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Michel Bounan

LÓGICA DO TERRORISMO

NJ~NlnJIU~S
ACc1M

CoLecç.êío 'PC! Vl-oIol"C!


o terrorismo define-se como um conjunto de operações criminosas,
de natureza e importância variáveis, destinadas a amedrontar uma certa
população e, desse modo, obter concessões políticas. Para atingir os
seus objectivos, os crimes terroristas devem ser amplamente conheci-
dos, uma vez que, o terrorismo, seja ele qual for, é, antes de tudo, uma
operação mediática. Trata-se sempre de dar a entender a um grupo sen-
sível, os crimes que pairam sobre a sua cabeça, se não ceder a certas
reivindicações políticas, ou, enquanto estiver solidário com os seus re-
presentantes. Trata-se também de expor os seus próprios projectos po-
líticos a outros indivíduos interessados nessas reivindicações e levá-Ios a
uma solidariedade activa, tanto mais provável quando se sabe que o ter-
rorismo já conseguiu sacar algumas concessões aos seus inimigos.
Por vezes, os actores e os centros decisórios das operações terroristas
são, claramente, os Estados, por exemplo, os bombardeamentos de Lon-
dres, levados a cabo pelo exército alemão em 1940, os bombardeamentos
de Dresda executados pela aviação inglesa, em Fevereiro de 1945, ou
ainda, a destruição de Hiroshima pelo exército americano, em Outubro do
mesmo ano. O objectivo desses actos terroristas é sempre o de aterrori-
zar a população do inimigo, com o objectivo de desassociá-la do seu
governo, demasiado belicoso, e, assim, isolar esse governo para o o-
brigar a capitular.
As operações do terrorismo nacionalista ou autonomista visam as-
sustar um exército de ocupação, ou, considerado como tal, bem como
aqueles que o apoiamo Os maquis resistentes anti-nazis da segunda guer-
ra mundial, as operações do FLN na Argélia Francesa, os empreendi-
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mentos do IRA, na Irlanda do norte, da ETA, no país Basco, os a-
tentados palestinianos contra a população de Israel, afegãos contra o
exército soviético, chechenos contra a Rússia , etc. Todos eles realçam o
terrorismo.
Outros empreendimentos terroristas pretendem combater uma ordem
social injusta e promover transformações políticas ou sociais revolu-
cionárias. Foi o caso dos atentados nilistas cometidos na Rússia no
fim do século XIX e destinados, segundo os seus autores, a aterrorizar
a classe governante. Tratava-se de mostrar à população que um Czar,
um grão-duque ou um governador de província, não eram intocáveis,
com a esperança de, assim, suscitar um levantamento popular gene-
ralizado. Na mesma época, também eram esses os objectivos delinea-
dos pelos atentados anarquistas cometidos na Europa e nos Estados
Unidos. Objectivos similares eram visados pelos terroristas esquerdistas
dos anos 70 do século XX, em Itália, Alemanha, Bélgica, França. Era
também essa a posição de certos pogromistas russos, decididos a
lutar contra a influência dos judeus na santa Rússia, ou, ainda, as o-
perações punitivas organizadas pelos fascistas italianos nos anos vinte,
operações visando proteger a Itália da ascendência do bolchevismo. 1-
denticamente, o actual terrorismo islamista, na medida em que se es-
força em instituir por toda a parte governos teocráticos e instaurar uma
ordem social baseada em princípios opostos aos dos Estados que com-
bate, reacende esta forma de terrorismo revolucionário.
Existe, por fim, um terrorismo exclusivamente baseado numa argu-
mentação religiosa ou pró-religiosa, onde encontramos exemplos quer
nos grupos de fundamentalistas cristãos, nos Estados Unidos, quer nos
integristas, judeus ou muçulmanos, como em certas seitas milenaristas
dos Estados Unidos ou do Japão.
Tal como é apresentada pelos responsáveis governamentais, pelos
jornalistas, pelos polícias e pelos próprios terroristas, a guerra travada
pelo terrorismo contra os seus adversários declarados é totalmente in-
verosímil. Para ser credível, esta história exigiria, tripla e simultaneamente,
uma excessiva estupidez dos terroristas, uma extravagante incompetência
dos serviços policiais especializados na luta anti-terrorista, e uma louca
irresponsabilidade dos «órgãos de comunicação». Na realidade, esta
inverosimilhança é tão grande que se torna impossível admitir que o
terrorismo é aquilo que pretende ser.
Basta uma análise superficial dos empreendimentos terroristas nos últi-
mos cem anos para nos revelar a sua ineficácia quase total, tendo em
conta os critérios políticos estabelecidos pelos próprios terroristas. lnclu-
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sive o terrorismo de Estado, com os bombardeamentos de Londres em
1940, os de Dresda ou as bombas nucleares lançadas sobre Hiroshima e
Nagazaki em 1945, ou, com os bombardeamentos em Bagdade, antes da
invasão do Iraque, não conseguiram desassociar as populações civis dos
seus governos, pelo contrário. Daí ser necessário acreditar que esses
atentados terroristas tinham outros objectivos políticos (os de Hiroshima e
de Nagazaki, por exemplo, tinham por finalidade verosímil a de impressio-
nar Estaline no decorrer das negociações pela partilha do Mundo).
Em relação ao terrorismo nacionalista ou independentista, será preciso
reafirmar que não foram os maquis que libertaram a Europa da tutela
nazi durante a Segunda Guerra Mundial, mas, os exércitos aliados apoia-
dos pela potência económica americana. Teriam eles ganho com tanta
eficácia sem os maquis? Também não foi o terrorismo do FLN que libertou
a Argélia do colonialismo francês, mas sim, a reestruturação neo-colo-
nialista do capitalismo mundial que exigiu ao gaulismo esta aparente "in-
dependência" política em que o FLN foi o porta-estandarte, isto é, o
fim da velha e privilegiada dependência da Argélia ao capitalismo regional
francês. Quanto aos movimentos separatistas actuais, basco, irlandês,
checheno, arménio, curdo, ou outros, não vemos que tenham obtido
com seus métodos os objectivos a que se propunham, além daqueles
que interessavam aos seus inimigos.
Da mesma forma, conhecemos bem as constantes reveses do terro-
rismo revolucionário. Os lançadores de bombas do século XIX, na Rússia,
na América ou na Europa, não conseguiram de modo algum ganhar para
a sua causa a opinião pública da sua época, foi o inverso que aconteceu.
Quanto aos terroristas esquerdistas europeus dos anos 70 - italianos,
alemães, belgas ou franceses -, também eles não atingiram nenhum dos
objectivos que pretendiam, mas, em contrapartida, obtiveram o reforço
dos controles policiais e a aprovação de leis repressivas contra a po-
pulação dos respectivos países.
A mesma coisa acontece com o actual terrorismo islamista, sob os
seus aspectos nacionalistas, revolucionários ou religiosos. Os seus pro-
cedimentos permitiram, no Afeganistão, a ocupação Americana do país,
enquanto, na Chechénia, possibilitaram o reforço da presença militar
russa. Os atentados na Argélia, no Egipto ou na Indonésia, somente
conseguiram obter um endurecimento do controle e da repressão contra
populações civis que, com a sua agitação, ameaçavam a ordem pública.
E os atentados cometidos nos países Europeus provocaram uma vigi-
lância mais meticulosa das populações muçulmanas.

