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27.12.2020 às 08h00
VÂNIA MAIAJORNALISTA
Às vezes sentimos que o tempo voa, noutras parece que os minutos não passam. Porquê?
Imagine que está num primeiro encontro muito entusiasmante. Provavelmente, os seus neurónios de
dopamina estão mais ativos e, quando olha para o relógio, percebe que já passou meia hora, quando
lhe parecia que só estavam a conversar há cinco minutos. Por que razão é que isto pode ser útil? A
vida é uma sucessão de decisões que consistem em continuar a fazer a mesma coisa ou em ir
desempenhar outra tarefa. Se uma atividade é realmente compensadora, talvez uma das formas de o
cérebro conseguir que continuemos a desempenhá-la seja fazer-nos acreditar que passou pouco
tempo desde que a iniciámos.
É por isso que o tempo parece passar mais depressa à medida que envelhecemos?
Quando somos crianças, cada ano é uma fração relativamente grande de toda a nossa experiência. À
medida que envelhecemos, um ano é uma fração cada vez mais pequena da nossa vida. Ao mesmo
tempo, também não criamos tantas novas memórias, cada novo momento é apenas uma variação
ligeira do que já experienciámos antes. É bastante contraintuitivo porque pensamos que passou
pouco tempo, mas o mundo parece estar a voar à nossa volta.
Estamos sujeitos a tantos estímulos, que o cérebro desenvolveu mecanismos para aprender a
selecionar aqueles que merecem atenção?
Sim. O cérebro tem de distinguir os estímulos que permitem prever um determinado acontecimento
e, depois, usar essa informação para adaptar o nosso comportamento. A forma como o cérebro lida
com o tempo é fundamental para conseguirmos resolver esse problema.
O cérebro faz uma associação entre as nossas escolhas e as suas consequências, mas isso não
nos impede de tomar más decisões…
Ser capaz de avaliar possíveis consequências, a curto ou a longo prazo, é importante quando
pensamos em boas e más decisões. Podemos dizer que as pessoas muito impulsivas tomam más
decisões ou podemos dizer que tomam decisões que favorecem a sua gratificação imediata. A
mesma decisão pode ser boa ou má, dependendo do que o indivíduo pretende otimizar.
Levanta muitas questões éticas julgar o que são boas ou más decisões…
Sim, essa é uma questão com a qual os tribunais já lidam há algum tempo, por exemplo, quando
descobrem que uma pessoa fez algo ilegal, mas que sofre de algum tipo de disfunção cerebral, o que
a torna menos responsabilizável pelos seus atos. Obviamente, as pessoas devem ser
responsabilizadas pelo seu comportamento mas, quando percebemos que os seus genes podem
torná-las mais suscetíveis a coisas como o abuso de drogas, torna-se muito mais cinzenta a
determinação da sua responsabilidade. Estas são algumas das questões com as quais vamos ter de
lidar à medida que aprendermos mais sobre a base biológica do nosso comportamento.
Conhecer os circuitos cerebrais por detrás dos nossos comportamentos também poderá
permitir encontrar tratamentos para doenças neurodegenerativas?
Sim, os circuitos e os neurónios que são críticos quando um animal precisa de suprimir a ação
tornam-se anormalmente ativos numa doença como Parkinson, já na doença de Huntington estas
células são perdidas precocemente. Conhecer os circuitos responsáveis por suprimir e controlar o
movimento pode ter uma grande relevância na compreensão destas doenças. Agora, as pessoas
pensam que a razão para financiar a Ciência é tentar curar doenças mas, embora esse seja um
benefício potencial, há uma importância muito mais geral do apoio à investigação. Se olharmos para
a história da medicina, a pesquisa que levou à descoberta de um determinado tratamento médico
pode não ter tido nada que ver com esse domínio em particular. Ao mesmo tempo, compreender os
mecanismos da inteligência natural também pode beneficiar a maneira como desenhamos a próxima
geração de algoritmos de Inteligência Artificial.
Por vezes, dizemos que as máquinas nunca conseguirão ultrapassar os humanos porque não
têm sentimentos, mas não serão os sentimentos uma desvantagem competitiva, em termos de
sobrevivência?
[Longa pausa.] Depende do objetivo que definimos. As emoções derivam de uma série de sistemas
no cérebro e no corpo que regulam coisas como o comportamento de fuga ou a sensação de
familiaridade e também servem de sinal para os outros, socialmente. Por isso, dependendo do
objetivo, as emoções podem ou não ser uma desvantagem. Há uma componente social das emoções
que foi muito importante para o desenvolvimento e para a sobrevivência da espécie. Não creio que
as emoções sejam necessariamente uma desvantagem ou elas não se teriam desenvolvido.
Por exemplo?
Digamos que treinamos um agente artificial para analisar currículos, a forma como o ensinamos é
baseada numa série de dados históricos que contêm todos os preconceitos manifestados pelos seres
humanos. Nós devemos tentar corrigir isso, devemos ser mais objetivos e mais meritocráticos, ou o
agente artificial vai perpetuar todas essas injustiças. É de questões como esta que precisamos de
estar conscientes.
https://visao.sapo.pt/ideias/2020-12-27-as-pessoas-devem-ser-responsabilizadas-pelo-seu-
comportamento-mas-quando-percebemos-que-os-seus-genes-podem-torna-las-mais-suscetiveis-a-coisas-
como-o-abuso-de-drogas-torna-se-muito-mais-cinzenta/?fbclid=IwAR0e_pdDN4s4FuwekNljS9-
9lT_Cz51pfnsittM-1iSNO7yzHl-ackgas4s, consultado em 27/12/2020.