jogou o meu violão, violentamente, contra uma árvore. O
instrumento ficou todo dilacerado.
__ Você é louco! Isso tinha um valor sentimental para mim, seu estúpido!

__ Quero que você, o violão e seu valor sentimental vão para o inferno!

Eu comecei a chorar, no meio da chuva, vendo o que havia sobrado do presente que meu pai
adotivo tinha me dado quando eu completei 13 anos. Esse violão significava muito pra mim. Agora,
ele não existia mais. Só tinham restado pedaços dele, espalhados pela terra molhada.

__ Seu miserável! O que diabos deu em você? - eu parti para cima dele e esmurrei seu peito. -
Você é mesmo um desalmado e um cara muito fodido da cabeça!

Ele me observava chorar e não fazia nada. Parecia que ele via prazer em me infligir dor.

__ Eu vou embora daqui amanhã mesmo, Lucca! Eu cansei de tudo! Cansei de suas regras sem
sentido; de sua indiferença; de seu descaso. - eu gritava no meio da chuva. - Você me disse há alguns
dias que preferia que eu estivesse morta. Pois o mesmo eu posso dizer de você. Eu queria que você
estivesse morto, seu desgraçado! Eu não queria sentir nada por você! Você não merece o meu amor!

__ Eu odeio você, sua maldita! Pegue a porra de seu amor, jogue dentro da merda de seu carro e
suma de minha vista o quanto antes!

Eu entrei em casa chorando e fui imediatamente arrumar as minhas malas. Chorava


descontroladamente. A Bia acordou.

__ Filha, eu e você precisamos ir embora.

"Não, mamãe!"

__ Querida, eu não quero fazê-la sofrer! Desculpe, mas nós temos que partir assim que o dia
clarear, ok? Eu sou a sua mãe! Eu amo você mais do que tudo, meu anjo! Você tem que ir comigo!

"Não!"

A Bia se jogou no chão, se debatendo e chorando. Tentei acalmá-la sem êxito. O Lucca entrou na
casa e se aproximou de nós.

__ Está satisfeito? E agora, o que eu faço? Jogo minha filha, à força, na merda do meu carro com
a porra do meu amor? Agora, fique aí e tente acalmá-la! - eu disse ao descer as escadas. - Eu vou
embora daqui! Você venceu! - eu saí chorando pela porta.
Eu fui até a casa da Beth. Ouvir minha filha tendo um novo ataque de nervos era de cortar o meu
coração. Eu me sentia a pior mãe do mundo. Eu não servia nem para fazer a minha filha parar de
chorar. Eu não conseguia nem mesmo fazê-la falar comigo ou me obedecer.

__ Beth! Beth! - eu gritava desesperada, batendo em sua porta.

__ O que houve, querida? Por que está chorando desse jeito?

__ Eu preciso de sua ajuda para acalmar a Bia. Ela está muito nervosa. Nós partiremos assim
que o sol nascer.

__ Como assim? Você não ia ficar até um novo veterinário ser contratado?

__ O Lucca quebrou o meu violão, Beth! Ele o quebrou numa árvore. Eu não aguento mais
sofrer. Não aguento mais vê-lo saindo à procura de mulheres. Não aguento mais as grosserias dele e
as regras ridículas que ele impõe. Ajude-me, por favor! - eu a abracei com força e desabei em seus
ombros.

__ Tenha paciência, meu bem! Você precisa se acalmar! Deus tem guardado algo muito especial
pra você! Ele não quer vê-la sofrendo desse jeito!

Trechos da música “Somewhere Only We know” - Keane


(OBS.: na ficção, composta por Eva Martins)
Capítulo 6

Lucca
Olhar aquela menina chorando e gritando no chão me causou total perplexidade. Eu me
aproximei dela.

__ Ei, querida! Você precisa me ouvir!

“Eu não quero ir embora! Eu não quero!”

Eu não sabia lidar com aquilo e única coisa que pude fazer foi pegá-la em meus braços. Ela
continuava chorando e dando fortes gritos. A Luna também estava agitada com a crise da Bia. Eu a
levei para meu quarto e a coloquei sobre minha cama.

__ Eu e você vamos ficar aqui quietinhos, está bem? A Luna vai dormir aqui com a gente. Fique
calma, princesa! Se você se acalmar, poderei lhe explicar algumas coisas importantes.

Eu tirei minha roupa molhada e coloquei uma bermuda. Os gritos da menina estavam me
enervando. Voltei para a cama e a abracei. Comecei a alisar seus cabelos.

__ Calma, querida! Eu sei que você não quer ir. Vamos dar um jeito, está bem? Eu fiz uma
besteira. Quebrei o violão da sua mãe e falei umas coisas muito duras, e ela ficou brava comigo.
Confie em mim, Bia! Você vai continuar aqui. Eu vou consertar tudo isso! Eu prometo!

Quase uma hora depois, a Beth entrou em meu quarto e me viu abraçado à menina.

__ Sr. Lucca, eu vim pegar a Bia.

__ Beth, ela já adormeceu. Deixe-a aqui. Amanhã tudo se resolve.

__ Sinto muito, Sr. Lucca, mas eu tenho ordens da mãe dela para levá-la pra minha casa.

__ E você tem ordens minhas para deixá-la aqui! Ela está dormindo. - eu disse enquanto saia do
quarto. - Venha aqui pra fora. Não podemos acordá-la.

__ A Eva está muito mal. O Inácio precisou dar uma medicação muito forte para ela conseguir se
acalmar e adormecer. O que o senhor fez foi horrível!

__ Eu sei.

__ Nunca vi uma pessoa chorar de forma tão desesperada. Tive muita pena dela.

__ Beth, vá dormir! Deixe a garota comigo. Amanhã eu vou achar uma solução para tudo isso!

Eu fiquei muito mal ao ter a certeza do quanto eu havia machucado a Eva. Fui comer alguma
coisa na cozinha e deixei a Bia dormindo. Enquanto fazia um sanduiche, fiquei pensando em como
consertar a merda que havia feito.

Meus planos de vingança tinham saído do meu controle. Fiz com que ela se sentisse novamente
atraída por mim e se apaixonasse, mas eu já havia perdido o comando de tudo. Eu também não
conseguia mais resistir àquela mulher. E o mais estranho foi ouvir que ela nunca havia deixado de me
amar. Eu não sabia se poderia acreditar naquelas palavras.

Desde aquela noite em que a observei em minha sala, tão linda, tocando o maldito piano, eu
meio que perdi o rumo da minha vingança. Eu me mantive escondido e pude ouvir a canção, do início
ao fim. Fiquei encantado com aquela melodia e com aquela letra tão linda. Pela primeira vez em
anos, eu pude apreciar novamente uma música.

Quando ela se mostrou vulnerável diante de mim, eu aproveitei para humilhá-la. Disse que ela
me dava nojo e a fiz chorar. Logo em seguida, quando a vi entrando em seu quarto, meu coração
apertou. Eu ouvi o seu choro através da porta. Queria poder abraça-la e consolá-la, mas quando eu a
vi no quarto, a minha excitação tomou conta de mim. Não consegui resistir ao seu corpo. Seus lábios
eram tão deliciosos. Eu senti o quanto ela me queria. Naquele momento, eu só pensava em me
enterrar dentro dela. Não pude conter minha vontade e acabei a possuindo ali, de forma um tanto
agressiva. Sentia ódio e tesão ao mesmo tempo. Não consegui parar.

No dia seguinte à nossa transa, ela me disse que esperava mais de mim e que precisava de
carinho. Como eu poderia dar carinho a uma mulher que havia me causado tanto mal e ferrado toda a
minha vida? Notei que ela queria esclarecer os motivos que a fizeram me trocar por outro homem,
mas eu não queria mais ouvir suas explicações; não depois de todo esse tempo.

Naquela mesma noite, saí para encontrar a Isabel. Transei com ela pensando na Eva e adormeci.
Não! Eu não costumava ficar com mulheres o tempo todo. Geralmente, eu apenas saia pra beber e me
esquecer da vida sem sentido que eu levava nos últimos anos, e principalmente, saía para ficar longe
dela. Era difícil tê-la tão perto de mim sem poder tocá-la.

Voltei para o haras com o dia amanhecendo. Quando a vi ali, no meio daquela chuva, tremendo
de frio, fazendo o parto do Adonis, eu fiquei perdido novamente. Às vezes, eu a admirava; às vezes,
a odiava.

Saber que ela havia ficado doente me deixou angustiado. Fui vê-la várias vezes durante o dia.
Observá-la dormindo me trouxe um sentimento de nostalgia. Lembrei-me das manhãs de domingo em
que eu acordava mais cedo do que ela para fazer o seu café da manhã. Ela sempre abria os seus
lindos olhos bem devagar, se espreguiçava e esboçava o sorriso mais meigo e doce que eu já havia
visto na vida.

Quando a Eva acordou, já um pouco melhor, ela novamente disse que me amava; que sentia
ciúmes de mim; que nunca conseguiu me esquecer; que pensava em mim o tempo todo. Ouvir aquilo
deixou minha cabeça rodando de tanta confusão. Eu não podia ceder àquelas palavras. Eu não podia
confiar nela.

Anos antes, ela havia jurado que me amaria por toda a sua vida, mas não hesitou em me
abandonar sem nenhuma justificativa, sem nem ao menos ter a decência de se despedir pessoalmente.
Agora, depois de todos esses anos, eu não poderia ser um trouxa de novo.

Depois que a Eva partiu, minha vida virou do avesso. E tudo que aconteceu comigo a partir dali,
tinha sido culpa dela. Ela não merecia meu perdão; meu carinho; meu amor. Ela merecia sofrer, assim
como eu sofri.

Resolvi me distanciar ainda mais. Estava tendo um bom autocontrole, até hoje à noite. Eu perdi
a cabeça. Apesar de ter bebido um pouco, eu não estava bêbado. Estava apenas repleto de ódio
impregnado dentro de mim. Quando ouvi o som do violão, eu me descontrolei. Naquele momento, só
pude pensar em todo mal que ela havia me feito e em todas as consequências horríveis advindas de
sua atitude infantil de me largar, como se eu nunca tivesse significado nada. Ela se desfez de mim
com a maior facilidade do mundo.

Eu não queria ter quebrado o maldito violão. A raiva foi mais forte do que eu. Ao destruir
aquele instrumento, eu estava descarregando todos esses anos de vazio; de dor; de culpa.

Voltei para a cama e me aninhei à Bia. Ela se parecia tanto com a Eva. Não sei o motivo, mas de
alguma forma, ela gostou de mim e eu me afeiçoei a ela. Nunca havia convivido antes com nenhuma
criança Asperger, mas eu tinha jeito para lidar com a menina.

A garotinha adorava morar aqui no haras. Eu não poderia permitir que a Eva partisse e levasse a
filha contra a vontade dela. Eu tinha que pensar em uma solução para consertar a cagada que eu havia
feito. Agora, eu só precisava dormir um pouco. Amanhã seria um novo dia.

Acordei cedo. Não dormi nada bem. Meu rosto estava abatido. A chuva havia parado. Acordei a
Bia e a levei para a casa do Inácio.

__ Beth, você poderia dar o café da manhã da Bia e da Luna?

__ Sim senhor.

__ Chame o Inácio aqui. Diga que é urgente.

Pouco tempo depois, ele aparece no terraço.

__ Oi, Sr. Lucca.

__ Como ela está?

__ A Eva ainda está dormindo. O senhor agiu muito mal com ela ontem. A coitada mal conseguia
explicar o que havia acontecido de tanto que chorava.

__ Eu tenho uma solução para o caso. Se a menina for embora com a mãe, ela vai piorar! Ela
adora viver aqui.

__ Então, por que o senhor destratou a Eva, a humilhou e a mandou embora?

__ Porque eu sou um filho da puta desalmado. Achei que já soubesse disso, Inácio!

__ E qual seria a tal solução?

__ Eu vou passar uns tempos no Rio de Janeiro. A Eva e a Bia vão continuar aqui.

__ Ela não vai querer ficar!


__ Ela vai sim! Vai fazer isso porque ela ama a filha e sem a minha presença aqui, não há
motivos para ela ir embora.

__ O senhor vai abandonar o haras?

__ Digamos que vou me ausentar por uns dias! Você agora é novo administrador dessas terras,
Inácio! Você sabe como pagar os funcionários; como cuidar dos animais; como manter as coisas
funcionando por aqui.

__ Eu não posso fazer isso sozinho, patrão.

__ A Eva poderá lhe ajudar. Além disso, olhe-se no espelho, Inácio! Você tem muito mais
experiência do que eu. Você é um homem vivido e muito inteligente.

__ E quando o senhor pretende voltar?

__ Não sei! Vou deixar o cartão de crédito e débito, e o talão de cheques sob sua
responsabilidade! Eu confio em você! Qualquer dúvida, ligue pra mim! Você vai ficar com a minha
caminhonete. Eu vou de avião. Partiremos para o aeroporto em meia hora.

__ Ok, Sr. Lucca!

__ E, por favor, cuide da garota e da Eva! Não permita que elas saim daqui! - eu disse pouco
antes de entrar no quarto onde ela dormia.

Observei a Eva por alguns instantes. Sentei ao lado de sua cama. Ela estava enrolada em um
edredom e usava uma roupa da Beth. Seu semblante aparentava cansaço, mas ela continuava linda!
Eu precisava sair logo dali, antes que ela acordasse.

Depois de fazer um rápido desjejum, falei com os empregados e me despedi da Bia.

__ Eu sinto muito, princesa, mas eu preciso me ausentar por uns tempos. Você vai ficar aqui!
Cuide de sua mãe e da Luna, está bem? - eu beijei seu rosto e entrei na caminhonete.

"Não vá! Não vá embora!"

Eu não poderia prolongar aquela despedida. Partimos rumo ao aeroporto. Olhei para o
retrovisor e vi que os olhos da garotinha se encherem de lágrimas. O antigo Lucca se emocionaria
com aquela cena, mas o homem que eu havia me tornado era incapaz de demonstrar quaisquer
sentimentos.

__ Beth, eu não estou acreditando!

__ Eva, é sério! O Sr. Lucca partiu para o Rio de Janeiro e deixou você e o Inácio responsáveis
por tudo. Eles já estão a caminho do aeroporto.

__ Isso não tem a menor lógica!

__ Querida, pense na sua filha! O homem se arrependeu pelo que fez e preferiu deixá-la
quietinha aqui. Se você tivesse que partir levando a Bia à força, isso iria traumatizá-la ainda mais.
Ela não é uma criança como as outras. Eu andei lendo muito sobre a Síndrome de Asperger. Aqui a
Bia tem os cavalos, a cachorrinha e tem uma rotina saudável. Ela adora morar aqui. Pense nela, Eva!

__ Beth, seu sei de tudo isso! Mas um dia o Lucca vai voltar! Eu não posso mais conviver com
ele.

__ Quando isso acontecer, aí você decide o rumo da sua vida. Por enquanto, você precisa viver
um dia de cada vez.

Ao chegar ao Rio, peguei um táxi e fui visitar o Felipe em seu escritório de advocacia.

__ Lucca! Que surpresa, meu velho! Que bons ventos o trazem à nossa 'cidade maravilhosa'?
Nem acreditei quando você me ligou dizendo que vinha.

__ Felipe, eu preciso ficar no Rio por algum tempo.

__ Pretende ficar por quanto tempo, Lucca?

__ O suficiente para precisar de um lugar pra viver. Você sabe onde eu poderia encontrar um
bom flat?

__ Você vai ficar comigo! Eu moro em um apartamento bem confortável. Fique pelo tempo que
quiser.

__ Eu talvez esteja falando de meses.


__ Não importa! Você fica comigo. Conversamos depois. Encontre-me neste endereço a partir
das 19h. Depois farei uma cópia das chaves pra você! Tenho que ir a uma audiência agora mesmo.

__ Valeu, cara! Obrigado!

Saí do escritório e fui imediatamente alugar um carro. Em seguida, dirigi até uma loja de
instrumentos musicais que ficava no centro da cidade. Eu costumava frequentar muito aquela loja
desde meus tempos de moleque.

__ Não acredito! Lucca Baroni! - um fã veio até mim.

__ Olá!

__ Poxa, que prazer! Faz anos que não o vejo na mídia. Você acha que algum dia
a Sonic Beat pode voltar a se reunir? Eu, assim como outros fãs, sentimos muita falta do som de
vocês.

__ Acredito que a banda jamais voltará a tocar.

__Poxa, que pena!

Continuei falando com o rapaz e dei alguns autógrafos durante minha rápida passagem pela loja.
O atendente que costumava me receber quando eu era garoto estava bem mais velho. Foi bom voltar a
vê-lo. Conversamos um pouco.

Ele me mostrou uns instrumentos. Algum tempo depois, achei o violão perfeito para a Eva. Era
um instrumento magnífico! Custou-me uma nota preta. Comprei um bonito case para guardá-lo e
depois procurei um profissional para fazer uma coisinha nele, antes de enviá-lo.

Ao sair dos correios, fui encontrar o Felipe em seu belo apartamento na Barra da Tijuca. Eu
ficaria muito bem instalado ali. Passei minha primeira noite dormindo por doze horas seguidas.
Estava exausto.

Ao acordar, numa manhã de sábado, pude finalmente conversar com o meu amigo sobre os
acontecimentos dos últimos tempos.

__ De tantos lugares no mundo para ela procurar emprego, a Eva foi logo bater em Jardim
Campo Belo? Que história fantástica! Isso parece coisa de filme!
__ Pois é, Felipe! Ela disse que quando viu o anúncio no jornal, pensou que o seu pai
continuava sendo o dono do haras.

__ E me diz uma coisa? Como ela está hoje? Ela continua bonita?

__ Ela está ainda mais linda do que antes! É uma mulher de tirar o fôlego! Parece até que os
anos a tornaram mais atraente; mais sexy.

__ Você está mesmo ferrado, meu amigo! A mulher que você odeia está, nesse exato momento,
em sua propriedade com a filha, e você está aqui, como se estivesse fugindo da atração que ela
desperta em você. Isso é muito louco! Você praticamente deixou o haras pra ela. - ele sorriu.

__ Você resumiu tudo muito bem. Ela ainda me atrai demais! Pra você ter ideia, eu precisava
sair, todas as noites, para aquele barzinho na cidade. Eu tinha que me distrair; você entende? Passava
o meu tempo apenas bebendo e nem conseguia ficar com outras mulheres de tanto que eu pensava na
Eva. Nesse tempo todo, eu só estive com três garotas, embora ela pense que eu peguei dezenas.
Desde o maldito dia que ela apareceu lá, minha cabeça virou do avesso. As duas cabeças, quero
dizer.

Felipe gargalhou.

__ Não ria, seu porra! Eu estou numa enrascada do caralho! Tem horas que desejo o pior para
aquela desgraçada. Aí, de repente, sinto pena quando fito seus olhos. É como se eu também
enxergasse alguma dor em seu olhar. Mas aí a vontade de me vingar daquela maldita volta a tomar
conta de mim.

__ Já que estamos aqui falando sobre o passado, eu acho que você não agiu bem ao acabar com
a banda, deixar a cidade e ir morar naquele fim de mundo. Quando você resolveu comprar as terras
do meu pai, eu imaginei que você estivesse fazendo a maior burrada da sua vida.

__ Felipe, ir viver no haras salvou a minha vida!

__ Eu nunca o entendi, mas sempre o apoiei. Então, agora, eu só posso continuar fazendo
mesmo. Conte comigo para o que precisar!

__ Valeu, cara!

__ E o que pretende fazer por aqui para se ocupar?


__ Por enquanto, nada! Só quero pensar na vida e esquecer aquela mulher, até poder voltar para
a minha casa. Vou entrar naquela academia que fica do outro lado da rua e vou aproveitar para ler um
bocado, ver bastante filme e jogar o seu videogame de última geração.

__ Isso é o que eu chamo de vida produtiva! - Felipe ironizou. - Você não sente falta de tocar e
cantar?

__ Não! Já disse que não quero mais saber de música na minha vida!

__ Ei, vamos sair hoje para pegar umas gostosas? Você sabe que o Rio é o lugar com o maior
número de mulher gata por metro quadrado de todo o planeta terra.

__ Não sei, Felipe. Não estou com vontade de sair.

__ Você nunca esqueceu a Eva, não foi?

__ Nunca!

__ Você não estaria disposto a perdoá-la, já que se sente tão atraído por ela e já que gosta da
menina?

__ Você a perdoaria, Felipe? Você perdoaria a mulher que fodeu toda a sua vida?

__ Não, meu amigo! Eu acho que não!

Hoje estava fazendo trinta e seis dias que havia deixando o haras. Estava entediado morando
com o Felipe. Ele estava numa fase bem produtiva no escritório e eu passava meu tempo sem fazer
porra nenhuma, e não ser pensar na Eva. Aquela danada não saía da minha cabeça.

Tentei de tudo. Malhava forte, de manhã e no fim da tarde. Eu virei sensação entre a mulherada
daquela academia. Se quisesse, poderia ter uma companhia diferente a cada noite. Tinha horas que
me sentia constrangido com a forma que as mulheres me abordavam. As moças estavam meio que
perdendo sua natural sensualidade e aquela coisa inocente de serem conquistadas e estavam partindo
para cima dos homens.

Eu sempre gostei de ser o predador, mas claro que não despachava nenhuma mulher que desse
mole pra mim. Só que, de uns tempos pra cá, eu meio que perdi a vontade de sair transando com
aquelas garotas. Tive que dispensar uma dúzia de cariocas dos mais diversos tipos de
personalidades, corpos e tons de cabelo.

Uma noite, o Felipe me apresentou a uma amiga de uma garota que ele estava ficando. Dessa
vez, eu não resisti e acabamos transando. Eu me lembrei da Eva durante o sexo e, logo depois, senti
um vazio enorme dentro de mim. O pior era que eu pensava nela o tempo todo. Perdi as contas de
quantas vezes me masturbei pensando naquela mulher.

Quando o Felipe conseguiu uns dias de descanso no escritório, ele me chamou para irmos à
Paraty. Tive que recusar o convite. Aquele lugar me trazia lembranças ruins da Lorena. Em vez disso,
conversei com ele sobre minha vontade de retornar pra casa. Estava com saudades dos meus cavalos,
da Luna, da Bia, e é claro, da Eva.

Algumas vezes por semana, o Inácio me ligava para tirar alguma dúvida sobre a administração
dos negócios. Hoje, no entanto, havia sido diferente: a própria Eva Martins me telefonou logo cedo.

__ Oi, Lucca.

__ Olá! A Bia está bem?

__ Está sim! Eu gostaria de falar com você.

__ Sobre o quê?

__ Bom, eu recebi uma proposta muito boa para trabalhar e morar na fazenda do seu vizinho do
outro lado do rio, o Sr. Elias Figueiredo. Já começo lá a partir de amanhã.

__ Sei.

"Você não pode trabalhar com aquele verme escroto!"

__ Então, acho que isso resolveria muita coisa. A Bia poderia continuar em contato com os
cavalos, com a Luna, com a Beth e o Inácio. E você poderia voltar a administrar o haras. As pessoas
aqui estão sentindo sua ausência. E até você arranjar um veterinário, eu ficaria em regime de alerta,
vindo sempre que houvesse alguma demanda urgente.

__ Era só isso, Eva?

__ Era sim.
__ Bom, faça como quiser! - eu desliguei o telefone.

Eu fumacei de raiva. Aquela infeliz já havia decidido deixar minha propriedade para trabalhar
com aquele velho filho da puta. Passei a manhã inteira muito nervoso. Pensei no que fazer e, no meio
da tarde, decidi voltar para o haras. Falei com o Felipe sobre meu retorno e parti.

Assim que cheguei em BH, peguei um taxi para Jardim Campo Belo. Quando pus meus pés no
haras, já perto de escurecer, vi a Bia andando em frente ao lago com a Luna. Eu adorei revê-la.
Aproximei-me devagar e a abracei forte.

__ Oi, princesa! Estava com saudades!

Ela me olhou feliz e sorriu, pendurando-se em meu pescoço.

"Você voltou! Você voltou!"

Afaguei a Luna, que se balançava toda de alegria ao me ver.

__ Oi, lindinha! Também estava com saudades de você!

Naquele instante, senti alguém se aproximando. Quando me virei, vi a Eva parada diante de
mim.

“Meu Deus! Como você é linda!”

__ Oi, Lucca.

__ Oi. Eu gostaria de conversar com você! - eu disse ao pegar minha mala do chão. - Bia, você
fica aqui um pouquinho? Eu preciso falar com a sua mãe em particular.

Eu e a Eva nos afastamos da menina e caminhamos até a minha casa. Ao chegarmos na sala, eu
fui direito ao assunto.

__ Eu voltei o mais rápido que pude para impedi-la de cometer o grande erro de ir trabalhar
com o Elias.

__ Por que isso seria um erro?

__ Porque aquele velho não presta. Acredite no que estou lhe dizendo. Além disso, não existe
lógica alguma em você sair daqui. A Bia já está adaptada a este lugar. Você ganha um excelente
salário. Não há razão para você deixar o haras.

__ Você sabe bem qual é a razão!

__ Eu sei que agi muito mal naquela noite, mas acho que meu pedido de desculpas foi bastante
significativo. Eu comprei um novo violão pra você assim que pus os pés no Rio de Janeiro. Eu deixei
você vivendo aqui com a Bia.

__ Eu recebi o violão e gostei muito, mas esse instrumento caro que você me comprou jamais
vai substituir o valor sentimental do outro que você destruiu.

__ Poxa, Eva! Eu até mandei gravar nele as iniciais 'SB'. Eu tentei desfazer o meu erro.
Desculpe-me por tê-la magoado. Eu não quis ter agido daquela forma, mas um sentimento de raiva
muito grande se apossou de mim naquele momento.

__ Eu não desejo o seu mal e não guardo rancor pelas coisas horríveis que você me disse,
Lucca, nem pelas coisas que você me fez! Eu só quero ficar longe de você e viver em paz. Eu começo
lá no Elias amanhã. Já está tudo acertado.

__ Não faça isso, Eva! Aquele homem não será um bom empregador ou um bom amigo pra você.
Não confie nele!

__ Eu já aceitei o emprego. Obrigada por nos receber em sua casa durante todo esse tempo, mas
você e eu sabemos que não dá mais! - ela subiu as escadas e entrou em seu quarto.

Saí dali angustiado e fui até a garota novamente. Falei pra ela que havia trazido dois livros de
presente e repeti o quanto eu estava com saudades. Logo depois, eu segurei sua mão e a levei para a
Beth e o Inácio. Eles ficaram surpresos ao me verem.

__ Falaremos melhor depois, ok? Fiquem aí com a Bia. Eu preciso de privacidade para
conversar com a Eva lá em casa.

__ Ok, Sr, Lucca! - Inácio respondeu entendendo o que eu queria dizer.

Voltei para minha casa e subi as escadas correndo. Bati na porta do quarto dela. Eu precisava
vencer aquele ódio que eu carregava em meu coração. Eu tinha que tentar ser feliz com a única
mulher que eu amei em a minha vida.
__ Quem é?

Eu não respondi. Temia que ela não abrisse a porta se soubesse que era eu.

__ É você, Bia?

Ela abriu a porta. Tinha acabado de terminar seu banho. A Eva estava linda com os cabelos
molhados, enrolada numa toalha vermelha.

__ Vim para terminarmos a nossa conversa.

__ Não temos nada mais a conversar, Lucca! Por favor, vá embora.

__ Eva, me desculpe por tudo que eu fiz!

__ Eu já o desculpei. Agora saia daqui, Lucca!

__ Queria que soubesse que não houve um único dia em que estive no Rio que eu não pensasse
em tê-la em meus braços! Eu não posso mais negar que eu ainda sou completamente louco por você,
Eva! Eu nunca consegui tirar você de mim! - eu disse ao me aproximar ainda mais.

Ela parecia assustada. Eu segurei seu rosto e analisei todos os detalhes do que via. Aqueles
lindos olhos; aquela boca tão bonita. Eu a beijei e saltei de seu corpo a toalha que o cobria, fazendo-
a cair no chão. Fiquei excitado ao apreciar aquele corpo maravilhoso. Seus seios, sua barriga, suas
coxas. Alisei suas costas e cheirei seu pescoço. Ela gemeu com meu toque.

__ Eu preciso de você agora, Eva! E dessa vez, eu prometo, não faltará carinho.

__ Lucca, não faça isso se não tiver certeza do que quer e do que sente por mim.

__ Eu tenho certeza de que quero você, Eva! Faça amor comigo. Eu te amo, querida!

Eu a peguei, nua, em meus braços, e a levei para a sua cama. Tranquei a porta. Livrei-me de
minhas roupas e fiquei hipnotizado em seu olhar. Ela era tão bonita! A luz do quarto estava ligada.
Pude perceber como ela era perfeita e vi a marca da cesariana que havia em seu abdômen.

Eu abri suas pernas e permaneci ali, lambendo-a, intensamente, até conseguir levá-la a seus
primeiros espasmos. Ela se agarrou ao lençol da cama e se contorceu inteira. Seu corpo enrijeceu.
Suas pernas tremeram. Sua respiração ficou entrecortada e ela gemeu de prazer.
Eu adorava vê-la tendo um orgasmo. Fui até seu rosto, acariciei seus cabelos e a beijei de forma
carinhosa. Em seguida, levantei-me da cama e abri minha carteira para pegar um preservativo.
Desliguei a luz do quarto e mantive a do banheiro acesa.

Voltei para a cama. Deite-me ao seu lado e voltei a acariciá-la inteira: seu rosto, seus seios,
suas pernas. Ela parecia tão relaxada e feliz.

__ Agora é a minha vez, Lucca! - ela disse ao colocar sua boca em meu membro.

__ Ahhhhhh, Eva! - eu gemi de tesão.

Aquela boca linda em meu pau era a realização da fantasia número um das últimas semanas,
tendo-a como protagonista. Só que a realidade estava sendo mil vezes melhor. Eu estava quase
gozando, mas não poderia agora... não antes de tê-la dentro de mim. Afastei-me de sua boca e
coloquei a camisinha.

Beijei sua nuca e suas costas. Apertei seus seios e comecei a falar umas sacanagens em seu
ouvido. Logo, a Eva estava pronta novamente para mim. Deitei seu corpo sobre a cama e comecei a
penetrá-la. Eu adorava olhar para seu rosto nesse momento. Ela gemia baixinho e se contorcia, com
sua boca entreaberta e seus olhos semicerrados, louca de tesão. Aumentei o ritmo de minhas
estocadas. Nossos corpos se encaixavam num ritmo perfeito.

__ Luccaaaaa! - ela apertou seus dedos fortemente em minhas costas.

Não demorou muito e eu também cheguei ao clímax. Eu gemi forte em seu ouvido. Ficamos ali,
suados, ainda respirando ofegantes. Tinha receio de falar alguma bobagem. Apenas fiquei apreciando
seu rosto. Ela sorriu satisfeita. Eu saí de cima de seu corpo e a puxei contra meu peito.

__ É mesmo verdade que você sentiu a minha falta? - ela me questionou.

__ Eu senti a sua falta como um louco! Eu poderia juntar as mulheres com quem transei em
minha vida e todas elas não dariam uma só de você!

A Eva se entristeceu com o que ouviu. Ela fixou sua atenção no número de mulheres que eu
havia tido em meus braços e esqueceu-se de que eu disse que ela era melhor e mais importante do
que todas elas juntas.

__ Eva, eu não vou negar que já dormi com diversas mulheres. Você sabe disso! Mas com
apenas uma delas eu fiz amor. Foi com você! Você foi a única mulher que eu amei. Você sempre foi a
única que mexeu comigo.

__ E a Lorena?

__ Querida, nós só poderemos dar certo, daqui pra frente, se impedirmos que o passado venha
perturbar o nosso presente. Eu não quero saber o porquê de você ter terminado comigo; não quero
saber sobre o pai da Bia; não quero que me pergunte sobre a Lorena ou sobre as mulheres com quem
já dormi. Você pode fazer isso por nós?

__ Posso sim! Eu só queria dizer que eu e o Alexandre...

__ Não! Não diga nada! Não estrague esse momento, por favor!

Eu me levantei da cama e a puxei comigo para o banheiro.

__ Vamos tomar um banho juntos.

Ela sorriu e me acompanhou. Ficamos debaixo do chuveiro por um bom tempo e transamos
novamente. Estar com ela em meus braços era o céu pra mim.

__ Acho que não vou me acostumar com isso. - ela disse ao sair do banho.

__ Acostumar com quê?

__ É que em pouco mais de uma hora você já me levou ao orgasmo por três vezes!

__ Pois se acostume, Eva! Agora não existirão mais mulheres em minha vida que não você.
Então, você ainda terá milhares de orgasmos comigo.

__ A ideia parece ótima! - ela sorriu pra mim.

__ Vamos! Eu quero ver a Bia novamente. Estava com saudades daquela garotinha esperta.

__ Você realmente gosta dela, não é?

__ Gosto muito! E você já percebeu que ela também me adora.

__ Percebi sim! Ela sentiu muito a sua falta, Lucca!


__ E você, querida? Sentiu minha falta também? - eu a agarrei.

__ Todos os dias! Por isso é que eu tinha logo que sair daqui. Morar em sua casa sem você por
perto me deixava muito triste.

__ Eva, você agora é a minha namorada de novo e, portanto, essa é a sua casa também. Você vai
administrar o haras comigo. E por falar nisso, não quero que chegue nem perto da fazenda do Elias.

__ Amanhã eu o informarei da mudança de planos por telefone.

__ Ótimo! Agora vamos! Quero contar a novidade para o pessoal.

__ Eu também.

__ Eva? - eu puxei seu braço antes de ela deixar o quarto.

__ O que foi?

__ Eu te amo demais! - eu cheirei seu pescoço.

Ela sorriu.

__ Eu te amo, Lucca!

Antes de jantarmos, contamos tudo para a Beth e o Inácio. Eles adoraram. A Beth era a mais
animada.

__ Graças a Deus que vocês dois se acertaram! A gente via que vocês não podiam ficar longe
um do outro. - ela comemorava feliz.

__ Gente, eu queria conversar um pouco com a Bia em particular. Vamos lá pra fora, princesa? -
eu disse fitando seus olhinhos.

Ela segurou minha mão e me seguiu. Sentamos no banco perto do lago, onde tanto ela como a
Eva gostavam de ficar. Permaneci em silêncio por algum tempo, até achar as palavras certas.

__ Bia, como você já ouviu lá dentro, eu e a sua mãe estamos namorando. Eu queria saber o que
você acha disso. Você acha bom eu a Eva ficarmos juntos?
"Sim! Acho bem legal."

__ Eu sei que você deve sentir muita falta de seu pai, mas saiba que eu gosto demais de você.
Nunca poderei substituir o Alexandre, querida, mas posso ser o seu amigo. Está bem assim?

"Está ótimo! Você é bom! Eu gosto de você!"

__ No passado, sua mãe me fez uma coisa que me magoou muito. Mas eu decidi perdoá-la, de
uma vez por todas, por todo o mal que ela me causou. E uma das grandes razões para eu fazer isso é
você, Bia! Você é uma menina muito especial! Eu quero sempre tê-la por perto!

Colocamos a Bia para dormir, não antes de eu ler o primeiro capítulo de um dos livros que tinha
comprado pra ela: 'Sophie's World', do Jostein Gaarder (O Mundo de Sophia, em sua versão em
inglês). Eu não entendia como uma menina de 7 anos conseguia ser tão inteligente, compreender
outras línguas e gostar de livros complexos para a idade dela.

A Eva apareceu na porta do quarto e nos observou. Ela piscou pra mim e sorriu.

__ Pronto! Continuamos amanhã, ok? Tchau, Luna! Durma bem, princesa! - eu disse ao sair do
quarto, deixando mãe e filha sozinhas.

"Estou feliz por você ter voltado!"

__ Durma com os anjinhos, querida! Qualquer coisa que precisar, eu estarei no quarto da frente
com o Lucca, está bem?

" Já vi que vocês vão fazer aquela coisa nojenta que os homens e as mulheres fazem na cama!
Urggg!"

__ Eu te amo muito, filha!

"Te amo, mamãe!"

Naquela noite, eu e a Eva dormimos juntos pela primeira vez depois de todos esses anos. Tê-la
perto de mim e sentir seu perfume me fez lembrar do dia em que ela cantou uma música pra mim com
seu antigo violão, em nosso apartamento no Rio. Isso foi uns três meses depois que começamos a
ficar juntos.
Aquela cena estava vívida em minha mente agora.

Entrei no quarto e a vi sentada em nossa cama, vestida com uma das minhas velhas camisetas,
sorrindo e agarrada ao violão.

__ Oi, meu bem! Eu fiz uma música pra você. Gostaria de mostrá-la. Espero que seja a primeira
de muitas.

__ Vou adorar ouvi-la, minha linda?

Eu me ajeitei na cama e ela começou a cantar e tocar. Eu me derreti todo. Eu sorria como um
idiota apaixonado porque estava vendo, em minha frente, a mulher que eu amava, também
completamente louca por mim. Queria poder guardar aquele momento numa máquina do tempo para
jamais esquecer.

The thing about love


A coisa sobre o amor

Is I never saw it coming


É que eu nunca vi isso acontecer

It kinda crept up and took me by surprise


Meio que me subiu e me pegou de surpresa

And now there's a voice inside my heart that's got me wondering


E agora há uma voz dentro do meu coração que me pergunta

Is this true, I want to hear it one more time


Isto é verdade? Eu quero ouvir mais uma vez

Move in a little closer; take it to a whisper


Venha mais pra perto; fale sussurrando

Just get a little louder


Ou um pouco mais alto

Say it again for me


Diga de novo para mim

Cuz I love the way it feels when you are telling me that I'm
Porque eu adoro esse seu jeito de dizer que eu sou
The only one who blows your mind
A única que o deixa confuso

It's like the whole world stops to listen


É como se o mundo parasse para ouvir

When you tell me you're in love


Você dizendo que me ama

Thing about you is you know just how to get me


Tem coisas que só você sabe obter de mim

You talk about us like there's no end in sight


Você fala de nós como se não houvesse um fim à vista

The thing about me is that I really want to let you


A coisa sobre mim é que eu realmente quero que você

Open that door and walk into my life


Abra a porta e entre em minha vida

And it feels like it's the first time


E isso me faz sentir como se fosse a primeira vez

That anybody's ever brought the sun without the rain and never in my whole life
Que alguém trouxe o sol sem a chuva em toda a minha vida

Say it again for me


Diga de novo para mim

Cuz I love the way it feels when you are telling me that I'm
Porque eu adoro esse seu jeito de dizer que eu sou

The only one who blows your mind


A única que o deixa confuso
Say it again for me
Diga de novo para mim

It's like the whole world stops to listen


É como se o mundo parasse para ouvir

When you tell me you're in love


Você dizendo que me ama
Say it again
Diga de novo

__ Que letra linda, meu anjo! - eu sorri e a beijei. - Você é realmente a única que me deixa
confuso! Você é a única que eu amo... e eu posso dizer isso de novo.... e de novo... por quantas vezes
você quiser ouvir.

Algumas semanas depois, a Eva cantou essa música no final de uma de nossas apresentações. A
partir daquele momento, ela ou eu sempre voltávamos ao palco, ao fim dos shows, para cantar uma
música em homenagem àquela paixão maluca que sentíamos um pelo outro. Ficou sendo a marca
registrada de nossa banda. Os caras não se importavam e chamavam aquele momento de "a hora dos
pombinhos".

Ali, com a Eva dormindo em meus braços, passou um filme em minha cabeça de muita coisa que
vivemos. Era incrível tê-la tão perto depois de tanto tempo de separação. Antes de deixar o Rio,
decidi que não poderia continuar nutrindo um ódio por uma mulher que eu não conseguia deixar de
amar. Eu tinha que seguir sem aquele rancor. Eu tinha que esquecer tudo e ir em frente. Adormeci
acariciando suas costas nuas. Eu estava feliz, mas ainda muito confuso e com medo. Tinha medo do
lobo que havia dentro de mim; da parte de minha mente que era completamente fodida e atormentada.

Trechos da música “Say It Again” - Marie Digby


(OBS.: na ficção, composta por Eva Martins)
Capítulo 7

Eva
As coisas entre mim e o Lucca estavam incrivelmente perfeitas. Depois de quase dois meses
desde que resolvemos nos acertar e deixar o passado para trás, nós vivíamos felizes e em harmonia.
A Bia estava radiante.

Eu continuei ajudando na administração da propriedade sempre que minha função como


veterinária não era exigida. Viver naquele pedacinho do paraíso na terra me trazia a segurança de que
tanto precisava e me trazia paz. Ter o Lucca ao meu lado me fazia a mulher mais feliz do mundo,
mesmo que ainda existissem coisas que ainda me incomodavam.

Era incrível como o Lucca ainda não conseguia admitir a presença de música na casa. Eu tentei,
de todas as formas, pedir explicações para conseguir entendê-lo. Mas ele desconversava e apenas
dizia para que eu respeitasse sua vontade. Então, sempre procurava cantar e tocar apenas em sua
ausência.

Outra coisa estranha é que eu ainda não tinha visto o Lucca esboçar nenhum sorriso. Havia horas
que eu sentia que ele estava feliz, sereno. Ainda assim, nenhum sorriso brotava daquele rosto.

Eu e o Lucca nunca falávamos sobre nosso passado e nem fazíamos projeções para o futuro. O
nosso lema, desde que voltamos a ficar juntos, era: viver um dia de cada vez! E essa coisa de
aproveitar o momento presente funcionava muito bem para nós dois.

Ele tinha um jeito peculiar de ser carinhoso e encantador comigo, mas sempre com suas
limitações, que eu respeitava, apesar de não entender. Nossa vida sexual ficava cada dia melhor.
Sempre que podíamos, nós fugíamos para algum lugar para ficarmos juntos.

O nosso maior cuidado era preservar a Bia e evitar sermos surpreendidos pelos empregados.
No entanto, na ausência das pessoas, nos agarrávamos em todos os lugares daquele haras. Não foram
poucas as vezes em que o Lucca me pegou, depois de um dia de trabalho, no galpão dos cavalos.
Achava aquilo tudo muito excitante.

Certa vez, o Inácio quase nos flagrou transando às margens do rio, em cima da velha canoa. Foi
por triz. Começamos a ter mais cuidado a partir dali, mas era difícil vê-lo por perto e não querer tê-
lo junto de mim. Adorava o cheiro dele; aquela boca sexy; aqueles olhos tão lindos; aquela barba
ralinha que parecia meio desleixada, mas que dava um charme especial à sua imagem de homem
viril. Isso tudo sem contar as lindas tatuagens, em suas costas e em seu braço, que eu tanto gostava.
Ele era um espécime de macho que toda mulher sonharia em ter como parceiro.

Tinha acabado de medicar um dos cavalos do Lucca que estava doente, quando vi meu celular
tocando.

__ Tem lugar aí para eu passar o fim de semana, amiga?

__ Claro, Júlia! Temos quatro suítes vazias. Venha mesmo! Vamos adorar recebê-la! Você
sempre diz que vai vir, mas acaba me enrolando.

__ Dessa vez eu vou mesmo, Eva! Chego lá pelas cinco da tarde.

__ Ok. Dirija com cuidado.

O Inácio e a Beth estavam nos chamando para almoçar. Montei no Cometa e fui procurar o
Lucca. Eu o encontrei galopando com o Apolo nas proximidades do Rio.

__ Querido, está na hora do almoço.

__ Eu já estava indo. - ele me disse ao se aproximar de mim.

__ Ah, tem algum problema se a Júlia passar o fim de semana aqui conosco? Ela estará
chegando em poucas horas.

__ Por mim tudo bem, mas tem algo que acabei de me lembrar. Há uns dois dias, o Felipe me
disse que estaria chegando hoje para visitar o haras.

__ De qualquer forma, acho que os dois poderão ficar conosco. O Felipe ainda toca?

__ Toca só por hobby. Ele agora é um advogado de renome e não tem muito tempo.

__ Entendo. Bom, vamos apostar uma corrida?

__ Você ainda tem dúvidas de que meu Apolo ganha uma corrida do Cometa?
__ Isso é o que veremos! - eu disparei em sua frente sorrindo.

__ Isso é roubo, Eva! - ele gritou galopando atrás de mim.

Não foi surpresa nenhuma que, ainda com a minha desonesta vantagem, o Lucca me venceu.
Aquele cavalo tinha algo de muito especial. Era, de fato, um equino de encher os olhos. O dono dele
também não ficava atrás. Ele me encantava completamente. Que filho da mãe bonito! O meu Lucca
Baroni. O homem que eu sempre amei.

No início da noite, o Inácio chegava ao haras com o Felipe. Ele foi buscá-lo no aeroporto. Eu
estava de papo com a Júlia na cozinha quando vi o Lucca entrando com o amigo. Eu corri para
abraça-lo.

__ Meu Deus! Como é bom ver você!

__ Eva Martins! Por onde esteve esse tempo todo? Sentimos muito a sua falta! Juro que fiquei
muito puto com o que você fez com a gente. Mas só de saber que você está bem e que vocês dois
estão juntos e felizes, eu a perdoo! - Felipe disse ao me abraçar.

__ Ow, Felipe! Desculpe-me! Sei que causei transtornos a todos da banda com a minha partida,
mas tenha certeza de que eu não fiz aquilo de propósito. Tive bons motivos para agir daquela forma.

__ Que tal vocês pararem de falar sobre essas coisas do passado? - Lucca resmungou.

__ Felipe, deixe-me apresentá-lo à minha amiga Júlia. Ela é a fonoaudióloga da Ana Beatriz,
minha filha.

__ Júlia, esse aqui é o Felipe. Ele era o tecladista da banda e atualmente é advogado.

__ Prazer, Júlia!

__ Olá, Felipe!

Eu e o Lucca nos olhamos no momento em que os dois ficaram parados, um em frente ao outro.
Acho que rolou ali algum tipo de admiração ou atração mútua.

__ Mas, então, Eva! Onde está a sua filha?


__ Ela está com a Beth, nosso braço direito aqui no haras. Depois a trago aqui.

__ Vamos colocar sua mala em um dos quartos, Felipe. - Lucca falou.

__ Claro! Até logo mais garotas!

Os rapazes subiram as escadas. Segundos depois, eu olhei para a Júlia e sorri quando pude
entender, por leitura labial, o que ela estava querendo dizer.

"Que homem lindo é esse, meu Deus?"

__ Meu amigo, agora dá pra entender o porquê de você ter surtado quando viu a Eva novamente.
Ela está gata pra caralho!

__ Felipe! Olha o respeito, porra! E cuidado para não falar palavrões na frente da Bia.

__ Foi mal, cara! Bom, mas por falar em gata, quem é mesmo essa amiga da Eva? Que loira,
viu?

__ Não sei muito sobre ela. Parece que as duas são amigas de infância e se conheceram quando
a Eva morava em São Paulo.

__ Já estou adorando meu fim de semana!

__ Você não vai cair em cima da moça, não é? Comporte-se!

__ Ela é gostosa! O que eu posso fazer? Sabe dizer se ela é solteira?

__ Acho que sim!

__ Ótimo! A 'Operação Conquista' começa em poucos minutos!

__ Você não presta, Felipe!

__ Olha quem fala! Um dos maiores pegadores de mulher que esse país já teve.

Após jantarmos, coloquei a Bia para dormir e depois ficamos conversando na sala.
__ Parabéns, Eva! Sua comida não fica atrás dos restaurantes mais sofisticados do Rio de
Janeiro. - Felipe se rasgava em elogios.

__ Obrigada! - eu sorri.

__ Ah, e sua filha é um amor de menina! Ela é a sua cara!

__ A Bia é uma fofa, não é? - eu disse toda orgulhosa da minha pequena. - O Lucca já explicou
sobre as limitações que ela tem?

__ Explicou sim! Ele me falou tanto de suas limitações como de seus talentos. Sua filha é
superdotada, Eva! Eu só falo inglês e a garota, com apenas 7 anos, lê, compreende e escreve em três
idiomas! E ainda por cima aprecia livros que eu acho chatos ou 'cabeças demais' para minha
habilidade intelectual! - ele sorriu.

O sorriso do Felipe era lindo. Sentia falta dessa espontaneidade e desse bom humor no Lucca.
Não entendia como uma pessoa podia viver sem sorrir.

__ Ela é uma criança muito especial, Felipe! Ah, você tem notícias do Vinícius e do Giovane?

__ O Vinícius se casou e tem dois meninos. Ele montou uma escola de música e virou sócio do
Leo no estúdio. Esse é outro que casou, mas ainda não tem filhos. A esposa dele está grávida. O
Giovane deixou o jornalismo e está terminando medicina. Ele também é casado e tem uma filhinha. E
eu, virei um homem das leis! Vivo de paletó e gravata pelos Tribunais, na ponte aérea Rio/São
Paulo/Brasília.

__ Que bom! Fico feliz por saber notícias de todos.

Notei o Lucca um pouco estranho. Ele estava calado.

__ E você, Júlia? Soube que é a fonoaudióloga da Bia?

__ Exatamente.

__ Você mora na capital?

__ Moro sim! Passei minha vida toda em São Paulo e acabei me mudando para Belo Horizonte
há uns dois anos.
__ Você é casada?

__ Não! Quase me casei com meu ex-noivo, mas terminei com ele antes de cometer aquela
sandice. - ela sorria enquanto virava sua taça de vinho.

__ Você tem bom humor! Adoro mulher bem humorada!

Enquanto os dois batiam papo, novamente foquei minha atenção no Lucca. Havia mesmo alguma
coisa errada com ele.

__ Tem algo preocupando você, querido? Você está tão quieto!

__ Não! Só estou cansado!

__ Ei, Lucca! Que tal levarmos as garotas para aquele barzinho na cidade amanhã à noite. Faz
anos que não vou ali. Você se lembra de que fomos tomar umas cervejas lá no dia seguinte em que
fizemos aquele show em Belo Horizonte?

__ Ok, poderemos ir sim. - ele respondeu sem animação.

__ Felipe, você ainda toca piano e teclado? - eu o questionei.

__ Só de vez em quando, Eva!

__ Saiba que o piano de sua mãe tem sido uma ótima companhia pra mim. Sempre que posso, eu
me sento ali eu me perco no tempo. Esse piano me conquistou desde o primeiro momento em que o
vi, quando passamos aquele fim de semana aqui no haras.

__ Foram dias maravilhosos! Eu me lembro de que era seu aniversário.

__ Será que vocês dois podem parar de falar sobre o passado? Que merda isso! - Lucca se
levantou do sofá e subiu para o quarto.

__ Gente, me desculpe! - eu falei bastante constrangida pela grosseria do Lucca.

__ Que isso, Eva! Ele deve estar com algum problema na cabeça. - Júlia tentava ser gentil.

__ Vocês se incomodam de fazerem companhia um ao outro? Queria subir para dar uma
palavrinha com ele.
__ Fique à vontade, amiga! Daqui a pouco também vamos nos recolher.

__ Felipe, você poderia me responder uma coisa?

__ Claro.

__ Por que o Lucca tem tanta raiva de ouvir música e nunca mais quis tocar ou cantar?

__ Eu não sei, Eva! - ele falou meio sem jeito.

__ Isso é tão triste! Sempre tenho que tocar o meu violão ou o piano na ausência dele. Tenho
tantas músicas que compus pra ele, mas nem posso mostrá-las!

__ Tenha paciência! O cara mudou muito desde aquela época da banda! Depois que você o
deixou, ele foi ao inferno. Sinto ter que lhe dizer isso, mas o Lucca ficou muito diferente depois que
você terminou com ele e desapareceu.

Eu baixei a cabeça, como se o peso da culpa estivesse me empurrando em direção ao chão.

__ Eu tive que partir daquela forma! Só eu sei o quanto aquilo também me fez sofrer.

__ Bom, mas como o Lucca falou: vamos esquecer o passado! Isso tudo já ficou para trás.

__ Eu só preciso entendê-lo, Felipe, mas ele não me dá espaço. Ele não se abre comigo e nem
me deixa explicar sobre o porquê de eu ter feito o que fiz. Isso me angustia. Ele está sempre
pensativo, carrancudo, não consegue sorrir. Isso tudo é tão estranho! Aconteceu alguma coisa com ele
depois que nos separamos?

__ Eu sei muito pouco sobre o Lucca, Eva! E mesmo que soubesse, só a ele caberia falar sobre a
própria vida.

__ Tudo bem! Bom, eu vou indo. Boa noite pra vocês!

Ao chegar no quarto, eu o encontrei deitado na cama.

__ Tem alguma coisa acontecendo aí na sua mente, meu amor. Fale comigo!

__ Eva, na boa, agora eu só quero dormir! Deixe-me em paz!

__ Ok, seu grosso! Eu cansei de tentar ser gentil com você! Espero que esse seu mau humor seja
apenas cansaço.

O sábado estava sendo muito divertido, menos para o Lucca. Ele amanheceu indisposto e passou
o dia inteiro na cama. Aproveitei para andar pela propriedade com o Felipe e a Júlia, que estavam se
dando muito bem. Estava rolando um clima entre eles. Teve momentos em que eu precisei inventar
uma desculpa para me ausentar e deixá-los mais à vontade.

No início da noite, eu, o Felipe e a Júlia entramos no quarto do Lucca para tentar animá-lo.

__ Ei, cara! Levanta daí! Você está fedendo! Toma um banho e vamos para o barzinho. Vai ser
legal.

__ Não tô a fim, Felipe.

__ Por favor, querido! Vamos com a gente. Quero muito conhecer esse famoso bar. Eu quase
nunca saio aqui do haras.

__ Vamos, Lucca! A Eva vai deixar a filha com os caseiros. Vamos sair e aproveitar um pouco o
nosso sábado! - Felipe tentava convencer o amigo.

__ Por favor, amor! Vamos!

__ Ok. Eu preciso de vinte minutos para me arrumar.

__ Isso! - eu comemorei feliz.

Ao chegarmos ao barzinho, eu e a Júlia já fomos logo zoando o nome do estabelecimento.

__ 'Aconchego da Noite'? Sério, gente? - eu gargalhei.

__ Credo! Que nome piegas! Se eu não soubesse que era um bar, pensaria logo que era um motel
ou um bordel de quinta categoria. - Júlia sorriu.

__ Mas o lugar é bem legal, meninas! Vocês vão ver! Vamos entrar! - Felipe dizia animado.

__ Então era aqui que você vinha buscar seu aconchego todas as noites, não é seu safado? - eu
tentei brincar com o Lucca, mas ele continuava calado, como se sua mente estivesse longe dali.
Assim que entramos, encontramos um lugar muito bacana e aconchegante, como o nome dizia. A
decoração era rústica, mas com bastante requinte. Havia um pequeno palco com um piano e dois
violões. O lugar estava cheio. Foi sorte termos conseguido uma mesa para sentarmos.

__ Hoje vai tocar uma dupla de música sertaneja, mas é só daqui a uma hora. - Felipe disse,
depois que se informou com um dos garçons.

__ Legal! - eu sorri.

__ Você vão querer beber e comer o quê? - Lucca nos perguntou.

__ Quero tomar um chope e uns empanados de camarão! - eu respondi.

__ Eu quero o mesmo! Vamos beber hoje, minha gente! - Júlia sorriu.

__ É isso aí, Júlia! Animação! - Felipe piscou para ela.

__ Querido, já que você conhece bem esse barzinho, tem como você me fazer um favor?

__ O que é?

__ Eu queria muito tocar e cantar uma música para você. Eu a compus há alguns dias. Será que
existe alguma possibilidade de você conseguir que eu use aquele piano?

__ Eva, eu não vejo nenhuma razão para você fazer isso em público. Você sabe que não curto
mais esse negócio. Se não quero ouvir suas músicas em particular, imagina no meio de toda essa
gente? - ele continuava pouco amistoso.

__ Calma, Lucca! A Eva só está querendo lhe fazer uma homenagem. Vamos ouvi-la. Não seja
tão carrancudo, homem! - Júlia disse sorrindo

__ Eu vou bater um papo com o gerente daqui. Meu pai era muito amigo do pai dele. Vou
descolar o piano pra você, Eva! - Felipe deixou a mesa.

Eu fiquei olhando para o Lucca. Ele estava muito calado desde ontem à noite e eu não tinha a
menor ideia do que poderia ser. Minutos depois, o Felipe voltou.

__ Pronto! Na hora que você quiser, é só ir para o piano. Ele é todo seu!
__ Obrigada, Felipe, mas o Lucca não quer que eu toque.

__ Qual é, cara? Vai ser ótimo ouvir a Eva cantando e tocando de novo. Deixa de ser chato!

__ Com licença! - Lucca se levantou e foi até outra mesa à nossa esquerda.

Notei que ele foi cumprimentar a Isabel e falou algumas coisas em seu ouvido, demoradamente.
Eu estava triste com a postura do Lucca. Não entendia o porquê de ele estar me hostilizando desde
ontem. Pouco tempo depois, ele voltou para junto de nós. Tentei ignorar o ciúme que senti ao vê-lo
perto daquela mulher.

__ Então, Eva, se você quiser ir para o palco, pode ir! Acho que eu preciso dar uma relaxada
com esse lance de não querer ouvir música.

__ Sério, Lucca?

__ Sério! Eu vou adorar ouvi-la!

__ Que bom! - eu o beijei. - Sendo assim, eu vou até lá.

Logo após tomar um gole do meu chope, caminhei até o piano e me sentei. Ajustei o microfone.

__ Boa noite a todos! Eu peço cinco minutos da atenção de vocês para apresentar uma
composição de minha autoria que eu fiz para uma pessoa muito especial. Espero que você goste, meu
bem! Essa é a minha declaração de amor pra você.

Eu sorri para o Lucca, respirei fundo e comecei a cantar.

And I can't help but notice


E eu não posso deixar de reparar

You reflect in this heart of mine


Você reflete neste meu coração

If you ever feel alone and


Se você um dia se sentir sozinho e

The glare makes me hard to find


A luz intensa tornar difícil me encontrar

Just know that I'm always


Saiba apenas que eu estou sempre

Parallel on the other side


Paralelamente do outro lado

Cause with your hand in my hand


Porque com a sua mão na minha mão

And a pocket full of soul


E um bolso cheio de alma

I can tell you there's no place we couldn't go


Posso dizer que não há lugar aonde não podemos ir

I'm lookin' right at the other half of me


Estou olhando bem para a minha outra metade

The vacancy that sat in my heart


O vazio que se instalou em meu coração

Is a space that now you hold


É um espaço que agora você guarda

It's kind like you're my mirror


É como se você fosse o meu espelho

My mirror staring back at me


Meu espelho olhando de volta para mim

I see truth somewhere in your eyes


Vejo a verdade em algum lugar nos seus olhos

You reflect me
Você me reflete

I love that about you


Amo isso em você

And if I could I
E se eu pudesse eu

Would look at us all the time


Olharia para nós o tempo todo
I couldn't get any bigger
Eu não poderia ficar maior

With anyone else beside me


Com mais ninguém ao meu lado

And now it's clear as this promise


E agora está claro como esta promessa

That we're making


Que estamos fazendo

Two reflections into one


Dois reflexos em um

Yesterday is history
Ontem é história

And tomorrow's a mystery


E amanhã é um mistério

I can see you lookin' back at me


Posso ver você olhando de volta para mim

Baby, keep your eyes on me


Querido, mantenha seus olhos em mim

Quando finalizei a música, eu continue sentada ao piano. O público presente me aplaudiu muito.
Olhei para o Lucca. Ele parecia sério. Ele se levantou da mesa e começou a caminhar até mim.
Estava feliz por ele ter ouvido aquelas palavras que falavam tão profundamente ao meu coração. Ele
se aproximou e me entregou uma folha de papel.

__ Leia isso!

Achei estranho ele nem ter me dado um beijo ou me abraçado. Eu abri a folha, curiosa, e
comecei a ler.

Há cerca de nove anos, Eva, você me abandonou e me deixou apenas com um pedaço de
papel em cima de nossa cama. Agora chegou o momento de eu rasgar seu coração através desse
bilhete. Isso é para você entender a dor excruciante que você me fez passar naquela época, sua
maldita!
Eu olhei para ele, enquanto minhas lágrimas começaram a molhar o meu rosto. Vi quando ele se
sentou na mesa da Isabel. Eles se abraçaram e ela o beijou. Continuei lendo, sem acreditar que tudo
aquilo era real. Parecia um pesadelo e eu só queria acordar.

Tudo que vivemos nessas últimas semanas não significou nada para mim! Você foi muito
inocente ao cair no meu jogo. Eu consegui o que queria. Tive você na palma das minhas mãos e
agora estou lhe deixando. Estamos quites, Eva Martins! Suma da minha vida!

Eu amassei o bilhete e pus as mãos no meu rosto para esconder minha vergonha e conter o meu
choro desesperado. Meu mundo estava desabando outra vez. Eu ouvia as pessoas cochichando nas
mesas, como se estivessem com pena de mim.

Segundo depois, a minha amiga se aproximou e tentou me acalmar.

__ Eva, o que aconteceu? Por que está chorando tanto assim, querida? O que tem escrito aí nesse
papel que você acabou de ler?

Eu não conseguia falar nada. Minhas lágrimas caiam copiosamente. Larguei o bilhete em cima
do piano e caminhei até a mesa onde o Lucca havia se sentado. Ele continuava abraçado àquela
mulher, conversando com ela.

__ Você gravou toda a música pelo celular, Isabel?

__ Gravei tudo! Inclusive a parte dela chorando.

__ Ótimo! Jogue no You Tube e compartilhe nas redes sociais agora mesmo! Vamos fazer esse
vídeo rodar a partir deste exato momento. Capriche no título!

Eu parei em sua frente. Não reconhecia mais o homem com quem dormi nas últimas semanas.

__ Tudo que vivemos foi fingimento, Lucca? Você estava representando o tempo todo? - eu disse
com os olhos encharcados de lágrimas.

__ Você ainda tem dúvidas disso depois do que leu?

__ Se queria me ver arrasada, você conseguiu! Olhe bem pra mim! - eu me inclinei sobre a
mesa. - Guarde bem em sua mente a lembrança da minha dor e das minhas lágrimas agora. Eu cantei
essa música com toda entrega de minha alma. Eu não tenho do que me envergonhar! Eu o amei,
Lucca! Eu o amei! Anos atrás, tive um forte motivo para deixá-lo daquela forma. Eu quis lhe contar
tudo assim que voltamos a ficar juntos, mas você evitava este assunto a todo custo. E quais os
motivos que o levaram a fazer tudo isso esta noite? Apenas me humilhar e finalizar seu plano doentio
de vingança. Você me usou! Você enganou a mim e a minha filha! Acho que você não tem mesmo um
coração batendo aí em no peito, seu miserável! Eu tenho pena de você, Lucca! Você é doente!

Eu caminhei para fora dali chorando muito. A Júlia me seguiu junto ao Felipe.

__ Eu li o bilhete que você deixou em cima do piano, Eva! Aquele idiota não poderia ter
humilhado você desse jeito! Esqueça esse homem! Vamos embora daqui! - ela dizia enquanto me
amparava em seus braços. - Você sabia disso, Felipe?

__ Não! Pelo amor de Deus! Eu não sabia de nada!

Eu não parava de chorar. Eles me colocaram em um táxi e me levaram até o haras. A Beth e o
Inácio se assustaram quando viram o meu estado emocional. Eu estava completamente quebrada. Meu
coração estava ardendo de tanta dor.

__ Eva, o que aconteceu? Por que está chorando assim?

__ Ele estava me enganando, Beth! Foi tudo fingimento! Ele só queria se vingar de mim! - eu
chorava com aflição.

__ Ah, querida! Eu sinto muito! - Beth me abraçou.

__ Por favor, Inácio, traga um copo de água para ela. - Júlia dizia. - Minha amiga, esse
miserável não merece que você derrame uma única lágrima por ele!

__ Onde está a Bia?

__ Ela está na sala vendo um filme. - Inácio respondeu.

__ Eu preciso falar com ela!

__ Acalme-se primeiro, Eva! Não será bom para a menina vê-la desse jeito! - Beth disse
preocupada.

__ Eu tenho que ver a minha filha!


Eu corri para dentro da casa deles. Encontrei a Bia no sofá.

__ Por favor, querida, eu preciso que você me escute! - eu falei ao desligar a TV e me ajoelhar
perto dela. - Eu a amo mais do que tudo nessa vida, meu anjo!

"Mamãe! Não chore assim! O que aconteceu?"

__ Nós precisamos ir embora daqui!

"Não!"

__ Eu não posso mais continuar aqui, Bia! Eu preciso de sua ajuda! Por favor, me ajude! Vamos
fazer as nossas malas e irmos embora. Você é tudo que eu tenho em minha vida, filha! Eu preciso que
você me entenda. Não posso mais ficar perto do Lucca! Eu sei o quanto você gosta dele, mas ele me
magoou muito hoje! Eu preciso de você, meu anjo!

"Tá, mamãe! Não chore!"

A Bia limpou minhas lágrimas e me abraçou. Eu continuava chorando.

__ Fale comigo, querida! Sinto saudade da sua voz, anjinho! Fale comigo! Por favor! Por favor!
Você não vê como isso corta o meu coração? Por que você não me ama, filha?

"Eu te amo sim, mamãe!”

Todos que estavam próximos se emocionaram. A Bia não falou nada, mas fez algo que
demonstrou muita maturidade. Minha filha segurou a minha mão e me guiou rumo à casa do Lucca.
Ela havia compreendido que precisávamos deixar aquele lugar. Fizemos as nossas malas às pressas.
Pegamos apenas o essencial.

Cerca de meia hora depois, eu e a Bia estávamos nos despedindo da Beth, do Inácio e da Luna.
As despedidas foram dolorosas. Eu e a Beth choramos muito.

__ Obrigada por tudo que vocês fizeram por nós!

__ Eu vou sentir tantas saudades, Eva! Vá com Deus, querida!

__ Eu também sentirei saudades, Beth!


__ Você quer levar a Luna, Bia? - Inácio perguntou ao notar a tristeza da minha filha.

Ela abraçou forte a cachorrinha e chorou. As duas ficaram abraçadas por um bom tempo. Aquela
cena foi muito comovente.

"Eu queria muito levar com você comigo, mas eu não posso! Aqui você é feliz e tem bastante
espaço, Luna! Vou sentir sua falta, amiguinha! Tome os remédios direitinho e não corra! Cuidado
com o seu coração! Não se preocupe comigo, está bem?"

Assim que a Ana Beatriz largou a Luna, entramos no carro da Júlia. O Felipe foi dirigindo meu
carro. Ele insistiu que iria nos acompanhar até a capital. Eu ficaria no apartamento da minha amiga,
até decidir qual seria o meu próximo passo.

__ Tudo vai se acertar, Eva! Confie no que estou lhe dizendo!

__ Obrigada, Júlia! - eu disse enquanto aninhava minha filha no banco de trás e enxugava suas
lágrimas. - Ei, anjinho! Nós vamos ficar bem de novo, ok? Eu prometo!

Trechos da música “Mirros” - Justin Timberlake


(OBS.: na ficção, composta por Eva Martins)
Capítulo 8

Lucca

Deixei o bar acompanhado da Isabel. Não queria voltar para casa depois do que eu tinha feito.
Eu não havia planejado nada daquilo, mas o ódio que estava latente em meu coração explodiu ali
naquele momento.

Ver a Eva cantando aquela música tão linda fez o meu coração parar. Mas eu já havia escrito o
bilhete, e assim que ela finalizou a canção, respirei fundo e fui entregá-lo pra ela.

Eu vi quando o seu sorriso se transformou em lágrimas. Por questão de segundos, eu quis correr
até lá e impedir que ela continuasse a ler aquela merda toda, mas meu desejo de me vingar foi mais
forte.

Ao chegar à casa da Isabel, ela começou a se oferecer pra mim. Eu fui claro ao dizer que eu só
precisava dormir na casa dela para não ter que voltar ao haras e encarar todo mundo. Não teve jeito.
Ela começou a querer me excitar e, pela primeira vez em minha vida, eu brochei. É claro que eu não
tinha condições psicológicas de ter uma relação sexual naquele instante.

Minha cabeça estava doendo e meu peito apertava de angústia. Ficava me lembrando, o tempo
todo, do rosto da Eva repleto de lágrimas e das palavras que ela havia me dito. Saí correndo dali,
peguei minha caminhonete e fui pra casa.

Quando estacionei, vi a Beth, no terraço da casa dela, sendo amparada pelo Inácio. Fui até eles.

__ Onde estão todos?

__ Partiram para a capital. - Inácio respondeu.

__ Pode nos despedir, se quiser, mas tenho que dizer que o senhor é um homem horrível e sem
coração. O senhor a machucou demais! Ela e a menina choraram muito. Ver a Bia se despendido da
Luna é uma cena que eu jamais vou esquecer. Aquela moça e a filha eram dois anjos, e por sua culpa,
nunca mais voltaremos a vê-las! - Beth chorava.
Eu não tinha o que dizer. Caminhei para casa. Ao entrar, enquanto subia as escadas, um choro
desesperado, contido por muitos anos, tomou conta de mim. Há anos eu não me permitia sorrir ou
chorar. Estive mantendo minhas emoções sob controle para não sucumbir à dor.

Eu era mesmo um fodido de merda. Queria estar morto. Não havia nada que me fizesse ter forças
para seguir. Tinha ódio de Deus; ódio da Lorena; ódio da Eva; ódio de mim! As palavras que ela me
disse há poucas horas ficaram rebobinando em minha mente.

Ouvi o celular tocando. Procurei conter o meu choro e atendi.

__ Você enlouqueceu, seu imbecil? Se eu soubesse que você planejava humilhar a Eva daquela
forma, eu jamais teria permitido. Eu li o bilhete. Se você não podia perdoá-la, que tivesse sido
honesto desde o início e a afastado de uma vez.

__ Como elas estão?

__ A Eva chorou demais e a menina ficou muito triste por ter que deixar o haras.

__ Hoje fez três anos! Três anos! - eu não pude mais esconder o meu estado e chorei ao telefone.

__ Calma, Lucca! Eu estou indo até aí. Eu não me lembrei da data. Desculpe! Se tivesse me
lembrado, não tinha insistido para irmos ao bar.

__ Felipe, eu não quero mais viver!

__ Deixa de falar asneira, seu porra!

__ O que eu fiz para merecer tudo isso? O que foi que eu fiz? - eu chorava.

__ Fique calmo! Estou indo até aí.

Devo ter dormido por umas 12h. Quando meu amigo chegou, eu ainda estava acordado.
Conversamos muito e algum tempo depois, eu apaguei. O Felipe me fez companhia ainda no dia
seguinte, quando finalmente se despediu e seguiu para o Rio de Janeiro. O Inácio foi levá-lo ao
aeroporto.

Minha cabeça doía. Não era ressaca alcoólica; era uma ressaca moral e emocional. Não me
recordava de ter chorado tanto nos últimos anos. Isso me mostrou que, apesar de tudo, parecia que
ainda havia uma porcaria de coração batendo dentro de mim.

Quarta-feira. Onze dias haviam se passado desde que a Eva e a Bia foram embora daqui. Eu
estava muito mal e as saudades daquela mulher estavam fazendo de mim um cara ainda mais fodido.
Quando olhava para o lago, me vinha à mente a imagem dela sentada naquele banquinho de pedra,
tocando violão ou apenas em silêncio. Olhava o Adonis e me recordava da manhã em que ela o tirou
de dentro da Lady, no meio daquele temporal. Entrava no galpão e me lembrava de nossas transas
escondidas.

Sempre que entrava em casa, um aperto no peito me deixava angustiado. Quando encarava
aquele piano no meio de minha sala, eu revivia aquele momento em que a Eva cantou e tocou para
mim no barzinho.

Eu devia ser uma espécie de masoquista. Essa era a única explicação. Não houve uma só noite
na última semana em que deixei de abrir o You Tube pelo laptop que a Bia tinha esquecido para
assistir ao vídeo que a Isabel gravou. Quando pensei em desistir de nossa combinação, já era tarde
demais! O maldito vídeo já estava rodando pela web.

Antes de dormir, eu abria o vídeo e observava angustiado, repetidas vezes, o momento em que
ela lia aquela merda do bilhete e chorava. A letra da música que a Eva compôs era tão linda. Como
eu pude fazer aquilo? Como eu pude machucá-la daquele jeito?

A melancolia havia tomando conta de mim novamente. O Felipe me instruiu a voltar ao


psiquiatra e retomar o uso dos antidepressivos. Eu não quis. Não ficaria dependente de tantos
remédios de novo. Aqueles comprimidos me deixavam anestesiado. Eu não sentia tristeza nem
alegria; raiva nem entusiasmo. Preferia sentir ódio a viver sem sentimento algum, como se eu
estivesse fora do meu próprio corpo; como se eu fosse um fantasma.

Hoje estava acontecendo mais uma sessão de equoterapia. Não ver a menina ali foi muito triste.
O Túlio veio conversar comigo, minutos depois das crianças e os pais deixarem o haras.

__ E aí, Lucca? Como vão as coisas?

__ Bem.
__ Sinto muito pelo rompimento de vocês.

__ Você não sente nada, Túlio! Tenho certeza de que você adorou a notícia. Você acha que eu
não percebia o jeito como você olhava pra ela?

__ Não adorei saber sobre a separação de vocês, mas não posso negar que a Eva sempre me
encantou. - ele falava junto à cerca. - Eu assisti ao vídeo que está rodando por aí, Lucca! Eu não sei o
que diabos tinha escrito naquele papel que ela leu durante a gravação, mas deve ter sido algo
terrível. Nunca vi uma coisa causar um impacto emocional tão forte em alguém. Ela leu e
imediatamente se desesperou.

__ Vá embora daqui! Seu trabalho já acabou por hoje!

__ Lucca, eu vou ser bem sincero com você: já que vocês terminaram e já que você a magoou,
eu farei tudo que puder para estar ao lado da Eva! Ela começa a trabalhar na fazenda do Elias a
partir de amanhã.

__ Como é? Ela vai trabalhar para aquele filho da mãe?

__ O Elias está precisando de mais um veterinário já tem algum tempo. Ele se dispôs a ceder
uma pequena moradia para a Eva e a filha. Já está tudo acertado.

__ Túlio, se você não desfizer esse tal acerto agora mesmo, considere-se demitido! Você é um
traidor!

__ A Eva é uma mulher viúva e descompromissada. Não estou traindo ninguém!

__ Suma da minha frente! - eu gritei furioso.

__ Depois eu venho para acertar minhas contas! - ele disse ao se afastar de mim.

Minutos depois, completamente aflito, peguei minha caminhonete e fui até a fazenda do Elias.
Não ficava longe de minhas terras. A propriedade dele terminava do outro lado do Rio. Ao chegar, o
encontrei conversando com o caseiro.

__ Lucca Baroni. O que faz aqui, meu jovem? - ele falou dando sinal para o empregado se
afastar.
__ Eu vim apenas lhe dar um recado. Se você fizer algum mal à Eva ou à filha dela, considere-
se um homem morto! Você está avisado!

__ Vai ser um prazer trabalhar com sua ex-namorada. Tem um vídeo bem interessante rolando
pela internet onde mostra o quão cavalheiro você foi com a pobre moça. É só o que as pessoas
comentam aqui na cidade. Ela não merecia você, rapaz! Se eu fosse um bocadinho mais jovem,
aquela potranca gostosa não me escapava.

__ Não ouse se aproximar dela, seu verme!

__ Estou precisando de uma boa veterinária. Se ela é uma veterinária 'boa', sorte a minha! Vai
ser ótimo poder apreciar a vista.

Ele sorriu. Meu sangue ferveu. A minha vontade era quebrar o pescoço daquele filho da puta.

__ Vou deixar o Antônio de olho. Se você aprontar com a menina ou com a Eva, nós o pegamos!
Espero ter sido bastante claro.

__ Deixe o nosso honroso Delegado fora disso e não me ameace, seu moleque!

__ A Eva tem uma filha com certas limitações. Espero que você tenha a sensibilidade para
entender as necessidades da garota e que dê uma moradia decente para as duas.

__ Relaxe, Baroni! Eu tenho planos de tratá-las muito bem.

Eu saí dali louco da raiva. Estava com vontade de matar o Túlio por ele ter conseguido um
emprego para a Eva logo na fazenda daquele velho. Da primeira vez, eu pude impedi-la. Agora,
infelizmente, eu não poderia fazer mais nada. Ela não iria me ouvir. Não depois do que eu fiz.

O dia seguinte chegou me trazendo ansiedade. A esta altura, a Eva e a filha já deviam estar na
fazenda daquele nojento. Fui procurar o Inácio.

__ Sr. Lucca, consegui uma nova fisioterapeuta para começar amanhã.

__ Onde arranjou alguém tão rápido assim, criatura?

__ Ela é sobrinha de um conhecido meu. E o melhor: ela está morando, há poucos dias, aqui em
Jardim Campo Belo.

__ Ótimo! Bom, agora eu preciso que você faça uma coisa pra mim. Você já deve estar sabendo
que a Eva começou a trabalhar com o Elias hoje.

__ Estou sim! O Túlio me falou.

__ Mais tarde, você poderia falar com aquele seu amigo que trabalha pra ele?

__ Falar o que com o Zeca?

__ Diga pra ele ficar de olho no patrão. O Elias é um grande safado!

__ Não entendo, Sr. Lucca!

__ Inácio, aquele louco abusou da Isabel dos 11 aos 15 anos, na época em que ela morava com
os pais nas terras dele. Ela mesma me contou isso. Ele abusava dela e da mãe.

__ Eita, trem! - Inácio se assustou.

__ Eu temo pela Eva, mas principalmente pela menina.

__ Sr. Lucca, se aquele velho encostar um único dedo na Bia eu mesmo trato de capar o
desgraçado.

__ A Eva tem ser alertada sobre isso! Você ou a Beth precisam conversar com ela. Eu realmente
me preocupo com o bem estar das duas.

__ O senhor é um homem muito contraditório, Sr. Lucca! Diz que se preocupa com elas, mas não
hesitou em magoar e enganar a moça daquela forma. Até agora, eu e a minha esposa ainda não nos
conformamos com o que aconteceu.

__ Inácio, esqueça isso! Apenas trate de alertar a Eva e o Zeca sobre as perversões daquele
nojento, ok?

__ Pode deixar comigo! Vou à fazenda logo após o expediente.

As horas passavam devagar. Minha vontade era ir atrás das duas e levá-las para bem longe
daquele homem, mas eu nada podia fazer. Não conseguia me concentrar em nenhuma tarefa. Almocei
e fiquei refletindo sobre como proceder dali em diante. Meus pensamentos estavam nebulosos. Eu
estava realmente preocupado.

Entrei em casa e peguei o laptop que a Bia tinha esquecido em seu quarto e fiquei mexendo nele,
em minha cama. Liguei a máquina. Escrevi um pequeno texto no word e o coloquei na tela inicial
com o nome "Recado Importante para Ana Beatriz".

Bia, sei que você deve estar com raiva de mim. É incrível a capacidade que nós, adultos,
temos de fazer bobagens e de não saber consertá-las depois. Sinto sua falta, princesa! Sinto
falta de sua mãe também. Fiz a Eva sofrer um bocado, mas se serve de consolo, eu também
sofro pela ausência de vocês. Gostaria que ficasse com dois animais que são muito importantes
para mim: A Luna e o Adonis. Cuide bem deles, ok? A Luna já era sua. Ela quer voltar para a
dona. E o Adonis será um bom amigo também. Vou pedir para a Beth e o Inácio levá-los pra
você. Aproveito para entregar o laptop que você esqueceu, assim como seus livros. Sinto muito
pelo que fiz vocês duas passarem. Quem sabe um dia você consiga me perdoar.

Fique de olhos abertos com o Elias. Sei que você é esperta, querida! Esse homem não
merece a confiança de vocês. Ele é perigoso! Não deixe que ele se aproxime de você sem que a
sua mãe esteja por perto. Não se esqueça disso, Bia!

Se precisar de mim para qualquer coisa, o meu e-mail e o número do meu celular estão aqui
embaixo. Espero receber mensagens suas.

Saudades.

Lucca

Ao terminar de escrever, resolvi dar uma olhada nos arquivos do laptop. Havia uma pasta com
várias fotos. Abri algumas. Vi uma em que a Eva sorria abraçada ao Alexandre. Vi várias fotos dos
dois felizes, junto à filha. Aquilo me angustiou. Abri outra que dizia "meu diário". Eram pequenos
textos que a menina escrevia diariamente, organizado em arquivos separados por meses.

Abri o mês em que ela a mãe chegaram aqui. Comecei a ler. Algumas anotações estavam escritas
em línguas diversas. Aquela menina era mesmo muito inteligente. Eu não entendia nada em francês.
Ainda bem que a maioria dos textos estavam em inglês e em português.
A mamãe voltou a ser veterinária de cavalos. Chegamos numa fazenda bem bonita aqui no
Brasil. Estamos no estado de Minas Gerais, numa cidadezinha pequena que nem memorizei o
nome ainda. Conheci uma cachorrinha muito fofa chamada Luna. Ela é carinhosa e tem um
cheiro bom. O dono dela é um homem bonito, mas muito triste. Ele é esquisito igual a mim.
Gostei dele. Ele tem uma tatuagem bem legal no braço. Espero que a gente possa morar neste
lugar. Aqui é tranquilo e não tem aquela gritaria que os vizinhos da Júlia faziam. Eu só quero
poder ficar no meu canto e ler meus livros.

Segui mais adiante no arquivo. Continuei a ler.

Joguei a chave do carro da mamãe em um rio que tem aqui perto. Eu não quero ir embora.
Não vejo sentido em deixar este lugar. Aqui eu consigo escutar meus pensamentos. Aqui tem
uma paz gostosa de sentir. A mamãe quer ir embora por causa do dono daqui. O nome dele é
Lucca. Eles não gostam um do outro. Ele quase bateu nela ontem. Fiquei muito nervosa. Tive
medo, mas depois passou. Gostei da Beth. Eu não quero mesmo ter que ir e o Lucca me
prometeu que eu não iria. Eu acho que confio nele.

Abri outro arquivo.

As pessoas pensam que eu sou um E.T pelo fato de eu não gostar de falar. Eu fico triste
porque todos esperam que eu seja igual às demais crianças, mas eu não sou! Tem alguma coisa
diferente em mim. Eu sou Aspie. Eu sempre senti não pertencer a lugar nenhum. Não sei
explicar. Tudo nas pessoas me aborrece. Não tenho paciência para socializar, como a mamãe diz.
Eu não gosto quando as pessoas me olham nos olhos ou me tocam. Sinto como se elas estivessem
invadindo o meu espaço. Eu não sou normal. Eu sei disso. Mas eu continuo sendo gente.

Como era possível uma criança tão pequena se expressar tão bem? Parecia uma adulta num
corpo de criança. Continuei a ler. Abri outro arquivo.

Hoje eu ouvi a Beth conversando com a mamãe. Ela deixou o Lucca sem se despedir e fugiu
com o meu pai. Bom, eu acho que o Lucca ama a mamãe. O problema é que ele tem muita raiva
no coração. Eu entendo. Eu também sinto raiva. Tenho raiva do papai por ele ter me deixado.

Estou com saudades do Lucca. Ele foi embora daqui e nunca mais voltou. Ouvi a mamãe
chorando na frente do lago agora há pouco. Acho que ela sente muito a falta dele. Eu nunca vou
querer me apaixonar por ninguém. Se no fim das contas, todo mundo se separa e só resta a dor,
por que deveríamos querer amar alguém?
Essa menina não podia ter 7 anos! Não era possível! Segui lendo mais adiante.