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A esse comportamento aparentemente inconsequente dos terroristas a-
cresce, desde sempre, uma surpreendente impotência, mais ou menos
prolongada, da polícia, das brigadas anti-terroristas e dos serviços de
vigilância, que supostamente devem contrariar os seus empreendimentos.
Parece que os inimigos do Estado se organizam em grupos locais, re-
gionais, nacionais, transnacionais, sem que a polícia pareça suspeitar.
Sem qualquer problema, conseguem adquirir explosivos, armas de guerra,
e, na sombra, preparar atentados criminosos. Executam-nos debaixo do
nariz e da barba dos governos. Após as suas façanhas, os organizadores
desaparecem para, um pouco mais longe e um pouco mais tarde, re-
começarem. Assassinam chefes de Estado ou diplomatas, personalidades
em geral permanentemente vigiadas e protegidas por serviços especiali-
zados. Destroem com explosivos modernos edifícios militares ou civis.
Transportam furtivamente stocks de armas para a cidade, introduzindo-as
em locais oficiais, de seguida, e com os «órgãos de comunicação» a-
tentos, cometem um crime espectacular em nome de reivindicações
frequentemente vagas e sempre inaceitáveis, cujo crime, obviamente,
não justifica. Aparentemente, esses grupos terroristas não são vigiados e
infiltrados por polícias ou por agentes de informação. Sem levantar sus-
peitas, podem adquirir armas e explosivos, proceder à sua circulação e
colocá-los onde pretendem cometer os seus monstruosos empreendi-
mentos. A policia nunca sabe onde eles estão, nem está informada do
que andam a preparar, até ao momento em que um atentado vira do
avesso os espectadores ensanduichados entre os seus entristecidos
representantes.
A esta fenomenal incompetência da polícia, dos serviços de informação
e das equipas de contra-terrorismo, associada à enorme estupidez dos
terroristas quanto aos resultados que dizem pretender alcançar com suas
criminosas operações, é ainda necessário acrescentar a louca irres-
ponsabilidade dos «órgãos de comunicação», que parecem servir com
prazer os empreendimentos terroristas. O objectivo de um atentado é
sempre a publicidade, em primeiro lugar, para aqueles que desejamos
inquietar, a seguir, para aqueles de que esperamos solidariedade. Dar
a conhecer a possível grandeza do crime e a causa para a qual se
comete, são os únicos objectivos práticos deste género de operação. Não
podemos senão ficar assombrados pelos consideráveis esforços dos
«órgãos de comunicação» para servir os desígnios terroristas. É na
primeira página dos quotidianos de grande tiragem que são publicadas
as ameaças e as reivindicações dos terroristas. Os jornais consagram-Ihes
exposições circunstanciadas, por vezes acompanhados de fotografias
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edificantes. Nas informações televisivas, o último atentado islamista, ou
somente o projecto abortado de um tal atentado, ocupa um lugar pri-
vilegiado. As crises de vários dias provocadas por certas operações
terroristas, são expostas de hora em hora por jornalistas febris, e, com
muito "profissionalismo", a inquietude é alimentada por meio de detalhes
aterradores ou macabros. Não podemos negar que os jomalistas trabal-
ham francamente para os terroristas, cujas operações publicitárias são
bem acolhidas por «órgãos de comunicação» loucamente inconscientes,
ou, incomensuravelmente vis.
Esta história do terrorismo, onde se interpelam e digladiam diversos ac-
tores - criminosos, polícias e jornalistas -, tão incompetentes no seu
papel que parecem atraiçoar sem cessar a causa para a qual dizem tra-
balhar, é, efectivamente, aquela que, depois de cada atentado, os «órgãos
de comunicação» nos presenteiam. No entanto, ela contém insuperáveis
improbabilidades. A total ausência de bom senso e de lógica elementar
do lançador de bombas, daquele que metralha a multidão, do herói da
granada explosiva ou do degolador, é certamente verosímil e credível A
exaltação ideológica ou o delírio pseudo-religioso podem conduzir a todo
o tipo de crimes, tanto o heroísmo individual, como os assassinatos em
série, estão presentes em todas as sociedades humanas. Esses tipos de
paixões conseguem apossar-se, segundo as circunstâncias históricas, de
indivíduos jovens ou menos jovens, e, desde sempre, contribuíram para
construir a história da humanidade através das suas guerras, revoluções
e contra-revoluções. Não podemos, pois, ficar surpreendidos quando um
indivíduo dispara indiscriminadamente ou um kamikaze exploda no meio
da multidão, cometendo actos cujos resultados políticos serão exactamen-
te opostos àqueles que pretendem alcançar. Mas, não são esses indivíduos
que negoceiam no mercado internacional das armas, que organizam cons-
pirações, que realizam operações minuciosas, sem se darem a conhecer
ou serem detidos antes de cometerem crimes. Os empreendimentos ter-
roristas são concebidos por espíritos duma espécie distinta da dos e-
xecutantes. Exigem qualidades de organizadores e de estrategas, mais
próprios à política do que ao heroísmo. Os que preparam os atentados
terroristas não ignoram, obviamente, as consequências políticas dos
seus actos, de todo contrárias às suas proclamadas reivindicações. E,
são somente esses efeitos políticos aquilo que procuram.
A incompetência da polícia e dos serviços de informações, declarada
depois de cada atentado terrorista, por essa polícia e por esses serviços,
os seus mea culpa recorrentes, as razões invocadas dos seus reveses,
fundados sobre a insuficiência dramática de créditos ou de coordenação,
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também não deviam poder convencer ninguém. A primeira tarefa dum
serviço de informações, e a mais evidente, é de fazer saber que não
existe ou, pelo menos, que é muito incompetente, não havendo, assim,
lugar para se ter em conta a sua existência. Mas, toda a história do nosso
último século mostra que esses serviços existem mesmo, e foram sempre
muito competentes e eficazes. Hoje, estão tecnicamente mais bem equi-
pados do que alguma vez já o estiveram. Todo o indivíduo notoriamente ini-, ••
migo da organização social ou política do seu país, qualquer grupo de .;:f
indivíduos constrangidos a declarar-se nessa posição adversa (e como
podem guardar segredo absoluto daquilo que constitui a própria
condição de recrutamento dos seus membros?), são conhecidos de
vários serviços de informação. Tais grupos estão constantemente sob
vigilância, são conhecidas as suas comunicações internas e externas.
São de imediato infiltrados por um ou vários agentes, por vezes, ao mais
alto nível de decisão, e, nesse caso, muito facilmente manipuláveis.
Mais adiante, exemplos históricos irão ilustrá-Io. Qualquer grupo de
oposição, deve estar advertido disso e vigiar para que essa inevitável
conjuntura não traga danos à causa que serve - o que é de todo com-
patível com uma actividade revolucionária, mas não com uma actividade
terrorista, tal como é representada no palco mediático. Este tipo de vi-
gilância implica que qualquer atentado terrorista, seja ele fundamentalista
islamista, independentista, esquerdista ou tresloucado, tenha sido con-
sentido pelos serviços encarregados da vigilância do grupo que o rei-
vindica. Inclusive, por vezes, o atentado é facilitado, e, quando a sua
execução exige meios que se encontram fora do alcance dos terroristas,
apoiado com ajuda técnica, ou, inclusive, claramente decidido e organiza-
do por esses mesmos serviços. Uma tal complacência é aqui de fado lógi-
ca, considerando os efeitos políticos e as reacções previsíveis desses
atentados criminosos. Sem mesmo fazer referência aos numerosos exem-
plos históricos desta benevolência e deste zelo, muita gente pôde fazer
tais reparos depois dos atentados de Setembro de 2001 contra os buildings
de Manhattan e do Pentágono. Os serviços de informações americanos,
que afirmaram que não sabiam de nada, estavam tão informados nas horas
que se seguiram aos atentados, que puderam nomear os responsáveis e
os executantes, difundir relatórios de comunicações telefónicas e nú-
meros de cartões de crédito. Esta imprudência esteve à altura do crime.
Várias obras foram publicadas, desta vez afirmando que o mais mons-
truoso atentado terrorista da história civil tinha sido simplesmente fo-
mentado e executado pelos serviços secretos americanos.

