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Surge no Uruguai, durante a guerra civil de 1843, os Camisas Vermelhas (camicia ou

giubba rossa, em italiano), símbolo escolhido por Giuseppe Garibaldi para demarcar seu
grupo dentro da Legião Italiana, brigada formada majoritariamente por italianos combatendo
os Blancos e defendendo os Colorados. À época, os Blancos eram apoiados pelo Paraguai de
Solano López, sendo que essa disputa entre Balncos e Colorados acabou por desembocar no
maior conflito da história da América do Sul: a Guerra do Paraguai. Posteriormente,
Garibaldi volta à Itália e é um dos responsáveis pelo surgimento do Reino da Itália, assim
como os camisas vermelhas.
Os Camisas Vermelhas, provavelmente, influenciaram o nascimento dos Camicie Nere
(Camisas Negras) expressão popularmente utilizada para chamar a Milizia volontaria per la
sicurezza nazionale (Milícia Voluntária para a Segurança Nacional). Em 1919, vemos surgir
a semente dessa milícia: o Fascio de Combate, movimento social que tinha entre seus
membros Benito Mussolini. Usando o fascio (feixe, símbolo do poder dos magistrados na
Antiga Roma), esse movimento participou da invasão da Dalmácia e, a partir daí, começou
sua expansão com a formação de diversos fascios por toda Itália. Milícias paramilitares
foram então formadas no meio de uma economia enfraquecida pela Primeira Guerra Mundial,
um tecidos social conturbado e uma forte onda migratória em que milhões de italianos
“descobriram a América”. Os camisas Negras lutavam contra sindicatos, intelectuais de
esquerda, imprensa, grevistas, socialistas, comunistas, enfim, qualquer um que estivesse
contra o fascismo. Agindo de forma paralela ao próprio exército, eram preparados para ações
de choque, com o objetivo de neutralizar os inimigos. Em sua origem, os Camisas Negras
eram formados por intelectuais de extrema-direita, ex-militares, jovens latifundiários, ex-
combatentes de tropas de elite da Primeira Guerra, todos tendo em comum o fascismo e o
combate a sindicatos e associações de camponeses.
Em 28 de outubro de 1922, milhares de fascistas marcharam para Roma com o objetivo de
forçar o rei italiano a nomear Benito Mussolini como primeiro-ministro. Os Camisas Negras
foram fundamentais nessa marcha, já que sua violência, admirada pelos italianos, ajudou a
popularizar e fortalecer o fascismo e seu líder. Entretanto, nem Mussolini conseguiu deter a
violência dos Camisas Negras.
Outros grupos foram inspirados nos Camisas Negras pelo mundo. Entre esses, é importante
lembrar dos Camisas Verdes.
Fundada em 1932, a Ação Integralista Brasileira foi um movimento político de extrema-
direita, de cunho fascista, ultranacionalista, conservador. Fundado por Plínio Salgado, tal
movimento teve entre seus membros mais conhecidos Miguel Reale, como seu símbolo a
letra grega sigma e como seu lema “Deus, pátria e família”. Sua saudação era feita com o
braço estendido e a pronúncia da palavra “anauê”(palavra tupi significando “você é meu
irmão”). Os integralistas defendiam o nacionalismo, a cultura nacional, a propriedade
privada e o combate ao liberalismo e socialismo. Era um movimento, portanto de teor
conservador e fundo autoritarista.
Em 2013, no Brasil, há o surgimento de uma onda conservadora de direita e extrema-direita
que encontra um terreno fértil na internet e nos protestos de rua. Nas manifestações de 2013
contra o governo Dilma, grupos como o MBL, os Revoltados Online e o Vem Pra Rua
reúnem, os três, desde membros moderados do PSDB até a extrema-direita mais virulenta.
Outros grupos menores de direita e extrema-direita participaram do enfraquecimento popular
do governo de Rousseff. Em comum, entre todos esses grupos, há o ódio pela esquerda e a
busca desvairada pelo poder. Os grandes gastos nessas manifestações sugerem o
financiamento de grandes empresas nacionais e multinacionais a esses grupos. A participação
de governos estrangeiros, em especial o dos EUA, na ascensão desses grupos, não pode ser
descartada. Para tal, basta lembrar do caso Edward Snowden, revelado pelos jornalistas
comandados por Glenn Greenwald. Entre as revelações de Snowden sobre a espionagem do
governo americano, uma, em especial, chamou a atenção dos brasileiros. Foi feita em 2015 e
seu conteúdo revela o grampo, por parte dos EUA, em trinta telefones de membros do
Governo Dilma, incluindo a própria presidente. Assim como a Primavera Árabe, as
manifestações de 2013 no Brasil refletem a participação americana, só não se sabe até que
ponto exatamente.
A origem das milícias está nas décadas de 1960 e 1970 no Rio de Janeiro. Os grupos de
extermínio, na década de 1960, formados por policiais, na ativa ou não, forneciam proteção,
se pode ser chamada assim, para comerciantes em troca de remuneração. Esses grupos
cresceram durante a ditadura militar que, por sinal, também utilizou seus serviços na caça do
eles chamavam de subversivos. Esses grupos cresceram, se ramificaram e na década de
1970, durante a própria ditadura, surge em Rio das Pedras, uma imensa favela na Zona Oeste
do Rio de Janeiro, aquela que é considerada a primeira milícia estruturada do Estado.
