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Instituto Serzedello Corrêa

CONTROLES NA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Aula 1
Prestação de Contas
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RESPONSABILIDADE PELO CONTEÚDO


Tribunal de Contas da União
Secretaria Geral da Presidência
Instituto Serzedello Corrêa
Diretoria de Diagnóstico, Planejamento e Desenvolvimento de Ações Educacionais
Diretoria de Promoção de Ações Educacionais e Relações Institucionais
Serviço de Diagnóstico, Planejamento e Desenvolvimento de Ações Educacionais
Serviço de Ações Educacionais a Distância

CONTEUDISTA
Renato Santos Chaves

REVISOR
Antonio José Saraiva de Oliveira Junior

TRATAMENTO PEDAGÓGICO
Flávio Sposto Pompeo
Silvia Helena de C. Martins

REVISÃO GRAMATICAL
Gabriella Nascimento Cordeiro Pereira
RESPONSABILIDADE EDITORIAL
Tribunal de Contas da União
Secretaria Geral da Presidência
Instituto Serzedello Corrêa
Centro de Documentação
Editora do TCU
PROJETO GRÁFICO
Ismael Soares Miguel
Paulo Prudêncio Soares Brandão Filho
Vivian Campelo Fernandes

DIAGRAMAÇÃO
Vanessa Vieira

Atenção!

Este material tem função didática. A última atualização ocorreu em novembro de 2014. As afirmações
e opiniões são de responsabilidade exclusiva do autor e podem não expressar a posição oficial do
Tribunal de Contas da União.
Aula 1 – Prestação de Contas

Quais os princípios que fundamentam o ato de prestar contas?


Quem presta contas a quem?
O que é cidadania e o que significa accountability?
Você já ouviu falar em governança na gestão pública?

Iniciamos nossos estudos pela prestação de contas. Trata-se de um


tema de suma importância para toda a sociedade, pois é por meio dela
que podemos avaliar se os gestores públicos aplicaram de forma correta
e eficiente os tributos que recolhemos ao Governo.

Para facilitar o estudo, este tópico está organizado da seguinte


forma:

Aula 1 – Prestação de Contas�����������������������������������������������������������������������������������3


1. Prestação de contas��������������������������������������������������������������������������������������������������4
2. Quem presta contas a quem?���������������������������������������������������������������������������������9
3. Cidadania���������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 12
4. Accountability���������������������������������������������������������������������������������������������������������� 13
5. Governança na gestão pública������������������������������������������������������������������������� 17
Síntese ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 21
Referências bibliográficas ����������������������������������������������������������������������������������� 22

Todos prontos?

Então, vamos começar!

Aula 1: Prestação de Contas [3]


1. Prestação de contas

A noção fundamental de prestação de contas consiste no fato


de que alguém, pessoa física ou jurídica, justifique o adequado uso de
determinada quantia ou mesmo de determinado objeto, instrumento ou
ato, não se restringindo apenas a valores financeiros.

Recorrendo à conceituação Prestação significa o ato ou efeito de prestar, prestamento, que, por
descrita no Dicionário sua vez, converge para demonstrar, comprovar.
Aurélio, verificamos que
prestação de contas, em Um exemplo de fácil assimilação consiste no pagamento mensal do
sentido financeiro, consiste condomínio, pelos moradores de um prédio de apartamentos. Ao final
na “demonstração dos de um mês, ou outro período estipulado nas normas condominiais, o
gastos apresentada por Síndico apresentará as demonstrações dos gastos, com os respectivos
pessoas ou entidades que comprovantes, ou seja, irá prestar contas da utilização do dinheiro da
recebem adiantadamente coletividade, isto é, dos moradores do condomínio.
uma quantia para fim ou fins
determinados”. Em regra, as principais despesas são os salários dos prestadores de
Já o Professor A. Lopes de serviço como porteiros e faxineiros, conta de água e energia elétrica, contador,
Sá (1995), no seu Dicionário advogado e serviços gerais. Cada uma das despesas deve corresponder aos
de Contabilidade, define documentos fiscais apresentados pelo Síndico, a exemplo de Notas Fiscais,
prestação de contas como: Recibos, recolhimento do INSS dos prestadores de serviço, dentre outros.
“apresentação de
fatos relativos a Dependendo do tamanho do condomínio, as contas são
um acontecimento apresentadas aos representantes dos moradores, geralmente o Conselho
central, comprovando- Fiscal, escolhido em eleição, que analisará e emitirá um parecer dizendo
os, historiciando-os e aprovar ou constestar algumas despesas.
preparando-os para
receber as classificações O exemplo do condomínio narrado nada mais é do que o ato
e verificações de natureza de prestar contas pelo responsável, no caso, o Síndico. Caso as contas
contábil”. não sejam aprovadas, o Síndico deverá responder pela irregularidade
Arremata, mencionando cometida.
que “a prestação de contas
é uma satisfação que os A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada
administradores dão aos em 1789, composta por dezessete artigos e um preâmbulo dos ideais
interessados no andamento libertários e liberais da primeira fase da Revolução Francesa, previa no
da empresa”. art. 15, o seguinte comando: “A sociedade tem o direito de pedir contas
a todo agente público pela sua administração”.