Estou feliz. O Lucca voltou. Hoje a mamãe e ele começaram a namorar. Ele disse que eu
era especial e que queria ser meu amigo; que não queria substituir o meu pai. Sinto muita falta
do papai. Ele não poderia ter me deixado. A mamãe diz que ele está no céu. Eu não entendo.
Qual o motivo de nascermos? Por que morremos? Onde fica este céu que as pessoas falam?
Existe um motivo para eu ter nascido? Que motivo é esse, afinal? Deus existe mesmo?

Aqueles documentos eram muito importantes. Eu precisava ter acesso a todos os arquivos
daquela máquina. Fechei o diário e abri outra pasta com o nome "Banda da Mamãe". Lá estavam os
áudios de todas as músicas dos dois CDs que a Sonic Beat gravou enquanto a Eva estava conosco.
Eu fiquei pensando se queria abrir alguma daquelas músicas. Depois de uma batalha interna, cliquei
no arquivo de nome "Wanted".

Ouvir a melodia me fez recordar do momento em que compus aquela canção. Deixei a música
tocar e fechei meus olhos. Minha mente viajou pra longe dali e me levou até aquela manhã de
domingo, no Rio de Janeiro. Há muito tempo eu não ouvia música, muito menos as minhas próprias.
Era estranho escutar essa antiga gravação que simbolizava todo amor que eu sentia por aquela
mulher. Um amor que eu jamais pude esquecer ou arrancar de dentro de mim.

Adorava acordar antes da Eva, aos domingos, para fazer seu café da manhã. No entanto, hoje
tinha sido diferente. Despertei com seus lábios me beijando.

__ Bom dia, meu amor! Levanta daí! Preparei um desjejum especial pra gente.

__ Oi, minha linda. - eu a puxei para a cama. - Quero você agora mesmo! Que tal deixarmos a
comida pra depois? Eu sou louco por você, sabia?

__ Sabia sim! - ela sorriu.

__ Eu te amo, Eva!

__ Eu também te amo!

Começamos a transar naquele mesmo instante. Parecíamos tão invencíveis e tão cheios de vida.
Ao lado daquela mulher, eu me sentia com a força e a coragem de um super herói. Ela conseguia
extrair o que de melhor havia em meu coração.

Fiquei feliz ao sentir o quanto ela parecia se satisfazer sob meu membro duro. Estar dentro dela
era inebriante. Abri meus olhos e apreciei seus belos seios se movendo, enquanto ela cavalgava em
cima de mim. Ao sentir seus primeiros espasmos, ela desabou sobre meu peito. Seus cabelos estavam
suados. Eu a abracei e acariciei suas costas. Ficamos ali, ainda unidos, como se fôssemos uma só
alma, por mais piegas que isso parecesse. Aquilo não podia ser errado. Amar alguém com aquela
intensidade parecia algo divino.

__ Adoro fazer amor com você, Eva! Adoro ver você gozar.

__ Agora é a sua vez, meu bem!

Ela sorriu e me beijou maliciosamente, roçando seu corpo sobre o meu e me deixando
novamente excitado. Eu a virei sobre a cama e comecei a penetrá-la. Não demorou muito e logo
cheguei a um estrondoso orgasmo. Eu a beijei e encostei meu rosto junto ao dela, num estado de total
relaxamento e felicidade.

__ O que houve, querida? - eu perguntei enquanto alisava seus cabelos. - Por que está chorando?

__ Tenho tanto medo de perder você, Lucca! Eu nunca senti essa coisa tão intensa por ninguém.
Depois que eu o conheci, eu finalmente pude entender o que as letras das músicas e os livros de
romances diziam.

__ Não tenha medo, meu anjo! Nada poderá nos separar. Se ficarmos juntos, poderemos
enfrentar esse mundo louco e também desfrutar de todas as coisas boas que há nele.

__ Nunca me deixe, por favor!

__ Ei, olhe pra mim: nunca vou deixar você, Eva! Nunca! Não tenha medo! Estarei sempre com
você. - eu falei ao enxugar suas lágrimas.

__ Eu te amo demais! - ela me beijou carinhosamente.

Algum tempo depois, tomamos banho e saímos de casa. Ela teve a ideia de fazermos um
piquenique.

__ Pra onde estamos indo?


__ É surpresa, Lucca!

As ruas ainda estavam um pouco desertas. Não demorou muito e ela logo estacionou seu carro
em frente ao estúdio.

__ Peguei a chave com o Leo. - ela piscou pra mim e sorriu.

__ Vamos tomar café aqui?

__ Exatamente! Eu trouxe tudo que você ama: seu café com leite, seu sanduíche preferido e
aquele bolo delicioso da padaria.

Eu abri um largo sorriso. Ela sempre me surpreendia com sua espontaneidade.

__ Se continuarmos assim, Eva, vamos virar obesos e diabéticos em poucos anos.

__ Não seja bobo!

__ E então, linda, você planejou um domingo de gravações?

__ Não! Nada de gravações! Só queria ficar algumas horas aqui com você. Preciso que me ajude
com uma música que comecei a compor para o novo álbum. Ela se chama "Find You". Estou numa
espécie de 'paralisia criativa' para finalizá-la! - ela sorriu e me abraçou.

__ Você é fantástica compondo, querida! Tenho certeza de que minha ajuda será mínima. Ah, e
por falar nisso, você sabia que estou com uma música na cabeça agora mesmo? Comecei a pensar
nela hoje, logo depois do nosso sexo matinal. - eu sorri. - Bom, veremos isso mais tarde! Agora
vamos ao nosso piquenique. Estou faminto!

Sentamos no chão e tomamos nosso café da manhã. Depois, começamos a trabalhar na música da
Eva, que era simplesmente linda. Fiquei entusiasmado quando finalizamos a canção. Não tinha
dúvidas de que seria um sucesso.

__ Querida, você me faz um favor?

__ Claro!

__ Deixe-me aqui por umas duas horas. Eu gostaria de me concentrar na música que lhe falei
mais cedo. Por que você não vai naquele shopping aqui perto e almoça? Já são quase três da tarde.
Você deve estar com fome.

__ Sendo assim, acho que vou mesmo comer alguma coisa e comprar umas roupas pra mim.
Quer que eu traga algo pra você?

__ Estou sem fome. Traga apenas um copo pequeno daquele milk shake que eu adoro, ok?

__ Tudo bem! Volto lá pelas cinco.

No fim de tarde, a Eva retornou ao estúdio.

__ E aí? Conseguiu avançar na música?

__ Na verdade, eu a finalizei há alguns minutos. Gostaria de ouvi-la?

__ Com toda certeza.

Ela puxou o banco do piano, aproximou-se de mim e sentou-se. Iniciei o dedilhado no violão.
Olhei fixamente pra ela e comecei a cantar.

You know I'd fall apart without you


Você sabe que eu desmoronaria sem você

I don't know how you do what you do


Eu não sei como você faz o que você faz

'Cause everything that don't make sense about me


Porque tudo que não faz sentido em mim

Makes sense when I'm with you


Faz sentido quando estou com você

Put aside the math and the logic of it


Deixe de lado a matemática e a lógica disso

'Cause I wanna wrap you up


Porque eu quero lhe envolver

Wanna kiss your lips


Quero beijar seus lábios

I wanna make you feel wanted


Quero fazer você se sentir desejada

And I wanna call you mine


Quero chamar você de minha

Wanna hold you hand forever


Quero segurar sua mão para sempre

Anyone can tell you you're pretty


Qualquer um pode dizer que você é linda

You get that all the time, I know you do


Você escuta isso o tempo todo, eu sei

But your beauty's deeper than the makeup


Mas sua beleza é mais profunda do que a maquiagem

And I wanna show you what I see tonight


E eu quero mostrar a você o que eu vi esta noite

'Cause I wrap you up


Porque eu quero lhe envolver

Wanna kiss your lips


Quero beijar seus lábios

I wanna make you feel wanted


Quero fazer você se sentir desejada

And I wanna call you mine


Quero chamar você de minha

Wanna hold you hand forever


Quero segurar sua mão para sempre

As good as you make me feel


Do jeito que você me faz sentir bem

I wanna make you feel better


Eu quero fazer você se sentir melhor

Better than your fairy tales


Melhor do que em seus contos de fadas
Better than your best dreams
Melhor do que seus melhores sonhos

You're more than everything I need


Você é mais do que tudo que eu preciso

You're all I ever wanted


Você é tudo que eu sempre quis

All I ever wanted


Tudo que eu sempre quis

Assim que terminei de cantar, ela enxugou suas lágrimas, puxou o violão de mim e sentou-se em
meu colo, falando baixo em meu ouvido.

__ Você também é tudo que eu sempre quis, querido! Eu te amo demais, Lucca! Ficaremos juntos
pra sempre!

__ Sim, meu anjo! Pra sempre!

Aquele domingo no estúdio foi bastante proveitoso. As duas músicas que compomos foram
gravadas poucos dias depois e entraram em nosso novo CD. Recordar-me daquele dia me fez ter
vontade de gritar de raiva. O nosso 'pra sempre' só durou um pouco mais de um ano. E como dizia a
letra da canção que eu compus, sem a Eva eu desmoronei. Uma parte de mim morreu quando ela me
deixou.

Voltei meus pensamentos para o momento presente. Corri até a casa do Inácio e encontrei a Beth.

__ Você tem um computador ou um laptop por aqui?

__ Tenho sim, Sr. Lucca. Por que quer saber?

__ Você me vende por quanto?

__ Ele não está à venda.

__ Beth, vá amanhã comprar um novo, de última geração, pra você. Vá com o Inácio e compre
no meu cartão de crédito. Agora, eu preciso do seu.
__ Por que o senhor mesmo não compra um novo?

__ Porque preciso dessa coisa agora, criatura! Não seja teimosa! Faça um backup dos seus
arquivos e logo em seguida leve-o para mim, ok? Não demore!

__ Sim senhor.

__ Aliás, peça para o Inácio levar. Aproveito para acertar algumas coisas com ele.

__ Tudo bem.

__ Outra coisa, Beth: ajeite as coisas da Luna! Você e o Inácio vão levá-la para a Bia daqui a
pouco, junto com o computador dela e os livros que ela esqueceu.

__ Que ótima notícia, Sr. Lucca! Vou adorar rever a menina e a Eva.

Quando o Inácio chegou, eu coloquei todos os arquivos da Bia no laptop da Beth. Joguei tudo lá:
fotos, músicas, anotações.

__ Inácio, arrume o caminhão! Você e a Beth vão entregar a Luna e o Adonis para a menina.

__ Tem certeza disso? Esse potro vale muito dinheiro.

__ Tenho sim! Agora vá! Entregue essa caixa nas mãos da Bia. Nas mãos dela apenas, você me
ouviu?

__ Sr. Lucca, me diga uma coisa: o senhor ama a Eva?

__ Por que está me perguntando isso, Inácio?

__ Porque se o senhor ama mesmo aquela moça, é bom fazer alguma coisa para reparar seu erro.

__ Agora já é tarde. Ele deve me odiar pelo que fiz.

__ Nunca é tarde para um homem lutar pela mulher que ama! Eu estou falando isso porque o
Túlio me disse que estava apaixonado pela Eva e que iria fazer de tudo para conquistá-la.

__ Inácio, eu sou um homem desgraçadamente rancoroso e cheio de cicatrizes. Você não sabe o
que eu já passei. Eu tentei esquecer tudo, mas eu não consegui. Se o Túlio gosta da Eva, ele merece
lutar por ela! Eu não posso fazer mais nada.

__ Pode sim! O senhor só tem que queimar essa amargura toda que existe aí em seu coração. O
amor é sempre maior do que o ressentimento, Sr. Lucca! Vocês se amam! Eu sei disso!

__ Obrigado, mas não há mais o que eu possa fazer. Eu não consigo deixar o passado para trás.
Além disso, ela jamais vai me perdoar.

__ O amor verdadeiro é capaz de perdoar e curar muitas cicatrizes, Sr. Lucca!

Meu caseiro partiu. Aquele era um homem sábio. Era eu quem deveria chamá-lo de ‘senhor’.
Ele já tinha 61 anos.

O que o Inácio não sabia é que havia cicatrizes que jamais seriam curadas porque elas não
estavam expostas na pele; mas na alma. Os meus demônios, no fim das contas, mostraram-se muito
mais fortes do que o meu amor pela Eva. Eu não podia mesmo fazer mais nada por nós dois.

Trechos da música “Wanted” - Hunter Hayes


(OSB.: Na ficcção, composta por Lucca Baroni)
Capítulo 9

Eva
O meu primeiro dia de trabalho na fazenda tinha chegado ao fim. Estava arrumando as minhas
coisas, quando ouvi o meu nome ser chamado. Olhei pela janela e me surpreendi ao ver o Inácio e a
Beth. Peguei a Bia e fomos até eles.

__ Que saudades de você, querida! - Beth me abraçou. - Oi, fofinha. Você faz tanta falta lá em
casa!

__ Também estávamos com muitas saudades de vocês, meus amigos!

__ Ah, Eva! Aquele haras sem você não tem a mesma graça. - Inácio me cumprimentou.

Segundos depois, vi a Luna correndo em nossa direção. A Bia sorriu e a abraçou. A cadela se
balançava inteira de alegria.

__ O Sr. Lucca nos deu ordens para trazer a cachorrinha. Ele disse que ela era da Bia e que as
duas tinham que ficar juntas. Trouxemos todas as coisas dela, inclusive a ração e os remédios. - ele
continuou falando.

__ Que bom! Aqui temos espaço pra ela. Estamos morando nessa pequena casa aqui. Tem dois
quartos. É bem agradável. A Luna vai ficar bem conosco.

__ Tem mais, Eva. Ele também enviou o Adonis para a Bia. - Inácio falava ao se dirigir para o
caminhão.

__ Como é? De jeito nenhum! Diga a ele que o potro não é nosso e que não aceitamos o
presente.

__ Querida, aceite! - Beth tentava me convencer.

__ Não tem a menor chance de ficamos com o Adonis! Sinto muito.

__ Bia, isso aqui é seu! - Inácio tirou uma caixa do caminhão e entregou pra ela.
__ Muito obrigada por terem vindo. Foi muita gentileza de vocês. Agora que estamos morando
perto, espero que venham nos visitar mais vezes.

__ Eva, eu posso dar uma palavrinha com você em particular? - Inácio me olhou preocupado
enquanto se afastava da Bia e da Beth.

__ O que foi? Você parece preocupado!

__ Você precisa saber de uma coisa importante: o Elias é um homem perigoso. Fique atenta!

__ Como assim perigoso?

__ As pessoas dizem por aí que ele tem o hábito de seduzir crianças e mulheres jovens.

__ Isso deve ser boato de cidade pequena, Inácio! Fique tranquilo! - eu sorri.

__ Eva, é sério! Ele abusou da Isabel desde que ela tinha 11 anos. O Sr. Lucca ficou apreensivo
ao saber que vocês duas estariam aqui perto desse crápula e pediu para lhe avisar.

__ Você se refere à Isabel que costumava esquentar a cama do Lucca?

__ Ela mesma.

__ Bom, se isso é verdade, obrigada pelo alerta!

__ Não deixe a menina perto dele. Não sei como você vai conseguir trabalhar aqui,
sinceramente!

__ Eu preciso do emprego, Inácio!

__ Eva, lá no haras havia a Beth para tomar conta de sua filha. Aqui você não terá essa ajuda.
Como você vai conseguir cuidar dos animais e ficar de olho na menina ao mesmo tempo?

__ Não sei como farei isso! Talvez ter vindo pra cá tenha sido um erro, ainda mais sabendo do
histórico do Sr. Elias.

__ Pois é! Será que não seria bom você voltar a morar conosco?

__ Você sabe que não há a menos chance disso acontecer.


__ Bom, você está avisada. Quanto ao potro, você não vai mesmo ficar com ele?

__ Não, Inácio! Pode levar o Adonis. O cavalo é só um capricho do seu patrão pra ele parecer
bonzinho para a minha filha. Diga ao Lucca que dele eu não quero absolutamente nada! - eu falei
enquanto voltávamos para perto da Beth e da Bia.

__ Está bem, Eva. Foi ótimo vê-la de novo!

__ Adorei revê-los! Por favor, venham mesmo nos visitar sempre que puderem. Eu a Bia
gostamos muito de vocês.

__ Viremos sim, querida! - Beth novamente me abraçou.

__ Cuide-se, Eva! Caso precise de qualquer coisa, chame o Zeca, o caseiro. Ele é gente boa.
Pode confiar no Zeca!

__ Ok, Inácio! Muito obrigada. Tchau, Beth!

Depois de ter ouvido aquelas informações sobre meu empregador, eu fiquei preocupada. Pensei
em ligar para a Júlia e para o Túlio para falar sobre minha mudança de planos em trabalhar ali, mas
resolvi que era precipitado tomar alguma decisão naquele momento. O emprego parecia ótimo. O
salário era excelente e tínhamos uma casa privativa.

A minha grande preocupação era manter a Bia segura enquanto eu cuidava dos animais da
fazenda. A presença da Luna me trouxe mais tranquilidade. Aonde quer que a minha filha fosse, eu
sabia que a cadela iria atrás. Isso era bom.

Fiquei feliz ao ver a Bia sorrindo, acariciando o pelo da Luna. Elas pareciam mesmo amar a
companhia uma da outra. Voltei a arrumar as minhas coisas. Fiz o nosso jantar. Sentamos à mesa.

__ Você quer ver TV, meu anjo? - olhei para a velha televisão que havia na estante da sala. -
Aqui nós poderemos ouvir música e ligar a TV sem todas aquelas restrições de antes.

"Agora não."

__ Está feliz com a Luna, não é? Lembre-se de que você precisa cuidar dela enquanto eu
trabalho. Comida, água e remédios são responsabilidades suas, estamos entendidas mocinha?
Ela concordou.

__ Bia, enquanto eu estiver longe de você, trabalhando, quero que sempre fique ao lado da Luna,
está bem? Além disso, não deixe nenhum homem entrar aqui na casa sem que eu esteja presente,
principalmente o dono da fazenda que você conheceu hoje cedo, o Sr. Elias.

"Por quê?"

__ O Inácio me disse que nós não podemos confiar neste senhor. Vamos ficar de olhos abertos,
ok? Não fique perto dele quando estiver sozinha! Nunca! Você entendeu, querida? Também não quero
você andando pela fazenda como fazia no haras. Passeios por aqui só se eu estiver ao seu lado.

"Ótimo! Agora sou uma prisioneira nessa casa velha!"

__ Você quer comer mais alguma coisa, meu anjo?

“Não, mamãe!”

__ Por que não vai ficar no seu computador ou ler um pouco enquanto eu arrumo a cozinha?

Era bem tarde quando fui me despedir da Bia antes de dormir. Eu estava exausta. O dia tinha
sido puxado. Ao entrar em seu quarto, a encontrei dormindo. Na cama, seu laptop estava aberto. Fui
desligá-lo, mas antes parei para ver uma coisa que me chamou a atenção. Fiquei em estado de choque
absoluto quando li o título do vídeo que estava aberto no You Tube.

Eva Martins é humilhada e chora por Lucca Baroni em barzinho na cidade mineira de
Jardim Campo Belo.

"Meu Deus! Já havia quase setecentas mil visualizações!"

Peguei o laptop e fui rapidamente para o meu quarto. O vídeo estava no fim. Coloquei para
passar desde o início e sentei em minha cama. Meu coração acelerou quando vi que o vídeo já tinha
ido parar na televisão. Uma apresentadora de um programa de fofocas de celebridades começou a
falar.

Meus queridos, vocês se recordam da banda Sonic Beat? Vocês devem se lembrar que os
dois vocalistas tiveram um relacionamento. Em 2010, um vídeo em que mostrava o Lucca Baroni
tocando piano e cantando no fim de um dos shows aqui em São Paulo caiu na rede. No vídeo, ele
aparecia chorando pela ex-namorada, a Eva Martin. Ela deixou a banda em 2006. Na época do
famoso vídeo, ele já estava casado com a Lorena Vilar, a fundadora do fã clube da SB.

Mas então, gente, nesta semana, um novo vídeo bombou na internet, mostrando a Eva
Martins cantando e tocando uma música composta por ela em homenagem ao Lucca. Vejam o
momento em que ele parece se vingar, e ela, humilhada, chora horrores. Acompanhem.

Eu não podia acreditar que aquele terrível momento de minha vida tinha ido parar na internet e
na TV para servir de entretenimento para as pessoas. Era a filmagem da música que eu tinha cantado
para o Lucca no barzinho. Fiquei paralisada ao ver aquilo, mas o maior choque veio depois quando
assisti ao momento em que desabei num choro desesperado na frente do piano. A câmara se
aproximou de meu rosto. Lá estava eu, aos prantos, logo após ter lido aquele maldito bilhete.

Abaixo do vídeo, alguns comentários me fizeram sentir muita raiva. Ver meus sentimentos
expostos daquela forma para foi muito triste pra mim. E o pior: minha filha tinha visto tudo isso.

Essa Eva nunca mereceu o Lucca! Bem feito pra ela! Adorei a vingança. (Cibele)

Ai! Fiquei com pena! Olha como a coitada chorou. O que será que tinha escrito ali naquele
papel? (Maria)

Pois eu não tenho nenhuma pena! Concordo com você, Cibele. Bem feito para aquela
mulherzinha! Quem mandou ela deixar o Lucca? Adorei! Agora chora! (Sandra)

Putss, a Eva continua gata demais! E continua cantando e tocando muito! Queria poder
consolar você, minha linda. (Alan)

Ela está muito gata! Consegue ficar linda até mesmo chorando! Mas o que diabos os dois
estavam fazendo em um barzinho nesse fim de mundo? Eles deveriam era ressuscitar a banda!
Eu adorava a SB. (Pedro)

Chora, babaca! Perdeu, sua idiota! Suas lágrimas não me comovem. (Ariane)

Tem gente que adora tripudiar em cima da desgraça dos outros! Deus me livre! (Silvia)

Pois é, Silvia! Coitada da Eva! Fiquei morrendo de dó aqui. Tadinha, gente! (Ana)
Ah, uma mulher dessas em minha cama! Vem, gata! Vem que eu consolo você! (Rodrigo)

Vaca! Ela mereceu! Achei foi pouco! (Diana)

Chega! Não aguentava ler mais nada daquilo. Havia centenas de comentários. Desliguei o
computador e o deixei no quarto da Bia. Voltei para a minha cama e chorei.

Não estava acreditando no que acabara de ver. E agora? O que eu faria? Para onde eu iria?
Aquele vídeo tinha viralizado na internet e chegado em um canal de televisão. Fiquei com medo de
ser encontrada. Eu tinha que pensar num jeito de sair daquele lugar.

Um dos maiores motivos para eu querer um emprego longe da capital foi justamente para eu me
sentir mais segura e mais escondida. Porém, depois daquele vídeo, qualquer um saberia onde me
achar. Imediatamente, lembrei-me do dia em que uma exposição como aquela tinha transformado
minha vida. Foi justamente depois daquela entrevista na TV que tudo mudou para mim. Eu não
poderia permitir que aquilo se repetisse. Eu tinha que sair daquela cidadezinha o quanto antes, ainda
mais agora ao saber que meu patrão era um possível pedófilo.

Enxuguei minhas lágrimas e me levantei da cama. Precisava de um banho e de umas boas horas
de sono. Entrei no chuveiro e não me contive ao chorar novamente, rezando para que toda aquela
água levasse de mim o meu medo e a minha tristeza. Ter visto aquele vídeo acabou comigo. Foi a
prova definitiva de que o Lucca tinha planejado toda aquela humilhação. Ele arquitetou tudo
perfeitamente. Tudo que ele queria era me ver humilhada na frente daquelas pessoas.

Durante o banho, minha mente viajou no tempo e voltou para 2006, um dia antes daquela
entrevista.

Tinha saído para tomar um café do outro lado da rua enquanto os rapazes ligavam os
instrumentos para mais um ensaio. Estávamos preparando o show de estreia de nosso novo CD.
Quando voltei, encontrei o Felipe e o Vinícius sorrindo como duas crianças.

__ Eva, você já ficou sabendo?

__ Sabendo de que, Felipe?

__ Nós seremos entrevistados, em horário nobre, no programa do Ian Werneck!


__ Aquele entrevistador famoso de São Paulo?

__ Eva, em que planeta você vive? Ele é o maior entrevistador da TV brasileira! - Vinícius
brincou.

__ Não esqueçam de que eu só estou de volta ao Brasil há pouco mais de um ano. Não sou uma
grande conhecedora dos programas de TV por aqui. - eu sorri. - E o Lucca já sabe?

__ Sabe sim! Ele e o Giovane foram atrás de você. O programa já será amanhã, ao vivo, para
todo o país. E o melhor: será exclusivo com a gente. Ficaremos uma hora inteira no ar, sem
intervalos. - Felipe me explicava animado.

__ Amanhã? Por que isso assim tão em cima da hora?

__ Parece que uma atração internacional viria ao programa e cancelou. Eles entraram em contato
com o Daniel hoje cedo para nos encaixarem no lugar. - Vinícius falava empolgado.

Ficamos aguardando o retorno do Lucca e do Giovani para escolhermos duas músicas para o
programa e ensaiarmos. A ideia do Felipe de contratar um novo empresário tinha se mostrado uma
escolha acertada. O Daniel estava vestindo a camisa da banda e já havia fechado vários shows pra
gente. O cara era muito bom.

Meu celular começou a tocar.

__ Amor, cadê você?

__ Já estou aqui no estúdio.

__ Você já sabe?

__ Acabei de saber! Você está feliz?

__ Estou muito feliz, Eva! É a realização de um sonho! Uma hora só pra gente em horário nobre?
Vai ser maneiro!

__ Eu não queria ter que aparecer na TV, Lucca! Você e os rapazes podem ir sem mim?

__ Você enlouqueceu, Eva? Todo esse sucesso da banda nós devemos a você. Eles querem ver
você, querida! A Sonic Beat sem a Eva Martins não tem a menor graça.
__ Não gosto dessa exposição, meu bem.

__ Querida, a sua presença no programa de amanhã é indispensável. Você só está um pouco


ansiosa. Relaxe, está bem? Estamos chegando aí. Temos muito trabalho e pouco tempo.

No dia seguinte, estávamos no camarim do talk show número um do país. Todos nós estávamos
um tanto ansiosos, mas eu era a mais nervosa.

__ Eva, se acalme! Você está muito tensa! - Giovane falou comigo sorrindo.

__ Vocês entram no ar em 45 segundos. Preparem-se! - uma moça elegante veio nos avisar que a
nossa hora havia chegado.

__ Vai ser legal, meu anjo! Apenas seja você! - Lucca beijou minha mão e sorriu.

Olá, caros telespectadores. Hoje, nossa noite será muito especial. Vamos conhecer a
história dessa banda incrível que está abalando as estruturas do Brasil inteiro. A turnê do
primeiro álbum foi um sucesso. E, agora, eles vêm ao palco para o lançamento de seu mais
recente trabalho. Dêem as boas vidas à banda carioca Sonic Beat. Podem entrar, Lucca, Eva,
Felipe, Giovane e Vinícius.

Fomos recebidos com muitos aplausos. Ao entrarmos no palco, sentamos todos em um enorme
sofá, ao lado do apresentador. Eu e o Lucca ficamos mais próximos dele.

__ Sejam bem vindos! Permita-me um elogio à sua namorada, Lucca. Eva, sua beleza é
fascinante. - ele falou, me deixando encabulada.

Eu não sabia o que dizer e apenas agradeci.

__ A Eva é tímida quando não está cantando ou tocando! Veja: ela já ficou vermelha! - Lucca
brincou.

A plateia sorriu.

__ Então, Eva, antes de falarmos com os rapazes, me diga como você foi parar na Sonic Beat.

“Eu preciso relaxar e me divertir! Não posso ficar com medo! Estou me preocupando sem
necessidade!”

__ Boa noite, pessoal. Bom, a primeira vez que ouvi falar da banda eu estava com um colega de
trabalho conversando sobre música. Isso foi no ano passado. Ele me contava que estava ouvindo uma
banda maravilhosa e me emprestou o primeiro CD deles. Eu ouvi e achei sensacional. Tinha acabado
de chegar ao Brasil. Algumas semanas depois, soube da seleção para o novo vocalista e guitarrista.
Resolvi fazer o teste e aqui estamos nós.

__ Você é brasileira, não é? Fale-me mais sobre você.

__ Sim! Fui morar no Canadá quando criança. Assim que me formei em Medicina Veterinária, eu
resolvi voltar ao país e comecei a trabalhar no Rio, em um Pet Shop.

__ Quer dizer que você é veterinária?

__ Parece que sou! - eu sorri. - Mas tive que deixar a profissão para me dedicar inteiramente à
banda alguns meses depois de nossa estreia.

__ E me digam: como foi a história do teste? É verdade que esses dois não se bicaram no
início? Conte-nos, Felipe.

__ Ah, esse dia foi complicado. Eles quase se atacaram. A Eva teria partido pra cima do Lucca
se eu não a tivesse segurado. É que o nosso amigo aqui foi bem grosso com ela. Ele não queria uma
mulher na banda. Mas aí ela arrasou no teste. Todos nós fomos unânimes em aceitarmos a Eva, menos
o Lucca. - Felipe respondeu.

__ Tempos depois, descobrimos o porquê disso! O cara tinha ficado pilhado com a Eva. Ele
ficou louco por ela ali mesmo! - Vinícius falou e a plateia sorriu.

__ E você, Eva? O que achou do Lucca na hora em que o conheceu?

__ Além de incrivelmente lindo? - eu sorri e olhei para o meu namorado. - Eu o achei um


babaca! Um verdadeiro imbecil, se quer saber a verdade!

Ian Werneck gargalhou.

__ O que tem a falar em sua defesa, Lucca Baroni?

__ Em minha defesa eu não posso falar nada. Eu fui mesmo um cretino. Ofendi a Eva. Mas ela já
me perdoou, não é querida? - ele sorriu. - O Vinícius tem razão. Acho que me apaixonei por ela ali
mesmo!

__ Como não se apaixonar? Eu entendo você completamente! - o apresentador me encarou e


sorriu.

__ Bom, depois quero saber mais sobre você Eva. Mas me diga, Giovane, fale-me sobre a
banda. Vocês começaram a tocar ainda garotos?

__ O Lucca foi o cara que juntou todo mundo. Estudávamos na mesma escola. Quando decidimos
criar a banda, tínhamos entre 14 a 17 anos. A banda sempre teve a mesma formação, desde o início.
Mas aí aconteceu do nosso amigo Vitor partir deste plano espiritual. Paramos tudo. Quase acabamos
a banda. Todos nós ficamos arrasados pela perda dele, principalmente o Vini.

__ Vitor Carvalho foi mais uma vítima das drogas!

Ian Werneck tocou em um assunto delicado. Os rapazes ficaram um pouco apreensivos.

__ Sim, é verdade! - Vinicius falou. - Eu e o Vitor éramos muito próximos e fazíamos uso
frequente de maconha e cocaína. O resto da banda não curtia. Muitas vezes o jovem, ingenuamente,
pensa que nada de ruim pode acontecer com ele; como se a juventude fosse uma prerrogativa para se
fazer um monte de bobagem porque sempre haverá tempo para parar. Era assim que pensávamos. A
gente achava que só estávamos curtindo a vida e que, na hora que quiséssemos, iríamos descartar as
drogas de nossas vidas. Mas aí não conseguimos mais. O vício é uma coisa muito perigosa. Ele
escraviza as pessoas.

__ Isso que você está falando é muito importante, Vinícius! Tem muito moleque por aí fumando
seu baseado e achando que são descolados e que podem parar na hora que acharem que devem. O
que você tem a dizer para esses jovens?

__ A única coisa que posso dizer aos adolescentes e jovens que estão se drogando é que se
livrem dessa praga o mais rápido possível! Procurem ajuda. Falem com seus pais, seus tios, suas
namoradas, seus professores. Saiam desta prisão! Isso não é ser descolado; é ser escravo! Para
conseguir me livrar das drogas, eu precisei ficar um bom tempo em recuperação numa clínica. Isso
foi logo após a morte do Vitor. E até hoje, preciso ficar esperto para não ter recaídas.

__ Parabéns! Você é um exemplo!


A plateia aplaudiu.

__ Nós queríamos aproveitar a oportunidade para mandar um forte abraço para os pais do Vitor,
Seu Hugo e Dona Fátima. Eles sempre foram muito especiais para todos aqui. - Felipe
complementou.

__ Bom, vamos voltar a falar com a Eva. E então, você sempre gostou de música? É verdade
que além de excelente compositora, você também toca cinco instrumentos?

__ Meus pais me apresentaram ao mundo da música muito cedo. Não imagino minha vida sem
cantar e tocar o tempo todo, nem que seja apenas por hobby.

__ E sobre os instrumentos?

__ Ela toca violão, guitarra, piano, teclado e violino. - Lucca respondeu com um largo sorriso. -
A Eva não gosta muito de falar que é musicista e que tem facilidade com vários idiomas.

__ É mesmo? Você também é poliglota? - Ian me olhou impressionado.

__ É exagero dele! Eu não falo vários idiomas.

__ Fala sim! - ele sorriu - Ela domina o francês, o inglês e o espanhol com bastante
desenvoltura.

Eu o encarei por alguns segundos e também sorri. Eu amava olhar aquele sorriso tão lindo.
Ficava fascinada pela admiração sincera que ela sentia por mim.

__ Impressionante! E você, Lucca? Toca quantos instrumentos? Você também tem facilidade com
línguas?

__ Eu toco o mesmo que Eva, com exceção do violino. Quantos aos idiomas, eu só falo inglês e
italiano. Meus pais são italianos. Queria aproveitar o momento para mandar um abraço pra eles no
Rio.

__ Como eles se chamam?

__ Ângelo e Paola Baroni.

__ Eles são de que cidade na Itália?


__ São de Florença.

__ Eu tive a oportunidade de conhecer Florença. É um lindo lugar! - Ian falava empolgado. -


Mas me diga, Eva: nos shows da Sonic Beat, você e o Lucca tem repetido uma espécie de ritual ao
voltarem ao palco, após o encerramento, para cantarem músicas românticas em homenagem um ao
outro. Como isso começou?

__ Tudo começou no ano passado, na minha estreia na banda. - eu olhei para o Lucca. - Ele
cantou uma música pra mim no fim de nossa apresentação. Por sinal, essa música passou a ser um
dos grandes sucessos do nosso primeiro álbum juntos. Começamos a namorar naquela mesma noite.
Aí, ficou meio que natural, sempre ao fim das nossas playlists, eu ou ele voltarmos para o palco e
fazermos essa espécie de tributo ao nosso relacionamento.

__ Essas músicas têm feito muito sucesso, pelo que fiquei sabendo. E vocês, rapazes? O que
acham disso?

__ Nós achamos ótimo! - Giovane respondeu.

__ É o "momento dos pombinhos"! - Vinícius brincou.

Todos riram.

__ Nós adoramos ver esses dois apaixonados. - Felipe falou sorrindo.

__ Então, Lucca, quer dizer que você agora é um homem comprometido? Acredito que suas fãs
não devam gostar nada disso.

__ Eu estou muito feliz com a Eva e minhas fãs ficam felizes em me ver bem.

__ Tenho que discordar de você, querido. - eu sorri. - Esses dias, eu recebi uma carta furiosa de
uma fã da banda, dizendo que eu era uma bruxa que tinha enfeitiçado o Lucca. Na carta, a fã
terminava seus escritos com a frase: "Espero que você morra, seu desgraçada! O Lucca era meu e
você o tirou de mim!". Detalhe: a menina tem 15 anos.

A plateia sorriu. Ian Werneck gargalhou.

__ Estou começando a temer garotas adolescentes! E quanto aos demais? Estão todos solteiros?

__ Esses rapazes lindos estão solteiríssimos! - eu disse olhando para os meus amigos.
As meninas da plateia gritaram enlouquecidas.

__ Mas, então, Lucca. Quais são as principais influências da banda?

__ Na verdade, como crescemos juntos na música, nossas influências são quase as mesmas.
Ouvimos muito Beatles, Rolling Stones, Pink Floyd, Metálica, Led Zepplin, Deep Purple, Guns N'
Roses, Bon Jovi, Ramones, Legião Urbana.

__ E você, Eva? O que costumava ouvir quando morava no Canadá?

__ Madonna, Celine Dion e Shania Twain contam? - eu brinquei.

Os rapazes gargalharam.

__ Você não tem noção de como a Eva fica engraçada cantarolando essas músicas açucaradas
que a mulherada gosta. É o maior barato! É divertido vê-la, por exemplo, afinando a guitarra e
cantando baixinho algumas músicas que nós odiamos. Parece que ela faz de propósito só para nos
irritar. - Felipe explicava animado.

__ É verdade! E o pior é que quanto mais odiamos a música, mas difícil fica de tirar da cabeça.
Um dia desses, eu fui ao banco e passei o maior constrangimento quando comecei a cantarolar uma
música da Madonna na fila. - Lucca sorriu.

__ Só espero que não tenha sido 'like a virgen'. - Ian ironizou.

Todos riram.

__ Foi outra música! Ainda bem, não é? Se tivesse sido essa o mico teria sido triplicado! -
Lucca respondeu brincando.

__ Mas e aí, Eva? Quais as suas influências?

__ Em Quebec, eu ouvia Beatles, Carpenters, Abba, Michael Jackson, The Pretenders, Elton
Jonh, Queen, Nirvana, The Cranberries, The Smiths, U2, música francesa e música clássica, por
influência dos meus pais. Daí, a minha paixão pelo violino e pelo piano.

__ E você acabou logo como guitarrista? - o entrevistador me questionou.

__ É que eu adoro o som de uma boa guitarra. Sinto-me muito bem com esse instrumento,
embora toque um pouco dos outros, sempre que consigo um tempinho.

__ Podemos ouvi-los agora?

__ Claro!

Nós nos levantamos do sofá e nos dirigimos ao pequeno palco que estava montado. Iríamos
tocar, ao vivo, sem playback.

Começamos nossa primeira música. Era um rock bem animado de composição do Lucca.
Vinícius estava arrasando na bateria. Enquanto tocava minha guitarra base, olhei para meu namorado.
Ele ficava lindo fazendo aquele solo incrível em sua guitarra.

Ao final, fomos muito aplaudidos. Voltamos ao sofá.

__ Adorei! Essa é a música de trabalho do novo CD, correto? - Ian perguntou.

__ Sim! - Vinícius respondeu. - É uma canção alto astral e com uma batida bem empolgante.

__ E como está a agenda da banda?

__ Bom, os detalhes de agenda só com o nosso empresário, o Daniel Moura. Ele está sentado ali
à esquerda. Entrem no nosso site. Lá já tem quase toda a agenda para os próximos meses e os
principais telefones pra contato. - Felipe explicou.

__ Nós faremos o show de estreia do novo álbum aqui mesmo em São Paulo, em menos de 15
dias. A nossa turnê passará por Salvador, Recife, Fortaleza, Brasília, Belo Horizonte, Curitiba, Porto
Alegre e Rio de Janeiro. - Giovane explicava.

__ A turnê será um sucesso. Tenho certeza! - Ian falava. - Mas me diga, Lucca: por que todas as
músicas da banda são em inglês?

__ Sei que muitos não concordam em cantarmos em inglês se vivemos em um país que
praticamente não fala essa língua. Mas como você já viu, todas as nossas influências são de artistas
de língua inglesa. Somos uma banda de Pop Rock e nos sentimos mais à vontade para compor e
cantar em inglês. É uma coisa natural para nós. - ele respondeu.

__ Nós sabemos que grande parte dos nossos ouvintes não dominam o inglês. Porém, muitas
vezes, a melodia ou a batida da música falam mais alto ao coração do que a própria letra em si. De
alguma forma, a essência de nossas canções chega até a alma dessas pessoas. - eu continuei a
explicar.

__ Algum dia poderemos ver a Sonic Beat cantar em outra língua, Eva? Você que está compondo
setenta por cento das músicas do novo álbum pensa em compor em português?

__ Por que não? O português tem uma sonoridade muito bonita, assim como tem o francês, pelo
menos pra mim, que cresci ouvindo nativos em francês. Não descartamos essa possibilidade, mas por
enquanto, como disse o Lucca, nos sentimos mais à vontade com a língua inglesa. Nossa música soa
mais bonita aos nossos ouvidos em inglês. Mas o que realmente importa é que, no fim das contas, a
música fala uma língua universal: a da emoção!

__ Adorei conversar com vocês, rapazes. E você, Eva, é uma simpatia! Um encanto de moça!
Aliás, meus jovens, todos estão de parabéns pela maturidade e equilíbrio que demonstraram esta
noite. Parabéns pelo sucesso e espero poder recebê-los de novo muito em breve.

__ Obrigada! - eu falei ao receber um beijo no rosto do entrevistador.

__ E qual música encerrará o programa de hoje?

__ Nós vamos tocar uma canção muito especial de autoria da Eva. - Lucca respondeu.

__ Nós a compomos juntos, querido! - eu falei.

__ Quando a Eva me mostrou a música, quase toda ela já estava pronta. Acho uma injustiça me
colocar como coautor porque a minha contribuição foi mínima! - ele disse olhando para mim.

__ E como a música se chama?

__ "Find You". A letra fala sobre um amor verdadeiro, daqueles que fazem a gente mover um
passo adiante, assim como o amor do Lucca fez comigo. Eu fui mais à frente porque eu o encontrei
em minha vida! O amor dele me fez mais forte. - eu falei ao encará-lo, segurando sua mão em cima
do sofá onde estávamos.

Ele sorriu. Eu sabia que sua vontade era de me beijar ali mesmo, na frente de todo mundo.

__ Receber uma declaração de amor dessa magnitude de uma jovem tão bonita e inteligente é de
causar inveja em muitos homens deste país. - Ian Werneck falou para o Lucca.
__ Eu sou eu sujeito de sorte por ter o amor dessa mulher tão linda, de corpo e de alma. - Lucca
se aproximou um pouco mais e beijou meus lábios de forma contida.

A plateia se agitou.

__ Ôpa! Tá rolando um clima aqui, meu povo! Produção, por favor, baixem as luzes!

Todos sorriram.

__ Essa é mais uma música de nosso novo trabalho. Gravamos apenas com piano, vozes e
violão. - Lucca explicou.

__ O palco é de vocês!

Eu, ele e o Felipe nos levantamos. O Vinícius e o Giovane continuaram sentados ao lado do Ian.
Naquele momento, eu não tocaria nenhum instrumento. O Felipe foi até o piano, deixando o teclado
de lado. O Lucca se sentou com o seu violão. Eu permaneci de pé. Começamos a música.

Silent love is calling faith


O amor silencioso está chamando a fé

Into echoes you can feel


Em ecos que você pode sentir

'Cause you make me move


Porque você me faz me mover

Yeah, you always make me go


Sim, você sempre me faz dar um passo

I'll run away with your foot steps


Vou fugir com as suas pegadas

I'll build a city that dreams for two


Vou construir uma cidade que sonha por dois

And if you lose yourself


E se você se perder

I will find you


Eu vou encontrar você
High on words
Palavras ásperas

We almost used
Nós quase usamos

We're fireworks with a wet fuse


Somos fogos de artifício com o fusível molhado

Open up your skies


Abra o seu céu

Turn up your night


Ilumine a sua noite

To the speed of life


Para a velocidade da vida

Turn up your night


Ilumine a sua noite

Put your love in lights


Ilumine o seu amor

I will find you


Eu vou encontrar você

'Cause you make me move


Porque você me faz me mover

Yeah, you always make me go


Sim, você sempre me faz dar um passo

Ao fim de nossa apresentação, as pessoas se levantaram e nos aplaudiram muito.

Foi uma noite realmente maravilhosa! Tivemos aqui conosco a banda Sonic Beat. Parabéns,
mais uma vez, a Giovane Franco, Vinícius Lacerda, Felipe Gonçalves, Lucca Baroni e Eva
Martins.

__ Boa noite a todos! Vamos iluminar nossa noite com muito amor! - Lucca se despediu.

Fomos informados, no dia seguinte, de que aquela tinha sido a segunda maior audiência de toda
a história do programa. Todos ficaram imensamente felizes. Eu, no entanto, fiquei bastante
preocupada.

Deitei em minha cama e puxei meus pensamentos de volta ao presente. Estava muito triste.
Aquela época tão incrível de minha vida tinha acabado cedo demais. Pensei novamente na maldade
que o Lucca tinha me feito, ao planejar aquele plano tão ardiloso para me humilhar e filmar tudo.

Refleti sobre a possibilidade de procurá-lo naquele mesmo instante e jogar na cara daquele
miserável o quanto ele havia sido um cretino, mas eu desisti. Já estava muito tarde. A única coisa que
me restava agora era sair de Minas. Aquele não era mais um lugar seguro.

Chorei novamente. Chorei por mim e, principalmente, por minha filha. O que eu iria fazer agora?
Para onde iria com uma criança especial de 7 anos e uma cachorrinha cardiopata? Como e onde
iríamos viver? A exaustão física e mental me venceu. Caí em um sono profundo.

Música “Find You” - Zeed (Feat. Matthew Koma and Miriam Bryant)
(OSB.: Na ficcção, composta por Eva Martins)
Capítulo 10

Lucca
Mais um dia inteiro havia se passado. Ao fim da tarde, após dar uma volta com o Apolo e tomar
um banho, eu fiquei no sofá pensando em como a Eva e a Bia estavam. Ontem, eu fiquei mais
tranquilo quando o Inácio me falou que elas estavam morando numa casa separada daquele velho
asqueroso.

A recusa da Eva em ficar com o Adonis não me causou estranhamento. Sabia o quanto ela era
orgulhosa. Ao menos a Luna tinha voltado para a companhia da menina, que até agora, não tinha
mandado nenhuma notícia. Resolvi checar mais uma vez. Entrei novamente no meu e-mail e fiquei
animado ao ver uma mensagem da Bia.

Li seu recado. Fique sabendo que não gostei nada de você ter mexido no meu computador.
Eu sei que você abriu meus arquivos. Ninguém nunca lhe disse que é errado mexer nas coisas dos
outros? Vi o vídeo em que você fez a mamãe chorar. Estava no histórico do navegador. Por que
você fez isso? Ela sofreu demais!

Comecei a responder.

Que bom que você leu meu recado, Bia. Sinto muito por ter mexido nas suas coisas, mas é
que eu fiquei bastante curioso. Saiba que você escreve muito bem, princesa. Eu não quis ter
feito a Eva sofrer. Na verdade, eu quis. No entanto, logo depois eu fiquei arrependido. Você se
lembra de que um dia eu lhe disse que sua mãe havia feito algo que tinha me magoado muito?
Então, eu quis me vingar dela. Mas, no fim das contas, eu fiquei pior do que já estava. Minha
atitude afastou vocês duas de perto de mim. Queria poder voltar no tempo. Você está tendo
cuidado com esse velho? Não se esqueça de que ele não presta!

Abri o chat do e-mail que ficava no menu lateral e vi que ela estava on line.

Bia, já que estamos conectados, vamos falar por este chat. Responda a minha mensagem
anterior por aqui.

Eu não fui com a cara daquele homem. A mamãe me proibiu de sair por aí sozinha. Isso é
chato. Estou me sentindo presa aqui nesta casa. Sinto como se estivesse no castelo da prisão do
Conde de Monte Cristo.

Eu sorri. Essa menina era inteligente demais e muito espirituosa. Escrevendo, ela parecia uma
adulta.

Bia, você não tem 7 anos! Diga logo sua verdadeira idade. Quero comprar seu primeiro
livro, viu? Você vai ser uma escritora, princesa!

Eu acho que não!

Sempre tive curiosidade em saber por que você não gosta de falar. Você não comentou
sobre isso em seu diário.

Você leu meu diário inteiro? Achei que tivesse lido apenas os arquivos que abriu. Que coisa
feia! É a minha vida! Você não devia ter feito isso!

Eu não podia dizer que havia feito cópia do diário dela e que já tinha lido quase todo, desde
ontem. E agora? Precisava pensar rápido.

Eu só li os arquivos que abri. Desculpe-me por ter invadido sua privacidade, querida! Sua
mãe está bem? Ela está gostando daí?

A garota não me respondeu. Eu tinha estragado tudo com essa minha boca grande. Não devia ter
feito nenhuma referência ao diário dela. Esperei mais algum tempo e depois vi que ela ficou off line.
Desliguei o computador e fui para a cozinha comer alguma coisa.

Poucos minutos depois, enquanto estava absorto em meus pensamentos, ouvi aquela voz suave
atrás de mim.

__ Oi. Eu vim falar com você.

Meu coração acelerou. Fechei a geladeira e me virei. A Eva estava ali, na minha frente.

__ Oi. - eu não sabia o que dizer.

__ Minha vontade era de nunca mais ter que encará-lo de novo, Lucca! Mas eu tinha que vir aqui
depois de ter visto aquele vídeo ontem à noite. Você planejou tudo tão bem, não foi? Gravar a
humilhação que você me fez passar na frente de todas aquelas pessoas e depois jogar na internet.
__ Eva, eu não queria ter feito aquilo.

__ Desde o início, eu imaginei que você talvez quisesse se vingar de mim. Só que eu não
esperava que sua vingança pudesse ser tão ardil e cruel. Você é um grande cretino, Lucca! Chegou um
momento em que eu parei de desconfiar de você e me entreguei completamente. Eu morei aqui com
você acreditando no seu amor; no nosso amor! E você, o tempo todo, só estava fingindo e me
enganando, esperando o momento perfeito para me dar uma rasteira e me humilhar.

__ Eva, algumas coisas que escrevi naquele bilhete não são verdades. Eu disse que tudo que
vivemos aqui não significou nada, mas eu menti. Eu não fingi amar você.

__ Por que, Lucca? Por que você fez aquilo comigo? Eu e a Bia éramos felizes aqui. - ela
começou a chorar.

__ Não chore, Eva! - eu me aproximei dela.

__ Fique longe de mim! Você venceu, Lucca! Eu a Bia deixaremos esta cidade.

__ Por quê?

__ Por causa daquela droga de vídeo.

__ Eva, me desculpe! Eu não queria ter mandado a Isabel gravar tudo aquilo.

__ Foi a Isabel quem gravou? Meu Deus! Está tão claro agora! Você foi combinar tudo com ela
naquele momento em que se levantou da mesa, não foi? Aliás, me admira ela não estar aqui com
você. Vocês pareciam muito felizes, abraçados e se beijando, enquanto eu era humilhada em público.

__ Eu realmente não queria ter feito aquilo.

__ Você me expôs diante do país inteiro, pelo que soube ontem. Até na TV aquela ceninha foi
parar. Você viu a quantidade de visualizações do maldito vídeo? Você leu aqueles comentários
maldosos? Por quê? Por que você simplesmente não me mandou embora daqui com a droga do meu
amor, como você mesmo disse alguns meses atrás? Por que você mudou de ideia e quis ficar comigo
se sua única intenção era se livrar de mim? - ela continuava chorando.

__ Eu queria que você sentisse um pouco da dor que você me fez passar, Eva, mas eu não
planejei nada daquilo! Eu juro! Foi uma ideia que tive no calor do momento.
__ Como assim no 'calor do momento'? O que eu fiz pra você naquele dia? Estávamos tão bem
juntos.

__ Eu não quero mais tocar neste assunto. Pare de chorar, por favor!

__ Espero nunca mais precisar olhar pra você novamente, Lucca Baroni! Você não tem ideia das
dores que eu já passei em minha vida. Essa dor que você me causou é só mais uma para a minha
coleção. - ela chorava muito.

__ Eva, não fique assim!

__ Ah, Lucca! Você sempre teve tudo que quis em suas mãos. Você nunca precisou lidar com
perdas, como eu tive que fazer a minha vida inteira.

__ Você está falando da perda do homem com quem se casou logo após me largar sem
explicações? Ou está falando dos seus pais que morreram num acidente de carro? Eu conheço todas
as perdas que você teve, Eva! Mas eu posso garantir que elas não foram maiores do que as minhas.

__ Você nunca sofreu de verdade! Até pouco tempo atrás, você era só um playboyzinho carioca,
de classe média alta. Um Rock Star com dinheiro no bolso. Um cara que pôde se dar ao luxo de
largar a faculdade de Economia para viver de música. Que espécie de perdas você teve na vida?
Você não sabe o que é sangrar de dor, Lucca! Você não sabe!

__ Cale sua boca! Você também não sabe as coisas pelas quais eu já passei. Você desconhece as
merdas que eu carrego em minha cabeça. - eu segurei seu braço. - E acredite: você foi a culpada! Foi
isso que me fez querer me vingar naquela noite, Eva! Você destruiu a minha vida!

__ Pobre rapaz rico e famoso, abandonado pela namoradinha. Você não sabe o que é dor! Você é
um só um daqueles amargurados e rebeldes sem causa!

__ Já mandei você se calar, droga! - eu apertei ainda mais o seu braço com ódio.

__ Solte-me! Você está me machucando!

Eu a larguei. Minha vontade era de bater naquela mulher ali mesmo, porém meu autocontrole foi
maior.

__ Adeus, Lucca! Eu nunca mais o verei em minha vida! Você foi um grande erro! - ela enxugava
suas lágrimas, enquanto se dirigia à porta.

Antes que eu nunca mais voltasse a vê-la, eu resolvi colocar todo o meu ódio pra fora. Eu não
conseguia mais esconder a profundidade da minha amargura. Ela merecia saber o que tinha me feito.
Era merecia sofrer e sentir culpa, assim como eu senti.

__ Você perdeu seus pais; eu perdi meus filhos! Não há dor maior no mundo, acredite! E você
foi a culpada, sua maldita! Amaldiçoado foi o dia em que eu conheci você, Eva!

Ela parou e virou-se para mim, me olhando assustada.

__ Filhos? Você teve filhos?

__ Sim! E eles estão mortos por sua culpa!

__ Meu Deus! Você enlouqueceu? Como eu poderia ser culpada por uma coisa dessas?

__ Não fale de Deus na minha casa! Essa coisa não existe! Vá embora daqui, Eva!

Eu subi rapidamente em direção a meu quarto. Tive vontade de chorar e não queria fazer isso na
frente dela.

__ Lucca, o que aconteceu? Eu preciso saber! - ela correu atrás de mim e entrou no quarto.

__ Vá embora! - eu gritei e a empurrei.

__ Não! Eu preciso saber! Você teve filhos com a Lorena?

__ Você tem que ir embora daqui! - gritei ainda mais alto.

__ O que aconteceu, Lucca? Eu tenho que saber.

Eu me sentei na cama e chorei. Não fui capaz de continuar represando toda aquela dor.

__ Diga o que houve! - ela se ajoelhou perto de mim. - Lucca! Por favor!

__ Naquele dia no bar, estava fazendo três anos que meu mundo tinha desmoronado. E você foi o
estopim de tudo isso, Eva! Você foi a maior culpada!

__ Eu não entendo como eu posso ter sido culpada pelo que aconteceu.
__ Ela matou os meus filhos! - eu gritei de dor.

__ Meu Deus! Ela quem?

__ Aquela louca! A mãe deles.

__ A Lorena?

__ Sim!

A Eva se desesperou. Ela chorava muito, com as mãos em seu rosto.

__ Suma daqui! - eu gritei novamente.

__ Lucca, deixe-me ficar um pouco. Eu não sabia de nada disso! Sinto muito! Ow, meu Deus!
Sinto muito, querido!

__ Se você não tivesse ido embora, eu não teria tido nada com aquela mulher. Eu não a teria
engravidado; não teria me casado com ela pressionado. Você acabou comigo, Eva! Eu amava você!

Nós dois chorávamos muito. Eu continue desabafando.

__ Todas as noites eu vou dormir e acordo pensando nos meus meninos. Eu não pude evitar que
aquela amaldiçoada cometesse tamanha atrocidade. E sabe onde eu estava enquanto ela tirava a vida
dos próprios filhos e se matava? Em um show, Eva! Enquanto eu me divertia tocando num maldito
festival de música, meus filhos estavam sendo mortos.

__ Agora eu entendo tudo! Por isso você nunca mais se permitiu tocar ou cantar novamente.

__ Eu sou esse fodido de merda por sua culpa!

__ Não fale assim, pelo amor de Deus! Isso não é verdade!

__ Pare de falar de Deus perto de mim! Onde Ele estava no momento em que uma mulher
enlouquecida matava seus próprios filhos? Como uma coisa dessas acontece? Como um Deus
bondoso pode permitir uma barbaridade como essa?

Ela não tinha a resposta para aquelas perguntas. Ela não sabia o que dizer.

__ Eu não tenho mais ninguém, Eva! Meus pais não contam porque eles também me culpam pelo
que aconteceu; por eu ter largado minha ex-esposa maluca e meus filhos em uma reunião de família
para ir tocar com os amigos.

__ Você não teve culpa!

__ Assim como você, eu tive culpa sim! Eu deixei meus filhos nas mãos de uma mulher
desequilibrada! Eu os perdi, Eva! Eu os perdi! Agora eu sou esse homem amargurado e sozinho!

__ Você não está sozinho! Você tem a mim! Você tem a Bia, Lucca!

__ É diferente! Eles eram meus filhos! Eram gêmeos tão lindos; tão carinhosos; tão inteligentes.
A minha princesinha se chamava Bianca e meu pequeno se chamava Benício. Eles tinham 3 anos e
cinco meses. - eu dizia chorando, enquanto meu coração sangrava de tanta dor.

__ Meu Deus! Eu sinto muito, Lucca! A gente não consegue entender por que uma coisa dessas
acontece!

__ Vá embora daqui!

__ Eu preciso lhe falar uma coisa muito importante.

__ Não quero ouvir nada, Eva! Deixe-me em paz!

__ Escute, querido: eu sei que ninguém poderá substituir seus filhinhos, mas há uma pessoa que
pode lhe ajudar a superar essa dor. Ana Beatriz é sua filha, Lucca!

Meu rosto ficou paralisado. Parei de respirar por um momento.

__ Que porra é essa que você acabou de me dizer?

__ Eu quis lhe contar em vários momentos desde que nos reencontramos, mas toda vez que
tocava no assunto você dizia que não queria saber nada sobre o passado; sobre o Alexandre; sobre o
porquê de eu ter lhe deixado.

__ A Bia é minha filha? - eu me levantei da cama ainda mais angustiado.

__ Eu descobri que estava grávida duas semanas após ter deixado o Brasil.

__ Você tem ideia do que acabou de me dizer? Você escondeu de mim a minha própria filha! - eu
olhei pra ela com fúria. - Por que você não me procurou? Por que não me contou?

Comecei a jogar as coisas do quarto no chão. Chutei a cama. Dei um murro na parede. Fiquei
descontrolado. Estava tomado por ódio.

"Minha filha! A Bia é minha filha! Como pude ficar longe dela por tanto tempo? Como essa
mulher conseguiu mentir pra mim durante todos esses anos?"

__ Lucca! Pare com isso! Você vai se machucar! - ela chorava enquanto eu continuava jogando
tudo que via pela frente no chão.

__ Eu te odeio, Eva! Eu te odeio!

__ Não fale assim, por favor! Desculpe, mas eu não...

__ Não quero ouvir sua voz ou suas desculpas, sua maldita! Suma daqui!

__ Não! Eu não posso sair antes de explicar tudo.

__ Não quero ouvir nenhuma explicação! Vá ficar com a menina! Que diabos de mãe é você que
larga sua filha sozinha com um pedófilo por perto?

__ A Bia está trancada no quarto e o Zeca está no terraço, de olho na casa. Não há nenhum
perigo!

__ Sabe de uma coisa? Irei buscar a minha filha agora mesmo!

Peguei as chaves da minha caminhonete e desci as escadas o mais rápido que pude, enquanto
enxugava minhas lágrimas. Ela correu atrás de mim. Dei partida no meu carro. A Eva entrou no carro
dela e me seguiu.

__ Você pode ir, Zeca! Pode deixar a menina comigo.

__ O senhor me desculpe, mas eu tenho ordens da Dona Eva para não deixar ninguém entrar até
ela voltar.

Ignorei o homem e entrei. Bati na porta do quarto da menina.


__ Bia, sou eu!

Ouvi quando a Eva estacionou o carro dela e entrou correndo.

__ Você não pode fazer isso, Lucca! Ela é minha filha! Você não pode levá-la de mim!

__ Querida, abra a porta!

Ela abriu. Eu a observei vestida em seu pijama. A Luna estava ao seu lado.

__ Venha comigo, princesa! Você e a Luna vão voltar para o haras.

"Por quê?"

__ Não, Lucca! Você não pode fazer isso!

A garota ia segurar minha mão, mas recuou quando fitou os olhos da mãe chorando.

__ Bia, me escute! - eu me baixei pra falar olhando em seus olhos, por mais que ela não gostasse
daquilo. - Você vai morar comigo porque eu sou o seu pai! O Alexandre lhe criou como uma filha,
mas seu verdadeiro pai sou eu. Eu acabei de saber disso. Venha comigo, meu anjo! Aqui não é o seu
lugar!

"Você é o meu pai?"

Eu notei que ela não iria deixar a mãe chorando daquele jeito. Não pensei duas vezes e a peguei
nos braços, me dirigindo até à porta.

__ Você não pode tirá-la de mim! Não é assim que vamos resolver as coisas!

Zeca me parou antes que eu pudesse deixar a casa.

__ Largue a garotinha, Sr. Lucca!

__ Saia da minha frente, homem!

__ Não antes de o senhor deixá-la com a mãe.

__ Ela é a minha filha! Vá cuidar da sua vida e deixe-me em paz!


Eu o empurrei e segui para a caminhonete.

__ Venha, Luna! Entre no carro!

__ Bia, não vá! Filha! Por favor!

"Por que a senhora mentiu pra mim? Se o Lucca é meu pai, eu quero ficar com ele no haras!
Eu não gosto daqui!"

__ O Inácio virá para pegar as coisas das duas amanhã.

__ Você enlouqueceu se acha que pode tirar a minha filha de mim!

__ Eu sou o pai dela! Aqui não é um lugar seguro para uma criança! - dei partida e fui embora
dali.

__ Aquela maldita desgraçada! - eu derrubei o sofá e, em seguida, quebrei minha guitarra na


parede.

__ Fechem a porta! Ele não pode sair daqui. - Vinícius falou preocupado.

__ Maldita! Maldita dos infernos! - eu gritava completamente desesperado, enquanto derrubava


vários móveis do meu apartamento.

Felipe e Giovane me seguraram.

__ Tome isso aqui, cara! Você precisa tomar esses remédios! - Vinícius veio com um copo de
água.

__ Não quero mais viver! - eu chorava com aflição.

__ Lucca! Você precisa ser forte agora! Seus pais precisam de você! Sua mãe está arrasada. -
Felipe disse com lágrimas nos olhos.

__ Olhe pra mim! Olhe para esse pedaço de homem diante de você e me diga se eu posso ser
forte? Eu os perdi! Meus meninos se foram! Por quê? Por quê? - eu gritava.

Meus amigos enfiaram três comprimidos em minha boca. Antes de ficar completamente
desacordado, já de olhos fechados, ouvi a última frase que um deles disse a alguns metros de mim.

__ Meu Deus! A vida do Lucca acabou! Isso foi uma catástrofe!

Acordei de um pesadelo terrível. Estava suado. Abri os olhos. A Bia estava me olhando, deitada
ao meu lado. Ela parecia me analisar.

Puxei a menina para perto de mim e abracei forte.

__ Ow, princesa! Nunca deixarei ninguém lhe machucar! Eu prometo! - eu disse chorando. - É
tão bom saber que você é minha filha! Eu já a amava de alguma forma, mas agora eu nem consigo
aferir o tamanho do meu amor por você!

"É estranho saber que você é meu pai. Não quero que chore. Não gosto de ver as pessoas
chorando. Isso me angustia."

Poucas horas antes, ao chegar em casa, levei minha filha para o quarto em que ela costumava
dormir antes de deixar o haras. O meu quarto estava completamente revirado logo após aquele meu
momento de fúria. Coloquei a Bia em sua cama. Deite-me ao seu lado. Ficamos assim por algum
tempo, calados. Segurei sua pequena mãozinha. Acariciei seus cabelos. Adormecemos. Acabei
acordando com aquelas lembranças aterrorizantes em minha mente.

A presença da Bia me fez relaxar após o pesadelo. Ali, junto de minha filha, comecei a ter
alguns flashes do passado e me recordei do momento que deu início à minha ruína.

__ Felipe. Ela foi embora!

__ Como é que é?

__ A Eva me deixou! Por isso ela não apareceu no ensaio e nem atendeu meus telefonemas.

__ Como assim ela o deixou?

__ Encontrei um bilhete dela em cima da cama, dizendo que ela havia se apaixonado por outro
homem e que não teve coragem de me dizer pessoalmente.
__ Que filha da mãe! Poxa, por essa eu não esperava. Fique aí! Eu vou encontrá-lo agora
mesmo.

__ Não! Não venha! Só liguei pra você avisar aos caras. Precisamos de um substituto com
urgência.

__ Pensando bem, isso deve ser um mal entendido! A Eva não faria isso com você e não nos
deixaria em um momento com este. Ela nunca faltou a um simples ensaio de tão respondável que é.
Essa história está mal contada, Lucca! Vocês discutiram?

__ Não, Felipe! Ela simplesmente deixou um recado bem claro e resolveu me largar, levando
apenas algumas roupas e o violão. Como uma mulher que se dizia tão apaixonada termina um
relacionamento sério através de um pedaço de papel? - eu dizia com meu peito ardendo de desgosto.

__ Eu não entendo! E agora, Lucca? Eu nem sei o que posso fazer por você. Confesso que não
estou pensando apenas na sua decepção. Estou preocupado com a turnê, cara!

__ Vamos fazer o seguinte: fale com o Leo. Tenho certeza de que ele vai querer seguir com a
gente.

__ Leo, o dono do estúdio?

__ Exato! Ele conhece todas as músicas e toca guitarra muito bem. Eu não tenho cabeça pra
pensar nessas coisas práticas. O que vocês resolverem, pra mim está bom! Pode ser ele ou outro
cara! Eu só preciso agora sair desse apartamento.

__ Pra onde você vai?

__ Vou passar uns dias em Paraty. Encontrei a Lorena e outras meninas do fã clube hoje na hora
do almoço. Elas estão indo pra lá amanhã e nos convidaram para ir também. Estou precisando ver
gente, tomar umas cervejas, curtir umas mulheres.

__ Meu velho, você tem certeza de que está bem?

__ Na verdade, eu nunca estive tão mal em toda a minha vida! Que porra de amor é esse, cara?
Eu me enganei demais com aquela mulher. Fui um idiota estúpido por acreditar que ela me amava de
verdade.
__ Eu ainda não estou acreditando, Lucca!

__ Prepare o Leo, ok? O Vinícius poderá ajudar com a guitarra. Substituam os trechos dos
vocais que aquela desgraçada fazia. Eu não tenho condições de ajudar com isso agora. Vocês terão
que mudar muita coisa e ensaiarem sem mim. Volto algumas horas antes de partirmos para São Paulo
e poderemos fazer um último ensaio com a formação completa.

__ Ok.

__ Uma coisa eu lhe garanto, meu amigo: nós vamos sair dessa! Aquela miserável não vai
acabar comigo ou com a Sonic Beat. Ela é que se foda ou seja feliz longe da gente!

__ Estou com você, Lucca! Esqueça mesmo essa mulher!

__ A Eva faz parte do passado agora!

__ Vejo você na sexta! Antes de partimos, no fim da tarde, temos mesmo que fazer um ensaio
geral. Caso contrário, teremos que adiar o show de sábado.

__ Não adiaremos nada! Até a volta, Felipe!

Na noite seguinte, transei com a Lorena na suíte de uma bela pousada em Paraty. Ela parecia
querer reviver nossas ficadas de antigamente. Eu aproveitei a oportunidade. Afinal, ela era uma
garota muito gostosa e divertida. Eu estava bêbado e com raiva. Essa foi a fórmula perfeita para me
fazer voltar a dormir com a Lori. Durante três dias, minha diversão com ela me fez esquecer, mesmo
que por alguns instantes, das dolorosas cicatrizes que a Eva havia deixado em mim.

Quando voltei à capital, fizemos um último ensaio com a banda e partimos para o início de
nossa turnê. O Daniel quase enlouqueceu quando soube do sumiço da Eva. Ele conseguiu arranjar
uma coletiva de impressa em nosso hotel, poucas horas antes do show de estreia em São Paulo.

__ Ficamos sabendo que a Eva não tocará no show de logo mais. Isso é verdade? - um dos
repórteres começou a perguntar.

__ Sim! Lamentamos dizer que a Eva Martins não faz mais parte da Sonic Beat. - Felipe
explicou.

__ Mas qual o motivo disso? Vocês terminaram, Lucca?


__ Sim, nós não temos mais nada um com outro. Não são raras as vezes em que as pessoas
pensam ter encontrado um amor para a vida toda quando, na verdade, são apenas devaneios da
juventude. Estou com 24 anos. Sou muito novo para estar preso a um relacionamento sério.

__ Mas vocês pareciam tão apaixonados no programa do Ian Werneck! Isso foi há poucos dias! -
uma das repórteres ponderou. - O rompimento teve a ver com as fotos que vazaram antes de ontem?
Fotos de você e a Lorena Villar, aos beijos, numa praia do Rio?

__ Nossa separação não teve nada a ver com isso! Nós simplesmente decidimos terminar o
namoro. Eu e a Lorena também não temos nada um com o outro. Somos apenas amigos.

__ Amigos? E os beijos que todo o país viu nas fotos?

__ Alguns amigos se beijam, você não sabia?

Todos riram.

__ Onde a Eva está agora?

__ Quero deixar uma coisa bem clara: eu e nenhum de nós aqui voltaremos a falar sobre a Eva
Martins. Além disso, quero frisar que a minha vida amorosa não será mais alvo de temas que
envolvam a Sonic Beat. Este assunto está encerrado. Nada mais será dito sobre isso! - eu fui
enfático.

__ Viemos para essa coletiva com o intuito de anunciar a saída da Eva e de apresentar seu
substituto, o Leo. Leonardo Alves. Esse cara é fera! - Vinícius disse sorrindo.

__ Vocês acham que a saída da Eva poderá atrapalhar a turnê com o trabalho do novo álbum?
Como vocês tocarão as músicas sem os vocais femininos? E como ficará a banda agora sem sua
principal compositora? - outro repóter tomou a palavra.

__ Toda a nossa playlist já foi adaptada. O Lucca será o único vocalista e compositor daqui em
diante. Garanto a vocês que nossa turnê terá shows incríveis! - Giovane procurou amenizar o impacto
que a saída da Eva havia causado em todos nós.

__ Leo, como você se vê diante dessa substituição tão repentina? Você conhecia a Eva Martins?

"Puta que pariu! Será que o nome dessa mulher seria pronunciado sempre que alguém de
referisse à Sonic Beat?

__ É uma tarefa muito difícil substituir uma artista tão completa, talentosa e carismática como
ela, mas estou muito feliz por ter me juntado ao grupo. Sim, eu conhecia a Eva. Desejo o melhor pra
ela. Aliás, todos nós desejamos.

__ Lucca! Lucca! - um repórter gritou ao fundo. - Correm boatos por aí especulando que ela o
deixou. O que tem a dizer sobre isso?

Eu sorri.

__ Não darei ibope para boatos tolos! Reafirmo que nada mais será dito sobre minha vida
particular! Boa tarde! - eu encerrei aquela coletiva com uma grande fúria dentro de mim.

Olhei para a Bia que já estava dormindo. Continuei ali, parado, com ela repousando sobre meu
peito. Se minha pequena Bianca estivesse viva, ela teria seis anos e cinco meses e talvez fosse
parecida com a irmã. Meu peito apertou ao me recordar da minha pequena, minha graciosa filhinha.
Também comecei a imaginar como seria ter o Benny correndo pela casa, fazendo suas estripulias. Ele
era muito levado e adorava sorrir. Quando eu o observava brincando, meu coração se enchia de
felicidade. Recordar da vida que eu tinha com os meus filhos me trazia imensas saudades.

__ Papai! Papai! Eu e o Benny queremos sorvete! - Bianca se agarrou às minhas costas.

__ Isso não é comida para o café da manhã, princesa!

__ Por que, papai? Sorvete é bom! - Benny sorriu.

E naquela manhã de sábado, tomamos sorvete às 10h. Não me saí muito bem explicando a duas
crianças de dois anos e meio sobre os benefícios das vitaminas, fibras e proteínas.

Os shows com a banda não me permitiam ficar mais tempo com eles, mas sempre que possível,
eu os pegava na casa da Lorena e os levava comigo.

Quando soube da gravidez da Lori, eu quase enlouqueci. Estávamos nos encontrando,


esporadicamente, já havia quase um ano. Ela sempre quis ser mais do que uma "ficante". Ela queria
um compromisso; um casamento, algo que eu jamais poderia dar pra ela. Não me via em um
relacionamento sério outra vez, ainda mais com uma mulher que não mexia comigo; uma mulher que
eu não amava.

Durante meus shows pelo país, não foram poucas as vezes em que saí com fãs e peguei mulheres
nas boates que passei a frequentar. Ter companhia feminina era algo frequente em quase todas as
minhas noites.

A Lorena me seguia em todos os lugares: nas redes sociais; nos ensaios; nos shows. Como
presidente de nosso fã clube, ficava impossível deixar de vê-la.

Certa manhã, a Lorena foi até meu apartamento e despejou aquela bomba em cima de mim.

__ Grávida? Como assim grávida?

__ Grávida, oras! Você e eu fizemos sexo sem proteção. Aconteceu.

__ Lorena, eu nunca transei com você sem preservativo. Nem com você, nem com nenhuma
mulher.

__ Ah, isso não é verdade. Você não se lembra daquela noite em que estivemos novamente em
Paraty? Você bebeu demais e acabamos não usando camisinha.

__ Você deve estar brincando comigo! Você não pode estar grávida!

__ Bom, o exame está aqui. Você vai ser pai! Comece a lidar com este fato.

__ Se você está mesmo grávida, não vou fugir às minhas responsabilidades! Eu assumirei a
criança e nada faltará a ela.

__ Você ainda não entendeu. Eu e você vamos nos casar, Lucca!

__ Você tá tirando uma comigo, não é Lori? Eu não me casarei com você de jeito nenhum!

__ Isso é o que veremos!

Quando os meninos fizerem cinco meses de vida, eu e a Lorena nos casamos no civil e fizemos
uma festa na enorme casa dos pais dela. Nunca pensei que algum dia me casaria com uma mulher que
eu não amava. Aquela festa foi estranha pra mim. Meus amigos estavam lá, assim como alguns
parentes que vieram da Itália. Meus pais, que naquela época ainda moravam no Rio de Janeiro,
ficaram imensamente felizes com o casamento.

Horas antes do casamento civil, eu e meu pai tivemos uma conversa.

__ Filho, o Benício e a Bianca precisam de uma estrutura familiar.

__ Mas eu não a amo, pai!

__ Lucca, isso pode mudar! Antigamente as pessoas se casavam sem amor e depois iam se
descobrindo apaixonadas. Além disso, pense nos seus filhos! Pense na sua mãe! A Paola e a Lorena
se adoram. Faça isso em nome de sua família.

E foi dessa forma que meu pai, Ângelo Baroni, me convenceu a receber a Lorena como esposa.
Porém, não demorou muito tempo para eu ter a certeza de que fizera a maior besteira de toda a minha
vida.

Depois de casados, fomos viver em meu apartamento, o mesmo que morei quando eu e a Eva
namorávamos. Nos primeiros dias, as coisas foram razoavelmente bem. Eu tentava ser um bom pai
para os bebês. No entanto, a Lorena começou a me pressionar. Ela queria que eu a amasse e isso era
algo que eu simplesmente não conseguia fazer, por mais que quisesse.

Ela começou a ficar muito depressiva. Tempos depois, numa conversa com meus sogros,
descobri que a Lori tinha um histórico de depressão e ansiedade que a acompanhava desde a
adolescência.

Fomos a vários médicos. Fizemos de tudo. Ela não melhorava. Quando os meninos completaram
1 ano, a Lorena mal conseguia sair da cama para se arrumar para a festinha. Meus filhos começaram
a ser criados pela minha ex-babá, a Dona Rosa. Eu tinha total confiança na Rosa. Sempre que saia
para meus ensaios e shows, tinha a certeza de que eles ficariam em boas mãos.

A Lorena piorava a cada dia, com suas crises de ciúmes e sua falta de amor próprio. Eu estava
tão infeliz ao lado dela, que ansiava por cada nova oportunidade de sair de casa e ir tocar com os
meus amigos. Aos poucos, acabei me distanciando do Benny e da Bianca.

Fiz de tudo o que estava ao meu alcance pela Lorena. Paguei por terapias caras. Procurei ser
amigo dela. Queria ver a mãe dos meus filhos bem. Eu me preocupava com a Lori, mas infelizmente,
amá-la foi algo que eu nunca consegui. E ela sempre me cobrava e me culpava pela ausência desse
amor.
__ Você é um egoísta, Lucca! Você só pensa na banda! - ela dizia gritando.

__ Lorena, estamos no meio da gravação de nosso novo álbum. Eu preciso ensaiar e ficar horas
no estúdio.

__ Isso tudo é pretexto pra você permanecer longe de casa.

__ Eu não vou discutir agora! O Benny e a Bianca podem escutar e eu não quero que eles sofram
ao ouvir nossas brigas.

__ Se eu ou os seus filhos sofrem, é por sua causa e por causa daquela vagabunda que você não
consegue tirar da cabeça!

__ Lorena, eu nunca a enganei. Foi você mesma quem fez de tudo para que nos casássemos e até
ameaçou restringir minhas visitas aos meninos caso eu não decidisse pela união no civil e pela festa.
Foi você quem quis assim.

__ Você ainda ama aquela piranha, não é?

__ Não! Eu não amo mais aquela mulher! E o mais importante: eu nunca amei você, Lorena!

__ Seu filho da mãe! - ela avançou em cima de mim para me bater.

__ Pare com isso! Você está completamente desequilibrada! Vou levar os meninos e a Rosa para
a casa dos meus pais.

__ Vá para o inferno, Lucca! É bom mesmo que você os leve daqui. Eu não estou com a menor
paciência para aturá-los hoje.

__ Você precisa se tratar, pelo amor de Deus! - eu disse ao deixar o nosso quarto assustado.

Alguns meses depois, quando tínhamos terminado um de nossos shows com as canções de nosso
mais novo álbum, eu fui até um piano e cantei uma música que havia composto há poucos dias. Isso
ocorreu em 2010. No fim da canção, me emocionei e acabei citando o nome da Eva. Uma fã gravou e
jogou o vídeo na internet.

Quando a gravação chegou até a Lorena, ela surtou, pediu o divórcio e disse que eu jamais
voltaria a ver meus filhos. Ainda tentei fazê-la desistir daquela decisão, por mais triste que fosse
para mim ter que conviver com uma mulher que eu simplesmente não amava e que me fazia tão
infeliz. Tentamos melhorar as coisas sem êxito. O divórcio saiu quatro meses após o vídeo ter caído
na internet.

Ela foi morar na casa dos pais dela com os meus filhos. Foi uma época difícil pra mim porque,
justamente nesse momento, meus pais decidiram vender a empresa deles no Rio para voltarem a
Florença, cidade onde eles nasceram e cresceram.

Nesse momento, me dediquei inteiramente à banda para preencher a minha cabeça. Via meus
filhos poucas vezes, mas procurava ser o melhor pai que eu podia sempre que estava com eles.

Num certa manhã de quinta-feira, eu tive a ideia de levar os meninos e a Lorena para visitarem
meus pais em Florença. Não havia compromissos profissionais para aquele fim de semana e por isso
achei que seria o momento ideal de fazermos essa viagem. A Lori se animou para irmos.

Na sexta à tarde, já estávamos todos juntos. Eu fiquei muito feliz por ver meus pais e meus filhos
por perto. A Lorena tentou se aproximar de mim em alguns momentos, mas eu simplesmente não
conseguia tocá-la. Ela tentou me beijar e eu, mais uma vez, a recusei.

__ Sinto muito, mas eu e você não damos certo.

__ Podemos fazer dar certo!

__ Infelizmente, não podemos fazer mais nada por nós. Só nos resta sermos bons amigos e os
melhores pais que pudermos para as crianças.

__ Eu quero você, Lucca! - ela gritou.

__ Lorena, vê se amadurece. Eu não a amo! Entenda isso de uma vez por todas! Tenha um pouco
de amor próprio e siga sua vida. Você parece um fantasma vivendo à minha sombra. Pelo amor de
Deus!

__ É ela, não é?

__ Lá vem você com esse papo de novo!

__ Você não consegue esquecer aquela vadia, não é mesmo Lucca? Você até chorou por ela
naquele vídeo. Que papel ridículo: sofrendo pela idiota que o abandonou.

__ Que droga, Lori! Por que você não para de ficar me lembrando daquela mulher o tempo todo?
O fato é simples: eu não amo você! Estamos divorciados e não voltaremos a ficar juntos! Entenda
isso, de uma vez por todas e pare de me pressionar! Não aguento mais esses seus apelos
psicológicos.

No meio daquela tarde, recebo uma mensagem de texto do nosso empresário Daniel.

Lucca, você precisa voltar para o Brasil com máxima urgência. Pegue um voo o mais rápido
que puder e vá direito para o aeroporto de Brasília. Vamos fazer um mega show em um dos
maiores festivais de música da América Latina. Substituiremos uma banda inglesa que não
poderá vir. Esse festival é imperdível! Você sabe disso! O show será amanhã, sábado, às 23h.
Ainda estamos no Rio. Vamos partir para lá assim que recebermos a sua confirmação. Abraço,
Daniel.

Minutos depois, eu já estava com a mala pronta e meu pai já me esperava em seu carro, do lado
de fora da casa.

__ Mas filho, você mal chegou! - minha mãe dizia com tristeza.

__ Eu volto logo após o show, Dona Paola! Fique tranquila. - beijei seu rosto.

__ Cuide-se bem, querido, e volte logo! Eu, seu pai e os garotos precisamos de você aqui.

No dia seguinte, às 23h25 do sábado, nossa banda entrou no palco principal. Minutos depois,
tínhamos conquistado a plateia. Estávamos detonando. O público foi ao delírio com vários dos
nossos sucessos. Naquele mesmo momento, por volta das 23h40, meus filhos estavam sendo
assassinados.

Meu pai correu para o quarto onde eles estavam e foi o primeiro a ver aquela cena de horror.
Fui comunicado do acontecido por meus amigos da banda, na manhã seguinte. Minha mãe tinha sido
internada em estado de choque. Os dois não tiveram condições psicológicas de me contarem e
delegaram aos meus amigos a penosa tarefa de me informar sobre aquela tragédia.

Nunca soubemos como a Lorena conseguiu aquela arma. Segundo investigações, ela atirou nos
meus filhos enquanto eles dormiam, e em seguida, tirou a própria vida.

Resolvi enterrar o Benny e a Bianca em Florença, cidade que abrigava quase toda minha
família. Quando jovens, recém casados, meus pais foram morar no Rio de Janeiro e eu acabei
nascendo lá, onde vivi até os meus 29 anos. O corpo da Lorena, que também era carioca, foi
embarcado de volta ao Rio.

Depois do acontecido, meus pais devolveram a casa onde moravam de aluguel e saíram
mochilando por aí, realizando um sonho que sempre tiveram desde a juventude. Minha mãe nunca
mais foi a mesma desde que os netos foram mortos. E meu pai, desde então, não mais conseguiu me
encarar sem aquele olhar incriminador. Ele deveria achar que eu tinha sido o culpado pelo ato brutal
que aquela louca havia cometido, já que eu nunca consegui ser o pai de família que ele esperava que
eu fosse.