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Quanto à irresponsabilidade dos «órgãos de comunicação», sempre
felizes em concorrer com os esforços publicitários do terrorismo, é evi-
dente que não são credíveis. Os grandes órgãos de comunicação de mas-
sas servem os seus donos, do Estado ou privados. Em França, por exem-
plo, nenhum jornal protestou, em 1986, contra as afirmações mentirosas
do governo francês, garantindo ao público que a nuvem radioactiva de
Tchernobyl não tinha de modo nenhum contaminado o território francês
(será que os jornalistas franceses não lêem, no mínimo, os jornais es-
trangeiros que a este respeito foram perfeitamente claros?). Em contra-
partida, todos os «órgãos de comunicação» do mundo ocidental fabricaram
as suas informações sobre a primeira guerra do Golfo, a partir das únicas
baboseiras fornecidas pelo estado-maior da NATO. Mais tarde, eles pró-
prios tiveram o descaramento de confessá-Io. Os órgãos de comunicação
de massas estão ao serviço dos seus proprietários, e, isso é o mínimo
das coisas. Em matéria de terrorismo a sua função é dupla. Em primeiro
lugar, consiste em dar a conhecer os atentados àqueles de que espera-
mos reacções politicamente vantajosas. A seguir, mais geralmente, a
creditar as três improbabilidades assinaladas anteriormente: a inconse-
quência trágica dos terroristas, a incompetência dos serviços de infor-
mação e, é claro, o seu próprio papel de simples informadores.