Encontramos, no Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967,


no art. 93, uma das conceituações mais abrangentes do ato de prestar
contas, o qual define que “quem quer que utilize dinheiros públicos
terá de justificar seu bom e regular emprego na conformidade das leis,
regulamentos e normas emanadas das autoridades administrativas”.

[4] CONTROLES NA ADMINISTRAÇÃO


O Direito Empresarial também fixa responsabilidades ao
administrador de bens privados. A Lei nº 6.404/76, que dispõe sobre as
Sociedades por Ações, prevê, no art. 153, o dever de diligência, prevendo
que “o administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas
funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma
empregar na administração dos seus próprios negócios”.

Das conceituações e comandos normativos acima expostos, pode-


se concluir que, seja no âmbito privado, seja no âmbito público, todo
aquele que, de alguma forma administra bens e valores, deve prestar
contas da sua boa e regular aplicação a quem de direito, ou seja, aos
sócios das empresas ou à sociedade em geral.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988


considera a prestação de contas um princípio constitucional. Assim,
caso este princípio seja desrespeitado, a Carta Magna autoriza, em
medida de exceção, a União a intervir nos Estados, e os Estados, por sua
vez, a intervirem nos seus respectivos Municípios, a fim de restabelecer
a normalidade da prestação de contas. Essa interpretação é extraída
dos arts. 34 a 36 da Constituição Federal, que tratam do instituto da
intervenção.

Ainda a Constituição Federal de 1988, em seu art. 70, parágrafo


único, prevê que “prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica,
pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre
dinheiros, bens, valores públicos ou pelos quais a União responda, ou
que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”.

Dissecando este comando constitucional, podemos mencionar


alguns exemplos práticos que geram a obrigação de prestação de contas:

a) o Prefeito Municipal que firma convênio com a União para a


execução de objetos de interesses comuns, a exemplo de estradas,
escolas, poços artesianos, barragens, ginásios poliesportivos etc;

b) uma Associação de Produtores Rurais (Pessoa Jurídica de


Direito Privado) que firma convênio ou obtenha recursos a
título de fomento à reforma agrária;

c) o Serviço Social do Comércio (SESC) que recebe ou arrecada


tributos parafiscais (contribuições) dos trabalhadores do
comércio, a fim de aplicar tais recursos em benefício da classe;

d) a empresa privada que obtém recursos públicos para


investimentos no seu patrimônio privado.

Aula 1: Prestação de Contas [5]


Portanto, o comando constitucional abrange as mais variadas
formas de utilização de recursos públicos que demandam a apresentação
de prestação de contas por parte dos responsáveis. Conforme veremos
no assunto inerente ao Tribunal de Contas da União, a não-prestação de
contas ou, tecnicamente falando, a omissão no dever de prestar contas,
configura irregularidade grave do responsável perante a Administração
Pública, culminando em sanções cíveis, penais e administrativas.

A prestação de contas, princípio constitucional, conforme vimos, é


também norteada por outros dois princípos específicos da Administração
Pública: princípio da supremacia do interesse público e princípio da
indisponibilidade.

O interesse público deve prevalecer sobre o interesse particular.


Nesse sentido, a prestação de contas de recursos públicos não é ato de
natureza particular, é interesse de toda a sociedade tomar conhecimento
da forma e qualidade pelas quais os recursos foram aplicados.
Logicamente, os direitos particulares devem ser respeitados, assim,
num eventual questionamento sobre falhas e/ou irregularidades na
apreciação das contas apresentadas, devem ser concedidos os direitos do
contraditório e da ampla defesa para que o responsável apresente suas
justificativas.