Eu falhei. Eu era mesmo o culpado por não ter previsto o que a Lorena poderia fazer aos meus
filhos e por ter trocado a convivência com eles para me dedicar à música e à banda. Mas a mim já
me bastava a minha própria culpa. Não podia encarar meus pais por mais tempo e voltei ao Rio
assim que os trâmites do velório e do enterro foram finalizados.

Meus amigos estiverem comigo durante as piores horas da minha vida. Eles me apoiaram ao
máximo e entenderam quando comuniquei a minha saída do grupo. Os caras já previam isso e
aproveitaram a oportunidade para fazer algo que sabíamos que aconteceria, mais cedo ou mais tarde.
Anunciarmos o fim da Sonic Beat.

De alguma maneira surpreendente, a notícia sobre a desgraça que abalou minha família nunca
veio à tona na imprensa carioca. Ninguém contestou o real motivo do fim da SB. Dissemos apenas
que estávamos cansados da convivência e que precisávamos de uma vida mais tranquila, longe da
estrada.

Após uma semana do anúncio do nosso fim, deixei o Rio e vim me hospedar aqui, no haras do
pai do Felipe. Gostei tanto deste lugar, que logo fiz a proposta para o Sr. Gonçalves de comprar as
terras dele, que já estavam à venda há algum tempo.

Mudei-me para esta cidadezinha e, aqui, junto à natureza e aos animais que passei a amar, eu
consegui ao menos me manter vivo, por mais 'desalmado' que eu fosse, como muitos costumavam me
dizer. Eu preferia fazer referência e mim mesmo como um 'homem fodido'. Era exatamente o que eu
era.

Logo nos primeiros dias em que cheguei aqui, comecei a me consultar com um psiquiatra em
Belo Horizonte. Não estava vendo resultado. Mudei de médico. Fiz isso três vezes, até que desisti de
me tratar com terapia e remédios. Depois de um ano e meio de tratamento, resolvi parar com tudo. Eu
só precisava arrumar um jeito de continuar vivendo; precisava encontrar um propósito para me
levantar, dia após dia. E agora, finalmente, havia encontrado esse propósito.

Saber que eu era o pai dessa garotinha tão especial renovou minha esperança de algum dia
conseguir me libertar de tanta culpa e de tanto ódio. Nesse momento, eu só queria cuidar da minha
filha, entendê-la ainda mais e ajudá-la com seu transtorno autista. Quanto à Eva, eu não sabia o que
fazer. Eu ainda era louco por ela, mas não me via capaz de perdoá-la por tudo que ocorreu depois
que ela me deixou. Especialmente agora, após saber que ela escondeu minha filha de mim por quase
oito anos.

Se era possível alguém amar e odiar uma pessoa ao mesmo tempo, era isso que acontecia em
meu coração: eu a amava com a mesma intensidade em que a odiava. Eu só queria poder apagar da
memória tudo que nos aconteceu para sermos felizes juntos. Porém, eu tinha certeza de que não
poderia esquecer. Jamais conseguiria perdoá-la, por mais que eu tentasse.

Trechos da música “Demons” - Imagine Dragons


(OBS.: na ficção, composta por Lucca Baroni)

Quando os dias estão frios


Quando todos os seus sonhos fracassam
Não importa o que criamos
Ainda somos feitos de ganância
Olhe nos meus olhos
É onde meus demônios se escondem
Não se aproxime muito
É escuro aqui dentro
Quando as luzes se apagarem
Todos os pecadores rastejarão
Capítulo 11

Eva
Passei a noite em claro. Não sabia como processar a conversa dolorosa que eu e o Lucca
tivemos na noite passada. Ter conhecimento de toda a tragédia que ocorrera com ele me fez sentir
empatia por sua dor. Naquele momento em que o vi chorar pelos filhos, eu me esqueci de seu plano
de vingança e de como ele me machucou ao agir daquela forma tão ardil.

Eu precisava falar sobre a Bia. Ele tinha que saber que não estava só; que ele era o verdadeiro
pai da minha filha. No entanto, após ter contado toda a verdade, o arrependimento tomou conta de
mim. Vê-lo pegar a menina nos braços e colocá-la em sua caminhonete me destruiu por dentro. Eu
não podia viver sem minha garotinha por perto. Isso não era justo! Eu era a mãe dela.

Quis ir ao haras pegar a Bia de volta, mas naquela manhã eu tinha muito trabalho a fazer.
Precisei começar a vacinar parte do gado da fazenda sem ajuda do outro veterinário, que até aquele
momento, não havia chegado. Por mais asqueroso que o Sr. Elias pudesse parecer, ele ainda era o
meu patrão. Até deixar a cidade, eu tinha que continuar trabalhando e dando o meu melhor.

Inicialmente, o plano era ir buscar a Ana Beatriz assim que o dia terminasse. Porém, eu logo
concluí que o haras era o local mais apropriado para ela. Junto ao pai e à Beth, eu sabia que a minha
filha estaria segura, pelo menos até que eu encontrasse uma maneira de deixar Minas Gerais.

No meio da manhã, o Inácio me encontrou trabalhando no curral.

__ Oi, Eva. Fiquei sabendo sobre a Bia. É verdade mesmo que o Sr. Lucca é o pai dela?

__ Oi, Inácio. É sim! Ele é o pai! Mas ele a levou sem o meu consentimento. - eu disse, ao
continuar manipulando o rebanho.

__ Sinto muito, mas eu vim pegar as coisas da menina. São ordens dele, Eva!

__ Como você pode ver, eu estou muito ocupada agora. Não posso parar a vacinação nesse
momento. Faça o seguinte: diga ao Lucca que eu mesma levarei as coisas da Bia no início da noite.
Por enquanto, você pode entrar na casa e pegar a ração da Lunna.

__ Você vai mesmo deixar a menina com o pai?


__ Sim, provisoriamente. Nós sabemos que lá no haras ela estará mais segura.

__ Que bom que você pensa assim, Eva! Não se preocupe que eu e a Beth cuidaremos muito bem
de sua filha.

__ Obrigada, Inácio!

Passei a manhã inteira com dor de cabeça. A falta de sono estava me matando. Parei para
almoçar, mas não consegui comer nada. Mexia na comida preocupadamente. Resolvi deitar um pouco
antes de recomeçar o trabalho.

Enquanto descansava, tentava encontrar uma solução para a bagunça que estava a minha vida. Eu
tinha que deixar aquele lugar, mas eu não sabia como. Apesar de possuir uma boa reserva de dinheiro
que economizei trabalhando no haras, eu não conseguia decidir o que fazer e para onde ir com a
minha filha. Não sabia como eu arranjaria forças para tirá-la do pai ou afastar o Lucca da única
pessoa no mundo que poderia ajudar a curar o seu coração. No entanto, continuar ali não era mais
seguro.

Peguei meu celular e liguei para a Beth.

__ Oi, querida! Como vai você? - ela me perguntou.

__ Nada bem! Eu liguei pra falar com a Bia. Como ela está?

__ Ela está ótima, Eva! Pode ficar tranquila.

__ O Lucca está por perto, não é?

__ Sim.

__ Você pode passar o telefone pra ela?

__ Claro! Ela está aqui na minha frente. Acabamos de almoçar.

Esperei alguns instantes até que ouvi a sua respiração.

__ Oi, meu anjo! Vou levar suas coisas mais tarde, está bem? Só queria que soubesse que eu amo
você mais do que tudo nesse mundo e que eu não posso viver longe de você, meu bem. Você ficará
com o Lucca por uns tempos, mas você e eu temos que ficar juntas. Eu te amo muito, filha!

"Eu também te amo, mamãe!"

Ao desligar o telefone, fiquei pensando em tudo que aconteceu comigo e com o Lucca. Eu tinha
que contar tudo pra ele, por mais que ele insistisse em não saber sobre os acontecimentos do
passado. Ele precisava entender o porquê de eu ter agido daquela forma. Ele não poderia continuar
me culpando pelo que a Lorena havia feito aos próprios filhos. Eu não tive culpa! Eu não tive!

Ali, em meu quarto, comecei a me lembrar da tarde em que precisei deixar o homem que eu
amava; da tarde em que meu coração ficou despedaçado de dor. Olhando para trás, percebo
claramente o quanto fui medrosa e o quanto estava perdida. Eu não poderia ter feito o que fiz, por
mais altruístas que tenham sido as minhas razões.

Tinha acabado de estacionar meu carro em frente do estúdio para mais um ensaio. Iríamos
estrear nossa nova turnê em uma semana. Enquanto atravessava a rua, meu celular tocou.

__ Cadê você, Eva? Agora que é uma estrela da música não tem mais tempo pra mim, não é?

__ Não seja bobo, Alexandre! Já combinamos de tomarmos um café antes de eu partir em turnê.
- eu sorri. - Estou com muitas saudades das nossas conversas.

__ Eu também, linda!

__ Ahh, meu Deus! - eu paralisei de medo. - Não estou acreditando no que estou vendo!

__ O que foi, Eva?

__ Um daqueles homens está aqui em frente ao estúdio.

__ O quê? Você tem certeza?

__ Sim! O que eu faço?

__ Eva! Saia já daí! - Alexandre gritou assustado.

Observei o exato momento em que o homem se despediu do Leo, o dono do estúdio em que
costumávamos ensaiar, e se virou. Ele me viu e veio andando rapidamente em minha direção. Joguei
meu celular na bolsa e corri. Olhei para trás e vi que ele me seguia, agora também correndo. Meu
coração disparou. Atravessei a rua, entrei no meu carro e saí dali o mais rápido que pude. Ele não
conseguiu me alcançar por questão de segundos.

Peguei o celular na bolsa. Alexandre continuava na linha.

__ Ah, meu Deus! Eu quase fui pega!

__ Você queria me matar de susto? Fiquei desesperado aqui.

__ Eles me encontraram, Alexandre! - eu chorava.

__ Esses homens não vão sossegar até colocarem as mãos em você! Eva, você precisa ir para
um local seguro. Faça o seguinte: dirija até seu apartamento, pegue algumas roupas, seus documentos
pessoais e passaporte, e venha já pra cá.

__ Passaporte? Eu não posso fazer minhas malas e simplesmente ir embora do país. Eu preciso
falar com o Lucca.

__ Esses homens são assassinos a sangue frio! Você sabe do que eles são capazes. Não há tempo
para despedidas. Além disso, temo pela integridade do seu namorado e dos caras da banda. Eles
correm perigo.

__ Mas eu preciso falar com ele! Não posso ir embora desse jeito.

__ Se você ama mesmo esse homem, você tem que deixá-lo agora!

__ Não! Eu não posso fazer isso! - eu dizia em completo desespero, ainda dirigindo o meu
carro.

__ Você precisa agir rápido, Eva! Depois, você poderá explicar tudo ao Lucca. Nesse momento,
você tem que sumir do mapa! Esses homens estão indo atrás de você agora mesmo!

__ Ele precisa saber de tudo, Alexandre!

__ Querida, não fale nada pra ele! Não agora! Se ele ficar sabendo do que aconteceu, ele vai
querer protegê-la e se tornará um alvo. Faça o que eu lhe disse: pegue suas coisas e venha já pra cá!
E cuidado para não ser seguida.
Eu chorava.

__ Eva, mantenha a calma! Você precisa ser forte e racional, caso contrário eles chegarão até
você. Haja com inteligência e frieza!

Desliguei o telefone. Parei meu carro numa esquina perto do prédio onde morava com o Lucca.
Subi ao nosso apartamento. Peguei uma pequena mala e comecei a jogar algumas peças de roupas lá,
além de meus documentos pessoais.

Enquanto juntava minhas coisas, decidi que contaria tudo ao Lucca assim que estivesse em
segurança. Meu celular começou a tocar. Olhei para o visor e não atendi. Estava com muito medo.
Segundos depois, ouvi uma mensagem chegando.

Olá, Eva! É o Rony! Nós finalmente a achamos! Temos um acerto de contas a fazer. Você
tem uma coisa que nos pertence.

Fechei a mala e olhei pela janela. Eles deviam estar por perto. O telefone voltou a vibrar com
outra mensagem.

Ou você facilita as coisas pra gente, ou aquele playboy metido a roqueiro vai sofrer as
consequências! Nós só queremos você! Não nos faça ir atrás de mais ninguém!

Eu me desesperei. Liguei para o Alexandre.

__ Oh, meu Deus! Eles pegaram o número de meu telefone e estão ameaçando ir atrás do Lucca
se eu não os encontrar. O que eu faço? - eu dizia em meio a um choro angustiado.

__ Acalme-se, criatura! Você quer morrer? - ele tentava me fazer pensar e deixar a emoção de
lado. - Saia já daí! Assim que estiver em seu carro, ligue de volta para eles e diga que eles podem
pegar quem quiserem. Diga que você não liga para o Lucca e ou para os outros caras. Diga que vocês
não estão mais juntos. Em seguida, acabe o namoro com ele por telefone. Você tem que ser dura e
agir com frieza. Ele tem que acreditar no que você diz!

__ Eu não posso fazer isso! Eu não posso!

__ Pode sim! Se você o ama, você precisa mantê-lo longe dessa merda toda. Ele faria o mesmo
por você!
Desliguei o celular. Eu tinha que sair logo dali. Pensei rápido no que fazer. Resolvi escrever um
bilhete às pressas para o Lucca e o deixei sobre nossa cama. Eu não teria coragem de ligar para ele.
Não conseguiria mentir ao ouvir sua voz. Restava-me terminar tudo através daquele recado, duro e
bastante direto. Isso o protegeria. Depois eu arrumaria um jeito de me explicar. O Alexandre tinha
razão: agora eu só precisava me manter viva e deixar as pessoas que eu amava em segurança.

Olhei novamente pela janela. Estava com receio de descer do prédio, mas tomei coragem e fiz o
que tinha que ser feito. Ao chegar à rua, corri até a esquina, coloquei meu violão e minhas coisas no
carro e parti. Após alguns minutos dirigindo, liguei para o número desconhecido no registro do
celular.

__ Estou ligando pra dizer que já estou bem longe de seu alcance, Rony! Vocês jamais irão me
achar de novo!

__ Ah, que pena! Então teremos que brincar de lobo mau com o astro do rock e com os
amiguinhos deles.

Eu congelei. O medo tomou conta de mim. Mas eu tinha que me manter firme e passar um ar de
frieza.

__ Vocês podem fazer o que quiserem com o Lucca. O que vocês procuram está guardado
comigo. Então, podem perder o tempo de vocês com ele e com os rapazes da banda.

__ Nós vamos tê-la em nossa frente e isso não vai demorar! Assim que estivermos com o tal
Baroni, você vai aparecer!

__ Como já disse, Rony, façam o que quiserem. A vida me ensinou a não ter pena de ninguém!
Se pensam que eu vou atrás de salvar a pele do Lucca ou dos outros caras, vocês estão
completamente enganados. Já estou indo pra bem longe do Rio de Janeiro! Até nunca mais!
Tchauzinho!

Desliguei. Meu coração explodiu de ansiedade. Há muito tempo eu não sentia tanto medo como
naquele momento. Eu só fazia chorar e rezar.

"Ow, meu Deus! Não permita que nada aconteça a nenhum deles. Proteja o Lucca, por favor!
Desculpe-me, meu querido! Desculpe-me!"

Assim que cheguei ao apartamento do meu amigo, eu o encontrei conversando com o Thomas
pelo telefone. Ele me abraçou enquanto continuava a falar. Parecia que ele já havia planejado tudo.
Ouvi a conversa por alguns instantes.

__ Estamos partindo o mais rápido possível. Que bom que podemos contar com você. Ligo
quando estivermos a caminho para lhe passar as informações do voo. Até logo.

Olhei para as malas dele no chão.

__ Você trouxe seu passaporte?

__ Sim! Você vai comigo, Alexandre? Você não pode deixar sua vida aqui por minha causa!

__ Que vida, Eva? A editora já era! O Thomas não mora mais no Rio. Eu não tenho muito mais o
que fazer aqui na cidade. Além disso, eu fui o responsável por trazê-la de volta ao país. Agora, é
meu dever deixá-la em um local seguro. Vamos partir imediatamente!

__ Sidney? Esse lugar é longe demais!

__ Quanto mais longe melhor! Você falou com o Lucca?

__ Não! Eu não tive coragem!

__ Eva! - ele me recriminou. - Sem uma despedida, o cara ficará louco atrás de você!

__ Ele não vai me procurar. Deixei um bilhete terminando tudo. - eu disse chorando.

__ Deixe as coisas se acalmarem e aí depois você poderá explicar o porquê de suas ações.
Agora, você só precisa mantê-lo longe, pelo próprio bem dele. Na verdade, todos da banda
correriam perigo se você não se afastasse logo.

__ Isso é tão doloroso! Ele vai me odiar, Alexandre! Eu jurei que ficaríamos juntos para sempre.
- eu continuava chorando.

__ Não fique assim, minha amiga! Você está fazendo isso justamente porque o ama. É para
protegê-lo!

__ E se eles pegarem o Lucca ou um dos rapazes?

__ Eu falei que era perigoso você entrar nessa banda, Eva! Você é quem nunca me ouviu!
__ Poxa! Eu não imaginava que poderia haver algum perigo depois de todos esses anos.

__ A maior bobagem que você fez foi aparecer, ao vivo, para todo o país, naquela entrevista
para o Ian Werneck. Foi aquela exposição que a colocou onde está agora.

__ Mas eu sempre usei o nome da minha mãe. Nunca me expus como Eva Fonseca. Além disso,
tudo aquilo aconteceu quando eu era uma criança. Não imaginei que eles pudessem me reconhecer
depois de adulta.

__ Eva, fala sério! Você tem o mesmo rosto da menina que eu conheci aos 12 anos. Bom, o fato é
que eu sou responsável por você agora. Fui eu quem a convenci a vir morar comigo aqui no Rio e
deixar aqueles idiotas com quem convivia. Eu também não avaliei bem os riscos.

Eu continuava chorando.

__ O problema foi que eu não imaginei que você faria parte de uma banda nacionalmente
famosa. Entrar para a Sonic Beat foi uma verdadeira loucura, Eva!

__ Eu sei que fui negligente com a minha segurança, mas eu só queria aproveitar minha
juventude; viver uma paixão; ter a minha banda. Eu estava vivendo um sonho até duas horas atrás,
Alexandre! – eu disse completamente angustiada, com os olhos cheios de lágrimas.

__ Acalme-se! Por favor, não chore assim!

__ Eu o amo! Eu não quero ir embora!

__ Eva, aqueles miseráveis só querem duas coisas: pegar o que é deles e matar você! E eu não
vou permitir que isso aconteça, você me ouviu? Estou levando os documentos comigo. Vamos embora
daqui! Não podemos perder tempo!

__ Eu não posso fazer isso!

__ Claro que pode!

__ Ele vai ficar arrasado! Ele vai me odiar!

__ Tente entender de uma vez por todas: tudo isso é para o próprio bem dele! Agora não é
momento para sentimentalismos! Seja racional!
__ Você tem razão.

__ Eu já liguei para o proprietário do meu apartamento comunicando que estava partindo.


Depois eu resolvo a questão da multa do contrato. Também já falei para aquele meu amigo e ex-
funcionário da editora, o Afonso. Ele vai ficar com os nossos carros e tentar vendê-los, e depois
depositará a grana em nossas contas assim que fechar negócio. Vamos deixar as chaves na portaria e
pegaremos um táxi para o aeroporto.

Naquele instante, meu telefone começou a tocar. Olhei para o visor. Era o Lucca. Encarei o
Alexandre. Eu ia atender a chamada, mas antes ele tirou o aparelho de minhas mãos.

__ Não faça isso! Será ainda mais doloroso se você atendê-lo.

Fiquei angustiada ao observar que o telefone tocava insistentemente. O Lucca devia estar
preocupado comigo. Eu nunca me atrasava para os ensaios.

__ Temos que nos livrar desse chip! - ele o tirou e o jogou no lixo da cozinha.

Continuei calada. Eu só conseguia lamentar e chorar pelos sonhos que estavam sendo arrancados
de mim. Partimos para o aeroporto. Quando o avião levantou voo, eu senti uma forte angústia em meu
peito. Eu estava deixando o homem que amava e largando meus amigos uma semana antes de nossa
turnê pelo Brasil. Eles nunca iriam me perdoar. Meu coração parecia estar sendo dilacerado de tanta
dor, mas eu tinha que seguir em frente. Eu tinha que fazer o que vinha fazendo nos últimos doze anos:
sobreviver.

Após tomar um banho, fui até o haras ver a minha filha e deixar suas coisas. A estrada que o
separava da fazenda estava escura e uma chuva intensa começava a cair. Não gostava de guiar meu
carro naquelas circunstâncias, mas eu tinha que encontrar a Bia e conversar com o Lucca.

Eu falaria pra ele sobre tudo o que aconteceu e sobre o real motivo que me fez deixá-lo através
daquele bilhete. Em todos esses anos, eu sempre me culpei por ter cedido à pressão que o Alexandre
fez para que eu deixasse o país. A culpa ficou ainda mais forte assim eu descobri que estava grávida.
Quis tanto ter estado ao lado do Lucca naquele momento. Quis tanto que ele pudesse ter visto a nossa
filha nascer e crescer.

Estacionei o carro e entrei na casa. Eu encontrei pai e filha jogando xadrex na sala.
__ Princesa, esse movimento está errado. O peão só captura seu adversário na diagonal, você se
recorda?

"Ah, é! Tinha esquecido!"

__ Oi, vocês!

Eles olharam pra mim.

__ Oi. - ele respondeu friamente.

__ Lucca, você poderia pegar as caixas que estão no carro?

__ Ok.

Ele saiu. Eu me aproximei da minha filha e a abracei. Ela não gostava nada de abraços, olhares
ou toques, mas eu precisava senti-la pertinho de mim.

__ Você está bem, querida? Está se divertindo? Trouxe tudo de que precisa!

"Que bom! Estava sentindo falta de meu computador e de meus livros!"

__ Eu queria lhe pedir desculpas por tudo, filha! Quando você for mais velha, eu poderei
explicar o porquê de ter omitido coisas tão importantes. No momento, eu só queria que você me
perdoasse e que não se esquecesse do imenso amor que sinto por você. Eu e o Alexandre sempre
quisemos o melhor para a nossa linda garotinha! Ele foi um pai maravilhoso, não foi? - eu me
emocionei. - E agora você tem o Lucca! Ele ama muito você, querida!

"Não chore, mamãe!"

Eu abracei minha filha mais uma vez e fiquei assim por alguns segundos. O Lucca retornou com
as coisas dela. Ele viu quando limpei minhas lágrimas e pedi para que ela nos deixasse sozinhos.

"Só espero que vocês dois não briguem!"

Ela subiu as escadas.

__ Nós precisamos conversar. Podemos ir até os cavalos? Talvez daqui de baixo a Bia consiga
nos ouvir.
__ Eva, está chovendo e fazendo muito frio lá fora. Se quiser falar comigo, pode ser aqui
mesmo.

__ Por favor, eu insisto! Assim ficaremos mais à vontade.

Fomos até o galpão debaixo do meu guarda-chuva. Foi estranho senti-lo tão perto de mim outra
vez. Naquele momento, a única coisa que conseguia ouvir era o som da chuva e das nossas
respirações. Estava ansiosa sobre o rumo de nossa conversa. Entramos. Lembrei-me das inúmeras
vezes em que transamos naquele lugar.

__ Os animais estão bem?

__ Estão ótimos.

__ Você já conseguiu um novo veterinário?

__ Sim! Ele e a nova fisioterapeuta começam amanhã.

__ Que bom!

__ Bom, nós já estamos aqui. Diga logo o que você quer falar comigo.

__ Eu queria lhe contar sobre o que aconteceu na tarde em que tive que deixá-lo.

__ Na tarde em que você teve que me deixar? Está tentando se eximir de sua culpa criando um
motivo de força maior que justifique seus atos, Eva?

__ Não estou criando nada! Só quero lhe contar tudo o que aconteceu de verdade para que você
entenda.

__ A coisa é simples de entender: você sumiu do mapa com o Alexandre e me largou sozinho em
nosso apartamento. Não preciso saber de nada além disso! Acho bom você ir embora.

__ Deixe-me explicar tudo! Você não pode continuar me culpando pela fatalidade que aconteceu
com sua família, Lucca!

__ Eva, fatalidade é uma pessoa bater seu carro zero, sem seguro, ao sair de uma
concessionária. O que aconteceu comigo e com minha família foi uma verdadeira tragédia!
__ Sim, você tem razão! Foi uma tragédia sem proporções. Eu sinto muito pelas suas perdas.
Você não imagina como eu sinto por isso, Lucca!

__ É bom pararmos essa conversa por aqui. Eu não quero voltar a falar sobre isso,
principalmente com você.

__ Mas eu preciso lhe explicar tudo!

__ Eu não quero ouvir porra nenhuma, Eva! Vá embora!

__ Por favor! Deixe-me fazê-lo entender.

__ A última coisa que quero nesse momento é tentar entender você e suas atitudes idiotas do
passado. Tudo de que preciso é apenas conseguir dar o melhor para a minha filha e ir sobrevindo aos
dias que ainda me restam.

__ Nossa filha, Lucca! A Bia é nossa filha!

__ Você não se lembrou de que ela era "nossa" ao escondê-la de mim por quase oito anos, não
foi?

__ Eu me lembrei disto todos os dias, desde o momento em que descobri que estava grávida. Eu
tentei lhe contar! Eu juro!

__ Esqueça isso! Bom, eu falei com o Felipe e ele me orientou sobre os meus direitos. Eu vou
registrá-la e vou querer a guarda dela.

__ Você não pode tirá-la de mim!

__ Eu só quero protegê-la! Eu tenho condições de dar o melhor tratamento possível para nossa
filha. Tenho gente para cuidar dela. Mas e quanto a você, Eva? O que poderá dar a ela, trabalhando
duro o dia todo e deixando-a perto daquele porco miserável?

__ Eu sei que aqui no haras ela está segura. Não pretendo voltar com a Bia para a fazenda.

__ E então, o que pretende?

__ Sair da cidade e levá-la comigo. Pensei em ir para o Nordeste. Talvez Bahia ou Pernambuco.
E você sempre poderá nos visitar, Lucca!
__ Eva, você pode ir morar em qualquer lugar deste planeta! Mas uma coisa eu garanto: minha
filha não sairá daqui!

__ Eu não posso continuar morando aqui e eu não posso ir embora sem a Bia. É uma situação
muito delicada pra mim.

__ Procure seus direitos na justiça. Eu vou atrás dos meus. Eu só quero deixar bem claro pra
você que nenhum magistrado em seu perfeito juízo dará a guarda de uma criança especial para uma
mulher sozinha, sem família, sem marido e ganhando pouco. Eu posso dar o melhor pra ela, ao
contrário de você!

__ Então você já decidiu procurar a justiça?

__ Você ainda tinha dúvidas de que faria isso?

__ Poxa, Lucca! Eu contei sobre a nossa filha para amenizar a sua perda. Eu não imaginava que
você fosse tirá-la de mim.

__ Nada nesse mundo poderá ser capaz de amenizar a dor das minhas perdas, Eva! Uma dor que
foi você quem causou.

__ Até quando você continuará me culpando e me punindo pelo que aconteceu? Deixe-me
explicar o que me levou a fazer o que fiz. Eu sei que você conseguirá entender!

__ Eu já disse que eu não quero nenhuma explicação! Vá embora daqui.

__ Você se esqueceu de tudo o que vivemos nos últimos meses? Estávamos tão felizes aqui!

__ Você estava feliz; eu não! Nunca consegui estar pleno ao seu lado, por mais que eu a amasse.
Olhar pra você me fazia lembrar do Benny e da Bianca mortos naquele caixão. Você consegue
entender o meu desespero? Você consegue sentir a minha dor?

__ Eu não posso levar a culpa pela morte de seus filhos! Isso não é justo!

__ A vida não é justa, Eva! Não dá pra escapar do que a vida faz com a gente; só dá pra ir
sobrevivendo.

__ É verdade! Eu sei bem o que é isso porque ‘ir sobrevivendo’ sempre foi o meu lema. Agora
deixe-me explicar tudo, Lucca!
__ Não insista nisso! Eu não quero ouvir nada que você tenha a dizer!

__ Eu só estou pedindo para que você me escute!

__ Não me faça ter que expulsá-la daqui à força! Vá embora, Eva!

__ Então, é assim que acabamos?

__ Sim, nós acabamos aqui! Você ainda não captou a essência do que me fez! Você acabou
comigo quando me deixou, Eva! Por sua culpa, eu me envolvi com a Lorena. Por sua culpa, eu fui um
pai ausente. Por sua culpa, eu tive que enterrar os meus filhos!

Fixei meu olhar no dele e só enxerguei amargura e ódio.

__ Eu sinto muito, Lucca! Eu tive que ir porque eu estava sendo ameaçada. Se eu não partisse
naquele momento, eu poderia ser morta. Eu não lhe falei a verdade para poupar você de toda a
bagunça que a minha vida sempre foi. Tinha que protegê-lo. Tive medo de que algo acontecesse a
você ou aos rapazes.

__ Não sei como você consegue mentir de forma tão acintosa.

__ Não estou mentindo! Eu poderia ser assassinada se não fugisse naquela tarde. Todos vocês
também corriam perigo. Eu não tive tempo ou condições de me despedir, Lucca!

__ Poxa, você fica ridícula fazendo esse papel de vítima! Você mente muito mal!

__ Pelo amor Deus, você tem que acreditar em mim!

__ Eu vou ficar com a Bia. Espero, sinceramente, que você não volte a me procurar para tocar
neste assunto.

__ Você se lembra do dia em que apresentei o Alexandre para todos da banda?

__ Pare com isso! Eu não quero ouvir mais nada! - ele gritou.

__ Eu o levei porque queria mostrar pra todo mundo que eu era uma moça íntegra; que eu não
estava querendo dar em cima de ninguém. Você tinha me acusado de querer seduzir os rapazes no dia
da seleção, você se recorda? Aí pensei em pedir para meu amigo fingir ser meu namorado e me ligar
algumas vezes durante os ensaios.
__ Não vou ficar aqui ouvindo suas mentiras! - ele disse ao sair do galpão. - Tchau, Eva!

A chuva havia dado uma trégua. Eu o segui.

__ Ele era o meu melhor amigo, Lucca! Nós nos conhecemos ainda crianças. Quando deixei
Quebec, fui morar na casa dele no Rio de Janeiro. Nunca tivemos nada! Eu não o deixei para fugir
com ele. Eu o abandonei para me manter viva e para proteger você. Eu e o Alexandre nunca
namoramos e jamais nos casamos!

Ele parou, virou-se e segurou meu braço com força.

__ Entenda de uma vez por todas: eu não quero mais ouvir a sua voz! Vá embora daqui! - ele me
puxou para perto do meu carro. - Suma de minha frente, sua mentirosa!

__ Eu não estou mentindo, droga! - eu chorava.

__ Eu não sei no que acreditar, Eva! Se tudo isso é verdade, como você foi capaz de me
esconder essas coisas do cara que você dizia que amava?

__ Eu errei muito ao omitir esses fatos! Mas eu só queria que você soubesse que eu nunca deixei
de amá-lo! Foi por isso que eu decidi voltar a me relacionar com você quando o encontrei aqui no
haras. Foi por isso que eu decidi, desde ontem, que trataria de esquecer a humilhação que você me
fez passar naquela noite. Eu o perdoo, querido! Por favor, me perdoe também! Nós podemos ser uma
família!

__ Você acha que podemos ser uma família depois de tudo o que aconteceu, Eva? Você acha que
eu seria capaz de apagar as lembranças dos meus filhos para ficar com a principal responsável pela
morte deles?

__ Você só pode estar maluco! Como eu poderia ser a principal responsável por isso, Lucca?
Não fui eu quem os matou!

__ Você os matou sim! - ele voltou a apertar o meu braço. - Você os matou no momento em que
decidiu esconder coisas de mim e me largar para fugir com seu amiguinho! Meus filhos nem
deveriam ter vindo ao mundo para viverem essa existência sem sentido; para serem assassinados
pela própria mãe.

__ Eu não tive culpa! - eu disse chorando. - Pare de me culpar, pelo amor de Deus! Foi você
quem dormiu com a Lorena! Foi você quem a engravidou! Foi ela quem disparou aquela arma!

__ Você e eu tivemos culpa! Eu, por ter sido um pai de merda e por não ter conseguido evitar
que aquela perturbada fizesse mal aos meus meninos! E você, por ter me abandonado de uma forma
tão cruel. Eu a amava, Eva! Eu a amava mais do que tudo! Poxa, você acabou comigo! - ele chorou.

__ Eu sinto tanto... me perdoe... me perdoe! - tentei me aproximar, mas ele se afastou.

__ Você sumiu! Você escondeu a minha filha de mim! Por que não me procurou para explicar
tudo? Eu olhava o maldito celular dez vezes por dia esperando notícias suas; esperando que você
dissesse que estava arrependida e que me queria de volta. Eu daria a minha vida por você, Eva!

Era horrível vê-lo chorando daquele jeito.

__ Eu quis fazer isso, meu bem! Eu juro! Assim que soube que estava grávida, já em Sidney, eu
entrei no site e peguei os telefones de contato da banda. Eu não tinha mais o seu telefone. Não tinha
mais o chip do meu celular. Falei com o Daniel e pedi o seu número. Ele se negou a passar seu
telefone e disse que eu não voltasse a procurá-lo porque você estava muito bem; que a turnê estava
sendo um sucesso com o Leo e que você estava namorando uma atriz famosa.

Nós dois chorávamos muito. Continuei a explicar.

__ Eu passei dias pensando se deveria lhe contar sobre a gravidez. Pensei em conseguir seu
número através de outra pessoa, mas eu fiquei refletindo se a minha volta seria mesmo bom pra você.
Eu não queria prejudicar a turnê nem atrapalhar seus sonhos com a música. Eu também não queria
interferir em seu relacionamento com a tal garota. Além disso, tive muito medo de colocar você e os
rapazes em perigo se eu voltasse a vê-los de novo. Então, depois de muito pensar, eu aceitei a
proposta que a Alexandre me fez de assumir a Ana Beatriz como filha e continuarmos na Austrália.

__ Você mentiu pra mim o tempo todo! Começou a mentir ao dizer que o cara era seu namorado.
- ele me fuzilou com um olhar de raiva.

__ Lucca, eu sei que agi mal. Mas eu preciso de seu perdão. Tenho certeza de que se eu contar
toda a minha história, desde o começo, com calma, você conseguirá me perdoar.

__ Suma de minha frente agora mesmo! Se pudesse, eu juro, jamais voltaria a vê-la! Você
acabou com meus sonhos e fez de mim esse homem vazio e amargurado. Você foi a principal
causadora da desgraça que atingiu a minha família, Eva!
__ Não fale assim, por favor! Eu te amo, Lucca! Você precisa me perdoar.

__ Eu tentei esquecer tudo, mas pra mim é impossível!

__ Meu Deus, eu te amo tanto! Por favor, me dê uma chance para que eu consiga provar que
ainda podemos ser felizes juntos.

__ Eu não consigo, Eva! Eu achava que o meu amor por você pudesse superar o meu ódio,
porém eu estava errado! Jamais conseguirei perdoá-la!

A chuva voltou a cair e dessa vez ainda mais forte. Permanecemos ao lado de meu carro. Já não
adiantava correr. Ficamos completamente encharcados.

__ Por favor, Lucca! Deixe-me tentar fazê-lo esquecer de todos esses demônios que povoam sua
mente. Eu também tenho os meus! São coisas dolorosas demais que eu sempre guardei dentro de mim.
Mas eu sei que somos capazes de superar tudo isso! Poderemos ser mais fortes e mais felizes juntos!
Nós temos a nossa menina! Nós podemos ser uma família!

__ Não podemos mais, Eva! O nosso tempo já passou.

__ Você ainda me ama, Lucca? - eu disse chorando muito e tremendo de frio pela intensa chuva
que caía sobre nós.

__ Eu não sei mais o que sinto, Eva!

__ Você sempre se lembrará de seus filhos quando olhar pra mim, não é?

__ Sempre!

Baixei minha cabeça, sentindo-me derrotada e sem forças. Eu não podia fazer nada mais por nós
dois.

__ Vou deixar a fazenda do Elias em breve. Até lá, a nossa filha continuará com você. Mas eu a
levarei comigo quando eu for embora.

__ Não insista nisso! A Bia não sairá daqui e ponto final.

__ Por favor, Lucca, não a tire de mim! Eu não tenho mais ninguém nesse mundo! Somos apenas
eu e ela.
__ A nossa filha ficará comigo! Eu acho que já fui bem claro.

__ Então, nós nos veremos em um Tribunal. Eu sou a mãe dela e vou lutar até o fim para tê-la ao
meu lado.

Eu me virei para entrar no carro quando o ouvi chamando meu nome.

__ Eva! - ele fez uma longa pausa. - Esqueça o que vivemos aqui no haras, está bem? Nós dois
fazemos parte do passado e é lá onde devemos deixar tudo que aconteceu entre a gente.

__ É isso mesmo que você quer, Lucca?

__ É isso o que eu quero!

Não era possível que a nossa história estivesse acabando ali. Eu tinha que tentar pela última
vez. Deixei todo o meu orgulho de lado e me aproximei dele novamente.

__ Eu te amo tanto, Lucca! - eu chorava. - Por favor, vamos ficar juntos! Nós temos a Bia! Nós
nos amamos! Eu sei disso!

__ Eu e você tivemos a nossa chance e a perdemos! Não alimente mais qualquer sentimento por
mim, Eva!

__ Tudo bem! Você não terá mais problemas em relação aos meus sentimentos. Eu vou esquecer
você, Lucca!

Dei as costas pra ele e fui embora dali o mais rápido que pude. Não queria que ele continuasse a
me ver chorando daquele jeito. Decidi parar o carro até que a chuva diminuísse um pouco. Liguei o
rádio. Quando consegui sintonizar uma estação, parei imediatamente numa música muito bonita que
tinha começado.

A letra falava sobre um amor lindo, porém trágico. Era assim o meu amor pelo Lucca. Era assim
o nosso amor. Era muito triste saber que eu sempre seria vista como a culpada pela morte de seus
filhos daquela forma tão brutal. Eu jamais conseguiria fazer aquele homem sofrido superar sua dor.
Tinha certeza disso porque eu nunca consegui superar as minhas próprias dores. Havia feridas
emocionais que nos marcavam de tal maneira que nada seria capaz de curá-las; nem mesmo o tempo;
nem mesmo um grande amor.
Voltei a chorar mais intensamente. Encostei meu rosto sobre minhas mãos ao volante e deixei
sair de mim toda aquela emoção. A música no rádio embalava minha enorme angústia. Parecia que a
letra tinha sido composta por mim. Estava preocupada com a possibilidade de perder a minha filha.
Só queria poder ficar com ela e sair daquela cidade para me sentir mais segura. Como eu faria isso?
Como conseguiria tirar a Bia de perto do pai? Como conseguiria arrancar aquele homem de meu
coração? Sentia-me completamente destroçada e carente.

Dentro daquele carro, percorri os últimos vinte e um anos de minha vida. Anos de muita dor e
solidão. Sentimentos que tive que guardar apenas comigo por não conseguir partilhá-los com mais
ninguém, além do Alexandre. Nunca pude falar sobre minhas aflições com o Lucca, o único homem
que eu verdadeiramente amei.

Talvez ele tivesse mesmo razão ao me responsabilizar pela morte de seus filhos. As minhas
omissões e a minha fuga causaram consequências terríveis. Eu comecei a ser tomada por um
renovado sentimento de culpa; uma culpa que me acompanhava há anos; uma culpa que nunca me
possibilitou viver plenamente.

Não teve um único dia que eu não me sentisse arrependida por ter deixado o Brasil; por ter
fugido daquela forma. Mesmo com a influência do Alexandre, eu deveria ter ficado no Rio de Janeiro
e ter contado tudo para o Lucca. Sei que meu amigo só queria me proteger e manter em segurança as
pessoas que me cercavam, mas ele estava errado. A verdade era sempre a melhor solução.

Eu deveria ter sido mais corajosa. Eu deveria ter falado tudo. Agora só me restava lamentar por
um amor que ficaria no passado, apenas em nossas recordações. Eu iria seguir em frente, de alguma
forma. Eu só precisava de minha garotinha comigo.

"Sinto muito, Lucca! Sei o quanto você também deve amar a Bia, mas ela é a minha filha e
não há nada ou ninguém nesse mundo que me faça desistir dela. Nem mesmo você!"

Trechos da música “Sad, Beautiful, Tragic” - Taylor Swift


(OBS.: canção que Eva Martins escuta no rádio)

Palavras, elas significam tão pouco


Quando estão um pouco atrasadas demais
Eu esperei ali, em silêncio, seu rosto em um medalhão
Garotas boas são esperançosas
Aguardam por muito tempo
Nós tivemos um amor lindo e mágico
Que caso de amor triste, lindo e trágico
Nos sonhos, eu o encontro e conversamos bastante
Mas acordamos em camas solitárias e em cidades distintas
E o tempo está levando um doce tempo para lhe remover
E você tem seus demônios
A distância me cansa
Os choros e as brigas também
Beije-me, tente consertar
Será que não pode me ouvir?
Nós tivemos um amor lindo e mágico
Que caso de amor triste, lindo e trágico
Capítulo 12

Lucca
Eu estava destruído. Quando a Eva foi embora, eu sentei na entrada de casa e voltei a chorar.
Vê-la ali, debaixo daquela chuva, pedindo para sermos uma família e dizendo que me amava, fez o
meu coração doer. Tive vontade de abraçá-la forte e dizer pra ela que poderíamos ficar juntos. Mas
eu sabia que isso não seria possível.

Ela me perguntou se eu ainda a amava. Eu disse que não sabia, mas a verdade é que nunca havia
deixado de amar essa mulher desde que ficamos juntos pela primeira vez. No entanto, o peso de
minha raiva e o terror de minhas lembranças não me possibilitava voltar a ser um homem normal. Eu
não conseguiria amá-la plenamente. Eu tentei esquecer todo o meu rancor e tentei deixar de culpá-la,
mas no fim das contas, o meu ego e meu desejo de vingança falaram mais alto.

Não me orgulhei da humilhação que a fiz passar naquela noite no bar. Pelo contrário, o remorso
me corroeu por dentro logo depois do acontecido. Porém, ao saber sobre a existência da filha que ela
escondeu de mim por tanto tempo, eu compreendi que não havia mais nada que pudesse ser feito por
nós dois. As cicatrizes eram profundas demais. Foram muitas mentiras e omissões, e eu não seria
capaz de passar por cima de tudo isso.

Sabia que ela tinha inventado todo aquele papo de ter estar correndo perigo de morte. Essa era
mais uma mentira que a Eva tinha inventado para justificar a merda que ela fez ao me abandonar. Ela
se arrependeu e se viu apaixonada por mim novamente. E aí inventou essa história ridícula de que
precisava se proteger; de que precisava largar tudo às pressas.

Entrei em casa e fui para meu quarto me trocar. Eu estava completamente encharcado. Enquanto
me vestia, fiquei pensando preocupadamente na possibilidade de perder a Bia. Eu não permitiria que
a Eva sumisse mais uma vez levando minha filha pra longe de mim.

"Isso não vai acontecer de jeito nenhum! Eu sou a pai dela. Ela me adora. Ela adora o haras.
A Bia vai ficar comigo!"

Após uma noite de sono agitada, eu me levantei cedo para malhar. Minha mente funcionava
melhor com minha corrida matinal e meus trabalhos de musculação. Estava confuso e apreensivo com
o rumo que as coisas teriam daqui em diante. Por via das dúvidas, falei com o Inácio, com a Beth e
com todos os demais funcionários, que eu não queria a Eva sozinha perto da Bia. Tinha receio de que
ela pudesse levar a menina sem a minha autorização.

Depois de terminar meus exercícios físicos, me arrumei para receber o novo veterinário e
observar a nova fisioterapeuta trabalhando. Fui até o redondel falar com as meninas e conhecer a
minha nova funcionária.

__ Olá! Sou o proprietário do haras. Você deve ter a Vanessa.

__ Oi, Sr. Lucca. Sim, meu nome é Vanessa Lima. Prazer em conhecê-lo!

__ Vamos diminuir as formalidades por aqui, Vanessa! Apenas 'Lucca' já fica muito bom!

__ Ok, Lucca! Quer ficar um pouco para me ver trabalhando?

Após cumprimentar as meninas e falar com o Inácio, fiquei observando a Vanessa lidar com as
crianças e com os cavalos. Ter me livrado do Túlio se mostrou uma excelente decisão. Aquela
mulher era uma loira ainda mais bonita do que a Isabel. Meus pensamentos não eram nada
apropriados para aquele momento. Fui tirado de meus devaneios pela chegada do novo veterinário.

__ Olá! Você deve ser o Lucca Baroni. Meu nome é Miguel Silveira.

__ E aí, Miguel? Você fez boa viagem?

__ Excelente! Onde posso guardar as minhas coisas?

__ Você vai morar com meu braço direito por aqui, o Inácio. Ele e a esposa ficarão felizes em
recebê-lo no quarto de hóspede. Vou construir, o mais breve possível, uma pequena acomodação para
você. Por hora, você terá que ficar com eles.

__ Sem problemas! E quem são aquelas três gatas?

__ São as fisioterapeutas que trabalham aqui conosco. Aquela lá no canto esquerdo com a minha
filha é a Tatiana. A de blusa vermelha é a Renata e a de blusa amarela é a Vanessa.

__ Poxa! Isso é o que chamo de molhar a vista! São três mulherões! - ele falou empolgado.
Naquele momento, vi o carro da Eva se aproximando de nós. Ela estacionou e saiu do veículo.
Ela estava linda. Seus cabelos estavam presos em um rabo de cavalo e ela vestia sua usual calça
jeans, botas e uma blusa regata branca. Seus óculos escuros completavam um visual despojado e
sexy.

__ Bom dia!

__ Oi, Eva!

__ O Inácio me ligou pedindo para que eu passasse algumas informações para o novo
veterinário.

__ Oi. Eu sou o veterinário! Acabei de chegar! Eu me chamo Miguel.

__ Olá, Miguel! Meu nome é Eva! Podemos ver os animais agora? Eu não posso demorar muito
porque estou no meu horário de trabalho.

__ Claro! Podemos sim! - ele sorriu.

"Não é possível que esse carinha vai dar em cima da Eva. Não bastasse o Túlio! Mantenha a
calma, homem! Você não tem mais nada com ela! Esqueça isso!"

__ Antes de irmos, espere só um momento. Volto logo! - ela disse ao se afastar de nós dois.

A Eva se aproximou da Tatiana e da Bia. Mãe e filha se abraçaram. Ela disse alguma coisa no
ouvido da menina e a ajudou a montar na Celeste.

__ Poxa! Eu acho que morri e estou no paraíso. Pelo amor de Deus, que mulher linda! - Miguel
ria entusiasmado.

__ Ela é a mãe da minha filha Ana Beatriz.

__ Foi mal, Lucca! Desculpe!

__ Eu e ela não estamos mais juntos.

__ Vocês são divorciados?

__ Não! Nós nunca nos casamos.


__ Entendo.

Eva voltou para perto de nós.

__ E, então? Podemos ir?

__ Agora mesmo! - ele respondeu.

__ Você tem um bloco de anotações com você? Seria bom anotar algumas coisas importantes
sobre os cavalos.

__ Claro.

Eu os observei caminhando juntos. Fiquei um pouco nervoso com aquilo, mas logo procurei
esquecer essas loucuras em minha cabeça. A Eva e eu não tínhamos nenhum relacionamento. Eu não
podia surtar com o Miguel como eu fiz com o Túlio.

Voltei a minha atenção para a Bia. Ela já estava montando sozinha, sem a ajuda da Tatiana.

__ Excelente, querida! Você está indo muito bem! - eu disse para incentivá-la.

A Vanessa me olhou. Eu podia estar enganado, mas essa mulher estava me dando mole. Fiquei
olhando os trabalhos com as crianças por cerca de vinte minutos quando vi a Eva e o veterinário
saindo do galpão. Os dois estavam sorrindo. Eles se aproximaram de mim novamente.

__ Pronto, Lucca! O Miguel já está por dentro de tudo. Já passei pra ele as principais
informações sobre a maioria dos animais.

__ Ótimo!

__ Então, é isso! Eu vou voltar para a fazenda. Venho à noite para ver a Bia.

__ Ok.

__ Tchau, Eva! Muito obrigado! Qualquer dúvida que eu tiver, eu ligo pra você!

"Que diabos é isso? Os dois já ficaram amiguinhos? Ela já deu o número do celular pra ele?"

Assim que a Eva foi embora, eu fui para falar com o tal Miguel, que era mais jovem do que eu
pensei quando conversamos por telefone. O cara parecia disposto a cair matando em cima da
mulherada por aqui.

__ Ela explicou tudo? Você conheceu o meu cavalo?

__ Apolo D' Angelo! Ela explicou tudo sim! Pode ficar tranquilo que os animais estão em boas
mãos.

__ Ótimo!

__ Lucca, há alguma possibilidade de você e a Eva voltarem a ficar juntos?

"Que porra é essa? Esse cara mal chegou e já está marcando território?"

__ Por que você não pergunta isso a ela?

__ Eu perguntei. Ela disse que não há mais nada entre vocês, mas eu queria saber a sua versão.

"Além dos cavalos, eles tiveram tempo até pra conversarem coisas particulares? Esse cara é
ainda mais filho da puta do que o Túlio!"

__ Eu e a Eva apenas convivemos por causa da Bia.

__ Então, não teria nenhum problema pra você se eu a chamasse pra sair?

__ Não vejo nenhum problema nisso!

__ Sabe dizer se ela está saindo com alguém?

__ Você ficou bastante interessado, não é Miguel?

__ Não vou mentir. Eu fiquei muito interessado.

__ Tem um cara chamado Túlio que anda atrás dela há algum tempo.

Ao fim da sessão de equoterapia, eu me aproximei da minha filha.

__ Querida, vá pra casa. A Luna está doentinha. Fique um pouco com ela, está bem? Vou pedir
para o novo veterinário ir vê-la. Eu me esqueci de pedir para a sua mãe.

"Tá, papai!"
Quando a Bia deixou o redondel, eu falei com os pais de algumas crianças e depois fui trocar
uma ideia com a Vanessa.

__ E aí, está gostando do trabalho?

__ Estou adorando, Lucca!

__ Que bom! Você gostaria de conhecer melhor o haras?

__ Eu adoraria, mas agora o sol está muito quente. Posso vir lá pelas 16h30? Eu estou morando
aqui mesmo em Jardim Campo Belo.

__ Venha mesmo! Esse horário está ótimo!

No fim da tarde, estava falando com meu melhor empregado perto do rio.

__ Damião, você poderia selar o Apolo e o Valentino pra mim? Vou dar uma volta para mostrar
o haras para a nova fisioterapeuta.

__ Eu dei uma espiada na dona. É uma lindura.

__ É mesmo.

__ Mas eu prifiru a sinhora Eva! O sinhô pode explicá um trem pra eu? O sinhô descobriu que é
pai da minina que não fala. E aí invez de casá com a sinhora Eva, o sinhô expulsa a bichinha daqui.

__ É complicado, Damião! Eu a e Eva tivemos um caso mal resolvido no passado. Tentamos


ficar juntos de novo, mas não deu.

__ Fico triste causdiquê eu gostimais da conta da sinhora Eva. Bom, eu vou lá resolvê uns trem
com o Inácio e selá os bicho.

Fiquei ali por mais algum tempo e olhei para o outro lado do rio. Era ali, em uma pequena casa
branca, que a Eva estava morando. Ainda bem que tinha tirado a nossa filha daquele casebre
horroroso.

Resolvi me deitar na minha velha canoa e descansei por algum tempo. Ainda estava com a
conversa de ontem à noite na cabeça. Fiquei me lembrando de como a Eva tinha chorado e de como
ela se mostrou vulnerável.

Eu só conseguia sentir duas coisas por aquela mulher: uma mágoa muito pesada e um amor
absurdo. Eu precisava tirar um ou outro de meu coração. Esses dois sentimentos não podiam coabitar
dentro de mim.

Encontrá-la hoje cedo tinha sido um tanto embaraçoso. Vê-la tão linda chegando em seu carro
mexeu comigo, ainda mais quando vi o tal Miguel querendo dar uma de gavião. Ela usava aqueles
óculos escuros, como se quisesse esconder as olheiras da péssima noite que deve ter tido. Se foi uma
noite parecida com a minha, deve ter sido realmente terrível.

Depois de muito pensar, cheguei a uma conclusão lógica: eu e a Eva não voltaríamos a ficar
juntos de jeito nenhum! Eu só precisava fazer o meu coração entender isso, de uma vez por
todas. Levantei-me da canoa e fui ao encontro da Vanessa, que já estava me esperando no terraço de
minha casa.

__ Desculpe o atraso. Podemos ir? Temos dois cavalos já selados esperando por nós.

__ Claro, Lucca!

Montamos e fomos andar por toda a propriedade. Ela se mostrou uma excelente companhia. Ao
lado dela, eu conseguia deixar de pensar na Eva.

__ Quer dizer que você só tem 22 anos?

__ Você não sabia? Achei que olhasse a ficha de seus funcionários.

__ Foi o Inácio quem a contratou, lembra-se?

__ É verdade. E quantos anos você tem, Lucca?

__ Tenho 32 anos. Então, Vanessa, o que uma mineira tão bonita veio fazer aqui nesse fim de
mundo?

__ Saí de um relacionamento complicado recentemente. Queria mudar de ares. Aí vim morar


com o meu tio aqui em Jardim Campo Belo. O Inácio e o meu tio são amigos.

__ Entendo.
__ Lucca, você poderia me falar sobre a sua filha?

__ O que quer saber?

__ Por que a garotinha não fala?

__ A Bia tem um transtorno de espectro autista conhecido como Asperger. Segundo a mãe, ela
nunca gostou muito de falar, mas depois da morte do padrasto, ela deixou de se comunicar de vez.

__ A mãe dela é aquela moça que veio hoje cedo, não é? Vocês não se curtem mais?

__ Esse é um lance complicado. Existe amor entre a gente, mas não vejo nenhuma possibilidade
de ficarmos juntos de novo.

__ Por quê?

__ Desculpe, mas esse é um assunto longo e delicado. Prefiro não falar sobre isso.

Conversamos por um bom tempo enquanto passeávamos com os cavalos. Voltamos perto de
anoitecer. Deixamos o Apolo e o Valentino em suas baias. Convidei a Vanessa pra jantar conosco.
Estava adorando a companhia dela. Ao chegarmos na frente da casa grande, vi que o carro da Eva
estava estacionado. Seguimos para a casa do Inácio. Não gostei nada do que vi ao me aproximar. O
Miguel estava de papo com a Eva. Passei direto por eles com cara de poucos amigos.

__ A Vanessa vai jantar com a gente, Beth!

__ Ah, que bom! Seja bem vinda!

__ Obrigada.

__ Eu vou tomar um banho, Vanessa. Fique à vontade, ok? Eu não demoro.

Quando estava saindo, a Eva me abordou.

__ Lucca, eu estava pensando em ficar com a Bia esta noite. - ela disse com as mãos no ombro
de nossa filha.

__ A Bia não vai dormir naquela fazenda de jeito nenhum!

__ Mas eu estarei com ela o tempo todo! Não haveria nenhum perigo.
__ Esqueça! Daqui ela não sai.

__ Isso não é justo! Você não pode ditar as regras o tempo todo!

__ Se quiser, você pode dormir aqui com ela, mas para a fazenda daquele velho ela não irá!
Além disso, a Luna está doente. Você não vai deixar sua amiguinha sozinha aqui, não é filha?

“É, mamãe! A Luna precisa de mim!”

__ O que ela tem?

__ Não sabemos ainda. Eu a vi hoje pela manhã e a mediquei. Ela não quer se alimentar. -
Miguel falou se intrometendo na conversa.

__ Posso dar uma olhada nela agora? - Eva me perguntou.

__ Claro! Vamos lá!

__ Oi, Lunna. Você está doentinha, querida? - ela se ajoelhou perto da cadela e acariciou seu
pelo. - Sabe dizer se o Miguel verificou se ela estava com febre, Lucca?

__ Acho que ele não olhou isso.

__ Bom, pelo que estou vendo aqui, ela está com a bexiga inchada. Essa região parece
incomodá-la quando eu aperto meus dedos, vocês percebem?

__ O que pode ser isso, Eva?

__ Bia, a Luna está fazendo xixi normalmente?

"Eu acho que não, mamãe!”

__ Eu não estou com meu kit de atendimento aqui. Não posso aferir se ela está mesmo com
febre, mas pela minha prática, tudo indica que sim. Se a Luna está febril, sem querer se alimentar e
urinando de forma não habitual, acredito que deva ser uma infecção urinária.

__ E como tratamos isso?


__ Vou pegar um antibiótico injetável no galpão e já volto. O Miguel deve repetir o
procedimento por mais sete dias. Vou deixar prescrita a quantidade exata a ser ministrada.

__ Você mesma não poderia fazer isso? Prefiro você cuidando dela.

Ela concordou. Depois que a Eva deu o remédio da Luna, ela foi com a nossa filha para a casa
do Inácio. Eu fui tomar meu banho. Fiquei pensando no quanto ela tinha jeito com animais. O novo
veterinário nem tinha se dado ao trabalho de verificar se a cachorrinha estava com febre. O cara
parecia mais interessado em pegar mulher do que fazer qualquer outra coisa.

Fui encontrar todo mundo para jantarmos. Olhava para a Vanessa e via uma jovem simpática e
linda, mas faltava algo nela. Algo que era abundante na Eva. Eu não sabia bem o que era. Era um tipo
de brilho; de encanto especial.

Após o jantar, levei a Vanessa até o carro dela.

__ Adorei a noite, Lucca!

__ Que bom!

__ Espero que a gente possa se ver logo.

Ela se aproximou de mim e em vez de se despedir com um abraço, um beijo no rosto ou um


aperto de mão, ela me deu um beijo bem quente. Eu me assustei. Não estava esperando por isso.
Fiquei um pouco encabulado porque estávamos perto das outras pessoas. Eu correspondi ao beijo. Vi
quando a Eva fixou o olhar em nós dois.

__ Tchau, Vanessa! Dirija com cuidado.

__ Tchau, Lucca! Adorei o beijo! - ela disse sorrindo.

Quando a Vanessa foi embora, olhei novamente para a Eva, que parecia constrangida com a
situação. Ela desviou seus olhos dos meus.

__ Filha, eu vou indo. Queria muito que você fosse dormir comigo lá em casa, mas eu entendo
que a Luna precisa da amiguinha por perto. Durma bem, querida. Eu te amo!

"Te amo, mamãe!"

__ Eva, como já disse, você pode dormir com ela aqui.

__ Ah, eu posso? - ela disse de forma irônica. - Acho de péssimo tom você dizer se eu posso ou
não dormir com a minha própria filha. Eu sou a mãe dela, Lucca! Não preciso de sua autorização
para isso! - ela me olhou furiosa. - Tchau, pessoal. Tenham uma boa noite.

Todos se despediram.

__ Eva, eu poderia falar com você? - Miguel se aproximou dela.

__ Do que se trata?

__ É uma conversa particular.

"Puta merda! Pense num cara sem noção esse tal de Miguel! Dando em cima da Eva na minha
frente! Minha vontade era botar esse playboyzinho pra correr!"

Vi quando os dois seguiram para perto do carro dela. Eles ficaram batendo papo por um tempo
bem razoável. Depois, ele deu um beijo em seu rosto e acariciou seu braço. Eu fiquei bem
incomodado ao ver aquilo. Ela partiu logo em seguida.

Peguei a Bia pelas mãos e entrei em casa. Estava adorando ter de volta essa rotina de
acompanhá-la até o banheiro para escovar os dentes e deitar com ela na cama. Eu já gostava de fazer
isso muito antes de saber que ela era minha filha.

Ela era cheia de rituais para se vestir, para comer, para dormir. Isso tudo era bem típico da
criança Asperger. Sempre que calçava um sapato, tinha que começar pelo pé direito. Quando eu ia
vesti-la, era uma complicação. Ela ficava esticando a roupa sobre a cama, meticulosamente, antes de
colocá-la no corpo. Suas calcinhas tinham que ser todas brancas, assim como as meias. Os cabelos
tinham que ser penteados o mesmo número de vezes dos dois lados.

Pesquisei muito sobre o transtorno autista da Ana Beatriz. As crianças Aspergers eram bem
previsíveis. Regra geral, elas tinham interesses bem restritos e quase obsessivos. O único interesse
da Bia era o mundo da literatura. Ela simpatizava um pouco com tecnologia, internet e música. Mas
sua verdadeira paixão eram os livros. E ler antes de dormir era outro ritual que ela simplesmente
adorava.

Minha criteriosa e constante descoberta sobre o universo Asperger me fez ver exatamente como
a Bia encadeava suas ideias. Ela não gostava de fazer amizades e socializar; prezava por rituais
repetitivos e excêntricos; evitava contato de pele e contato visual; não tinha quase nenhuma
habilidade motora; tinha dificuldade em interpretar algumas literalidades.

Para a Bia, era difícil entender que o "pé da mesa" estava quebrado porque uma mesa não tinha
pés! Expressões como "boca do estômago" e "chover canivete" faziam sua cabecinha fervilhar de
confusão. Quando ela ouvia essas coisas ou as lia nos livros, era capaz de passar horas pensando
naquilo. Soube disso depois que li o diário que ela escreveu. Aqueles escritos me ajudaram a
compreender um pouco do seu mundo. Eu só não conseguia entender o motivo da minha filha não
falar. Ela não havia escrito nada sobre isso.

Apesar de todas as suas limitações, ela era extremamente inteligente. Não era normal uma
criança pequena ler livros complexos e dominar línguas estrangeiras. Aliás, não era esperado que
uma menina daquela idade escrevesse tão bem e tivesse pensamentos filosóficos de tão alto nível.

Todas aquelas características faziam da Bia uma garotinha muito especial. Ah, eu amava aquela
criança! Adorava ler pra ela logo depois que conseguia convencê-la de que seus dentes já estavam
suficientemente limpos. Já havia percebido que tubos de pastas dentais não podiam faltar naquela
casa.

__ Filhota, hoje estou cansado. Dormi muito mal ontem. Podemos deixar nossa leitura para
amanhã à noite?

Ela assentiu. Fui para meu quarto. Coloquei um short confortável e deitei na cama. Antes de
dormir, peguei o laptop e fui dar uma olhada nas despesas do mês. Apesar de ter largado a faculdade
de Economia, eu adorava as ciências econômicas e contábeis. Toda a contabilidade do haras era eu
mesmo quem fazia, precisando apenas da ajuda de meu contador para formalizar os atos. Assim que
terminei de trabalhar na planilha, fui checar meus e-mails.

Vi que a Bia estava on line no chat e resolvi conversar da forma que ela mais gostava:
escrevendo.

Ainda acordada, mocinha?


Sim! rsrsrs

Esta fazendo o quê?

Estava falando rapidinho com a mamãe, mas agora estou vendo um vídeo de vocês na
banda.

Ah, é? Qual vídeo?

É um com o título: Bring me To Life - Sonic Beat - Santos - SP. Eu adoro essa música. É a
penúltima do primeiro CD que vocês gravaram.

Bia, você conhece todas as músicas da SB?

Quase todas. Essa música que falei agora foi escrita por ela, não foi?

Foi sim! Você gosta?

Gosto muito! Essa letra é bonita, mas é triste. Acho que a mamãe escreveu isso quando ela
estava muito mal.

Por que você acha isso?

Escute a música. É bem melancólica.

Não gosto mais de escutar música, seja alegre ou triste.

Por quê?

Porque me lembro de coisas ruins. Filha, se quiser, você pode me chamar de 'pai' ou 'papai'.

Mas eu já chamo você assim dentro da minha cabeça.

Você poderia me chamar assim fora de sua cabeça também? Escrevendo aqui, por exemplo.

Ok.

Filha, por que você não fala? Eu queria tanto saber. Sua mãe e eu ficamos tristes por não
ouvirmos a sua voz. Você deve ter uma voz tão linda.
Eu não gosto de falar. Gosto de escrever.

Eu nunca ouvirei você dizer 'papai'?

Acho que não.

Bia, você ainda se lembra do seu padrasto?

Ele não era meu padrasto; era meu pai.

Eu sou o seu pai.

Ele também era meu pai. Sinto falta dele.

Você gostou de saber que eu sou o seu verdadeiro pai?

Gostei muito.

Que bom!

Por que você e a mamãe brigaram?

Por coisas do passado, querida. Acho que ainda é cedo para você tentar entender certas
coisas. Você é só uma criança, por mais esperta que seja.

Você ama a mamãe?

Sim.

"É uma merda ter que admitir isso! Eu não queria amá-la!"

Não entendo por que vocês não ficam juntos. Eu queria a mamãe aqui com a gente.

Sinto muito, Bia, mas eu não posso explicar certas coisas que nem eu mesmo entendo
direito. Só acho que a sua mãe e eu não voltaremos a ser um casal.

Você vai namorar aquela moça que veio aqui hoje?

Não sei. Você gostou dela?

Não.
Por quê?

Porque a mamãe ficou triste quando viu vocês se beijando. Não gosto de gente que faz a
mamãe sofrer.

Sinto muito, meu anjo! Não quero fazer ninguém sofrer, muito menos a sua mãe. Eu já fiz
coisas das quais me arrependo desde que vocês reapareceram em minha vida. Agora eu só quero
que ela seja feliz. E eu quero ter paz. Quero poder cuidar de você, filha! Você é tudo que eu
tenho nessa vida!

Você não se importa de ela namorar o novo veterinário? Ele é bonito!

Ela pretende namorá-lo? Você perguntou isso a ela?

Perguntei. Ela desconversou. Você não sentiu ciúmes da mamãe?

Não.

Pois eu acho que ela sentiu ciúmes de você com aquela loira.

Ela falou isso pra você?

Não, mas eu sei! Tem certeza de que não sentiu ciúmes da mamãe?

Senti um pouco! Você é fogo, viu?

"Na verdade, eu fiquei puto com aquela ceninha! Senti muito ciúmes! Mais do que eu
gostaria!"

E, então? Por que vocês não voltam a namorar?

Queria que as coisas fossem diferentes, querida. Mas eu e sua mãe não voltaremos a ficar
juntos por dezenas de motivos. Agora, está na hora de dormir, ok?

Ok.

Você não está se esquecendo de alguma coisa?

Ok, papai!
Boa noite, meu anjo. Durma bem! Eu te amo!

"Algum dia, eu ainda a ouvirei dizer que você me ama! Eu sei disso, filha!"

Antes de desligar o computador, resolvi entrar no You Tube para escutar a música que a Bia
havia comentado. Lembro-me de que a Eva chegou com essa música pronta em um de nossos ensaios,
poucos dias depois de nossa estreia no clube.

Naquela manhã, a minha namorada tinha chegado ao estúdio com várias folhas de papel nas
mãos.

__ Gente, eu queria mostrar uma música que eu compus.

Ela distribuiu os papéis com a letra e as cifras. Para o Felipe, ela deu a partitura para o piano.

__ Eva! Isso aqui é ouro! Foi você quem escreveu essa letra? - eu a questionei.

__ Sim, comecei a escrevê-la semana passada. Terminei ontem. E aí? Digam o que acharam!

__ A melodia é incrível! Vejam só a introdução no piano, pessoal. Tem um tom bem


melancólico. Eu adorei! - Felipe falava impressionado.

__ Finalmente, uma música com uma pegada mais pesada! Estava sentindo falta de mandar a
mão na bateria. - Vinícius se animou. - Temos que gravar essa música, rapazeada! Ainda dá tempo de
incluí-la no CD.

__ Vamos ensaiar agora mesmo! Se tudo der certo, gravamos amanhã à tarde! O pessoal da
gravadora vai pirar com essa música! Vamos, querida! Pegue sua guitarra e vá para os vocais. Farei
apenas algumas pequenas partes. - eu disse.

Ao assistir ao vídeo, comecei a me lembrar de como essa música fez sucesso na época. Aquela
gravação tinha sido feita em um festival de rock na cidade de Santos. Abrimos o show com ela. O
público foi ao delírio.

How can you see into my eyes


Como você pode ver através de meus olhos
Like open doors
Como portas abertas

Leading you down into my core


Conduzindo você até meu interior

Where I've become so numb?


Onde eu me tornei tão entorpecida?

Without a soul
Sem uma alma

My spirit's sleeping somewhere cold


Meu espírito dorme em algum lugar frio

Until you find it there and lead it back home


Até que você o encontre e o leve de volta pra casa

Wake me up
Acorde-me

Wake me up inside
Acorde-me por dentro

Save me
Salve-me

Call my name and save me from the dark


Chame meu nome e salve-me da escuridão

Bid my blood to run


Obrigue meu sangue a fluir

Before I come undone


Antes que eu me desfaça

I've been living a lie


Eu tenho vivido uma mentira

Bring me to life
Traga-me para a vida

Only you are the life among the dead


Só você é a vida entre os mortos
All of this time
Todo esse tempo
I've been sleeping a one thousand years it seems
Parece que eu tenho dormido há mil anos

I've got to open my eyes to everything


Eu tenho que abrir meus olhos para tudo

Without a thought
Sem um pensamento

Without a voice
Sem uma voz

Without a soul
Sem uma alma

Bring me to life
Traga-me para a vida

Terminei de assistir. Antes de adormecer, fiquei pensando no que poderia ter levado uma moça
tão jovem, na época com 23 anos, a compor uma música tão depressiva. Essa letra saiu da cabeça da
Eva. Eu achava que a conhecia, mas era apenas uma ilusão de minha parte.

Naquele dia em que ela simplesmente sumiu de minha vida sem qualquer justificativa, eu pude
perceber que eu realmente não conhecia nada sobre ela. E eu não estava mais disposto a descobrir
qualquer coisa sobre essa mulher a essa altura de nossas vidas. Eu só precisava esquecê-la, de uma
vez por todas. Só que isso parecia ser bem mais difícil do que eu supunha.

Trecho da música “Bring Me To Life” - Evanescence


(OBS.: na ficção, composta por Eva Martins)
Capítulo 13

Eva
Mais um dia tinha terminado e mais uma noite começava me trazendo solidão e incertezas. O
jantar na casa do Inácio e da Beth tinha sido ótimo, mas achei que havia gente demais por lá.

Aquela nova funcionária do Lucca não tinha mesmo perdido tempo ao demonstrar claramente o
seu interesse pelo patrão. Vê-la agarrada ao pescoço dele foi doloroso pra mim. Depois que
presenciei aquele beijo, senti que a minha noite havia terminado. Eu abracei minha filha e resolvi ir
embora. Naquele momento, ouvi o Miguel, o veterinário, dizendo que queria falar comigo em
particular. Esse também foi outro que não perdeu tempo indo atrás do que queria. Fomos até o meu
carro.

__ Eva, eu sei que você e o pai da Ana Beatriz não têm mais nada um com o outro. Então, eu vou
ser bem direto. Você gostaria de sair comigo qualquer dia desses? Eu fiquei encantado com você
desde que a vi hoje cedo.

__ Não me entenda mal, mas eu não gostaria de sair com você ou com nenhum outro homem por
enquanto.

__ O que a impede de aceitar meu convite?

__ Miguel, eu não acho necessário lhe dar maiores explicações. Eu só não posso e não quero
sair com você, entende?

__ Se você estiver se negando a sair comigo por causa do Lucca, sinto dizer que ele está bem
interessado na Vanessa. Aliás, ele não tirou os olhos dela desde hoje de manhã.

__ Há quantas horas você está aqui, Miguel? Umas nove horas?

__ Por que a pergunta?

__ Porque estou impressionada pela forma como está se sentindo à vontade neste lugar. Você
mal chegou e já está interpretando os olhares de seu patrão e se sentindo íntimo de mim. Você não nos
conhece; não ainda!
__ Homens decididos, que sabem o que querem, não perdem tempo! Eu fiquei bastante
interessado em você, Eva! Vamos apostar que até o próximo fim de semana você vai aceitar o meu
convite?

__ E o que faz você ter tanta certeza disto?

__ Você não vai resistir ao meu charme por muito tempo. - ele brincou.

__ Você é engraçado, sabia? - eu não pude deixar de sorrir. - E muito apressadinho. Bom, agora
eu tenho que ir. Boa noite, Miguel.

Nesse momento, ele se aproximou de mim, beijou meu rosto e ficou acariciando o meu braço.

__ Boa noite, Eva! Você é linda! E lembre-se de que logo mais você aceitará meu convite para
jantamos juntos.

Quando me virei para entrar no carro, vi o Lucca nos olhando. Eu não era do tipo de mulher que
fazia joguinhos, mas pela primeira vez em minha vida me passou pela cabeça beijar o Miguel para
fazer ciúmes no Lucca. Aquela foi uma ideia infantil. Eu não iria beijar outro homem com a minha
filha por perto.

__ É bom você esperar sentado. Faz um bom tempo que eu nego um convite de um amigo meu
para jantar. - eu voltei a olhar para o Miguel sorrindo.

__ Eu sei disso! Esse tal de Túlio não está com nada!

__ Você parece muito bem informado!

__ Gosto sempre de estar informado sobre a vida das pessoas que me inspiram, Eva! - ele sorriu
pra mim.

Olhei novamente para o Lucca e vi que ele continuava nos observando de longe. Dei partida no
carro e fui embora.

Algum tempo depois de chegar à fazenda, já deitada na cama, fiquei mexendo em meu celular
novamente. Vi que a Bia continuava on line no chat. Tínhamos nos falado por ali alguns minutos
antes.
Você ainda está acordada, filha? Está na hora de se desplugar desse computador.

Daqui a pouco eu vou dormir. Mamãe, a senhora ainda ama o Lucca?

Por que está me perguntando isso, meu bem?

Porque eu queria entender a razão de vocês não estarem mais juntos. Eu acho que ele
sentiu ciúmes da senhora com aquele moço bonito.

Filha, esse é um assunto muito complicado.

E então?

Então o quê?

Mãe! Responde!

Sim, eu o amo! Eu ainda o amo muito, Bia!

A senhora amava o papai?

Claro que eu amava o Alexandre, filha. Você tem dúvidas disso?

Não sei. O jeito que você olha para o Lucca é diferente do que jeito como você olhava o
papai.

Por que não chama o Lucca de 'pai'?

Ele me perguntou a mesma coisa agora há pouco aqui no chat.

Vocês também se falam por aqui?

Sim.

E, então? Por que não o chama de 'pai'? Ele ficaria muito feliz com isso.

Eu já comecei a chamá-lo assim! Mamãe, algum dia eu também vou me apaixonar, mesmo
eu sendo uma Aspie?

Claro que sim, filha! Um dia, quando for uma moça, você vai se apaixonar por um homem
bom, carinhoso e que amará muito você... do jeitinho que você é.

Sinto falta do papai.

Ow, querida! Eu também sinto muito a falta dele!

A morte é uma droga, não é?

É, filha!

Mamãe, estava ouvindo uma música sua chamada "Bring Me To Life". Foi você quem a
escreveu, não foi? O que você estava pensando enquanto escrevia a letra?

Eu não me lembro exatamente no que estava pensando, querida.

É uma letra triste. Você estava muito triste, não estava?

Acho que sim.

Você está triste agora?

Sim.

Pela falta do papai ou do Lucca?

Pela falta dos dois... do Alexandre e de seu pai.

Por que você escondeu de mim quem era o meu verdadeiro pai?

Filha, eu sinto muito por ter omitido isso de você. Quando você nasceu, o Alexandre quis
que você fosse a filhinha dele. O Lucca nunca soube de você, querida. Eu não queria criá-la
sozinha. Eu queria que você crescesse com um pai amoroso ao seu lado, você entende? Eu tive
um pai incrível e eu queria que você também tivesse um.

O que aconteceu para o Lucca não querer mais namorar a senhora?

Como eu já disse, este é um assunto muito delicado, filha! Você não tem ideia!

Mamãe, eu posso entender. Explique pra mim.


Você é só uma criança, Bia.

Mas sou uma criança com QI bem elevado, esqueceu?

De QI elevado e muito modesta!

A senhora me ama, mesmo eu sendo esquisita?

Eu a amo mais do que tudo, filha! E pare de dizer que é esquisita! Você é o que é. Apenas
isso.

Você me ama mesmo quando eu tenho aquelas crises?

Amo sim!

Você me ama mesmo sem eu falar?

Claro, meu anjo!

Você me ama mesmo depois de eu ter batido em seu rosto naquela noite?

Nada nesse mundo me faria deixar de amar você, querida! Nada!

A senhora continuará me amando se eu escolher morar com o Lucca de vez?

Você pensa em morar de vez com o seu pai?

Sim.

Você não gosta de morar comigo?

Gosto, mamãe! Mas eu também gosto de morar com o Lucca. Ele é um bom pai!

Bia, você pode escolher ficar com ele se quiser. Eu gostaria que você escolhesse a mim, mas
eu não posso forçá-la a nada. Só queria que você entendesse que nada me faria deixar de amar
você! Sabe por quê, querida?

Por que, mamãe?

Porque amor de mãe não acaba nunca! Ele não se desgasta e não diminui, não importa o
que aconteça! É um amor eterno, você entende? Eu amarei você para sempre, minha filha!

É bom saber disso, mamãe! Sua mãe dizia isso pra você também?

Sim, ela sempre me dizia que amor de mãe nunca acaba!

Quando a vovó morreu, a senhora tinha que idade?

12 anos.

A senhora ainda se lembra dela?

Todos os dias.

A senhora está chorando?

Não, meu amor!

"Sim! Queria que você ficasse comigo, filha! Fica comigo! Eu não tenho mais ninguém para
amar! Sei que o Lucca também precisa de você, mas não me deixe pra ficar com o seu pai! Sinto-
me tão sozinha!"

A senhora ficou triste quando aquela mulher beijou o papai?

Não se preocupe com isso, meu anjo! Eu estou bem! Já está na hora de dormir, mocinha!

Tá, mamãe! Não chora mais! Eu sei que a senhora está chorando.

"Como ela sabe disso?"

Ok, eu não vou mais chorar.

Promete?

Prometo, filha!

Mamãe, eu não quero me apaixonar por ninguém quando eu for grande. Isso parece
trabalhoso demais e muito triste.

Nem todos os relacionamentos têm dramas e são tristes, querida. Um dia você vai se
apaixonar sim e vai adorar.

Todas aquelas músicas de amor que a senhora compôs na banda foram para o Lucca?

Foram.

A senhora nunca amou o papai como ama o Lucca, não é?

Bia, o Lucca é o seu pai! Chame-o de pai.

E, então? Responde, mãe!

Eu amava o Alexandre de maneira diferente.

Continuo sem entender.

Eu o amava como um amigo muito querido; não como homem!

O que é amar ‘como homem’?

Você não sabe? Achei que você fosse a garota mais esperta do mundo inteiro!

Eu sou sim! Mas tem algumas coisas que eu ainda não sei muito bem.

Lembre-me de lhe dar um livro de romance que eu li quando tinha 16 anos. Com esse livro,
você vai entender o que é esse tipo de amor a que me refiro.

O Lucca disse que eu não podia ler romances. Que isso era coisa de adultos.

Esse livro você poderá ler, está bem? Só assim você terá uma noção melhor do que eu estou
tentando explicar.

Ah, mãe! Diz logo: o que é amar ‘como homem’?

Filha, quando o seu outro pai Alexandre era vivo, você me via beijando ele?

Não! Vocês não se beijavam! Eu só vi a senhora beijando o Lucca.

É essa a diferença, querida! Amar ‘como amigo’ é diferente de amar ‘como homem’. Algum
dia, quando você se apaixonar por um homem, você vai querer beijá-lo e fazer amor com ele.
Fazer amor é aquela coisa nojenta que os casais fazem?

Você me fez rir, Bia! Sim, os casais fazem isso quando se gostam e se sentem atraídos.
Bom, agora está na hora de você dormir!

Está bem, mamãe! A senhora não está mais chorando, não é?

Não, querida! Não se preocupe comigo! Você está mesmo feliz aí com o seu pai?

Estou.

Então, é isso que importa pra mim! Quero vê-la sempre feliz, mesmo que não seja ao meu
lado. Eu te amo, filha! Nunca se esqueça disso!

Eu te amo, mamãe! Nunca vou me esquecer!

Dorme bem, lindinha!

__ Seu nome é Eva Martins?

__ Sim.

__ Nós sentimentos muito lhe informar que o Sr. Campos veio à óbito nesta manhã.

__ O quê? Não! Isso não pode ser verdade! - eu senti minhas pernas fraquejarem e meu coração
apertar.

__ Lamentamos muito, mas ele não resistiu ao acidente. Ele foi atropelado por um menor que
dirigia bêbado.

Naquele momento, eu olhei para o lado e vi a Bia ouvindo a conversa que eu estava tendo com
os policiais.

__ Filha!

Ela correu para o quarto do Alexandre e abriu o armário dele. A Bia ficou agarrada às camisas
do pai. Ela não chorou. Mas eu vi em seu olhar o quanto ela estava assustada e perdida.
__ Deixe-me abraçar você! Saia daí, meu anjo!

"Não! O papai me deixou! Ele me deixou! Ele prometeu que ia ler o último capítulo do livro
hoje! Ele prometeu e mentiu pra mim! Ele não vai voltar, mamãe!"

Eu tentei tirá-la do closed, mas não consegui. Passei a dia tentando contato com o Thomas sem
êxito. Eu não conseguia parar de chorar pela tragédia que mais uma vez devastava a minha vida.
Após várias tentativas, no início da noite, eu finalmente consegui falar com ele.

__ Querido, eu não sei como lhe dizer isso!

__ Por que você está chorando, Eva? Aconteceu alguma coisa com a Bia?

__ Não! Ela está bem.

__ Estou ficando nervoso. Fala logo.

__ O Alexandre.

__ O que tem ele?

__ Ele faleceu, Thomas! Eu sinto muito!

__ Como assim? Que porra é essa que você está falando?

__ Passei o dia tentando lhe avisar. Ele foi atropelado quando chegava ao trabalho nesta manhã.
Ele estava atravessando a rua quando um carro com um motorista embriagado o atingiu.

__ Eva! Isso não pode ser verdade!

__ Eu estou destroçada! Por favor, eu preciso de você aqui!

O Thomas veio ficar comigo. Eu e ele ficamos no sofá da sala, chorando. Ele dormiu ali mesmo.
Fui para o quarto do Alexandre e encontrei a minha pequena adormecida dentro do armário do pai.
Eu a tirei de lá com cuidado e a coloquei na cama dele. Passei a noite sem conseguir dormir, me
lembrando de minha vida ao lado daquele homem que tanto me amou.

Olhei para aquele garoto lendo no jardim. Resolvi me aproximar.


__ Ei, você é brasileiro? Ontem, eu ouvi você falando português com o seu pai.

__ Sim! Eu sou do Rio de Janeiro. E você?

__ Sou de São Paulo.

__ Quantos anos você tem?

__ Eu tenho 12. E você?

__ Tenho 13 anos. Você está morando com os Goulet?

__ Não. Estou apenas passando uns tempos com eles.

__ Você gosta de ler?

__ Gosto! Que livro você está lendo?

__ "Os três mosquiteiros", de Alexandre Dumas. É o pseudônimo desse escritor. Você conhece?

__ Não!

__ Qual o seu nome?

__ Eva!

__ Eu me chamo Alexandre, igual ao autor do livro.

__ Legal! Eu posso ficar aqui com você? Prometo que não vou atrapalhar a sua leitura.

__ Ver os outros lendo é chato, Eva! Você gostaria de fazer alguma coisa?

__ Você tem algum instrumento em sua casa?

__ Você toca?

__ Eu adoro ouvir música e toco um pouco de alguns instrumentos. Quando saí do Brasil, eu
deixei meu violão lá. Sinto falta dele.

