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CRÓNICA
Não sabia. Mas, lá está, devo ser mau a “vender-me”. E fiquei a pensar como a
linguagem acompanha as mutações sociais. É aliás por isso que tantos conflitos
irrompem nos últimos tempos tendo a linguagem no seu centro, num mundo
onde uma velha ordem transmite sinais de degeneração, mas sem que uma nova
tenha sido capaz de ocupar o seu lugar. Palavras que ontem tinham um sentido
claro tornam-se ambíguas e em alguns casos na antítese daquilo que
significavam outrora.
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Até há pouco ser-se um vendido era um dos maiores insultos que se podia
receber. De há algum tempo a esta parte saber “vender-se bem” é uma grande
aspiração, para quem deseja um novo emprego, valorizar o que tem ou subir na
escala social. “Vender-se bem” é um louvor. Faz parte do idioma corrente. Não é
comunicar-se com sabedoria. Não é melhorar as competências para expandir as
suas possibilidades de empregabilidade. É outra coisa. É saber negociar-se,
insinuar-se, promover-se. É fazê-lo com astúcia, de forma ardilosa até, de forma
a retirar daí ganhos económicos.
A linguagem nunca é neutra. Nas expressões aparentemente mais superficiais
reside o que de mais profundo uma sociedade em determinado momento expõe.
“Vendermo-nos”, neste sentido, mais do que ter algo para transaccionar com
alguém por um preço estabelecido, é assumir que o sujeito se converte no
objecto de venda através da coisificação da própria pessoa. Ter as competências
adequadas para uma tarefa pela qual nos será devida uma retribuição por essa
mais-valia é outra coisa. A mercantilização do trabalho confunde-se com a
mercantilização da pessoa que o leva a efeito. O que se aprecia é a estratégia. É
propor o “investimento” na sua pessoa no momento certo.
https://www.publico.pt/2020/03/08/opiniao/cronica/sabe-venderse-bem-1906576?
fbclid=IwAR33clMadulVg8Vzlz6GCBKE9zNCSNQe2FQzc68dyj1Ab-Hpb2w9SpscMLw, consultado em
08/03/2020.