De acordo com o princípio da indisponibilidade, os bens, direitos


e interesses públicos são confiados ao administrador (responsável)
apenas para sua gestão, nunca para a sua disposição. Desse modo, os atos
administrativos, tais como licitações, contratos, alienações, utilização
e guarda de bens e recursos públicos, devem sempre ser geridos pelo
responsável com respeito aos poderes e deveres conferidos por lei e com
a intenção de gestão de tais atos.

[6] CONTROLES NA ADMINISTRAÇÃO


Ainda de acordo com o princípio da indisponibilidade, não pode
o administrador, por exemplo, dar causa à instauração de licitação ou à
celebração de contrato fora dos motivos previstos em lei, sob pena de
cometimento de crime. Não pode, além disso, o administrador ficar sem
prestar contas, ou apresentá-las de forma incompleta, sendo dever do
administrador respeitar os prazos estipulados para tal.

A sistemática de prestação de contas é bastante compreensível a


partir do entendimento da Teoria de Agência, também denominada
Teoria do Agente Principal. Conforme definido pelo Instituto Brasileiro
de Governança Corporativa1, essa teoria consiste em uma das principais
teorias de finanças e é considerada a principal abordagem formal para Em outras palavras, o
a governança corporativa. Foi formalizada no artigo seminal de Jensen principal é um delegante,
e Meckling (1976). Os autores definem o relacionamento de agência por exemplo, de recursos
como um “contrato no qual uma ou mais pessoas – o principal – públicos, enquanto o
engajam outra pessoa – o agente – para desempenhar alguma tarefa agente é o delegado,
ao seu favor, envolvendo a delegação de autoridade para a tomada de que recebe e gerencia os
decisão pelo agente”. valores, devendo aplicar
tais recursos públicos na
Dessa forma, é fácil perceber que o “agente” deve prestar contas exata finalidade que foi
ao “principal” da gestão dos recursos sob sua responsabilidade. Entre o inicialmente proposta.
principal e o agente deverá haver uma relação permanente de prestação
de contas, conforme a ilustração a seguir:

Principal Recursos Agente


(Delegante) (Delegado)
Prestação de Contas

Gráfico 1: Teoria de Agência

Note-se que esta relação poderá apresentar conflitos, ou seja,


embora o agente deva tomar decisões em benefício do principal, muitas
vezes, ocorrem situações em que os interesses dos dois são conflitantes,
dando margem a um comportamento oportunista por parte do agente.
Um exemplo clássico é a situação na qual o agente, ao receber recursos
do principal para a aquisição de determinada mercadoria, adquire
produto de baixa qualidade, com o valor na Nota Fiscal acima do valor
real, ficando com essa diferença de valor entre o declarado na Nota Fiscal
e o efetivamente pago.

1 - IBGC (www.ibgc.org.br)

Aula 1: Prestação de Contas [7]


É nesse contexto, que se encontra a origem conceitual da
auditoria, e também da moderna governança, como um mecanismo de
monitoramento para redução dos conflitos de agência2.

A atividade de auditoria, no presente caso, vai atuar sobre a relação


de prestação de contas, em favor do principal. Voltaremos a falar sobre
a Teoria de Agência ou Teoria do Agente Principal na abordagem do
tópico “accountability”.

Auditoria

Principal Recursos Agente


(Delegante) (Delegado)
Prestação de Contas

Gráfico 2: Atuação da auditoria na Teoria de Agência

2 - BRASIL. Tribunal de Contas da União. Curso auditoria governamental: módulo 1 – introdução à auditoria.
Brasília: TCU, Instituto Serzedello Corrêa, 2010.

[8] CONTROLES NA ADMINISTRAÇÃO


2. Quem presta contas a quem?

Paira uma grande dúvida ou, digamos, confusão, no Brasil,


sobre a sistemática de prestação de contas. Isto porque vivemos numa
federação que, melhor esclarecendo, é a união de dois ou mais Estados
para a formação de um novo, em que as unidades federativas conservam
autonomia política, enquanto a soberania é transferida para o Estado
Federal. Exemplos: Brasil, Argentina e México.

Do conceito anterior, pode-se, então, dizer que os Estados de Minas


Gerais, Goiás, Piauí etc. são unidades federativas e conservam autonomia
política e administrativa, elegendo seus governantes e cobrando seus
tributos. O governo federal é quem possui a soberania.