__ Meu pai tem um violão que ele não usa. Você quer dar uma olhada?
__ Isso seria ótimo!

__ Vamos entrar!

Eu e o Alexandre passamos a ser inseparáveis desde então. Assim que ele chegava da escola, eu
corria para a casa dele. Ele morava com o pai, que saia cedo para trabalhar e só voltava tarde da
noite. A relação dos dois era péssima.

__ Adorei você ter vindo morar ao lado da minha casa, Eva! Odeio essa cidade! Odeio esse
bairro! Odeio meu velho! Aliás, ele é quem me odeia!

__ E onde está a sua mãe?

__ Ela me largou com ele quando eu tinha dois anos. Não sei onde ela mora.

__ Que pena!

__ Você ainda não me contou por que está vivendo com o Pierre e a Emilie Goulet.

__ Meus pais morreram há um mês e meio.

__ Eu sinto muito, Eva! O que aconteceu com eles?

__ Você se importa de não falarmos sobre isso?

__ Desculpe. Que tal você tocar pra mim aquela música do Michael Jackson que eu lhe mostrei
ontem?

__ Ah, eu aprendi! Vou mostrar pra você!

Passávamos horas no quarto dele. Ter o Alexandre por perto foi uma grata surpresa depois de
tudo que tinha acontecido comigo. Ele adorava me ver tocando violão. Víamos clipes na MTV,
assistíamos a filmes e líamos muito.

Meus pais sempre me mostraram a importância dos livros, mas foi com o Alexandre que eu
desenvolvi o prazer da leitura. Perdi as contas das centenas de livros que lemos dentro daquele
quarto. Ele com um; eu, com outro. Às vezes, líamos o mesmo livro juntos, deitados na cama dele.

__ Que droga, Eva! Você tem um cérebro acima do normal! Quando ainda estou na metade da
página, você já terminou e quer virar antes de eu concluir.

__ Desculpa!

__ Você é bem inteligente, sabia?

__ Você acha?

__ Claro que é! Você mal chegou aqui e já está quase dominando o inglês e o francês. Você lê
rápido. Você toca instrumentos. Poxa, eu queria ter um pouquinho da sua inteligência!

__ Não acho que eu seja inteligente!

__ Tá, você é burra então! - ele bateu o livro na minha cabeça e sorriu.

Entramos na adolescência juntos. Eu vi o seu rosto encher de espinhas. Ele foi uma das poucas
pessoas que soube que eu havia menstruado pela primeira vez. Compartilhávamos quase tudo. Aos
15 anos, eu comecei a me sentir um pouco atraída pelo meu amigo. Ficava curiosa para saber como
era estar com algum rapaz.

__ Você me acha bonita?

__ Você é linda, Eva! Já se olhou no espelho hoje?

__ Você vai para a festa com a Tracy, não é?

__ Ela me convidou. Tive que aceitar.

__ Se ela não tivesse convidado antes, você iria comigo?

__ Claro! Quer que eu vá com você? Eu posso inventar uma desculpa pra ela.

__ Não! Você vai com a Tracy, mas na próxima eu gostaria de irmos juntos.

__ Legal.

__ Você já beijou alguém?

__ Eva, eu tenho 16 anos. Eu já beijei uma dúzia de garotas.


__ Sério? Onde elas estão? - eu sorri.

__ São garotas da escola. Você não as conhece!

__ Você gostaria de me beijar?

__ Poxa! Às vezes, a sua forma direta de dizer as coisas me assusta.

__ Ah, você não quer mesmo me beijar? - eu brinquei.

__ Quem disse que eu não quero?

Foi assim, numa noite de sábado, no quarto do Alexandre, que eu e ele nos beijamos. Eu achei o
beijo razoável. Não era o que eu imaginava. As letras das músicas falavam de "borboletas no
estômago", "frio na espinha", "coração palpitando". Eu não senti nada disso. Ele também não. Ao fim
do nosso beijo, nós rimos muito.

__ Por que você está rindo, sua boba?

__ Você também está, oras! Foi estranho, não foi?

__ Foi bem estranho! Eva, se eu lhe contar uma coisa você promete que não conta a mais
ninguém?

__ Claro, Alexandre! Você é o meu melhor amigo. Pode confiar em mim.

__ Eva, é sério! Eu nunca falei sobre isso com nenhuma pessoa.

__ Palavra de honra! Eu sou boa em guardar segredos.

__ Eu sinto que preciso desabafar com você.

__ Estou ouvindo. Confie em mim.

__ Sabe o lance da "dúzia de garotas" que eu disse há pouco que já beijei?

__ Isso não é verdade, não é?

__ Não. Eu só beijei duas meninas. A Cindy e agora você! - ele sorriu encabulado.
__Cindy? Aquela garota sem noção que mora no fim da rua? Credo, Alexandre! Achava que
você tivesse melhor gosto para mulheres! - fiz uma careta pra ele.

__ Eva, estou com vergonha de lhe falar uma coisa. Tenho receio de você não querer mais ser a
minha amiga depois disso.

__ Nada do que disser pra mim mudará a nossa amizade. Lembra-se do pacto de sangue que
fizemos três meses depois que nos conhecemos? ‘Amigos para sempre!’ - eu sorri.

__ Lembro sim!

__ Então fale! Você não vai dizer que me ama, vai? - eu ironizei fazendo uma nova careta.

__ Queria muito que fosse isso! Seria maravilhoso dizer isso pra você! - ele falou com tristeza
no olhar.

__ Ei, eu estava brincando. Fale comigo.

__ Eu acho que eu sou diferente dos outros caras.

__ Você lê três livros por semana, Alexandre! Isso faz de você um carinha bem diferente dos
demais! - eu brinquei.

__ Eva, é serio!

__ Tá, desculpe!

__ Eu acho que sou gay!

__ Você gosta de rapazes?

__ É.

__ Ufaaaaa! Achei que você ia dizer que era um extraterrestre, um psicopata ou um terrorista. -
eu o empurrei sorrindo.

__ Você está decepcionada comigo, não está?

__ Posso ser sincera? Estou um pouco frustrada. Essa é a palavra certa. Eu meio que gosto de
você! Você é um cara muito bonito e inteligente. E eu queria, bem lá no fundo, que você fosse meu
namorado.

__ Você não sabe como eu queria ser o seu namorado! Você é tão linda! O problema é que eu
sinto umas coisas esquisitas quando olho para alguns caras. Eu odeio me sentir assim! Acho mesmo
que eu sou gay!

__ Você ainda é virgem, não é?

__ Sou.

__ Por que você primeiro não transa com uma garota para ter certeza de que não gosta de
mulheres?

__ Você transaria comigo?

__ Aí você está pedindo demais! Quero que a minha primeira vez seja especial.

__ Que pena! Ia ser interessante acabarmos com esse estigma de 'virgens' juntos. Eu odeio ser
desse jeito, Eva! Queria muito poder ser seu namorado.

__ Sabe de uma coisa, Alexandre? A gente é o que é! Desde que nos conhecemos, nós sempre
falamos sobre a gente gostar das pessoas pelo que elas são de verdade. Então, meu amigo, você tem
que gostar do jeito que você é. Se você é mesmo homossexual, as pessoas têm que gostar de você
assim! Eu gosto de você assim!

__ Gosta mesmo?

__ Pode ter certeza! Você e o Pierre são as pessoas mais importantes que eu tenho na vida!
Vocês são a minha família desde que cheguei aqui. Eu te amo, meu amigo! Eu te amo pelo que você é!

__ Obrigado, Eva! Se você me aceita do jeito que eu sou, então o mundo tem que aceitar
também! E se não aceitar, não tem problema! Só me preocupo com a opinião de pessoas especiais
como você. Eu também te amo! Você é a melhor amiga que eu poderia ter na vida! - ele me abraçou
forte e deixou uma lágrima escapar de seu olho.

A juventude do Alexandre não foi nada fácil. Nenhum cara acorda um belo dia e escolhe ser gay.
Foi muito complicado pra ele lidar com o preconceito. Ele não dava pinta de gostar de homens, pois
era bastante másculo. Mas os boatos na escola e no bairro se espalharam por alguma razão. O pai o
expulsou de casa poucos dias depois que ele fez 19 anos.

Depois que ele saiu do bairro onde morávamos, passamos a nos encontrar apenas nos fins de
semana. Aproveitávamos esses encontros para colocarmos os papos em dia. Ele logo começou a sair
com um rapaz que ele conheceu numa livraria. O nome dele era Thomas Collins. Eles tinham muito
em comum: eram viciados em livros, estudavam Administração e tinham vontade de criar uma
Editora.

Após algumas semanas, ele e o Thomas decidiram morar juntos no apartamento que o Alexandre
alugava. Eu ia visitá-los com frequência. Fazíamos um belo jantar quase todos os sábados. Nós três
adorávamos ficar vendo filmes e clipes de música na enorme TV que eles compraram para a sala.

Numa dessas noites, o Thomas me apresentou a um conhecido dele. Era um rapaz muito bonito e
alto chamado Oliver. Nós logo começamos a sair e nos apaixonamos. Ele foi o meu primeiro
namorado e foi com ele que eu perdi a minha virgindade. Nosso namoro durou cinco meses, mas logo
ele deixou a cidade e se mudou para Ottawa. Ele foi chamado para integrar a equipe olímpica de
natação do Canadá.

Pensei que poderíamos continuar nosso namoro, já que Quebec não ficava tão longe onde ele foi
morar. No entanto, os planos do Oliver eram outros. Ele terminou o namoro comigo alegando que não
teria tempo para um relacionamento sério, e que ele queria se dedicar aos estudos e aos treinos.

Fiquei arrasada com o nosso fim. Eu e o Alexandre tomamos um porre nessa noite. Ele me fez
companhia o tempo todo e ouviu minhas lamentações. Lembro-me bem de que meu amigo me colocou
para dormir em sua cama, e ele e o Thomas foram dormir na sala. Ele cuidou de mim quando vomitei
de tanto beber vinho barato. Ele ficou o tempo todo ao meu lado. Havia pessoas no mundo que eram
realmente especiais umas para as outras. Eu e o Alexandre éramos assim: amigos verdadeiros; almas
gêmeas.

__ Ow, Eva! O cara foi cuidar da vida dele. Esqueça! Siga em frente!

__ Ele dizia que me amava e eu acreditei! - eu chorava em seus braços.

__ Todos dizem isso, querida! Não confie tanto em nós homens. Somos uma raça de mentirosos!

__ São mesmo!
__ Olha só: você só tem 18 anos! Você acha que ama o Oliver, mas talvez nem tenha descoberto
ainda este sentimento. É provável que você ainda conheça alguns caras ‘errados’ até encontrar o
‘certo’! Relaxe e durma um pouco, ok? Estarei na sala, caso precise de mim.

__ Obrigada, meu amigo! Eu amo você!

__ Eu também te amo!

Alguns meses depois dessa noite, nós reunimos algumas pessoas no apartamento do Alexandre
para comemoramos o seu aniversário. Eu e o Thomas chamamos alguns colegas do trabalho dele e da
faculdade, e fizemos uma festa surpresa. Ele adorou. Passamos a noite batendo papo, bebendo e
dançando. No fim da festa, eu desliguei o som e peguei meu violão.

__ Eu queria cantar uma música para você, Alexandre! Lembro-me de que você colocou esta
canção do Queen para ouvirmos em seu quarto e me disse: ‘You're the best friend, Eva!’. Nós a
ouvimos várias vezes seguidas. Tínhamos 12 e 13 anos. Agora, você se tornou um homem lindo de 20
anos que eu tenho muito orgulho de chamar de ‘meu melhor amigo’. Muitas felicidades, querido!

Comecei a tocar e cantar. Todos pararam para ouvir. O Alexandre estava segurando um copo de
tequila. Ele me fitou com um olhar de agradecimento e sorriu.

Oh, you make me live


Oh, você me faz viver

You're the best friend that I ever had


Você é o melhor amigo que eu já tive

I've been with you such a long time


Eu tenho estado com você há tanto tempo

You're my sunshine and I want you to know


Você é minha luz do sol e quero que você saiba

That my feelings are true


Que meus sentimentos são verdadeiros

I really love you


Realmente eu amo você

You're my best friend


Você é meu melhor amigo
You make me live
Você me faz viver

I've been wandering round


Eu estive andando por aí

But I still come back to you


Mas eu sempre volto para você

In rain or shine
Com chuva ou sol

You've stood by me boy


Você ficou ao meu lado, garoto

Whenever this world is cruel to me


Sempre que esse mundo é cruel comigo

You make me live now honey


Você me faz viver o agora, querido

You're the first one


Você é o primeiro

When things turn out bad


Quando as coisas dão errado

I really love the things that you do


Eu realmente amo as coisas que você faz

You're my best friend


Você é meu melhor amigo

You make me live


Você me faz viver

You're my best friend


Você é meu melhor amigo

Quando o Alexandre se formou em Administração, ele resolveu voltar a morar no Rio de


Janeiro. O Thomas se mudou com ele para montarem a Editora. Eu fiquei arrasada. Ainda não tinha
concluído minha faculdade de veterinária. Tive que ficar em Quebec sem meus queridos amigos. Não
podia sair da cidade.

Nessa época, eu estava namorando o Eddie. Estávamos felizes. Até que um belo dia eu o flagrei
de papo com uma garota ao telefone. Ele a estava chamando de "gata" e marcando de se encontrarem.
Fiquei furiosa e terminei tudo com ele.

Liguei para o Alexandre chorando.

__ Esse babaca não prestava! Eu lhe avisei, Eva! Você tem tido um péssimo gosto para homens,
minha amiga!

__ Você não está ajudando muito, sabia?

__ Tem horas em que é preciso a gente ouvir umas verdades. O Oliver até que era um bom
sujeito, mas o Patrick e o Eddie nunca me enganaram. Tá na hora de você namorar um cara decente,
Eva!

__ Bom, sabe de uma coisa? Chega de namoros por uns tempos! Vou me dedicar aos estudos e
ao trabalho. Assim que me formar, quero deixar essa casa e alugar um apartamento pra mim. Não
posso continuar aqui, meu amigo! Desde que o Pierre faleceu, a Emilie, a Kate e o Erik têm me
tratado muito mal. Ainda pior do que antes.

__ Você sabe o que eu penso sobre essas criaturas, não sabe?

__ Sei sim! Eles são mesmo seres desprezíveis!

__ Querida, me escute: assim que você concluir o curso, quero que deixe tudo aí e venha morar
aqui conosco no Rio de Janeiro.

__ Alexandre, eu não sei se é seguro voltar ao Brasil.

__ Eu andei fazendo umas pesquisas na internet. Aqueles documentos que você pediu para eu
guardar são muito incriminadores, Eva! Se você quiser, poderá se vingar daqueles filhos da puta e
colocar um monte de gente importante atrás das grades.

__ Eu não quero desencavar nada disso, Alexandre!

__ Você tem duas opções. Ou você volta para o Brasil apenas para recomeçar a vida longe daí
ou você volta para fazer justiça. Se ficar com a primeira opção, eles nunca vão encontrar você. Eva
Martins será mais uma jovem numa cidade grande. Mas se você optar pela vingança, você será a
predadora; não a caça! Você nunca mais viverá com medo depois desses bandidos serem presos.

__ Se eu for morar aí certamente será pensando no anonimato. Muito tempo já se passou e acho
que ninguém mais está à minha procura. E se ainda estiverem, jamais saberão onde estou. O Rio de
Janeiro é grande. O Brasil é imenso. Há milhares de Evas por aí, não é verdade?

__ Você é quem sabe! Mas se eu fosse você, eu colocaria essa merda toda no ventilador.

__ Bom, ainda é cedo para pensarmos nisso.

__ Você iria adorar morar no Rio. Você é brasileira, Eva! Esse é o nosso país, por pior que
sejam os problemas que existem aqui.

__ Vamos ver, Alexandre! Vou indo, querido. Cuide-se bem. Mande um abraço para o Thomas.

__ Cuide-se, linda! E trate de esquecer esse babaca logo.

__ Farei isso! Ligo pra você semana que vem, ok?

Um ano e sete meses após aquela nossa conversa, eu desembarcava no Rio de Janeiro. Eu era
uma jovem recém-formada de 23 anos com muita vontade de viver. Eu nunca pude me livrar dos
acontecimentos terríveis que aconteceram comigo. Eles atormentavam a minha cabeça todos os dias.
Porém, havia uma chama dentro de mim me impelindo a confiar nas pessoas; a não esmorecer; a me
superar; a ir atrás dos meus sonhos.

Parte dessa força veio do Alexandre. Ele me ajudou a enfrentar os meus monstros e a sempre
seguir em frente. Logo depois que ele me disse que era gay, eu contei o que havia me acontecido.
Sem a sua presença, minha infância e minha adolescência teriam sido insuportáveis. Ele foi a única
pessoa que conheceu o meu passado. O passado de Eva Fonseca.

Trechos da música “You're My Best Friend” - Queen


(OBS.: na ficção, interpretada por Eva Martins)
Capítulo 14

Lucca
O ano de 2014 tinha ficado para trás. Eu não gostava das festividades de fim de ano. Elas me
traziam melancolia. Passei o Natal no haras com a Bia e a Vanessa. Eu e a minha filha não quisemos
ir a lugar nenhum. Já a Vanessa ficou entediada, louca para sair. Mas foi ela quem quis ficar com a
gente.

O Inácio e a Beth foram visitar uns parentes em Belém do Pará. A Eva ficou com a Júlia, em
Belo Horizonte. Fiquei sabendo que elas resolveram ir para uma festa que o Túlio tinha organizado
em sua casa. Ela queria levar a Bia, mas a garota preferiu ficar na tranquilidade do haras.

O Miguel também tinha ido visitar sua família no Natal. Ele ainda não tinha desistido de dar em
cima da Eva. Aturá-lo nesses últimos tempos fez de mim um merecedor de uma medalha de honra ao
mérito. A minha vontade, no entanto, era de quebrar a cara daquele sujeito.

A virada do ano tinha sido terrível. Fui para uma festa que a Júlia tinha organizado no salão de
seu prédio. A Eva insistiu muito para eu ir com a nossa filha. Eu não pude dizer não. O Felipe
também foi convidado. Nessa noite, ele e a Júlia ficaram juntos.

Para a minha surpresa, o Túlio tinha ido acompanhado da Isabel. Ele devia ter entendido que a
Eva o enxergava apenas como um amigo. O problema foi a insistência do Miguel em se aproximar
dela. Ele não perdia uma única oportunidade de 'chegar junto'.

Saí mais cedo dali, puto da vida, logo depois que vi o Miguel beijando a Eva. Não gostei nada
daquilo. Ela pareceu surpresa ao ser beijada, mas acabou correspondendo ao beijo. Após aquela
cena, peguei a Bia no colo e voltei para o haras. Aquela noite tinha sido realmente embaraçosa para
mim. Não estava pronto para ver a Eva namorando outro homem. O que eu senti naquele momento só
comprovou que eu ainda não havia tido êxito no meu propósito de esquecer aquela mulher.

O dia amanheceu especialmente iluminado. Hoje minha filha estava completando 8 anos. O
haras logo estaria repleto de pessoas que eu jamais pensei em ver novamente. Cinco dias antes, eu
conversava no chat com a Bia sobre a possibilidade de comemoramos o seu aniversário.
Eu não quero, papai!

Filha, faça isso por mim! Por favor!

Por que você quer uma festa? Eu odeio festas! Odeio música alta! Odeio crianças gritando!
Odeio gente!

Que coisa feia de se dizer, querida!

Você também odeia gente que eu sei!

Por que você pensa isso?

Porque um dia ouvir você dizer que era um cara fodido da cabeça que odiava gente.

Ana Beatriz, cuidado com o palavreado! É feio para uma criança falar palavrão!

Eu não falei. Eu escrevi.

Você adora dar uma de esperta, não é mocinha? Já saquei você!

Papai, é sério! Eu não quero festa! Quando você completou 33 anos, na semana passada,
você não fez nenhuma festa. Por que eu tenho que ter uma?

Porque crianças precisam de festas.

De onde vem essa sua teoria?

Por favor, querida! Você vai gostar! Vai ser apenas um dia de domingo com algumas pessoas
a mais por aqui. E se nós acordarmos alguns pontos?

Tipo o quê?

Como seria a sua festa ideal?

Não teria música alta pra começar.

Fechado. O que mais?

Não teria crianças!


Lindinha, você é uma criança! Não é certo você viver sempre cercada de adultos.

As crianças são bobas, papai!

Elas não são bobas! São apenas crianças! Você é que é uma "pequena adulta". Às vezes
penso que seria ótimo se você fosse menos inteligente, sabia? Queria que você fosse uma
criança normal.

Eu não sou normal. Eu sei.

Desculpe-me, querida! Eu não quis dizer isso. Você é normal sim! Na verdade, eu queria
dizer que seria bom que você fosse uma criança comum, que gostasse das mesmas coisas que as
outras crianças gostam.

A mamãe diz que eu tenho que ser como eu sou; que as pessoas devem gostar de mim do
jeito que eu sou; que eu não preciso mudar para agradar os outros.

Ela está certa, mas quando amamos alguém é comum a gente fazer certos sacrifícios por
esse alguém. Já ouviu ou leu a expressão ‘saber ceder’?

Já.

É isso, Bia! Eu só preciso que você ceda um pouco por mim. O que você quer no seu
aniversário?

De presente?

Sim.

Livros.

Meu amor, livros não valem!

Então quero que você pare de namorar a Vanessa e volte a namorar a mamãe. Seria o
melhor presente de todos.

Isso eu não posso lhe dar, filha!

Por quê? Você não ama mais a mamãe?


Claro que sim, mas agora eu também gosto da Vanessa.

Como você pode gostar daquela chata?

Ela não é chata!

Ah, ela é muito chata sim!

Vamos, querida! Diga: o que você quer de presente?

Você poderia chamar seus amigos da banda para virem até aqui? Seria legal ver você e a
mamãe cantando e tocando juntos como vocês faziam antes de eu nascer.

Bia, não há a menor chance de eu reunir o pessoal. Eu não canto e não toco mais. Você se
esqueceu?

Droga! Nada do que eu peço você pode me dar!

Você faz pedidos muito difíceis.

Então eu quero que o senhor coloque o piano lá fora. Quero uma festa ao ar livre. Quero
ouvir a mamãe cantar e tocar de novo.

Bom, isso eu posso fazer. A senhorita tem mais alguma exigência?

Não! Essa festa vai ser um saco mesmo!

Comecei a organizar a festinha no dia seguinte. Liguei para todos os pais que vinham trazer seus
filhos para as sessões com os cavalos e os convidei. Liguei para a Isabel trazer a afilhada dela.
Liguei para todos que tinham crianças. Lembrei-me também de falar com o Felipe.

__ E aí, meu velho? Como você está?

__ Estou bem, meu amigo! Olha, vou fazer uma festa aqui para comemorar os 8 anos da Bia.
Será que você poderia vir?

__ Claro que eu vou! Lucca, sabe o que seria legal? Chamar os caras para irem também! Eu
posso chamá-los? Eles estão todos casados e com filhos. Seria bom eles reverem você e a Eva, e
conhecerem a Bia.
__ Eu não sei!

__ Qual é, Lucca? Que mal há nisso? Você não sente saudades dos caras?

__ Eu só acho isso meio estranho! Sei lá! Rever todo mundo!

__ Eu posso convidá-los? Poderíamos chegar todos juntos!

__ Pode. Ah, sabe o que a Bia me pediu ontem?

__ O quê?

__ Para a Sonic Beat se reunir de novo e pediu uma festa ao ar livre, com direito ao piano da
sua mãe fora de casa.

__ Que maneiro!

__ Bom, eu só não posso juntar os caras para tocarem. Você sabe que pra mim não rola mais
esse lance de tocar; de cantar.

__ Eu entendo. Mas pelo menos vai ter música nessa festa, não vai?

__ Vai sim! Só não pode ter um som muito alto. A Bia fica com dor de cabeça com música alta.
Você viu como ela ficou irritada com o barulho na virada do ano, não foi?

__ Você é amarrado nessa menina, não é?

__ Sou louco por ela, Felipe!

__ A garota é cara da Eva. Parece a Eva em miniatura.

__ É mesmo.

__ E como vocês dois estão?

__ Estamos bem! Ela tirou da cabeça aquela história de ir morar no Nordeste e de levar a Bia
com ela.

__ E sobre a guarda? Vocês chegaram a um acordo?


__ Resolvemos não mexer nisso agora. O importante é que eu já consegui dar entrada no
processo da mudança do registro da minha filha. Em breve, ela terá o meu sobrenome.

__ Mas e vocês dois? Existe alguma chance de vocês voltarem?

__ Não, Felipe! É muito difícil olhar pra ela. Eu vejo mais do que eu gostaria de ver, você
entende? Ainda guardo muita mágoa dentro de mim. Eu não consigo esquecer o que ela me fez passar.
Além disso, parece que ela anda saindo com o Miguel.

__ Você ainda a ama, não é meu amigo?

__ Eu não sei, velho! Estou bem com a Vanessa. Ela é divertida e muito bonita. Porém, tem
alguma coisa na Eva que ainda me prende a ela.

__ Isso se chama amor, Lucca! Simples assim!

__ Olha quem fala! O homem que não ama as mulheres.

__ Eu só tenho 34 anos! Sou muito jovem para me amarrar! - ele sorriu. - Até mais, cara! Tenho
uma audiência importante daqui a pouco e preciso verificar uns documentos.

__ Vejo você no domingo.

Na manhã da festa, todos no haras acordaram cedo para providenciar os preparativos finais.
Três enormes tendas foram trazidas da capital às 7h em ponto e começaram a ser armadas. O piano
foi colocado do lado de fora, como a Bia havia pedido.

A Beth estava enlouquecida na cozinha tentando administrar parte da comida que seria servida
ao longo do dia. Mesmo com as suas delícias, eu e a Eva achamos melhor contratar um buffet volante
para a festa.

A piscina que encomendei para as crianças tinha sido instalada no dia anterior. A comida e a
bebida já estavam chegando. Tudo estava indo muito bem. Olhei para o relógio e vi que já era 10h25.
Marquei com todos para chegarem a partir das 10h30. O 'parabéns' só seria cantando no fim da tarde.

Estava ligando para o Felipe quando vi a Eva chegar em seu carro.


__ Lucca, eu vim mais cedo para ajudar a Beth. Trouxe minha roupa e minhas coisas para me
trocar aqui. Tem algum problema se eu usar uma das suítes da casa?

__ Claro que não!

__ Obrigada! - ela disse pouco antes de se afastar de mim.

Eu a observei por alguns instantes. Ela estava linda com seus habituais jeans, mas dessa vez
suas botas foram substituídas por seus sapatos preferidos: um par de tênis all star. Ela adorava usar
esses tênis quando éramos mais jovens. Voltei minha atenção para a chamada no telefone. A ligação
para o Felipe caiu na caixa postal. Ele e os caras ainda deviam estar no voo.

Procurei relaxar um pouco. Já estava pronto para receber as pessoas. Minutos depois, os
primeiros convidados começaram a chegar de Belo Horizonte. Eram os pais e as crianças da
equoterapia e do hipismo. Também recebi a Tatiana, a Renata e a Vanessa. As três vieram juntas.

__ Oi, meu lindo! Você está um gato, sabia?

__ Você também está muito bonita, Vanessa!

__ Onde está a Bia?

__ Está se arrumando. Daqui a pouco ela desce. Ah, logo mais a Eva estará usando um dos
quartos lá em cima para se arrumar. Não crie confusão em relação a isso, ok?

__ Por que eu criaria confusão com a sua ex?

__ Porque você tem sido muito grossa com ela, Vanessa! Não quero que isso se repita!

__ Lucca, eu só dei uns foras na Eva porque ela insiste em vir quase toda noite aqui na sua casa.

__ A filha dela vive aqui e ela está namorando o Miguel. É natural que ela queira ficar um pouco
aqui após um dia de trabalho, você não acha?

__ Lá vem você defendendo essa mulher, Lucca!

__ Não vamos discutir isso agora, por favor!

Deixei a Vanessa no terraço e saí para receber os convidados que chegavam. Vi o Túlio, a
Isabel e a afilhada dela se aproximando. Devia ser embaraçoso para o cara saber que a namorada já
havia dormido comigo algumas dezenas de vezes. O clima ficou meio estranho, mas procurei deixar o
casal à vontade.

Instantes depois, observei quando dois táxis pararam debaixo da sombra de uma árvore. O
Felipe foi o primeiro e deixar um dos carros. Fui caminhando até eles. Estava estranhamente
nervoso. Não via meus amigos há pouco mais de três anos.

__ Lucca Baroni, meu velho! - Giovane disse sorrindo.

__ Fala aí, cara! Você está ótimo! - eu o abracei.

__ Você também! Que saudades, brother!

__ Porra, Lucca! Veja só onde você foi se esconder: nas terras do Seu Gonçalves. Senti muito a
sua falta, meu amigo! - Vinícius me abraçou apertado.

__ Ôpa, Vini! Você continua o mesmo! Onde está o Leo, pessoal?

__ Ele não pôde vir porque a mulher dele está para ter o bebê a qualquer momento. - Felipe
explicou.

__ Ah, eu trouxe um violão para a gente fazer um som no fim da festa! - Vinícius disse sorrindo.

Depois das apresentações, pude conhecer as esposas e os filhos pequenos dos meus amigos.
Elas pareciam crianças felizes. Logo que chegaram já saíram correndo, encantados com os cavalos
que pedi para serem selados para os passeios com a garotada. Levei os dois casais até a minha casa
para eles guardarem as malas.

__ Lucca, onde está a Bia? Queria apresentá-la ao pessoal. Eles ficaram curiosos quando eu
disse que ela era a cara da Eva. - Felipe disse empolgado.

__ Eu vou buscá-la lá em cima. Volto já. Ah, vocês sabem sobre o problema dela, não sabem?

__ O Felipe nos explicou tudo. Sem abraços, sem toques, sem olhares fixos. Ele falou tanto
sobre a Síndrome de Asperger durante o voo que já me sinto um expert. - Vinícius brincou.

__ Ei, Lucca. É verdade que a Ana Beatriz fala três línguas? - Bruna, a mulher do Giovani se
mostrou curiosa.
__ Ela entende, lê e escreve bem em inglês, francês e espanhol. A Bia morou fora do país e logo
se acostumou com outras línguas. Na verdade, ela é australiana.

__ E ela não fala nada mesmo? - dessa vez foi Carol, a esposa do Vinícius quem perguntou.

__ Não ainda!

Eu subi para buscar a minha filha.

__ Querida, nossos convidados estão chegando. Você gostaria de conhecer uns amigos?

"Não!"

__ Bia, você me prometeu!

"Tá! Tudo bem!"

__ Sabe quem estão lá em baixo? Os rapazes da Sonic Beat: o Vinícius e o Giovani. Eles estão
com as esposas e os filhos.

"Eu quero muito conhecê-los, papai!"

__ Venha! Vamos sair deste quarto! Você e a Luna precisam de ar puro.

Nós descemos. Quando os encontramos, a Bia ficou com os olhos arregalados para o Vinícius.

__ Oi, gatinha! Feliz aniversário! - ele falou sorrindo pra ela.

"Cara, você é altão! Sempre gostei das suas tatuagens! São maiores do que as do papai! Vi
você nos vídeos do You Tube!"

__ Oi, Bia! Esse cara feioso e tatuado aqui é o Vinícius e eu sou o Giovane. Aquelas moças
bonitas ali são a Bruna e Carol. Aqueles são os filhos do Vini, o Thiago e o Matheus, e aquela é a
minha filha Marina.

"Você é bem legal!"

Logo depois, todos nós fomos lá pra fora. Tudo estava ótimo. Quando vi a filhinha do Giovane
com um picolé na mão, imediatamente me lembrei da Eva. Tinha sido ela quem havia me alertado
para encomendar picolés e sorvetes para as crianças, já que era previsto um dia bastante quente.
Estranhei o fato de ela ainda não ter aparecido e do Miguel não ter dado sinal de vida. Procurei
localizar a minha filha e a vi montada na Celeste, com a Tatiana do lado. Fiquei feliz ao vê-la ali,
tentando interagir com as pessoas. Notei quando a Eva deixou a casa do Inácio e entrou em minha
casa. Ela devia ter ido trocar de roupa. Instante depois, vi o Giovane, o Vinícius e o Felipe indo para
lá. Eu os segui.

__ Aonde você vai, Lucca? - Vanessa parecia enciumada.

__ Fique aqui. Vou bater um papo com os caras lá dentro e não demoro.

Acelerei os passos. Queria saber os que os três foram fazer na casa assim que viram a Eva
entrar. Ao me aproximar do terraço, tive ciência do teor da conversa e decidi continuar apenas
ouvindo, escondido perto da janela.

__ Poxa, você era a nossa amiga! Você nos sacaneou. Você deixou a banda no momento em que
mais precisávamos de sua presença, Eva! Você deixou o Lucca destruído! - Vinícius falava de forma
hostil.

__ Realmente nós não esperávamos por aquela sua atitude tão egoísta! Foi um grande choque
para todos nós! Você vacilou com a gente! - Giovane falou.

__ Ei, pessoal, vocês não vieram até aqui para atacarem a Eva, não é? Parem com isso! Hoje é
dia de festa! - Felipe tentava acalmar os ânimos.

__ Eu não planejei fazer aquilo! Eu sinto muito! Queria ter tido tempo de me despedir de vocês
e, principalmente, queria ter tido coragem para explicar tudo ao Lucca. - Eva procurava se defender.

__ Ah, é? Então nos explique agora. Por que você o abandonou com meia dúzia de palavras
escritas numa porcaria de papel? - Vinícius continuava transtornado.

__ Eu não quero falar sobre isso agora, Vinícius! Hoje é o aniversário da Bia.

__ Você soube do que aconteceu a ele, não soube? - Giovane a questionou.

Ela assentiu com um olhar triste.

__ Eva, não foi você quem teve que lidar com aquela merda toda. O Lucca pirou. A banda ficou
num aperto. Aí veio a Lorena e bagunçou ainda mais a vida dele. E aí depois aquela perturbada
cometeu aquela loucura. Nós vimos o Benny e a Bianca nascerem. Ficamos arrasados quando os
perdemos. - Vinícius falava encarando-a com um olhar furioso.

__ Eu sinto muito!

__ Você sente muito? A gente confiava em você, porra! O Lucca confiava em você! Você o
deixou na pior! E sabe quem teve que dar a notícia ao Lucca de que os filhos dele estavam mortos?
Fomos nós! Naquela época, eu ainda não era pai. Hoje eu posso aferir o tamanho do sofrimento dele.
Ele viveu o inferno! E você foi a culpada, indiretamente, por tudo que ele passou! - Vinícius
esbravejava.

__ Vini, para com isso! Eu já disse que agora não é hora de falar sobre um assunto tão delicado.
O Lucca pode entrar aqui a qualquer momento! - Felipe o afastou da Eva.

__ Ela precisava ouvir tudo isso! Ficamos com essas palavras entaladas na garganta por um bom
tempo. A sua atitude inconsequente acabou com o nosso amigo, Eva! E depois ainda descobrimos que
você escondeu a filha dele durante esse tempo todo! Poxa, eu nem sei como ele ainda consegue olhar
em sua cara! Eu teria nojo de você! - Giovane falou com raiva.

__ Deixem-me ir! Eu não posso mais mudar o passado, droga!

A Eva começou a chorar e subiu as escadas apressadamente. O Felipe foi atrás dela.

__ Eva, tenha calma! - ele falava enquanto a seguia.

__ Que diabos você está fazendo ao defendê-la? Você enlouqueceu, homem? Vá bancar o
advogado de defesa na porra do seu escritório! - Vinícius gritou mais uma vez.

__ Vocês não têm o direito de falarem assim com ela! Isso não é assunto nosso! - Felipe falou.

Esperei os meus amigos saírem e entrei na casa. Subi até o quarto da Eva e a vi conversando
com o Felipe.

__ Eu sinto muito! Eu não sabia que eles fariam aquilo!

__ Eles me odeiam, não é? - ela chorava.

__ Eles só estão nervosos. Fique tranquila. Eu não vou deixar os dois acuarem você de novo.
__ Por que você me trata de forma diferente deles?

__ Eu acho que você errou muito, Eva! Sinceramente, eu creio que não conseguiria perdoá-la.
Eu entendo o Lucca e estou cem por cento do lado dele. Mas eu sei que toda história tem dois lados.
Eu ainda não ouvi o seu. Todos são inocentes até que se prove o contrário! Eu vivencio esse
princípio, todos os dias, nos Tribunais.

__ Obrigada! - ela continuava emocionada. - Pode ir, Felipe! Eu desço daqui a pouco.

__ Acalme-se, ok? Vejo você lá fora.

Ele estava deixando o quarto. Eu me escondi no WC do corredor. Logo em seguida, voltei a


olhar para a Eva chorando. O telefone dela começou a tocar.

__ Oi, Júlia. Que bom que você já está aqui. Estou trocando de roupa. Desço em vinte minutos. -
ela dizia contendo seu choro.

A Eva desligou o celular e caiu sobre a cama chorando muito. Era horrível vê-la nesse estado.
Eu entrei no quarto. Ela me olhou assustada.

__ O que faz aqui? - ela disse enquanto limpava as lágrimas que caiam de seu rosto.

__ Eu vim chamá-la para a festa. O que houve com você?

__ Ah, não foi nada! Estava me lembrando do nascimento da Bia há oito anos. E aí me
emocionei. E por falar nela, como ela está?

__ Está suportando. Ela deve estar achando tudo muito chato.

__ Eu imagino.

__ Eva, eu ouvi a conversa agora há pouco. Não sabia que o Giovane e o Vini a tratariam dessa
forma.

__ Mas você também acha que eu fui a culpada por tudo, não é?

Eu silenciei. Não sabia o que dizer.

__ Lucca, eu sinto muito pelo que ocorreu aos seus filhos, mas eu não posso ser
responsabilizada pelo que a Lorena fez! Eu não estava lá, droga! - ela chorava.

Ouvir tudo que foi dito nos últimos minutos me fez voltar a ter contato com aquela parte sofrida
dentro de mim repleta de culpa. Culpa por eu não ter impedido que meus filhinhos fossem mortos;
por não ter sido um pai melhor; por não ter enxergado que o desequilíbrio emocional daquela louca
poderia ser perigoso para as crianças.

Ela continuou a falar.

__ Eu penso nos seus filhos o tempo todo, desde que fiquei sabendo sobre eles. Eu morro um
pouquinho, todos os dias, quando eu imagino a sua dor; quando penso que, indiretamente, eu contribuí
para o que aconteceu. Só que não fui eu quem apertou aquela maldita arma! - ela continuava
chorando.

__ Eva, não chore assim!

Eu me aproximei dela na cama e me ajoelhei. Afastei seus cabelos e enxuguei um pouco de suas
lágrimas.

O Felipe tinha razão: eu ainda a amava, porém a imensa mágoa dentro de mim me impedia de
viver esse amor. Tive vontade de abraça-la forte e de beijar seus lábios. Eu não estava mais
conseguindo resistir àquela proximidade. Senti falta dos dias em que a tive em meus braços, ali no
haras. Meu coração acelerou e minha respiração ficou irregular.

__ Eva!

Eu levantei seu rosto e olhei dentro de seus olhos.

__ O que vocês estão fazendo aqui? O que isso significa? - Vanessa entrou no quarto gritando.

__ Eu disse pra você me esperar lá fora!

__ Se eu tivesse feito o que me pediu, Lucca, eu perderia a chance de ver esse showzinho
ridículo! Por que essa mulher está chorando tanto?

__ Isso é um assunto particular! Desça e me espere lá fora!

__ E você não diz nada, Eva? Onde está o seu namoradinho? - ela gritou.
__ Não tenho nada a falar com você, Vanessa!

__ Tem sim! Você está querendo roubar o Lucca de mim, não é? Você não me engana!

__ Meu Deus, garota! Você tem mesmo 22 anos? Porque a forma como você age me faz pensar
que você tem a idade mental de uma adolescente!

__ Vá para o inferno! - ela gritou novamente.

__ Estou cansada de suas infantilidades e grosserias! Vê se amadurece e me deixa em paz,


garota! Isso acabou hoje, ouviu bem? Eu aturei você até onde eu pude! - Eva disse ao se levantar da
cama.

__ Quem diz se acabou ou não sou eu, queridinha!

__ Já chega! - eu gritei.

Deixei a Eva no quarto e desci as escadas, furioso, puxando a Vanessa pra fora. Quando cheguei
no terraço, ela voltou a me questionar sobre o que viu.

__ O que você estava fazendo com aquela mulher lá em cima, hein?

__ Fale sério, Vanessa! O que eu poderia estar fazendo? Transando com ela em plena luz do dia,
no aniversário da Ana Beatriz?

__ Desculpe, meu amor! É que eu não consigo esconder meus ciúmes.

__ Pois é bom aprender a escondê-los se não quiser parecer uma adolescente neurótica.

Fomos para perto dos convidados. Tomei uma cerveja para esfriar a cabeça. Fiquei na mesa do
Felipe, do Vinícius e do Giovane. Eles ficaram me contando sobre o que faziam e sobre os filhos. Os
dois viraram pais corujas. Fiquei feliz por eles, mas a conversa que tinha ouvido há pouco me deixou
bastante triste. Lembrava-me o tempo todo do Benny e da Bianca. Aquilo estava me matando. Olhei
ao redor e não vi a Bia.

Algum tempo depois, eu observei a Eva se aproximar da Júlia e do Felipe. Ela usava um vestido
vinho esvoaçante na altura dos joelhos e sandálias de salto de comprimento médio. Seus cabelos
estavam soltos e ela usava uma maquiagem leve que a deixava ainda mais linda.

__ Oi, amiga! Você está um arraso! - Julia a abraçou sorrindo.

__ Tenho que concordar, querida! Você está deslumbrante com esse vestido! - Miguel se juntou
ao Felipe e à Júlia.

"Pronto! O babaca resolveu aparecer!"

Observei quando ele continuou a falar.

__ Eva, eu queria conversar com você.

__ Tem que ser agora, Miguel? É que eu preciso ver a minha filha.

__ Tudo bem. Falamos daqui a pouco.

A Eva veio para perto de mim.

__ Você viu a Bia, Lucca? Não a vejo em lugar nenhum.

__ Acho que sei onde ela está. Você quer ir lá comigo? Nós teremos que ir andando porque não
dá pra você montar com esse vestido.

__ Tudo bem.

Andamos alguns metros por um caminho por trás da minha casa em direção ao rio. Olhamos para
a minha velha canoa, debaixo de uma linda sombra. Lá estava nossa filha, sentada, olhando para o
horizonte com fones de ouvido. Nós nos aproximamos.

__ Ei, mocinha! Esse é o seu esconderijo? - Eva a abraçou e puxou os fones.

"Oi, mamãe!"

__ Por que não vamos lá pra cima, querida?

"Não quero! Tem um monte de criança pequena gritando por lá!"

__ Bia, se você subir agora com a gente, eu pedirei ao Felipe para tocar piano com você mais
tarde. O que você acha? A sua mãe também poderá tocar.
"Legal!"

__ Você só vai quando o seu pai chama, não é? - ela sorriu.

__ Bia, a sua mãe está com ciúmes da gente!

__ Estou sim! Vocês dois são uma duplinha perigosa. - ela brincou.

__ Ei filha, vamos apostar corrida de quem chega primeiro? - eu falei.

A Bia disparou em nossa frente sorrindo. Eu fui atrás dela, mas logo parei quando me lembrei de
que a Eva estava de vestido e sandálias, e que não poderia correr. Voltei e caminhei para perto de
onde ela estava.

__ O sol está muito quente. Vamos ficar um pouco aqui na sombra dessa árvore, Eva.

__ Certo.

__ Olha, eu gostaria de me desculpar em nome da Vanessa.

__ Esqueça isso, Lucca!

Resolvi mudar de assunto.

__ Você acha que algum dia a Bia vai voltar a falar?

__ Sinceramente, eu não sei!

__ Você já ouviu a voz dela! Como é?

__ É uma voz tão doce. É a voz mais linda do mundo. - ela sorriu.

__ Invejo você por tê-la ouvido falar; por tê-la visto dar os primeiros passos. Tudo isso você
entregou para o Alexandre. Ele teve sete anos com a Bia. Eu só tive os últimos meses.

__ Lucca, o Alexandre teve o passado da Ana Beatriz. Mas você tem o presente e o futuro dela.

__ É verdade que vocês nunca se casaram? Que vocês eram apenas amigos?

__ Ele foi o melhor amigo que Deus poderia ter me dado. Eu e ele não éramos casados. Cada um
dormia em seu próprio quarto.

__ E por que ele quis assumir a Bia como filha?

__ O Alexandre a assumiu como filha porque ele era meu amigo e queria cuidar de nós duas.
Tem uma coisa que você deveria saber, embora eu tenha jurado não contar isso pra ninguém: ele era
homosessual, Lucca!

__ Que conversa é essa? Ele não parecia ser gay!

__ Ele morava com o namorado em Sidney, o Thomas, e morava comigo e com a Bia. Ela nunca
soube que o pai era diferente, mas ela já notava que eu e ele não nos tocávamos como os outros
casais.

__ Toda vez que você fala dele como o pai da Bia eu sinto meu estômago revirar. Sou eu o pai
dela, Eva!

__ Sinto muito, mas a referência de pai que ela teve durante todos esses anos foi a do
Alexandre. Você não pode apagar isso como se deletasse uma palavra errada de um texto eletrônico.

__ É verdade! Eu não posso deletar porra nenhuma do que aconteceu comigo! Não posso apagar
da minha memória o que ocorreu aos meus filhos! Não posso apagar da minha mente que minha filha
estava sendo criada por um casal gay e sua amiguinha enquanto eu vivia sem saber de sua existência.

__ Você nunca vai me perdoar mesmo, não é?

__ Nunca! Mas não sei por que você ainda está preocupada em receber o meu perdão! Você
parece muito bem com o Miguel.

__ Nós não estamos juntos, Lucca! Ele é um homem bonito e é uma ótima companhia, mas eu não
o amo.

__ Se você ama esse cara ou não, isso não me interessa! Eu vou indo!

Voltei a dar atenção aos meus convidados. Ficamos batendo papo enquanto víamos as crianças
passeando nos cavalos e se divertindo na piscina. A criançada adorou a Luna.
No fim da tarde, batemos os 'parabéns' para a Bia. Logo depois, as pessoas começaram a ir
embora. O Felipe foi para o piano tocar com a minha filha. Naquele momento, eu me lembrei da
Bianca no colo do meu amigo quando levei os garotos para um dos ensaios. Recordei-me de que o
Benício correu para a bateria do Vini e a minha princesa se sentou com o Felipe. Eles ficaram
fazendo a escala de notas no teclado. A presença dos caras da SB deixou minhas recordações ainda
mais vívidas. Há muito tempo eu não me sentia tão mal; tão deprimido.

Passei a tarde inteira bebendo para esquecer a falta que os meus filhos me faziam. Olhei para
uma mesa próxima à minha. Lá estavam a Eva e o Miguel. Pouco depois, ela se levantou e parou
perto do piano.

__ Você quer comer alguma coisa, filha?

"Não, mamãe!"

__ Eu volto já, querida!

Olhei para a Vanessa e ela estava de papo com a Tatiana e a Renata. Passei a tarde dando um
gelo nela. Ela tinha que amadurecer se quisesse ficar comigo. Naquele instante, vi o Miguel
caminhando em direção a casa. Minha razão me dizia que eu não tinha nada a ver com as escolhas da
Eva, mas algo mais forte dentro de mim me fez levantar da mesa e ir atrás deles.

__ Você é a mulher mais difícil do mundo, sabia?

__ Miguel, olha só: acho que já conversamos sobre isso! Eu e você não damos certo.

__ É que eu nunca encontrei uma mulher como você, Eva! Seus lábios são divinos, querida! Eu
quero mais deles!

"Lábios divinos? Que filho da puta! Esse Miguel tinha graduação em Medicina Veterinária e
PHD em xaveco!"

Vi o momento exato em que ele a puxou contra seu corpo e a beijou. Ela se afastou dele.

__ Não faça isso novamente! Eu já disse que não vamos mais ficar juntos!

__ Eu quero você, Eva!

__ Não dá! Eu sinto muito!


__ Por quê?

__ Porque eu não o amo! Eu já lhe falei isso algumas vezes. Não sei como eu posso ser mais
clara.

__ Venha, meu amor! Deixe-me fazê-la tremer em meus braços! Eu posso fazer você me amar. Eu
só preciso de uma noite com você em minha cama para que você se apaixone por mim! - ele voltou a
segurar sua cintura.

"Como é? Eles ainda não haviam transado depois desse tempo todo?"

__ Afaste-se, Miguel! Eu falo sério!

__ Eu sei que você me quer, Eva! Eu sei que você me deseja tanto quanto eu desejo você.

Ele a encostou no piano e a beijou forçosamente. Ela o empurrou.

“Que filho da mãe!”

__ Você está me assustando! Pare com isso!

__ Eu quero você em meus braços! Já esperei demais!

Ele voltou a agarrá-la e ela gritou.

Entrei rapidamente na sala e não perdi tempo dialogando com aquele safado. Soquei o infeliz
assim que me aproximei dele.

__ Fique longe dela, seu imbecil!

Desferi outro murro naquele cafajeste. Ele caiu.

__ Lucca! Pare! Ele está sangrando! - ela falou.

__ Ele tem que sangrar mesmo para aprender a não agarrar nenhuma mulher à força!

__ Você é um grande idiota, Lucca Baroni! - ele gritou enquanto se levantava do chão.

__ Você tem cinco minutos para dar o fora daqui, seu cretino! Desapareça da minha frente! Você
está demitido!
__ Eu é quem me demito, seu merda! - ele avançou em cima de mim e acertou meu rosto bem em
cheio. Eu revidei.

__ Parem com isso! Parem! - Eva gritou assustada.

Naquele instante, o Giovane e o Vinícius entraram na sala afobados. Eles nos separaram.

__ Suma já do meu haras, seu miserável!

__ Você é um otário, Baroni! E você, Eva, não sabe o que perdeu! Chega de insistir com você! -
Miguel disse antes de sair dali.

__ Você está bem, Lucca? - ela se aproximou de mim.

__ Estou! Voltem lá pra fora! Eu só preciso de alguns minutos.

Meus amigos olharam torto para a Eva antes de deixarem o local.

__ Você está machucado. - ela falou ao passar a mão em meu rosto.

__ Deixe-me sozinho!

Ela saiu dali. Fui para o meu quarto. Olhei pela janela e vi que já estava escurecendo. As luzes
nas tendas foram acesas. Fui até o banheiro e lavei meu rosto. Meu nariz estava sangrando. Assim
que estanquei o sangue, deitei na cama e chorei. Estava realmente mal. Fechei os olhos e vi a
imagens dos meus filhos sorrindo em minha mente e dizendo: "Cante a nossa música, papai! Por
favor!"

Levantei da cama, enxuguei minhas lágrimas e fui até o quarto onde o Vini havia deixado o
violão dele. Peguei o instrumento. Toquei suas cordas e fiz um acorde de Dó. Puxei pela memória a
última música que eu havia tocado anos atrás. A letra que eu compus nunca saiu de minha cabeça,
mas eu não sabia se iria me lembrar dos acordes.

Após alguns minutos, recordei-me de todas as notas. Desci as escadas rapidamente. Aproximei-
me das poucas pessoas que ainda continuavam na festa. Procurei pela Bia e a encontrei no colo da
Eva, em uma das mesas. Paguei o banco do piano e me sentei. As pessoas me fitaram curiosas.

__ Bia, eu espero que tenha gostado de sua festinha! Eu te amo, filha! Essa música é para vocês,
Benny e Bianca. Compus essa canção em 2011 como uma despedida. Aquela foi a última vez que eu
cantei ou toquei, até este momento.

Comecei a música. Eu represava minha emoção ao máximo para conseguir cantar.

Would you know my name if I saw you in heaven?


Vocês saberiam meu nome se eu os visse no paraíso?

Would it be the same if I saw you in heaven?


Seria o mesmo se eu os visse no paraíso?

I must be strong and carry on


Eu devo ser forte e seguir em frente

Would you hold my hand if I saw you in heaven?


Vocês segurariam minha mão se eu os visse no paraíso?

Would you help me stand if I saw you in heaven?


Vocês me ajudariam a ficar em pé se eu os visse no paraíso?

I'll find my way


Encontrarei meu caminho

Through night and day


Pela noite e pelo dia

Time can bring you down


O tempo pode lhe derrubar

Time can bend your knees


O tempo pode lhe fazer ajoelhar

Time can break your heart


O tempo pode quebrar seu coração

Have you begging please


Fazer você implorar 'por favor'

Begging please
Implorar 'por favor'

Beyond the door


Além da porta

There's peace, I'm sure


Existe paz, tenho certeza

And I know
E eu sei

There'll be no more tears in heaven


Que não haverá mais lágrimas no paraíso

Ao terminar de cantar, eu larguei o violão e chorei.

Trechos da música “Tears In Heaven” - Eric Clapton


(OBS.: na ficção, composta por Lucca Baroni)
Capítulo 15

Eva
Eu ainda estava me lembrando da cena horrível que tinha ocorrido há poucos minutos. Fiquei
assustada com tudo aquilo. Presenciar a briga do Lucca e do Miguel me deixou nervosa. Sentei-me
numa mesa vazia. Depois a Júlia veio me fazer companhia.

A Bia deixou o piano e se aproximou de nós.

__ Oi, filhota! Adorei ver você tocando com o Felipe.

"Mamãe, eu queria que você cantasse uma daquelas músicas bonitas para o papai!"

__ Venha, lindinha! A mamãe está carente de seu abraço. Sente-se aqui no meu colo.

Nesse instante, vi o Lucca se aproximando com um violão. Fiquei atônita.

__ Meu Deus! Veja seu pai, Bia!

"Que legal! Ele vai tocar, mamãe!"

Fiquei ali, de queixo caído, olhando pra ele. O Lucca se sentou perto do piano e disse algumas
palavras antes de começar. Todos pararam para ouvi-lo. Olhei para a mesa onde o Felipe estava com
o Vinícius e o Giovane. Eles também ficaram chocados, assim como eu.

Após os primeiros acordes de uma triste melodia, o Lucca começou a cantar. Meu Deus, aquela
letra era linda! Eu não consegui conter minha emoção.

"Mamãe, quem são Benny e Bianca? Por que o papai está cantando essa música com uma
letra tão triste? Por que a senhora está chorando?"

__ Eva, quem são essas pessoas? Por que o Lucca está assim? - Júlia me perguntou.

__ É uma longa história, amiga! Depois, eu explico tudo pra você!

Mantive meus olhos nele e abracei ainda mais a minha filha. A dor daquele homem devia ser
insuportável. Eu não conseguia imaginar o quanto seria terrível pra mim perder a minha pequena.
Ele conseguiu cantar até o fim. Logo em seguida, ele soltou o violão no chão e chorou.

__ Meu anjo, vá até o seu pai! Ele está precisando muito de você agora!

A Bia saiu do meu colo e foi até ele. Eu observei bem quando ela se aproximou do Lucca e o
abraçou. Os dois ficaram abraçados por um bom tempo. Ele não parava de chorar agarrado à filha.

"Papai, por que você está tão triste? Quem são ‘Benny e Bianca’?”

__ Filha, me desculpe por estragar a sua festa!

"Você não estragou nada. Pare de chorar, por favor! Não gosto quando você e a mamãe
choram."

__ Venha, princesa! Vamos dar um volta.

O Lucca puxou a Bia pelas mãos e caminhou em direção à Celeste, que descansava perto do
cerca. Ele colocou nossa filha em cima da sela e a montou. Os dois saíram dali.

A Vanessa se aproximou da mesa em que eu estava.

__ O que foi que você fez para o meu namorado ficar desse jeito?

__ Eu já disse que não tenho nada pra falar com você!

__ Você está chorando de novo? Você é uma manteiga derretida, Eva!

__ Deixe-me em paz, garota!

__ Você não vai voltar pra ele, ouviu bem?

__ Menina, você é chata pra caralho! Deixe de perturbar a Eva e suma daqui! - Júlia gritou.

Ela desistiu de me importunar. Eu me afastei de todos e fui até a casa do Inácio. Passei algum
tempo desabafando com a Beth.

__ Você entende agora por que ele me odeia?

__ Meu Deus, Eva! Que coisa terrível aquele homem suportou!


__ Ele nunca vai me perdoar, Beth! - eu chorava.

__ Vai sim, querida! Tenha paciência! O tempo e o amor são capazes de curar muitas feridas.

Depois de achar um pouco de autocontrole, voltei para perto dos convidados que ainda
permaneciam no haras. A noite já tinha caído. O céu estava lindo. Procurei a Bia entre as mesas e a
vi próxima do Lucca. Fiquei aliviada ao saber que eles já tinham voltado. Sentei-me novamente ao
lado da Júlia.

__ O Túlio teve que ir deixar a Isabel e afilhada dela em casa! Ele disse que liga pra você
amanhã. Você está melhor, amiga?

__ Não, Júlia! Eu não estou nada bem!

Olhei mais adiante e vi a Vanessa ainda ali, com a Tatiana e a Renata. Ela me olhou com
desdém. Aquela mulherzinha era insuportável. O Lucca não podia ficar com aquela garota. Ela não o
merecia. Eu queria poder amá-lo, consolá-lo e fazê-lo feliz. Eu tinha que tentar fazer alguma coisa
por nós outra vez, como uma última tentativa; algo que demonstrasse a ele o quanto eu o amava... com
todo o meu coração.

__ Minha amiga, eu vou fazer algo bem estúpido agora. Torça por mim!

__ O que você vai fazer, Eva?

__ Lutar pelo homem que eu amo!

Eu me levantei, passei pelo Lucca e fui até o piano. Eu me sentei, olhei novamente pra ele e
comecei a tocar imediatamente, sem nenhuma explicação. Havia composto aquela canção há poucas
semanas.

There's a song that's inside of my soul


Existe uma música dentro da minha alma

Its the one that I've tried to write over and over again
É aquela que eu tentei escrever uma e outra vez

I'm awake in the infinite cold


Estou acordada nesse frio infinito
But you sing to me over and over and over again
Mas você canta para mim uma vez, e outra vez

So I lay my head back down


Então eu baixo a minha cabeça

And I lift my hands and pray to be only yours


E eu levanto as minhas mãos e oro para ser só sua

I pray to be only yours


Eu oro para ser só sua

I know now you're my only hope


Eu sei que você é minha única esperança

Sing to me the song of the stars


Cante para mim a canção das estrelas

Sing to me of the plans that you have for me over again


Cante para mim os planos que você tem outra vez

I give you my destiny


Eu lhe dou o meu destino

I'm giving you all of me


Estou lhe dando tudo de mim

I want your symphony


Eu quero ser a sua sinfonia

Singing in all that I am


Cantando tudo o que eu sou

At the top of my lungs


Com todo o meu fôlego

So I lay my head back down


Então eu baixo a minha cabeça

And I lift my hands and pray to be only yours


E eu levanto as minhas mãos e oro para ser só sua

I pray to be only yours


Eu oro para ser só sua

I know now you're my only hope


Eu sei que você é minha única esperança

Assim que terminei de cantar, o Lucca se levantou da mesa e se dirigiu para casa. Fiquei parada
por alguns instantes. Logo depois, eu o segui. A Vanessa veio até mim e me parou no caminho.

__ O que você pensa que está fazendo? - ela puxou o meu braço.

__ Solte-me!

__ Você não vai tê-lo de novo!

__ Isso só ele poderá decidir! - eu falei.

__ Você é uma vaca, sabia?

__ E você é uma mulherzinha estúpida e imatura, Vanessa! Meu Deus, você é insuportável!

__ Sua vadia!

__ Ei, eu já disse pra você deixar a Eva em paz, garota! - Júlia se aproximou e a segurou. - Vá,
amiga! Vá atrás dele!

__ Solte-me agora! - Vanessa gritou.

__ Você não vê que está sobrando, sua retardada? A Eva e o Lucca se amam!

Eu deixei a minha amiga cuidando da Vanessa e entrei na casa. Subi as escadas e não o vi.
Procurei por ele em todos os cômodos, até que o achei sentado na poltrona que ficava ao lado da
cama da Bia. Era ali que ele costumava ler pra ela.

__ Oi. - eu disse ao me sentar à sua frente.

Ele me observou com um olhar triste.

__ Saia daqui, Eva! Eu acho que bebi demais. Não me sinto bem.

__ A música que você compôs para os seus filhos é linda! Fiquei bastante comovida com a letra.
Ele se manteve em silêncio.

__ Você me faria a mulher mais feliz desse mundo se pudesse me perdoar, Lucca! Eu estou aqui,
despojada de meu ego, para lhe dizer, pela milésima vez, que o meu coração sempre foi e sempre
será seu. Fica comigo, querido! Eu te amo! - eu me aproximei dele e toquei seu rosto.

__ Vá embora, Eva! Eu não posso ficar com você!

__ Nós nos amamos e poderemos superar tudo isso se ficarmos juntos!

__ Não dá mais! Eu realmente sinto muito!

__ Claro que dá, meu bem! Eu sei que você me ama da mesma forma que eu amo você! Foi por
isso que eu não pude ficar com o Miguel e é por isso que você não é feliz com a Vanessa.

__ Porra, Eva! Você não entende? Não é possível pra mim! Deixe-me em paz!

__ Lucca, por favor, não me mande embora de novo! - eu chorava sentada na cama. - Eu sei que
eu posso fazê-lo feliz, querido! Dê essa chance para nós dois! Podemos consertar as coisas! Por
favor, me perdoe pelo que eu fiz ao sumir de sua vida daquela forma... e me perdoe por omitir tantas
coisas importantes. Eu também o perdoo por tudo!

__ É tarde demais para as coisas serem consertadas, Eva!

__ Sempre é tempo para consertarmos os nossos erros, Lucca! Por favor, não me afaste de você!

Ele nada disse.

__ Fale alguma coisa.

__ O que você quer que eu diga?

__ Quero que escute o seu coração e fale através dele.

__ Meu coração diz que eu não amo mais você, Eva! Eu vou pedir a Vanessa, ainda esta noite,
para se casar comigo. Eu e ela vamos morar juntos aqui no haras.

__ Você não me ama mais? - eu chorava.

__ Não! Eu ouvi a sua música lá fora. É uma canção muito bonita, mas ela não significa nada pra
mim neste momento. Todo o amor que tivemos ficou no passado. Tudo está diferente agora.

Eu estava destroçada. Meu rosto estava repleto de lágrimas. Meu coração apertava de dor.

__ É muito triste saber sobre sua decisão de se casar com aquela moça, mas cabe a mim aceitá-
la. Ao contrário de você, eu acho que tudo continua como antes porque eu nunca deixei de amá-lo por
um só dia, Lucca! Nunca tive nenhum outro homem depois de você. Nem mesmo consegui ter um
relacionamento com o Miguel. Passei todos esses anos, sozinha, e pensando em como teria sido
maravilhoso se eu pudesse ter permanecido ao seu lado.

Ele me olhava sem dizer uma única palavra. Eu continuei a falar.

__ Eu preciso sair desta cidadezinha e ficar longe de você. Eu vou levar a Ana Beatriz comigo.
Não crie objeção quanto a isso, Lucca! Faça isso em nome do amor que você algum dia já sentiu por
mim. Você sempre poderá visitar sua filha. Passe esta noite com ela e explique tudo. A Bia poderá
entender.

__ Está bem. - ele me olhou tristemente.

__ Venho buscar a Bia e a Luna amanhã, logo depois do almoço. Vamos ficar uns dias com a
Júlia e depois encontraremos um bom lugar pra morar. Eu ligo para informá-lo sobre o nosso novo
endereço, assim que possível.

__ Por favor, não suma com a minha menina! Ela é tudo pra mim!

__ Eu nunca mais os manterei separados! Vocês sempre poderão se ver e matar as saudades.
Também existe a internet. A Bia adora chats e e-mails.

__ Ok.

__ Tchau, Lucca! Seja feliz com a Vanessa. Você merece.

Eu enxuguei um pouco das minhas lágrimas, olhei pra ele uma última vez e saí do quarto. Deixei
a casa do Lucca e caminhei para onde a Júlia estava.

__ Amiga, eu vou indo!

__ Pelos seus olhos e seu nariz vermelhos, posso ver claramente que as coisas não foram muito
boas lá dentro.
__ É, não foram mesmo! Olha, eu preciso ir! Estou muito cansada. Depois eu explico tudo pra
você, está bem?

__ Eu também tenho que ir. Amanhã tenho que atender uma paciente às 9h.

__ Júlia, fique para dormir aqui com a Beth e o Inácio. É perigoso você pegar estrada a essa
hora. O Miguel foi demitido hoje e eles têm um quarto vazio lá. Aí amanhã cedo você já vai para o
trabalho direto daqui.

__ Isso seria ótimo!

__ Ah, tem uma coisa que você precisa saber: eu vou deixar a fazenda amanhã. Pensei em ficar
uns dias com você na capital até decidir o que fazer da minha vida. Você poderia nos receber em seu
apartamento?

__ Claro, Eva! - ela me abraçou. - Vai ser ótimo ter você e a Bia comigo de novo! Escute, minha
amiga: você fez o que pôde por esse homem! Se mesmo assim, o Lucca não quis ficar ao seu lado,
então está mais do que na hora de esquecê-lo de uma vez por todas! Você já sofreu muito por
ele. Você fez a sua parte.

__ Você tem toda razão, Júlia! Obrigada! Eu vou me despedir da Bia.

Encontrei a minha filha quietinha em uma das mesas, ao lado da Beth e do Inácio. Olhei ao redor
não vi a Vanessa. Imaginei que ela tivesse ido atrás do Lucca.

__ Filha, eu preciso falar algo muito importante com você.

"Mamãe, que música linda você cantou para o papai agora há pouco! Você é muito talentosa,
sabia?"

__ Filha, eu nem sei como lhe dizer isso sem parecer cruel, mas amanhã, depois do almoço, eu,
você e a Luna teremos que ir embora daqui!

"Não! Eu não quero!"

__ Eva, por que isso agora? Não vá! Toda essa situação ainda pode ser resolvida! - Beth
lamentou.

__ Beth, eu acabei de saber que o Lucca vai pedir a Vanessa em casamento. Eles vão morar
juntos aqui. Eu não posso conviver com isso, você entende? - eu voltei minha atenção para a Bia. -
Eu já falei com o seu pai e ele concordou, meu anjo. Vamos ficar uns dias com a Júlia e depois
acharemos um cantinho só para nós, está bem? Você e o Lucca sempre poderão se ver, e se falar por
telefone e pelo computador.

"Não! Eu não quero ir! Eu não vou! Eu não vou!"

A minha filha começou a gritar e se debater contra a mesa.

__ Meu amor, tudo vai ficar bem! Confie em mim!

Ela não parava de gritar. Os rapazes da banda e suas esposas olharam para nós. O Felipe se
aproximou.

__ O que está havendo com a Bia?

__ Ela está numa crise nervosa, Felipe! - eu expliquei. - Filha, fique calma! Você não precisa se
preocupar! Seu pai continuará em contato frequente com você!

"Não! Eu não vou! Eu não vou!"

Ela não me ouvia; apenas gritava. Naquele mesmo instante, o Lucca chegou perto da gente.

__ Por que a Bia está gritando desse jeito? Ouvi lá de cima! - ele olhou pra mim.

__ Ela ficou agitada quando comuniquei sobre a nossa partida.

__ Está vendo, Eva? Ela não quer ir com você!

__Lucca, ela só está angustiada pelo impacto da notícia. A Bia vai entender e se acalmar.

__ Olha, eu mudei de ideia. Minha filha não vai sair de perto de mim.

Vi quando o Vinícius e o Giovane se aproximaram.

__ Por que a Bia está gritando desse jeito, Lucca? - Giovane questionou.

__ Porque ela soube que a Eva vai levá-la daqui amanhã. Ela não quer ir!

Os rapazes me fuzilaram com o olhar.


__ Filha, você e seu pai poderão se ver sempre que quiserem. Tudo vai ficar bem! - eu tentava
acalmá-la, ajoelhada ao seu lado.

__ Não faça esse tipo de promessa para a menina! Você sabe que eu não poderei vê-la sempre
que quisermos. Eu nem sei onde você pretende se enfiar com a minha filha. Da última vez, você foi
para o outro lado do mundo e eu nunca pude saber dela.

__ Lucca, nós já conversamos sobre isso lá dentro. Eu não vou para longe e você será informado
do endereço assim que possível.

__ Não posso aceitar isso, Eva! A Bia não quer deixar o haras! Essas terras são dela! Ela deve
permanecer aqui comigo!

__ Filha, acalme-se um pouco! Você poderá vir pra cá visitar o seu pai, a Beth e o Inácio! Não
se preocupe, meu bem! Você sempre poderá voltar pra cá!

"Não! Não! Eu não vou a lugar nenhum!"

__ Chega, Eva! Não insista! A Bia não vai com você amanhã! Eu sou o pai dela e eu não admito
isso!

__ Mas você já tinha concordado comigo, Lucca!

__ Tinha concordado sim, só que eu não imaginava que a minha filha fosse ter uma crise dessas
ao saber que ia embora.

__ Ela não é apenas a sua filha! Ela é nossa, Lucca! Nossa!

__ Eu repito o que já lhe disse uma vez: você não se lembrou de que ela era 'nossa' quando a
escondeu de mim por tanto tempo.

__ A Bia tem mãe e sou eu quem tenho que ficar com ela. Chega de tentar barganhar as coisas
com você! Eu sei o que é melhor para a nossa filha! Fui eu quem a carregou na barriga por quase
nove meses. Se você não estiver satisfeito com a minha proposta, arranje um advogado e acertaremos
tudo na Justiça.

Olhei ao meu redor. A plateia era grande. Inácio, Beth, Vanessa, Vinícius, Felipe, Giovane,
Carol, Bruna, Júlia, Damião, João. Quase todos me fitavam com olhos incriminadores.
__ Concordo, Eva! Vamos resolver tudo isso na Justiça sim! Mas até lá, a Bia ficará comigo e
não se fala mais nisso!

__ Você devia sumir daqui, sua louca! Que coisa feia separar um pai de sua filha! - Vanessa
falou tentando bancar a boa moça.

__ Quem você pensa que é para se meter nessa história? Fique na sua, sua idiota! - eu perdi a
paciência com a namoradinha do Lucca.

__ Você está descontrolada! - ela disse olhando pra mim com falsidade.

__ Você é uma mulherzinha repugnante! - eu disse com raiva.

__ Cuidado como fala comigo, Eva! Eu agora sou a noiva do Lucca! Ele me pediu em casamento
há poucos minutos e em breve eu serei a madrasta da Bia.

"Ow, meu Deus! Ele desistiu mesmo de nós! Ele vai se casar com ela!”

__ Vá embora, Eva! Se quiser, você pode ir para o Japão agora mesmo! Porém, a Ana Beatriz
ficará aqui comigo. Acostume-se com isso! - ele foi enfático.

__ Não, Lucca! Eu sou a mãe dela e ela vai para onde eu for.

A Bia voltou a gritar.

__ Você não vê o que está fazendo com a menina? Vá embora! Você está deixando-a nervosa! -
Vinícius interveio na conversa.

__ Olha aqui Vinícius, você não para de me julgar e de me apontar o dedo desde que colocou
seus pés neste lugar. Você não sabe nada sobre mim e não tem o direito de interferir na minha vida e
na vida da minha filha.

__ Você é engraçada, Eva! Fica dando uma de vítima quando na verdade é uma cobra. Eu acho
até que o Lucca é gente boa demais com você. Você não merece nenhuma consideração da parte dele
ou de nossa parte.

__ Eu achava que nós éramos amigos, Vinícius! - eu disse sem conseguir conter meu choro.

__ Amigos? Amigos não fazem o que você fez! Você é uma mulher mentirosa e dissimulada!
__ Ei, você não pode falar com a Eva desse jeito! - Júlia veio em minha defesa.

__ Gente, pelo amor de Deus, isso não é hora nem lugar para uma discussão! A Bia está aqui! -
Beth interferiu.

__ A Beth tem razão! Vamos nos acalmar! - Felipe tentava apaziguar os ânimos.

__ Eu vou indo, Lucca! Venho buscar a nossa filha amanhã depois do almoço.

__ Eva, entenda de uma vez por todas: a Bia não irá com você e ponto final! Não me afronte
mais.

__ Isso não é justo! Eu vou levá-la sim! Pode acreditar no que eu digo.

__ Tente fazer isso e vai se arrepender.

__ O que pretende fazer? Trancar a Bia num quarto para que eu nunca mais chegue perto dela?

__ Eu já disse pra você ir embora daqui! Nessas terras você não pisa mais! Sua presença aqui
está proibida! Meus funcionários serão instruídos para não deixar você entrar.

__ Lucca, você não pode fazer isso!

__ Posso e vou fazer! Suma da minha propriedade! Suma da minha vida! Você precisa entender,
de uma vez por todas, que eu não a amo mais e que eu não quero você aqui!

__ É isso aí, meu amor! Tá na hora dessa mulher ficar longe de você! - Vanessa agarrou o braço
dele.

Eu baixei minha cabeça e chorei, constrangida e humilhada.

__ Tenha calma, Eva! Amanhã vamos procurar o Delegado da cidade e um advogado! Você é a
mãe da Bia e vai levá-la para onde quiser! Se for o caso, a gente traz um juiz até aqui! - minha amiga
Júlia, mais uma vez, me defendia.

__ Vocês podem trazer o Papa ou uma tropa de elite da polícia! A menina não sairá de perto de
mim!

__ Lucca, não seja intransigente! Eu sou a mãe dela, droga! - eu falava chorando.
__ E eu sou o pai dela - ele foi para perto da Bia. - Querida, responda uma coisa. Quero que
seja muito sincera, está bem? Você quer ir com a sua mãe?

"Não!"

__ Filha, você quer ficar comigo aqui no haras?

"Sim, papai!"

__ Acho que todo mundo aqui sabe quem venceu essa disputa, Eva! Vá embora!

__ A Bia não deveria ser uma disputa entre nós! - eu chorava. - A gente se vê em um Tribunal,
Lucca!

__ Não chore assim! Tudo vai se resolver, querida! - Inácio falava preocupadamente.

__Vamos lá para a casa da Beth, amiga! Você precisa se acalmar um pouco! - Júlia falou.

__ Obrigada, mas eu não posso continuar nem mais um minuto aqui. - eu me aproximei da Bia. -
Até breve, meu anjo! Eu te amo muito, filha! Nunca se esqueça disso! O meu amor por você é
eterno... não acaba nunca!

__ Suas lágrimas e seu discurso não me comovem mais, Eva! Você foi o maior erro de toda a
minha vida! Eu te odeio!

Eu nunca tinha sido tão humilhada assim. Eu tive a sensação de que iria morrer pela dor
excruciante que eu sentia em meu peito. Aquilo tudo estava sendo terrível.

__ Eu não odeio você, mas eu juro que eu vou deixar de amá-lo! Você não merece o meu amor,
Lucca! Você é um homem rancoroso! Você é um homem doente! - eu dizia chorando. - Eu tentei me
explicar de todas as formas possíveis! Eu tentei consertar tudo! Eu tentei lutar por nós dois e por
nossa família!

Eu me afastei dali, entrei no meu carro e fui embora. Minha cabeça estava doendo. Meus olhos
ficaram embaçados com tantas lágrimas. Meu coração, mais uma vez, se encheu de dor; de solidão;
de desespero.
Ao chegar à fazenda, peguei minhas duas malas e comecei a jogar minhas roupas nelas. Olhei
para o relógio e vi que já eram oito e vinte da noite. Amanhã eu falaria com o meu chefe sobre a
minha partida. Eu iria para BH e depois, quando as coisas estivessem mais tranquilas, voltaria ao
haras para pegar a Bia.

Naquele instante, ouvi alguém batendo na porta. Achei que fosse o Inácio com a Beth, ou a Júlia.
Não era. O Sr. Elias insistia ao me chamar.

Eu procurei me recompor para poder recebê-lo. Não queria que ninguém mais me visse
chorando daquele jeito.

__ Em que posso ajudar, Sr. Elias?

__ Eva, eu acabei de saber que você pretende ir embora amanhã.

__ Sim, é verdade! Mas como o senhor soube disso?

__ Tenho meus informantes.

__ Informantes? Por que o senhor precisaria de informantes a meu respeito?

__ Porque informações sobre você tem me valido ouro, Eva!

“O que ele quis dizer com isso?”

__ Eu não entendo.

__ Bom, vamos deixar de muito papo! Quero que relaxe. Vamos ter que esperar.

__ Esperar? Esperar o quê?

__ Não é 'o quê'. É 'quem'?

__ Olha, se o senhor me der licença, eu preciso terminar de fazer as minhas malas e dormir
cedo. Amanhã será um dia puxado pra mim. Eu pretendo partir nas próximas horas.

__ Já que estamos aqui, por que você e eu não aproveitamos um pouco?

Ele começou a se aproximar de mim. Eu me afastei.


__ O que o senhor pensa que está fazendo?

__ Eu sempre quis lhe dizer isso: você é gostosa demais, Eva! O Baroni estava receoso de que
eu pudesse pegar a fedelha, mas ela é muito criança. Talvez se ela fosse um pouquinho mais
crescidinha, eu até me animasse.

__ Você é louco! Nem vou me dar ao trabalho de chamá-lo mais de 'senhor'. Os seus cabelos
brancos não lhe trouxeram nenhuma sabedoria. Você não merece qualquer respeito, seu velho
pervertido!

__ Você tem uma boca afiada, Eva! - ele sorriu. - Aquele moleque do Baroni vai sofrer muito
quando for para o seu enterro.

__ O que diabos você está falando? Você não me fará nada! As pessoas sabem para onde eu vim.
Se algo acontecer comigo, você estará bem encrencado.

__ Ah, como você é ingênua! - ele veio em minha direção.

__ Fique longe de mim!

Ele me agarrou. Eu tentei empurrá-lo.

__ Fique quietinha ou eu estouro os seus miolos. - ele disse ao apontar uma arma para a minha
cabeça.

“Meu Deus!”

__ O que você quer de mim?

__ Na verdade, eu apenas estou interessado na grana que você me fará ganhar. Eu já coloquei no
bolso uma boa quantia só por ficar de olho em você.

O meu celular tocou dentro da bolsa que eu havia deixando em cima da mesa da sala. Corri para
atender, mas antes de alcança-lo, ele puxou meus cabelos e me agarrou, apontando novamente a arma
em minha direção.

__ Não ouse atender essa coisa!

__ Deixe-me em paz!
__ Como já lhe falei, já que estamos sozinhos aqui, nós devíamos aproveitar um pouco. Sou
velho, mas garanto que ainda continuo um bom garanhão no sexo!

__ Vai sonhando, seu miserável depravado!

Ele me agarrou e me jogou no sofá. Eu gritei.

__ Vamos, querida! Eu quero beijá-la. Você vai gostar!

__ Saia de cima de mim! - eu gritava.

__ O que está acontecendo aqui?

"Ah, meu Deus! Ainda bem que apareceu uma pessoa pra me livrar desse homem asqueroso!"

__ Miguel! Que bom que você veio!

__ Porra, Elias! Eu falei pra não tocar na Eva! Afasta-se dela!

__ É que essa mulher me deixa maluco, Miguel! Eu não resisti!

"O quê? Eu não podia acreditar no que eu estava ouvindo!"

__ Meu Deus! Vocês dois estão juntos nisso? O que você quer de mim?

Ele sorriu.

__ Ah, querida! Eu quero muita coisa de você! Mas bem que poderíamos começar pelo que eu
mais quis nesses últimos tempos: comer você! Tenho certeza de que ainda há tempo de aproveitarmos
bons momentos antes que o Rony e o Isac acabem com a sua raça.

"Eu congelei. Não podia ser! Esses homens iriam ma matar!"

__ Vá para o inferno, seu miserável! Eu prefiro morrer a deixar você tocar em mim!

Ele se aproximou e me bateu forte no rosto.

__ Cuidado com a agressividade, Eva Fonseca!

__ Por que não me mata logo?


__ E acabar com o meu prazer de forma tão rápida? De jeito nenhum!

__ Não importa o que vocês façam comigo, a polícia vai pegá-los! Eu tenho uma pessoa de
confiança de posse do dossiê. Era isso que aqueles idiotas mais quiseram durante todos esses anos,
não era?

__ Nós queremos o dossiê sim, mas fazê-la sofrer e despachá-la desta vida é o mais importante!
Eu esperei muito tempo por este momento!

__ Quem é você, afinal?

__ Quem sou eu? Eu me chamo Miguel Vilhaça!

__ Você é parente do Heitor Vilhaça, da Cosmos Nature?

__ Na verdade, eu sou filho do irmão dele, o Gabriel Vilhaça! O homem que você matou!

__ Você está louco! Eu não matei ninguém!

__ Quando aquilo tudo aconteceu, você tinha 12 anos e eu 10. Nunca nos encontramos antes na
empresa. Eu só comecei a trabalhar com o meu tio Heitor quando completei 17 anos. Ele e o Rony
logo me falaram quem havia assassinado o meu pai.

__ Você passou esse tempo todo fingindo ser outra pessoa. Assim como seu sobrenome, seu
currículo também deve ser falso. Eu aposto!

__ Pode ter certeza! Comecei a ler sobre cavalos dias antes de começar a trabalhar para o seu
amorzinho Lucca. Devo ter feito muita cagada com aqueles bichos.

__ Meu Deus! Como não percebi isso antes? Agora eu vejo tão claramente! Você mal sabia
cuidar de uma simples infecção urinária em um cachorro.

Ele sorriu.

__ Eu nem tinha ideia de que cachorros tinham febre! Mas eu fui um ótimo ator! Eu enrolava
bem o Inácio e o Lucca.

__ Se você queria a mim, por que demorou tanto para me pegar?


__ Porque o Rony precisava muito vê-la antes de eu despachá-la para o inferno. Assim como eu,
ele também queria se vingar do que você fez e ele e ao meu pai. Mas aí ele esteve muito mal nos
últimos meses. Ficou internado e quase morreu. Só que o cara melhorou um pouco e teve alta há dois
dias. Que coisa boa, não é? - ele sorriu. - Ele e o Isac estão vindo da capital. Eles estão em BH
desde ontem e chegarão aqui em poucos minutos.

__ Por que não termina logo com isso e me mata de uma vez?

__ Calma, querida! Pensamos em fazer uma diversãozinha antes de enfiarmos bala na sua
cabeça!

__ Vocês não vão tocar em mim!

__ Pode apostar que iremos sim, não é Elias? Acho que até podemos deixar você participar
também.

__ Vou gostar muito! - Elias respondeu sorrindo.

__ Inclusive, eu já posso começar a fazer um aquecimento agora mesmo com você, Eva!

__ Fique longe de mim! - eu gritei.

Ele se aproximou e me beijou com violência. Eu mordi a língua dele.

__ Sua vaca desgraçada!

Ele me bateu e eu caí no chão, chorando muito.

"Ow, meu Deus, me ajude! Papai! Mamãe! Não deixem que nada aconteça comigo! Por favor!
Por favor!"