Começando como um serviço de proteção a comerciantes e moradores, com o objetivo de
impedir o tráfico de drogas, o grupo de Rio das Pedras começa a ter a participação de
policiais, bombeiros, ex-militares e acaba por tomar toda população da localidade como
refém de seus métodos e objetivos.
Com o fim do Regime Militar, as milícias não param seu desenvolvimento. Um exemplo
famoso disso ficou conhecido como a “Chacina da Candelária”. Nela, policias que estavam
de folga mataram oito crianças e jovens que viviam nas ruas das redondezas. Outras chacinas
e massacres atribuídos a esses grupos são também bem conhecidos (Vigário Geral, Acari e
tantos outros).
Entretanto, não só de chacinas e massacres vive a milícia. Atualmente, os milicianos
possuem uma ampla rede de ilegalidades e atuam nas mais diferentes áreas. Transportes
coletivos (vans), tv a cabo pirata, venda de gás em botijões, imobiliárias e construções ilegais,
agiotagem, são alguns dos negócios aos quais a milícia está dedicada atualmente. Assim
como nos seus primórdios, a milícia hoje é comandada majoritariamente por policiais, ex-
policiais, bombeiros e ex-militares. Contudo, pessoas que não pertencem a esses grupos
também pertencem às milícias, em geral como subalternos e com um histórico de violência.
Hoje, a milícia mais famosa do Brasil é chamada de Escritório do Crime. Essa milícia, cuja
atividade principal está no ramo imobiliário na Zona Oeste do Rio, é investigada pelos
assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes (vereadora do partido de esquerda PSOL
e seu motorista). Pessoas investigadas como comandantes dessa milícia foram homenageadas
e defendidas pela família Bolsonaro. O próprio Jair Bolsonaro, que hoje governa o Brasil,
discursou defendendo Adriano Magalhães da Nóbrega, em 2005, quando acabara de ser
condenado a mais de 19 anos de prisão. Flávio Bolsonaro, filho de Jair e senador, empregou
em seu gabinete a mulher de Adriano (de 2008 até 2018) e sua mãe (2016). Ainda são
investigadas relações de Fabrício Queiroz, braço direito de Flávio Bolsonaro e amigo íntimo
de Jair, com essa milícia, assim como a relação entre o acusado de assassinar Marielle e
Anderson, Ronnie Lessa (a filha de Ronnie namorou um dos filhos de Jair Bolsonaro, além
de morarem muito próximos, dentro do mesmo condomínio) com o Esritório do Crime.
As manifestações pró-Bolsonaro e pró-Moro que ocorrem desde o período das eleições tem,
entre seus participantes, além de artistas de uma qualidade duvidosa, empresário e
banqueiros, que sustentam toda a estrutura, membros da classe média, protestantes, pobres
enganados pela grande mídia, militares, policiais e, por constatação empírica, milicianos.
Não se vê, por parte da mídia, a divulgação do apoio de milicianos a tais manifestações.
Entretanto, não é segredo que a milícia apoiou Bolsonaro na eleição e que vans, comandadas
por milicianos, passavam fazendo propaganda de Bolsonaro e seu partido. Também não é
segredo que os milicianos se aproximam cada vez mais dos traficantes. Na Zona Oeste, o
tráfico chegou a formar a linha de frente da milícia no combate à polícia. Na Ilha do
Governador, Batoré, braço direito de Fernandinho Guarabu (traficante com mais tempo de
atuação no Rio de Janeiro), foi um dos fundadores do Escritório do Crime. A população,
informada pela grande mídia, considera que há uma oposição entre milícia e tráfico, mas a
disputa não se dá dessa forma. Na verdade, há uma briga por território entre grupos
criminosos e perigosos. Caso exista a necessidade de uma união para derrotar um outro
grupo, isso ocorre. Caso precise de uma fusão, isso também se dá.
Bolsonaro apóia a liberação do porte de armas, e não é só isso, pretende aumentar cada vez
mais o acesso às armas e chegou até a propor que pessoas se reunam, de forma organizada,
para combater o crime com o aval do governo, o que seria uma espécie de legalização das
milícias.
Voltando às manifestações, percebe-se que essas pessoas que fazem parte desses movimentos
têm em comum o conservadorismo, a violência, a visão de extrema-direita, o preconceito, o
ódio pela esquerda, o fascismo e um estranho patriotismo, já que é prejudicial à própria
pátria. Esses manifestantes, que são chamados, aqui, de Camisas Amarelas, em função do
uso da camisa canarinho da seleção brasileira de futebol, poderão dar origem - e é isso que
deve pretender o governo- a um movimento semelhante aos Camisas Negras da Itália fascista.
Temos portanto uma quantidade imensa de pessoas defendendo um ideário fascista, uma
expertise paramilitar, a liberação do porte de armas, o apoio, por parte do governo, para a
criação de grupos dessa espécie e dinheiro, pois certamente essa é a parte mais fácil. O que
está faltando, então? Esse apoio se tornar oficial. Para tal, o Executivo terá que passar pelo
Congresso e pelo STF. Caso isso ocorra, algo difícil, mas não impossível, estaremos a um
passo de não ter mais nenhuma esperança de sair desse começo de Estado de estado de
exceção em que nos encontramos.
Esse artigo é só um aviso e espero, para o bem de todos, que isso nunca ocorra.

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