Nessa forma de Estado (federalismo), como não poderia deixar


de ser, vigora o federalismo fiscal, isto é, cada unidade federativa possui
autonomia para instituir os tributos previstos na Constituição Federal.
Assim, segundo o nosso sistema tributário nacional, a União, os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios instituem seus tributos com o objetivo
de obter receitas com vistas a investir no bem comum da sociedade,
mediante aplicação das despesas públicas.

Sabemos, porém, que a arrecadação dos tributos da União é bem


superior à dos demais entes federativos. Como meio de amenizar essa
disparidade, a União repassa aos Estados, Distrito Federal e Municípios,
recursos previstos na Constituição, a exemplo do Fundo de Participação
dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM),
segundo as regras de reparticipação das receitas tributárias (Constituição
Federal de 1988, arts. 157 a 162). Os Estados também repassam parcela
de seus tributos aos respectivos Municípios.

Os recursos entregues aos Estados, Distrito Federal e Municípios,


transferidos sob o mando constitucional, são considerados recursos
próprios destes, não podendo a União interferir no modo e na qualidade
de aplicação de tais recursos. Esta forma de repartição ou entrega de
receitas é definida pelo termo “transferências constitucionais”.

Contudo, ainda assim, a União poderá transferir aos Estados,


Distrito Federal e Municípios, recursos financeiros para a execução de
ações governamentais comuns, de interesse mútuo entre a União e o
ente federado, como pontes, estradas, praças, escolas, poços, ginásios
poliesportivos, sistemas de abastecimento de água etc.

Aula 1: Prestação de Contas [9]


Para receber estes recursos, os Estados, Distrito Federal e Municípios
firmam com a União convênios ou contratos de repasse. Essa forma de
repasse financeiro tem a denominação de “transferência voluntária”.

Temos, agora, três situações para a prestação de contas dos recursos


públicos geridos pelos entes federativos:

1ª) se o ente federativo (Estados, Distrito Federal ou Municípios)


utiliza recursos próprios (englobando as transferências
constitucionais), a prestação de contas deverá ser apresentada ao
órgão de controle do respectivo ente, ou seja, Tribunal de Contas
do Estado;

2ª) se o ente federativo, no caso um determinado Município,


recebe e utiliza recursos oriundos de transferências voluntárias
repassados pelos respectivos Estados, a prestação de contas, em
princípio, deverá ser apresentada ao órgão ou entidade estadual
que concedeu os recursos. Em momento posterior, numa segunda
fase, as contas do órgão/entidade repassadora dos recursos serão
julgadas pelo Tribunal de Contas do Estado respectivo;

3ª) se o ente federativo utiliza recursos oriundos de transferências


voluntárias da União, a prestação de contas, em princípio, deverá
ser apresentada ao órgão ou entidade federal que concedeu os
recursos. Num segundo momento, as contas do órgão/entidade
repassadora dos recursos serão julgadas pelo Tribunal de Contas
da União.

[ 10 ] CONTROLES NA ADMINISTRAÇÃO
Estado, DF e Municípios Tribunal de Contas do
Recursos Próprios Prestação de Contas Estado

Municípios Recursos de
Transferências Órgãos / Entidades
Prestação de Contas
Voluntárias dos Estados Estaduais

Estado, DF e Municípios
Recursos de Transferências Órgãos / Entidades
Prestação de Contas
Voluntárias da União Federais

Gráfico 3: Prestação de Contas

Em conclusão, conforme a natureza e origem do recurso público


que o ente estiver utilizando, se recurso próprio ou de transferência
voluntária, os órgãos e/ou entidades que receberão a prestação de contas
para análise e julgamento serão distintos. O regramento para fiscalização
dos Municípios está previsto no art. 31 da Constituição Federal e, para
fiscalização da União, Estados e Distrito Federal, o regramento, de forma
geral, está previsto do art. 70 ao 75 da Constituição Federal de 1988.

Aula 1: Prestação de Contas [ 11 ]


3. Cidadania

A República Federativa do Brasil tem como fundamentos a


soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais
do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.