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A Máfia histórica, habitualmente comentada pelos jornais onde sempre
se anuncia o seu eminente desaparecimento (cada vez que um esforço
de modernização a obriga a eliminar os seus membros mais antigos e a
modificar alguns dos seus métodos tornados arcaicos e inoperantes),
apareceu, na Sicília, no início do século XIX, com o despoletar do capita-
lismo moderno. Esta associação, de antigos polícias e bandidos, hoje com-
pletamente banal, foi inicialmente utilizada pela aristocracia latifundiária
siciliana para travar o desenvolvimento do novo capitalismo industrial e
financeiro que a ameaçava com a ruína. Tratava-se simultaneamente de
manter a ordem, quer dizer a renda fundiária, contra as forças populares,
e de recusar oferecer o poder real ao novo Estado industrial. A Máfia es-
forçou-se, pois, em eliminar praticamente o Estado moderno das suas
atribuições governamentais, administrativas, judiciais e policiais, a fim de
assegurar, ela própria, essas funções em proveito da antiga ordem. Ela
foi o modelo, num momento em que a história andava depressa, duma
organização contra-revolucionária promovida por uma classe dirigente
ameaçada.

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A fim de realizar estas duas tarefas, manter a ordem e desapossar o novo
Estado, os mafiosos tiveram de convencer, com brutalidade, a população a
aceitar a sua protecção e o seu governo oculto, exigindo-Ihe, em troca, a
submissão. Um sistemade im~o~içã0clirecto~in~irecto (sobre todas as
transações comerciais) permitiuflhe~finâÍ'lbiar1stlmpttlosamenteo seu fun-
cionamento e expansão. Para tanto, a Mátia organizou e executou aten-
tados terroristas contra indivíduos e empresas que recusavam a sua tutela
e a sua justiça. Era já, então, o mesmo escritório que organizava a protecção
contra os atentados e os atentados para impor a sua protecção. O recurso
a uma outra justiça que não fosse a sua era severamente reprimida, o
mesmo para qualquer revelação intempestiva sobre o seu funcionamento
e sobre as suas operações. Quanto à ordem que, em lugar do Estado, a
organização impunha, estava em conformidade com os interesses dos
grandes proprietários de terrenos, os quais tinham apoiado o seu nas-
cimento e desenvolvimento.
O sucesso da Máfia foi grande, conseguindo com facilidade sobreviver
após o desaparecimento dos seus primeiros mestres históricos. Empresa
governativa desde a sua fundação, impôs-se através de métodos ter-
roristas nos circuitos marginais das grandes cidades americanas, apo-
derando-se, para além dos comércios normalmente controlados pelo
Estado - proibidos ou reservados -, do tabaco, dos jogos do acaso, da
prostituição, das drogas, o que iria proporcionar-lhe uma riqueza con-
siderável.
Esta nova usurpação, num domínio praticamente do Estado, não iria
ser a última. Ao mesmo tempo que concorriam com o Estado legal, os
mafiosos começaram a conquistar, através de procedimentos terroristas e
também por meio das suas novas riquezas, certos postos administrativos e
govemamentais. Essas posições permitiram-lhe, em primeiro lugar, paralisar
qualquer acção judicial, económica ou legislativa, dirigida contra ela pró-
pria, ulteriormente, depois de ter abatido os velhos quadros obsoletos e
eliminado os métodos arcaicos da organização, modemizar-se e controlar
novos domínios, construção, armamento, energia. Foram os primeiros
processos estridentes contra a Mátia e, ainda hoje, cada vez que ouvimos
falar duma operação policial de envergadura contra a "honrada sociedade",
podemos estar seguros que se trata da sua modernização e da eliminação
de velhos jarretas que não compreenderam a tempo que o Estado é do-
ravante "r~pE:l~~veln.Sucessos tão notáveis não podiam deixar de seduzir
outros homén'spOlític()ê;;:Vi[l99.Ss:dos'!n~g9c::j9sPud~qutros ,lados, mos-
trando-Ihes como o Estaâô"môderno possúíâ''Osmeiosnecessários para
resistir ao movimento dissolvente da História graças ao terrorismo mafioso,
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utilizado em proporções cada vez maiores. Tanto assim é que, hoje, já não
tem interesse revelar a origem mafiosa deste ou daquele político, homem
de negócios ou chefe de Estado. Todo o Estado moderno, constrangido
a defender a sua existência contra populações que duvidam da sua le-
gitimidade, é levado a utilizar os métodos experimentados da Máfia histórica
e a irnpor-lhes esta escolha: terrorismo ou protecção do Estado.
No entanto, o extraordinário sucesso da Máfia e dos seus procedimentos,
não deve fazer esquecer as suas origens (incubada e patrocinada por
desajeitados sicilianos), e, como cresceu sob a asa protectora dum poder
em ruína. Apesar do que podem fazer crer os seus sucessos políticos, não
foi a Máfia que subverteu o Estado moderno, mas foram, em todos os
tempos, os Estados tirânicos que congeminaram e utilizaram os métodos
da Máfia. Alguns exemplos o ilustrarão sem dificuldade.
Em primeiro lugar, é conveniente rejeitar aquilo que periodicamente
os jornais relatam, certas acusações de terrorismo em relação a indivíduos
ou a grupos apanhados com armas, explosivos, planos de atentados,
finalizando com o aprisionamento dos culpados e com o "desmantela-
mento duma vasta rede terrorista".
Em 29 de maio de 1890, em Paris, uma busca numa casa de refugiados
russos permite de apreender explosivos e diversos documentos que não
deixam dúvidas sobre os seus projectos terroristas. Os refugiados são
imediatamente detidos. Os documentos apreendidos permitem a prisão
de muita gente comprometida, fazer outras buscas e abrir inquéritos contra
sessenta e quatro pessoas. No momento do aprisionamento um dos in-
culpados, Landesen, tinha conseguido fugir e nunca mais foi encontrado.
Vinte anos depois tomou-se público que esse tal Landesen era um agente
da polícia czarista. Infiltrado nas redes de oposição russa no estrangeiro,
Landesen tinha depositado, a 28 de Maio, em casa dos seus "camaradas"
os explosivos e os documentos que a polícia descobriu. No decorrer do
processo, o advogado dos refugiados, Millerand, revelou que a policia
francesa tinha voluntariamente deixado fugir esse tal Landesen, seguindo
instruções precisas do próprio ministro do interior. A aliança franco-russa
funcionava asseadamente. Mais tarde, esse Landesen foi promovido a
conselheiro de Estado, enobrecido, e, ocasionalmente, encarregado de
assegurar a segurança da fam ília imperial russa 1•
Mais recentemente, em 28 de Agosto 1982, três membros de uma
organização separatista irlandesa são detidos em Vincennes. O seu apar-
tamento é revistado pela polícia francesa, sob a direcção da "célula