__ Você pode chorar e gritar à vontade. O João está na porteira lá fora e ninguém poderá entrar
aqui a não ser os nossos convidados especiais.

__ o João, do haras?

__ Esse mesmo!

__ Esse é o tal informante, não é?


__ Sim! Foi ele quem ligou para mim e para o Elias dizendo que você estava pra deixar a cidade
nas próximas horas. Eu estava descansando numa pousada em Jardim Campo Belo quando ele me
avisou. Vim pra cá o mais rápido que eu pude.

__ Como vocês chegaram até mim?

__ Ow, minha querida! Você não sabe mesmo? Da primeira vez, eu, o meu tio Heitor, o Rony e o
Isac descobrimos que a Eva Martins da famosa banda Sonic Beat era, na verdade, a Eva Fonseca.
Isso foi depois daquela sua entrevista para o Ian Werneck. Você e o Lucca até que ficavam bonitinhos
juntos.

Ele parou de falar para acender um cigarro.

__ Dessa segunda vez, foi através daquele vídeo no You Tube. Ah, que cena comovente aquela
sua declaração de amor para o idiota do Lucca e aquela seu choro na frente do piano. Muito lindo
mesmo. Bom, então foi fácil chegar até aqui. Eu fui no barzinho onde a gravação foi feita e perguntei
se alguém conhecia você. Em menos de duas horas após chegar a este fim de mundo, eu descobri que
você estava aqui na fazenda do Elias.

Ele continuava fumando, tranquilamente, no meio da sala.

__ Também descobri no bar que o Lucca estava procurando um veterinário para morar no haras.
Então, comecei a ler sobre cavalos e sobre os cuidados com equinos. Li muito sobre a raça
Campolina. Fiz um intensivão de veterinária de 5 anos em 5 dias. Consegui documentos e diploma
falsos, e liguei para o Lucca dizendo que eu tinha muito interesse em trabalhar com ele. Disse que
não me importava em dormir no local de trabalho. Ele caiu como um patinho.

__ Oi, Zeca! Por que está me ligando às dez e quinze da noite? Aconteceu alguma coisa?

__ Inácio, eu estou muito preocupado.

__ O que houve?

__ Uma coisa muito estranha está acontecendo na fazenda. Eu acabei de chegar da cidade e fui
entrar pela porteira com a minha moto, aí encontrei o João. Ele disse que eu não poderia entrar
porque o Elias estava dando uma festa privada lá dentro.
__ O que o João está fazendo trabalhando para o Elias num domingo à noite, quando deveria
estar aqui descansando para trabalhar no haras?

__ Eu não sei! Ele disse que tinha ordens expressas para não deixar ninguém entrar e que eu
estava liberado do trabalho amanhã; que eu fosse dormir na cidade. Mas aí um carro preto encostou
perto da gente e ele abriu a cancela.

__ E daí?

__ Eu fiquei desconfiado com aquele papo estranho, mas acabei indo embora. Só que depois de
uns quinze minutos, eu voltei para dizer que eu não tinha como pernoitar em Jardim Campo Belo
porque estava sem dinheiro. O João insistiu afirmando que eu não poderia entrar na fazenda de jeito
nenhum.

__ E a sua esposa?

__ Ela está na casa de mãe, na capital, desde sexta-feira.

__ Certo! Continue.

__ Bom, quando eu já estava saindo de novo com a moto, eu ouvi gritos de uma mulher. Inácio,
eu tenho certeza de que os gritos eram da Dona Eva. Ela estava chorando desesperada. Você tem que
avisar ao seu patrão. Eu liguei para a delegacia, mas não consegui falar com nenhum policial.

__ Meu Deus, Zeca!

__ Inácio! Eu estou muito preocupado.

__ Onde você está agora?

__ Consegui entrar na fazenda pelo outro lado da cerca. Estou indo pegar a minha arma em casa,
mas sozinho eu não posso fazer muita coisa.

__ Obrigado por me avisar! Vou ligar para o Antônio! Estamos indo até aí agora mesmo!

__ Sr. Lucca!

__ Por que você está tão agitado, Inácio?


__ Pelo amor de Deus, nós precisamos salvar a Eva.

__ Como é que é?

__ O Zeca me ligou dizendo que escutou a Eva gritando e chorando na fazenda. Ele disse que viu
uns homens entrando em um carro preto e que ela parecia desesperada. Ela está em perigo!

__ Sinhô Lucca! Inácio! Inda bem que ocês taum aqui.

__ O que houve, Damião?

__ Eu vim rapidin avisá que ocês tem que chamá os bombêro. Vi um fumacê do outro lado do
rio. A casa onde a sinhora Eva mora tá queimando num mundaré de fogo!

Trechos da música “Only Hope” - Mandy Moore


(OBS.: na ficção, composta por Eva Martins)
Capítulo 16

Lucca
Eu ainda estava processando aquelas informações. Olhei assustado para meus amigos. Eles se
levantaram do sofá e vieram pra perto de mim. Fiquei alguns segundos sem reação.

"Não! Não podia ser!"

__ Inácio, vá com o Vinícius e o Giovane para a fazenda com o meu carro. Leve uma arma. Se
preciso for, dispare contra qualquer um que impeça vocês de entrarem. Ah, e ligue para o Antônio
imediatamente. Peça uma viatura e bombeiros.

__ O que você vai fazer, Lucca? - Giovane me perguntou.

__ Eu vou chegar do outro lado através do rio. Vamos, Damião! Você vai comigo!

Saí desesperado. Nem me lembrei de vestir uma camisa. Estava apenas de calça jeans e tênis.
Eu fui até o galpão, tirei o Apolo da baia e o montei. O Damião montou o Cometa.

__ Vamos! Temos que correr! Você tem uma arma em sua casa?

__ Tenho sinsinhô!

__ Vá buscá-la! Pegue também uma lanterna! Encontre-me no rio!

Passamos em disparada com os cavalos. Poucos tempo depois, cheguei perto da minha canoa. A
escuridão da noite me impedia de ver muita coisa. O Damião estava demorando. Fiquei olhando para
o outro lado. O fogo estava tomando parte da casa. Um medo intenso tomou conta de mim. Aquilo não
podia estar acontecendo. Tinha que ser um pesadelo.

O Damião chegou. Ele trouxe a lanterna e a arma. Coloquei o Apolo na Canoa, que apesar de
velha, era bem resistente.

__ Volte e cuide das mulheres e das crianças!

__ Sinsinhô!
Comecei a remar. Meu peito estava disparado. A distância a ser percorrida até a outra margem
do rio parecia maior do que eu imaginava. Após alguns minutos, cheguei ao outro lado. Montei em
meu cavalo e disparei rumo a casa.

__ Antônio, em quanto tempo você acha que os bombeiros chegam à fazenda do Elias?

__ Eu pedi máxima urgência, Inácio! Estou indo pra lá com uma viatura.

__ Ok. Até mais! Já estamos a uns quinhentos metros do local.

Eu me aproximei da casa. Desci do cavalo e corri para a porta de entrada. O fogo estava
tomando conta de toda a parte dos fundos. Eu entrei. Estava difícil respirar e enxergar alguma coisa
lá dentro. Gritei pela Eva. Olhei ao meu redor e não vi ninguém. Tentei me aproximar mais, porém eu
não conseguia avançar além da sala. Não pude chegar aos quartos. Olhei novamente ao meu redor na
esperança de encontrá-la e poder tirá-la dali. Vi o seu violão à minha direta. Eu o peguei, junto com
um velho caderno que estava do lado.

Saí da casa completamente aflito. Observei quando os rapazes chegaram.

__ Ah, meu Deus! - Inácio falou assustado. - O senhor acha que a Eva está lá dentro?

__ Eu tenho que entrar de novo! - falei caminhando em direção a casa.

__ Não, Lucca! Você não pode entrar! - Vinícius me segurou.

Ouvi o barulho de uma viatura da polícia.

__ Solte-me! - gritei chorando, tentando me desvencilhar dele.

__ Não podemos fazer mais nada! - Giovane disse. - Se a Eva estiver lá dentro, já terá sido
tarde demais!

__ Não! Ela não pode ter morrido! - eu chorava.

__ Lucca, os bombeiros estão a caminho e o Delegado já chegou! Tente manter a calma! -


Vinícius continuava me segurando.
__ Quem pode ter feito uma coisa dessas? - Antônio saiu da viatura e se aproximou de nós. -
Vocês estão vendo aqueles toneis de gasolina ali do lado? Esse incêndio foi criminoso.

Eu desisti de tentar entrar na casa e me ajoelhei no chão chorando. Meus olhos ardiam com
tantas lágrimas. Meu peito apertava de tanta angústia e medo

“Não, Eva! Você não está aí dentro! Eu não podia ter falado aquelas palavras tão duras pra
você! Perdoe-me! Eu vou consertar tudo, querida!”

__ Onde ela está, seu traidor covarde? Quem eram aqueles homens?

__ Eu não sei, Sr. Lucca!

__ João, se você cooperar com polícia a coisa pode ficar melhor pra você. O Elias está
envolvido nessa história. Quem mais? Por que eles atiraram em você? - Antônio perguntou.

__ Eu já disse que eu não sei! Eu estava fazendo tudo que eles me pediram.

__ Eles quem?

__ O Sr. Elias e o Miguel.

__ O veterinário? - eu perguntei assustado.

__ Sim.

"Eu não acredito! Eu vou matar aquele desgraçado!”

__ Você os viu sair com a moça? - Antônio o questionou mais uma vez.

__ Eu não pude enxergar quem estava lá dentro! O carro tinha vidros muito escuros. Pouco
depois que o incêndio começou, o carro parou próximo à porteira. Aí um sujeito bem feio veio em
minha direção e me acertou à queima roupa. Depois disso eu apaguei.

__ O que mais você pode dizer para ajudar a polícia? É bom cooperar, João! - Antônio dizia
calmamente.

__ Delegado, eu não sei de muita coisa. Mas eu acho que a moça não saiu da casa.
__ O que você quer dizer com isso? - eu congelei.

__ Eu acho que eles a deixaram lá!

__ Não! Isso não pode ser verdade! - eu coloquei as mãos na cabeça, completamente
desesperado.

__ Calma, Lucca! Ainda não temos certeza de nada! - Antônio falou. - Por que você afirma isso,
João?

__ Quando eu liguei para o Sr. Elias para avisar que eu já tinha deixado o carro preto entrar na
fazenda, eu ouvi ao fundo o Miguel dizendo que a Dona Eva iria morrer naquela noite; que ela iria
queimar junto com aquela casa velha. Foi exatamente isso que eu ouvi!

"Não! Ela não pode estar morta!"

__ Por que eles queriam matá-la?

__ Eu não sei ao certo. Só sei que eles estavam atrás dela há muitos anos.

“Ela falou a verdade quando disse que corria perigo! Como eu pude duvidar disso? Eu a
deixei sozinha e vulnerável! Que tipo de homem duvidaria de uma coisa dessas? Onde eu estava
com a cabeça quando não acreditei nela?”

__ Você acha que pode fazer um retrato falado dos dois sujeitos?

__ Delegado, eu não me lembro bem de um deles. Mas posso citar detalhes sobre a fisionomia
do homem que atirou em mim. Eu jamais vou me esquecer daquele rosto.

Segunda-feira. 15h. Saí do hospital onde o João estava internado e voltei para o haras. O filho
da mãe traidor havia levado dois tiros: um na perna e outro no abdômen. Pelo menos ele tinha
sobrevivido para dar algumas informações importantes.

Ao chegar em casa, despachei a Vanessa de lá e fiquei com meus amigos e com a Júlia na sala,
aguardando notícias. A Bia foi levada para a casa do Inácio e da Beth. Ouvi o barulho de um carro
chegando. Uma pessoa bateu à porta. Fiquei ansioso quando vi que era o Delegado
__ Antônio, e aí? Você tem alguma novidade?

__ Tenho sim, Lucca! - ele falou com a voz embargada.

__ O que foi?

__ Você precisa se sentar.

__ Fala logo, homem!

__ A perícia criminal achou dois corpos carbonizados em um dos quartos. Na verdade, eles
acharam apenas ossos. O fogo não conseguiu ser contido e a casa ficou completamente destruída. O
lugar estava repleto de gasolina por todos os cantos.

__ Nenhum desses corpos é o da Eva! Eu tenho certeza! - eu disse com o meu coração apertado.

__ Temo que um deles seja o corpo da Eva sim, Lucca! Eu sinto muito!

Ouvi a Júlia chorando desesperada.

__ Ela deve ter saído de lá antes do incêndio! - eu falei tentando ser otimista.

__ Isso é muito improvável. De acordo com o depoimento do João e diante dos corpos que
encontramos, não devemos ter esperanças de que ela esteja viva. Precisamos encarar a realidade dos
fatos.

__ Não fala merda, Antônio! A Eva não está morta, porra! - eu voltei a chorar com aflição.

__ Eu sinto muito pela sua perda, meu amigo! A perícia ainda precisa fazer a análise do DNA
dos corpos. Talvez o outro corpo seja do rapaz que está desaparecido: o Zeca.

__ Lucca, você precisa ser forte pela Bia. - Giovane falou.

__ Vá embora, Antônio! Vá atrás de colocar esses assassinos na cadeia. Eu quero ver aqueles
vermes do Miguel e do Elias pagarem por isso! E quero saber quem são os outros homens. Se a
polícia e o Ministério Público não fizerem a sua parte, eu mesmo vou matar esses filhos da puta!

__ Esqueça essa história de vingança! Você tem uma filha pra criar! - Vinícius tentava conter a
minha fúria.

Subi chorando para o meu quarto e me tranquei. Minutos depois, o Inácio soube do acontecido e
veio com um copo de água e comprimidos para dormir.

__ Tome isso, Sr. Lucca!

__ Eu não quero!

__ Por que, Inácio? Por que eles fizeram isso com ela? A Eva era uma moça tão boa; uma mãe
tão amorosa. Ela não merecia ser assassinada de uma maneira tão brutal. Como eu pude ser capaz de
afastá-la da Bia?- eu chorava.

__ Deus sabe de tudo que não conseguimos entender, Sr. Lucca.

__ Nunca mais fale sobre esse Deus perto de mim! Ele não existe! É só uma figura decorativa
que as pessoas criam para justificar suas dores e seus anseios.

__ Não, Sr. Lucca! Não fale assim! Deus existe! Ele é bom e justo! Nós é que não entendemos os
seus desígnios.

__ Esse seu Deus tirou de mim os meus filhos, duas crianças inocentes, e a Eva! Por que eu não
a deixei aqui comigo e com a nossa filha? Eu fui tão duro com ela ao expulsá-la daqui e dizer que ela
estava proibida de voltar. Ela disse que me amava, Inácio! Ela disse que nós devíamos lutar pelo
nosso amor e por nossa família. Ela falou que me amava tantas vezes desde que ela pisou nessas
terras! Por quê? Por que eu a afastei de mim e a deixei sozinha naquela fazenda? - eu chorava
completamente atormentando.

__ Não se culpe mais, Sr. Lucca! O senhor tem que ser forte! Agora descanse um pouco. Tome
dois desses comprimidos. Eles vão ajudá-lo a dormir.

__ Inácio, me faça um favor. Diga ao Vinícius e ao Giovane que voltem para casa com suas
esposas e filhos. Eles ainda estão aqui por pena de mim. Fale o mesmo para o Felipe e para a Júlia.
Eu quero ficar sozinho com a Bia! Outra coisa, não deixe a Vanessa me incomodar.

__ Mas, Sr. Lucca, a moça agora é a sua noiva.

__ Essa foi mais uma das merdas que eu fiz nos últimos meses, Inácio! Eu não a amo!
__ E por que o senhor a pediu em casamento?

__ Porque eu sou um imbecil! Eu queria fazer algo que me ajudasse a tirar a Eva da cabeça. Mas
aí ela partiu para sempre! Eu a perdi, Inácio! - eu não conseguia parar de chorar.

__ Sim! O senhor a perdeu por causa de seu orgulho e de seu rancor. Eu estou destroçado com o
que aconteceu. A Beth está inconsolável. Há escolhas que fazemos na vida que não podem ser
desfeitas, Sr. Lucca. O senhor escolheu afastá-la e agora terá que conviver com as consequências de
sua escolha.

__ Inácio, eu quero que chame de Lucca a partir de agora. Você é o meu amigo; não apenas o
meu empregado. Você tem idade para ser meu pai. Eu é quem deveria chamá-lo de 'senhor'.

__ Você é um bom homem, Lucca! Espero que algum dia consiga se perdoar por tudo que
aconteceu. Eu estou muito triste pela Eva. Eu e a Beth a víamos como a filha que nunca tivemos. Ela
tinha um coração tão bom e uma alma tão pura.

__ Você ouviu a música que ela cantou para mim? A letra dizia que eu era a sua única esperança!
E sabe o que fiz depois que ela terminou de cantar? Eu ignorei todas aquelas palavras tão lindas e
disse que eu não a amava mais e que eu iria me casar com outra mulher. Eu a mandei embora. Eu a
separei da própria filha. Eu disse que a odiava! Por que eu fiz aquilo, Inácio? Eu sou um monstro
desalmado mesmo!

__ Lucca, você não é um monstro! É apenas um homem orgulhoso que, assim como muitos, só dá
valor ao que tem depois que perde. Você precisou perdê-la para entender que o seu amor por ela
sempre foi mais forte do que todo o ressentimento; todo o ódio. - Inácio também chorava. - Mas a
Eva lhe deixou o fruto do amor de vocês! Ela lhe deixou a Bia.

__ Nós não vamos embora com o Lucca nesse estado.

__ Giovane, ele pediu para que vocês fossem. Eu vou levá-los até o aeroporto. Ele precisa ficar
sozinho para passar pelo luto e para ter privacidade com a filha.

__ O Inácio tem razão! Vocês voltam pra casa e eu fico aqui com o Lucca. Eu não vou trabalhar
nos próximos dias.
__ Poxa, Felipe! Eu estou arrasado! Eu fui muito duro com a Eva!

__ Realmente, Vini, você não devia ter dito nada daquilo!

__ Você foi um grande cretino com a minha amiga, Vinícius!

__ Júlia, não chore assim! A Eva iria ficar triste ao vê-la desse jeito.

__ Por que isso aconteceu com uma pessoa tão boa, Felipe? Que morte trágica! Que coisa
horrível fizeram com ela!

__ É verdade! Você vai voltar para BH, Júlia?

__ Vou sim, Felipe! Eu estou sem chão. Preciso de minha cama e de meu cantinho. Meu Deus! Eu
nunca mais verei a minha amiga de novo!

__ Calma, Júlia! Não fique assim! Olha, eu vou guiando seu carro. Você não tem condições de
dirigir desse jeito.

__ Poxa, a Eva cantou aquela música tão linda! O Lucca não podia ter ignorado o que ela fez;
ele não podia ter pedido aquela garota em casamento. Ele é um grande idiota! É isso o que ele é!

__ Eu também não entendo por que ele agiu assim.

__ Naquele momento, eu perguntei o que ela iria fazer e sabe o que ela me respondeu, Felipe?
"Eu vou lutar pelo homem que eu amo!"

__ Não aguento mais ouvir nada disso! É triste demais! Vamos embora!

__ Pois você já vai tarde, Vinícius! A Eva não merecia ser acuada e julgada daquela forma por
você, pelo Giovane, pelo Lucca e pela Vanessa. Ela morreu achando que a filhinha dela não a queria;
ela deve ter sentido muita solidão e abandono. Oh, meu Deus! Que tragédia!

__ Júlia, acalme-se! Se continuar chorando desse jeito, você vai passar mal!

__ Eu já estou passando muito mal, Felipe! Eu perdi uma amiga muito querida. A melhor que eu
podia ter.
Despertei com a cabeça doendo. Fui para o quarto da Bia e não a encontrei. Fiquei tranquilo ao
saber que ela estaria com a Beth. Desci para o piso térreo e não vi ninguém. A casa estava
absolutamente vazia. Na mesa da cozinha, havia um bilhete.

Lucca, fui levar a Júlia para casa e devo ficar com ela por lá. Ela está muito abatida e
precisa de mim. Os rapazes partiram com suas esposas e crianças. A Bia está com a Beth e o
Inácio. Ela ainda não sabe. Que Deus lhe dê forças nesse momento tão difícil. Volto para o haras
assim que você achar que devo. Não quero atrapalhar você. Cuide bem de sua filha, Lucca. A
Eva ficaria feliz ao ver vocês dois juntos. Ela uma vez me disse que você era um grande pai e
falou isso com muito orgulho. Não se culpe mais pelo que foi dito ou feito no domingo. As coisas
são como são! Eu também estou sofrendo e também já chorei muito. Estou chorando agora
escrevendo essas linhas! Conforta-me pensar que ela está em paz! Temos agora que encontrar
a nossa própria paz! Seu amigo, Felipe.

Eu amassei o papel e me sentei no chão da cozinha e, mais uma vez, eu chorei. Isso não podia
estar acontecendo.

"Eva, por favor, me desculpe por tudo! Ow, querida, me perdoe! Eu não pude lhe proteger!"

Após alguns minutos, eu me levantei do chão e corri para o meu quarto. Era lá onde eu havia
deixado o violão dela e o caderno que consegui tirar do incêndio. Eu o abri e comecei a passar as
folhas aleatoriamente. Parei em uma folha onde ela tinha feito a colagem de uma foto nossa. Éramos
eu e ela sorrindo, abraçados. A foto tinha sido tirada no início do nosso namoro. Ela guardou por
todos esses anos.

Continuei mexendo no caderno. Ali eu encontrei letras rabiscadas, acordes de violão e notas de
piano. Eram dezenas de músicas. Li alguns trechos da música que ela cantou, na noite em que eu
cheguei em casa e a flagrei ao piano.

Oh simple thing where have you gone


Oh simplicidade, pra onde ela foi?

I'm getting old and I need something to rely on


Estou ficando velha e preciso de alguma coisa para confiar

So tell me when you're gonna let me in


Então me fale quando você vai me deixar entrar

I'm getting tired and I need somewhere to begin


Estou ficando cansada e preciso de um lugar para começar

And if you have a minute why don't we go


E se você tiver um minuto por que não vamos

Talk about it somewhere only we know?


Conversar sobre isso num lugar que só nós conhecemos?

Meu coração ficou ainda mais apertado. Passei algumas páginas adiante e vi aquela outra
canção que ela havia cantado para mim no bar, naquela maldita noite em que eu a humilhei. A letra
era comovente.

You reflect in this heart of mine


Você reflete neste meu coração

If you ever feel alone and


Se você um dia se sentir sozinho e

The glare makes me hard to find


A luz intensa tornar difícil me encontrar

Just know that I'm always


Saiba apenas que eu estou sempre

Parallel on the other side


Paralelamente do outro lado

Cause with your hand in my hand


Porque com a sua mão na minha mão

And a pocket full of soul


E um bolso cheio de alma

I can tell you there's no place we couldn't go


Posso dizer que não há lugar aonde não podemos ir

I'm lookin' right at the other half of me


Estou olhando bem para a minha outra metade

The vacancy that sat in my heart


O vazio que se instalou em meu coração

Is a space that now you hold


É um espaço que agora você guarda

Show me how to fight for now


Mostre-me como lutar pelo momento do agora

It's kind like you're my mirror


É como se você fosse o meu espelho

My mirror staring back at me


Meu espelho olhando de volta para mim

You reflect me
Você me reflete

I love that about you


Amo isso em você

I couldn't get any bigger


Eu não poderia ficar maior

With anyone else beside me


Com mais ninguém ao meu lado

Yesterday is history
Ontem é história

And tomorrow's a mystery


E amanhã é um mistério

I can see you lookin' back at me


Posso ver você olhando de volta para mim

Baby, keep your eyes on me


Querido, mantenha seus olhos em mim

Não estava mais aguentando folhear aquele caderno. Pensei em fechá-lo, mas antes percebi que
ali ela também escrevia uma espécie de diário. Comecei a ler uma parte.

Ele quebrou o meu violão. Foi muito triste ver aquilo. O violão que o Pierre me deu ficou
despedaçado. Ele me feriu profundamente. Aquilo era a única coisa que havia me restado do
homem que me resgatou, me protegeu e cuidou de mim. O pingente que ele meu deu aos 16 anos
acabou sumindo das minhas coisas. Nunca soube quem o pegou, mas acho que foi a Kate. E
agora, o violão que ganhei dele quando completei 13 anos já não existe mais. Eu nunca senti
tanta raiva do Lucca. Ele tirou de mim um bem de valor inestimável.

Recordei-me da noite em que quebrei o violão dela na árvore. Senti uma pontada forte em meu
coração. Eu a fiz sofrer demais! Ela não merecia. Pulei algumas folhas e continue a ler.

Tenho aprendido que a vida não é mesmo como sonhamos. Nas músicas e nos filmes, tudo
parece tão mágico. Eu acho que nunca encontrarei o ‘meu final feliz’. A Bia acabou de me dizer
pelo chat que o Lucca começou a namorar aquela moça. Ela me disse que ele a pediu em namoro
e que ela ficou radiante. Então, agora eu devo procurar esquecê-lo de uma vez por todas.
Espero que ele seja feliz ao lado dela.

Eu só quero poder estar com a minha filha longe daqui. Tenho que arranjar um jeito de sair
desta cidade. Não me sinto mais segura depois que aquele vídeo se espalhou na internet. Tenho
medo de ser achada. Tenho medo de que a minha filha corra perigo.

Estou com vontade de compor uma última canção para o Lucca. A música sempre foi uma
excelente fuga para os meus problemas. Estou com a melodia na cabeça, mas não posso tocá-la
porque preciso de um piano. Tenho saudades do velho piano que o Alexandre comprou pra mim.
Foi uma pena ter tido que deixá-lo com o Thomas.

Na página seguinte, vi alguns trechos de uma letra rabiscada.

Notice me
Perceba-me

Take my hand
Pegue minha mão

Why are we strangers when


Por que nós somos estranhos quando

Our love is strong?


O nosso amor é tão forte?

Why carry on without me?


Por que continuar sem mim?

I feel so small
Eu me sinto tão pequena
You seem to move on easy
Você parece ter superado rápido

Please forgive me
Por favor, me perdoe

My weakness caused your pain


Minha fraqueza causou seu sofrimento

And this song is my sorry


E essa música é o meu pedido de desculpas

Everytime I try to fly


E toda vez que tento voar

I fall without my wings


Eu caio sem minhas asas

I feel so small
Eu me sinto tão pequena

I guess I need you baby


Eu acho que preciso de você

Li mais adiante e vi quando ela falava sobre solidão.

Tem sido muito difícil viver aqui. Sinto-me muito sozinha. Eu nunca pensei que mesmo
depois de adulta eu pudesse seguir sentindo a falta dos meus pais. Penso neles todos os dias.
Sinto muitas saudades da minha mãe. Perder meus pais ainda tão criança fez de mim uma
criatura solitária e carente. A amizade do Alexandre foi o meu alicerce. Ele foi o melhor amigo
que Deus poderia ter me dado. Mas ele também se foi. Perdi os meus pais, o Pierre, o
Alexandre, o Lucca. Perdi todas as pessoas que eu amei. É por isso que eu não posso perder a
minha filha! Eu não posso! Ela tem que ficar comigo!

Continuei lendo outro trecho, com meus olhos ardendo em lágrimas.

Sinto tanto a sua falta, Alexandre. Você sempre esteve comigo me colocando pra cima.
Você sempre me protegeu. Por que você se foi tão cedo, meu amigo? Saudades eternas.

Abaixo daqueles escritos, vi a letra de uma música que ela havia composto para ele. Li algumas
partes.

It's been a long day, without you my friend


Tem sido um longo dia sem você, meu amigo

And I'll tell you all about it when I see you again
E lhe direi tudo quando o vir de novo

We've come a long way from where we began


Fizemos um longo caminho desde onde começamos

How could we not talk about family


Como não podemos falar sobre família

When family's all that we got?


Quando família é tudo o que nós temos?

Everything I went through


Tudo o que passei

You were standing there by my side


Você esteve ali do meu lado

And what's small turn to a friendship


E o que era pequeno se transformou em uma amizade

A friendship turned into a bond


Uma amizade se transformou num laço

And that bond will never be broken


E esse laço nunca será desatado

The love will never get lost


O amor nunca será perdido

Pensei naquela amizade bonita que a unia ao Alexandre. Ele fez pela Eva o que eu não pude
fazer. Ela depositou em mim suas esperanças. Ela me amou. E a porra do meu orgulho e dos meus
demônios não me permitiram amá-la como ela precisava; como ela merecia. Eu nem mesmo pude
protegê-la. Eu não conseguia parar de chorar. Pulei algumas folhas e li outro desabafo onde ela,
novamente, falava sobre solidão.

Eu não sei mais o que fazer, meu Deus! Estou com tanta saudade da minha filha! Eu sei o
quanto ela passou a ser importante para o pai, mas eu preciso da Bia tanto quanto o Lucca. Eu
não tenho mais ninguém! Eu estou sozinha no mundo! Ele me culpa pela morte dos filhinhos
dele, mas o senhor sabe que eu não tive nenhuma culpa. Estou tão perdida e tão sem
esperanças! Será que eu seguirei amando um homem que me odeia? Será que terei que ficar
sem a minha filha?

Virei a página e vi a letra de uma música muito bonita.

After all that I've been through


Depois de tudo que passei

Who on earth can I turn to?


A quem posso me voltar?

After all my strength is gone


Depois que toda a minha força se foi

In you I can be strong


Em você posso ser forte

And when melodies are gone


E quando as melodias se foram

In you I hear a song I look to you


Em você ouço uma canção, eu olho você

And every road that I've taken


E cada caminho que tomei

Led to my regret
Levou-me ao arrependimento
My love is all broken
Meu amor foi todo destruído

My walls have come tumbling down on me


As minhas paredes caíram sobre mim

Take me far away from the battle


Leve-me para longe da batalha

Fechei o caderno. Não dava mais para continuar lendo aquilo tudo. Minhas lágrimas tomaram
conta de mim. Tomei mais dois remédios para dormir. Eu queria morrer. Se não fosse pela Bia, não
havia mais nenhum propósito para eu estar vivo. Deitei novamente a adormeci.

"Eva!”

Acordei aflito. Estava tendo um pesadelo onde eu a via chorando assustada e chamando o meu
nome. Senti uma mão em meu rosto. Logo pude perceber que a minha garotinha estava do meu lado.

__ Oi, princesa? Onde está a Beth?

"Papai, eu não quero mais ficar com a tia Beth! Ela fica chorando o tempo todo! Acho que a
mamãe foi embora da fazenda e ela não se conforma! Eu também estou muito triste! Eu deveria ter
ido com ela! Estou com saudades da mamãe!"

__ Filha, eu preciso conversar com você.

"Eu vou pegar o telefone pra gente falar pelo chat, ok”

__ Bia! Aonde você vai?

Ela voltou com o smartphone que eu havia lhe dado de aniversário. Ela começou a digitar o que
queria dizer e eu ia respondendo.

Papai, eu acho que eu quero ir morar com a mamãe. Ela saiu tão triste daqui quando eu
disse que ia ficar com você. Acho que ela precisa de mim. Eu posso morar com ela? Eu venho lhe
ver de vez em quando e você vai me ver também.

__ Meu anjo, você e eu precisamos falar sobre algo muito importante.

O que foi? A mamãe foi morar longe? É por isso que tá todo mundo triste, não é? Poxa, eu
já estou com tantas saudades dela!

Eu lia aquelas palavras e meu coração se apertava ainda mais. Parecia que eu iria parar de
respirar. Como eu falaria uma coisa dessas para um menina de 8 anos?

__ Você sabe que sua mãe sempre vai amar você, não sabe?

Eu falei alisando os cabelos dela que caiam sobre meu peito, enquanto ela mexia seus pequenos
dedinhos na tela do celular, mostrando-me o que escreveu.
Eu sei sim! Amor de mãe não acaba nunca! É eterno!

__ É, princesa! Amor de mãe nunca acaba!

O que é que você queria me falar de tão importante, papai?

__ Filha, você acredita em Deus ou que as pessoas vão para o céu?

Eu não sei bem se acredito em Deus, papai! Penso muito nisso. A mamãe diz que Ele existe
sim; que Ele é uma força superior que comenda tudo. Ela diz que Deus está na natureza e está
dentro de cada um de nós também; e que precisamos nos conhecer para poder conhecê-lo. E ela
sempre diz que Deus é AMOR.

__ E para onde você acha que as pessoas vão quando morrem? Para onde o Alexandre foi
quando partiu desta vida? Você acha que um dia irá vê-lo novamente?

Eu já li dezenas de livros sobre morte; sobre Deus; sobre religiões. Não cheguei a nenhuma
conclusão sobre isso, papai, mas quero acreditar que um dia eu vou ver o meu outro pai de novo
em uma espécie de céu, sei lá!

__ Bia, você se recorda da música que eu toquei no violão? Você se lembra de que eu citei dois
nomes antes de começar a cantar?

Lembro sim, papai! Você falou que a música era para o Benny e para a Bianca. Quem são
eles, papai? Fiquei curiosa!

__ Quando sua mãe foi embora para a Austrália, eu fiquei muito triste pela ausência dela e
algum tempo depois eu me casei com uma mulher chamada Lorena. Com ela, eu tive dois filhos. Eles
eram gêmeos e se chamavam Benício e Bianca.

Você teve outros filhos? E onde eles estão?

__ Eles morreram quando tinham 3 anos.

Que coisa triste! Crianças não deveriam morrer! Você se lembra deles o tempo todo?

__ Penso neles todos os dias, meu bem!

Você acha que eles estão no céu? Por isso a letra da sua música falava sobre o 'paraíso',
não é?

__ É! Eu acho que pessoas boas vão para o céu! Acho que eles estão em um lugar muito bonito.
Quem sabe o Alexandre esteja lá também!

Eu não sei rezar! A mamãe sempre me ensinou, mas eu achava estranho. Não sentia que
rezava com o meu coração porque eu sempre duvidei da existência de Deus. Mas hoje eu vou
rezar pelo meu pai e pelos seus filhinhos, está bem? Se Deus existe mesmo, Ele vai me ouvir.

__ Filha, você poderia rezar por sua mãe também?

Por que, papai? É porque ela está triste com nós dois, não é? Você falou palavras muito
duras e eu não quis ir embora com ela.

__ Bia, a sua mãe agora também está no céu com os meus meninos e com o Alexandre. Ela teve
que partir, querida!

O que o senhor está falando?

__ Meu anjo, sua mãe sofreu um acidente e faleceu. Eu e você precisamos ser fortes!

Ela largou o telefone sobre a cama e começou a gritar.

__ Querida, eu ainda estou aqui! Nós temos um ao outro! Sua mãe está olhando por nós! Fique
calma! Por favor!

"Não! Ela não pode ter me deixado igual ao meu pai fez comigo!”

__ Bia, deixe o papai lhe abraçar! Eu também preciso de você, meu anjo! Também estou
sentindo meu coração destroçado de tanta saudade da sua mãe!

"Eu odeio você! Você a expulsou daqui! Você a trocou por aquela mulher chata! Ela saiu
chorando! Você disse que não a amava mais! Eu ouvi! Mas ela amava você ‘como homem’. Ela me
falou!"

__ Filha! - eu estava arrasado ao vê-la daquele jeito. - Deixe-me abraçá-la!

Ela continuava esperneando e gritando.


__ Bia, eu sei o quanto seu coraçãozinho está doendo. Eu perdi os meus filhos! Você perdeu a
sua mãe e o Alexandre! Mas nós ainda continuamos vivos e temos que seguir em frente. Nós só
precisamos um do outro!

Ela continuava numa crise histérica. Eu não conseguia mais conter a minha agonia ao ver aquilo.
Deixei minha filha sentindo sua dor em cima da cama e caí no chão perdido em minhas próprias
lágrimas. Não consegui ajudá-la porque eu mesmo estava completamente destruído.

__ Eu preciso de você, filha... me ajude... me ajude!

Ela não parava de gritar, chorar e de mexer suas perninhas.

__ Eu amava a sua mãe! Eu a amava muito! Mas eu a magoei e a afastei de mim. Eu não mereço
estar vivo! Eu é quem deveria ter morrido!

Eu chorava. Ela chorava. Ficamos assim por um bom tempo.

A Bia foi se acalmando sozinha e sentou-se na cama com o rosto vermelho e os olhinhos ainda
cheios de lágrimas. Ela ficou me observando soluçar de tanto desespero.

__ Eu daria tudo para tê-la de volta, querida! Eu daria minha vida para que vocês duas
pudessem ficar juntas novamente! Se quer saber, eu não acredito em Deus! Ele tirou de mim os meus
filhos e nos levou a Eva! Eu não sei o que faço, Bia! Por favor, me ajude! Você agora deve me odiar
pelo que eu fiz, não é? Eu sou um merda mesmo! Eu deveria ter ficado com a sua mãe, mas meu
orgulho estúpido e meus ressentimentos não me deixaram amá-la.

"Papai, não chore mais!"

__ Por favor, filha, me perdoe! Eu não pude proteger a sua mãe e agora ela se foi! Você nunca
me amou porque sempre teve o Alexandre. Você nunca disse que me amava! Eu acho que você não
me ama! Você é a minha família! Você é tudo que eu tenho! Eu te amo muito, querida! Amor de pai
também não acaba nunca! Por que você não me ama?

"Eu te amo sim, papai!”

Eu continuava no chão, encostado à parede, e minhas lágrimas jorravam sem cessar. Estava
vivenciando uma dor tão intensa que me fazia querer desistir da vida, mais uma vez.
__ Cante para mim!

Trechos das músicas:


(OBS.: na ficção, compostas por Eva Martins)

“Somewhere Only We know” - Keane


“Mirros” - Justin Timberlake
“Everytime” - Britney Spears
“See You Again” - Wiz Khalifa feat Charlie Puth
“I Look To You” - Whitney Houston
Capítulo 17

Lucca
... __ Cante para mim!

Levantei meu rosto sem acreditar no que estava ouvindo. Fitei minha filha por alguns instantes e
a vi com os olhinhos embaçados de lágrimas.

__ Filha!

__ Cante uma música para mim, papai!

__ Bia, você está falando! Meu Deus, sua voz é tão linda! Tão linda!

__ A mamãe cantava para mim quando eu estava triste!

Eu a puxei para o meu colo e continuei chorando agarrado a ela.

__ Eu canto sim, meu anjo!

__ Papai, estou sentindo muita dor! Meu coração está espremido e dando umas pontadas.

__ O meu coração também dói, querida! Eu queria muito ver a sua mãe agora. Eu daria tudo para
tê-la aqui com a gente!

__ A mamãe amava o meu outro pai como 'amigo', mas amava você 'como homem', sabia? Ela
me disse isso.

"Ow, Eva! Por que eu não deixei meu orgulho de lado? Por que eu não a amei e não a protegi,
querida?"

Eu chorava.

__ Papai, será mesmo que Deus existe? As pessoas boas que vão embora desta vida precisam de
um lugar bonito para ficar e de um pai amoroso para cuidar delas, assim como você cuida de mim.

__ Talvez Ele exista, meu bem! Sua mãe acreditava muito em Deus!
__ Hoje eu vou rezar para a mamãe e o meu pai Alexandre cuidarem do Benny e da Bianca pra
você. Eu quero muito que todos eles estejam em paz!

__ Eles estão em paz sim, querida! E a sua mãe sempre estará com você nos seus sonhos e aqui
em seu coração.

Eu não conseguia parar de chorar por um só instante. Ela estava falando. Voltei a abraçá-la e
aninhá-la em meu colo. Se pudesse, eu nunca mais a deixaria sair de meus braços e de minha
proteção.

__ Papai.

__ Diga, meu bem. Ah, como é bom ouvir a sua voz!

__ Eu te amo! Você é um bom pai!

"Minha garotinha me ama! Ela me ama!"

__ Será que meu peito vai parar de doer como está doendo agora, papai? - sentia suas lágrimas
molharem meus braços.

Eu não sabia o que dizer. Levantei-me do chão, coloquei minha pequena no colo, peguei o
caderno da Eva e desci até a sala. Sentei-me ao piano com a Bia ao meu lado e comecei a mexer nas
teclas, ainda meio sem jeito. Enxuguei minhas lágrimas com a camisa. Meus dedos começaram a ficar
mais ágeis assim que li a letra e as notas que a Eva escreveu no caderno. Naquele momento, fiz uma
prece silenciosa. Eu era um ateísta convicto, desde que os meus filhos foram mortos.

"Se existe algum Deus nesse Universo, me ajude a consolar a minha filha! Tire de nossos
corações essa dor excruciante que nos aflige e acalme nossos espíritos! Ajude-nos, por favor! Eva,
me ajude a conseguir cantar para a nossa menina! Eu te amo, querida! É tarde demais para lhe
dizer isso agora, mas eu só queria que você soubesse que eu sempre a amei! Eu não entendo por
que não ouvi o meu coração como você me pediu! Eu não sei por que não consegui dizer que a
amava!”

__ Meu anjo, sua mãe escreveu esta música. Eu gostaria de cantá-la pra você.

Eu comecei. Aquela letra tão linda me comoveu desde a primeira vez em que a vi, enquanto
mexia no caderno dela poucas horas atrás. A Eva devia ter escrito aquela canção para num momento
de desespero e fraqueza. Eu estava tão obcecado em minha autopiedade e em minhas mágoas que eu
nunca pude perceber que o coração dela também gritava de dor. Lágrimas voltaram a cair de meus
olhos.

As I lay me down
Ao me deitar

Heaven hear me now


O céu me ouve agora

I'm lost without a cause


Estou perdido sem uma causa

After giving it my all


Depois de me dar por inteiro

Winter storms have come


As tempestades de inverno vieram

And darkened my sun


E escureceram meu sol

After all that I've been through


Depois de tudo que passei

Who on earth can I turn to?


A quem posso me voltar?

After all my strength is gone


Depois que toda a minha força se foi

In you I can be strong


Em você posso ser forte

And when melodies are gone


E quando as melodias se foram

In you I hear a song


Em você ouço uma canção

And every road that I've taken


E cada caminho que tomei

Led to my regret
Levou-me ao arrependimento

Nothing to do but lift my head


Não há nada a fazer senão levantar minha cabeça

I look to you
Eu olho para você

My love is all broken


Meu amor foi todo destruído

My walls have come tumbling down on me


As minhas paredes caíram sobre mim

The rain is falling


A chuva está caindo

Defeat is calling
A derrota está chamando

I need you to set me free


Preciso de você para me libertar

Take me far away from the battle


Leve-me para longe da batalha

I need you to shine on me


Preciso de você para brilhar sobre mim

I look to you
Eu olho para você

After all my strength is gone


Depois que toda a minha força se foi

In you I can be strong


Em você posso ser forte

I look to you
Eu olho para você

Eu terminei de tocar e olhei para a minha filha. Ela me abraçou chorando.


__ A mamãe fez uma música para Deus, papai! É tão bonita!

__ Filha, se houver mesmo um Deus, Ele nos dará a força de que precisamos para arrancar toda
essa dor que estamos sentindo agora. Vamos fazer um trato, ok? Eu cuido de você e você cuida de
mim! Nós vamos conseguir juntos, querida!

__ Está bem, papai! Eu cuido de você! - ela enxugava suas lágrimas com os olhinhos irritados
de sono.

Peguei a Bia em meu colo novamente e fomos para o meu quarto. Deitei ao lado dela e a puxei
para perto de mim.

__ Papai.

__ Diga, filha.

__ Eu não gosto de falar. Eu queria saber se você iria me amar menos se eu não falasse mais.

__ Nada seria capaz de me fazer amá-la menos, querida!

__ A mamãe me disse exatamente isso há poucos dias.

__ Você se lembra de outra coisa importante que a sua mãe lhe disse?

__ O quê?

__ Que você só precisa ser quem é! Você não precisa mudar para agradar ninguém. As pessoas
devem amá-la exatamente do jeito que é.

__ Sabe de uma coisa, papai? Eu gosto de ser Aspie! Eu gosto de ser quem eu sou. Sei que sou
diferente, mas eu gosto disso.

__ Que bom, querida! Eu também gosto disso. Eu a amo do jeitinho que você é!

__ Você acha que a mamãe ficou com raiva de mim quando eu disse que não queria deixar de
morar aqui?

__ Tenho certeza de que ela jamais sentiu raiva de você. Ela nunca deixou de amá-la por
qualquer coisa que tenha feito, dito ou deixado de dizer.
__ Porque amor de mãe não acaba nunca, não é papai?

__ É, querida! O amor verdadeiro não acaba nunca! Amor de pais, filhos, amigos, casais. Todo
amor genuíno permanece para sempre.

__ A mamãe amava muito você! Ela me disse isso.

Meu peito apertou forte como se fosse explodir.

__ Sim, querida, ela me amava. Mas eu fui um homem tolo e vaidoso demais para agarrar esse
amor pra mim. E agora, filha, eu terei que conviver com esse arrependimento pelo resto dos meus
dias. Durma, meu anjo! Eu estou aqui com você.

"Lucca! Não desista de mim! Não desista do nosso amor!"

"Nunca, querida! Nunca desistiria de você ou de nós!

"Por favor, me ajude!"

"Eva! Eva!"

Acordei de um sonho com o meu celular tocando. Era 5h40 da manhã.

__ Oi, Antônio.

__ Lucca, aconteceu uma reviravolta no caso. Um dos empregados da fazenda achou o Zeca
baleado no meio do mato agora há pouco. Ele foi socorrido com vida, mesmo depois desse tempo
todo.

__ Como ele está?

__ Ele acabou de ser levado para o bloco cirúrgico. Eu estou aqui no hospital. Tentei falar com
você mais cedo, mas seu celular descarregou.

__ Você falou com ele? O que ele disse?

__ A moça foi levada pelos homens, meu amigo! Eles não a deixaram na casa.
__ Fique quietinha, querida! Vou precisar resolver uma coisa muito importante. Estou levando
você para a casa da sua tia Beth, ok? - eu falava com a minha filha nos braços.

__ Tá, papai! Você volta mesmo, não é?

__ Claro que volto, anjinho! Durma mais um pouco. Ainda está muito cedo.

Deixei a Bia no colo do Inácio. Ela tinha adormecido novamente.

__ Cuide da Bia até eu voltar! - eu falava baixinho.

__ Para onde você vai tão cedo, Lucca?

__ Vou me agarrar a uma esperança, meu amigo! Ah Inácio, aconteceu uma coisa surpreendente
ontem à noite!

__ O que foi?

__ A Bia falou comigo! A voz dela é tão doce.

__ Meu Deus! Eu não acredito!

__ Pois acredite! Tenha cuidado para ela não saber sobre o incêndio. E não a pressionem para
que ela fale. Vamos precisar ser pacientes e esperarmos o tempo dela.

"Você está viva, Eva! Eu vou achá-la! Eu juro que vou achar você, querida! Aguente firme!"

Cheguei ao hospital em Belo Horizonte.

__ Ele já foi operado. Tudo parece ter corrido bem.

__ Como ele foi ferido, Antônio?

__ O Zeca também levou dois tiros. Um, atingiu o quadril; o outro, acertou o abdômen de
raspão. Foi um milagre ele ter suportado tanto tempo sem socorro médico.

__ O que ele falou com você exatamente?

__ Ele foi encontrado ainda consciente. Assim que eu o vi, na ambulância, eu o questionei sobre
e Eva e ele me disse que entrou na fazenda, escondido, para socorrê-la. Ele invandiu a casa assim
que escutou os homens dizendo que iriam estuprá-la.

“Obrigado, Zeca! Obrigado!”

__ Ele falou mais alguma coisa importante?

__ Lucca, eu sinto lhe dizer que a Eva estava sendo torturada. Ele falou que a moça estava com a
perna sangrando e com o rosto muito machucado.

__ Eu vou matar esses filhos da puta, Antônio! - eu me desesperei.

__ Quando ele entrou, houve uma troca de tiros. Ele acertou um dos homens. Assim que foi
baleado, ele saiu de lá e se escondeu. Ele viu um dos homens colocando fogo na casa e viu o Miguel
saindo com a moça ferida nos braços.

__ Nós temos que achá-la logo! Como estão as buscas pelos desgraçados?

__ O João já fez o retrato falado do homem que atirou nele. O cerco está se fechando pra eles.
Esses idiotas ainda não imaginam que deixaram duas testemunhas vivas! Eles atiram mal pra caralho!

__ Vou indo! Preciso falar com uma pessoa. Deixe-me informado sobre tudo, por favor!

Deixei o hospital e fui visitar a Júlia. Liguei para o Felipe. Ele ainda estava com ela.

__ Entre! Fique à vontade. - Júlia falou com o rosto abatido.

__ Como você está, Lucca? - Felipe me questionou. - A Bia já sabe sobre a mãe?

__ Sim! Eu contei pra ela ontem.

__ Oh, meu Deus! Pobrezinha da menina! - Júlia disse emocionada.

__ Tem uma coisa que vocês precisam saber. Há uma grande chance de a Eva estar viva!

__ Como assim? - Júlia se assustou.

__ O Zeca foi achado com vida. Ele disse que a Eva foi levada dali; que ela não ficou na casa
durante o incêndio.

__ E de quem são os corpos? - Felipe parecia confuso.

__ Ainda não sabemos exatamente.

__ Se isso for verdade, onde será que a minha amiga está?

__ É isso que precisamos descobrir, Júlia! Eu vim até aqui para saber se a Eva lhe falou se
corria perigo de morte ou quem eram esses homens que a procuravam.

__ Ela nunca me falou nada sobre isso!

__ Por favor, procure se lembrar! É muito importante! Ela tentou me dizer que fugiu do Rio para
salvar a própria vida.

__ E você, Lucca, não teve nenhuma sensibilidade para acreditar nela, não é mesmo? Ela falou
essas coisas só pra você. E o que você fez? Nada! Aliás, você só fez julgá-la o tempo todo e afastá-
la da filha. O que quer que tenha acontecido com a Eva é culpa sua! Foi a sua negligência que a
colocou em perigo.

__ Você tem razão, Júlia! Eu assumo toda a responsabilidade. Eu preciso salvá-la! Por favor, me
ajude! Ela deve ter comentado alguma coisa pra você; algo que possa nos dar alguma pista de quem
são esses miseráveis que estão com ela.

__ É, querida, tente se lembrar! - Felipe se aproximou e segurou suas mãos.

__ As únicas coisas de que me lembro, Lucca, foram das vezes em que a minha amiga me ligou
da fazenda dizendo que estava se sentindo sozinha. A Eva sempre me disse o quanto amava você; o
quanto queria estar ao seu lado! A minha amiga não merecia ter sofrido tanto! - ela chorava.

“Ow, querida... me desculpe por tudo!”

__ Júlia, eu sinto muito! Se você quiser saber o porquê de eu ter sido tão duro com a Eva, o
Felipe poderá lhe explicar depois que eu for embora. Eu não estou dizendo que não tive culpa; só
estou dizendo que tudo que fiz foi porque eu tenho sido um homem muito amargurado nesses últimos
anos de minha vida.

Eu respirei fundo e continuei a falar.


__ Eu sinto que ela está viva! Eu vou trazer a Eva de volta! Eu prometo! Se for de meu
merecimento, ela irá me perdoar algum dia.

__ Obrigado por ter nos dado essa notícia, Lucca! Eu ia partir para o Rio amanhã. Queria levar
a Júlia comigo pra ela mudar de ares, mas depois do que você disse acho bom continuarmos aqui.

__ Ah, tem outra coisa que vocês também precisam saber: o Miguel é um dos responsáveis pelo
sequestro da Eva.

__ O veterinário? - Júlia me olhou perplexa, ainda emocionada. - Meu Deus!

__ Júlia, me ligue caso você se lembre de alguma coisa, ok?

Voltei para Jardim Campo Belo. Não podia permanecer muito tempo longe de minha filha. Ao
chegar, procurei pela Bia e a encontrei na baia do Adonis, sentada perto dele e da Luna. Fiquei
apreensivo sem saber se a minha filha voltaria a falar ou se iria preferir ficar no mundinho dela.

__ O que faz aqui, filha?

__ O Adonis é mesmo meu?

__ É sim! - senti um grande alívio ao ouvir sua voz.

__ Eu gosto muito dos animais, mas eu não quero ser veterinária como a mamãe.

__ Você quer ser uma escritora, não é?

__ Eu ainda não sei!

__ Que tal eu e você darmos uma volta no Apolo?

Ela concordou. O sol estava forte. Coloquei um boné na cabeça da minha garotinha e saímos os
dois passeando pelo haras. Deixei que ela guiasse o cavalo. Não quis passar perto do Rio, pois tive
receio de que ela olhasse para o outro lado e visse a casa onde a mãe vivia completamente arruinada.
O velho casebre veio abaixo com o fogo, graças ao atrasado da equipe de bombeiros.

__ Papai, antes de você me falar sobre a mamãe, eu tive um sonho com ela quando estava
dormindo na casa da tia Beth.
__ Fale-me sobre esse sonho, querida.

__ Eu sonhei com a mamãe dizendo pra mim que eu deveria cuidar de você e falar com você.
Ela e eu estávamos sentadas perto do lago e ela dizia: "Cuide de seu pai, filha! Ele ama muito você e
ficaria feliz se ouvisse a sua voz. Você promete que vai fazê-lo ouvir a sua voz?". Eu prometi e logo
depois eu acordei.

__ Foi um sonho muito bonito, princesa!

__ Você amava mesmo a mamãe?

__ Eu amo muito a sua mãe, Bia! Ela é a única mulher que eu continuarei amando pelo resto de
minha vida!

__ Então, você não vai mais se casar com a Vanessa?

__ Não! De jeito nenhum! Seremos só eu e você agora!

__ Papai, acho que eu nunca vou me apaixonar e me casar!

__ Por que você diz isso, meu anjo?

__ Porque eu sou uma garota esquisita. Eu acho que nenhum rapaz vai gostar de namorar
uma Aspie.

__ É justamente por você ser Asperger que os rapazes vão ficar muito interessados em namorá-
la. Mas você só poderá namorar depois dos 20 anos, estamos entendidos mocinha? -eu disse sem
querer pensar na minha filha saindo com um marmanjo.

Ela continuava segurando as redás do Apolo. O calor aumentou e resolvemos parar embaixo de
uma grande árvore perto da entrada do haras.

__ Filha, não importa que profissão você escolha seguir. Só quero que você saiba que tudo isso
que está vendo agora é seu! Todas essas terras lhe pertencem. Seu registro já foi modificado há
alguns dias e desde então você é, oficialmente, a minha herdeira.

__ Tudo isso aqui é meu?

__ É sim!
__ E se eu quiser ser uma astronauta?

__ Aí, quando eu morrer, você vende tudo isso aqui e compra um terreno em Marte.

Ela calou-se. Acho que a Bia ficou imaginando como seria sua vida fora do planeta Terra.

__ Ah, filha, eu adoro poder conversar com você!

__ Eu não gosto de falar. Eu não falei hoje com o tio Inácio e com a tia Beth.

__ E por que você fala comigo, meu anjo?

__ É que eu prometi à mamãe.

“Muito obrigado, Eva!”

__ Que bom, querida! Fale comigo sempre que quiser e continue escrevendo seu diário. É
importante você ir registrando no computador o que você sente aqui dentro. - eu coloquei minha mão
em seu peito.

Após o almoço, deixei a Bia lendo no quarto. Eu fiquei pensando qual seria o momento em que a
minha filha iria sucumbir à dor da perda da mãe. Por enquanto, ela estava sendo forte. Não quis dar a
ela nenhuma esperança de que a Eva pudesse estar viva. Ela sofreria muito mais com a ansiedade e
com uma possível frustração, caso as coisas não saíssem como o esperado.

Eu estava muito aflito pensando em como a Eva estaria. Pensar nela sendo torturada e ferida
estava me levando à loucura. Eu só fazia rezar o tempo todo. Eu era o ateu que mais rezava no
mundo. No meu íntimo, eu esperava por um milagre; eu esperava que Deus existisse mesmo e que Ele
a estivesse protegendo.

__ Alô.

__ Lucca, a Júlia se lembrou de algo importante. Estamos a caminho do haras. Não saia daí.
Chame o Delegado!

__ O que foi, Felipe? Fala logo.


__ Chegamos em quarenta minutos. Só podemos falar pessoalmente.

Liguei, imediatamente, para o Antônio. Assim que ele chegou, ficamos no terraço de casa
conversando. Deixei a Bia com a Beth e o Inácio.

__ Você acha que ela ainda está viva?

__ Eu não sei, meu amigo, mas pode ter certeza de uma coisa: nós vamos pegá-los! Se eles
conseguiram sair de Minas, serão reconhecidos em algum outro lugar. Os desgraçados estão sendo
procurados por duas tentativas de homicídio e sequestro. Os retratos falados já foram enviados para
todas as unidades da Polícia Civil do país.

Minutos depois, vimos o Felipe estacionando o carro da Júlia. Eles vieram correndo em nossa
direção.

__ Lucca! Antônio! A Eva entregou esse pacote para a Júlia no ano passado, assim que chegou
ao Brasil e foi morar com ela. Vocês precisam ler isso!

__ Eu juro que eu não me lembrava, Lucca! Ela me pediu para guardar isso com cuidado e não
tocou mais no assunto. Um dia, ela me ligou bastante nervosa e perguntou se eu continuava guardando
o pacote. Isso foi logo depois que ela começou a trabalhar na fazenda. Ela disse que eu jamais
deveria abri-lo enquanto ela estivesse viva. Ela foi bem enfática quando falou que eu só abrisse se
algo acontecesse com ela; se ela morresse. Eu perguntei o porquê daquilo e ela disse que se tratava
de uma espécie de testamento; de coisas que ela gostaria que eu fizesse caso ela viesse a falecer. Ele
me fez jurar que eu jamais abriria se não fosse nesses termos.

__ Continue, Júlia. - eu falei agoniado.

__ Quando você saiu lá de casa hoje de manhã, eu fiquei tentando puxar pela memória se ela
havia me falado algo sobre estar correndo perigo, mas eu continuava sem me lembrar de nada. Então,
agora há pouco, me veio à minha mente a história toda.

Eu olhei para as mãos da Júlia e vi um envelope branco, de plástico, cheio de documentos.

__ Estava lacrado até uma hora atrás, Lucca! Leia o que tem escrito na primeira folha. - ela
falava emocionada.

Eu me afastei de todos e me sentei numa das cadeiras do terraço. Comecei a ler.


Júlia:

Foi muito bom ter tido a oportunidade de reencontrá-la através da internet. Sua amizade,
mesmo que virtual, significou muito pra mim nesses últimos meses. Quando tive que deixar São
Paulo, nem pude me despedir da minha amiga de infância tão querida. Sempre lamentei por isso.
Depois que o Alexandre faleceu, eu não pensei duas vezes em ir vê-la pessoalmente. Obrigada
por ter nos recebido em seu apartamento. Minha gratidão será eterna!

Se você abriu este envelope é porque eu não devo estar mais neste plano espiritual.
Durante algum tempo eu fiquei de posse deste dossiê. Quando completei 15 anos, eu o entreguei
para o meu melhor amigo guardar para mim. O Alexandre fez isso durante todos esses anos.

Demorei muito para conseguir achar o esconderijo desses documentos depois que ele se foi.
Já que resolvi voltar aqui para o Brasil e não tenho mais ninguém de confiança que não você, eu
gostaria que os guardasse com cuidado.

Existem pessoas perigosas que procuram por mim e por este envelope desde que eu tinha
12 anos. Essas pessoas matariam qualquer um que estivesse à sua frente para recuperá-lo.

Depois que eu fiz sucesso com a Sonic Beat e apareci num programa de muita visibilidade,
eles me acharam. Eles viram que a Eva Martins era a menina Eva Fonseca já crescida. Foi por
isso que eu tive que deixar o Rio para morar em Sidney, com o Alexandre e o Thomas.

Se algo aconteceu comigo, o culpado deve ter sido um homem chamado Heitor Vilhaça, da
indústria Cosmos Nature. Ele e seus capangas, Rony e Isac, sempre quiseram calar a
testemunha de três assassinatos e resgatar este dossiê. Faça o possível para colocá-los na
cadeia. Esses miseráveis assassinaram os meus pais, Júlia!

Eu vi o papai e a mamãe morrerem em minha frente! Nunca tive coragem de correr atrás
de justiça, mas agora chegou o momento desses monstros pagarem por tudo que fizeram.

Quando essa tragédia aconteceu, eu fugi do Brasil ajudada por um homem chamado Pierre
Goulet. Ele foi como um pai para mim. Eu nunca contei a ele sobre a existência desse envelope.
Só consegui contar para o Alexandre. Meu amigo tentou me convencer de que eu deveria
"colocar a merda toda no ventilador", como ele mesmo gostava de falar. Nunca fiz isso por
medo. O medo foi o sentimento que regeu toda a minha vida, desde que eu perdi meus pais.
Resolvi voltar ao Brasil mesmo sabendo dos riscos. Algo dentro de mim me impeliu a voltar.
Eu segui o meu coração. Se essa decisão tirou a minha vida, preciso que você faça justiça por
mim e que cuide de minha filha.

Mantenha a Ana Beatriz em segurança, por tudo quanto é mais sagrado! Essa garotinha tão
especial é fruto de um relacionamento que eu tive com o único homem que eu amei na vida.
Gostaria que você a levasse para conhecer o pai. Ele se chama Lucca Bianco Baroni. Nós
tocamos juntos na banda. Será fácil achá-lo.

A Bia não sabe sobre a existência dele. Eu a criei fazendo-a crer que o pai dela era o
Alexandre. Talvez você possa consertar o meu erro. Obrigada por tudo, querida! Eu conto com
você, minha amiga!

Com carinho, Eva Martins Fonseca.

P.S.: Lucca, cuide de nossa filha! Sinto muito por tê-la escondido do verdadeiro pai e por tê-
lo deixado daquela forma. O meu amor por você nunca morreu em meu coração. Desculpe por
não ter tido a força e a coragem necessárias para enfrentar meus medos e para lhe falar toda a
verdade sobre o meu passado. Sempre rezei por você e sempre torci por seu sucesso. Tenho
esperança de que você e a nossa garotinha ainda possam ser felizes juntos. Eu o amei todos os
dias, querido! A minha promessa nunca foi quebrada! Espero que algum dia você possa me
perdoar.

Eu dei a carta para o Antônio ler, enquanto as lágrimas tomavam conta de meu rosto.

__ Ela não me abandonou, Felipe! Ela só estava tentando sobreviver! - eu chorava.

__ É, Lucca! Como eu sempre digo, toda história tem dois lados. Eu sinto muito!

__ Ela viu os pais serem mortos! Eu pensei que eles tivessem morrido num acidente de carro.
Foi isso que ela me falou quando começamos a namorar.

__ A Eva deve ter dito isso para não tocar neste assunto doloroso, Lucca! Ela errou, mas não fez
isso de má fé!

__ Ela quis me falar sobre toda essa história, desde o principio, por tantas vezes! Mas eu nunca
a deixava prosseguir! Eu fui tão cruel com ela; tão insensível; tão orgulhoso!
__ Agora não é hora pra você ficar se culpando, Lucca! Ela ainda pode estar viva! Vamos ter fé,
meu amigo! - Felipe me abraçou enquanto eu chorava. - E então, Delegado, o que vamos fazer
agora?

__ O pacote precisa ficar em um local seguro. Se essas denúncias vazarem na imprensa nesse
momento, e ela ainda estiver viva, eles podem querer executá-la porque não teriam mais nada a
perder. Ainda preciso analisar toda a documentação com calma. Tem gente muito importante enrolada
até o pescoço com uma porrada de crimes, pelo que estou vendo aqui.

__ Eu quero esses porcos miseráveis que estão com a Eva presos ou mortos. Você está me
ouvindo, Antônio? - eu gritei.

__ Lucca, se eu ou um de meus homens tivermos a oportunidade de neutralizá-los, não vamos


pensar duas vezes. Vamos enfiar bala nesses filhos da puta! Tem certo tipo de bandido que não
merece ser julgado pela justiça dos homens; merece ser julgado por balas de armas de fogo!

__ Se a polícia for para qualquer lugar com a possibilidade de encontrá-la, eu quero estar
presente! Eu quero olhar para a cara desses monstros que tiraram a vida dos pais da Eva; que a
machucaram; que acabaram com nós dois! Esse verme do Heitor Vilhaça vai pagar por tudo que ele
fez!

"Eu prometo a você, querida!"

Trechos da música “I Look To You” - Whitney Houston


(OBS.: na ficção, composta por Eva Martins e cantada por Lucca Baroni)
Capítulo 18

Eva
Acordei sentindo gosto de sangue na boca. Estou com muita sede e fome. Meu corpo inteiro dói.
A dor que estou sentindo em minha cabeça e em minha perna me faz querer desistir de lutar pela vida.
Estou muito fraca.

Ainda não sei onde estou. Pouco antes de chegamos aqui, os malditos puseram uma venda em
meus olhos e eu não pude me localizar. Percebo que estou num cômodo muito pequeno, numa casa
sem mobília. Não há uma cama aqui. Estou deitada no chão e minhas mãos estão presas por uma
corda.

Sinto-me sem esperança de sobreviver. Eu ainda não sei como eles não me mataram. Estou
preocupada com o Zeca. Ele me ajudou. Ele arriscou sua vida para me salvar e foi baleado. Não sei
se ele sobreviveu. Fizeram o mesmo com o João. Esses homens são cruéis. Eles vão matando
qualquer um sem remorsos.

Ouvi um barulho do outro lado da porta. Levantei-me com dificuldade e procurei ouvir alguma
coisa.

__ Miguel, nós temos que matá-la logo e sumirmos com o corpo!

__ Faremos isso assim que recuperamos o dossiê, Rony! O meu tio me deu ordens para achá-lo!
Se aquilo tudo vazar, a reputação dele, da Cosmos Nature e de todas aquelas pessoas citadas ali vai
por água abaixo.

__ Esqueça isso! Nós tocamos fogo naquela casa. Se ela guardava esses documentos, eles
queimaram junto com tudo que havia lá. Não sabemos se aquele homem que nos afrontou lá na
fazenda do velho conseguiu sobreviver. Se ele estiver vivo e falar sobre nós, eu e você estamos
ferrados!

__ Aquele imbecil atrapalhou tudo, Rony! Lá naquele fim de mundo nós poderíamos nos divertir
com a Eva e depois nos vingarmos. Mas aqui é mais perigoso! Temos vizinhos nas imediações. Eles
podem ouvir alguma coisa.
__ Mais um motivo para matarmos essa vadia logo e darmos o fora daqui o quanto antes.

Eu me afastei da porta, deitei novamente no chão frio e comecei a me lembrar dos


acontecimentos das últimas horas.

__ Finalmente, Eva Fonseca, nós achamos você! - Rony entrou acompanhado do Isac. - Ótimo
trabalho, Miguel! Seu tio ficará muito orgulhoso.

__ Eu só a mantive viva para você fazer a sua vingança junto comigo, Rony! Já esperamos
demais! Agora chegou o nosso momento. - Miguel sorriu.

__ Não vim antes acabar com a sua raça, Eva, porque eu estava muito doente. Mas a minha
vontade era de estar logo aqui para fazer você pagar pelo que me fez, sua vagabunda!

Ele se aproximou de mim. O Elias e o Isac me seguraram.

__ Por que vocês não me matam logo? - eu dizia chorando e com muito medo.

__ Até que aquela pirralha virou um mulherão! Quando bancava a estrela do Rock, você já era
de encher os olhos, mas agora sua beleza me surpreende ainda mais.

__ Da mesma forma que a sua feiura surpreende a mim!

Ela desferiu um forte golpe em meu rosto. Eu gritei de dor.

__ Eu fiquei encantando com o seu carisma naquele programa de TV, sabia? Você é bastante
fotogênica e fala muito bem em público! Poxa, por muito pouco nós não a pegamos naquela época!

__ Acabem logo com isso! Vocês deviam me matar de uma vez por todas!

__ Calma, querida! Ainda temos tempo para aproveitarmos a noite. - Rony disse ao me agarrar
pela cintura e me beijar com violência.

Eu mordi a língua daquele monstro. Ele novamente ma bateu.

__ Sua vaca!

__ Vamos logo ensinar uma boa lição para essa piranha metida a santa! - Miguel veio até mim. -
Eu vou matá-la, Eva, por você ter tirado a vida do meu pai! Mas antes disso, vamos nos divertir um
bocado com você!

__ Eu não matei ninguém!

__ Você é muito dissimulada! Eu vi quando você atirou no Gabriel! - Rony disse gritando.

__ Mentira! Você sabe muito bem quem o matou!

Antes que eu pudesse falar a minha versão da história, o Rony voltou a se aproximar de mim e
começou a me agarrar novamente. Eu ainda estava com o vestido que usei na festa da minha filha. As
mãos daquele porco horripilante em cima de mim que causavam ojeriza. Eu não conseguia me
desvencilhar no Elias e do Isac.

__ Vamos, Miguel! Vamos começar nossa festinha privada!

__ Por favor, não façam isso! - eu gritei.

__ Você pode implorar a noite inteira, Eva! Todos nós aqui vamos comer você por um bom
tempo! - Rony falou.

__ Eu prefiro morrer, seus miseráveis! Vocês me dão nojo!

O Rony voltou a me bater no rosto. Caí no chão chorando. Eu estava muito assustada.

__ Venha, sua vadiazinha! Deixe-me lhe mostrar que eu sou muito mais homem do que o idiota
do Lucca! - Miguel começou a abrir o zíper de sua calça.

__ Fique longe de mim!

__ Pode gritar à vontade, Eva! Ninguém ouvirá você! - Elias dizia sorrindo.

__ Como eu já disse, nós vamos estuprá-la a noite inteira e depois vamos queimar seu corpo
junto com essa casa! Então, procure relaxar e aproveitar seus últimos momentos de vida! Você terá
quatro homens para lhe satisfazer! - Miguel veio em minha direção, puxou meus cabelos e subiu em
cima de mim, prendendo minhas mãos ao lado do meu corpo.

__ Cara, vai ser incrível poder foder essa mulher hoje! Eu quero ser o próximo! - Isac falou
sorrindo também desabotoando seu cinto.
Comecei a gritar em completo desespero.

__ Sai de cima de mim!

Eu consegui empurra-ló e me afastei dele. Mas, em seguida, o Isac e o Elias voltaram a me


segurar e me ergueram do chão.

__ Miguel, deixe-me dar uma lição nessa vaca! Há muito tempo eu quero me vingar do que essa
mulher fez comigo. - Rony falou.

Ele se aproximou de mim e ficou escutando, de perto, a minha respiração ofegante. O cheiro
dele me causava pavor.

__ Isso aqui, sua vadia, é pelo que você me fez e pelo que fez ao Gabriel.

Ele enfiou um canivete em minha coxa com força e, em seguida, foi puxando devagar.

__ Ohhhhhh, meu Deusss! Pare com isso! Pare! Eu não aguento mais! - eu gritava e chorava com
aflição, sentindo uma dor lancinante.

Eu quase desmaiei ali mesmo. Sentia uma dor tão intensa que eu pensei não ser capaz de
suportar. Eu vi a imagem da minha filha em minha mente, como se eu estivesse me despedindo dela.
Olhei para baixo e vi parte do meu vestido e minha perna repletos de sangue.

__ Atirem logo em mim! Eu não aguento mais! - eu gritava, enquanto o Miguel passava suas
mãos em meu corpo.

__ Parem com isso! A festinha de vocês termina por aqui!

Todos olharam para trás.

__ Quem é você, seu porra? - Rony gritou.

__ Afastem-se da Dona Eva! - Zeca olhava para todos com uma arma em punho.

__ Zeca, meu caro, você não quer se juntar a nós? - Elias perguntou ao empregado.

__ Eu não costumo transar com mulheres à força e nem fazer tortura, seus covardes!

Ele continuava apontando a arma, meio assustado, como se não soubesse direito o que fazer.
"Obrigada, Zeca! Muito obrigada, meu Deus!"

O Elias e o Isac me largaram e eu caí. Minha perna doía muito. Sentia uma dor terrível. Fui me
arrastando pelo chão e encostei-me a uma parede no fundo da sala.

__ Qual é? Vamos nos divertir um pouco, Zeca! A Eva é só uma putinha! Ela não é uma moça
decente! - Miguel procurava manter algum controle sobre a situação.

__ Eu sei muito bem quem é a Dona Eva! E mesmo que ela fosse uma puta, eu jamais permitiria
que vocês fizessem uma atrocidade dessas com uma mulher! Vocês podem ter subornado o João, mas
eu não sou desse tipo! Onde estão suas armas?

__ Calma, Zeca! Não estamos armados! - Elias falou.

__ Eu posso ser do mato, mas não sou um idiota 'patrãozinho'! Onde estão as armas?

Nesse momento, vi o Isac pegar sua pistola sorrateiramente e disparar contra o Zeca. Houve uma
troca de tiros. Ele foi atingido, mas em seguida disparou contra o Isac. O Rony tirou sua arma do
bolso e disparou. O Zeca foi novamente ferido, mas conseguiu fugir. Miguel foi atrás dele e voltou
algum tempo depois.

__Vamos sair daqui! Eu errei o tiro lá fora por causa da escuridão e o infeliz entrou no meio do
matagal! Se o filho da puta sobreviver, ele pode chamar a polícia a qualquer momento.

__ Porra, aquele desgraçado matou o Isac! - Rony falava com raiva olhando para o corpo do
parceiro.

__ Vamos nos mandar daqui! Mas antes precisamos colocar fogo nessa casa. Elias, você
providenciou os galões de combustível?

__ Sim, Miguel! Estão lá nos fundos!

__ Sendo assim, sua ajuda acaba por aqui! Tchauzinho, velhote! - Rony disse ao disparar três
tiros nele com a sua pistola.

Eu gritei. Olhei para os dois corpos caídos perto de mim e entrei em pânico. Eu só me lembrava
dos meus pais, o tempo todo. Minha perna continuava sangrando muito. A dor era intensa. O Miguel
se aproximou de mim, rasgou um pedaço do meu vestido e amarrou o ferimento com força. Ele me
pegou no colo, saiu da casa e me jogou no banco de trás do carro, enquanto o Rony espalhava
gasolina por todos os lugares. Depois de alguns minutos, ele veio para o carro.

__ Pronto! Levei os corpos para um dos quartos e coloquei fogo em cima deles. Agora, vamos
sair daqui.

O Miguel deu partida no veículo e parou alguns metros antes da porteira. Ele desligou as luzes e
apertou a minha boca para eu não gritar. O Rony saltou do carro e disparou contra o João. Ele
retornou instantes depois e o Miguel saiu dirigindo rapidamente.

__ Luise, nós precisamos sair desta casa!

__ Temos mesmo que ir agora, Álvaro? Eu já estou preparando o nosso jantar.

__ Precisamos correr para um local seguro o mais rápido possível, meu bem! Eles devem estar
vindo atrás da Eva!

__ Papai, eu estou com medo!

__ Filha, pegue o envelope branco, seus documentos pessoais e umas poucas roupas. Coloque
tudo em sua mochila da escola. Temos que partir com o mínimo de coisas, ok?

__ Eu sinto muito, mamãe! É tudo culpa minha! - eu chorava.

__ Meu anjo, você não teve culpa da nada! Agora vá! Temos que ser rápidos!

__ Luise, onde está a minha arma?

__ Eu vou buscá-la, Álvaro!

Fui para o meu quarto assustada. Fiz o que o papai me pediu e coloquei minha mochila nas
costas. Ouvi um barulho. Alguém batia insistentemente na porta querendo entrar. Corri para perto dos
meus pais.

__ Eva, se esconda na dispena da cozinha! Vá, querida! - meu pai falava sussurrando.

__ Papai! - eu chorava.
__ Filha, seja corajosa! Eu e a sua mãe amamos muito você!

Eu os abracei e fui me esconder.

Observei quando a mamãe escondeu uma arma no bolso de trás da calça do meu pai, segundos
antes dos empregados do Dr. Heitor entraram na casa.

__ Olha só, Isac! O Fonseca parece que está tentando fugir com sua bela esposa. - Rony disse
depois que viu uma pequena mala em cima do sofá.

__ Deixem a minha família em paz! Digam ao Heitor que a Eva não falará com ninguém sobre o
que viu.

__ Fonseca, você acha que somos idiotas? Onde está a garota e os documentos?

__ O pacote está em um local seguro, longe daqui, com uma pessoa de nossa confiança. Faremos
um trato: partirei da cidade com a minha esposa e a minha filha. Vocês deixam a minha família em
paz e eu entrego o dossiê pra vocês, assim que estivermos em segurança.

Os dois homens começaram a rir.

__ Onde está a fedelha?

__ Minha filha está estudando na casa de uma amiga. - mamãe respondeu.

__ Que pena! Acho sua filha uma mocinha muito bonita. Puxou à sua beleza, Luise.

Eu observei da cozinha, escondida, o momento em que aquele homem agarrou a mamãe.

__ Solte a minha mulher, Rony! Façam o que quiserem comigo. Levem-me daqui e eu vou
entregar o dossiê pra vocês. Apenas deixem a Luise e a Eva em paz.

__ A sua espossa é muito gostosa, Fonseca! - Rony continuava agarrando a minha mãe enquanto
o outro homem apontava uma arma para o papai.

__ Largue-a agora mesmo! Trate disso comigo! Eu já lhe falei que não será necessário envolver
a Luise a e Eva neste assunto.

__ A menina está completamente envolvida neste assunto!


__ Eu prometo que ela não falará nada! - mamãe dizia chorando.

__ Isac, que tal se antes de pegarmos a garota e a papelada nós paramos um pouquinho para nos
divertimos com a senhora Fonseca?

__ Eu acho uma ótima ideia!

Nesse instante, o Rony disparou, friamente, dois tiros contra o meu pai. Ele fez isso sorrindo. O
papai caiu no chão. A mamãe gritou.

__ Pelo amor de Deus! O que vocês fizeram? Álvaro, meu querido! Não me deixe! - ela chorava
muito, com o sangue dele em suas mãos.

Comecei a chorar. O Rony me escutou e veio em direção à cozinha. Eu voltei a me esconder na


dispensa.

__ Eva, apareça agora! Faça isso se quiser salvar a sua mãe! Eu quero os documentos! Entregue-
os pra mim e eu pouparei a sua vida e a vida da Luise.

Eu chorava. Estava tremendo de medo. Não sabia o que fazer. Meu pai tinha acabado de ser
morto por minha culpa.

__ Vamos, Eva! Apareça! Você não quer perder também a sua mãe, quer?

Eu não podia mais continuar escondida. Ele estava chegando perto de mim. Apareci na cozinha
chorando.

__ Eu sei onde os documentos estão. Por favor, não mate a minha mãe!

__ Você é uma menina corajosa, Eva! Muito bem! Venha até mim e nós conversaremos. Não
haverá mais mortes por aqui, ok?

Eu fui andando para perto dele. Quando cheguei no meio da cozinha, ele me agarrou com
brutalidade.

__ Meninas! São tão ingênuas! - ele sorriu. - Isac, pode ir comendo a Luise daí que eu vou
brincar um pouco com a pequena Eva. Aumente o som da sala no volume máximo. Não queremos que
os vizinhos escutem gritos, não é mesmo?
Ele me encostou na parede e começou a me beijar, passando a mão em meu corpo. Eu gritava e
chorava.

__ Mamãe!

__ Filha!

Parecia que eu estava vivendo um pesadelo. Ele tirou a bolsa das minhas costas e começou a
apertar minhas pernas e beijar meu pescoço. Eu tinha que fazer alguma coisa. Ouvi a minha mãe
gritando e chorando na sala. Eu pensei rápido no que fazer. Dei um chute no Rony, me afastei dele e,
em seguida, joguei em seu rosto uma panela com água fervente que estava em cima do fogão. Eu
queimei minhas mãos e gritei de dor.

__ Sua desgraçada! Eu vou matar você, sua filha de uma puta! - ele esbravejava.

Coloquei a minha mochila nas costas novamente e corri para a sala. Eu tinha que salvar a
mamãe. Quando cheguei perto dela, vi o Isac apontando uma arma pra mim.

__ Mate essa miserável, Isac! Mate-a! Ela me queimou! - Rony gritava da cozinha.

__ Adeus, Eva! - Isac disse sorrindo, a poucos metros de mim.

Fechei meus olhos. Ouvi o tiro. Quando os abri, vi o homem caindo no chão. A mamãe havia
pego a arma no bolso do papai. Ela disparou contra ele.

__ Mamãe!

__ Corra, Eva! Corra!

__ Não!

__ Vá embora daqui, querida! Eu te amo!

Olhei para a minha mãe. Eu não podia deixá-la ali. Naquele exato instante, o Isac atirou nela. Eu
gritei chorando. Ele atirou contra mim, mas errou o tiro.

__ Fuja, Eva! - foram as últimas palavras que ouvi da minha mãe, segundos antes de sair
correndo da casa.
__ Eu vou matar você, sua fedelha maldita! Eu vou atrás de você até o inferno! - Rony gritava.

Corri o mais rápido que pude. No fim da rua, eu me joguei em frente a um táxi que estava
passando devagar. Entrei no carro.

__ Eles mataram os meus pais! Por favor, me tirem daqui! Eles virão atrás de mim! - eu chorava
aflita.

__ O que está esperando? Vá! Acelere esse carro! - um homem com um sotaque diferente gritou
com o táxista. - Acalme-se, menina! Eu vou lhe ajudar!

Uma tragédia aconteceu, na noite de ontem, no bairro de Santo Amaro, na capital


paulistana. A casa do químico industrial Álvaro Fonseca e de sua esposa, a professora de música
Luise Martins Fonseca, foi invadida. Ambos foram mortos com tiros de armas de fogo. Tudo leva
a crer que se tratou de um latrocínio seguido de um sequestro. O carro da família foi levado,
assim como dinheiro e joias. Os vizinhos disseram à Polícia que ouviram gritos e tiros por volta
das 19h50. A filha do casal, uma menina de 12 anos, está desaparecida.

__ Vocês estão vendo a merda que fizeram? Já estão noticiando em todos os canais!

__ Dr. Heitor, nós não tivemos culpa! O Fonseca estava armado. A menina queimou o rosto do
Rony com água quente e eu fui atingido com um tiro na perna. Mesmo feridos, nós ainda conseguimos
simular um assalto. Procuramos limpar todas as digitais antes de irmos embora. Não deixamos
rastros!

__ Vocês foram muito incompetentes, Isac! Nem recuperaram o dossiê e ainda deixaram a garota
fugir. Ela viu três assassinatos e provavelmente está de posse da porra dos papéis. Se aquilo vazar,
eu, a Cosmos Nature e meus parceiros estaremos arruinados!

__ Nós vamos achaá-la, Dr. Heitor! Nós vamos atrás daquela nojentinha assim que nos
recuperamos. O Rony está naquele hospital especializado em queimaduras.

__ Eu quero aquele dossiê comigo e a menina morta!

O celular foi desligado.


__ Mas você não tem nenhum parente?

__ Tenho um tio e dois primos que moram na Argentina, mas eu nunca os conheci. Meus avós já
morreram.

__ Não é possível que você não tenha nenhum outro familiar aqui no Brasil, Eva!

__ Eu não tenho! Eu juro! Por favor, me ajude! Eu não sei para onde ir! Se eu for para a polícia,
eu tenho medo de ser morta! Onde eu vou viver agora? - eu chorava.

__ Vamos para um hospital, Eva! Suas mãos estão queimadas. Assim que sairmos de lá, lavarei
você para o hotel onde estou hospedado. Vou ligar para um colega para ele providenciar um
passaporte pra você. Aqui no Brasil, é possível conseguir qualquer coisa se colocarmos dinheiro na
jogada.