Para Silva (2005), a Segundo Moraes (2010), a cidadania representa um status e


cidadania, nos termos apresenta-se simultaneamente como objeto e um direito fundamental das
constitucionais, qualifica pessoas. Isto quer dizer que a cidadania é uma situação na qual os cidadãos
os participantes da vida do podem eleger seus representantes, bem como ser eleitos, participando da
Estado, o reconhecimento democracia do país. A cidadania também confere à sociedade os direitos
do indivíduo como pessoa fundamentais como o direito à vida, à liberdade de ir e vir e de expressão, o
integrada na sociedade acesso ao trabalho digno, à alimentação, à saúde, à segurança, à educação,
estatal. Significa, também, dentre outros direitos fundamentais.
que o funcionamento do
Estado estará submetido A cidadania moderna é construída a partir de um processo de
à vontade popular, com aquisição cumulativa de direitos por parte dos membros da sociedade,
conexão com os conceitos implicando a aquisição desses direitos tanto em limitações ao Estado
de soberania popular, quanto na incorporação sucessiva de camadas cada vez mais amplas da
de direitos políticos, população na condição de cidadão. Os primeiros direitos de cidadania
de dignidade da pessoa moderna foram os direitos civis, ou seja, liberdades constitucionalmente
humana, como base e garantidas, que correspondiam aos direitos fundamentais do indivíduo
meta essencial do regime enquanto membro da sociedade civil, a exemplo de liberdade pessoal,
democrático. liberdade de imprensa, liberdade religiosa e liberdade econômica.3

Conforme Dallari, a cidadania expressa um conjunto de direitos


que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do
governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou
excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição
de inferioridade dentro do grupo social.4

A cidadania, portanto, é um fundamento que, no aspecto de


controle da Administração Pública, confere aos cidadãos o direito de
acesso às informações sobre prestação de contas dos governantes,
acesso às demais informações orçamentárias e financeiras, por meio da
transparência fiscal, culminando com o denominado controle social,
que veremos em tópico específico à frente.

3 - MAGALHÃES, José Antônio Fernandes. Ciência Política. Vestcon: Brasília, 2001.


4 - DALLARI, Dalmo. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998. p.14. http://www.dhnet.org.
br/direitos/sos/textos/oque_e_cidadania.html <Acessado em 26/11/2010>

[ 12 ] CONTROLES NA ADMINISTRAÇÃO
4. Accountability

O termo accountability não possui tradução exata para a língua


portuguesa, porém, remete à ideia de obrigação dos integrantes
da administração de determinada corporação a prestar contas a
instâncias superiores. Dito de outra forma, corresponde ao que foi
explanado sobre a Teoria de Agência, na qual o agente (delegado)
presta contas ao principal (delegante), só que, agora, de forma
permanente.

Valendo-nos dos ensinamentos abordados no curso de auditoria


governamental do TCU5, extraímos que essa obrigação constante
de prestação de contas denomina-se accountability e representa o
processo de contínua demonstração, por parte do agente, de que sua
gestão está alinhada às diretrizes previamente fixadas pelo principal.
Ou seja, o agente deve prestar contas de sua atuação a quem o fez a
delegação e responde integralmente por todos os atos que praticar no
exercício desse mandato.

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa conceitua


accountability como o termo que, traduzido para o português, é
sinônimo de prestação de contas ou responsabilização pelas decisões
tomadas.

A responsabilização consiste num dever, que obriga o agente


(ou o gestor de recursos), uma vez que este assumiu obrigação,
perante a sociedade, de bem administrar o dinheiro público. Por
exemplo, se um gestor público não prestar contas de recursos que
recebeu para construir uma escola, ele poderá ser responsabilizado
em devolver os recursos recebidos, sofrer multa pela má gestão dos
recursos, ter os direitos políticos suspensos, isto é, não poderá ser
candidato a cargo eletivo (Vereador, Deputado, Prefeito etc.) por um
determinado período, não poderá contratar com a Administração
Pública etc. O agente é responsável pelos atos dele, respondendo,
perante o principal, pelas falhas cometidas.

5 - BRASIL. Tribunal de Contas da União. Curso auditoria governamental: módulo 1 introdução à auditoria. Brasília:
TCU, Instituto Serzedello Corrêa, 2010 (Antônio Alves de Carvalho Neto Conteudista).

Aula 1: Prestação de Contas [ 13 ]


Auditoria

Principal Agente
Accountability
(Delegante) (Delegado)

Gráfico 4: Sistemática de Accountability

Analisando o gráfico 4, podemos considerar, no setor público, que


o principal (delegante de recursos) é a sociedade, pois a Constituição
Federal de 1988 diz que todo poder emana do povo. Acontece que a
sociedade é representada por parlamentares que escolhemos nas
eleições. Assim, tais parlamentares, Senadores, Deputados e Vereadores
são os representantes do principal. Na outra ponta, encontram-se
aqueles que recebem os recursos públicos para aplicarem em benefício
de toda a sociedade, que são os delegados ou agentes, representados
pelos Governadores, Prefeitos, Presidente da República e demais agentes
(gestores) que recebem e utilizam recursos públicos.