1 Henri Rollin, L'Apoca/ypse de Notre Temps, Paris, AIlia, 1991.

15
antiterrorista" do Eliseu. Armas e explosivos são descobertos no local,
permitindo inculpar os Irlandeses. Mas, três anos mais tarde, em Outubro
de 1985, a indiscrição de um dos polícias revela que as armas e os explo-
sivos apreendidosti.nhªm,~icigo~· ~lq§,)pr,Qpriospolícias. O co-
mandante dessa' opePc:lÇão~;éf~·~~ã'. "t~mes~i:dê1'prisãocom pena
suspensa. A partir daí, a câmara de instrução do supremo tribunal de justi-
ça de Versailles decidiu anular o conjunto do processo e arquivar o dossiê".
Estas duas operações testemunham, com um século de inteNalo, aquilo
que hoje chamamos de colaboração dos Estados em matéria de terrorismo
e põem em evidência a continuidade de uma manobra política independente
dos governos no poder.
Verdadeiros atentados são também realmente perpetrados por autênticos
terroristas que nunca recusam os seus crimes e as razões que os ani-
maram, mesmo diante de pesadas condenações, mesmo perante a morte.
No decorrer de 1880, em França, dez anos depois da Comuna de Paris,
a agitação social voltava a tomar-se inquietante. Era urgente acabar de ma-
neira enérgica com as greves e a insubmissão operária, se fosse necessário
através da força armada. Era preciso amordaçar os órgãos de imprensa,
deter os dirigentes mais activos, fazer leis de excepção. E, antes de tudo,
era necessário aplicar-se a fazer com que os parlamentares (que estavam
não só reticentes mas também desconsiderados pela opinião pública por
via do recente escândalo do Panamá) aprovassem as leis de excepção.
É então que, em 8 de Dezembro de 1893, o anarquista, Auguste Vaillant,
lança no parlamento uma bomba artesanal cuja explosão provoca nume-
rosos ferimentos, felizmente ligeiros. Este atentado espectacular era des-
tinado, segundo o seu autor, a arrancar reformas sociais aos responsáveis
políticos. No dia seguinte Vaillant foi preso, um mês depois era condenado
à morte, e decapitado três semanas depois.
No dia a seguir ao atentado, os deputados votavam, numa só sessão e
sem discussão, uma série de leis sobre a imprensa e sobre as "asso-
ciações de malfeitores", foram atribuídos à polícia poderes extraordinários,
numerosos jomais foram retirados, outros proibidos nos quiosques. Vários
mandatos de captura foram 'emitidos e mais de sessenta pessoas foram
detidas. Evidentemente, qualquer critica visando os parlamentares foi
imediatamente considerada suspeita de complacência para com o anar-
quismo e o terrorismo.

2 Le Monde, 25 Janeiro de 2002.


16
Foi preciso esperar trinta e três anos para esclarecer esta história ma-
ravilhosa3. Com a publicação, em 1926, dos "Souvenirs de polire' (Memórias
de polícia) do comis$$rio R~yn?llJq,~.,~, a testemunha ouvida
pelo c()mi~~ár;.ic.>;:),19$q:~".:~~~;l;tir;~~:gi<.··Y-
"~'l\~~so ti.nha s~do
montado pela;pohclaYAugu~ê~VaIR ".evoltado, tinha sido
manobrado. A polícia libertou da prisão um "camarada" que, de imediato,
foi ter com Vaillant e lhe entregou um explosivo fomecido pelo laboratório
da prefetura de polícia. Esse "camarada", pouco antes do atentado, foi
novamente preso para ficar livre das investigações. No decorrer do seu
curto processo, o acusado tinha certamente "confessado" que um "me-
cenas" lhe tinha dado dinheiro para alugar um quarto em Paris para aí
confeccionar a bomba, inclusive, tinha sido ele a fornecer os principais
elementos. Mas, a policia não fez qualquer esforço para encontrar esse
mecenas e o tribunal não teve em conta a declaração.
Assim, este atentado, cometido por um verdadeiro terrorista que se pron-
tificou a reconhecer até ao fim o seu crime, foi o instrumento perfeito das
facções do governo que tinham necessidade duma atitude mais repres-
siva para reforçar o aparelho policial e sufocar a agitação social.
Este género de operação não é de maneira nenhuma excepcional.
Quarenta anos mais tarde, a 30 de Janeiro de 1933, Hitler é nomeado
chanceler da Alemanha e chefe do poder executivo. Tem dois adversários
potenciais: o Reichstag, que vota sozinho as leis, decreta o orçamento
e decide da guerra; o partido comunista, que, no meio do marasmo eco-
nómico da época podia levantar-se inopinadamente e ser um perigoso
concorrente. A 22 de Fevereiro, Goering, então presidente do Reichstag,
atribui às S.A. funções de polícia auxiliar. A 23, a policia revista a sede.
do partido comunista e "descobre" um plano de insurreição armada que
previa a tomada de reféns, mú~iplos atentados e envenenamentos colec-
tivos. A 27 de Fevereiro, um militante esquerdista, Van der Lubbe, in-
troduz-se sem dificuldade no Reichstag e, com alguns fósforos, acende aí
vários focos de incêndio. O fogo alarga-se tão rapidamente que o edifício
é destruído. O incendiário é detido no local, condenado à morte e de-
capitado. No decorrer do processo, Van der Lubbe afirmou ter agido
sozinho, e parecia não haver dúvida que estava a ser sincero. Todavia,
todos os peritos, técnicos e bombeiros, testemunharam que um tal in-
cêndio não podia ser obra dum único homem. Afirmaram que o parlamento
tinha sido previamente regado com matérias inflamáveis e que uma equi-
pa, constitulda, no mínimo, por sete indivíduos, tinha participado no incêndio.