__ O senhor tem um sotaque estranho. De onde o senhor é?

__ Sou canadense. Você vai comigo para Quebec assim que pudermos.

__ Obrigada, Sr. Pierre.

__ Eu sinto muito pelos seus pais, querida! Sinto mesmo! - ele me abraçou.

__ Você perdeu o juízo? Trazer uma foragida brasileira para morar conosco?

__ Ela precisa de ajuda, Emilie! A pobrezinha não tem ninguém a quem recorrer. Ela não tem
parentes vivos por lá! Se eu a deixasse com a polícia, onde ela viveria? Em um orfanato, e ainda
correndo o risco de ser morta?

__ Só espero que você esteja me dizendo a verdade, Pierre! Se essa menina for sua filha com
alguma vagabunda brasileira, eu a despacho de volta!

__ Não seja ridícula! Eu tenho ido ao Brasil a trabalho. Não viajo para dormir com mulheres. O
que aconteceu naquela vez não conta porque estávamos separados. Eu era um homem solteiro naquele
momento.

__ Eu não quero essa menina aqui!


__ A garota vai ficar conosco, sem discussões! Ela perdeu os pais há dois dias! Tenha um pouco
de compaixão, pelo amor de Deus!

__ A Kate e o Erik não vão gostar nada disso!

__ Eles não têm que gostar! Os filhos devem seguir as regras dos pais, Emilie! Eu quero a Eva
sendo bem tratada por todos! Espero ter sido claro! Ela é a nossa hóspede por tempo indeterminado.
Procure falar com a menina em inglês porque ela já tem certa noção da língua. Aos poucos, ela
começará a se familiarizar com o francês.

__ Você é uma garota muito inteligente, Eva! Você aprende rápido!

__ Eu procuro me esforçar, Sr. Pierre.

__ Você precisa começar a fazer terapia, querida! Já faz três meses que você está aqui e ainda
escuto você chorando, todas as noites.

__ Eu não quero conversar sobre o que aconteceu com ninguém!

__ Eva, essa tristeza vai ficar mais amena e seu coraçãozinho vai doer cada vez menos se você
desabafar com um profissional.

__ Eu já disse que não quero falar sobre isso!

__ Você sabe que você tem direito à herança de seus pais, não sabe? Se você quiser, podemos
reivindicar na justiça os bens que lhes pertencem.

__ Meus pais não tinham bens, a não ser o carro, os móveis e os instrumentos. Morávamos de
aluguel.

__ Instrumentos?

__ É! A mamãe dava aula de piano e violino em casa. E o papai tocava violão. Tudo ficou lá! -
eu disse não conseguindo mais esconder minhas lágrimas.

__ Não chore, meu bem! Seus pais estão felizes por você ter tido uma nova chance; por ter
sobrevivido.
__ Eu penso neles e rezo por eles todos os dias!

__ Isso é ótimo, Eva! Só assim eles sempre estarão pertinho de você. Mas me diga uma coisa:
você toca algum instrumento?

__ Sim.

__ Você nunca me disse que tocava.

__ O senhor nunca me perguntou.

__ Você gostaria de ganhar algum instrumento de presente?

__ Sério? Eu adoraria! O nosso vizinho, o pai do Alexandre, tem um violão. De vez em quando
eu toco nele. O senhor poderia comprar um violão novo pra mim?

__ Claro, querida! Vou providenciar isso assim que tiver um tempinho, ok?

__ Muito obrigada, Sr. Pierre.

__ Pode me chamar apenas de Pierre, Eva! Somos amigos, não somos?

__ Somos sim!

__ Acabei de decidir você fará aulas de piano, violão e violino. Você precisa ocupar o seu
tempo e sua mente.

__ Que legal!

__ Meus filhos nunca gostaram de instrumentos musicais. Vai ser bom ouvir um pouco de música
nesta casa.

__ Eu adoro música!

__ Você não pode deixar de se dedicar aos estudos, Eva! Se suas notas no colégio caírem, eu
suspendo as aulas de música. Estamos acertados?

__ Estamos sim!

__ Você é uma mocinha muito especial, querida! Eu gosto muito de você!


__ Eu também gosto do senhor. Mas tem uma coisa que me deixa triste: a Kate, o Erik e a sua
esposa me odeiam!

__ Não diga isso, Eva!

__ Eles me chamam de 'brasileirinha pobretona'! Eles dizem que se eu ficar aqui, eu vou pegar o
que é deles. Eu não quero pegar nada de ninguém, Sr. Pierre!

__ Ei, nós combinamos que esse ‘senhor’ não seria mais pronunciado.

__ Foi mal!

__ Querida, se eles a chamarem assim de novo, me avise! Eu não vou admitir que isso aconteça
em minha própria casa! Você é minha hóspede! Aliás, você é como se fosse uma filha pra mim!

__ Alexandre! Alexandre!

__ O que foi, Eva?

__ Olha só o que acabei de ganhar do Pierre. Um violão! É tão lindo!

__ Que maneiro!

__ Ele disse que esse era o meu presente antecipado de aniversário, já que faço 13 anos amanhã.

__ Esse Sr. Goulet é gente muito boa, viu?

__ Ele é ótimo! E ele gosta muito de mim!

__ Venha! Entre! Mostre-me aquela música que você aprendeu semana passada. Eu adoro ouvir
você tocar.

Acordei mais uma vez. Meu estômago estava vazio. Minha perna doía. Eu não iria resistir por
muito tempo. A casa estava silenciosa. Eu acho que eles me deixaram aqui para morrer de fome e de
sede. Vai ver eles queriam uma morte mais longa e sofrida pra mim. Eu rezei. Comecei a pedir a
Deus para que a minha pequenininha fosse feliz ao lado do pai.
Lembrei-me da Bia sorrindo, o que era raro. Lembrei-me de nossos papos pela internet e de
como eu adorava prepará-la para dormir, ler e cantar para ela. Eu sempre a levaria em meu coração.

"Adeus, filhinha! Nunca se esqueça de que amor de mãe não acaba nunca! Eu a amarei para
sempre!"

Eu estava morrendo. E essa realidade, de alguma forma, não me assustava mais. O momento
inicial de medo e desespero foi dando lugar a certa resignação. Meu fim estava próximo, eu sabia.
Apesar disso, eu guardava comigo a certeza de que tinha feito o melhor que pude nesta vida. As
dores que carreguei não foram poucas, mas talvez tenham sido necessárias para mim.

Recordei-me muito dos meus pais nessas últimas horas. Vi, em minha mente, a mamãe sentada na
sala tocando violino. Ela era linda. Fiquei me lembrando de como seus olhos brilhavam quando o
papai chegava do trabalho. Eles sempre se abraçavam e se beijavam. O papai ia tomar banho e
depois começava a preparar o nosso jantar enquanto a mamãe tocava e cantava na sala, comigo ao
seu lado. Às vezes, trocávamos nossos treinos no piano e no violino por algumas tarefas da escola
que eu não conseguia concluir sozinha.

Quando o papai terminava de fazer o jantar, ele vinha para perto de nós e esboçava um lindo
sorriso, chamando a gente pra comer. Jantávamos juntos todas as noites. Quando terminávamos, eu ia
para o meu quarto e o papai ficava conversando sobre o dia enquanto a mamãe lavava a louça.
Depois, os dois me desejavam uma boa noite e iam para o quarto deles.

Também me lembrei do Pierre e de todos os momentos que passamos juntos. Ele foi mais do que
um pai adotivo. Ele foi um amigo carinhoso e bondoso. Lembrei-me do meu querido Alexandre e de
toda a ajuda que ele me deu; de todas as lágrimas que choramos juntos; de todos os sorrisos e
alegrias que partilhamos.

Também me recordei do momento em que falei sobre o Lucca para o meu amigo. Isso foi depois
de eu passar 48h colada nele, logo após a nossa estreia na banda. Voltei para o apartamento que
dividia com o Alexandre e o Thomas, e contei sobre o que tinha acontecido.

__ Alexandre, eu encontrei o homem da minha vida!

__ Onde você esteve, criatura? E que história é essa?

__ Eu lhe avisei que ia passar uns dias sem dormir aqui. Você não devia ter se preocupado!
__ E então? Que lance é esse de ‘homem da sua vida’?

__ Sabe o Lucca da banda?

__ O carinha que lhe trata mal?

__ Esse mesmo! Depois eu lhe conto os detalhes e explico o porquê das atitudes dele, mas o fato
é que estamos juntos. Agora eu entendo, de verdade, a magia das poesias, das músicas melosas, dos
livros de romance e dos filmes de amor. Eu estou completamente apaixonada por esse homem,
Alexandre! Eu já sentia isso por ele há algum tempo, mas depois que o Lucca se declarou para mim,
eu não pude continuar escondendo meus sentimentos.

__ Você não imagina o quanto eu fico contente em ouvir isso! Eu sempre soube, querida, que um
dia o 'cara certo' iria chegar.

__ Eu acho que eu o amo! Ele é tão incrível! E ele também me ama! Eu sinto isso!

__ Então você é uma felizarda, minha amiga! Nem todo mundo tem o privilégio de viver um
grande amor.

O rosto do Lucca veio em minhas lembranças com aquele olhar profundo, sempre triste e
enigmático. Aos poucos, fui me esquecendo do homem que conheci anos atrás. Aquele jovem que
sorria, tinha bom humor e era absolutamente encantado pela vida foi, devagarzinho, sumindo de
minhas recordações. Eu agora só me lembrava de seu rosto amargurado e cheio de dor. Tudo que ele
viveu foi terrível. Espero que a Bia consiga fazê-lo sorrir de novo.

Lembrei-me de uma música que compus quando ainda morava em Sidney e que toquei no velho
piano que o Alexandre me deu. Lá, eu sempre me lembrava do homem que eu amei no Rio de Janeiro.
De alguma forma, bem dentro de mim, ainda existia a esperança de que eu voltaria e encontrá-lo e de
que passaríamos o resto de nossos dias juntos, ao lado de nossa filha.

Numa tarde de domingo, quando o Alexandre tinha ido ao cinema com o Thomas e a Bia estava
dormindo em seu quarto, eu fui para o piano. Compus a canção em francês, em homenagem à cidade
canadense de Quebec, que foi o meu lar por muitos anos.
Eu não conseguia esquecer o Lucca. Não importava a passagem do tempo, as recordações do
amor que tivemos estavam sempre em minha memória.

Quand je ferme les yeux


Quando eu fecho os olhos

Je te vois encore un peu


Eu ainda consigo enxergar um pouco

Et j'imagine simplement
Eu apenas imagino

Avoir envie d'arrêter le temps


Tenho a sensação que o tempo foi congelado

Quand je ferme les yeux


Quando eu fecho os olhos

Je nous vois devenir vieux


Eu vejo nós dois envelhecendo juntos

Et si je meurs avant toi


E se eu morrer antes de você

Laisse moi partir seule juste une fois


Apenas aceite e me deixe ir embora

Même si je pleure, même si je rage


Mesmo que eu chore ou mesmo que eu tenha raiva

Même si le ciel est un orage


Mesmo que o céu esteja em tempestade

Moi je t'aime
Eu te amo

Oui je t'aime mon amour


Sim, eu te amo, meu amor

Quand je ferme les yeux


Quando eu fecho os olhos

C'est que nous sommes tous les deux


Nós estamos bem juntinhos
Et si je pense à toi trop fort
E se eu pensar muito em você

Un simple soupir et je m'endors


Em um simples suspiro eu durmo

Oui je t'aime mon amour


Sim, eu te amo, meu amor

Pour toujours
Para sempre

Quand je ferme les yeux


Quando eu fecho os olhos

Je nous vois encore heureux


Eu vejo nós dois felizes para sempre

Aquela letra, que persistia guardada em algum lugar de minha mente, não poderia se encaixar
melhor naquela ocasião.

"Eu estou quase fechando os meus olhos, querido! Estou partindo antes de você! Mas eu
sempre irei amá-lo... porque nos meus sonhos, nós sempre estamos juntos! Aceite a minha partida e
seja muito feliz! Desculpe-me por tê-lo feito sofrer! Eu o perdoo por tudo que você me disse e por
tudo que você me fez! Cuide bem da nossa filha!"

__ Vamos matá-la agora! Não podemos mais esperar! Já faz três dias! Temos que deixar essa
cidade.

__ Rony, tenha calma! Estão procurando por nós em todos os lugares. Ouvi no rádio e na TV.
Nossos retratos falados estão espalhados por aí. E o seu está estampado com as cicatrizes das suas
queimaduras. Fica difícil você andar por aí sem ser reconhecido.

__ Merda do caralho! - Rony esbravejou - Miguel, eu vim para matar essa desgraçada e não vou
sair daqui sem fazer isso! Foi essa filha da puta que me deixou desse jeito!

__ E os documentos?
__ Esqueça a porra do dossiê! Vamos dizer ao Dr. Heitor que nós o queimamos junto com a
casa. Agora temos que apagá-la e sumirmos daqui!

__ Essa vagabunda metida à santa tirou a vida do meu pai, Rony! Eu tenho ainda mais ódio dela
do que você! Eu só preciso de uma última conversa.

__ Fale alguma coisa, sua desgraçada!

__ O que quer que eu fale, Miguel? - eu dizia sem quase nenhuma força.

__ Onde está o dossiê? Está com o Lucca, não é? Eu juro que vou matar a menina e aquele boçal
se você não disser onde está a porra do envelope.

__ Não está com o Lucca. Ficou na Austrália com meu ex-marido. Ele faleceu e nunca mais
achei aqueles documentos.

"Sempre pensei que um dia pudesse fazer uso daquele dossiê para salvar a minha vida, porém
não havia nada mais a fazer! Eu já tinha aceitado que a minha morte estava próxima! Eu não
poderia colocar a Júlia, o Lucca, a Bia ou qualquer outra pessoa em perigo!"

Ele me ergueu do chão e apertou a minha perna ferida, que estava enfaixada com um pedaço do
meu vestido.

__ Pelo amor de Deus! Atire logo em mim! Atire! - eu gritava de dor enquanto ele abafava o
som dos meus gritos com uma das mãos.

__ Você matou o meu pai, sua vadia! Você já era uma nojentinha desde criança! - ele continuava
a apertar o meu ferimento com o rosto repleto de ódio.

__ Oh, meu Deus! Pare com isso! - eu chorava.

__ Eu quero que você me diga onde estão os documentos, sua assassina!

__ Foi o seu tio quem matou o Gabriel.

__ Você é uma mentirosa! Meu tio tem passado os últimos anos da vida dele tentando achar a
garota que atirou contra o meu pai. Eu sei que ele já fez um monte de merda. Retidão de caráter nunca
foi o forte do tio Heitor, mas ele não é um assassino!

Eu procurei arranjar forças para falar. Eu estava muito fraca.

__ Miguel, quando aquilo tudo aconteceu, você também era só uma criança. Eu nunca atirei em
ninguém! O Heitor atirou no próprio irmão! Eu vi! Ele não queria matar a assassina do Gabriel; ele
queria matar a testemunha que viu o crime que ele cometeu.

__ O Rony tem razão! Você é uma mulherzinha falsa e dissimulada! - ele tirou o revólver do
bolso e apontou para a minha cabeça. - Eu cansei! Já fui paciente demais com você, vadia!

Tinha chegado a minha hora! Eu estava pronta.

__ Evaaaaaa!

__ Afaste-se! Você já fez o seu papel! Agora deixe os socorristas trabalharem! Uma ambulância
já está lá fora.

__ Eva, meu amor! Não faz isso! Não vá! Não me deixe!

__ Acalme-se, Lucca!

__ Ela está morta! Chegamos tarde demais, Antônio! Ela está muito fraca para resistir!

__ A moça ainda está viva! Ela está viva!

Trechos da música “Quand Je Ferme Les Yeux” - Annie Villeneuve


(OBS.: na ficção, composta por Eva Martins)
Capítulo 19

Lucca
Estou num estado de nervos terrível. Hoje está fazendo três dias que a Eva desapareceu. Não
tenho conseguido dormir. Às vezes cochilo um pouco de tanta exaustão, mas sempre acordo agitado
tendo pesadelos.

Sonho e penso na Eva o tempo todo. Estou enlouquecendo sem notícias dela. Minha razão me diz
que aqueles abutres desgraçados já a mataram, mas ainda tenho esperanças de encontrá-la viva.

A Bia, aos poucos, está ficando cada vez mais melancólica. Acho que ela está começando a
viver o luto de verdade. Ela tem falado pouco comigo e tem passado dia e noite trancada no quarto
com a Luna. Ontem, logo depois que a coloquei para dormir, eu a escutei chorando. Peguei a minha
garotinha no colo e ficamos chorando, os dois, em minha cama. Ela adormeceu. Eu não.

A culpa não me deixa por um só instante. Eu fui muito cruel com a Eva no fim da festinha da Bia.
Ela saiu daqui tão arrasada e humilhada. Eu não me perdoo por isso. Lembrar-me dela chorando faz
o meu coração quase parar de bater.

Peguei o Apolo e fui galopar com ele. Eu chorei. Na frente do meu cavalo, eu não precisava
bancar o durão. Não era possível conviver com o fato de ter perdido a mulher que eu amava. A culpa
era minha! A Eva não deveria estar morando naquela de fazenda. Ela deveria estar aqui comigo e
com a nossa filha.

Recordei-me da noite em que ela veio entregar as coisas da Bia. Ela me chamou para
conversarmos no galpão. Lembro-me de tudo o que ela me disse naquele momento, assim como não
me esqueço da triste conversa que tivemos neste último domingo. Aquelas palavras tinham o imenso
poder de rasgarem o meu peito como punhais.

Nós nos amamos e poderemos superar tudo isso se ficarmos juntos!

Lucca, não faça isso! Não me mande embora de novo!

Eu sei que eu posso fazê-lo feliz, querido! Dê essa chance para nós dois! Podemos consertar
tudo! Por favor, me perdoe pelo que eu fiz ao sumir de sua vida daquela forma!

Sempre é tempo para consertarmos nossos erros, Lucca! Por favor, não me afaste de você!

Eu sei que agi mal. Mas eu preciso de seu perdão. Tenho certeza de que se eu contar toda a
minha história desde o começo, com calma, você conseguirá me compreender!

Meu Deus, eu te amo tanto! Por favor, me dê uma chance para que eu consiga provar que
ainda podemos ser felizes juntos!

Por favor, Lucca! Deixe-me tentar fazê-lo esquecer de todos esses demônios que povoam
sua mente. Eu também tenho os meus! São coisas dolorosas demais que eu sempre guardei
dentro de mim. Mas eu sei que somos capazes de superar tudo isso! Poderemos ser mais fortes e
mais felizes juntos! Nós temos a nossa menina! Nós podemos ser uma família!

"Ow, querida! Como pude fazer isso com você? Como pude dispensar o seu amor? Você
queria tanto ficar aqui; ficar comigo; ficar com a nossa menina!"

__ Onde você estava, homem?

__ Fui dar um volta e meu celular acabou descarregando. Você tem alguma notícia?

__ Tenho sim, Lucca. Sente-se!

__ Fala logo, Antônio!

__ Agora há pouco, recebemos uma ligação de um jovem, em Belo Horizonte, dizendo que ouviu
uma mulher chorando e sendo torturada numa casa perto da dele, em um subúrbio. O rapaz disse que
passou de bicicleta e ouviu uma mulher gritando, e que minutos depois, observou um homem com o
rosto cheio de cicatrizes saindo da casa e entrando em um carro cinza. Segundo ele, a figura bate com
o retrato falado que ele viu na TV.

__ Antônio, pode ser ela! Temos que ir resgatá-la! - eu disse angustiado.

__ Eu prometi que levaria você e vou cumprir. Só não quero que você crie expectativas. A
Polícia recebe centenas de ligações como essa diariamente. Na grande maioria das vezes, não
passam de trotes. Pode ser uma informação falsa ou pode se tratar de outra mulher. Estou indo com
duas viaturas averiguar a denúncia agora mesmo.

__ Lucca, é aquela casa ali no fim da rua. Você está vendo?

__ Estou. E então, o que faremos?

__ Vamos deixar as viaturas estacionadas no outra esquina e vamos descer à pé. Você está com a
sua arma?

__ Sim! Peguei a arma do Damião.

__ Ótimo! Vocês dois me seguem.

Deixamos um policial em cada um dos carros e descemos a rua. O Antônio e os outros dois
policiais estavam sem farda. Chegamos em frente a casa. Já passava das 20h. A rua estava escura e
deserta.

__ Há um quintal nos fundos. - Antônio falava sussurando. - Você vai entrar pela casa do vizinho
e pular o muro. Tome meu distintivo. Diga que é da Polícia e que precisa averiguar uma denúncia de
sequestro e cárcere privado na casa ao lado. Eles não vão criar objeções se você provar que é um
policial.

__ Antônio!

__ Sim!

__ Atire pra matar! Não tenha compaixão por esses filhos da puta!

Toquei a companhia e falei com um casal. Expliquei tudo e eles me deixaram entrar. Um dos
homens do Antônio me seguiu. O outro entrou pela frente com ele. Pulamos o muro. Observamos um
quarto com uma janela que estava fechada. Eu tentei ver alguma coisa, mas não dava para enxergar
muita coisa naquela escuridão. Porém, em questão de segundos, comecei a ouvir dois homens falando
no quarto.

__ Vamos esperar dar meia noite. Nós saimos daqui com ela no carro que você alugou, enfiamos
bala na desgraçada, a enterramos naquele mataguel que vimos ontem e depois nos separamos.
__ É! Temos que voltar logo para São Paulo! Isso tudo já deu pra mim!

__ Era pra você tê-la matado naquela hora, Miguel! Você é muito mole!

__ Vai se foder, Rony! Você viu que eu ia atirar. Mas aí ouvi pessoas passando pela rua. Essa
casa que nós escolhemos não é o lugar ideal para 'apagar' ninguém em plena luz do dia.

__ Você acha que ela ainda está viva? A criatura não se mexe há algum tempo!

__ Se estiver morta, melhor ainda! Fica mais fácil quando formos tirá-la daqui. Vamos para a
sala. Temos que esperar.

"Você está viva, querida! Eu sei! Aguente firme!"

Algum tempo depois, ouvi o Antônio arrobando a porta.

__ Polícia! Fiquem parados! Vocês estão presos!

O policial que estava comigo me ajudou a quebrar a velha janela de madeira. Eu pulei para
dentro do quarto. A Eva estava ali, desacordada, no chão, com as mãos amarradas e a boca
amordaçada. Eu tirei a mordaça. Sua perna esquerda estava sangrando. Seus lábios estavam
cortados, também com manchas de sangue. Um grande hematoma era visível em um lado de seu rosto.
Ela tinha sido visivelmente espancada e torturada. Meu peito doeu.

Ouvi dois tiros. O policial que estava comigo fui ao encontro do Antônio e do outro homem. Em
seguida, escutei mais tiros. No momento exato em que a peguei pelos braços, uma voz atrás de mim
me fez paralisar.

__ Ora quem veio bancar o bom moço!

Eu me virei.

__ Baixe essa arma, Miguel! Eu não estou armado!

"Droga! A porra da minha arma deve ter caído enquanto eu subia pela janela!"

__ Largue a vadiazinha agora mesmo!

Eu a coloquei de volta onde ela estava. Ela continuava desacordada. Ouvi as sirenes das
viaturas se aproximando.

__ O Rony fugiu, mas antes ele atirou no Delegado e eu atirei nos outros dois. Agora somos só
eu e você, Lucca! Vai ser bom fazermos um acerto de contas. - Miguel falou apontando a arma para
mim. - Vá! Feche a porta da entrada, seu merda!

Fui até a sala. Vi o policial que entrou comigo atingido no chão. Ele estava inerte. Talvez
estivesse morto. Não vi o Antônio, mas logo em seguida vi o outro policial também ferido.

__ Pronto! Vamos voltar para o quarto, Baroni!

"Eu preciso de uma arma! Puta merda!"

Vi o momento em que ele se aproximou da Eva e deu um tapa em seu rosto.

__ Acorda, vadia!

"Eu vou matar você, seu filho de uma puta desgraçado! Eu juro que vou!"

Ela não acordou.

__ Acorda! - ele apertou o ferimento de sua perna e ela abriu os olhos expressando muita dor. -
Veja, Eva! O seu amorzinho veio salvá-la!

Ela olhou pra mim assustada enquanto ele a levantava do chão. Ela parecia sem nenhuma força.
O desgraçado novamente apertou seu machucado na perna. Ela gritou chorando. Meu coração apertou
de culpa ao vê-la tão debilitada.

Atenção! A casa está cercada! Largue a arma e liberte os reféns! Você não tem como fugir,
Miguel!

Era a voz do Antônio. Se ele foi mesmo baleado, ele estava vivo. Ouvi mais barulhos de sirenes
da polícia.

__ Miguel, ela está muito ferida! Deixe-a ir. Você pode me usar para sair da cidade.

__ Eu vou mandá-la para o inferno bem aqui na sua frente!

__ Você não precisa fazer isso. Deixe que ela saia. Eu sei como fazer para lhe ajudar a fugir.
__ Eu tenho cara de retardado, Lucca? Deixa de falar merda! Eu não vou deixar essa piranha
viva!

__ Ela não lhe fez nada, Miguel! A Eva tem uma filha pra criar.

__ Essa desgraçada matou o meu pai!

Ele agarrou seu pescoço com ódio e apertou seus seios com uma das mãos, enquanto apontava a
arma para a sua cabeça. Lágrimas caiam de seus olhos. Ela estava assustada e fraca. Eu só queria que
ela pudesse estar segura, longe dali.

"Você vai viver, querida! Você vai viver! Eu não me importo comigo! Eu só quero você a salvo,
junto de nossa filha! Aguente firme, por favor! Esse pesadelo está perto de acabar!"

Eu tinha que pensar rápido no que fazer. Ele desatou a corda que a prendia e a empurrou para
perto de mim.

__ Vá! Amarre as mãos dele, Eva! Faça isso logo!

Eu a segurei para ela não cair no chão. Ela estava se apoiando em uma só perna. Era
impressionante vê-la tão fraca e abatida. Nós nos olhamos bem de perto. Não dissemos nada um para
o outro. Ela juntou minhas mãos e me amarrou. A forma como ela fitou os meus olhos parecia uma
espécie de despedida. Ela chorava.

"Você vai viver, meu amor! Confie em mim! Eu não vou decepcioná-la dessa vez! Se preciso
for, eu morrerei para tirar você daqui!"

__ Bom trabalho! Agora volte para junto de mim, Eva!

Ela foi andando para perto dele. Eu estava ferrado. Não tinha uma arma e estava de mãos atadas,
literalmente. Ouvi, mais uma vez, a voz do Antônio.

Miguel, deixe já a casa e liberte os reféns! Você está cercado!

__ Vamos ignorar o tumulto lá fora, Lucca! Eu mato a Eva; depois mato você; depois em me
entrego. Simples assim! Mas antes, eu quero fazer você sofrer!

Ele se aproximou de mim e me deu um chute muito forte. Eu caí com as costas e com a cabeça no
chão. Eu me contorci de dor. Ele sorriu. Logo depois, o desgraçado puxou a Eva, a encostou na
parede e começou a beijá-la. Ela não reagia. Ela parecia não ter mais esperanças ou forças para
lutar.

__ Deixe-a em paz, seu miserável! Tire as mãos de cima dela.

__ Pena que aqui não tem uma cama. Eu comeria essa piranhazinha com muito mais conforto.

Eu me levantei do chão e caminhei na direção dele com ódio. Eu poderia morrer, mas eu não
permitiria que a Eva fosse abusada por aquele infeliz.

__ Não, Lucca! - ela disse como se não quisesse que eu me aproximasse. - Não faça isso!

__ É, seu idiota! Fique aí e aprecie! - ele sorriu com ironia.

O Miguel voltou a beijá-la e puxou os seus cabelos. Ela não esboçava nenhuma reação. Eu não
conseguia mais ver aquilo. Eu tinha que fazer alguma coisa. Ignorei o que a Eva havia me pedido e
fui pra cima dele. Ele mirou a arma em mim e disparou.

O tiro atingiu meu ombro, mas eu não hesitei. Mesmo com as mãos amarradas e ferido, eu prendi
o braço dele na parede e sua arma caiu no chão. Eu dei uma cabeçada em seu rosto.

__ Você não é homem, Miguel! É um verme; é um covarde!

Eu continuei lutando contra ele. Mas, logo depois, ele me acertou um golpe e eu caí para trás. Eu
estava sangrando e não tinha muito o que fazer com as mãos amarradas.

"Droga, Antônio! Entra logo nessa casa! Eu preciso de ajuda, porra!"

Ele veio novamente em minha direção e começou a me chutar várias vezes. A cada chute que ele
me dava nas costelas, eu sentia como se eu fosse morrer de tanta dor.

__ Pare agora mesmo! Eu vou atirar!

Olhamos para a Eva. Ela estava com a arma dele em punho.

__ Afaste-se dele, Miguel!

__ Qual é, Eva? Você não tem coragem de me matar, não é? Vai levar nas costas a culpa pelo
assassinato de dois homens: o pai e o filho!
__ Eu não matei o seu pai! Eu tinha 12 anos! Como uma criança faria uma coisa dessas? Foi o
Heitor quem tirou a vida do Gabriel. Eu já lhe disse isso!

__ Eu sei que você o matou, Eva Fonseca! Agora atire em mim! Vá! Atire! Faça isso mais uma
vez! A gente se vê no inferno, sua maldita!

__ Eva, atire nele! - eu dizia, completamente rendido no chão.

__ Vamos, vadia! Aperte esse gatilho! Vamos! Aperte! - ele gritava.

Ela chorava muito, ajoelhada no chão, apontando a arma para o Miguel. Parecia que lhe faltava
coragem para atirar.

__ Atire, querida! Atire!

Ela continuava chorando, olhando fixamente para ele.

Ouvi o disparo. O Miguel caiu a poucos centímetros dela. Os policiais invadiram a casa. Logo
depois, percebi que o tiro tinha saído da arma do Antônio. Ela largou o revólver em estado de
choque.

Eu estava perto dela, mas o meu ombro ferido me impedia de ampará-la. Eu me senti aliviado.
Esse alívio, no entanto, só durou alguns segundos. Ainda vivo, o Miguel puxou um canivete e o
empurrou contra a Eva. Eu gritei. Ela colocou a mão na barriga, olhou pra mim chorando e encostou-
se à parede. Ela fechou os olhos.

__ Nãoooooooo!

Eu juntei todas as forças que eu ainda tinha, me levantei, peguei a arma que ela havia largado, e
mesmo com as mãos amarradas em minha frente, eu dei dois tiros no maldito. Eu caí no chão e a
segurei contra o meu corpo.

__ Evaaaaaa! - eu gritei em absoluto desespero.

__ Afaste-se! Você já fez o seu papel! Agora deixe os socorristas trabalharem! Uma ambulância
já está lá fora. - Antônio tentava me tirar de cima dela.

__ Eva, meu amor! Não faz isso! Não vá! Não me deixe! - eu chorava.
__ Acalme-se, Lucca!

__ Ela está morta! Chegamos tarde demais, Antônio! Ela está muito fraca para resistir!

__ A moça ainda está viva! Ela está viva!

Fomos levados a um hospital de emergência. Fui com ela na ambulância. Fiquei, durante todo o
trajeto, segurando suas mãos e chorando. Eu rezei o tempo todo.

"Deus! Não permita que ela morra desse jeito! Por favor, eu lhe imploro! Salve a vida da Eva!
Por favor!"

Ao chegarmos ao hospital, eles correram com ela. Eu a vi sendo empurrada, na maca, através de
um longo corredor. Ali, naquele momento, tudo ficou preto e eu desmaiei.

__ Onde ela está?

__ Tenha calma!

__ Onde a Eva está?

__ A moça que chegou com o senhor está em coma. O estado dela é muito grave!

"Não! Não pode ser!"

__ Sua operação foi um sucesso, Lucca! Tiraram a bala que estava alojada em seu ombro. Com
uma boa fisioterapia, você estará bem em poucas semanas.

__ Eu não quero saber da porra do meu ombro, Felipe! Quero notícias da Eva! Fale-me sobre
ela!

__ A Eva foi ferida duas vezes por um canivete, na perna e no abdômen. Ela perdeu muito
sangue e chegou extremamente desidratada e fraca, com uma série de ferimentos no rosto. Não
sabemos se eles a alimentaram e se deram água pra ela no cativeiro.
"Oh, meu Deus! Por que fizeram isso com você, querida?"

__ Há quanto tempo eu estou aqui?

__ Há dois dias.

__ Eu preciso vê-la, Felipe!

__ Ainda não é possível. Você precisa ter paciência.

__ Eu cheguei tarde demais! - eu chorei.

__ Lucca, você fez o que podia diante das circunstâncias. Acalme-se e tenha fé!

__ E como está o Antônio e os outros homens?

__ O Antônio também foi baleado no braço e passa bem. Porém, um dos policiais foi morto na
hora. O outro está internado em estado grave.

__ E o outro cara que a sequestrou?

__ O tal Rony conseguiu fugir, mas em seguida foi morto numa perseguição policial.

__ Como está a Bia? Quem está com ela? Ela sabe de alguma coisa?

__ A Júlia tirou férias e está cuidando da Bia, no haras, junto com a Beth. A menina ainda não
sabe sobre a mãe. Dissemos a ela que você precisou viajar para o Rio de Janeiro a negócios e que
volta logo.

"Poxa, minha menina deve estar pensando que eu a abandonei! Que tipo de pai viaja sem se
despedir da própria filha?"

__ Felipe, eu quero ver o meu médico! Tenho que sair daqui o mais rápido possível! A Bia
precisa de mim e eu tenho que ver a Eva!

No dia seguinte, eu consegui minha alta médica. Fui vê-la na U.T.I. Não me deixaram ficar por
muito tempo. Assim que entrei, eu chorei muito segurando as suas mãos.
"Eu sinto muito por tudo, querida! Desculpe-me por não ter evitado todo seu sofrimento! Eu
vou trazer a Bia para vê-la! Ela vai gostar de saber que você está lutando pela vida! Eu te amo,
Eva, pra sempre!”

__ Papai!

__ Quantas saudades, filhota! - eu a abracei forte.

__ Filha, eu preciso falar algo muito importante com você. - eu me sentei com ela no terraço da
nossa casa. - Eu não fiquei afastado para resolver coisas de negócios, meu anjo! Eu fui atrás dos
bandidos que fizeram mal à sua mãe e acabei levando um tiro.

__ Você levou um tiro?

__ Sim! Foi bem aqui, você vê? - eu mostrei o curativo no meu ombro pra ela.

__ Mas você está bem agora?

__ Estou sim! Querida, eu preciso que você vá comigo até Belo Horizonte.

__ Fazer o que lá?

__ É surpresa! Você confia em mim?

__ Confio, papai!

"Mamãe!"

__ Fale com ela, meu anjo! Ela precisa muito de você agora! Ela vai adorar ouvir a sua voz! - eu
explicava para a Bia, que olhava para mãe com os olhinhos cheios de lágrimas.

__ Mamãe! A senhora se lembra de quando a Luna teve aquele problema no coração? A senhora
me disse que ela podia me ouvir, não foi? Então, se ela podia me ouvir, a senhora também pode! Eu
te amo muito, mamãe! Muito mesmo! Por favor, abra os olhos e vamos pra casa comigo e com o
papai! Sinto saudades!

A Bia encostou sua cabeça no peito da Eva e ficou acariciando os cabelos dela. Aquela cena foi
de cortar o coração. Eu me afastei de onde elas estavam, mas logo em seguida eu mudei de ideia.
Aquele momento era mágico e eu não queria perdê-lo. Continuei lá dentro, sem que a minha filha me
visse.

__ Mamãe, abra os olhos! Por favor! Eu queria pedir desculpas por não ter ido com a senhora
no dia do meu aniversário. Desculpa! Eu sei que a senhora está me ouvindo porque está viva... e
mesmo que estivesse morta, a senhora continuaria me ouvindo... porque amor de mãe não morre
nunca!

"Isso, querida! Fale com ela! Ela pode ouvir você!"

__ Volta logo pra gente, mamãe! O papai chora o tempo todo. Às vezes, choramos juntos. Ele
sente muito a sua falta e se arrepende por ter lhe tratado mal. Perdoa ele, mamãe! Ele está sofrendo.
Ah, e a Luna está com saudades, assim como o Valentino, o Apolo, o Adonis, a Lady, o Cometa, o tio
Inácio, a tia Beth, a tia Júlia, o tio Felipe. Tem um montão de gente e de bicho com saudades da
senhora.

Jamais tinha visto a Bia tão falante como naquele momento. Fiquei imensamente feliz.

Voltamos ao hospital nos onze dias seguintes. Até que, em certa manhã, horas antes de mais uma
visita, uma das enfermeiras com quem fiz amizade liga pra mim.

__ Lucca, você não sabe o que aconteceu? A Eva saiu do coma! Venha já pra cá! Ela está
consciente e deseja muito ver a filha!

“Ah, meu Deus! Ela acordou! Obrigado! Obrigado!”

__ Chegaremos aí o mais rápido possível!

Contei a notícia a Bia. Ela correu para dentro de minha caminhonete imediatamente. Antes de
partirmos, liguei para o Felipe no Rio e para a Júlia em BH. Ela seria a primeira pessoa a vê-la
depois de todo o ocorrido. Levei o Inácio e a Beth, e deixei o Damião tomando conta das coisas.

Ao chegarmos lá, a Júlia me encontra no corredor.

__ Lucca, ela se lembra de tudo e está muito traumatizada.


__ Eu entendo.

__ Ela quer ver a filha primeiro.

A Bia entrou com a Júlia. Eu, o Inácio e a Beth ficamos na sala de espera. Alguns minutos
depois, os dois entraram. Eu estava ansioso. Depois de uns vinte minutos, ela pediu ao Inácio para eu
entrar.

__ Oi, querida! Você não imagina o quanto estou feliz em vê-la! - eu beijei o seu rosto.

__ Você poderia puxar aquela cadeira e sentar aqui perto?

__ Claro.

__ Lucca, eu conversei com a Júlia e a comuniquei sobre minha vontade de passar uns dias no
apartamento dela. Depois eu vou querer viajar com a Bia. Ela sempre quis conhecer a França. Eu
tenho um dinheiro guardado e gostaria de fazer essa viagem com ela assim que possível. Ela ficou
animada.

__ Eva, você precisa se recuperar melhor antes de sair viajando pelo mundo.

__ Antes de tudo isso acontecer, tínhamos conversado sobre eu e nossa filha deixarmos Jardim
Campo Belo. Você deve estar lembrado. Foi no mesmo momento em que você me disse que não me
amava mais e que iria se casar com a Vanessa.

__ Eu me lembro de tudo que lhe falei, Eva! Lembro-me de cada palavra cruel que eu lhe disse.
Espero que algum dia você possa me perdoar por tudo.

Ela permaneceu calada e pensativa.

__ Eu e a Vanessa não estamos mais juntos! Eu não poderia me casar com ela amando você. Eu
te amo, Eva!

__ Você disse que me odiava, Lucca!

__ Eu fui um idiota! Eu não ouvi o meu coração naquele momento. Eu só conseguia ouvir o meu
ego; um ego cheio de ressentimento e ódio.

Eu observei o exato instante em que lágrimas começaram a molhar o seu rosto. Ela estava muito
fragilizada. Eu continuei a falar.

__ Tudo mudou agora, Eva! Adie um pouco essa viagem, por favor!

__ Sinto muito, mas a viagem que planejei fazer com a Bia independe de qualquer mudança em
seus planos ou em seus sentimentos.

__ Você pretende passar quanto tempo por lá?

__ Algumas semanas. Uns dois meses, talvez.

"Eu não acredito! Não faça isso, querida!"

__ Eu ficarei morrendo de saudades.

__ Lucca, eu queria agradecer pelo que você fez por mim ao se arriscar naquela noite. Como
está o seu ombro?

__ Está melhorando a cada dia.

__ Você poderia trazer o Zeca aqui? Vocês dois e aqueles policiais salvaram a minha vida.
Muito obrigada, Lucca!

__ Eu daria a minha vida por você agora mesmo, Eva!

Ela continuou chorando e pediu para eu sair.

Quando a Eva teve alta, ela foi direto para o apartamento da Júlia. A Bia ficou comigo no haras
até a mãe se recuperar melhor. Ela havia perdido tudo no incêndio. Todas as roupas. Todos os
documentos. Só o que havia escapado do fogo tinham sido o violão e o caderno. Quis devolvê-los,
mas ela se negou a ficar com eles.

Após ter tirado seus documentos pessoais e passaporte, a Eva me ligou pedindo para levar a
nossa filha até BH. Ela me disse que estaria partindo para Paris nas próximas horas. Quando cheguei
com a Bia, entramos no apartamento da Júlia. Ela estava sozinha. Apertamos as mãos, numa
formalidade que me angustiava.

__ Que saudades de você, filha!


As duas se abraçaram sorrindo. Elas ficavam lindas juntas. Eu resolvi me despedir e deixá-las à
vontade.

__ Vamos nos falar todos os dias pelo chat, ok princesa?

__ Ok, papai! Cuide bem da Luna e do Adonis pra mim!

__ Pode deixar! Eu te amo! Tchau, Eva! Façam uma excelente viagem e divirtam-se!

__ Cuide-se, Lucca! E não se preocupe com a Bia! Vamos cuidar muito bem uma da outra, não é
querida?

Assim que saí de apartamento, a Eva me seguiu até o elevador.

__ Ah, eu me esqueci de deixar isso com você.

__ O que é?

__ É uma carta.

__ Eva, eu queria dizer, antes de você partir, que eu sinto todos os dias por não ter acreditado
em tudo que me disse e por tê-la magoado tanto. Por favor, me perdoe!

__ Lucca, você me feriu demais! Eu sofri muito por tudo que você me disse e por tudo que fez
desde que nos reencontramos. Mas, apesar disso, eu o perdoo sim! Eu quero que você seja feliz!
Você sabe o quanto eu amo você, mas eu não me sinto segura para confiar em seu amor outra vez. Eu
preciso de um tempo para repensar minha vida e recarregar minhas forças.

Nós nos abraçamos e choramos. Eu a apertei forte contra o meu corpo, beijei o seu rosto e saí
de lá o mais rápido que pude.

Estava voltando para o haras muito triste com a partida das duas pessoas que eu mais amava na
vida. Não aguentei esperar, parei o carro no acostamento e abri a carta.

Lucca:

Amanhã, eu e a nossa garotinha partiremos para a Europa. Acabei de fazer a minha mala
(repleta de roupas e objetos que nunca usei) e resolvi escrever algumas palavras pra você.
Os últimos dias têm sido muito difíceis, mas tenho fé em Deus que, em algum momento, eu
conseguirei me esquecer de todo esse trauma que eu passei.

Eu não tenho raiva de você, Lucca! Quando me lembro do que você me fez, de bom e de
ruim, nos últimos meses, eu apenas sinto tristeza. Como já havia lhe dito no dia do aniversário
da Ana Beatriz, você foi o único homem que eu amei, verdadeiramente. E é possível que você
seja o único que continuarei amando.

Sei que falar do passado não muda o nosso "agora", mas eu gostaria de lhe dizer algumas
coisas importantes.

Quando nos conhecemos, eu menti pra você duas vezes. Menti dizendo que meus pais
tinham falecido em um acidente de carro (eu sempre falei isso pra todo mundo que me
perguntava sobre eles). Eu também menti ao dizer que o Alexandre era meu namorado, logo nos
primeiros dias que começamos a ensaiar com a banda. Falei aquilo porque achei prudente deixar
claro que eu era uma garota comprometida; que eu não tinha qualquer interesse de ir pra cama
com nenhum dos integrantes da Sonic Beat.

Nunca consegui falar sobre o meu passado com você, quando vivíamos no Rio de Janeiro.
Na minha cabeça, se eu evitasse falar sobre esses acontecimentos, seria mais fácil me esquecer
de toda dor, medo e culpa.

Eu omiti do homem que eu amava o fato de eu ter presenciado o assassinato dos meus pais.
Os homens que me sequestraram foram os responsáveis pela morte deles. Não quero entrar em
detalhes sobre o porquê de eles terem me caçado a vida toda. Essa é uma longa história. Mas foi
para fugir desses homens que eu precisei ir embora do Rio. Você não tem ideia do quanto sofri
por tê-lo deixado. A dor aumentou e se tornou quase insuportável assim que soube que eu estava
grávida de um filho seu.

Eu quis lhe procurar, mas temia por vocês e pelos rapazes. Ainda assim, enfrentei meu
medo e tentei entrar em contato com você. Não pude ligar para o seu número porque o meu chip
foi tirado do meu aparelho. Como eu já lhe disse antes, eu consegui falar com o Daniel através
do site para agendamento de shows. Ele me falou que você estava bem; que tinha superado
tudo; que estava namorando uma atriz famosa; que a turnê estava sendo um sucesso sem mim.
Ele se recusou a me passar o seu número. Ainda pensei em descobri-lo por intermédio de outra
pessoa, mas eu pensei bem e concluí que talvez fosse melhor pra você deixar as coisas como
estavam.

Fiz isso pensando em sua felicidade e em sua integridade física. Não queria atrapalhar a sua
nova vida e ainda temia por sua segurança e pela segurança de todos ao nosso redor, caso eu
voltasse a procurá-lo. Tudo isso eu já lhe contei, mas você não quis acreditar em mim! E isso
ainda me dói muito! Eu chorei afirmando que tudo isso era verdade, mas você simplesmente
preferiu concluir que eu era uma mentirosa.

Vê-lo novamente no haras, Lucca, me fez pensar que estávamos predestinados a nos
encontrar outra vez; que era o destino nos pregando uma peça para retomarmos o nosso
caminho juntos. No momento em que o vi, meu coração disparou de ansiedade porque eu nunca
havia deixado de amá-lo por um só instante. Apesar de todas as coisas horríveis que você me
disse no início, eu não conseguia tirá-lo da cabeça. Você continuava mexendo comigo, como se
eu ainda tivesse 23 anos; como se o tempo não tivesse passado.

Ao descobrir sobre a tragédia que ocorreu com os seus filhos, eu pude finalmente entender
todo ódio e rancor que você guardava dentro do peito. Eu pude compreender o seu jeito rude de
me tratar e a vingança estúpida que você me fez naquela noite em que eu cantei para você. Eu
consegui entendê-lo, Lucca, mas você nunca procurou me entender!

Você não imagina o quanto eu chorei naquela maldita fazenda, sozinha, querendo estar ao
seu lado e ao lado da nossa filha. Eu tive tanto medo e senti tanta solidão. Você nunca pôde me
amparar e nunca pôde me dizer que tudo ia ficar bem. Poxa, eu implorei para que ficássemos
juntos! Eu implorei! Você nunca me ouviu!

Tantas foram as vezes em que eu quis lhe contar tudo isso! Tantas vezes quis lhe falar
sobre os meus traumas, mas você nem ao menos me permitia tocar no assunto. Quando você me
falou sobre o Benício e a Bianca, eu finalmente havia encontrado um motivo para remexer
em nosso passado e falar que a Ana Beatriz era sua filha biológica.

Eu só tive quatro homens em minha vida (incluindo você). Meu namorado Oliver (um cara
muito especial porque foi com ele que eu tive a minha primeira transa) e dois outros carinhas
que não valiam nada (o Eddie e o Patrick). E aí cheguei ao Rio e... BUMMMMMMM... conheci
você e meu mundo virou do avesso! Eu descobri o que era “amar de verdade”. De alguma
forma, sem explicação, eu também me apaixonei por você nos primeiros dias em que
convivemos, mesmo com todas aquelas troca de agressões entre nós.
Aquela noite em que você cantou para mim e que ficamos juntos pela primeira vez foi um
dos dias mais felizes de toda a minha vida. Eu nunca me esqueci dos momentos maravilhosos que
vivemos. Nossos shows; nossos momentos namorando; fazendo amor; rindo um com o outro;
compondo juntos. Você foi o meu maior sonho, Lucca!

Após deixar o Brasil, nunca mais me relacionei com ninguém. Eu e o Alexandre nunca
tivemos nada. Aliás, sempre tivemos tudo! A nossa amizade era tão verdadeira; tão única; tão
bonita. Ele ainda tentou arranjar alguns encontros pra mim, mas nunca passava de um jantar ou
de um cinema. Não conseguia sair com outros homens com o meu coração transbordando de
amor por você, Lucca! Meu amor era tão grande que ele simplesmente não cabia em meu peito.

É incrível como homens e mulheres têm maneiras diferentes de amar (pelo menos, regra
geral). Lembro-me de que, em poucos dias, no haras, antes de voltarmos a ficar juntos, você
'pegou' várias garotas, enquanto eu só havia transado com quatro caras na minha vida inteira.
Você não tem ideia do quanto meu coração doía ao saber que você se deitava com outras
mulheres. Muitas vezes eu sentia raiva de mim mesma por continuar amando você, um homem
que dormia com qualquer uma que aparecia em sua frente. Suas atitudes eram tão cruéis e
machistas. Vê-lo com a Isabel e, principalmente, com a Vanessa foi muito difícil pra mim. Você
não imagina o quanto aquilo me fazia sofrer.

Quando optei em trabalhar para o desgraçado do Elias, eu ainda não estava sabendo sobre
a exposição que aquele vídeo tinha me causado. Eu fiquei numa situação muito delicada: tirar a
Bia de você (e tirá-lo dela) - OU - proteger (a mim, a você, a ela e a todos com quem eu convivia
e queria bem). A minha alegria ao ver pai e filha juntos pesou na minha decisão de permanecer
em Jardim Campo Belo, mesmo com um considerável grau de risco. Aquele vídeo me expôs
muito, assim como a entrevista que fizemos para aquele programa famoso, anos atrás.

Bom, aí tudo aquilo aconteceu. Eu já tinha perdido a esperança de escapar com vida das
mãos daqueles monstros, mas aí Deus me mandou o Zeca, você, o Antônio e os policiais para me
salvarem. Um homem morreu por mim, Lucca! Um policial jovem, com toda uma vida pela
frente.

Quando o vi naquela noite tentando me resgatar, eu tive muito medo. Só pensava que se
algo acontecesse a você, a nossa filha ficaria órfã, como eu fui a vida toda. Ao vê-lo levando
aquele tiro, eu me desesperei. Eu só conseguia pensar que se você morresse o impacto para a
Bia seria devastador (como foi para mim). Não houve um único dia de minha vida em que eu não
me lembrasse da noite em que meus pais ficaram mortos, no chão da sala da nossa casa em São
Paulo, enquanto eu corria em busca de socorro. Quando não me lembrava disso durante o dia, as
imagens dolorosas me atormentavam em meus pesadelos.

Sei que você é ateísta, Lucca, mas eu queria finalizar esta carta contando algo muito
significativo pra mim.

Enquanto eu estava na casa da fazenda e aqueles homens me cercavam e diziam que iam
me estuprar e me matar, eu fiz três pedidos a Deus e a meus pais. Repeti esses pedidos durante
todo o tempo em que estive presa no cativeiro. Eu pedi para que a Bia fosse muito feliz ao seu
lado e que, de alguma forma, ela voltasse a falar; que ela pudesse lhe devolver o sorriso que
você havia perdido com a morte de seus filhos; e que você voltasse a cantar, tocar e compor.

Eu não sei explicar como isso é possível, mas mesmo antes de acordar do coma, eu já tinha
a certeza de que a Bia tinha voltado a falar. Você pode não acreditar no que eu digo agora, mas
enquanto eu dormia, eu ouvi a nossa filha falando comigo. Eu me lembro exatamente do que ela
falou: "eu sei que a senhora está me ouvindo porque está viva... e mesmo que estivesse morta, a
senhora continuaria me ouvindo... porque amor de mãe não morre nunca!"

Um milagre já se fez: a nossa filha voltou a falar, ainda que pouco! Faltam outros dois
milagres. Espero ainda vê-lo voltando a sorrir e voltando a pegar em um instrumento. Foi por
isso que eu não quis ficar com o violão. Meu violão agora é seu, Lucca!

Eu não sei por que os meus pais foram tirados de mim daquela forma tão trágica. Eu não sei
por que seus filhinhos foram tirados de você de uma maneira tão cruel e absurda. Eu não sei por
que aquele jovem policial não voltou para sua esposa e seu filho recém-nascido. Eu não tenho
resposta para nada disso, mas eu quero acreditar que existe um Deus; um propósito; um destino
para trilharmos.

Eu ainda o amo, Lucca! Pelo que me conheço, vou continuar amando você até o fim dos
meus dias. Eu não sei se você ainda me ama como antes. Eu acho você disse que me amava no
hospital apenas por pena; por culpa.

"Querida, eu a amo com toda a força do meu coração!”

Eu só quero que saiba que eu desejo o melhor pra você. Quero que você seja muito feliz!
Não tenho a menor ideia de como as coisas vão ficar entre nós no futuro, Lucca! Eu e você
temos cicatrizes ainda abertas e muito profundas. Não sei se algum dia seremos capazes de
conseguir fechá-las pra dar espaço para aquele amor tão bonito que compartilhamos anos atrás.

Eu preciso desse tempo pra mim. Quando olho pra você, eu sofro muito me lembrando de
todas as coisas terríveis que você me disse e que me fez. Eu também preciso desses dias com
a nossa filha. Senti muito a falta da minha pequena nas últimas semanas em que ela esteve
morando com você.

Seja feliz, querido! Eu o perdoo por todo sofrimento que você me infringiu! Desculpe-me
por toda dor que eu lhe fiz passar. Mais uma vez, obrigada por ter arriscado a sua vida por mim!
Eu só não posso garantir que eu conseguirei confiar em seu amor novamente ou que conseguirei
me esquecer de todas as palavras duras que você me disse.

Termino esta carta com um pequeno trecho de uma música que ouvi no rádio há alguns dias,
naquela noite em que conversamos no galpão e que nos molhamos na chuva: “Garotas boas são
esperançosas e aguardam por muito tempo... nós tivemos um amor lindo e mágico... que caso de
amor triste, lindo e trágico...”

Eva

Chorei copiosamente ao ler tudo aquilo. Após me recompor, voltei para a estrada. Quando
cheguei ao haras, no meio da tarde, a tristeza preencheu ainda mais o meu coração. A casa estava
silenciosa. A Luna estava com o Inácio e a Beth. A minha princesa estava com a mãe. E eu estava
sozinho.

Fui para o meu quarto. A solidão estava me matando. Deitei-me em minha cama. Minutos
depois, fui procurar o violão da Eva. Toquei nas cordas. Abri o caderno dela e comecei a escrever
uma letra ao me lembrar de tudo que ela tinha escrito naquela carta. Minutos depois, eu já havia
terminado.

“Eva, o seu segundo milagre acabou de acontecer!”

Eu tinha voltado a compor. Aquela era uma música que falava sobre solidão, distância e tristeza.
Falava sobre um grande amor que ainda não havia terminado. Eu tinha visto a mulher que eu amava
há poucas horas, mas já parecia uma eternidade.
A hundred days have made me older
Cem dias me fizeram mais velho

Since the last time that I saw your pretty face


Desde o último momento em que eu vi seu lindo rosto

A thousand lies have made me colder


Milhares de mentiras me fizeram mais frio

And I don't think I can look at this the same


E eu não sei se eu posso ver isso da mesma maneira

But all the miles that separate


Mas toda a distância que nos separa

They disappear now when I'm dreaming of your face


Desaparece quando eu sonho com o seu rosto

I'm here without you baby


Eu estou aqui sem você, querida

But you're still on my lonely mind


Mas você ainda está em minha mente solitária

I think about you baby


Eu penso em você, querida

And I dream about you all the time


E eu sonho com você o tempo todo

Everything I know, and anywhere I go


Tudo que eu sei, e em qualquer lugar que eu vou

It gets hard but it won't take away my love


Fica difícil, mas não tira o meu amor

I'm here without you baby


Eu estou aqui sem você, querida

But you're still on my lonely mind


Mas você ainda está em minha mente solitária

I think about you baby


Eu penso em você, querida
And I dream about you all the time
E eu sonho com você o tempo todo

I'm here without you baby


Eu estou aqui sem você, querida

But you're still with me in my dreams


Mas você ainda está comigo em meus sonhos

Trechos da música “Here Without You” - 3 Doors Down


(OBS.: na ficção, composta por Lucca Baroni)
Capítulo 20

Eva
O avião decolou. Olhei para o meu lado e sorri quando vi a minha filha agarrada a um leitor de
livros digitais que o pai havia dado pra ela. Ela estava compenetrada com a leitura de alguma coisa
importante. Começamos a conversar baixinho.

__ Gostando da leitura, filha?

__ Tô sim, mamãe!

__ Que livro está lendo?

__ "Deus, Um Delírio", do Richard Dawkins.

"Como pode uma criança de 8 anos gostar tanto de leituras complexas? Essa minha filha
devia ter herdado o meu QI mais o do pai, além dos quatro avós de uma única vez!"

__ Você não acredita mesmo em Deus, Bia?

__ Ainda não cheguei a uma conclusão sobre isso, mamãe!

"Como é bom ouvir sua voz, filha! Obrigada, meu Deus!"

__ Você tem o direito de não acreditar, mas tem o dever de respeitar quem acredita, está bem
meu anjo?

__ Claro, mamãe! Mas sabe de uma coisa? Eu rezei pela senhora esses dias. Rezei muito, na
verdade. Eu e o papai!

"Sério? Dois ateus rezando?"

__ Se você rezou por mim, então de alguma forma você acredita em alguma ‘Força Maior’, não
acha?

__ Não sei! Por via das dúvidas, resolvi rezar. Quando pensei que a senhora tinha morrido, pedi
a Deus, a meu pai Alexandre e meus avós Álvaro e Luise para cuidarem de você. Também pedi para
o papai parar de chorar e para o meu coração parar de doer.

__ Que bonito, filha!

__ Mas quando eu vi que a senhora não tinha morrido e só estava dormindo, aí pedi a Deus para
a senhora abrir os olhos e voltar pra casa.

__ Você não acha que pelo fato de eu ter sobrevivido é porque, de alguma forma, Deus ouviu as
suas preces?

__ É provável, mas isso não significa que é certeza.

__ Meu bem, como já lhe disse, você tem todo o direito de pensar como quiser. Nunca deixe
ninguém lhe impor nenhuma ideia ou pensamento pré-estabelecido sem que antes você reflita bem.
Mas, eu preciso lhe dizer uma coisa, Bia. - ela continua olhando fixamente para o livro digital em
suas mãos. - Enquanto eu estava em coma, eu ouvi você falando comigo.

A minha filha não esboçou nenhuma reação e continuou lendo. Isso era típico dela. A
criança Asperger só dá atenção ao que realmente quer e na hora que quer.

__ Você disse mais ou menos assim: "eu sei que a senhora está me ouvindo porque está viva...
e mesmo que estivesse morta, a senhora continuaria me ouvindo... porque amor de mãe não morre
nunca!"

Ela virou a cabeça e fitou meus olhos com espanto.

__ Foi exatamente isso que eu disse, mamãe!

__ Ter ouvido você enquanto eu estava em coma e ter sobrevivido, quando todos os médicos
diziam que seria quase impossível eu acordar, não prova pra você que existe SIM um Deus?

__ Não, mamãe! Prova que a senhora tem um ouvido e uma memória impressionantes... e que
existem muitos médicos burros!

Eu sorri.

"Obrigada, Senhor, pela minha filhinha! Ah, como eu a amo!"

Como era bom ouvir a voz da Bia. Agora eu só precisava mudar de ares e aproveitar ao máximo
a companhia da minha pequena. Eu tinha tido uma nova chance e queria aproveitar essa dádiva que
era ‘estar viva’ da melhor forma possível.

Logo depois que tive alta do hospital, fui passar uns dias com a Júlia. Foram momentos difíceis.
Sentia-me deslocada ali, por mais que a minha amiga procurasse fazer com que o apartamento fosse
um pouquinho meu também.

Apesar dos sonhos terríveis que me assombravam a cada vez que eu adormecia, eu tinha a
esperança de que as coisas fossem melhorar. Eu e a Júlia fomos ao shopping assim que eu me
recuperei as minhas forças. Tinha emagrecido muito nos últimos dias, mas aos poucos, fui retomando
o meu peso.

Adorei esse tempo com a minha amiga. Rimos bastante. Foram três tardes inteiras comprando
roupas, acessórios, cosméticos e tantas coisinhas que nós mulheres adoramos. A Júlia era muito
divertida e tinha um alto astral contagiante.

Ela também me levou para um salão de beleza. Minha autoestima tinha sido bastante abalada. As
cicatrizes na minha perna e na minha barriga ainda estavam muito feias, mas o meu rosto já tinha
ficado bom. Fiz unhas, sobrancelhas, depilação, cabelo. Queria viajar me sentindo melhor comigo
mesma.

A Júlia também me levou para fazermos uns tratamentos estéticos. Nós duas ficamos recebendo
massagens nas costas e nos pés, e hidratação no rosto por um bom tempo. Foram momentos
relaxantes. Porém, bastava eu fechar meus olhos para que os acontecimentos do passado voltassem a
me atormentar. Ter reencontrado os assassinos dos meus pais foi terrível para mim! Isso fez com que
todo aquele trauma da infância fosse revivido em minha mente, só que agora de maneira ainda pior.

Enquanto meus documentos pessoais e passaporte não ficavam prontos, eu procurei preencher
meu tempo lendo muito e indo fazer terapia com uma amiga da Júlia. Eu evitava, ao máximo, ver e
falar com o Lucca. Era difícil encarar aquele olhar de pena que ele esboçava todas as vezes em que
me via. Ele estava tomado de um enorme sentimento de culpa por não ter acreditado no que lhe disse
e por ter dificultado as coisas entre mim e a nossa filha.

Eu não sabia exatamente o que ele sentia por mim. O Lucca havia me dito que ele e a Vanessa
não estavam mais juntos. Porém, a Beth me informou que ela continuava insistindo para eles
voltarem, sempre que os dois se viam nas sessões com os cavalos. Eu não sabia o que pensar sobre
isso. Eu achava que aquela moça não era pra ele; que ele merecia uma mulher mais amadurecida e
com um coração melhor, já que a pessoa que ele escolhesse para viver estaria constantemente ao
lado da Ana Beatriz. Isso me preocupava.

Antes de partir, também consegui marcar um encontro com o Zeca. Fomos até uma padaria perto
do apartamento da Júlia.

__ Obrigada por tudo! Você salvou a minha vida!

__ Dona Eva, não precisa me agradecer. Eu faria tudo de novo!

__ Por favor, me chame apenas de Eva. Você é um bom homem, Zeca! Obrigada, de todo
coração, por ter se arriscado por mim. Você foi um anjo enviado por Deus.

Tomamos dois cafés. Ele me disse que tinha deixado a fazenda para trabalhar no haras, no lugar
do João. Fiquei feliz com aquela notícia.

Nesses dias, além do Zeca, eu também recebi a visita do Túlio e da Isabel. Os dois estavam
namorando e pareciam muito felizes. Ela me pediu desculpas pelo que fez ao gravar o vídeo e jogá-
lo na internet, e o Túlio se desculpou, um trilhão de vezes, por ter arranjado aquele emprego pra mim
na fazenda do velho pedófilo. Graças a Deus que aquele miserável jamais tinha encostado um único
dedo em minha filha.

__ Não foi sua culpa, Túlio! Esqueça isso, está bem?

__ Eu quase morri de angústia quando me disseram que tinham achados dois corpos
carbonizados na casa e que um deles era o seu. Eu chorei como um menino, Eva!

__ Ei, eu estou bem! Tudo isso já passou!

__ O que pretende fazer de agora em diante? - ele me questionou ao lado da Isabel.

__ Pretendo viajar com a minha filha. Após o meu retorno, vou alugar um apartamento aqui
mesmo na capital e arranjar um novo emprego. Não quero deixar a Bia muito afastada do pai. Se não
fosse por ela, acho que acabaria indo trabalhar com cavalos Campolina, na Bahia ou em
Pernambuco. Eu adoro cavalos! Você sabe!

__ Você não vai voltar para o haras?

__ Não, Túlio, eu não vou!


__ Bom, eu só quero que saiba que você pode contar com a gente! Eu e a Isabel queremos muito
bem a você.

__ É, Eva! Não é porque estou na frente do Túlio que vou dizer isso. Mas eu comecei a admirá-
la muito nos últimos tempos. Você não deve gostar nada de mim porque eu já estive com o Lucca e
por eu ter participado daquela vingança. Porém, eu passei a gostar de você de verdade; do seu jeito;
da sua forma de ser mãe; da maneira como cuida dos animais.

__ Obrigada, Isabel. Eu confesso que já tive raiva de você. Mas isso já passou! Espero que
vocês dois sejam muito felizes juntos!

__ Eu sei que não devo me meter nessa história, mas eu só queria registrar que o Lucca ama
muito você. Ele sofreu demais com tudo isso! Eu notei o quanto ele a amava desde antes de você
aparecer no haras. Eu sabia que havia uma mulher naquele coração de gelo; uma mulher que ele
nunca conseguiu tirar da cabeça. Essa mulher era você o tempo todo, Eva!

Foi uma conversa muito agradável. Eu fiquei feliz por ver o meu amigo Túlio apaixonado e
cheio de planos. Naquela mesma manhã, fui visitar a família do policial que tinha sido morto no dia
do meu resgate. Deixei com a esposa dele uma boa quantia em dinheiro para ajuda-la com o filho
recém-nascido.

__ Serei eternamente grata pelo que seu esposo fez por mim! Eu sinto muito pela sua perda. O
que eu puder fazer por você e pela criança, eu farei!

__ Obrigada, Eva!

Assim que cheguei em casa, a Júlia me mostrou uma carta que o Felipe tinha enviado. Ele falava
que estava com muitas saudades e que não via a hora de vê-la novamente. Ela ficou radiante. Dentro
do envelope que ele mandou, havia um cartão assinado pelos rapazes da banda.

Eva:

Nós estamos imensamente felizes com a sua recuperação! Sentimos muito pela maneira
terrível que a tratamos no dia do aniversário de sua filha. Ficamos muito sensibilizados pela sua
história de vida. Esperamos vê-la pessoalmente em breve. Vamos fazer uma visita assim que
você voltar de viagem.

Pedimos o seu perdão, Eva! Tudo que você viveu só nos mostra o quanto você é uma
guerreira; o quanto você conseguiu pensar mais nas pessoas ao seu redor do que em si mesma.
Seu coração vale ouro, querida! Sentimos saudades de sua amizade! Por mais gente boa que o
Leo tenha sido, nós nunca conseguimos superar a sua ausência na SB. Você passou a ser a nossa
amiga poucos dias depois que conhecermos seu precioso sorriso e sua alma bondosa.

Você errou em nos omitir tanta coisa, mas nós entendemos! Cada um sabe o que se passa
dentro de sua cabeça; cada um sabe as dores que carrega no peito. Você nos fez muita falta
nesses anos todos.

Fique bem, querida! E mais uma vez, desculpe-nos por todas aquelas palavras tão duras.

Com carinho, Vinícius e Giovane.

Após ler o cartão, tive a ideia de escrever uma carta para o Lucca. Eu sempre consegui me
expressar melhor com as palavras escritas do que com os discursos. Escrever uma carta pra ele era
algo que eu já deveria ter feito há muito tempo.

Hoje é o meu aniversário. Eu estou completando 33 anos. Já faz cinco semanas que eu e a Bia
chegamos a Paris. Ela está adorando a cidade, mas é comum reclamar de dor de cabeça.
Definitivamente, a minha filha não gostava do barulho e da agitação das grandes metrópoles. Ela não
é nada sociável. Porém, eu não me preocupo mais com isso. Há pessoas sociáveis e infelizes, assim
como há pessoas mais reservadas e felizes.

Aproveitamos que estávamos na Europa e fomos conhecer a Espanha, a Itália e a Holanda. No


entanto, o local que a Bia mais gostou, depois da França, foi a Itália, especialmente Florença, a
cidade dos pais e avós do Lucca. Fomos até o cemitério em que o Benício e a Bianca estavam
enterrados. A Bia escreveu uma carta para os irmãos e deixou em cima da lápide.

Há poucos minutos, o Lucca me ligou para me desejar um 'feliz aniversário'. Falamos sobre
trivialidades. Perguntei sobre o Inácio, a Beth, o Zeca, a Luna, enfim. Ele disse que todos estavam
bem. Desligamos o telefone. Havia algo estranho entre nós. Talvez a distância física tenha nos
causado uma distância emocional muito maior.

__ Papai, eu já disse que não vou esquecer.


__ Bia, isso é muito importante! Será às 22h no horário de Brasília.

__ Tá! Eu já sei sobre o horário.

__ Ah, e como ela está?

__ A mamãe está bem, mas ela continua tendo aqueles pesadelos.

__ Tudo vai ficar bem, princesa! Sua mãe vai melhorar! Eu prometo! Te amo, filhota!

__ Te amo, papai!

Quis sair para comemorar o meu aniversário com a Bia em um ótimo restaurante que passamos a
frequentar assim que chegamos em Paris. Ficava na ‘Rue de Rivoli’, nas proximidades do Museu do
Louvre.

Foi um jantar muito agradável. A Bia tinha concordado em deixar seu e-reader para podermos
conversar melhor. Com aquele aparelhinho que ela ganhou do Lucca, a minha filha passou a "comer
literatura" com muito mais agilidade. Se eu não impusesse alguns limites, a menina ficaria lendo por
horas a fio.

Mesmo voltando a falar um pouco, ela continuava sem conseguir se concentrar muito na vida
real. Sua mente viajava por um caminho que só ela conhecia, repleto de fantasia e às vezes cheio de
especulações filosóficas e racionais. Comecei a incentivá-la a escrever todos os seus pensamentos e
ideias no smartphone (que ela também havia ganhado do Lucca). Quando chegava em casa, ela
costumava passar as anotações para o seu laptop.

De vez em quando, a Bia parava tudo que estava fazendo, abria o aplicativo de notas do celular
e escrevia alguma coisa. Era difícil penetrar naquele seu mundinho, mas eu amava a minha filha
exatamente como ela era.

__ Vamos, mamãe! Estou cansada! Quero logo ir dormir.

__ Filha, nem são nove da noite ainda! Vamos ficar mais um pouco!

__ Não, mamãe! Eu estou mesmo muito cansada.


Voltamos para o apartamento que estávamos alugando. Depois de fazer todo o ritual "pré-sono",
eu a coloquei na cama e também fui dormir. Adormecer, nas últimas semanas, estava sendo um
tormento. Sempre acordava com algum pesadelo me afligindo.

Na madrugada anterior, tinha novamente sonhado com os meus pais sendo assassinados. A
mesma agonia ocorreu dois dias antes. Acordei me lembrando daquele momento terrível que vivi na
fazenda, quando o Rony enfiou um canivete em minha perna. Acordei assustada e chorando. A Bia me
consolou.

Hoje, pelo menos no meu aniversário, eu esperava ter uma noite tranquila.

__ Já faz algum tempo que venho lhe alertando para você se organizar, Heitor! Lembre-se de que
esta empresa, antes de ser nossa, era do nosso pai.

__ Relaxa, Gabriel!

__ Eu só vejo você fazendo suas negociatas e colocando em xeque a respeitabilidade da Cosmos


Nature. Nós somos sócios! Você não pode decidir tudo sozinho, sem o meu aval.

__ O seu problema é que você é certinho demais, Gabriel! Isso enche o saco! Olhamos para
horizontes diferentes. Se fosse fazer tudo certo na vida, eu não teria o patrimônio que tenho hoje. Não
há "gente correta" no mundo dos negócios, maninho! Aprenda isso.

__ Realmente olhamos em horizontes diferentes. Eu sempre fui íntegro e é isso que eu quero
passar para o meu filho Miguel. Se não tivermos caráter, afinal de contas, o que nos sobra?

__ Esse seu jeito "politicamente correto" me torra a paciência!

__ Olhe aqui, Heitor, eu vou lhe dar uma semana para você deixar todos esses seus esquemas
escusos. Se você não fizer isso, vou tirar você da presidência. A forma como você age o impede de
continuar sendo o sócio majoritário da Cosmos.

__ Deixe de ser idiota, Gabriel! Eu só faço uns esqueminhas aqui e ali. Nada que nenhum grande
empresário desse país não faça.

__ Você enlouqueceu, homem? Isso que você tem feito não se trata de "esqueminhas". Você está
agindo como um criminoso, Heitor! Você anda envolvido com tráfico de drogas, prostituição infantil,
lavagem de dinheiro, licitações fraudulentas, propinas recebidas de grandes políticos. Vê se cria
juízo!

__ Você não tem como provar nada do que afirma, Gabriel! Vá pra casa e me deixe em paz!

__ Eu tenho sim! Comecei a reunir, no último ano, um vasto material sobre você e seus parceiros
criminosos. Se você não seguir na linha daqui em diante, eu vou soltar esse dossiê na impressa! Eu
juro por Deus!

__ Você está blefando!

__ Não estou não! Está aqui! São páginas recheadas de provas que o incriminam. Você está
envolvido com gente muito importante e todos eles podem se dar muito mal nessa parceria criminosa.
Esse dossiê não sairá de minhas mãos se você se afastar dessa merda toda. Apenas faça o que é
certo, Heitor!

Eu estava escondida na antessala do Dr. Heitor. Tinha ido lá devolver uma pasta que o papai me
pediu. Ele trabalhava como o principal químico daquela indústria de cosméticos. Vi o Dr. Gabriel
entrando junto ao irmão e fiquei envergonhada de aparecer. Ouvi toda a conversa e vi o momento
exato em que um único tiro foi disparado e o irmão mais novo caiu no chão, com a camisa tomada de
sangue. Fiquei assustada. O Dr. Heitor saiu da sala. Aproveitei o momento em que não havia
ninguém, peguei o pacote que estava em cima da mesa, olhei para o corpo e saí correndo dali.

__ Onde diabos foi parar esse dossiê, Rony? Estava aqui agora mesmo, em cima da minha mesa.

__ Eu não sei, Dr. Heitor!

__ Alguém esteve aqui! Onde estão localizadas as câmaras de segurança?

__ Nos corredores e no hall de entrada.

__ Ainda tem alguém trabalhando a essa hora?

__ Não! Já passa das oito da noite. Todos já foram!

__ Chame o Isac e se livrem do corpo, Rony!


__ Ok, Dr. Heitor.

__ Se você e o Isac continuarem ao meu lado, vocês têm muito a ganhar! Limpem tudo! Eu vou
indo! Depois que vocês terminarem, preciso que peguem todas as gravações das câmaras de
segurança e levem para a minha casa. Nós temos que identificar quem esteve aqui e eliminá-lo, o
mais rápido possível. Esse crime nunca aconteceu e esse dossiê tem que ser encontrado.

__ Pode deixar comigo.

__ Rony, se você fizer tudo certo, amanhã será depositado o valor de cem mil reais na sua conta.
Diga para o Isac que ele ganhará a mesma quantia. De onde saiu esse dinheiro, poder sair muito
mais! Este será o nosso segredinho, estamos entendidos?

__ Perfeitamente, Dr. Heitor.

__ Mamãe! Mamãe!

__ O que foi, meu anjo? Que horas são? - Bia me acordava daquele sonho medonho, onde revivi
a noite em que o Gabriel havia sido assassinado.

__ São cinco para as duas da manhã.

__ O que houve para você me acordar a essa hora da madrugada?

__ Eu preciso lhe mostrar uma coisa aqui no computador.

__ Amanhã eu vejo, meu bem! Volte a dormir.

__ Tem que ser agora!

É com grande satisfação que a Open Night Club apresenta, neste exato momento, um show
que ficará para a história da cidade do Rio de Janeiro. Após anos de separação, a banda Sonic
Beat se reúne esta noite com dois propósitos especiais: angariar fundos para a "Associação
Brasileira para a Ação por Direitos da Pessoa com Autismo" - ABRAÇA, e para fazer uma
homenagem à ex-integrante da Banda, Eva Martins.
Esse show está sendo transmitido, ao vivo, através da internet. Então, sem mais demora,
vamos lá! Com vocês: Vinícius Lacerda! Giovane Franco! Felipe Gonçalves! Lucca Baroni! Boa
noite e divirtam-se!

Eu não estava acreditando no que eu via. Talvez eu ainda estivesse sonhando. Limpei meus
olhos. Olhei para o lado e vi a minha filha aumentando o volume do laptop. Aquele clube tinha sido o
local onde eu estreei com a banda, em 2005.

"Não era possível! O Lucca cantando e tocando de novo! Deus do céu!"

Eva, essa primeira música eu compus há alguns dias. Ela diz tudo que eu queria lhe dizer
agora, pessoalmente. Você é a grande RAZÃO, querida! Você e a Bia são os maiores
PROPÓSITOS da minha vida. Estar aqui hoje é um pequeno milagre concretizado. Obrigado
por tudo, meu amor! Obrigado por ter quebrado todo o gelo dentro de mim. Eu a amo demais! E
eu sempre vou amar você! Por favor, querida, eu preciso do seu perdão! Eu preciso que você
volte pra casa! Feliz Aniversário, Eva!

Eu continuava sem acreditar direito no que eu via e ouvia.

I'm not a perfect person


Eu não uma pessoa perfeita

There's many things I wish I didn't do


Há muitas coisas que eu não gostaria de ter feito

But I continue learning


Mas eu continuo aprendendo

I never meant to do those things to you


Eu nunca quis fazer aquelas coisas com você

I just want you to know


Eu só quero que você saiba

I've found a reason for me


Que eu encontrei uma razão para mim

To change who I used to be


Para mudar quem eu costumava ser

A reason to start over new


Uma razão para começar tudo de novo

And the reason is you


E a razão é você

I'm sorry that I hurt you


Sinto muito por ter lhe machucado

It's something I must live with everyday


É algo que tenho que conviver todos os dias

And all the pain I put you through


E toda a dor que lhe causei

I wish that I could take it all away


Eu espero que eu possa levá-la embora

And be the one who catches all your tears


E ser aquele que segura todas as suas lágrimas

That's why I need you to hear


E é por isso que preciso que você me ouça

I've found a reason for me


Que encontrei uma razão para mim

To change who I used to be


Para mudar quem eu costumava ser

A reason to start over new


Uma razão para começar tudo de novo

And the reason is you


E a razão é você

I've found a reason to show


Eu encontrei uma razão para mostrar

A side of me you didn't know


Um lado meu que você ainda não conhecia

A reason for all that I do


Uma razão para tudo que eu faço
And the reason is you
E a razão é você

Ao fim da música, meus olhos ficaram cheios de lágrimas. O Lucca tinha voltado a compor, a
tocar e a cantar.

__ Mamãe, o papai mandou essa carta por e-mail e disse para eu lhe mostrar assim que
terminasse a primeira música. Eu vou deixar a senhora ler e volto daqui a pouco.

__ Filha, muito obrigada!

Ela se retirou do meu quarto. Eu baixei o som do laptop e comecei a ler o e-mail.

Querida Eva:

Hoje é o seu aniversário. Há exatamente 10 anos, nós estávamos fazendo a reestreia de


nossa banda tendo você como nossa nova integrante. Foram anos de muito amadurecimento,
alegrias e, principalmente, anos de muita dor e saudade.

Eu não tenho tanto jeito com as palavras como você. Você sempre foi melhor compositora e
instrumentista do que eu. Ah, querida, eu a admiro tanto! Sua alma, Eva, é tão linda! Eu vejo
mais do que o seu corpo; eu vejo quem você realmente é! Seu caráter e sua generosidade me
fascinam.

Em certas partes deste e-mail, eu escreverei alguns trechos de outra música que compus
pra você. Ela se chama "fotografia". Não vamos tocá-la esta noite porque eu a escrevi para
fazermos um dueto. Tive a ideia da letra quando abri o seu caderno e fiquei admirando a foto
que você havia colado nele. É uma fotografia nossa de quando começamos a namorar.

Naquela época, nós ainda não sabíamos o quanto a vida poderia ser cruel conosco e o
quanto o amor poderia doer. Mas apesar de muitas vezes ser doloroso, meu anjo, é o amor que
nos mantém vivos! A única coisa que levamos após a nossa morte é o amor que compartilhamos.
Todo o resto fica aqui!

O AMOR é capaz de curar as pessoas! O seu amor me curou, Eva! O seu amor remendou a
minha alma e me salvou de mim mesmo!

Eu li a sua carta minutos depois que você a entregou em minhas mãos. Eu chorei ao ler tudo
aquilo. Todas aquelas palavras me tocaram profundamente. Eu sinto muito por tê-la feito sofrer!
Eu sinto por toda solidão e medo que você teve que enfrentar naquela fazenda. Ow, minha
linda, eu só preciso do seu perdão!

Você errou ao omitir fatos tão importantes da sua vida, mas eu entendo que seus erros
tiveram um propósito altruísta. Eu também errei muito, Eva! No fim das contas, eu errei muito
mais do que você por causa do meu orgulho; da minha vaidade; da fúria que eu carregava
dentro de mim. Eu tinha muito ódio no coração! Ódio da Lorena; de você; de Deus!

Mais uma vez me desculpe por toda a amargura que despejei em você; por todas aquelas
palavras rancorosas. Ow, meu anjo, você sofreu tanto! É por isso que eu quero poder lhe dar o
céu, Eva! Nunca mais a deixarei sozinha! Nunca mais a deixarei partir! Nunca mais o meu
orgulho será capaz de machucar você!

Na sua carta, você comentou que teve três outros homens além de mim. Fique sabendo que
eu já odeio esses filhos da puta (eu preciso dar uma de macho... não se esqueça disso!). Quanto
às mulheres que já passaram por minha vida, devo confessar, não foram poucas! Mas uma coisa
você não sabe, Eva: das inúmeras vezes em que deixei o haras para ir ao bar, eu só fazia mesmo
beber e passar o tempo. Você não tem ideia de quantas mulheres eu dispensei porque ficava o
tempo todo me lembrando de você! E quando realmente dormia com alguma mulher, era em
você que eu pensava.

Sei que esse papo soa machista. Mas eu não posso mudar o fato de ter saído com essas
mulheres, mesmo amando você com toda a força do meu coração. Eu fui um fraco e um tolo!
Nunca se esqueça de uma coisa, Eva: nós homens é quem somos o sexo frágil! Nós somos apenas
meninos crescidos precisando de colo.

Tudo que aconteceu nos últimos meses mexeu tanto comigo que eu até repensei essa
história de ser ateu. Eu rezei tanto pra você voltar pra mim, querida! E, de alguma forma, você
voltou! Coincidência ou não, eu fico com a explicação de que DEUS trouxe você de volta para a
vida. Eu rezo por nossa filha todos os dias! Eu rezo por você o tempo todo!

Você me disse, em sua carta, que durante os seus momentos de terror você fez três pedidos
a Deus e a seus pais:

1) Para a Bia voltar a falar;


2) Para eu voltar a compor, cantar e tocar;

3) Para eu voltar a sorrir como antes.

Dois pedidos já foram realizados, Eva! Eu os considero pequenos milagres! Mas o último só
poderá se concretizar quando eu a tiver em meus braços novamente. Só você poderá resgatar
aquele Lucca de uma década atrás. Só você e o seu amor poderão me fazer voltar a sorrir.

Que bom que você me perdoou por tudo. Eu também já a perdoei pelas suas omissões e por
sua fuga. O amor verdadeiro é capaz de perdoar e suportar muita coisa, querida!

Você precisa confiar quando eu digo que a amo! Esse sentimento não tem a ver com culpa
ou pena. Eu te amo, Eva, com todo o meu coração!

Nada do que nos aconteceu pode ser mudado. O passado ficou para trás. Só o que temos
entre os dedos é o nosso "hoje" e o futuro lindo que ainda podemos trilhar juntos.