A sistemática de accountability no setor público está representada


no gráfico 5, apresentado a seguir, o qual representa o seguinte:

a) a sociedade (principal) é a dententora dos recursos públicos,


já que a Constituição Federal de 1988 diz que todo poder
emana do povo;

b) a sociedade é representada por Senadores, Deputados e


Vereadores, não daria para ser toda a sociedade;

c) os agentes são os gestores que aplicam os recursos públicos


como o Presidente da República, os Governadores, prefeitos e
demais gestores com poderes para aplicar recursos;

d) a prestação de contas dos recursos aplicados deve ser apresentada


ao Poder Legislativo, que representa a sociedade;

e) por sua vez, o Poder Legislativo nada mais é que a representação


da sociedade.

[ 14 ] CONTROLES NA ADMINISTRAÇÃO
A accountability, portanto, é este processo contínuo de prestação de
contas, desde os gestores (agentes/delegados) até a sociedade (principal/
delegante).

Recursos Recursos Presidente,


Sociedade Principal Poder Legislativo Governadores,
(Representante do Principal)
(Delegante) Prefeitos Agente
Prestação de Prestação de
Contas Contas (Delegado)

Accountability

Gráfico 5: Sistemática de Accountability no Setor Público

Salienta-se que os agentes devem prestar contas de forma constante,


representando o ato de accountability. A prestação de contas constante
depende do nível de transparência pública do ente governamental. Por
exemplo, você sabe quanto é pago mensalmente, em seu Município,
pelo serviço de coleta de lixo? E quanto é gasto com a saúde, educação,
merenda escolar etc.?

Bem, a Constituição Federal de 1988, no art. 31, § 3º, prevê que


“as contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente,
à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual
poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei”.

Já a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº


101/2000)6, no capítulo que trata da “transparência, controle e
fiscalização”, artigos 48 e 49, diz que “as contas apresentadas pelo Chefe
do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no
respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua
elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da
sociedade”.

Aula 1: Prestação de Contas [ 15 ]


Com o advento da internet, a rede mundial de computadores, ficou
bem mais fácil verificar as contas apresentadas pelos gestores. Assim
Verifique a disponibilidade, dispõe o art. 48 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF):
pelo seu município, de
documentos como: os “São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada
planos, orçamentos e leis ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os
de diretrizes orçamentárias; planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de
as prestações de contas e o contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução
respectivo parecer prévio; Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas
o Relatório Resumido da destes documentos”.
Execução Orçamentária e o
Relatório de Gestão Fiscal; Verifique a disponibilidade dessas informações no seu município.
e as versões simplificadas Quanto maior for a transparência pública, a cobrança dos órgãos de
destes documentos. controle e a cobrança da sociedade, mais fortalecido será o processo de
Estes são documentos de accountability. No tópico sobre controle social, estarão exemplificados
transparência da gestão alguns links que permitem verificar os recursos repassados e aplicados
fiscal previstos pela LRF. em diversas ações governamentais.

6 - BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas
para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/LCP/Lcp101.htm

[ 16 ] CONTROLES NA ADMINISTRAÇÃO
5. Governança na gestão pública

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) define


governança corporativa como “o sistema pelo qual as sociedades são
dirigidas e monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre acionistas/
cotistas, conselho de administração, diretoria, auditoria independente e
conselho fiscal”.

A conceituação acima exposta aborda a governança corporativa no


setor privado referente à atuação das empresas no mercado. Perceba que a
conceituação destaca o termo “sistema pelo qual as sociedades são dirigidas
e monitoradas”. Envolve pessoas ou atores da cúpula da organização, como
acionistas, diretores, administradores, fiscais e auditores.

Numa visão sintética e simplória, pode-se definir que “governança


corporativa” corresponde a uma espécie de fiscalização da alta gestão,
verificando se os atores envolvidos estão respeitando as normas e códigos,
com o objetivo de reduzir ou eliminar os conflitos de interesse. Quais
seriam os conflitos de interesse? Bom, a resposta é vasta. Para mencionar
alguns, teríamos: ausência ou pouca transparência dos atos de gestão,
fiscalização falha, auditoria superficial, direção ineficaz, dentre outros.