3 Henri Rollin, obra citada.

NI!NlnJIU~S 17
Mais tarde, antigos nazis e antigos co-réus do processo confirmaram o
papel das S.A. neste atentado', Logo no dia a seguir ao incêndio, vários
milhares de eleitos e de militantes comunistas foram detidos, o estado
de emergência foi decretado, o partido comunista proibido. Quinze dias
depois, os nazis ganham as eleições para o Reichstag, Hitler obtém plenos
poderes e, a partir de Julho de 1933, proíbe todos os outros partidos.
Um século depois do caso Vaillant, em 1993, um novo governo francês
toma posse e o seu ministro do interior, Charles Pasqua, propõe uma
reforma visando "construir uma polícia apta a afrontar as turbulências do
século XXl2 ", com efeito, turbulências previsíveis. Sucintamente tratou-se
de generalizar a vídeo-vigilância do país, dissimular câmaras na via pú-
blica, legalizar rusgas e buscas sem mandatos do ministério público e,
antes de qualquer manifestação, deter um certo número de pessoas. O
ministério previa, entre outras medidas, a construção de 150 novas esqua-
dras, a criação de 5.000 empregos na polícia, aumentando o orçamento
policial em dez mil milhões de francos (ou seja, um aumento de 70%). Um
tal projecto não podia ser aceite sem provocar numerosos protestos. Para
conseguir esvaziá-Ia do seu conteúdo, foram propostas um grande nú-
mero de alterações.
É então que, em 4 de Outubro de 1994, dois jovens ocupas libertários,
Audry Maupin e Florence Rey, «imbuídos por teorias revolucionárias extre-
mistas», assaltam um depósito de armas. No decorrer da perseguição que I
se seguiu, morrem quatro pessoas, três polícias e Maupin. Florence Rey
é presa.
Uns dias depois desse assalto, em que todos os «órgãos de comunicação»
foram zelosos noticiaristas, a Assembleia Nacional votava, com urgência,
as medidas policiais propostas pelo ministro do Interior, conseguidas se-
gundo o esquema usado no caso Vaillant.
No decorrer da instrução do processo, várias testemunhas afirmaram
terem visto no local do assalto um terceiro homem que fazia o papel de
vigia. Após 15 meses de silêncio, Florence Rey reconheceu que essa
personagem tinha fornecido uma espingarda para a operação. A per-
sonagem era Abdelhakim Dekhar e tinha vinte e nove anos. Dekhar,
não negou ter comprado a arma utilizada no decorrer do tiroteio, mas
pretendeu desconhecer Maupin e Florence Rey. Só declarou «fazer
parte da segurança militar argelina» e estar encarregado, desde 1990,

1Charles Bloch, La nuit des longs couteaux - 30 de Junho de 1934 : Hitler liquide les siens,
Paris, Julliard, 1967.
2
Le Monde, 23 de Junho 1994.
18
de infiltrar as redes terroristas istâmicas2. O que: é que andava a fazer a
segurança militar argelina num banal caso de assalto? Foi por causa de
jovens tresmalhados que a policia francesa necessitou aumentar o orçamen-
to, construir mais 150esquqdrª~.e,inçqr,g;~,Uª{!Jlil:ais~5.000 polícias?
Para terminar a abordagém>a·esfegénero de terrorismo "individualista",
relembremos o atentado de Oklahoma City. A 19 de abril de 1995, um
veterano da guerra do golfo, Timothy Mc Veigh lança contra o edifício do
F.B.I., em Oklahoma City, um camião carregado de adubos químicos e
gasolina. O edifício desmorona-se, houve 168 vitimais. Durante a instrução
do processo Mc Veigh declarou ter ficado escandalizado pelo assalto
efectuado pelo F.B.I., dois anos antes, a uma seita adventista do Texas
e no qual morreram mais de 80 membros da seita, dos quais 27 crianças.
Revoltado, Mc Veigh tinha então partido sozinho para a guerra contra
o F.B.1. No final do julgamento, amplamente mediatizado, foi executado
diante das câmaras de televisão americanas com uma injecção letal.
Depois do atentado, 58% dos Americanos concordavam em renunciar a
certas liberdades para travar o terrorismo". Na efervescência popular ali-
mentada pelos «órgãos de comunicação», o presidente Clinton assinou o
triste antiterrorism act, autorizando a policia a cometer múltiplas infracções
à constituição americana, e criando uma força armada de intervenção e
de desdobramento rápido de 2.500 homens sob a autoridade pessoal
do procurador-geral investido de poderes ditatoriais.
À vista da devastação causada pelo atentado, o general Partin afirmou
que, «este tipo de estragos seria tecnicamente impossível sem cargas
explosivas suplementares na base de certos pilares de betão». Samuel
Cohen, o pai da bomba de neutrões, tinha confirmado: «É absolutamente
impossível e contra as leis da natureza, que um camião cheio de adubos
e de gasolina (...) faça ruir o edifício». Dois peritos do Pentágono, vieram
especificar que esta destruição tinha sido «provocada por cinco bombas
distintas», e concluíram que, o papel de Mc Veigh neste atentado foi o
de «idiota de servíços".
No decorrer do processo, Mc Veigh reconheceu ter sido abordado por
membros dum «grupo de forças especiais em actividades criminosas». O
F.B.1. nem os encontrou nem os procurou. Porém, a policia federal es-
condeu do tribunal tantas informações que o senador Danforth ameaçou
o director do F.B.1. com um mandato de busca, coisa que, infelizmente,