Você não teve culpa pelo que aconteceu aos seus pais! Você não teve culpa pelo que
aconteceu aos meus filhos (eu estive errado o tempo todo). Temos que nos livrar de qualquer
sentimento de culpa ou rancor que ainda exista em nossos corações.

Você disse que me ama! Então, por favor, volta logo pra casa para recomeçarmos de onde
paramos. Eu nunca mais eu a magoarei, Eva! Confie em mim! Você e a Bia são os meus maiores
tesouros. Feliz Aniversário, meu bem!

Com amor, Lucca.

PS.: Eu a amei todos os dias, querida! A minha promessa nunca foi quebrada! Espero que
algum dia você possa me perdoar.

Chorei muito ao ler o e-mail. Aquela última frase demonstrava que ele havia lido a carta que eu
deixei dentro do envelope do dossiê. Chamei a Bia de volta ao quarto e ficamos na cama assistindo
ao show. Tudo estava lindo. O público presente estava adorando. Quando o show acabou, os rapazes
da banda mandaram recados para mim.

Feliz aniversário, Eva! Volta logo pra casa! Sentimos muitas saudades! (Felipe)
Parabéns, minha amiga! Nós esperamos você no palco novamente! Beijão na Bia! (Vinícius)

Curta seu dia, Eva! Toda a felicidade do mundo pra você! (Giovane)

Eu te amo, querida! Vem logo pra casa! Boa noite e bons sonhos! Filha, estou morrendo de
saudades! (Lucca)

Desligamos o laptop e dormirmos juntas. Esse tinha sido o melhor presente de aniversário da
minha vida.

Chegamos ao Brasil. Voltamos sem avisar. Assim que o avião pousou em Belo Horizonte,
pegamos um táxi a caminho do haras. Chegamos por volta das quatro da tarde. O Inácio, a Beth, o
Damião e o Zeca ficaram muito animados com a nossa chegada.

__ Ah, meu Deus! Que surpresa maravilhosa, querida! - Beth me abraçou.

__ Onde ele está?

__ O Lucca foi levar a Luna para o check-up de rotina na capital. Ele deve estar chegando a
qualquer momento. - Inácio respondeu.

__ Não digam pra ele que nós chegamos.

__ Ok, Eva! Que bom que vocês duas estão de volta! - Beth disse animada.

__ Nós também ficamos felizes em estarmos de volta, amiga! - eu a abracei novamente. - Bia, eu
posso ir ajeitando as suas coisas enquanto o seu pai não chega? Que tal você ficar um pouco com o
Inácio e a Beth lá na casa deles?

__ Está bem, mamãe!

__ Assim que o Lucca e Luna voltarem você poderá sair. Até lá, fique escondida. Ele não pode
ver você.

Eu entrei na casa. Fiquei me lembrando do e-mail que respondi para o Lucca no dia seguinte à
apresentação que a Sonic Beat tinha feito, três dias atrás.
Lucca:

A Bia me mostrou o show incrível que vocês fizeram ontem! Eu não tenho palavras para
descrever o quanto fiquei feliz ao vê-lo em cima de um palco novamente. Você pode ser um bom
administrador e amar os seus cavalos, mas você tem uma alma de músico! Nunca mais abandone
a música!

Obrigada pela linda homenagem. Meu aniversário ficou especial ao ver todos vocês
reunidos.

Adorei as músicas novas, principalmente a primeira. Você e a Bia também são a minha
maior RAZÃO para tudo que eu faço (e fiz) na vida, desde que nos conhecemos!

Volto para o Brasil assim que possível. Precisamos nos ver pessoalmente. Fiquei muito feliz
ao saber, de forma tão clara e pública, que você ainda me ama como antes, Lucca Baroni!
Cuide-se bem, querido!

Com todo amor que há em meu peito, Eva.

Trechos da música “The Reason” - Hoobastank


(OBS.: Na ficção, composta por Lucca Baroni)
Capítulo 21

Lucca
Estava voltando para o haras com a Luna. Fomos ao Pet Shop em BH para fazer os seus exames
de rotina. Olhei para trás e a vi dormindo no banco. Imediatamente me lembrei de Bia e do quanto
ela amava aquela cachorrinha. Tudo estava bem com a saúde dela.

Liguei o rádio e sintonizei numa estação de alcance nacional, a mesma que eu costumava ouvir
quando morava no Rio. Após algumas canções, o locutor interrompeu a pragramação musical para
dar uma notícia que me causou surpresa.

Notícia quente: a banda carioca Sonic Beat voltou a se reunir na última terça-feira. Foi um
show inesquecível, com grandes sucessos e algumas composições inéditas. Tentamos entrar em
contato com os integrantes do grupo, mas não obtivemos retorno. Corre um boato por aí que um
sexto álbum será lançado em breve. Excelente notícia! Só esperamos que a querida Eva Martins
se junte aos caras nesse novo projeto.

"Que diabos de boato era esse?"

Em nenhum momento, decidimos voltar com a banda. O show foi apenas comemorativo; foi tão
somente uma homenagem que resolvemos fazer pelo aniversário da Eva, para eu demonstrar, de
forma explícita, o quanto eu a amava e que o pedido que ela fez se concretizou: eu estava compondo,
tocando e cantando novamente.

O show tinha sido emocionante. O público inteiro vibrou com as nossas músicas. E eu,
finalmente, puder exorcizar a culpa que me consumiu por tanto tempo. Eu, 'a música' ou a Eva não
éramos culpados pelo que aconteceu aos meus filhos.

Por mais que eu tenha adorado a experiência de retornar a um palco, eu não me imaginava mais
naquela rotina puxada de shows e viagens pelo Brasil. Assim como a Bia, eu gostava de
tranquilidade. Eu adorava o haras! Voltei a ouvir música e a fazer música, mas não pretendia viver
disso outra vez.

Durante a nossa apresentação, senti o meu peito cheio de amor. Eu era louco por aquela mulher e
o que mais queria em minha vida era poder conquistá-la novamente; era poder senti-la em meus
braços e protegê-la de todos os males desse mundo doido.

Após ler a carta que ela me entregou antes de partir, eu fiquei com aquela ideia na cabeça: eu
voltaria a fazer composições; eu voltaria a tocar e a cantar. Faria isso por ela e por minha filha. Faria
também pelo Benny e pela Bianca! Mas, principalmente, faria por mim mesmo!

Eu amava segurar uma guitarra ou um violão em meus ombros! Eu amava deslizar meus dedos
sobre as teclas de um piano! Eu amava olhar para o público e vê-lo em êxtase pelo som que eu e
meus amigos fazíamos. Eu me sentia mais vivo cantando e tocando. Eu sempre soube disso, desde
muito moleque. Foi maravilhoso ter a oportunidade de sentir aquela energia contagiante mais uma
vez.

Eu queria me libertar daquelas amarras que me fizeram, por tanto tempo, um homem
amargurado; um homem que passou a odiar o que antes mais adorava fazer. Então, uma semana
depois que a Eva partiu para a França, eu fui ao o Rio de Janeiro e convenci o Felipe, o Giovane e o
Vinícius de que deveríamos fazer um show. Aquele seria o nosso pedido de desculpas a ela, público
e oficial. Eles toparam na mesma hora.

Ensaiamos por dez dias. Foi bom voltar a conviver com os meus amigos. Combinamos tudo com
o dono da casa noturna e contratamos uma empresa para fazer a transmissão, ao vivo, pela internet.
Deixamos tudo preparado. Voltei para o haras.

Um dia antes do aniversário dela, retornei ao Rio. Naquele dia, fizemos um último ensaio. Tudo
estava perfeito. Ela só precisava assisti-lo. Contei com a ajuda da Bia e minha filhota não me
decepcionou.

Se a Eva me visse cantando de novo, ela iria saber que um segundo milagre tinha se realizado.
Eu jamais me imaginei voltando a tocar depois do que aconteceu com o Benny e a Bianca. Jurei que a
música na minha vida tinha morrido junto com os meus filhos. O que eu não imaginava era ter que
voltar a conviver com a mulher que eu nunca havia deixado de amar; com a mulher que guardava
dentro de si uma verdadeira paixão pela música.

Não foi fácil tomar a decisão de voltar ao palco, mas eu tinha que provar a mim mesmo de que
eu era capaz! Eu tinha que provar à Eva que estar ali, na noite de seu aniversário, era a maior prova
de amor que eu poderia dar a ela. E aquela música dizia tudo: ela era a maior razão para eu mudar o
homem frio e infeliz que eu me acostumei a ser nos últimos anos! Ela e a nossa filha eram o maior
propósito de minha mudança e de minha vontade de recomeçar.

Alguém certa vez me disse que nós nunca podemos fazer um 'novo começo', mas sempre
podemos mexer no nosso 'presente' para fazermos um 'novo final'. Era isso que eu queria para mim: a
possibilidade de ter um final mais feliz! Eu precisava de um desfecho que acalentasse meu coração;
que me permitisse ser um homem melhor.

E para onde quer que eu olhasse, eu só conseguia enxergar esse desfecho ao lado da Eva. Eu a
amava! E ela me amava, profundamente. Eu soube disso quando eu percebi que ela não hesitaria em
trocar a sua vida pela minha; que ela seria capaz de rezar e torcer por minha felicidade, mesmo que
eu não estivesse ao seu lado.

Amor verdadeiro era assim, não era? Quando alguém ama outra pessoa, ela é capaz de se sentir
realmente feliz pela felicidade da pessoa amada, mesmo que isso represente sofrimento para quem
ama. Foi isso que eu pude enxergar nos olhos da Eva naquela noite terrível. Enquanto ela amarrava
as minhas mãos, no cativeiro, nós nos olhamos por alguns segundos. O seu olhar me dizia o quanto
ela queria me ver longe daquele lugar: "Dê um jeito de sair daqui e de sobreviver, Lucca! Cuide da
nossa filha!"

Sim, eu vi isso em seus olhos! Eu vi que ela estava desistindo de lutar e que só queria que eu e a
Bia seguíssemos em frente e que fôssemos felizes. Essa era a prova de amor mais genuína que eu
poderia receber de alguém nesta vida.

Se nós dois nos amávamos tanto, algo deveria ser feito para que ficássemos juntos. Aquele show
foi a solução que eu encontrei para gritar, aos sete ventos, que eu faria qualquer coisa para tê-la de
volta! Mas, assim como ela, eu também estava disposto a me sentir bem pela felicidade de quem eu
amava. Caso a Eva não quisesse ou não pudesse me perdoar; eu iria aceitar a sua decisão, por mais
doloroso que isso fosse pra mim.

E aí, no dia seguinte à apresentação, eu li um e-mail dela agradecendo pelo que fizemos;
incentivando-me a não largar a música; dizendo que voltaria em breve; e principalmente, se
despedindo com uma frase que me deixou vibrando de entusiasmo: "Com todo amor que há em meu
peito, Eva."

Agora, só me restava aguardar o seu retorno. Eu só precisava ter paciência e esperar.


Estacionei a caminhonete em frente a minha casa perto das 17h. Abri a porta traseira para a Luna
sair. Ela pulou de maneira afobada e correu para a casa do Inácio. Entrei na sala e me entristeci ao
ver aquele piano. Senti tanta saudade dela. Tirei minha camisa e meu tênis. Tomei água e subi para o
meu quarto, ansiando por um banho.

Ao subir as escadas, eu ouvi o som de uma melodia. Parecia sair do violão da Eva. Era um som
gostoso de ouvir. Meu coração bateu mais rápido. Ao entrar em meu quarto, eu a encontrrei, em cima
da cama, segurando o instrumento. Ela parou de tocar e me olhou.

__ Oi.

__ Eva!

__ Surpreso em me ver?

__ Muito!

__ Lucca, Deus me mandou aqui para Ele poder realizar o meu último pedido.

Eu engoli seco. Estava deslumbrado com a figura da mulher que eu amava ali em minha frente.
Ela estava tão linda! Tinha recuperado o peso de antes do sequestro. Seu rosto estava sereno. Ela
parecia um anjo, sentada, descalça, em minha cama. Por um minuto, eu pensei que fosse a Eva de
2005: aquela menina travessa e cheia de encanto pela vida, mesmo escondendo tanta dor em seu
coração.

__ Que pedido?

__ O pedido que fiz para voltar a vê-lo sorrir como antes. Eu troco um beijo por um sorriso seu.

Eu continuava sem reação. Aquilo parecia um sonho pra mim.

__ Eu a presenteio com o meu sorriso, mas apenas depois do seu beijo.

Ela largou o violão na cama, levantou-se e se aproximou de mim. Meu coração batia
descompassadamente. Dava para ouvi-lo pulsando. Ela parou a alguns centímetros de mim.

__ Lucca, eu não podia mais continuar longe de você; longe de casa.

__ Sim, querida! Esta é a sua casa.


__ Você está me devendo um sorriso.

__ Você está me devendo um beijo.

__ Então, que tal fazermos as duas coisas de uma só vez? - ela colocou suas mãos ao redor do
meu pescoço e me beijou suavemente.

Sentir aqueles lábios era o céu pra mim. Eu a puxei mais pra perto de meu corpo e intensifiquei
o nosso beijo. Eu teria um ataque cardíaco se meu coração continuasse a bater daquela forma.
Quando eu tive a certeza de que aquilo não era um sonho, eu abri um imenso sorriso. Nós rimos
juntos. Ela bagunçou os meus cabelos e roçou suas mãos em minhas costas.

__ Você me ama mesmo, Lucca Baroni?

__ Você ainda tem dúvidas disso, Eva Martins?

__ Acho que não, mas o meu ego nunca fica suficientemente farto de ouvir você dizendo que me
ama.

Ela novamente sorriu e beijou o meu pescoço, enquanto desabotoava a minha calça jeans.

__ Eu te amo, Eva! Eu te amo desde os meus 23 anos! E vou continuar amando você até a minha
última respiração nesta vida.

Eu novamente sorri e a abracei. Inspirei o perfume de seus cabelos e voltei e beijá-la. Senti em
meus lábios um gosto salgado. Olhei para ela e vi que lágrimas caiam de seus olhos.

__ Não chore, querida!

__ Eu esperei tanto tempo por este sorriso, Lucca! Esperei tanto tempo para resgatarmos o nosso
amor. Eu amo você com tudo que eu tenho em mim!

__ Chegou a nossa hora, meu anjo! Eu só preciso ouvi-la dizer que me perdoa por toda dor que
eu lhe causei. Por favor, me perdoe!

__ Eu o perdoo por tudo, Lucca! E, por favor, eu também tenho que ouvir de você que todo
aquele ressentimento ficou para trás. Eu preciso ouvi-lo falar que você me desculpa pelas escolhas
erradas que eu fiz no passado. Eu agi por medo. Eu nunca quis ferir você. Tomar aquela decisão de
abandoná-lo e de manter a Bia em segredo foi a escolha mais difícil de toda a minha vida!
__ Eu sei, querida! Hoje eu entendo tudo o que você fez e toda a dor que você sentiu. Eu te amo,
Eva! Você é a mulher da minha vida! Sempre foi!

Eu a beijei novamente e a encostei na porta do meu quarto. Larguei sua cintura por um instante,
enquanto passava a chave. Puxei sua blusa por entre seus braços e, em seguida, enxuguei suas
lágrimas.

__ Não chore, meu amor! Eu nunca mais eu vou lhe deixar sozinha! Eu prometo que devolverei a
você a felicidade que nos foi tirada por todos esses anos. Nós merecemos ser felizes!

__ Eu te amo tanto! - ela chorava. - Eu só preciso que você fique comigo!

__ Sempre, querida! Sempre ficarei com você!

Eu baixei sua saia e sua calcinha. Eu não podia mais esperar um minuto para tê-la dentro de
mim. Encostada à parede, eu ergui uma de suas coxas e comecei a estimulá-la. Ouvi seus gemidos.
Ela descansava suas mãos ao redor do meu pescoço enquanto eu a penetrava com meus dedos e
mordia delicadamente a sua orelha.

__ Há muito tempo em sonho com isso, Eva! Eu não aguento mais esperar!

__ Não espere! Faça amor comigo, Lucca! Eu quero você!

Ela terminou de abrir o meu zíper. Minha ereção demonstrava o quanto aquela mulher me
deixava louco. Eu não podia mesmo continuar esperando. Ao me livrar de minha calça, eu a ergui em
meus braços e a deitei na cama. Tirei o violão dali e imediatamente depois eu me enterrei dentro
dela.

Ao passar minhas mãos em seu corpo, pude sentir as cicatrizes em sua perna e em seu abdômen.
Lembrei-me do horror que senti ao pensar que eu a tinha perdido.

__ Não me deixe nunca mais, Eva! Eu não suportaria de novo.

Eu disse, prendendo minha emoção, enquanto a penetrava. Ela me abraçou e me puxou mais pra
dentro. A Eva voltou a chorar enquanto nossos corpos estavam perfeitamente encaixados.

__ Não chore mais!

Ela não dizia nada. Apenas deixava suas lágrimas saírem e apertava fortemente seus dedos em
minhas costas.

__ Você quer que eu pare?

__ Não, Lucca! Por favor, não pare!

Eu continuei penetrando, com total entrega, a mulher que eu tanto amava; a mulher que me deu o
meu maior tesouro: a minha filha.

__ Lucca!

Eu observei que ela estava gostando do sexo maravilhoso que fazíamos naquele instante, mas o
seu lado emocional ainda parecia muito fragilizado.

__ Lucca! - ela repetiu.

__ Oi, querida. - eu voltei a encarar seus olhos em lágrimas.

__ Diga que o nosso "pra sempre" vai durar dessa vez! Diga! Eu preciso ouvir! Eu preciso
acreditar nisso! Eu não aguento mais sofrer!

__ Meu anjo. - eu acariciei seus cabelos enquanto continuava penetrando-a com carinho. - O
nosso "pra sempre" será como verdadeiramente deve ser: eterno! Eu te amo, Eva! Eu te amo! Você
não vai mais sofrer, querida! Eu prometo!

__ Eu te amo muito, Lucca!

Algum tempo depois, eu senti seus espasmos dentro de mim e vi seu rosto mudar de semblante.
Eu sorri. Eu adorava vê-la tendo um orgasmo. Comecei a me enterrar mais fundo e mais rápido
dentro dela em busca do meu clímax. Não demorou muito e eu também gozei.

Descansei meu corpo suado em seus seios. Novamente olhei para seu rosto. Eu enxuguei suas
lágrimas com o meu polegar. Meu corpo não podia mais ficar sem o dela. Eu não queria mais me
separar daquela criatura de alma e coração tão lindos.

__ Casa comigo, Eva! Seja a minha mulher!

Ela me olhou, ainda emocionada.


__ Querido, eu sou a sua mulher desde que ficamos juntos pela primeira vez, após aquele show,
em 2005.

__ Então casa comigo! - eu a beijei suavemente, repetindo o meu pedido.

__ Nada nesse mundo me faria mais feliz!

Eu sorri. Minha alma sorriu.

__ O meu Lucca voltou! Você tem o sorriso mais lindo que eu já vi em um homem!

Eu deitei ao seu lado. Ficamos conversando sobre a Bia por alguns minutos. Ela se levantou da
cama para tomar um banho.

__ Você vem?

__ Claro! Eu só preciso de tempinho aqui! - eu disse.

Ela entrou no banheiro. Logo em seguida, ainda na cama, eu chorei. Sim, eu chorei de alegria!
Eu quase a perdi e agora ela estava a poucos metros de mim, disposta a ser a minha mulher... pra
sempre! Minha emoção não pôde mais ser contida. Depois de me recuperar, eu a segui e tomamos
banho juntos. Transamos mais uma vez no chuveiro. Era maravilhoso tê-la de volta.

__ Você e a mamãe vão se casar? Que legal, papai!

__ Isso mesmo! Nós vamos nos casar, princesa! - eu falei sorrindo.

A Beth e o Inácio ficaram muito felizes com a notícia. Eu liguei para o Felipe. A Eva ligou para
a Júlia. E para nosso espanto, os dois estavam juntos no Rio de Janeiro. Desde aqueles momentos
terríveis do sequestro da Eva, os dois não se desgrudaram por mais do que alguns dias. O meu amigo
finalmente havia sido fisgado por uma mulher.

Depois do jantar, colocamos a Bia pra dormir e ficamos abraçados na sala vendo televisão. O
Felipe disse para nós assistirmos ao jornal das 22h. Não sabíamos o porquê, mas logo descobrimos.

O industrial Heitor Vilhaça, dono da empresa Cosmos Nature, foi preso na tarde de hoje,
em seu condomínio fechado, no bairro do Ibirapuera.
A Polícia Federal iniciou a operação ‘Cavalo de Tróia’ na semana passada com a prisão
preventiva de outros três empresários, um banqueiro e o presidente de um time de futebol de
São Paulo. Dois senadores e um deputado federal também estão sendo investigados.

Todos estão envolvidos em uma série de crimes, entre eles, prostituição infantil, tráfico
ilícito de entorpecentes, fraude em licitações, corrupção de agentes públicos, lavagem de
dinheiro, desvio de verbas públicas e evasão de divisas. Também há indícios de que a associação
criminosa tenha envolvimento com a manipulação de resultados de jogos do campeonato
paulista de futebol e com a compra de votos para aprovação de projetos no Congresso Nacional.

Heitor Vilhaça também é acusado de ter matado, no ano de 1994, o seu irmão e sócio,
Gabriel Vilhaça, e de ser o mandante de um duplo homicídio qualificado naquele mesmo ano. O
casal Álvaro Fonseca e Luise Martins foram mortos em sua residência e a polícia civil de São
Paulo nunca conseguiu identificar a autoria dos crimes. Álvaro era um dos seus empregados.

Além disso, Heitor também é acusado de ser o mandante do sequestro e da tentativa de


homicídio de Eva Martins Fonseca, filha do casal assassinado.

Em recente depoimento à Polícia, Eva afirmou ter sido a testemunha do assassinato de


Gabriel Vilhaça e de ter se apropriado do dossiê que ele havia feito contra o irmão Heitor. E
que, por isso, seus pais foram mortos e ela passou a ser perseguida.

O sequestro aconteceu em um pequeno município do Estado de Minas Gerais. Ela foi


levada para um cativeiro em um subúrbio da capital mineira. Na ocasião de seu resgate, alguns
policiais foram feridos. Um deles veio a óbito.

O assunto repercutiu nas redes sociais, especialmente porque o ex-namorado de Eva


Martins, Lucca Baroni, vocalista da banda Sonic Beat, participou da operação do resgate e foi
feito refém. Lucca foi atingido com um tiro no ombro.

Os executores do sequestro, Isac Silva, Rony Nascimento e Miguel Vilhaça foram mortos
pela polícia. Eva Martins foi ferida pelos sequestradores, permanecendo em coma por vários
dias. Ela e Lucca Baroni se já recuperaram e passam bem.

Após a conclusão da matéria, eu e a Eva nos olhamos. Não falamos nada. Desligamos a TV e
fomos descansar. Ela estava exausta pela viagem. Quando nos deitamos, eu a abracei e fiquei
acariciando suas costas.
__ Você vai superar tudo isso, querida! Nós vamos! Agora procure dormir, está bem?

__ Eu vou superar sim! Só preciso de você comigo, Lucca!

__ Eu sempre estarei com você, meu anjo! Acredite nisso!

Ela adormeceu. Eu não estava conseguindo dormir e fiquei olhando para o teto do meu quarto,
recordando-me de tudo que nós dois passamos nesses últimos meses.

Eu, o Antonio e o Felipe tínhamos feito de tudo que estava ao nosso alcance para que o
miserável do Heitor pagasse pela crueldade que fez aos pais da Eva, e que pagasse por todo o
sofrimento que ele a causou. Uma simples prisão era pouco pra ele! Ele merecia a morte!

Após alguns minutos, o cansaço me venceu e eu adormeci. No entanto, o meu sono foi
interrompido quando me virei na cama e não e encontrei ao meu lado. Fui ao quarto da Bia e a Eva
não estava lá. Desci as escadas. Ela também não estava na sala ou na cozinha. Abri a porta de casa e
a vi, sentada, em frente do lago, enrolada em seu cobertor.

__ Eva, o que faz aqui? São três e meia da manhã, querida! Está muito frio!

__ Acordei e não quis incomodar você. Eu precisava de um ar puro. Eu adoro esse lugar, Lucca!

__ A Bia me falou que você anda tendo pesadelos. Isso tem sido constante, não é?

__ Sim! Acabei de despertar de um.

__ Querida, eu quero que me escute: nós estamos juntos nessa! Você sofre; eu sofro! Eu só
preciso que você confie em mim e partilhe comigo suas angustias; seus pesadelos. Eu quero poder
ampará-la e protegê-la, Eva!

Ela começou a chorar. O meu coração ficou apertado de angústia ao vê-la daquele jeito.

__ É tão ruim ter que me lembrar daquilo tudo, Lucca! O medo que senti; a pressão psicológica;
a dor física daquela tortura. Eu fico me recordando daqueles momentos de terror o tempo todo.
Também fico pensando nos meus pais e em tudo que aconteceu com eles. Eu continuo me sentindo
culpada.

Eu enxuguei suas lágrimas e beijei seu rosto.


__ Eu entendo você, meu anjo! Amanhã, nós vamos procurar um profissional para começarmos
uma terapia. Você precisa muito dessa ajuda e eu também. Nós passamos por coisas dolorosas
demais e agora temos que colocar todos esses nossos demônios pra fora. Falar sobre o que nos
aconteceu nos ajudará a lidar melhor com esses sentimentos de culpa e medo.

Ela concordou. Assim que a Eva se acalmou um pouco, nós voltamos para o quarto. Eu a abracei
forte e ela pegou no sono outra vez.

"Obrigado, meu Deus! Obrigado por trazê-la de volta pra casa! Eu prometo que cuidarei da
Eva até o limite das minhas forças! Ajude-a para que ela consiga tirar de sua mente todas essas
recordações que a afligem!"

Sexta-feira. O dia amanheceu feliz pra mim. Fui acompanhar a sessão de equoterapia com a
minha filha. Deixamos a Eva terminando de tomar o seu café da manhã. Ao chegar ao redondel, a
Vanessa veio falar comigo.

__ Como você pode ser tão idiota voltando para uma mulher que o abandonou?

__ Olha lá como fala comigo, Vanessa! Não gosto nada dessa sua postura!

__ Eu não posso admitir uma coisa dessas!

__ Você não tem que admitir ou deixar de admitir nada! Apenas conviva com o fato de que eu e a
mãe da Bia nos amamos, estamos juntos e vamos nos casar. O rápido namoro que tivemos terminou
faz tempo!

Algum minutos depois, a Eva se aproximou da nossa filha e falou algo com ela. Do outro lado da
cerca, ela me olhou, sorriu pra mim e disse em linguagem labial: "eu te amo!". Eu abri um largo
sorriso de satisfação.

Logo em seguida, vi quando a Vanessa se encaminhou em direção à Eva. Eu fui atrás dela e pude
escutar parte do que elas falavam.

__ Você devia ter morrido, sabia?

Eva desviou o olhar e a ignorou.


“Que filha da mãe! Eu vou ter que demiti-la! Ela não vai mais desrespeitar a minha mulher!”

__ Fale alguma coisa! Você sabe que eu e o Lucca ficaremos juntos de novo! Nossas transas
sempre foram maravilhosas! Ele voltará a me procurar!

__ Vanessa, é impressionante como você é imatura! Vê se arranja algum amor próprio dentro de
si mesma! Vá embora daqui e me deixe em paz!

__ Quem você pensa que é para me dar ordens ou me mandar embora?

Eva segurou o braço dela e a puxou para longe da cerca. Ela provavelmente não queria que
ninguém visse aquela ceninha. Eu as segui.

__ Quem eu sou? Eu sou a mulher do Lucca! Eu sou a dona desse lugar que você está vendo
agora! Eu sou a mãe da filha dele! Nós nos amamos e você ainda não compreendeu o quão
significativo isso é! Acho que por todas essas razões eu tenho sim a autoridade para mandá-la
embora daqui! Eu cansei de suas infantilidades e agressões verbais, Vanessa! Pegue suas coisas e se
manda daqui! Você está demitida!

__ Você não pode me demitir, sua louca! - ela gritou.

__ Ela pode sim, Vanessa! E é você quem está agindo como uma louca! Faça o que a Eva disse.
Acerte suas contas com o Inácio! Você vai receber todos os seus direitos. Vá embora!

__ Você ainda vai se arrepender, Lucca!

Ela saiu bufando de perto de nós. Eu puxei a Eva para junto de mim.

__ Adorei seu jeito resoluto, Senhora Baroni! Foi muito bom ouvi-la dizer que é a dona deste
local e, principalmente, que você é a minha mulher.

__ Eu sou, não sou? - ela disse sorrindo.

__ Claro! Você sempre foi! - eu a beijei. - Você sabe o que fazer, não é querida?

__ Sim. Pode deixar comigo.

Instantes depois, a Eva ligou para o Túlio e lhe ofereceu o seu antigo emprego de volta, com um
bom aumento. Ele topou e disse que começaria na segunda.
__ Meu amor, você só precisa ser espontânea! Relaxe e seja você! - eu dizia para a minha filha
que estava fazendo birra no camarim.

__ Querida, se você não quiser entrar, não tem problema! Eu e seu pai iremos entender.

__ Eu não quero, mamãe! Tem muita luz e barulho por lá.

__ Então, apenas eu e a sua mãe entraremos! Você vai ficar bem, não vai? Olha, você poderá nos
assistir através desse ponto de TV aqui.

Naquele momento, uma mulher negra, muito educada e elegante, se aproximou de nós.

__ Vocês entram em um minuto, ok? Preparem-se!

Após várias recusas, eu a e Eva finalmente aceitamos o convite da equipe de produção do Ian
Werneck para nos receber em seu programa. Desde que a história da Eva se espalhou na mídia, os fãs
da Sonic Beat ficaram insistindo para vê-la novamente.

O fã clube da banda fez uma forte campanha nas redes sociais. Todos queriam nos ver juntos de
novo, como um casal. Além disso, eles queriam a volta da SB e desejavam conhecer a Ana Beatriz.

Resolvemos aceitar o convite do Ian, mas para tanto, estabelecemos algumas condições: não
falar sobre a morte dos pais da Eva; sobre ela ter sido a testemunha do assassinato do Gabriel
Vilhaça; sobre qualquer coisa que dissesse respeito à Lorena; sobre o escândalo da prisão de várias
pessoas importantes do país, a partir do dossiê que a Eva guardava. Enfim, todos esses assuntos
estavam proibidos.

Iríamos falar apenas sobre música, sobre um provável retorno da banda e sobre a Síndrome
de Asperger na infância. A Bia topou ir com a gente, mas em cima da hora, desistiu. Nossa filha às
vezes parecia um bichinho do mato. Não pudemos fazer nada. Entramos no palco sem ela, logo após
sermos anunciados pelo apresentador do programa.

__ Quanto tempo não os vejo! Vocês estiveram aqui foi em 2006 com os demais integrantes
da Sonic Beat, não foi?

Nós assentimos.
__ Eva! Como você está bonita! O tempo foi muito bondoso com você!

__ Obrigada. - ela sorriu sem jeito.

__ Mas onde está a pequena Bia?

__ Ela não quis entrar! Achamos melhor não insistirmos. Sempre procuramos respeitar a
individualidade dela. A nossa filha não gosta de exposição e é bem pouco sociável. - Eva explicava.

__ Entendo. E então, Lucca, quer dizer que você virou um homem do campo e criador de
cavalos?

__ Nós criamos cavalos Campolina numa região próxima à Belo Horizonte. É uma raça muito
boa de se trabalhar. Lá fazemos cruzas de animais para a venda, temos aula de hipismo clássico e
equitação terapêutica para crianças especiais, com autismo, deficiência visual, déficit de atenção e
hiperatividade, paralisia, síndrome de down. Depois que a Eva voltou ao Brasil e nos
reencontramos, ela passou a ser veterinária responsável pelos animais.

__ Eu me recordo que naquela entrevista, há alguns anos, você comentou que tinha acabado o
curso de Medicina Veterinária. Mas e então, Eva, você se realiza mais como veterinária ou como
musicista?

__ Eu amo cuidar de animais, de pequeno e de grande porte. Mas eu também amo a música. Eu
diria que os dois ofícios me encantam na mesma proporção.

__ As pessoas estão comentando por aí sobre a volta da Sonic Beat. Isso é verdade, Eva?

__ Nós ainda não batemos o martelo sobre isso, mas eu diria que há uma grande chance da SB
voltar a gravar. Só garanto que se isso acontecer, nenhum de nós poderá retomar a dedicação à
banda que tínhamos quando mais jovens. Hoje, todos nós somos pais e temos as nossas famílias. - ela
disse olhando pra mim. - Além disso, eu e o Lucca não pensamos em deixar o estado de Minas. Eu,
ele e a nossa filha adoramos viver no haras.

__ Mas então como o retorno poderia acontecer, Lucca?

__ Se gravarmos mesmo um novo álbum, nós nos comprometeremos a fazer apenas dois shows
por mês. Um na sexta e outro no sábado, em um único fim de semana. A nossa prioridade continuará
sendo as nossas famílias e os nossos trabalhos atuais. O Felipe é um excelente advogado. O Giovane
está a poucos meses de se formar médico. O Vinícius é empresário. Ele é sócio do Leo em um
estúdio de gravação e tem uma escola de música. E eu e a Eva temos o haras e os nossos cavalos.

__ Eu estava ansioso para conhecer a filha de vocês. Fale-me mais sobre ela, Eva.

__ A Ana Beatriz é uma fofa! Nós a chamamos de Bia! Ela é uma menina muito esperta e com
peculiaridades bem marcantes. Toda a impressa já divulgou que a nossa filha possui um transtorno de
espectro autista conhecido como Síndrome de Aspeger. Resolvemos vir aqui, esta noite,
especialmente para falarmos sobre isso. Muitas pessoas não conhecem ou não sabem lidar com
crianças Aspies.

__ Vamos mostrar uma foto da Bia, já que ela não quis entrar no palco. Vejam, pessoal. É a
versão em miniatura da Eva, não é? - Ian Werneck disse sorrindo.

Apareceu no telão uma foto da nossa filha, de close, segurando seu bichinho de pelúcia favorito,
ao lado da Luna. O Adonis aparecia ao fundo.

A plateia se encantou.

__ Essa é a nossa princesa! Ela tem oito anos. Esse bicho de pelúcia na mão dela se chama Tom.
O potrinho se chama Adonis. Foi a Eva quem fez o parto dele. E essa linda cadela Golden
Retriever é a Luna. Ela era minha, mas já faz algum tempo que a Luna escolheu a Bia como dona. As
duas não se desgrudam por um minuto. Aonde a Bia vai, a Luna vai junto. É uma amizade bem
sufocante, eu diria.

Todos sorriram.

__ Fale um pouco mais sobre a Síndrome de Aspeger, Eva.

__ Bom, antes de mais nada, as pessoas precisam entender que a Asperger não deve ser
encarada como doença. É apenas uma forma diferente de se comportar e de enxergar o mundo. A Bia
começou a apresentar um comportamento um pouco diferenciado dos neurotípicos por volta dos três
anos. No início, eu fiquei bastante abalada com a notícia, mas aos poucos, eu comecei a entender
melhor a minha filha. Algumas crianças Aspies não desenvolvem nenhuma grande habilidade
cognitiva, mas a Ana Beatriz logo demonstrou uma inteligência bem acima da média.

Eu tomei a palavra e continuei a explicar.


__ A Bia adora ler. Ela lê o tempo todo! Ela tem muita facilidade para o aprendizado de línguas.
Quando eu pude conhecer minha filha, assim que a Eva voltou da Austrália, ela já entendia, lia e
escrevia em três línguas diferentes, fora o português. Ela lê textos muito complexos para a idade
dela. Sua última leitura de ontem foi "A Civilização do Espetáculo", do Mario Vargas Llosa. Poxa,
aos 8 anos, eu mal lia os gibis da Turma da Mônica.

O Ian e a plateia gargalharam. A Eva retomou sua fala.

__ A mente Aspie é muito complexa e desafiadora. A Bia, por exemplo, adora a arte de pensar e
de questionar tudo. Ela é muito perfeccionista. Ela só se dedica ao que gosta e descarta todo o resto.
Geralmente os Aspies têm um ou dois interesses específicos e ficam focados apenas nisso. No caso
de nossa filha, a paixão dela é a literatura e a tecnologia. Ela entende tudo de computadores e de
livros.

__ Fale-nos mais, Eva. As pessoas que estão em casa precisam entender mais sobre isso.

___ Não podemos falar sobre crianças Aspies sem também comentar sobre suas limitações. Elas
são fáceis de ter crises nervosas quando contrariadas, são bem metódicas e amam rituais repetitivos.
Os pais de crianças Aspergers precisam aprender a respeitar o tempo de seus filhos. Para eles, o
tempo não corre da mesma forma como corre para nós, neurotípicos. A Bia, por exemplo, não é
capaz de se arrumar para ir dormir em menos de uma hora. Tem que haver todo um ritual antes de ir
pra cama. Ela adora rotina e comportamentos repetitivos. Ela gosta de saber qual será o próximo
passo. Isso traz uma sensação de segurança pra ela.

Eu tomei a palavra.

__ Os Aspies também apresentam algumas outras características bem marcantes: eles têm uma
visível dificuldade de fazer amigos e de interagir em grupo; têm dificuldade de entender o sentido
figurado de algumas coisas que ouvem ou leem; têm uma inaptidão motora significativa, ou seja, são
um pouco desajeitados. Não são todos os Aspies que apresentam esta última característica que eu
citei. Já li sobre casos de esportistas e músicos Aspergers, mas são exceções.

__ Outra coisa importante é que os Aspies não gostam de fazer contato visual com as pessoas e
não gostam de muito contato físico. A Ana Beatriz certa vez me disse que ela se sentia como se sua
vida estivesse sendo exposta quando as pessoas olhavam fixamente pra ela. Se quiser se dar bem
com uma criança Asperger, evite tocá-la e fixar os olhos nela por muito tempo. Isso deixa a criança
se sentindo invadida e pressionada. - Eva falou.
__ É verdade que ela passou muito tempo sem falar, Lucca? E como foi essa história de você só
conhecê-la quando ela estava com 7 anos?

"Puta merda! Não tinha jeito! Essas perguntas capciosas sempre são feitas para dar ibope;
para dar o que falar! O Werneck não teria nenhuma declaração a respeito de nada do que
aconteceu em nossas vidas! Eu acabei falando demais ao comentar sobre o fato de ter conhecido a
minha filha após o seu retorno da Austrália e ele se aproveitou disso! Mas eu não ia dar esse
gostinho a ele! Quem quisesse se informar e matar sua curiosidade, que entrasse na internet!"

__ Eu sinto muito, mas eu e a Eva não gostaríamos de falar sobre isso. É uma história muito
pessoal e íntima, e que apenas diz respeito à nossa família e ao nosso ciclo de amizades mais
restrito.

__ Eu entendo.

__ De qualquer forma, eu só queria dizer que até hoje ainda não sabemos, com exatidão, o que
levou a Bia a parar de se comunicar e se trancar em seu mundo, e o que a fez voltar a falar. Hoje em
dia, nossa filha se comunica razoavelmente bem, mas ela sempre prefere dizer o que sente
escrevendo. Não é raro falarmos com ela e não obtermos nenhuma resposta. Procuramos respeitar o
tempo dela. Quando ela tem vontade, ela fala. Caso contrário, não adianta insistir. E aí, quando
precisamos de uma resposta urgente, enviamos um SMS ou um e-mail. Geralmente, desta forma, a
resposta é quase imediata.

A plateia sorriu mais uma vez. E Eva tomou a palavra.

__ Eu queria deixar um recado para os pais de crianças Aspies. Não tentem mudar os seus
filhos! Óbvio que o apoio de bons profissionais ajuda a desenvolver nessas crianças algumas
habilidades importantes. Neurologista, Fisioterapeuta, Fonoaudiólogo, Psicólogo. Tudo isso é
importante! No entanto, os pais precisam aceitar seus filhos como são. Eu e o Lucca temos muito
orgulho de nossa filha. Adoramos o fato de ela ser diferente. Ela não é melhor ou pior do que um
neurotípico; é apenas diferente! E nós amamos isso nela.

__ Ela está assistindo vocês no camarim. Podem falar com a Bia, se quiserem. - Ian asseverou.

__ Filha, nós amamos você e nos orgulhamos muito de quem você é! Nunca deixe ninguém dizer
que você é esquisita e jamais se sinta assim! Você é única e especial! - eu asseverei.
A plateia aplaudiu.

__ Mas me falem sobre vocês dois. Vocês estão noivos, Eva? Quando será o casamento? Vai ser
aqui no Rio?

__ Sim, estamos noivos. Não pensamos ainda sobre os detalhes da cerimônia, mas deve ser algo
muito simples, daqui a poucos dias, em Minas. Será apenas uma comemoração para os familiares
mais próximos e os amigos queridos.

__ Eu fico muito feliz pela união de vocês. Os acontecimentos dos últimos anos estão aí na
mídia para quem quiser saber. Acho que todo mundo já teve conhecimento sobre tudo o que ocorreu
entre vocês, especialmente o que aconteceu a você, Eva. O Brasil inteiro, tenho certeza, torce muito
pelo amor de vocês dois. E todos ficamos felizes pelo seu retorno ao país. A história de superação
de vocês é muito bonita! Daria um bom filme!

__ Obrigada, Ian! Nós agradecemos a todos que nos enviaram cartas, e-mails e presentes. O
carinho de vocês têm sido muito importante para nós. Obrigada a todos os fãs da Sonic Beat e a
todas as pessoas que nos desejaram bênçãos e felicidades. Seremos eternamente gratos. - Eva falou.

__ Então, por falar nos fãs da SB, eles estão esperando, ansiosamente, pelo dueto tão aguardado
nesta noite. Fale-me sobre a música, Lucca.

__ Eu compus esta canção enquanto a Eva esteve viajando com a Bia para descansar e se
recuperar de todo aquele trauma que ela viveu. Eu fiquei no haras, olhando constantemente para um
caderno que a ela havia deixado lá. Nesse caderno, estava colada uma fotografia nossa de quando
começamos a namorar. Eu olhava para essa foto todos os dias. A letra fala sobre o poder do amor
verdadeiro, que apesar de às vezes causar sofrimento, também é capaz de curar almas feridas. Essa
música é um tributo ao amor; um tributo a todo amor que sinto por esta mulher tão incrível.

Eu disse olhando pra ela. Ela sorriu. Eu beijei a sua mão.

__ Então, vão lá! O Brasil inteiro quer ouvir a música 'Photograph'! Com vocês, Lucca Baroni e
Eva Martins, tocando e cantando juntos, depois de nove anos.

Eu e a Eva nos dirigimos para o pequeno palco montado a poucos metros de onde estávamos. Eu
me sentei ao seu lado. Nós pegamos os nossos violões e começamos.

Loving can hurt


Amar pode machucar

Loving can hurt sometimes


Amar pode machucar às vezes

But it's the only thing that I know


Mas é a única coisa que eu conheço

And when it gets hard


Quando as coisas ficam difíceis

You know it can get hard sometimes


Você sabe que, às vezes, as coisas podem ficar difíceis

It is the only thing that makes us feel alive


O amor é a única coisa que nos faz sentir vivos

We keep this love in a photograph


Nós mantemos este amor numa fotografia

We made these memories for ourselves


Nós criamos estas lembranças para nós dois

Where our eyes are never closing


Onde nossos olhos nunca fecham

Hearts were never broken


Nossos corações nunca são partidos

And time's forever frozen still


E o tempo fica congelado para sempre

So you can keep me inside the pocket


Então, você pode me guardar no bolso

Of your ripped jeans


Do seu jeans rasgado

Holding me close until our eyes meet


Abraçando-me até os nossos olhares se encontrarem

You won't ever be alone


Você nunca se sentirá sozinho
Wait for me to come home
Espere eu voltar para casa

Nós começamos a ouvir gritos da plateia. Não sabíamos o que estava acontecendo. Olhei para a
Eva e ela também estava sem entender. Segundos depois, nós vimos a nossa garotinha sentando no
batente do palco, com sua mochila nas costas, segurando um livro nas mãos. Ela começou a mover os
lábios cantando junto com a gente. Olhei de novo para a Eva e a vi emocionada. Não podíamos
acreditar naquilo: nossa pequena Aspie antissocial exposta em um programa de auditório lotado de
pessoas e repleto de luzes fortes e barulho. Era lindo vê-la cantando junto com a gente. Meu coração
vibrou por dentro. Eu sorri de tanta felicidade.

"Obrigado, meu Deus, por minha família!"

Loving can heal


Amar pode curar

Loving can mend your soul


Amar pode reparar a sua alma

And it's the only thing that I know


E o amor é a única coisa que eu conheço

I swear it will get easier


Eu juro que as coisas vão ficar mais fáceis

Remember that with every piece of you


Lembre-se disso com todo o seu ser

And it's the only thing we take with us when we die


E o amor é a única coisa que levamos conosco quando morremos

We keep this love in a photograph


Nós mantemos este amor numa fotografia

We made these memories for ourselves


Nós criamos estas lembranças para nós dois

Where our eyes are never closing


Onde nossos olhos nunca fecham

Our hearts were never broken


Nossos corações nunca são partidos

And time's forever frozen still


E o tempo fica congelado para sempre

So you can keep me inside the pocket


Então você pode me guardar no bolso

Of your ripped jeans


Do seu jeans rasgado

Holding me close until our eyes meet


Me abraçando até nossos olhares se encontrarem

You won't ever be alone


Você nunca se sentirá sozinho

And if you hurt me that's okay baby


E se você me machucar, está tudo bem, querido

Only words bleed


Apenas as palavras sangram

Inside these pages you just hold me


Dentro destas páginas você só precisa me abraçar

And I won't ever let you go


E eu nunca vou lhe soltar

Wait for me to come home


Espere eu voltar para casa

Oh you can fit me


E você pode me colocar

Inside the necklace you got


Dentro do pingente que você ganhou

When you were sixteen


Quando tinha 16 anos

Next to your heartbeat where I should be


Perto do seu coração é onde devo estar
Keep it deep within your soul
Guarde isso no fundo de sua alma

When I'm away


Quando eu estiver longe

Wait for me to come home


Espere eu voltar para casa

Trechos da música “Photograph” - Ed Sheeran


(OBS.: na ficção, composta por Lucca Baroni)
Capítulo 22

Eva e Lucca

Eva
Sexta-feira. 14 de agosto de 2015. Hoje tinha sido um dia marcante. Depois de tantos anos de
separação, angústia e saudade, eu e o Lucca finalmente tínhamos nos casado no civil, apenas sete
semanas após termos voltado a ficarmos juntos. Como testemunhas, o Inácio e a Beth; a Júlia e o
Felipe; e a nossa filha Ana Beatriz.

Após a cerimônia, fomos jantar em um restaurante maravilhoso que o Túlio nos indicou.
Voltamos pra casa cedo. Os demais convidados para a festinha em comemoração ao nosso casamento
começariam a chegar nas próximas horas.

O Lucca estava um pouco ansioso com a vinda dos pais, de seu avô, de dois primos e de um tio
que ele gostava muito. O resto do pessoal da banda também chegaria com suas esposas e filhos.

Decidimos por uma cerimônia informal e muito simples aqui mesmo no haras. Na verdade,
quisemos algo bem intimista para pouquíssimos convidados.

Há algumns dias, fiquei triste ao olhar para a nossa pequena lista e concluir o quanto eu era
sozinha no mundo. Não constava ali o nome de nenhum parente meu. Além do Thomas e da Júlia,
todos os demais eram convidados do Lucca. Não ter a presença do Alexandre, do Pierre e dos meus
pais, em um momento tão importante como esse, cortou o meu coração.

Por um breve instante, pensei em convidar a Emilie, a Kate e o Erik. Logo desisti. Que ideia
idiota! Eles nunca gostaram de mim! Eles nunca me consideraram da família. Até hoje, sinto mágoa
por tudo que eles fizeram comigo. Por causa deles, o Pierre nunca pôde me adotar oficialmente. A
Emilie jamais concordou com isso. Ela e os filhos achavam que não era justo a 'brasileirinha
pobretona' fazer parte da família e ser uma das herdeiras diretas. Eu era muito maltratada pelos três
sempre que o Pierre não estava por perto.

Apesar de não ter sido adotada pelos Goulet, eu considerava o Pierre como o meu segundo pai e
um grande amigo. Foi por causa de sua ajuda, de seus esforços e de seu carinho que eu pude estudar
em um país de primeiro mundo, aprender outras línguas e ter aulas de música.

Eu costumo pensar que o Pierre foi o meu "anjo da guarda". Ele me levou pra longe do Brasil e
foi devido a essa sua atitude generosa que eu tive a oportunidade de recomeçar minha vida.

Quando o Pierre faleceu vítima de um câncer, o tratamento que a Emilie e seus filhos me davam
piorou ainda mais. Mas eu decidi permanecer na casa, até me graduar. Tive que engolir muita
humilhação. Passava o dia fora, trabalhando e estudando, e só voltava para dormir.

Assim que concluí meus estudos, eu tinha duas escolhas: ou alugar um apartamento e clinicar
em Quebec ou aceitar o convite do Alexandre para morar com ele e o Thomas no Rio. Optei em
voltar ao meu país, apesar dos riscos. E foi por causa dessa decisão que eu conheci o Lucca.

Muitas vezes a vida exige de nós que façamos escolhas difíceis. Não é nada fácil sair da nossa
zona de conforto. Se eu tivesse ficado no Canadá, jamais teria conhecido o grande amor da minha
vida.

15 de agosto de 2015. Sábado. O dia amanheceu especialmente lindo. Deixei o Lucca


organizando os preparativos da cerimônia com o Inácio, o Zeca e o Felipe, e fui com a Júlia para a
capital logo cedo. A minha amiga me presenteou com um dia de noiva em um salão de beleza
maravilhoso. Segundo ela, eu tinha que ficar deslumbrante para a noite de núpcias.

Não foi fácil convencer o meu marido superprotetor de que eu iria pegar estrada apenas com a
Júlia. Ele insistiu para que o Inácio nos levasse, mas eu queria ir sozinha com ela. Precisávamos
desse tempo juntas. Fomos cantando e batendo papo. Parecíamos duas adolescentes. A Julinha estava
muito feliz com o Felipe. Os dois pareciam ter sido feitos um para o outro.

__ Estou realmente apaixonada, Eva! Ele é um homem tão incrível que às vezes penso que estou
sonhando. Se eu estiver, por favor, não me acorde! - ela sorriu.

__ Você não está sonhando, amiga! Você fisgou um dos homens mais bonitos do Rio de Janeiro.
Aliás, de todo o país! E além de lindo, o Felipe é um cara super gente boa. Você sabe disso.

Paramos de bater papo assim que uma das músicas antigas da Sonic Beat começou a tocar no
rádio do carro. Nós gritamos e cantamos juntas. Era "Find You", uma canção que compus no domingo
em que eu e o Lucca fizemos aquele piquenique no estúdio do Leo.
__ E ai? Como vai ficar o lance da banda a partir de agora?

__ Nós iremos gravar um novo CD em breve. O problema é a logística dos shows. Bom, mas
vamos deixar para resolver isso depois. O que queremos mesmo é voltar a tocar juntos de novo.

Após horas de depilação, cabelos, unhas e maquiagem, paramos para almoçar em um self
service em frente ao salão. Tínhamos que voltar logo para o haras. Nossa singela cerimônia de
casamento iria começar às 17h.

__ Júlia, eu não estou me sentindo bem!

__ O que você tem, amiga?

__ Não sei! Eu estou...

Corri para o banheiro do restaurante. A Júlia me seguiu e viu que eu vomitei todo o almoço.

__ Não é possível! Não posso ficar doente hoje! Hoje não!

__ Calma, Eva! Vai ver que a comida estava estragada. Você já se sente um pouco melhor?

__ Não! Está tudo rodando.

__ Eu vou ter que ligar para o Lucca! Ele precisa saber que você não está bem!

__ Não, Júlia! Ele vai surtar! Já estamos no hospital, não estamos? Relaxa! Eu só preciso ver
um médico e logo em seguida pegamos a estrada de volta. Você dirige, ok?

__ Amiga, você está branca como um fantasma! Ele é o seu marido e precisa saber que você não
está legal.

__ Não ligue pra ele, Júlia! Não vamos preocupar o Lucca sem necessidade! Se você falar sobre
isso, ele vai deixar os nossos convidados e virá pra cá correndo como um louco.

Nesse momento, eu me lembrei do pequeno acidente que tive há duas semanas. Eu estava
passeando com o Valentino perto do rio. O cavalo tropeçou em um buraco e se desequilibrou. Eu
estava desatenta e acabei caindo. Ainda bem que tinha trazido o meu celular no bolso. Peguei o
aparelho e liguei para o Lucca.

Em menos de cinco minutos, eu o vi descendo a galope com o Apolo. Ele pulou do cavalo, me
pegou do chão e me levou pra casa. Eu estava com muita dor nas costas, mas consegui prender o
choro. Se ele me visse chorando, iria me levar para um hospital. E eu não queria isso. Ele passou o
resto do dia preocupado. A queda só teve como consequência uma dor na lombar e no pescoço.
Escapei sem um único arranhão.

Desde que tudo aquilo aconteceu comigo, o Lucca tinha se tornado meio paranoico com a minha
segurança. Eu eu só iria preocupá-lo se realmente fosse preciso. Esperamos pelo meu atendimento.
Olhei para o relógio e fiquei angustiada. Já ia 14h. Ele me ligou.

__ Amor, cadê você?

__ Meu bem, eu ainda estou em BH. Houve um pequeno problema aqui.

__ Que tipo de problema?

__ Eu passei mal logo após do almoço. Estou esperando ser atendida aqui no hospital. Volto
com a Júlia em instantes.

__ Você está em um hospital? - ele gritou assustado. - Estou indo agora mesmo até aí.

__ Querido, não faça isso! Nossos convidados não podem ficar sozinhos. Peça para a Beth
arrumar a Bia às 16h. Voltaremos logo. Temos uma festa de casamento daqui a pouco. - eu ironizei.

__ Passe o telefone para a Júlia. Eu preciso falar com ela.

__ Ok. Até logo mais, amor!

Enquanto os dois conversavam, eu fui chamada para ser atendida. Fiquei quinze minutos falando
com a médica de plantão naquela tarde. Saí da sala em estado de choque. A Júlia se aproximou de
mim.

__ E aí, Eva? O que você tem? Você se sente melhor? Já podemos voltar? - minha amiga falava
de maneira afobada.

__ Júlia, eu acho que estou grávida!


__ Grávida?

__ Sim! Não vou poder esperar o exame ficar pronto, mas a médica disse que me ligaria assim
que estivesse com o resultado em mãos. Eu expliquei pra ela que precisava correr para a cerimônia
de logo mais. Ela me deu um remédio para enjoo. Já podemos voltar.

__ Eva! Que notícia maravilhosa! Você está grávida!

__ Calma, Júlia! Não fale nada disso pra ninguém! Ainda preciso da confirmação.

__ Pois vamos antecipar essa confirmação agora mesmo!

Saímos do hospital. A Júlia parou em uma farmácia. Eu fiquei esperando no carro. Ainda sentia
enjoos, mas agora um pouco menos do que antes. Em questão de minutos, ela voltou com três testes
diferentes de gravidez.

__ Segura o 'pipi' aí, amiga! Vamos pegar estrada! Assim que você chegar, corra para o banheiro
e faça esses testes!

Eu ainda estava me acostumando com aquela ideia. Seria mesmo possível? Como? Eu e o Lucca
sempre transávamos com camisinha, já que eu ainda não havia ido à ginecologista para decidirmos
qual método contraceptivo iríamos adotar. Comecei a fazer as contas e cheguei a uma conclusão
lógica: eu e ele havíamos feito sexo sem proteção no dia em que voltei ao haras, após minha viagem
à Europa. Eu me lembrava bem de que nessa noite a emoção do momento e o tesão que estávamos
sentindo ali nos fez esquecer de usarmos o preservativo.

Após uma viagem nada agradável, onde a Júlia acelerava meu carro a 110 km/h, nós finalmente
chegamos. Fui correndo para a casa da Beth. A casa grande estava lotada de gente.

__ Eva, pelo amor de Deus! O Lucca vai ter um ataque do coração! Por que você demorou
tanto? - Inácio falava agoniado.

__ Avise ao Lucca que eu já cheguei. Vou me arrumar aqui, está bem Inácio? Diga a ele que eu o
vejo exatamente às 17h. E por favor, comunique aos convidados que eu tive um contratempo na
capital e que logo após a cerimônia, eu falarei com todos.

__ Ok, Eva!
__ Beth! Júlia! Peguem meu vestido e minhas coisas lá no meu quarto. Tragam tudo pra cá, por
favor!

As duas foram correndo. Já era 16h20 e eu ainda não estava pronta. Fui para o banheiro e abri o
primeiro teste de gravidez. Fiz os três testes seguidos. Fiquei lá, angustiada, esperando o resultado.
Em questão de minutos, a suspeita da médica se concretizou: eu estava mesmo ‘super grávida’! Os
três deram positivo.

Entrei no chuveiro. Tomei um banho rápido. A Júlia e a Beth chegaram. Eu coloquei o vestido
apressadamente e calcei a minha sandália. Logo depois, a Júlia retocou minha maquiagem e meu
cabelo. Quando acabamos tudo, olhei para o relógio. Faltavam dez minutos para às cinco da tarde.
Eu me observei através do espelho do quarto da Beth e gostei do que vi. Eu estava muito bem. Olhei
para a minha barriga e abri um sorriso. Respirei fundo. Agora, eu só precisava ir ao encontro do meu
esposo.

A Júlia me encarou pedindo uma confirmação sobre os testes de gravidez. Ela entendeu o meu
olhar e vibrou. Fomos lá pra fora. A Bia e o Felipe já estavam em seus lugares. Eu me aproximei do
pai do Lucca e beijei seu rosto.

__ Desculpe-me pela demora, Sr. Baroni! - eu disse constrangida. - É que eu tive um imprevisto
na capital!

__ Tudo bem, querida! Ainda faltam dois minutos para às 17h. - ele sorriu. - Que bom revê-la
depois de todos esses anos! Finalmente, o meu filho se casou com a mulher que ele ama! Eu e a Paola
ganhamos mais do que uma neta, Eva! Nós ganhamos uma filha! O nosso Lucca nunca deixou de amar
você! - meu sogro me deu um abraço bem apertado e carinhoso, e eu fiz um grande esforço para não
chorar naquele instante.

__ Muito obrigada por terem vindo! A presença de vocês aqui é importante demais para nós
dois! Ah, eu tenho que confessar uma coisa, Sr. Baroni: gosto muito dessa ideia de ter ganhado um
pai. - eu sorri.

Acenei para a Sra. Paola e para as pessoas queridas que vi perto de mim: o Túlio e a Isabel; o
Giovane, a Bruna e a filha Marina; o Leo, a esposa e o bebê; o Vinícius, a Carol e seus filhos
Matheus e Thiago; a Tatiana e o namorado; a Renata; o Damião, o Zeca, o Antônio e suas esposas; o
Sr. Gonçalves e a Dona Suzanna; o Thomas. Logo em seguida, vi a Beth, o Inácio e a Júlia tomarem
seus lugares nas cadeiras.
Dona Suzanna, a mãe do Felipe, começou a tocar uma linda música em seu piano, que novamente
se encontrava posicionado no jardim, embaixo da enorme tenda que foi armada. O Lucca tinha
providenciado tudo com a empresa que contratamos. A decoração estava perfeita. De longe, eu o vi.
Ele estava incrivelmente bonito. Com cabelos mais curtos e de barba feita, ele me lembrou o Lucca
de uma década atrás. Ele estava com calça e camisa brancas, num estilo bem descontraído. Ele sorriu
ao me ver.

"Oh, meu Deus! Obrigada por ter trazido de volta pra mim o meu Lucca! Obrigada por
permitir que eu enxergasse novamente esse sorriso tão lindo!"

Lucca
Ela estava ali, perfeita! O meu pai estava ao seu lado. Os dois conversaram por um bom tempo.
Eles sorriram um para o outro e se abraçaram demoradamente. Ela me olhou e abriu aquele sorriso
que fazia meu coração se encher de encantamento. Após acenar para alguns convidados, ela e meu
pai se posicionaram para entrarem na tenda.

Dona Suzanna começou a tocar uma suave melodia ao piano. O meu pai segurou o braço de
minha esposa e veio caminhando para perto de mim.

Ela estava especialmente linda naquele vestido branco, longo e esvoaçante. Seus cabelos
estavam presos apenas nas laterais, em um lindo penteado. Em suas mãos, um pequeno buquê de
lírios com pétalas laranja davam uma luminosidade ao seu visual despojado. A Júlia havia me dito
que aquele tipo de flor e de cor significavam 'fascínio e atração'. Era isso que eu sentia ao vê-la em
minha frente. Eu estava completamente fascinado por ela. Na verdade, eu estive fascinado por essa
mulher desde o momento em que eu ouvi sua voz atrás de mim pela primeira vez. Parecia a voz de um
anjo.

"Desculpem o atraso! Vim o mais rápido que eu pude. Ainda posso fazer o teste?"

O meu pai se aproximou e me deu um abraço caloroso.

__ Agora sim, Lucca, você se casou com a mulher da sua vida! Seja feliz, meu filho!

__ Obrigado, pai!
Segurei a mão da Eva, sorri pra ela e caminhamos para perto do Felipe e da Bia. A formação
daquela dupla tinha sido ideia do próprio Felipe. Eles queriam dar um de "mestres de cerimônia".

Caros amigos e amigas, é com profunda satisfação que estou aqui hoje, ao lado da minha
lindinha Ana Beatriz, para realizarmos a união do Lucca e da Eva. Como todos vocês sabem,
eles já se casaram ontem no civil, então, neste momento, estamos reunidos apenas para ratificar
o amor desse lindo casal nesta cerimônia simbólica.

Antes de começarmos, por favor, olhem todos para esta tela. Meus amigos: essa é a
homenagem que nós, da Sonic Beat, fazemos pra vocês.

Olhamos, atentamente, para o telão. Começou a passar um vídeo com várias fotos nossas. Ao
fundo, a música "Blank Space", que eu compus para a Eva poucos dias depois de conhecê-la, me fez
ficar arrepiado. As imagens eram lindas. Tinham fotos nossas ali que eu nem sabia que existiam.

Os caras editaram aquele vídeo com fotografias de alguns de nossos shows e, principalmente, de
nossos momentos juntos, naquele um ano e quatro meses em que namoramos.

Uma foto fez todo mundo sorrir. Era eu e a Eva fazendo careta. Depois, uma foto dela sentada ao
piano. Outra em que ela segurava a sua guitarra com os cabelos suados cobrindo seu rosto. Uma foto
em que eu a erguia em meus braços no dia do aniversário do Vinícius. Nós dois estávamos sorrindo.
Uma foto que o Giovane tirou da gente logo após acordamos, com caras de sono. Entre uma foto e
outra, com a música tocando, eu pude ouvir o choro de alguns convidados, entre eles, o da minha mãe
e da Beth. As duas pareciam competir para ver quem estava mais emocionada.

Continuamos observando as fotos. Eu segurava a mão da minha mulher o tempo todo e, por um
breve instante, quando a fitei ao meu lado, eu vi lágrimas em seus olhos. Ela estava muito tocada com
aquela homenagem. Eu respirei fundo e voltei a olhar para o telão. Ao final da música, duas fotos
ficaram pausadas, lado a lado. O Felipe voltou a falar.

Eva e Lucca, estas duas fotografias foram as que nós julgamos mais especiais. A foto da
esquerda foi tirada exatamente aqui. Foi no dia do seu aniversário, Eva, há nove anos.

Ali estávamos eu e ela, em um close, sentados perto do lago. Estávamos serenos, abraçados,
apenas observando a linda paisagem e curtindo aquele momento. Olhei novamente para a Eva. Ela
chorava.
Vejam vocês como a vida tem uma lógica que jamais conseguiremos compreender. É a
lógica de Deus! Esse lago, para quem não o conhece, fica logo ali, a pouco metros de onde
estamos. Ele representa o lugar que Deus escolheu para uni-los novamente e que vocês, Lucca e
Eva, elegeram como lar.

Naquele momento, em me lembrei da música que compus para a Eva na semana passada. Eu
ainda não havia tocado para ela. Mas a canção dizia exatamente isso: "nós achamos o amor bem
aqui onde estamos!"... esse era, de fato, o nosso lar.

O Felipe continuou.

E a foto da direta, meus amigos, representa o fruto do amor de vocês. É a foto da pequena
Bia, também olhando para o mesmo lago, ao lado de sua cachorrinha.

A Eva não conseguiu conter sua emoção. Eu a abracei e enxuguei um pouco de suas lágrimas.

Essa mocinha aqui ao meu lado, a filha de vocês, teve uma ideia genial para esta cerimônia.
Ela pensou que vocês dois deveriam fazer seus votos de casamento e união apenas com algumas
frases de músicas que vocês compuseram. Espero que os dois tenham feito a lição de casa. Eva,
você começa.

O telão se apagou. Nós olhamos para a Bia e depois nos viramos para ficarmos de frente um
para o outro.

__ Lucca! - ela respirou fundo e falou. - foi um longo caminho até aqui, não foi? Eu fiz uma
triagem de alguns trechos de músicas que compus especialmente pra você. Não conseguiria me
lembrar de tudo e por isso eu os escrevi neste papel.

Ela começou a ler.

Alguma coisa nos seus olhos faz com que eu queira me perder
Há algo na sua voz que faz meu coração bater mais rápido
Espero que este sentimento dure pelo resto da minha vida
Se você soubesse como minha vida tem sido solitária
E há quanto tempo estou tão sozinha
Se você soubesse o quanto eu queria que alguém viesse
E mudasse minha vida do jeito que você fez
E eu me sinto em casa
Se você soubesse o quanto este momento significa para mim
E quanto tempo esperei pelo seu toque
Se você soubesse como está me fazendo feliz
Nunca pensei que amaria alguém tanto assim
Parece que estou de volta ao lugar onde pertenço

Eu sentei ao lado do rio e ele me completou


Oh simplicidade, pra onde ela foi?
Estou ficando velha e preciso de alguma coisa em que confiar
Então me fale quando você vai me deixar entrar
Estou ficando cansada e preciso de um lugar para recomeçar
E se você tiver um minuto por que não vamos
Conversar sobre isso num lugar que só nós conhecemos?

Venha mais pra perto


Fale sussurrando
Diga de novo para mim
Porque eu adoro esse seu jeito de dizer que eu sou
A única que o deixa confuso
É como se o mundo parasse para ouvir
Você dizendo que me ama
Tem coisas que só você sabe obter de mim
Abra a porta e entre em minha vida
Isso me faz sentir como se pela primeira vez
Alguém trouxesse o sol sem a chuva em toda a minha vida

Você reflete neste meu coração


Se você um dia se sentir sozinho
Saiba apenas que eu estou sempre
Paralelamente do outro lado
Porque com a sua mão na minha mão
E um bolso cheio de alma
Posso dizer que não há lugar aonde não podemos ir
Estou olhando bem para a minha outra metade
O vazio que se instalou em meu coração
É um espaço que agora você guarda
É como se você fosse o meu espelho
Meu espelho olhando de volta para mim
Vejo a verdade em algum lugar em seus olhos
Você me reflete
E se eu pudesse
Eu olharia para nós o tempo todo
Eu não poderia ficar maior
Com mais ninguém ao meu lado
E agora está claro como esta promessa
Que estamos fazendo

Existe uma música dentro da minha alma


Estou acordada nesse frio infinito
Mas você canta para mim uma vez, outra vez
Então eu abaixo minha cabeça
E levanto as minhas mãos
E oro para ser só sua
Eu sei que você é minha única esperança
Cante para mim a canção das estrelas
Cante para mim os planos que você tem
Eu lhe dou o meu destino
Estou lhe dando tudo de mim
Você é a minha única esperança

Quando eu fecho os olhos


Tenho a sensação que o tempo foi congelado
Eu vejo nós dois envelhecendo juntos
E se eu morrer antes de você
Apenas aceite e me deixe ir embora
Mesmo que o céu esteja em tempestade
Eu te amo
Sim, eu te amo, meu amor
Para sempre
Quando eu fecho os olhos
Nós estamos bem juntinhos
Quando eu fecho os olhos
Eu vejo nós dois felizes para sempre

__ Eu te amo, Lucca! Você foi a melhor coisa que me aconteceu! Você me deu a nossa amada
filha. Você salvou a minha vida, não só naquele dia terrível, mas a partir do momento em que você
me amou, com toda a sua alma. Todo o sofrimento que passamos nos fortaleceu e nos preparou para
reencontramos esse amor tão lindo que um dia nos uniu. Eu sempre amarei você, querido! Obrigada
por tudo! - ela me abraçou chorando.

Vários convidados choravam. As minhas lágrimas não puderam mais ser contidas ao ouvir
aquelas palavras tão lindas. Eu a mantive em meus braços por mais tempo do que devia. Não queria
saltá-la.
"Ah... como eu amo você, meu anjo precioso!

Agora é a sua vez, Lucca.

Eu procurei me recompor e respirei devagar.

__ Eva, eu também escrevi alguns trechos em um papel. São letras que compus pensando em
você, meu amor!

Eu comecei a ler.

Prazer em lhe conhecer, onde você esteve?


Vi você ali e pensei
Oh, meu Deus, olhe esse rosto
Pegue seu passaporte e a minha mão
Então, irá durar para sempre
Ou acabará em chamas
Vou lhe deixar sem fôlego
Tenho uma longa lista de ex-namoradas
Mas eu tenho um espaço em branco, querida
Onde eu escreverei seu nome

Se eu morrer antes de acordar


É porque você tirou o meu fôlego
Perder você é como viver em um mundo sem ar
Meu coração não se move, está incompleto
Porque meu mundo gira ao seu redor
Diga-me, como eu devo respirar sem ar?
É assim que eu me sinto quando você não está aqui
Não há ar

Você sabe que eu desmoronaria sem você


Porque tudo que não faz sentido em mim
Faz sentido quando estou com você
Porque eu quero lhe envolver
Quero beijar seus lábios
Quero fazer você se sentir desejada
Quero chamar você de minha
Quero segurar sua mão para sempre
Qualquer um pode dizer que você é linda
Mas sua beleza é mais profunda do que a maquiagem
Do jeito que você me faz sentir bem
Eu quero fazer você se sentir melhor
Melhor do que nos contos de fadas
Melhor do que seus melhores sonhos
Você é mais do que tudo o que eu preciso
Você é tudo o que eu sempre quis

Cem dias me fizeram mais velho


Desde o último momento em que eu vi seu lindo rosto
Milhares de mentiras me fizeram mais frio
Mas toda a distância que nos separa
Desaparece quando eu sonho com o seu rosto
Eu estou aqui sem você, querida
Mas você ainda está em minha mente solitária
Eu penso em você, querida
E eu sonho com você o tempo todo

Eu não uma pessoa perfeita


Há muitas coisas que eu não gostaria de ter feito
Mas eu continuo aprendendo
Eu nunca quis fazer aquelas coisas com você
Eu só quero que você saiba
Que eu encontrei uma razão para mim
Uma razão para mudar quem eu costumava ser
Uma razão para começar tudo de novo
E esta razão é você
Sinto muito por ter lhe machucado
É algo que tenho que conviver todos os dias
E toda a dor que lhe causei
Eu espero que eu possa levá-la embora
E ser aquele que segura todas as suas lágrimas
Eu encontrei uma razão para mostrar
Um lado meu que você ainda não conhecia
Uma razão para tudo que eu faço
E essa razão é você

Amar pode machucar, às vezes


Mas é a única coisa que eu conheço
O amor é a única coisa que nos faz sentir vivos
Nós mantivemos este amor em uma fotografia
Nós criamos estas lembranças para nós dois
Onde nossos olhos nunca fecham
Nossos corações nunca são partidos
E o tempo fica congelado para sempre
Então você pode me guardar no bolso
Do seu jeans rasgado
Abraçando-me até os nossos olhares se encontrarem
Você nunca se sentirá sozinha
Amar pode curar
Amar pode reparar a sua alma
E o amor é a única coisa que levamos conosco quando morremos

__ Eva, quando eu olho pra você, meu coração se enche de paz. Você me fez voltar a ter fé no
amor e fé em Deus. Você me traz força. Você faz de mim um homem melhor. Você e a nossa filha são o
grande tesouro que possuo. Eu daria a minha vida por vocês duas agora mesmo. Eu serei eternamente
grato por ser amado por uma pessoa como você, querida! Sua alma é tão linda! Obrigado por ter me
ajudado a superar tanta dor quando era você quem mais precisava de ajuda. Esse seu jeito de se doar
aos outros e de se sacrificar em nome de quem ama faz de você a pessoa que eu mais admiro nesse
mundo! Eu espero poder ajudá-la a seguir um caminho mais leve daqui por diante. Eu darei o melhor
de mim pra você, minha querida! Eu farei o possível para fazê-la feliz, amada e protegida... pra
sempre!

Quando eu terminei de falar, o silêncio e a emoção reinavam no ambiente. A Eva chorava muito.
Eu a abracei de novo e enxuguei suas lágrimas. O Felipe continuou a cerimônia.

Bom, depois desse momento tão especial, eu gostaria de passar a palavra para a Bia.

Nós a observamos com atenção. Ela estava com seus olhinhos cheios de lágrimas. Ela limpou os
olhos, pegou a almofadinha com as alianças e se aproximou de nós um pouco mais.

Papai! Mamãe! Eu vou fazer umas perguntas e vocês têm que me responder, de todo
coração.

Nós assentimos.

Papai, o senhor promete amar e cuidar da mamãe, ficar com ela nos bons e maus momentos,
estar com ela na saúde e na doença, permanecer ao seu lado na riqueza e na pobreza, ser fiel a
ela, e amá-la até que a morte os separe?

__ Sim, filha! Eu prometo!

Ela me deu a aliança e eu coloquei no dedo da Eva.


Mamãe, a senhora promete amar e cuidar do papai, ficar com ele nos bons e maus
momentos, estar com ele na saúde e na doença, permanecer ao seu lado na riqueza e na
pobreza, ser fiel a ele, e amá-lo até que a morte os separe?

__ Sim, querida! Eu prometo!

A Eva colocou a aliança em meu dedo e sorriu, mesmo em meio a tanta emoção.

Então, sendo assim, diante dessas promessas aqui feitas, eu declaro Lucca Bianco Baroni,
meu pai, e Eva Martins Fonseca Baroni, minha mãe, marido e mulher. Agora é o momento do
beijo! Ecaaa!

Todos riram.

Eu me aproximei da minha esposa, a beijei e falei que a amava em seu ouvido. Ela sorriu se
pendurando em meu pescoço. Ali, diante daquelas pessoas, nós selamos o nosso amor. Todos
aplaudiram muito aquela simbólica união. Depois do beijo, nós deixamos a tenda e fomos em direção
ao lago.

As poucas mulheres solteiras se aglomeram a alguns metros da Eva. Júlia, Isabel, Tatiana e
Renata. Ela jogou o buquê para trás. A Júlia foi mais ágil e o segurou no ar.

__ Isso foi marmelada, Eva! - Isabel contestou.

__ Juro que não foi! - Eva disse sorrindo ao abraçar a Júlia.

__ Prepare-se, Felipe! Você será o próximo! - eu brinquei com o meu amigo.

__ Até que não acho má ideia, Lucca! Eu sou louco pela Julia! Acho que o 'mosquitinho do
amor' acabou me picando, meu velho! A tal 'flecha do cupido' acertou o meu coração em cheio. - ele
disse sorrindo.

A noite chegou. O Inácio ligou as lâmpadas das tendas e todas as luzes do terraço. Fiquei feliz,
quando algum tempo depois, vi a Eva conversando com meus familiares. Eu me aproximei.

__ Filho, você teria um tempo para mim e seu pai? - minha mãe me questionou.
__ Claro, mãe!

Eu deixei a Eva com o resto do pessoal, dei uma piscada para ela e me afastei com os meus
pais.

__ Lucca, nós queríamos aproveitar a oportunidade para lhe pedir desculpas pelo nosso
distanciamento. Eu e a sua mãe precisávamos mesmo sair viajando por aí depois do que ocorreu em
Florença. Ainda tentamos nos comunicar com você algumas vezes, mas você parecia não querer falar
com a gente.

__ Pai, eu sinto muito! Mas das poucas vezes em que nos falamos depois da morte dos meus
filhos, foi muito doloroso pra mim. Eu sempre enxergava vocês me culpando pelo que aconteceu; por
eu ter sido um pai ausente.

__ Se essa foi essa a impressão que nós passamos pra você, meu filho, pedimos desculpas! Nós
nunca o culpamos! Na verdade, nós culpamos a nós mesmos porque aquela tragédia aconteceu
debaixo dos nossos olhos. Achávamos que você tinha raiva de nós pela nossa negligência ou falta de
atenção! - minha mãe falou emocionada.

__ É verdade, filho! A Paola e eu nos responsabilizamos por muito tempo! Afinal de contas,
fomos nós quem o incentivamos a casar com uma mulher que você não amava! E éramos nós as
únicas pessoas que poderiam ter evitado aquilo. Nossos netos estavam sob nossa proteção depois
que você os deixou com a gente e partiu para aquele festival.

__ Pai! Mãe! Vamos deixar tudo isso para trás! Nos últimos meses, eu aprendi uma valiosa
lição, sabe? Eleger um culpado para apontar o dedo, julgar e punir não acalenta a nossa dor. Isso não
resolve nada. Durante muito tempo, eu me culpei por não ter sido um pai melhor e até culpei a Eva
pelo que a Lorena fez. E eu quase a perdi por isso! Vocês souberam de toda a história. A minha
mulher não morreu por muito pouco. Todo esse ódio e essa culpa que eu descarreguei sobre ela só
nos fez sofrer e só a colocou ainda mais em perigo. Vamos esquecer tudo isso, está bem?

__ Você não imagina como estamos felizes por você, filho! A nossa neta é uma benção de Deus e
nenhuma outra mulher poderia ser tão perfeita pra você quanto a Eva. - minha mãe me abraçou.

__ Ouvir aquelas letras das músicas que vocês compuseram um para o outro me fez ter entender
que o amor de vocês é um dos sentimentos mais fortes, puros e verdadeiros que eu já pude presenciar
em minha vida. Parabéns por sua filha e por sua esposa, Lucca! Eu e sua mãe desejamos toda a
felicidade do mundo pra vocês! - meu pai também me abraçou.

__ Eu gostaria que o meu piano ficasse com vocês! É o nosso presente de casamento! - Dona
Suzanna sorriu.

__ Nós ficamos muito agradecidos e lisonjeados, mas não podemos aceitar. Esse piano é
incrivelmente caro! - Eva falou.

__ Querida, não há lugar mais apropriado para ele do que este! Vocês são músicos e farão bom
uso deste magnífico instrumento. Aceite, Eva! Por favor, Lucca, convença sua esposa a aceitar o
nosso presente.

Nós nos olhamos por alguns segundos.

__ Sendo assim, ficamos muito felizes em aceitá-lo, não é meu amor? - eu falei olhando para
ela.

__ Muito obrigada pelo presente, de todo coração! Eu sou absolutamente apaixonada por este
piano! - Eva disse sorrindo.

Instantes depois, fui beber um pouco com os meus amigos. A Eva foi falar com o resto dos
convidados, dando atenção especial ao Thomas. Eu observava de longe o quanto ela estava serena e
contente.

__ Estamos muito felizes por você, meu amigo! - os caras da SB me felicitavam animados.

__ Poxa! Aquele vídeo que vocês fizeram foi demais! Muito obrigado por tudo!

Procurei localizar a minha filha na festa. Eu a vi no colo da Beth. Depois tentei encontrar a
minha esposa. Ela estava caminhando para o redondel dos cavalos. Deixei minha bebida em uma das
mesas e dei umas instruções ao Zeca e ao Damião. Fui atrás dela.

__ O que faz aqui sozinha, meu anjo?

Eu a abracei por trás e cheirei seu pescoço.


__ Eu vim agradecer a Deus por esta noite. Vim agradecer por nossa união, por nossa vida, por
nossa saúde. Olha como céu está estrelado, meu amor!

Eu olhei para o céu.

__ Seus pais estão muito felizes por você, querida, assim como o Pierre e o Alexandre! - eu a
virei para mim.

Naquele momento, meus empregados chegaram ao redondel trazendo os dois cavalos que eu
pedi.

__ O que os animais fazem aqui, Lucca? Eu não conheço essa égua! Desde quando ela está
conosco no haras?

__ Eu explico já, querida! Zeca, eu pedi para você trazer o Valentino para dizer que ele é seu, a
partir de hoje. É um presente meu e da Eva! Isso é o mínimo que eu posso fazer por você ter salvo a
vida da minha mulher.

__ Muito obrigado, Sr. Lucca! Muito obrigado mesmo! - ele sorria de orelha a orelha.

__ Cuide bem do Valentino, Zeca! E novamente, quero frisar a minha eterna gratidão pelo que
você fez por mim naquela noite.

__ Eu faria tudo de novo, Dona Eva! Eu já lhe disse isso!

__ E quanto a você, Damião, aquela moto parada ao lado da casa do Inácio é sua! Também é um
presente nosso! - eu disse.

__ Faz isso naum, patrão, caudisquê eu fico encabulado. O sinhô tá dando pra eu uma motoca?

__ Exatamente! Ela não vale tanto quanto o Valentino, mas vai ser excelente para o seu
transporte até a cidade e até a capital. Sua mulher vai adorar! Agora tenha muito cuidado ao dirigi-la,
está bem?

__ Obrigadin. Sr. Lucca! Fico inté mocionado! Podeixá! Vô aprendê a dirigí esse trambeco! Ow,
trêm baum!

Eu e a Eva sorrimos. O Damião era uma figura.


__ E essa égua, meu amor, se chama Madonna. Ela é o seu presente de casamento. É uma água
Campolina de extrema qualidade.

__ Sério, Lucca? Ela é incrível!

__ Eu a comprei hoje cedo de um fazendeiro da região! Ela é sua, minha linda!

A Eva me beijou. O Zeca e o Damião nos deixaram sozinhos. Eu estava imensamente feliz esta
noite. Abracei a minha esposa e pensei no quanto eu a amava. Nosso abraço foi interrompido pelo
toque do celular dela.

__ Sim? Sou eu mesma! Entendo! Muito obrigada por me avisar, doutora! Boa noite!

Ela desligou.

__ Lucca, tem uma coisa que você precisa saber.

__ O que foi?

__ Ah, Deus! Eu nem sei como dizer isso!

__ Fala logo, Eva! Já estou agoniado!

__ Depois que eu passei mal no início desta tarde, eu fiz um exame. A médica me ligou agora
confirmando o resultado. Meu bem, eu e você vamos ter um bebê! Eu estou grávida!

Eu passei alguns segundos processando aquela informação.

__ Grávida?

__ Isso! Acho que engravidei naquela noite em que voltei pra cá. Nós não usamos nenhuma
proteção. Se minhas contas estiverem certas, eu estou esperando um bebê de sete semanas.

__ Ahhhh, meu Deus! - eu levei as mãos à cabeça. - Você quer me matar de felicidade, Eva?

Ela sorriu e voltou a me abraçar.