E como é a tal governança corporativa na gestão pública? É


semelhante à governança no setor privado? Quais são as características
da governança no setor público?

Para responder a estes questionamentos, adotaremos a explanação


constante do estudo sobre “critérios gerais de controle interno na
administração pública”, cujo objetivo é subsidiar discussão, no âmbito
do Senado Federal, de anteprojeto de proposta legislativa para definição
de critérios gerais de controles internos, gestão de riscos e governança na
administração pública brasileira.

O presente estudo foi produzido no âmbito da Diretoria de Métodos


e Procedimentos de Controle do Tribunal de Contas da União. O item VI
do documento aborda o tema “governança”, que reproduzimos a seguir:

“(...)

VI. GOVERNANÇA

Nos últimos tempos, a governança tornou-se um conceito-chave, que Este estudo está disponível
todos utilizam sem saber exatamente o que é. O que tem a ver governança na biblioteca virtual do
com riscos e controles? Já que se cunhou até um acrônimo, GRC, curso.

Aula 1: Prestação de Contas [ 17 ]


para designar e demonstrar a relação Governança, Riscos e Controles.
Expressões como governança corporativa, governança organizacional,
governança institucional e governança pública estão por toda parte.

O uso amplo da expressão exige que se precise o seu significado


no contexto em que é aplicado. Para este trabalho, interessa-nos a
governança das instituições públicas, portanto, no campo da governança
organizacional, em geral, e da governança institucional, em particular.

Controles internos e governança são assuntos inter-relacionados,


mas não são sinônimos. A estrutura de controles internos, como já
vimos, é estabelecida para governar os acontecimentos dentro de uma
organização que possam impactar na consecução dos objetivos, isto é, os
riscos. Portanto, controle interno é a fiscalização das atividades feita pela
própria entidade, ou seja, pela própria administração e pelo seu corpo
funcional.

No entanto, a fiscalização da administração da entidade é feita por


quem? Aqui surge o conceito de governança, representado pela adoção
de boas práticas, consubstanciadas nos princípios adiante descritos,
que asseguram equilíbrio entre os interesses das diferentes partes que,
no caso do setor público, inclui a sociedade e os seus representantes, o
parlamento, as associações civis, o mercado, os órgãos reguladores e de
controle, dentre outros.

A moderna governança surgiu com a necessidade de administrar os


chamados conflitos de agência, que

aparecem quando o bem-estar de uma parte (denominada principal)


depende das decisões tomadas por outra (denominada agente). Embora
o agente deva tomar decisões em benefício do principal, muitas vezes
ocorrem situações em que os interesses dos dois são conflitantes,
dando margem a um comportamento oportunista por parte do agente
(CARVALHO, 2002, p.19 apud SILVA, 2003).

O conceito não é novo, mas só recentemente tomou corpo. Para Peters


(2007, p.27)

ele já existe desde que as empresas passaram a ser administradas por


agentes distintos dos proprietários [...] há cerca de 100 anos. Por essa
época, começou a ser delineado o conflito de agência, em que o agente
recebe uma delegação de recursos [...] e tem, por dever dessa delegação,
que gerenciar estes recursos mediante estratégias e ações para atingir
objetivos [...], tudo isto mediante uma obrigação constante de
prestação de contas.

[ 18 ] CONTROLES NA ADMINISTRAÇÃO
Alguns dos princípios fundamentais da boa governança, comuns a
diversos autores, são estes:

transparência (disclosure): representa o processo de contínua


demonstração, pelo agente, de que sua gestão está alinhada às
diretrizes estratégicas previamente fixadas pelo principal. Não é
só limitar-se à “obrigação de informar” (accountability), o agente (a
administração) deve cultivar o “desejo de informar”;

equidade (fairness): tratamento justo e igualitário a todas as partes


interessadas, sendo totalmente inaceitáveis atitudes ou políticas
discriminatórias, sob qualquer pretexto;

prestação de contas (accountability): os agentes da governança devem


prestar contas de sua atuação a quem os fez delegação e respondem
integralmente por todos os atos que praticarem no exercício desse
mandato; e

responsabilidade (responsability): definição de uma política de


responsabilidade que assegure a máxima sustentabilidade dos
negócios, incorporando considerações de ordem ética, social e
ambiental em todos os processos e relacionamentos.