3 Le Monde, 16 de Fevereiro de 1996 e 19 de Setembro 1998.


4 Gore Vidal, La Fin de Ia Llberté: Vers un Nouveau Tofalitarisme? Paris, Rivages, 2002.
5 .
Gore Vidal, obra citada.
19
não obteve. Gore Vidal afirma sem hesitar:«Existem provas duma ma-
quinação implicando milícias e agentes infiltrados do governo (...) con-
seguindo assim que Clinton assinasse o infame antiterrorism ects".
Não foi, sem dúvida, somente para neutralizar futuros Mc Veigh que
o governo americano precisava dessas leis anti-constitucionais e dessa
força armada especial. O director do F.B.I. reconheceu que o seu gabinete
estava muito preocupado com «certos indivíduos e certas organizações,
desconfiando de conluios à escala mundial de indivíduos organizados
contra os Estados Unidos?».
Nos exemplos precedentes, atentados terroristas foram cometidos por
indivíduos aparentemente isolados e sinceros. Esses atentados permitiram
fazer aprovar leis repressivas e reforçar a polícia em momentos em que a
desobediência civil podia impedir esses projectos governamentais. No
decorrer dos processos, índices claros indicaram que esses terroristas
foram manipulados e tecnicamente assistidos por forças secretas, uma
vez que, não é assim tão fácil para um particular encontrar detonadores,
armas de fogo pesadas ou cargas explosivas capazes de rebentar o
edifício do F.B.1. Da mesma forma que não é assim tão fácil incendiar
o Reichstag com fósforos, se não foi previamente regado com substâncias
inflamáveis. Todavia, outros atentados do mesmo género não permitem
chegar à mesma conclusão, pois, os terroristas são com frequência a-
batidos no terreno, ou, após a «caça ao homem», e não têm qualquer
hipótese de fazer revelações indiscretas à justiça.
A maior parte dos actuais atentados terroristas não são cometidos por
indivíduos isolados, tecnicamente mal equipados e facilmente manipuláveis,
mas por grupos fortemente organizados, operando em grande escala,
cuja direcção escapa sempre à justiça, reincidindo noutros locais e mais
tarde. A este propósito, vamos também dar alguns exemplos históricos.
No início do século XX, na Rússia dos czares, uma forte organização
terrorista, a Organização de Combate dos Revolucionários Sociais, co-
metia numerosos atentados contra a classe dirigente russa, aristocratas e
funcionários do governo. Os seus membros lançavam-se com a bomba
sobre a vítima e morriam no atentado. O chefe dessa organização re-
volucionária era o engenheiro Yerghe"i Filipovitch Azev. Este, cuidado-
samente preparou, organizou e mandou matar alguns grão-duques, meia
dúzia de governadores, bem como, o ministro do Interior, o presidente
da Duma e, inclusive, o director da Okhrana (polícia secreta).

6 Gore Vidal, obra citada.


7 Gore Vidal, op. Cito
20
A policia era advertida das mínimas deslocações e das actividades dos
terroristas. Membros da organização eram detidos, enforcados ou exila-
dos. Um inquérito, dirigidopelos Jevoluc;j9n.ártp~<?pelo seu próprio chefe,
revelou que o bufo;ullJccerto;~~!ªf,(jí~:;~~t~~la~~a:l1tê{do"comitécentral da
organização. Foi então abatido pêlOSconiurados e, uns anos mais tarde, o
ministro Stolypine revelou que Tatarov trabalhava para a polícia. No en-
tanto, as detenções continuaram e os conjurados ficavam sem suspeitos.
Então, Azev, o chefe da organização, fugiu para longe do alcance dos con-
jurados sob protecção policial. Mais tarde, na Duma, Stolypine respondeu
às questões da facção social-democrata: «Azev tinha sido recrutado como
colaborador da polícia em 1892». O governo dava-lhe um salário de ca-
torze mil rublos 1. Do terrorismo dessa época, Enzensberger observa pre-
cisamente que, «os agentes secretos do czarismo desempenharam um
papel tão importante que se toma impossível separar a história da revolu-
ção, das provocaçõess". Hannah Arendt condui: «A tradição da revolução
russa de 1917 é, numa parte bastante substancial, um sucedâneo da
polícia secreta russa'». ::,;_
Esta forma de terrorismo mantém-se incompreensível para quemc1;ê
firmemente que a dasse dirigente de um país, ou de uma época, forma
uma unidade indissociável e totalmente solidária. Na realidade, interesses
opostos, afrontamentos pelo poder entre diversos grupos políticos, podem
levar, com a finalidade de aterrorizar uma facção adversa, ao assassinato
dum Czar, dum presidente americano, dum primeiro-ministro italiano ou
israelita, dum chefe de estado egípcio. É muitas vezes possível mandar
executar tais assassinatos através de grupos terroristas manipulados.
Assim, no caso do terrorismo russo, responsáveis políticos ao mais alto
nível faziam-se mutuamente desaparecer, como sabemos, por exemplo,
com a tentativa do coronel Degaiev de assassinar através de terroristas o
ministro do Interior, ou, pelos assassinatos conseguidos do ministro Plévé
(1904) e do grão-duque Sérgio (1905), "inspirados" aos revolucionários
pelos serviços da Okhrana".
Durante os anos 70, do século XX, a Itália estava à beira de uma re-
volução social. Greves, ocupações de fábricas, sabotagem da produção,
recusa de qualquer representação sindical, requestionamento da orga-
nização social e do próprio Estado, tudo isso parecia não poder ser su-