__ Espero que seja um menininho tão lindo quanto o pai dele.

__ Ah, eu te amo demais! Vamos voltar para a festa! Agora sou eu quem tenho uma surpresa pra
você!

__ Outra surpresa fora a Madonna?

__ Sim.

Eu chamei os nossos convidados para dentro da tenda. Peguei o violão e me sentei em um banco.
Chamei a Bia para ficar ao meu lado.

__ Eu queria cantar uma música em homenagem a você, meu amor! Eu a compus há cerca de uma
semana. Acho que não há momento mais apropriado para que você a ouça. Como eu lhe disse agora
há pouco, por sua causa eu sou um homem melhor! Seu amor curou a minha alma e a sua fé em Deus
me fez recuperar a minha fé há muito tempo perdida. Obrigado por tudo!

Eu respirei fundo. Eu estava muito emocionado e feliz.

__ Eu aproveito a presença de todos vocês para informá-los de que eu serei papai novamente. A
nossa pequena Bia terá um irmãozinho ou irmãzinha! Eu acabei de saber, filha! - eu falei alisando os
cabelos dela. - Eu te amo, Eva, com todo o meu coração!

Vi as pessoas se agitarem com a notícia. Todos vibraram. Comecei a tocar e a cantar.

When your legs don't work like they used to before


Quando suas pernas não funcionarem como antes

And I can't sweep you off of your feet


E eu não conseguir deixá-la mais apaixonada

Will your mouth still remember the taste of my love


A sua boca ainda se lembrará do gosto do meu amor?

Will your eyes still smile from your cheeks


Os seus olhos ainda sorrirão em seu rosto?

Darlin' I will be lovin' you


Querida, eu lhe amarei

Till we're seventy


Mesmo que sejamos sententões
Baby my heart could still fall as hard
E meu coração ainda se apaixonará

At twenty three
Como na época em que tínhamos vinte e três anos

I'm thinkin' bout how


Estou pensando em como

People fall in love in mysterious ways


As pessoas se apaixonam de maneiras misteriosas

Maybe just the touch of a hand


Talvez seja apenas o toque de uma mão

Me, I fall in love with you every single day


Eu me apaixono por você a cada dia

I just wanna tell you I am


Eu só quero te dizer que eu estou apaixonado

So honey now
Então, querida, agora

Take me into your lovin' arms


Abrace-me com seus braços amorosos

Kiss me under the light of a thousand stars


Beije-me sob a luz de mil estrelas

Place your head on my beating heart


Apoie sua cabeça sobre meu coração palpitante

I'm thinking out loud


Estou pensando alto

Maybe we found love right where we are


Talvez tenhamos achado o amor bem aqui onde estamos

When my hair's all but gone and my memory fades


Quando meu cabelo parar de crescer e minha memória falhar

And the crowds don't remember my name


E as plateias não se lembrarem mais do meu nome
When my hands don't play the strings the same way
E minhas mãos não tocarem os instrumentos do mesmo jeito

I know you will still love me the same


Eu sei que você ainda me amará mesmo assim

Cause honey your sou


Porque, querida, sua alma

Could never grow old


Jamais envelhecerá

It's evergreen
Ela é eterna

Baby your smile's forever in my mind and memory


Querida, seu sorriso estará sempre em minha mente e memória

I'm thinkin' bout how


Estou pensando em como

People fall in love in mysterious ways


As pessoas se apaixonam de maneiras misteriosas

Maybe it's all part of a plan


Talvez seja parte de um plano

Take me into your loving arms


Abrace-me com seus braços amorosos

Kiss me under the light of a thousand stars


Beije-me sob a luz de mil estrelas

Place your head on my beating heart


Apoie sua cabeça sobre meu coração palpitante

I'm thinking out loud


Estou pensando alto

Maybe we found love right where we are


Talvez tenhamos achado o amor bem aqui onde estamos

And we found love right where we are


E nós achamos o amor bem aqui onde estamos

Ao final da música, a Eva veio até mim. Ela puxou o meu violão, sentou-se em meu colo e me
beijou.

__ Você me faz a mulher mais feliz desse mundo, Lucca Baroni! Eu fiz uma excelente escolha
quando resolvi 'pegar meu passaporte e segurar a sua mão'. Ficamos algumas vezes sem fôlego e
tivemos as nossas terríveis cicatrizes, mas conseguimos fazer o nosso final feliz. Meus sonhos com
você sempre foram reais porque todas as vezes em que eu fecho os olhos, meu amor, eu nos vejo
envelhecendo juntos. Eu te amarei... para sempre!

Fim

Trechos da música “Thinking Out Loud” - Ed Sheeran


(OBS.: na ficção, composta por Lucca Baroni)
Epílogo (parte I)

Jardim Campo Belo/18 anos depois


Bia

__ Bia, acorde!

__ Ah, eu quero dormir!

__ O papai e a mamãe estão indo em meia hora. Eles me pediram para acordar você.

__ Diga a eles que desço em dez minutos.

__ Eu estou entrando.

Ele entrou. Ele sempre fazia isso.

__ Levanta, preguiçosa! - ele tirou as cobertas de cima de mim.

__ A pessoa nem consegue ter uma noite de sono tranquila nesta casa.

__ Deixa de reclamar, maninha! Vamos!

Eu me espreguicei e depois dos meus sessenta segundos iniciais de mau humor matinal, eu sorri
pra ele.

__ Hoje à noite você pretende mesmo sair?

__ Com toda certeza, Bia! Mais tarde conversamos! Vamos esperar os coroas irem embora.

Eu e meu irmão éramos muito unidos. Eu diria que éramos inseparáveis. Quando o peguei,
pequenininho, em meus braços, no dia em que ele nasceu, nossas almas sorriram uma para a outra.

"Oi, bebê! Eu sou a sua irmã! Você tem os olhos do papai! Você vai se chamar Arthur Bianco
Martins Baroni."

Agora, aquele bebezinho tinha 17 anos e havia se tornado um rapaz lindo de morrer e que media
um metro e oitenta e nove de altura. Sempre que via algum vídeo ou fotografia do papai mais novo,
eu me impressionava com o fato de eles serem iguaizinhos. E eu, segundo a mamãe, também era
muito parecida com ela. Isso era bom, já que eu a achava muito bonita.

Eu me arrumei rapidamente e desci para tomar café. Encontrei todo mundo na cozinha.

__ Bom dia, gente!

__ Bom dia, dorminhoca. Essa sua rotina de ficar escrevendo até tarde não está sendo bom para
a sua saúde, filha!

__ Mamãe, mas é só enquanto eu termino o livro. A senhora sabe que quando estou em processo
de escrita, eu perco a noção de tempo.

__ Filha, nós entendemos! Mas a sua mãe tem razão. Você acaba perdendo boa parte da manhã,
não dá atenção para as crianças da equoterapia e nem ao menos vai cavalgar. Isso não é saudável,
querida!

__ Tá, papai! Vou voltar a acordar cedo assim que finalizar tudo.

__ E isso poderá durar quanto tempo, mocinha? - mamãe disse sorrindo enquanto colocava a
louça na pia.

__ Mais uma semana, no máximo.

__ Ok. E você, querido, nada de dar trabalho para sua irmã. Comporte-se!

__ Tá, mamãe! Pode deixar!

__ Filho, ajude o Zeca com as coisas por aqui enquanto a Bia fica compenetrada no livro. Ah, e
fiquem de olho no Inácio. Ele não anda bem. Qualquer coisa, ligue pra gente. - papai falava. - Vamos,
meu amor! Não podemos perder o voo.

Minutos depois, os nossos pais deixaram o haras rumo ao aeroporto com o Zeca. Eles estavam
partindo para uma viagem ao Chile em comemoração ao 18º ano de casamento.

Logo depois que a mamãe descobriu que estava grávida, ela e o papai resolveram gravar o novo
CD com a Sonic Beat. Os fãs e a gravadora queriam muito que todos voltassem a tocar juntos. Eles
entraram em estúdio e as músicas foram um sucesso. No entanto, eles só começaram a fazer shows ou
ir a programas de rádio e televisão depois que o Arthur parou de mamar, quando ele fez um ano e
dois meses.

Quando eles partiam, durante um final de semana por mês, eu e o Arthur costumávamos ficar
com o tio Inácio e a tia Beth. Eles sentiam muitas saudades de nós. Todas as vezes em que a mamãe
voltava pra casa, ela chorava me abraçando e corria para pegar o Arthur no colo.

Durante alguns anos, a SB voltou a ficar nos primeiros lugares das paradas de sucesso das
rádios de todo o país. Os shows deles lotavam e os convites para participarem de programas de TV
cresciam cada vez mais. Foram gravados mais dois álbuns. O retorno da banda foi um estrondoso
sucesso.

O pessoal da Sonic Beat tocou junto por mais quatro anos, até que um dia, no aniversário do
papai aqui no haras, eles decidiram que havia chegado a hora das despedidas.

__ Um brinde aos nossos momentos tão marcantes e especiais! Vou sentir saudades de pegar
estrada com vocês, meus amigos! Vou sentir falta dos nossos shows e de tudo que partilhamos! -
Vinícius se emocionou.

Lembro-me bem desse dia. Eu estava com 13 anos. Todos choraram. Foi emocionante também
para mim, já que eu não os veria mais juntos, tocando e cantando, como eu tanto gostava. Naquela
noite, a mamãe me disse algo que eu sempre levei comigo.

__ Nada dura para sempre, minha filha! Tudo é impermanente! Tudo acaba! Nós só temos que
aproveitar, da melhor forma possível, o dia de hoje... porque esse 'hoje' logo terá ido embora e se
tornará passado.

Aos 14 anos, eu finalmente entendi o que eu queria fazer da vida: ser escritora. Comecei a
escrever livros reunindo todo o material que havia acumulado desde criança, além de outras ideias
que me vinham à cabeça depois que me tornei adolescente.

Um desses livros recebeu o título de "Meu Mundo Particular", onde eu relatava a minha
experiência em ser Asperger. O outro, eu nomeie de "O Vazio que Nos Preenche". Era um livro que
falava sobre espiritualidade e filosofia. Eu reuni naquelas páginas vários pensamentos e
questionamentos sobre morte, Deus, destino, amor, amizade, superação, perdão, livre arbítrio,
propósito de vida.

Deixei os dois livros guardados durante muito tempo. Até que alguns anos depois, a mamãe
achou esses dois originais impressos na minha pasta de documentos pessoais e mostrou para o meu
pai. Ela precisou procurar por uma cópia autenticada do meu RG e acabou fuçando minhas coisas.
Fiquei furiosa.

Depois de muita insistência, eu finalmente deixei que eles lessem. Eles devoraram tudo em
poucos dias. Eu me recordo do momento em que eu estava no meu quarto e meu pai veio falar
comigo.

__ Filha, eu e sua mãe conversamos e achamos que você deveria publicar seus livros. Eles são
maravilhosos, querida! Você se lembra de que um dia lhe disse que você seria uma escritora? Eu
falei isso quando você só tinha 7 anos. Chegou a hora, meu bem! Você já é uma moça e precisa
encontrar o seu caminho. Escrever é um dom que você recebeu de Deus. Deixe as pessoas lerem seus
escritos!

__ Eu não sei, papai!

__ Bia, se eu e sua mãe não estivéssemos mais aqui, você e o Arthur teriam que se virar
sozinhos. Ele é um menino de 11 anos e ainda não precisa pensar sobre isso, mas você já tem 19
anos! Está na hora de você escolher o que pretende fazer como profissão.

Ele continuou falando.

__ Eu e a Eva concordamos quando você nos disse que não queria fazer faculdade logo depois
que fez os exames do supletivo e se formou no ensino médio. Talvez você não precise mesmo de um
curso superior. Você sempre foi autodidata e respeitamos a sua decisão. Mas é indispensável que
você escolha uma carreira profissional. Você não poderá contar com seus pais pelo o resto da vida e
nós não queremos que você dependa de homem nenhum para viver.

__ Eu não sei se sou boa nisso, papai!Você jura mesmo que eu escrevo bem?

__ Juro, querida! Você nasceu para isso, Ana Beatriz! Eu não estou falando como seu pai. Estou
falando como um crítico. Você tem um dom especial.

__ Sendo assim, eu gostaria que o senhor e a mamãe lessem isso.

Eu abri meu guarda-roupa e mostrei pra ele outro original que eu estava guardando havia algum
tempo. O papai leu o título e ficou quieto por alguns segundos. Eu havia escrito a biografia dos meus
pais. O livro se chamava "Lucca Baroni e Eva Martins: um longo caminho até o paraíso".
Havia tanta coisa que as pessoas especulavam sobre os acontecimentos da vida deles que eu
achei por bem escrever sobre como os fatos realmente aconteceram. Ainda muito cedo, por volta dos
9 anos, eu pude ter conhecimento sobre tudo que eles passaram. O assassinato dos meus avós, o
sequestro, o incêndio, o dossiê que resultou na prisão de várias pessoas importantes do país, a morte
dos meus irmãos pela mãe deles, enfim. Eu descobri uma parte sozinha e outras coisas eu mesma fui
perguntando a eles. O Arthur também soube de tudo ainda muito novo.

Meus pais sofreram muito, principalmente a minha mãe. Eu me orgulhava de sua incrível
capacidade de se superar, perdoar e amar. Depois de tanta tristeza, o papai e a mamãe finalmente
encontraram um pedacinho do céu aqui na terra. Era assim que eu via esse lugar: o nosso paraíso.

__ Filha, eu quero muito ler esse manuscrito! Assim que eu e a Eva terminarmos, diremos pra
você o que nós achamos. Durma bem, querida! Eu te amo muito!

__ Eu também te amo! Boa noite.

E foi aí que a minha carreira como escritora começou. O papai e a mamãe adoravam a biografia.
Fizemos apenas umas pequenas alterações. Eles mandaram os três originais que já tinham lido para
uma editora de grande porte no Rio de Janeiro.

Para que as portas fossem abertas, o primeiro livro que lancei foi justamente a biografia deles.
Foi um recorde de vendas. Isso me deu uma boa visibilidade. Em seguida, lancei "Meu Mundo
Particular", e logo depois, "O Vazio que Nos Preenche".

Aos 21 anos, eu já havia ganhado vários prêmios de literatura pelo mundo e meus livros
acabaram sendo traduzidos para outras línguas. Eu mesma fiz a tradução para o inglês, o francês, o
espanhol e o italiano. O papai e a mamãe ficaram radiantes. Eu comecei a ganhar um bom dinheiro
com as vendagens dos meus livros físicos e e-books. A preocupação deles, finalmente, tinha ido
embora. Eu já conseguiria me sustentar sozinha só com os royalties dos meus escritos. Eu tive sorte,
já que viver de literatura no país do carnaval e do futebol não é nada fácil.

O grande problema na carreira que eu havia escolhido era que eu não suportava badalação, feira
de livros e entrevistas. Eu nunca aparecia nos eventos e isso deixava meu agente literário bem
irritado. É que mesmo tendo voltado a falar, eu continuava sendo uma Aspie. Eu apenas tinha
deixando de ser uma criança Asperger para vivenciar as minhas limitações no 'mundo dos adultos'.

Apesar de ser uma escritora que não investia em minha exposição, eu acabei sendo bem
sucedida. O fato de os leitores, jornalistas e críticos saberem que eu possuía um transtorno autista
facilitou bastante as coisas para mim. Meus livros foram resenhados por muita gente boa e acabaram
tendo críticas maravilhosas. As críticas negativas foram poucas.

Hoje, aos 26 anos, eu já estava escrevendo meu décimo primeiro livro, com sete deles já
publicados. O haras me proporcionava tranquilidade para eu me dedicar à escrita. Eu preenchia todo
o meu tempo lendo, escrevendo, mexendo no computador e andando a cavalo, uma grande paixão que
meus pais me ensinaram a desenvolver.

Eu adorava o hipismo. Aprendi a montar muito bem e até passei a ajudar o Túlio e a Tatiana
com as aulas de equitação terapêutica. A Renata acabou se mudando para Florianópolis e eu fiquei
em seu lugar. Eu adorava trabalhar com aquelas crianças tão especiais.

Outra coisa que adorava fazer no haras era sair galopando com o meu cavalo Adonis. Eu e ele
tínhamos uma conexão incrível. Os pais dele, a Lady e o Apolo, morreram há alguns anos. A morte
do Apolo foi muito traumática. Ele já era um cavalo idoso e acabou tendo problemas com suas
funções hepática e renal. O pobrezinho estava sofrendo muito e a mamãe teve que sacrificá-lo.
Enquanto ela fazia o procedimento, o papai e o Arthur choraram abraçados como duas crianças.

A égua da mamãe, a Madonna, continua muito bem. Ela e o Apolo fizeram um cruzamento natural
e, algum tempo depois, o Amuleto nasceu. Esse era o cavalo do meu irmão. Os dois viviam juntos.
Lembro-me do Arthur, ainda bem pequeno, puxando o potrinho pelo redondel. Era lindo ver os dois
juntos.

Atualmente, o grande xodó do papai era o Trovão, um cavalo campolina de pelagem negra. Ele
se tornou o maior reprodutor do haras.

De todos os animais com quem pude conviver, quem mais me fazia falta era a Luna. A minha
grande amiga e companheira me deixou quando eu completei 20 anos. O seu coraçãozinho conseguiu
resistir a tudo, menos à velhice. Ela ainda viveu por 15 anos. Nós a enterramos em frente ao lago. O
Arthur chorava tanto que era de partir o coração. Lembro-me da mamãe o consolando enquanto eu e o
papai chorávamos abraçados. A tia Beth e o tio Inácio estavam presentes quando fizemos um pequeno
ritual antes de enterrá-la. Ali, naquele cantinho, nós sempre nos sentiríamos mais próximos dela.

Era incrível como os bichos do haras passavam a fazer parte da família. Todos que partiram
deixaram imensas saudades. Até hoje, a mamãe guarda um quadro que ela mandou pintar em que eu a
Luna olhávamos para o lago. A mesma foto que o tio Felipe comentou no dia do casamento dos meus
pais.

Eu já estava com saudades do papai e da mamãe, que haviam viajado nesta manhã. Estava
compenetrada no livro, esperando dar a hora de sair com o Arthur. Ele me pediu um favor e eu não
podia negar. O meu irmão era sempre muito responsável e correto, mas como todo jovem, havia
coisas que precisavam ser feitas às escondidas dos pais.

Eu adorava conversar com o Arthur. Perto dele, eu até que me sentia bem 'normal'. Eu e ele
falávamos sobre tudo. Éramos muito confidentes.

__ Bia, nós precisamos estar lá às 20h.

__ Calma! Nem são 16h ainda. Você está mesmo apaixonado por essa garota, não é?

__ Não sei se é paixão! Só sei que eu gosto da Clarice.

__ Deixe-me escrever um pouco. Mais tarde faremos o que você quer e fechamos a noite vendo
um filme na TV. Eu faço pipoca. O que você acha?

__ Eu preferiria fechar a noite com a Clarice em minha cama! - ele sorriu.

Esse meu irmão era fogo! O Arhur só tinha 17 anos e já era cobiçado até por garotas mais velhas
do que ele.

__ Credo! Vocês homens só pensam em sexo!

__ É que não existe coisa melhor no mundo! - ele brincou. - Bia, é sério mesmo que você e o
Davi namoraram por meses e nunca transaram? Eu não acredito que você ainda é virgem!

__ Poxa, suas palavras me deixam super pra cima. Muito obrigada. - eu ironizei.

__ É que isso é tão estranho! - ele dizia sentado em minha cama.

__ Arthur, eu sou esquisita! Será que você ainda não percebeu? - eu falei com certa tristeza.

__ Não fale assim, Bia! Pare de dizer essas coisas! Você é absolutamente linda e encantadora!

__ Sei.
__ Mas me diz como um casal fica junto por cinco meses e não faz sexo. Eu acho isso
humanamente impossível.

__ Eu quero que a minha primeira vez seja especial, você entende? Quero estar envolvida e
apaixonada.

__ Pois a minha primeira vez foi horrível! Não gosto nem de me lembrar.

__ Você brochou, maninho? - eu sorri.

__ Eu disse que foi horrível; não que foi traumatizante.

__ E por que foi tão ruim assim?

__ Porque eu estava muito nervoso e aí acabei o serviço em cinco minutos. - ele disse sorrindo.

__ Bom, então acho que com a Clarice você não irá muito além disso. Afinal de contas, você
está quase tendo uma crise de nervos.

__ Agora é diferente, Bia! Eu aprendi como se faz. Sexo se aprende fazendo. - ele falou. - Ei,
mas me diz uma coisa: se você não estava apaixonada pelo cara, então por que diabos você resolveu
namorá-lo?

__ Porque ele insistiu muito. Ele era bonito e eu pensei que eu fosse ficar apaixonada por ele
com o passar do tempo. Mas isso não aconteceu.

__ Entendo. Bom, eu vou lá ficar um pouco com o tio Inácio.

Aquela conversa com o meu irmão me fez me sentir desconfortável. Eu tinha 26 anos e ainda era
virgem. Se continuasse assim, iria morrer donzela e intocada.

Eu o e Davi nos conhecemos quando fui receber um prêmio de literatura em São Paulo. Nós nos
identificamos. Ele me abordou dizendo que tinha lido um livro meu e que tinha adorado. Ele sabia
que eu era Asperger e mesmo assim quis ficar comigo.

Começamos um namoro à distância. Nós até que tentamos transar, mas eu não conseguia. Em
todas as vezes em que pudemos nos ver, durante os cinco meses de namoro, eu nunca me senti à
vontade para ir pra cama com ele. Então, um dia, eu facilitei as coisas para o Davi e terminei o
namoro.
Antes dele, tentei me relacionar com alguns rapazes pela internet. A mamãe ficou morta de
preocupação quando um dia eu comuniquei que iria até a capital me encontrar com um
cara Asperger que tinha conhecido através de um chat. O papai quase surtou.

Eu era tão esquisita que não conseguia namorar nenhum rapaz direito. Sempre encontrava
defeitos neles e odiava quando eles me beijavam e me agarravam. Eu já cheguei a pensar que eu
devia ser, além de Aspie, uma garota frígida! Era a única explicação.

Meus pensamentos voltaram ao mundo real quando ouvi o Zeca me chamando pela janela.

__ Bia, o vizinho veio trazer a potranca para seu pai analisar. O que eu faço? Você quer vê-la ou
prefere que eu e o Damião façamos isso?

__ O papai me instruiu para eu mesma dar uma olhada nela, ok Zeca?

Eu fui ver a potranca que o Sr. Otávio estava querendo vender ao meu pai. Ele comprou a
fazenda do velho Elias há vários anos. Nosso vizinho é muito gente boa e meus pais têm um ótimo
relacionamento com ele. O coitado foi abandonado pela esposa e está numa fase meio depressiva.

Ao chegar no terraço, me surpreendi ao não encontrar o Sr. Otávio. Quem era aquele homem,
afinal?

__ Boa tarde. Eu vim em nome do meu pai fazer a demonstração da égua.

__ Oi.

__ Você não deve se lembrar de mim. Eu sou o Murilo. Eu voltei a morar com o meu pai há
alguns dias.

"Ahhh, eu me lembro sim! Você é o carinha babaca que vivia me chamado de 'menina
esquisita' quando eu tinha 13 anos. Idiota! Só quem tinha o direito de me chamar de esquisita era
eu mesma!"

__ Não! Acho que não me lembro de você! - eu dizia. - Pode ir, Zeca! Muito obrigada!

"Só de pensar que ele foi o primeiro menino por quem me interessei isso já me causava
náuseas! Ele me esnobava, ria de mim e me dava apelidos que me magoavam muito!"

__ Bom, agora que estamos sozinhos, eu gostaria de lhe pedir desculpas. Acho que fui muito
inconveniente com você naquela época. Eu até lhe fiz chorar um dia.

__ Sério? Eu realmente não me lembro de nada disso.

__ Ótimo! Então, Bia, o que acha da potranca?

__ Qual o nome dela?

__ Pandora.

__ Que idade ela tem?

__ Ela fará dois anos em breve.

__ Se não se importa, eu vou tirar umas fotos dela com o celular. O meu pai me deu instruções
para enviá-las pra ele.

__ Fique à vontade.

Eu já tinha tirado três fotos da égua e, em todas elas, o babaca do Murilo aparecia.

__ É verdade mesmo que você não se lembra de mim?

__ Por que eu mentiria sobre isso? - eu falei tentando ignorá-lo, concentrando-me nas fotos.

__ Não sei! É que eu nunca me esqueci do que fiz a você.

__ Fica difícil se esquecer da 'autista esquisita' que você ficava atormentando, não é?

"Merda! Eu me entreguei!"

Ele sorriu.

__ Eu sabia que você não tinha se esquecido de mim, Bia!

__ Eu acabei de me lembrar de como você era arrogante e mal educado!

__ Poxa! Eu causei mesmo um bom impacto em você. Estou impressionado com a sua beleza,
Bia! Você mudou muito. Está muito mais falante e com uma língua bem mais afiada. Naquela época,
você era apenas uma menina magricela e esquisitinha.
"Ainda continuo esquisita, seu idiota! Vá embora daqui!"

__ Bom, eu já tirei as fotos. Vou falar a respeito da Pandora com o meu pai. Tchau, Murilo.

__ Tchau, Bia. Foi ótimo revê-la!

__ Ei, pra você eu sou a Ana Beatriz!

__ Ok, Ana Beatriz! Até logo.

__ Bia, você está no mundo da lua? Estou falando com você!

__ Foi mal, Arthur! Estou meio aérea.

__ Está pensado no livro?

"Não! Estou pensando no idiota!"

__ É! Estou tendo umas ideias. Agora me deixe dirigir. Eu preciso me concentrar.

Eu tinha prometido para o meu irmão que eu iria levá-lo a uma boate que estava inaugurando
hoje na capital. Ele ainda não tinha carteira de motorista e queria muito se encontrar com uma garota.
Eu disse a ele que eu não contaria nada aos nossos pais. Não vi mal nenhum naquilo. Ele precisava
se divertir um pouco. O trato era deixá-lo na boate às 20h e ir pegá-lo às 23h. Depois, quando
voltássemos, nós iríamos assistir a um filme.

Eu odiava a barulheira e as luzes das casas noturnas. Então, combinei de não entrar. Eu ficaria
esse tempo na casa de uma colega que conheci pela internet. Só mesmo o meu irmãozinho para me
fazer dirigir à noite. Eu morria de medo de pegar estrada depois que escurecia.

__ Arthur, eu estarei aqui às 23h em ponto! Sei que é cedo, mas não posso esperá-lo por mais
tempo.

__ Eu entendo, Bia! Você está com o celular, não é? Quando chegar na casa de sua colega me
ligue. Eu não quero ficar preocupado com você dirigindo por aí sozinha.

__ Eu ligo sim! Divirta-se e não faça nenhuma besteira, ouviu? Caso contrário, eu estarei
ferrada com o papai e a mamãe.
__ Te amo, maninha! Obrigado por ter me trazido! - ele beijou meu rosto sorrindo e entrou na
boate.

Antes de sair, peguei o celular para falar com a Aline. Uma coisa que eu jamais fazia era falar
ao telefone enquanto guiava meu carro.

"Droga! Atende logo!"

__ Boa noite, Ana Beatriz! Que surpresa encontrá-la aqui. Você também veio para a
inauguração?

"Que susto aquele babaca me deu!"

__ Eu só vim trazer o Arthur!

__ Você não vai entrar?

__ Não! Tchau, Murilo! Eu preciso ir.

__ Você está indo pra onde?

__ Isso não lhe interessa!

__ Você deve mesmo me odiar, não é?

__ Eu? De jeito nenhum!

__ É o que parece!

__ Nem sempre as coisas são o que parecem.

__ Isso soa muito bem aos meus ouvidos. Vejamos: se parece que você me odeia então pode
existir alguma chance de você me amar!

__ Você bebeu? Tá chapado, por acaso?

Ele deu uma gargalhada. Eu continuei falando.

__ Desencoste do meu carro, Murilo! Eu preciso ir.


__ Eu a acompanho.

Ela abriu rapidamente a porta do carro e entrou.

__ O que você pensa que está fazendo?

__ Eu mudei de ideia sobre a boate. Acho que sua companhia será muito mais agradável do que
a de qualquer garota lá dentro.

__ Saia! Eu estou indo encontrar uma colega.

__ Eu vou com você!

__ Óbvio que não! O que você quer de mim?

__ Posso ser mesmo sincero?

__ Deve.

__ Eu quero um beijo seu.

__ Você tá maluco se pensa que ...

Ele não me deixou concluir a frase, colocou as mãos em meu pescoço e me puxou para junto
dele. Nossos olhares se fixaram por alguns segundos.

__ Não faça isso!

__ Você é tão linda!

__ Solte-me agora mesmo senão eu vou gritar!

Não teve jeito. O filho da mãe me beijou. Tentei me desvencilhar de seus braços, mas eu logo
percebi que eu estava gostando daquele beijo. Não! Eu não podia demonstrar isso pra ele. Eu o
empurrei.

__ Saia já do carro!

__ Por quê?
__ Porque você é um cretino! Saia, Murilo! Saia!

Eu fiquei bastante nervosa. Aquela experiência tinha mexido comigo. Eu não podia deixar
aquele homem se aproveitar de mim.

__ Bia, pelo amor de Deus, me desculpe! Eu não fazia ideia que você ia ficar tão mal assim!

__ Eu sou esquisita, você se esqueceu? Deixe-me em paz! - comecei a chorar.

Ele abriu a porta assustado e saiu. Dei partida no carro e deixei aquele lugar. Olhei pelo
retrovisor e o vi entrando em um táxi. Não sei por que me descontrolei daquele jeito na frente dele. O
táxi continuava a me seguir. Quando parei em um sinal, deixei o carro em ponto morto, abri a porta e
fui até ele.

__ O que diabos você quer? Por que está me seguindo? Pare com isso! - eu gritei.

__ Eu fiquei preocupado! Você saiu de lá muito nervosa.

__ Eu quero que você me deixe em paz! - eu gritei.

Ele tirou a carteira do bolso, entregou uma cédula ao táxista e o despachou.

__ Bia, acalme-se!

Ele se aproximou de mim e quis me abraçar.

__ Não me toque! Não gosto que me toquem!

__ Ok. Vamos entrar no carro, está bem? É perigoso ficarmos aqui no meio da rua. Deixe-me
dirigir até você se acalmar.

Ele saiu guiando o meu carro. Eu continuava chorando. Não sei o que deu em mim. Ele
permaneceu calado e de vez em quando me olhava. Algum tempo depois, ele estacionou dentro de um
shopping.

__ Pronto! Aqui é mais seguro! Agora podemos conversar melhor.

__ Não temos nada o que conversar!

__ Bia, deixe-me ficar um pouco com você. Eu prometo que não vou tocá-la.
Eu fui me acalmando. Olhei para o relógio e ainda era 20h30. Resolvi ligar para a Aline
novamente. Consegui falar com ela.

__ O que houve? Mas é grave? Você quer eu vá até aí? Tá! Fica bem!

A minha colega tinha saído às pressas para socorrer o avô. Ela estava no hospital.

__ E aí, Bia? Para onde devo levar você?

__ Eu vou ficar aqui até a hora de pegar o meu irmão. Pode ir embora!

__ Eu posso lhe fazer companhia até lá?

Eu silenciei.

"Pode!"

__ Sabe, Bia, eu li seus livros. Boa parte deles.

__ Você leu?

__ Sim! Há alguns anos, o meu pai me falou que você tinha sido publicada e eu fui comprando
alguns. Lá em Brasília, seus livros estão em todos os lugares. Sabe qual o livro que eu mais gostei?

__ Qual?

__ "Meu Mundo Particular". Você escreve muito bem! Enquanto eu o lia, parecia que estava
passando por aquelas coisas que você narrava. Parecia que, de alguma forma, dava para entrar em
seu mundo.

“Será que naquela época ele gostava de mim como eu gostava dele?”

__ Quando meu pai conheceu a minha mãe, ele a tratava mal no início. Ele me disse que não
sabia o que fazer com o que sentia e aí ficava irritando a minha mãe para chamar sua atenção.
Quando você me tratava mal era por que você gostava de mim?

__ Não, Bia, eu só fazia aquilo para passar o tempo, irritar você e perturbar o meu pai. Era um
adolescente de 15 anos passando por uma fase difícil. Meus pais se separaram. E aí meu velho
comprou aquela fazenda e se casou de novo. Eu não queria deixar a minha vida em Brasília para me
enfiar no meio do mato e eu não gostava da minha madrasta. Lá em Jardim Campo Belo, sem nada
pra fazer, eu comecei a arranjar confusão. E aí, poucos meses depois, meu pai me mandou de volta
para morar com a minha mãe. Eu consegui o que eu queria.

"Ele não gostava de mim! Como eu fui boba ao perguntar isso! Vê se amadurece!"

__ E por que voltou agora, já que não gosta da fazenda?

__ Eu vim ajudar o meu pai. Ele está morrendo, Bia! Ele tem um câncer em estado avançado.
Aquela mulher o abandonou no momento em que ele mais precisava. Acho que ela não gostou de
saber que meu velho tinha comprado a fazenda em meu nome. Com a morte dele, ela não herdaria
nada.

__ Eu sinto muito!

__ Por favor, convença seu pai a comprar a Pandora. Estamos nos desfazendo dos animais para
cobrir as despesas médicas dele e para nos recuperarmos do prejuízo que o nosso contador nos
deixou. O meu pai confiou em um homem sem caráter e foi roubado. Agora ele mal tem dinheiro para
custear seu tratamento.

__ Eu vou ligar para o papai amanhã mesmo. Se ele concordar, você pode levar a potranca para
o haras. Eu ou o Arthur lhe daremos o cheque.

__ Obrigado. Você já se sente melhor?

__ Acho que sim.

__ Olha, me desculpe pelo beijo. Eu quis muito beijá-la naquele momento. Eu não sabia que
seria tão ruim pra você.

“Não foi ruim!”

__ Está tudo bem.

Ficamos conversando por mais de duas horas sobre livros, músicas e filmes. O Murilo entrou no
shopping e comprou dois milk shakes pra gente. Pouco depois, ele dirigiu de volta à boate e ficou
comigo no carro até o meu irmão aparecer.

__ Quem era aquele cara, Bia? - Arthur perguntou.


__ Era o filho do Sr. Otávio! Você não se lembra dele porque você era muito pequeno na época
em que ele morou na fazenda.

__ Ei, você não me ligou! Eu fiquei muito preocupado.

__ Arthur, eu me esqueci completamente. Eu juro! Mas e aí? Você se divertiu?

__ Não muito! Eu me enganei com aquela garota. Ela ficou com um carinha lá a noite inteira e
depois ainda beijou outro.

__ Sério? E você, o que fez?

__ Fiquei com uma moça muito mais bonita do que ela que estava me dando mole. Mas a noite
não foi como eu imaginava. Fiquei decepcionado com a Clarice.

__ Vamos pra casa, ok? Temos um filme pra ver ainda hoje.

__ Vou adorar, maninha! Vamos indo.

Quando chegamos, decidimos apenas ficarmos conversando em vez de assistirmos ao filme. Fiz
chocolate quente e sanduíches para nós dois.

__ Arthur, eu achei um vídeo com algumas gravações que o papai e a mamãe fizeram. Você
aparece neles bem pequenininho.

__ Coloca pra gente ver, Bia!

Começamos a assistir. Paramos numa música que eu gostava muito. Os nossos pais a
compuseram juntos algumas semanas depois do casamento. A letra falava sobre o amor dos dois. Eu
gostava, particularmente, de uma passagem que dizia que eles estavam 'no paraíso'. Foi ouvindo
aquela música que tive a ideia do título para a biografia dos dois: "um longo caminho até o paraíso".

Oh, thinkin' about all our younger years


Pensando nos nossos tempos de juventude

There was only you and me


Só existia eu e você

We were young and wild and free


Nós éramos jovens, selvagens e livres
Now nothin' can take you away from me
Agora nada pode tirá-lo de mim

Baby you're all that I want


Querida, você é tudo que eu quero

When you're lyin' here in my arms


Quando você está aqui deitada em meus braços

I'm findin' it hard to believe


Quase não consigo acreditar

We're in heaven
Que estamos no paraíso

And love is all that I need


E o amor é tudo o que eu preciso

And I found it there in your heart


E eu o encontrei aqui em seu coração

Oh, once in your life you find someone


Uma vez na sua vida você encontra alguém

Who will turn your world around


Que irá fazer o seu mundo virar

Bring you up when you're feelin' down


Que coloca você pra cima quando se sente mal

Now nothin' could change what you mean to me


Agora nada pode mudar o que você significa pra mim

Oh there's lots that I could say


Há muita coisa que eu poderia dizer

But just hold me now


Mas apenas me abrace agora

Cause our love will light the way


Pois o nosso amor irá iluminar o caminho
I've been waitin' for so long
Eu estive esperando por tanto tempo
For somethin' to arrive
Para que algo acontecesse

For love to come along


Para o amor chegar

Now our dreams are comin' true


Agora os nossos sonhos estão se tornando reais

Through the good times and the bad


Através dos bons e dos maus momentos

I'll be standin' there by you


Eu estarei lá por você

Baby you're all that I want


Querida, você é tudo que eu quero

When you're lyin' here in my arms


Quando você está aqui deitada em meus braços

I'm findin' it hard to believe


Quase não consigo acreditar

We're in heaven
Que estamos no paraíso

And love is all that I need


E o amor é tudo o que eu preciso

And I found it there in your heart


E eu o encontrei aqui em seu coração

It isn't too hard to see


Não é tão difícil de enxergar

We're in heaven
Que estamos no paraíso

You're all that I want


Você é tudo que eu quero

You're all that I need


Você é tudo que eu preciso

We're in heaven
Nós estamos no paraíso

__ O amor dos dois é tão verdadeiro e bonito, não é? Você acha que todo mundo tem uma
espécie de "alma gêmea"?

__ Não sei, meu irmão! Eu sou a garota das dúvidas; não das certezas! Tem tanta coisa que eu
gostaria de saber.

__ Eu quero aproveitar a vida e sair com muitas garotas, mas, algum dia, eu gostaria de encostar
o meu peito na minha mulher; na mulher mais especial do mundo pra mim! Você entende, Bia? É tão
lindo ver o amor do papai e da mamãe!

__ É mesmo muito lindo!

"Nenhum homem vai me amar como o meu pai ama a minha mãe porque eu sou Aspie."

__ Tenho pensado muito no que eu vou fazer da minha vida. Eu amo tocar. Isso está no meu
sangue, mas eu não sei se quero fazer isso como profissão. Eu queria ter mais tempo para decidir
sobre meu futuro.

__ Ouça o seu coração. Ele lhe mostrará o que fazer.

Eu achei estranho o que o Arthur me falou. Eu sempre achei que ele também quisesse ser um
"Astro do Rock". O quarto dele era repleto de instrumentos musicais. Desde cedo, a mamãe o
colocou para tocar piano e o papai o ensinava a tocar violão e guitarra. Aos 14 anos, ele já tocava
muito bem vários instrumentos diferentes. Já eu, não tinha o menor jeito com a música. Em meu
quarto só existiam livros.

__ Filha, quem é esse gato que está nas fotos que você enviou para o seu pai agora?

__ Se o papai ouvir a senhora falar isso, ele vai adorar!

__ Ele está tomando banho, querida! E aí, quem é o rapaz?

__ É o filho do Sr. Otávio!


__ O rapazinho que você odiava? Aquele que colocava apelidos em você?

__ Ele mesmo.

__ Nossa! Ele ficou um homem muito bonito!

“Na verdade, ele ficou lindo de morrer!”

__ E aí, vocês estão gostando do Chile?

__ Estamos amando, querida! Aqui tem um climinha ótimo pra namorar. Está fazendo tanto frio
agora que acho que eu e seu pai vamos passar o dia inteiro trancados no quarto. Estamos tendo uma
nova lua de mel. Parece que nos casamos ontem, pois não conseguimos tirar as mãos um do outro.

__ Mamãe, por favor, poupe-me dos detalhes sórdidos!

__ Você me fez rir, Bia! Até a volta, meu bem! Eu te amo! Cuide do seu irmão.

__ Tchau, mamãe. Eu te amo!

Assim que desliguei o telefone, fui para o escritório do papai e preenchi o cheque. Ele gostou do
que viu e me autorizou a fazer a compra da égua. Peguei minha bolsa e fui até à fazenda do Sr.
Otávio.

Ao chegar lá, vi o Murilo sentado na beirada do terraço. Ele parecia pensativo.

__ Oi.

__ Olá, Bia! - ele sorriu ao me ver. - Posso dispensar o 'Ana Beatriz', não posso?

__ Pode sim! Eu vim efetuar o pagamento. Vamos ficar com a Pandora.

__ Que excelente notícia! Esse cheque vai nos ajudar muito! - ele disse ao apertar a minha mão.
- Muito obrigado!

__ De nada!

__ Bia, o que achou do nosso beijo ontem?

Eu não soube o que dizer.


__ Você ficaria brava comigo se eu a beijasse agora novamente?

Eu continuei em silêncio. Ele se aproximou um pouco mais, acariciou meus cabelos e colou os
seus lábios nos meus. Meu coração acelerou. Fechei os meus olhos. Isso era tão novo pra mim. Eu
nunca tinha sido beijada daquela forma. Eu me afastei dele. Estava com medo do que sentia.

__ Tchau, Murilo. Boa sorte com a recuperação de seu pai.

Eu fui andando em direção ao meu carro. Ele me seguiu.

__ Ana Beatriz!

Eu me virei.

__ Sim.

__ Você gostaria de sair comigo esta noite para um encontro?

__ Eu não posso.

__ Não pode? Por quê?

__ Porque meu pai está viajando e você teria que pedir a permissão dele!

Ele pareceu decepcionado.

__ E quando o Sr. Baroni volta?

__ Daqui a cinco dias.

__ Se ele concordar, você aceitaria sair comigo?

__ Acho que sim.

__ Onde posso encontrá-lo?

__ No Chile.

__ Ele daria essa permissão por telefone?

__ Não custa tentar! - eu tirei meu celular do bolso e liguei para o meu pai. - Pronto! Ele está na
linha!

O Murilo congelou. Ele pegou o telefone da minha mão bastante nervoso.

__ Alô, Sr. Baroni!

Eu comecei a rir. Tive uma crise de riso, na verdade.

__ Você me enganou, Bia! Eu caí direitinho. Por que você fez isso, sua boba?

__ Eu queria saber se você estava bem intencionado e até onde iria a sua vontade de sair
comigo.

__ Você merece um castigo.

__ Você pode pensar em um castigo até às 19h30.

__ Com toda certeza. Estarei no haras às 19h29. Até mais, Bia!

Ele se aproximou de mim outra vez, encostou-me no carro e me beijou novamente.

__ Eu adoro beijar você, sabia?

"E eu adoro o seu beijo!"

__ Tem uma coisa que você precisa saber, Murilo.

__ O quê?

__ Eu sou Asperger!

__ Eu sei disso!

__ Eu continuo sendo esquisita.

__ Você não é esquisita; é apenas diferente! Pra mim, você é perfeita do jeito que é!

"Algum dia, alguém vai amar você do jeitinho que você é, filha!"

Eu fiquei chocada com o que tinha acabado de ouvir. Ele disse que eu era perfeita pra ele. Ele
continuou falando.
__ Eu não gostava de você quando éramos adolescentes, mas eu me apaixonei pela Bia Baroni
dos livros. Eu me apaixonei pelas suas ideias; pelo seu mundo; pela sua alma. Em um dos seus
livros, a biografia que você escreveu de seus pais, tem uma frase que eu gostei muito. Posso até citá-
la aqui agora: "nessa existência, não são raras as vezes em que é necessário nos perdermos para
encontrarmos a nossa verdadeira redenção... e retomarmos o caminho que o destino já havia trilhado
para nós."

“Ele leu mesmo os meus livros!”

Eu fiquei sem saber o que dizer. Eu nunca fui mesmo muito boa em falar coisa alguma.

__ Dois motivos me trouxeram de volta a esta cidade: cuidar do meu pai e conhecer melhor a
mente e o coração de uma escritora que eu passei a admirar. Talvez você seja o meu destino, Ana
Beatriz!

Trechos da música “Heaven” - Bryan Adams


(OBS.: na ficção, composta por Lucca Baroni e Eva Martins)
Epílogo (parte II)

Bia e Arthur

Bia
“Nem todos os relacionamentos têm dramas e são tristes, querida. Um dia você vai se
apaixonar sim e vai adorar. Quando você se apaixonar por um homem, você vai querer beijá-lo e
fazer amor com ele. Os casais fazem isso quando se gostam e se sentem atraídos.”

Foi essa lembrança das palavras que a mamãe me disse que me fez relaxar na noite em que eu o
Murilo transamos pela primeira vez. E foi simplesmente mágico. Isso aconteceu quatro dias depois
que o pai dele tinha falecido.

Ele estava muito triste e eu queria poder consolá-lo. Então, resolvi sair do meu quarto depois
que todos foram dormir. Peguei o Adonis e fui até a fazenda pela estrada de barro. Ao chegar lá, ele
se assustou com a minha chegada.

__ Querida, o que faz aqui tão tarde da noite? Por que não veio de carro? - ele me abraçou.

__ Se eu ligasse o carro, os meus pais poderiam acordar. E eu queria muito ficar aqui com você.
- eu o beijei.

__ Meu amor, não faça mais isso! Andar por essa estrada à noite é muito perigoso. Eu não me
perdoaria se algo acontecesse a você.

Nós entramos na casa. Conversamos um pouco. Ele novamente chorou pela ausência do pai.
Ficamos juntos na cama e, em certo momento, eu quis experimentar o que era 'fazer amor'. Eu estava
completamente apaixonada por ele.

No início, foi doloroso. Ele me avisou que seria. A mamãe também me explicou muita coisa
sobre sexo. Depois daquela fase inicial de desconforto, tudo começou a ficar muito melhor. Eu
finalmente tinha descoberto o que era poder sentir prazer com um homem. Não, eu não era frígida! Eu
só era uma Aspie! Meu tempo sempre foi diferente dos outros.

Depois que transamos, ele me disse que me amava muito e que queria se casar comigo o mais
rápido possível, repetindo o que havia dito aos meus pais alguns dias antes. Eu fiquei em silêncio
por alguns segundos.

__ Você me ama mesmo, Murilo?

__ Eu a amo mais do que tudo, querida! Case-se logo comigo! Seus pais já aprovaram.

__ É claro que eu vou me casar com você. Eu te amo!

Ele sorriu e me abraçou.

Ainda me recordo da primeira semana em que ficamos juntos. O papai e a mamãe estavam
viajando. O Murilo me chamou para jantarmos e pegarmos um cinema em Belo Horizonte. Ao fim do
encontro, ele me deixou no haras e ficamos nos beijando no terraço.

Meu irmão não gostou nada daquilo. Ele ligou para o papai dizendo que o filho do Sr. Otávio
estava me cercando. Quando meus pais voltaram do Chile, eles me disseram que queriam conversar
com o Murilo. Pouco tempo depois, lá estavam eles o interrogando na sala de nossa casa.

__ E então, meu jovem? O que você faz da vida? O que pretende com a minha filha?

__ Papai! - eu o repreendi.

__ E então, Murilo? Fale para nós qual a sua profissão e quais os seus planos.

__ Eu sou formado em Direito, Sr. Baroni. Advoguei dos 23 aos 27 anos e logo depois deixei o
escritório para estudar para concursos públicos. Quando meu pai adoeceu, eu resolvi vir morar aqui
com ele.

__ E qual a sua idade mesmo?

__ Estou com 28 anos.

__ Ok. Continue.

__ Eu vou direito ao assunto: eu pretendo me casar com a Ana Beatriz, Dona Eva e Sr. Baroni.
Eu e ela estamos juntos só há alguns dias, mas eu a amo! Eu gostaria de pedir a benção de vocês para
eu me casar com ela.
"Ele me ama? Ele quer se casar comigo? Ele ainda não havia me dito isso!"

__ Você não acha que o 'amor' é algo que se constrói com o tempo, Murilo? - minha mãe o
questionou. - Vocês estão apaixonados e isso é maravilhoso! Eu já estive apaixonada antes, mas só
amei um único homem em minha vida: o meu marido.

__ Os senhores podem dar o nome que quiserem: paixão, amor, encantamento. O fato é que nada
ou ninguém será capaz de me afastar da Bia. O meu pai foi hospitalizado ontem e seu estado é muito
grave. Os médicos me disseram que ele não sobreviverá por mais do que algumas horas. Se eu não
estivesse envolvido com a Ana Beatriz, eu venderia a fazenda e voltaria para Brasília. Mas o que eu
quero mesmo é me casar com a filha dos senhores e viver aqui em Jardim Campo Belo.

__ Nós sentimentos muito pelo seu pai, Murilo! Ele sempre foi nosso amigo desde que comprou
aquelas terras. - mamãe se mostrava sensibilizada pela morte iminente do Sr. Otávio.

__ Obrigado, Dona Eva.

__ Fale-me mais sobre os seus planos, meu jovem! Ainda precisamos conhecê-lo um pouco
melhor para autorizarmos que você se case com a nossa filha. - papai foi enfático.

__ A fazenda está repleta de dívidas. Eu venderei alguns animais e reerguerei a fazenda. Talvez
o meu destino não seja ser um Advogado ou um Servidor Público, e sim um fazendeiro nesta pequena
cidade. Eu estarei muito bem aqui se a Bia estiver comigo. Eu sou um bom sujeito. Eu não bebo; não
fumo; não uso drogas. Meus hobbies preferidos são ler, jogar videogame, tocar teclado e cozinhar.

__ Murilo, eu espero não me arrepender disso no futuro, mas se você ama mesmo a nossa filha,
nós abençoamos o namoro e o futuro casamento de vocês! - papai apertou a mão dele.

__ Muito obrigado, Sr. Baroni. Até logo, Dona Eva. Agora eu preciso voltar para o hospital.
Meu pai precisa de mim.

Quando ele saiu de lá, o papai e a mamãe continuaram conversando comigo.

__ Filha, você gosta mesmo desse rapaz? - papai me perguntou ainda apreensivo.

__ Eu gosto muito! Eu sei que só faz uma semana que estamos juntos, mas com ele eu me sinto
mais leve e mais feliz. Ele sabe quando eu estou longe da realidade e absorta em meu mundo. Ele me
faz rir. Ele ama meus livros. Eu estou apaixonada por ele!
__ Você não imagina o quanto eu e seu pai estamos felizes por você, meu anjo! Se você está
mesmo apaixonada, então vá em frente! Você tem o nosso total apoio! - mamãe me abraçou.

__ Murilo, acorda!

__ O que foi, amor?

__ O bebê vai nascer!

__ Ah, meu Deus! - ele deu um pulo da cama.

Corremos para o hospital. O papai, a mamãe e o Arthur vieram conosco. Os dois carros voaram
rumo à Belo Horizonte.

O meu marido estava mais nervoso do que eu.

__ Tenha calma, querida! Tudo vai dar certo! Estamos quase chegando.

Durante a viagem rumo à maternidade, eu fiquei me lembrando dos acontecimentos dos últimos
tempos.

O Sr. Otávio faleceu no dia seguinte que o Murilo pediu aos meus pais para se casar comigo.
Antes de eu deixar o haras para viver na fazenda, ele reorganizou todas as finanças, vendeu vários
animais e reformou a casa, deixando tudo do jeito que eu queria.

O local da antiga casa onde a mamãe viveu por uns tempos, quando ela trabalhava para o velho
Elias, tinha sido transformado em um lindo jardim. Eu não me sentiria bem olhando para um espaço
vazio onde antes tinha ocorrido aquele terrível incêndio.

Quando o Murilo reformou tudo, nós marcamos a data do casamento civil. Tudo isso ocorreu
apenas seis meses depois que ficamos juntos pela primeira vez. Ele me perguntou se eu gostaria que
nos casássemos na igreja. Eu disse que não.

Sempre fui bastante questionadora e ainda tinha dúvidas sobre a existência de Deus. Eu
respeitava a fé das pessoas ao meu redor e todos respeitavam o fato de eu ser agnóstica. Eu nunca
pude ter a certeza de que Deus existia, assim como nunca pude afirmar que Ele não existia. Viver sem
fé nunca foi um problema pra mim, embora meus familiares e meu marido fossem teístas.
Eu e o Murilo também decidimos que não haveria nenhuma festa de casamento. Resolvemos
fazer um almoço especial e um churrasco no haras. Todos da Sonic Beat vieram com suas famílias. O
tio Felipe veio do Rio com a tia Júlia e os filhos Letícia e Luan. O Túlio e a Isabel também vieram
com a filha Vitória. A mãe do Murilo veio me conhecer, mas sem o esposo e o enteado, que tinham
compromissos em Brasília. Alguns amigos dele também vieram. Aquele foi um dia inesquecível para
nós.

No fim daquela tarde, eu e meu esposo partimos para o Sul do Brasil em lua de mel. Nunca
pensei que pudesse ser tão feliz ao lado de alguém. Com o Murilo, eu aprendi a confiar; a me
entregar. Com ele eu pude conhecer, verdadeiramente, o que era o amor.

__ Olha só, Sr. Baroni. Ela é tão pequenininha. - meu marido dizia emocionado.

__ Oi, minha linda! Você parece um anjo! - papai sorria para a neta.

__ Oi, Analu! Eu já te amo demais, sabia? Não vejo a hora de ver você correndo no haras e na
fazenda. - mamãe dizia chorando.

__ Como ela será registrada, Bia? - Arthur me perguntou.

__ Ana Luisa Martins Baroni Ferraz. - eu respondi enquanto pegava a minha filhinha nos braços.

"Eu espero que você não seja Aspie, minha querida Analu! Mas se você for, eu serei a melhor
pessoa de todo o mundo para poder entender o que você pensa e o que você sente! Eu te amo,
filha! Meu coração está transbordando de amor por você... e esse amor será eterno... porque amor
de mãe não morre nunca!"

Ao mesmo tempo em que todos nós ficamos radiantes de felicidade pela chegada da Ana Luiza,
estávamos muito tristes com a partida do Inácio. Ele se foi três dias antes da minha filha nascer.
Ainda estávamos muito abalados pela morte dele. Depois que isso aconteceu, a Beth ficou morando
na casa grande com os meus pais, e o Zeca e a esposa foram para casa que antes era do Inácio.

Assim era a vida. Tudo era impermanente. O 'novo' sempre vinha para preencher a ausência do
'velho'. A chegada do meu anjinho acalentou um pouco a dor de nossos corações. O Inácio era como
se fosse da nossa família. Eu, o papai, a mamãe e o Arthur choramos muito. A Beth parecia mais
conformada com a sua partida do que eu. Ela tinha muita fé!
Hoje, fomos almoçar na casa dos meus pais. No dia seguinte, eu iria lançar o meu quinto livro
traduzido para o inglês em um belo Centro de Cultura localizado em Sidney. Aproveitamos a data do
lançamento para viajarmos todos juntos. Só assim comemoraríamos a publicação do meu livro e o
20º aniversário de casamento dos meus pais.

A mamãe e eu quisemos muito rever a cidade onde eu havia nascido. Nós duas combinamos de
deixar flores na lápide do meu pai Alexandre assim que desembarcássemos. Sim, eu nunca consegui
deixar de chamá-lo de pai. Eu ainda tinha lembranças da minha infância ao lado daquele homem que
tanto me amou.

O Arthur estava vindo de BH para o almoço e também viajaria com a gente. Ele tinha começado
a cursar a faculdade de Administração de Empresas na UFMG há pouco mais de um ano. Os nossos
pais alugaram um modesto apartamento pra ele na capital. Ele estava adorando morar sozinho, pois
tinha privacidade durante a semana e o aconchego da família nos fins de semana. O meu irmão ficava
cada vez mais lindo e cada vez mais parecido com o papai, até no jeito de falar.

Enquanto esperávamos a chegada do Arthur, nos reunimos na sala com alguns petiscos e
bebidas. Eu tive a ideia que colocar a velha gravação de algumas músicas do papai e da mamãe na
TV.

Começou a tocar uma música que eles haviam feito quando o Arthur completou 2 anos. Era uma
canção com um astral maravilhoso. Todos pararam para ouvi-la.

__ Olha só o Arthur dançando lá no fundo, vocês estão vendo? - Beth sorriu animada.

Todos rimos.

Pouco tempo depois, a Analu se desvencilhou dos braços do avô e ficou se remexendo ao som
da música. Ela estava tão fofa naquela roupinha que a mamãe havia dado pra ela. A minha filhota
estava naquela fase linda de engatinhar e ficar alguns segundos se sustentando de pé. Nesse momento,
o Murilo me puxou para junto de seu corpo e falou em meu ouvido. "Você faz de mim o sujeito mais
feliz do mundo, querida! Você e a nossa filha são a minha vida! Eu te amo, Bia!"

Eu e ele nos beijamos carinhosamente enquanto o vídeo continuava a tocar. Eu fiquei um pouco
encabulada quando vi o papai e a mamãe, também abraçados, olhando e sorrindo para nós dois.
Nossos olhares se fixaram por alguns instantes. Eu era grata por todo amor que meus pais me deram.
Eu sorri de volta pra eles.

We're on top of the world


Estamos no topo do mundo

Now darling, sit down, let go


Agora, querido, sente-se, relaxe

So can I call you, you're mine


Então eu posso chamá-lo de meu

Now darling for a whole lot of time


Agora, querida, depois de muito tempo

My heart finally trust my mind


Meu coração finalmente confia na minha mente

And I know somehow it's right


E eu sei que de alguma forma ele está certo

In all we got time


Em tudo, nós temos tempo

Yeah, so darling just say you'll stay right by my side


Então, querido, apenas diga que você vai ficar ao meu lado

In all we got love


Em tudo nós temos amor

Yeah, so darling just swear you'll stand right by my side


Então, querida, apenas jure que você vai ficar ao meu lado

Be my forever, be my forever
Seja meu para sempre, meu para sempre

Be my forever, be my forever
Seja minha para sempre, minha para sempre

You're my bright blue sky


Você é o meu céu azul brilhante

You're the sun in my eyes


Você é o sol em meus olhos
Baby you're my life
Querido, você é a minha vida

You're the reason why


Você é a razão pela qual

We're on top of the world


Estamos no topo do mundo

Will you love me forever?


Você vai me amar para sempre?

I'll love you forever


Eu vou amá-la para sempre

Aquela música representava a felicidade que os meus pais construíram para eles depois de
terem superado tanta dor. O papai um dia me disse que aquela canção representava a esperança de
uma existência sem dor e com muita paz. Já que nessa vida tudo era tão impermanente, talvez
existisse um lugar onde a alegria seria eterna e o onde amor pudesse reinar sobre tudo e sobre todos,
para sempre!

Minutos depois, ouvimos o barulho do carro do Arthur estacionando lá fora. Ele entrou em casa.

__ Olá, família!

__ Estávamos preocupados com a sua demora, meu bem! - mamãe foi imediatamente abraçá-lo. -
Você está comendo direitinho lá na capital? Estou notando você mais magro.

__ Oi, mamãe! - ele a agarrou. - Eu estou ótimo! Pelo contrário, estou na minha melhor forma
física. Comecei a malhar numa academia perto do apartamento e estou me alimentando muito bem.

Todos nos sentamos à mesa. Estávamos famintos.

__ Dona Eva, esse almoço está incrível! - meu marido disse enquanto comia com satisfação.

Mamãe sorriu e agradeceu. Ela adorava o Murilo.

__ Arthur, como anda a faculdade? - papai o questionou. - Você continua com aquela ideia de
abrir um estúdio e ser um produtor musical?
__ Sim, papai! Esses são os meus planos. Assim que me formar, eu pretendo ir morar no Rio. O
pessoal da Sonic Beat me deu umas dicas. Quero abrir um mega estúdio de gravação. Quero ser um
grande empresário da música.

__ Ficamos felizes, filho! Só sentimos por você ter que ir morar longe de nós.

__ Eu virei visitá-los, mamãe!

__ Eu sempre achei que você ia querer montar uma banda algum dia, Arthur!

__ Bia, como já lhe disse outras vezes, eu adoro tocar! Só que não me vejo fazendo isso
profissionalmente. Eu quero poder realizar o sonho de bandas e cantores desconhecidos serem
descobertos e terem sucesso no mercado. Eu quero produzir música, você entende? - ele disse
enquanto pegava a Analu em seu colo. - Oi, gatinha! O titio estava morrendo de saudades!

__ É, meu filho! Siga o seu coração! Se você fizer o que gosta, será bem sucedido. Você não vê
a sua irmã? Seus livros já estão rodando em todas as partes do mundo. - mamãe falava orgulhosa.

__ Estou muito feliz por você, filha! Tenho muito orgulhoso de vê-la sendo uma profissional
competente, e uma mãe e esposa tão amorosa. - papai disse ao segurar a minha mão.

__ Obrigada, papai! - eu sorri para ele.

“Ah, como eu amava o meu pai!”

__ Tia Beth, a senhora tem certeza de que não quer ir para a Austrália conosco? - Arthur a
questionou.

__ Não, meu querido! Eu não falo inglês e iria me sentir deslocada. Podem ir tranquilos que eu,
o Zeca e a Maria vamos ficar aqui tomando conta de tudo.

Arthur
Desembarcamos em Sidney às 14h, horário local. Estávamos exaustos pela longa viagem. A
mamãe, a Bia e a Analu foram para o cemitério visitar o túmulo do Alexandre. Eu, o papai e o
Murilo fomos para o hotel. Elas quiseram ir sozinhas.
À noite, toda a família se dirigiu ao local do lançamento do livro. Todos nós usávamos trajes
sociais. Estávamos muito bem vestidos.

A Bia parecia angustiada com o barulho e a agitação do lugar.

__ Tenha calma, querida! Em cerca de duas horas já estaremos de volta ao hotel. Aguente firme!
- Murilo dizia pra ela.

A Analu estava no colo da mamãe, que hoje parecia especialmente linda. A minha mãe era um
das mulheres mais deslumbrantes que eu já tinha visto. O papai estava ao lado dela, sorrindo para a
neta. Eu olhava aquela cena e me sentia feliz pela família maravilhosa que eu tinha.

Logo depois, vi quando o papai deixou a Analu no colo da Bia e puxou a mamãe para dançar.
Ela estava usando um vestido amarelo longo muito elegante e o papai estava de terno escuro. Depois
de 20 anos juntos, os coroas ainda eram capazes de sorrirem, de se amarem e de se tratarem como se
fossem namoradinhos apaixonados.

Vi o momento em que a mamãe sorriu com alguma coisa que o meu pai disse eu seu ouvido. Eles
pareciam muito felizes e mereciam toda essa felicidade, depois das dores e traumas que os ambos
enfrentaram.

Comecei a beber os drinks que começaram a ser servidos. Estava batendo um papo descontraído
com o Murilo quando, de repente, olhei para uma moça que tinha acabado de sentar-se à mesa ao
lado.

"Que garota linda é essa, meu Deus?"

Eu fiquei desconfortável na cadeira. Passei a olhá-la o tempo todo. Ela ainda não havia me
notado até que ela se virou. Ao me ver, a moça abriu um belo sorriso e levantou sua taça de
espumante para me cumprimentar. Eu fiz o mesmo.

Ela estava usando um vestido preto bem justo e elegante. Sua pele branca contrastava com seus
lindos cabelos ruivos e seu batom vermelho. Ela novamente olhou pra mim.

Naquele momento, o mestre de cerimônia começou a anunciar a entrada da minha irmã.

Senhoras e senhores, esta noite está sendo muito especial por podermos receber uma
estupenda escritora ganhadora de vários prêmios de literatura pelo mundo. Australiana e
radicada no Brasil, ela veio hoje nos presentear com o lançamento de seu quinto livro traduzido
para a língua inglesa: "O Voo das Borboletas". Sem mais demora, deem as boas vindas a Ana
Beatriz Martins Baroni Ferraz, mais conhecida como Bia Baroni.

As pessoas a aplaudiram muito enquanto ela se dirigia à tribuna. Eu estava muito orgulhoso da
minha irmã. A Bia usava um vestido vermelho e seus cabelos estavam presos em um bonito penteado.
Ela começou a falar num inglês perfeito.

Eu agradeço pela honra de estar lançando meu quinto livro no país em que nasci. Está
sendo muito especial poder voltar a esta cidade. Eu vivi em Sidney até os meus 7 anos, e só hoje,
aos 28, pude pisar novamente nesta terra.

Meus leitores já devem saber que eu tenho Síndrome de Asperger. Através dos meus livros,
eu consigo compartilhar um pouco do meu mundo; um mundo projetado pela minha limitada
perspectiva pessoal, obviamente.

Eu sempre costumo falar para as pessoas próximas a mim que 'sou Aspie'. Mas, no caminho
do hotel até aqui, eu vim refletindo sobre o 'verbo ser'. Isso porque ele não nos define com
exatidão. A nossa imagem para o mundo é apenas o nosso ego; não a nossa essência (nossa alma,
nosso espírito, nossa energia interna... enfim, nomes diferentes para uma mesma ideia).

Isso me fez lembrar de uma frase do grande escritor português José Saramago, que eu tive
o prazer de ler ainda criança: "Dentro de nós há uma coisa que não tem nome; essa coisa é o
que somos!" ... essa "coisa" é o que temos de realmente único e que nos diferencia de todos os
outros seres do Universo.

As pessoas têm me perguntado se eu serei escritora pelo resto de minha vida. Eu acredito
que sim! Tenho vontade de escrever até quando eu possuir mente e mãos ágeis. Mas eu gosto de
pensar que nenhuma profissão, adjetivo ou estereótipo realmente consegue nos definir.

Portanto, eu apenas "estou escritora". Essa expressão eu ouvi de um escritor moçambicano


que eu admiro muito chamado Mia Couto. Então, eu me questiono: será que esta arte ou ofício
de ser escritora determina quem de fato eu sou? Será que esse transtorno de espectro autista
que eu carrego dentro de mim realmente me define? De jeito nenhum!

Porque eu já aprendi, há algum tempo, sobre a impermanência de todas as coisas. E já


aprendi que meu ego representa apenas o "muro", a "fachada" que está protegendo o meu
verdadeiro ser; a minha verdadeira essência; a tal "coisa que vive dentro de mim".

É essa a ideia que eu gostaria de deixar na noite de hoje. Olhem para dentro de vocês e
tentem achar quem realmente são. Somos muito mais do que aparentamos ser para o mundo.

O ser espiritual, sem máscara ou maquiagem, dentro do camarim, é quem de fato nós
somos! O personagem na frente do palco representa apenas a nossa frágil fachada.

Eu acho que já me prolonguei mais do que deveria. Nesse momento, eu gostaria apenas de
agradecer aos meus queridos pais, Lucca Baroni e Eva Martins, por terem me amado de todas
as formas possíveis e por terem me proporcionado a liberdade para eu ser exatamente como eu
sou. Muito obrigada! Eu amo muito vocês!

Agradeço também ao meu querido irmão, Arthur Baroni, por ser o meu melhor amigo.
Desde que vi o seu rostinho em meus braços logo após nascer, eu me apaixonei por sua alma.
Você é muito especial pra mim!

E agradeço, principalmente, ao meu querido esposo, Murilo Ferraz, por ter me mostrado o
amor; por ter quebrado o muro que me cercava e me ensinado a confiar nas pessoas; por ter me
dado a nossa filhinha Ana Luisa. Obrigada por partilhar sua vida comigo e por me amar do
jeitinho que eu sou. Eu te amo, com todo o meu ser! Você me faz feliz!

Boa noite a todos.

O público a aplaudiu de pé e o mestre de cerimônia tomou a palavra.

Que belo discurso! Informamos a todos os presentes que a nossa querida Bia Baroni estará,
a partir de agora, no hall de entrada, autografando seu novo livro e conversando com seus fãs.
Tenham uma excelente noite.

__ Filha, nós ficamos tão emocionados! Que lindas as suas palavras, meu anjo! - mamãe a
abraçou chorando.

__ Nem acreditei quando vi que aquela bela mulher lá na frente, falando palavras tão sábias, era
a minha garotinha. Eu tenho muito orgulho de você, princesa! - papai falava com lágrimas nos olhos.

__ Bia, você também é muito especial pra mim! Eu te amo! Sou o seu maior fã! - eu a abracei
com carinho.
__ Que palavras incríveis foram aquelas? Você foi sensacional, meu amor! - Murilo dizia com a
Analu em seus braços.

Observei quando a Bia e o Murilo se beijaram. O papai e a mamãe voltaram a dançar.


Aproveitei aquele momento para procurar a tal ruiva misteriosa. Olhei ao meu redor e não a vi.
Fiquei decepcionado. Sentei-me à mesa e fiquei mexendo em meu celular.

"Será que ela já tinha ido embora?"

Meu coração acelerou quando ouvi alguém falar atrás de mim. Parecia a voz de um anjo.

__ Oi. Você está aproveitando a noite?

Eu me virei. Não podia acreditar no que via. Continuei calado, contemplando aquela beleza que
fascinava meus olhos.

__ Quer dizer que você é o irmão da famosa Bia Baroni?

"Fale alguma coisa, seu imbecil! Vamos!"

__ Olá! Muito Prazer. Meu nome é Arthur. - eu a cumprimentei sorrindo.

__ Eu me chamo Susan! Susan Miller.

__ Você veio prestigiar o lançamento do livro?

__ Na verdade, eu vim acompanhar a minha mãe. Ela é uma grande fã da sua irmã.

__ Interessante! Essa festa está um pouco chata. Você não gostaria de ir para um lugar mais
animado ou, quem sabe, mais privado?

__ Você está querendo me seduzir, Arthur Baroni?

__ Se você for maior de idade, sim, talvez eu queira seduzir você, Susan Miler!

__ Isso não seria problema. Eu tenho 22 anos.

__ Eu tenho 19 anos. Mas a idade que conta mesmo é essa aqui, não acha? - eu falei apontando
minhas mãos para o meu cérebro.
__ Concordo! E então? Vamos sair daqui ou não?

"Essa garota é das minhas! Ela é decidida e sabe o que quer!"

__ Deixe-me apenas avisar a minha família que estou indo.

__ Eu não sabia que a vida noturna de Sidney era tão agitada assim. Eu estou adorando isso
aqui!

A Susan tinha me levado para uma boate incrível. Assim que chegamos, eu paguei uma bebida
pra ela e a beijei. Ela tinha os lábios mais gostosos que já pude experimentar na vida.

__ Fale-me sobre você. - eu estava curioso para saber mais sobre aquela garota.

__ Eu trabalho numa cafeteria durante o dia e como garçonete à noite. Hoje, inclusive, é a minha
folga no restaurante. Tive que largar a faculdade de jornalismo quando a minha mãe ficou
desempregada e doente.

__ Poxa, que pena!

__ Pois é! E você, Brazilian Boy, o que faz pra viver?

__ Eu faço faculdade de Administração de Empresas durante o dia e trabalho em um estúdio de


música na parte da tarde.

__ Você toca igual a seu pai e a sua mãe?

__ Como você sabe que meus pais tocam?

__ É que a minha mãe já leu todos os livros da sua irmã que chegaram aqui. Ela escreveu uma
biografia dos seus pais, não foi? Ela me falou sobre toda a história. A vida dos seus pais daria um
filme. É impressionante! Aliás, algumas músicas da Sonic Beat tocam muito nas rádios por aqui.

__ Sério? Eu não sabia que a SB tinha chegado à Austrália. Bom, eu toco e canto, mas faço isso
só como lazer. Eu não quero viver disso. Na verdade, meu grande sonho é ser um dos maiores
empresários e produtores musicais que o Brasil já teve.

__ Boa sorte no seu projeto.


__ E você, Susan? O que faz como hobby? Qual o seu maior sonho?

__ Eu não tenho tempo para hobbies. E ainda não decidi qual o meu maior sonho. São tantos!

__ Você é bem misteriosa, sabia?

Nesse momento, eu a puxei pelas mãos. Saímos de perto do bar e fomos para um corredor
lateral próximo aos banheiros. Começamos a nos pegar. Eu estava louco por aquela garota. Os seus
cabelos vermelhos eram tão macios. Sua pele parecia de porcelana. Seu cheiro e seus lábios estavam
me levando à loucura.

__ Susan, vamos sair daqui. Passe a noite comigo.

__ Eu não posso, Arthur. Amanhã cedo eu trabalho. Eu só fui para o lançamento do livro porque
a minha mãe insistiu muito e porque estou de folga esta noite. Inclusive, já está na minha hora.

__ Não faz isso, Susan! Vamos comigo para o hotel. Eu prometo que eu deixo você em casa, sã e
salva. Aposto que vai valer a pena passar o dia de trabalho cansada depois da noite que eu irei lhe
proporcionar.

__ Vocês brasileiros são todos assim?

__ Assim como?

__ Cheios de si e confiantes?

__ Não posso responder pelos homens brasileiros. Quanto a mim, eu sei exatamente quem eu sou
e o que eu posso fazer a uma mulher. Não se trata de vaidade; mas de autoconhecimento.

__ Mesmo sendo bem jovem, você tem uma ótima lábia! - ela sorriu. - Foi maravilhoso ficar
com você, mas eu tenho mesmo que ir. Tenho que trabalhar muito cedo.

__ Susan, eu pago pelo que você perderá ao faltar o emprego amanhã.

__ Acho que você está me confundido, Brazilian Boy! Eu não sou uma prostituta para receber
dinheiro seu.

__ Susan, me desculpe! Não foi isso que quis dizer.


__ Mas foi exatamente o que você disse. Tchau, Arthur!

Ela deixou a boate. Eu paguei a conta rapidamente e fui atrás dela. Saí andando pela rua
tentando achá-la. Depois de alguns minutos, eu a vi em um ponto de ônibus.

__ Ei, eu vou com você!

__ Pra onde pensa que vai comigo?

__ Vou acompanhá-la até sua casa.

__ Arthur, eu já lhe disse que a noite acabou!

__ Deixe-me ir com você, Susan! Eu ainda não estou preparado para deixá-la ir.

Ela não disse nada. Peguei sua mão e ficamos abraços, nos beijando, até o ônibus chegar. Eu
entrei com ela e sentei ao seu lado. Fomos conversando sobre música e cinema. Algum tempo depois,
o ônibus parou onde ela precisava descer. Ela me olhou meio apreensiva e desceu do ônibus. Eu a
segui. Caminhamos um quarteirão até que ela parou em frente à sua casa.

__ Adeus, Arthur! Obrigada por ter me acompanhado.

__ Adeus é uma palavra muito forte, Susan! Até algum dia! Você pode me dar seu telefone e e-
mail?

__ Não acho uma boa ideia, Brazilian Boy!

__ Por quê?

__ Porque nunca mais vamos nos ver de novo.

__ Não fale uma coisa dessas, garota! O mundo dá muitas voltas! Um dia eu posso vê-la
novamente.

Eu a puxei para junto de meu corpo e a beijei. A minha vontade era tirar aquele vestido preto
que a cobria e poder me enterrar dentro dela. Ela se afastou.

__ Cuide-se bem, Arthur Baroni!

__ Cuide-se, Susan Miller!


__ Filho, onde diabos você se meteu?

__ Eu avisei que eu estava saindo com uma garota, pai!

__ São quase 4h da manhã, Arthur! Você queria matar a sua mãe de preocupação?

__ Desculpe!

__ Você já é adulto, meu filho, mas enquanto estiver sob nossos cuidados será preciso seguir
algumas regras. Agora vá dormir! Mais tarde conversamos.

__ Pai, eu acho que me apaixonei pela garota que conheci há algumas horas. Ela é linda,
inteligente, bem humorada e um pouco sarcástica.

__ Nós vamos voltar para o Brasil em menos de três dias. Isso não tem futuro, filho!

__ É que eu nunca senti isso antes! O cheiro dela parece que está impregnado em minha pele.

__ Por tudo quanto é mais sagrado, não faça isso de novo! Você pode ser bem mais alto do que
eu e pode ter 40 anos que ainda assim eu continuarei enxergando você como o meu garotinho que
tinha medo do escuro.

__ Eu sei, mamãe! Você está certa! Sinto muito por tê-la deixado preocupada! - eu beijei sua
cabeça e a abracei carinhosamente. - Eu te amo, Dona Eva!

Fui almoçar com a minha família, mas logo depois voltei à mesma rua onde havia deixado a
Susan. Bati na porta e falei com uma senhora.

__ Oi. Eu estou procurando por uma moça chamada Susan Miller.

__ Ela está trabalhando. Eu sou a mãe dela.

Fiz amizade com a Senhora Miller e peguei o endereço dos dois trabalhos da Susan. Saí à sua
procura na cafeteria. Depois de muito tempo, finalmente conseguir achar o endereço. Eu entrei e
assim que pus os pés lá dentro eu a vi no balcão.

__ Um cappuccino, Australian Girl!


Ela me olhou e sorriu.

__ O que faz aqui?

__ Vim ver você, Susan!

__ Eu já estou indo para o restaurante.

__ Eu a acompanho até seu outro trabalho.

Deixei a Susan no restaurante, jantei lá e fui dar uma volta. Prometi a ela que eu voltaria no fim
do expediente para levá-la pra casa. E eu cumpri a minha promessa. Estava muito cansado, mas eu
voltei para buscá-la.

__ Susan, você precisa mesmo trabalhar tanto assim?

__ Preciso. A minha mãe está doente, desempregada e cheia de dívidas.

__ E o seu pai?

__ Ele nos deixou há alguns anos.

Fomos caminhando até a parada de ônibus. Ficamos juntos durante todo o trajeto. Eu me despedi
dela, a beijei e disse que faria o mesmo no dia seguinte. Foi o que eu fiz. Só que dessa vez, eu tinha
outros planos. Eu embarcaria de volta ao Brasil em 24h. Eu precisava conhecer um pouco mais sobre
aquela garota.

__ Susan, eu queria fazer um pedido. Gostaria que você e eu pudéssemos ficar juntos no hotel
em que eu estou hospedado. Eu vou embora amanhã. Por favor, passe a noite comigo.

__ Você quer mesmo me seduzir, não é? - ela sorriu.

__ Eu quis seduzi-la, até que descobri que foi você quem fez isso comigo. Eu não paro de pensar
em você! Eu estou louco pelo seu cheiro; pelos seus beijos. Fique comigo esta noite! Eu deixo você
em seu trabalho amanhã cedo.

__ Ok.

__ Você concorda?
__ Sim.

Eu sorri.

Fomos direto para o hotel. Assim que entramos no quarto, a Susan quis tomar banho. Ela deixou
a porta entreaberta e eu pude observá-la. Ela era linda. Sua pele era tão branca e tão macia. Eu não
pude resistir. Tirei minhas roupas e entrei no chuveiro com ela.

__ Arthur, não faça isso! Daqui a pouco eu vou pra cama.

__ Tá tão gostoso aqui! - eu dizia beijando seu pescoço.

Eu estava louco por aquela mulher. Minha ereção era visível. Assim que tentei penetrá-la, ela se
esquivou.

__ Pare!

__ Desculpe! Eu esqueci a camisinha. Eu vou pegar na carteira.

Saí do banheiro todo molhado e quando finalmente achei o preservativo, eu a vi enrolada na


toalha, já dentro do quarto.

__ Você prefere aqui, não é? Tudo bem! Eu só preciso me enxugar!

Ela se sentou na cama. Eu me aproximei e puxei a sua toalha. Nós estávamos completamente nus.
Eu abri suas pernas e fiz um delicioso sexo oral nela. Ela estava gostando muito. Senti o quanto ela
estava excitada, mas eu ainda não havia conseguido levá-la ao orgasmo. Eu a deitei na cama.
Coloquei o preservativo e tentei penetrá-la. Ela gritou.

__ Não! Não dá!

__ O que houve, Susan?

__ Arthur, eu nunca fiz isso antes! Eu sou virgem! Está doendo! Eu não quero.

Eu vi duas lágrimas escorrendo pelo seu rosto.

__ Meu Deus, querida, por que não me disse isso antes? - eu falei surpreso. - Se você não quiser
fazer isso, tudo bem! Eu não quero pressioná-la!
__ Você não vai ficar com raiva de mim?

__ Claro que não! Eu só estou frustrado, mas não com raiva.

Pedimos dois sanduíches e dois refrigerantes pelo serviço do hotel e ficamos conversando
enquanto assistíamos a um filme. Depois de algum tempo, ela deitou sobre o meu peito e nós
adormecemos.

No meio da madrugada, eu me acordei com a Susan me beijando.

__ Arthur, eu quero tentar de novo! Eu quero que a minha primeira vez seja com você!

__ Você tem certeza, Susan?

__ Tenho!

__ Olha, vai doer no início, mas depois você conseguirá relaxar e sentir prazer. Eu prometo!

__ Podemos tentar sem camisinha no início, Arthur? Talvez seja menos incômodo desse jeito.

Começamos a nos beijar. Ela ficou em cima de mim. Eu estava completamente excitado com
aquela mulher. Quando eu não pude mais me conter, eu a virei na cama e comecei a penetrá-la com
cuidado.

__ Se você quiser parar é só dizer, ok?

__ Não pare!

Eu continuei forçando a entrada do meu membro dentro dela e fui me enterrando cada vez mais,
até que ela gritou. Eu coloquei minhas mãos em sua boca.

__ Querida, não queremos perturbar os vizinhos, não é? Não podemos fazer barulho! Meus pais
estão no quarto ao lado.

__ Cara, isso dói!

__ Desculpe! Você quer parar?

__ Não! Por favor, continue!


Eu aumentei a minhas estocadas e observei que a sua fisionomia de dor se transformou em
prazer. O pior já havia passado. Eu pensei em colocar a camisinha e comecei a me afastar. Ela
segurou o meu braço.

__ Não! Não pare!

Eu continuei. Não demorou muito e eu atingi um orgasmo maravilhoso. Eu consegui ejacular fora
dela. Logo que recuperei as minhas forças, eu comecei a beijar e lamber todo o seu corpo.

__ Você ainda não pode dizer que conheceu o sexo se não tiver um orgasmo, querida! Eu não
vou deixá-la sair daqui sem que experimente isso.

Eu coloquei meus dedos dentro dela, enquanto lambia sua orelha, seus seios e seu pescoço.
Alguns minutos depois, eu senti seus primeiros espasmos. Seu rosto corou. Seu corpo ficou
completamente relaxado. Ela sorriu.

__ Meu Deus, há mulheres que nunca sentem isso na vida! Eu consegui sentir em minha primeira
experiência. Isso foi incrível!

Ela parecia feliz. O meu ego foi nas alturas.

__ Você pode não acreditar no que eu direi agora, mas direi mesmo assim: eu estou apaixonado
por você, Susan!

__ Não fale isso!

__ É verdade! Uma bruxa de cabelos vermelhos, pele branca e olhos de mel me seduziu. Eu vou
ficar uma merda sem você!

Ela me beijou carinhosamente e deitou em meu peito. Adormecemos. Quando despertei, a Susan
não estava mais no quarto. Percebi que ela havia deixado um bilhete sobre a cama.

Essa foi a melhor noite da minha vida! Obrigada por tudo! Sempre vou me lembrar da
minha primeira vez com o lindo Arthur Baroni. Cuide-se bem e seja feliz, Brazilian Boy! Com
carinho, Susan Miller.

"Há um vazio e uma eterna busca que são comuns a todos os seres humanos. Deve haver uma
explicação para todos os acontecimentos de nossas vidas; uma justificativa que seja capaz de
acalmar nossos anseios e de curar nossas feridas; um lugar que nossa alma possa chamar de
casa." (O Vazio Que Nos Preenche, de Bia Baroni)

Trechos da música “Be My Forever” - Christina Perri & Ed Sheeran


(OBS.: na ficção, composta por Lucca Baroni e Eva Martins)

OBS.: A estória do Arthur e da Susan continua no livro “A Razão de Todo o Meu Amor”!

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