A administração pública brasileira deve obediência a todos esses


princípios, espalhados que estão por todo o texto constitucional, e
especificamente aos sintetizados no art. 37 da CF/88, que representam
os requisitos de sua atuação.

Os agentes da governança institucional de órgãos, entidades, programas


e fundos públicos, por subsunção a tais princípios, devem contribuir
para aumentar a confiança sobre a forma como são geridos os recursos
colocados à sua disposição, reduzindo a incerteza dos membros da
sociedade sobre o que acontece no interior da administração pública. Essa
contribuição será tanto mais efetiva quanto melhor for a qualidade dos
instrumentos e mecanismos de governança institucional arregimentados
e mantidos pelos agentes responsáveis pela coisa pública.

Boas estruturas de gestão de riscos e controles internos são pré-requisitos


para uma organização bem administrada, e esses três elementos são
pré-requisitos para uma boa governança. Desse modo, Governança,
Riscos e Controles devem ser geridos de forma integrada, objetivando
o estabelecimento de um ambiente que respeite não apenas os valores,
interesses e expectativas da instituição e dos agentes que a compõem, mas
também de todas as partes interessadas, tendo o cidadão e a sociedade
como os vetores principais desse processo. (...)”

Aula 1: Prestação de Contas [ 19 ]


Ainda sobre o tema, algumas indagações surgem sobre a exata
diferenciação entre governança e governabilidade. Este assunto
(governança X governabilidade) ganhou destaque quando da divulgação
do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, em novembro de
1995.

Tal plano, elaborado no âmbito do então Ministério da


Administração Federal e Reforma do Estado (Mare), cujo titular
da pasta à época era Luiz Carlos Bresser Pereira, definia objetivos e
estabelecia diretrizes para a reforma da administração pública brasileira,
ante o quadro de forte crise fiscal, persistente cenário inflacionário e
avassaladora deterioração dos serviços públicos oferecidos pelo país.

Na introdução do documento (Plano de Reforma) consta que:

“O governo brasileiro não carece de ‘governabilidade’, ou seja, de


poder para governar, dada sua legitimidade democrática e o apoio
com que conta na sociedade civil. Enfrenta, entretanto, um problema
de governança, na medida em que sua capacidade de implementar
as políticas públicas é limitada pela rigidez e ineficiência da máquina
administrativa”.

Não é tarefa fácil definir exatamente a diferenciação entre


governança e governabilidade, dada a variação de conceitos entre
diversos autores. No entanto, a título didático, podemos dissecar o tema
da seguinte forma:

Governança - Capacidade de implementar de forma eficiente


políticas públicas / capacidade de governar o Estado / maior
condição de implementar leis e políticas públicas.

Governabilidade - Poder para governar, dada sua legitimidade


democrática e o apoio que encontra na sociedade civil / idéia
de legitimidade.

Àqueles que desejam aprofundamento no tema, indicamos o


seguinte site na internet: www.bresserpereira.org.br (Professor Luiz
Carlos Bresser Pereira).

O Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado pode ser


consultado, na íntegra, no seguinte link: http://www.bresserpereira.org.
br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf

[ 20 ] CONTROLES NA ADMINISTRAÇÃO
Síntese

Nesta aula compreendemos o mecanismo de prestação de contas


na Administração Pública. Percebemos que a prestação de contas é
uma obrigação dos gestores públicos e que ela está fundamentada em
princípios constitucionais.

Estudamos que o exercício do direito de acesso às informações


sobre a prestação de contas dos governantes é uma das formas de se
exercer a cidadania.

De forma a consolidar nossos conhecimentos sobre o assunto,


verificamos que o processamento de prestação de contas é melhor
entendido a partir das concepções sobre os temas accountability e
governança na gestão pública.

Aula 1: Prestação de Contas [ 21 ]


Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição Federal Brasileira. Disponível em <http://www.


planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>
Acesso em 28 de novembro de 2014.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Curso auditoria governamental:


módulo 1 – introdução à auditoria. Brasília: TCU, Instituto Serzedello
Corrêa, 2010.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17 ed. São


Paulo: Atlas, 2004.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 26ª ed.


Malheiros Editores. São Paulo, 2001.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Atlas,
2010.

SÁ, Antônio Lopes de. Dicionário de Contabilidade. 9. ed. São Paulo:


Atlas, 1995.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25 ed.


São Paulo: Malheiros, 2005.

[ 22 ] CONTROLES NA ADMINISTRAÇÃO

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