1 Henri Rollin, ob. cito


2 Hans Magnus Enzensberger, Les Rêveurs de L'absolu, Paris, Allia, 1998.
3 Hans Magnus Enzensberger, ob, cito
4 Vladimir Bourtsev, revista Bi/oe, 1918, in Henri Rollin, ob. cito
21

.l
focado pelos métodos habituais de propaganda e de força policial. Foi
então que, atentados terroristas, destinados a provocar numerosas vítimas,
atribuídos pela imprensa a um grupo "revolucionário", as Brigadas Ver-
melhas, vieram transtornar a opinião pública italiana. Esta situação per-
mitiu ao governo tomar diversas medidas legislativas e policiais: as
liberdades - de expressão, de associação - foram suprimidas sem re-
sistência. Muitas pessoas, entre as mais adivas do movimento revolucio-
nário, foram detidas. Finalmente, a agitação social estava dominada.
Mais tarde, depois de tudo voltar à calma, o inquérito revelou que este
ou aquele atentado tinha sido executado por um grupúsculo neo-fascista
inspirado por elementos "incontrolados" da polícia, um ou outro por um
partido conservador, para produzirem a reviravolta política.
No que diz respeito a outros grupos terroristas europeus dos anos 70 e
80, do séc. XX, esquerdistas e independentistas, não há dúvida, tendo
em conta o modo de recrutamento e de funcionamento desses grupos,
que estavam infilírados por informadores de diversas polícias. As infor-
mações de que dispunham podiam favorecer ou impedir certos atentados,
provocar confrontos sangrentos com a polícia (por exemplo, no decorrer
de controles rodoviários ou graças a ciladas em moradias), e permitir, com
o suporte "Iogístico" dos «órgãos de informação», diabolizar na opinião
pública não somente o próprio grupo, como as reivindicações que de-
fendiam. Não devíamos espantar-nos em saber, alguns anos depois do
desaparecimento desses grupos, que as Brigadas Vermelhas italianas
eram manipuladas pelos serviços de informações müítares", ou, que
um advogado da Fracção do Exército Vermelho alemão recebeu cento
e vinte mil marcos alemães de uma polícia política",
A mesma coisa se passa com o actual terrorismo islamista. A infiltração
dos Grupos Islâmicos Armados (GIA) pela segurança argelina é conhecida
pelos serviços de informações ocidentels". Assim, em Dezembro de 1994,
depois do desvio dum avião airbus por um comando dos GIA, o pri-
meiro-ministro francês declarou francamente «atribuir a Alger a res-
ponsabilidade» do atentado". Do mesmo modo, depois dos atentados
no Verão de 1995, em Paris, com o saldo de oito mortos e duzentos
feridos - atentados atribuídos a dois islamistas dos GIA - o ministro do

5 Actas do tribunal de cassação relativos ao atentado da esta-ção de Bolonha, audiência de, 23


de Novembro de 1995.
6 Le Monde, 20 de Fevereiro de 1993.
7 Liberatíon, 1 de Novembro de 2002.
8 Liberatíon, 1 de Novembro de 2002.

22
Interior francês, bem colocado para saber do que fala, declarou reconhecer
a mão dos serviços secretos Arçelinos". De resto, o "Ernir" dos GIA,
responsável pelos atentados cometidos em França, era tão conhecido
como agente da segurança argelino e defendido pelo governo de Alger,
que este acabou por declarar a sua morte em 1998 10.
Por fim, uma última forma de terrorismo difere um pouco das precedentes.
Trata-se sempre, para uma facção política, de manipular grupos terroristas
com vista a provocar uma reviravolta vantajosa da opinião pública, mas aqui,
o objectivo já não consiste em reforçar os dispositivos policiais para conter
uma agitação social, presente ou previsível, mas sim, desencadear uma ope-
ração militar ofensiva à qual a maioria da nação se opõe com firmeza.
Uma manobra clássica num campo de batalha consiste em colocar as
tropas mais fracas e menos seguras no meio da linha da frente, tropas
condenadas a ser esmagadas e destruídas pelo inimigo que, então, será
encurralado em tenaz entre colunas mais fortes e mais seguras. Os oficiais
e os soldados dispostos ao centro e destinados a morrer, não são aqueles
que mais estimamos, mas aqueles que são mais descartáveis. Assim, esta
manobra permite simultaneamente desfazer um inimigo e suprimir al-
guns dos partidários mais incómodos.
Em1914 Bismarck e Guilherme" desejavam uma guerra Europeia que
resultasse num grande proveito para a Prússia. Tinham, no entanto, de
contar com uma forte oposição na própria Prússia e, em particular, dos
seus aliados Austríacos. Em 28 de Junho de 1914, o Arquiduque Fran-
çisoo-Ferdinando, neto e herdeiro do imperador Austriaco era assassinado
em Sarajevo por um terrorista Sérvio, o estudante Princip. Este aten-
tado, judiciosamente explorado, foi o suficiente para atear a pólvora e
desencadear a I Guerra Mundial. Hoje, ficamos surpreendidos com a faha
de vigilância da polícia imperial aos grupos nacionalistas Sérvios, com o
fado da sua acção ter sido tão imprevisível, e igualmente que o herdeiro
da Áustria ter sido, em tais circunstâncias históricas, tão mal protegido.
Mas, menos surpreendidos ficamos ao repararmos que esse herdeiro,
apresentado como "sombrio" e "violento", exprimia opiniões e projedos
completamente opostos aos do governo imperial em exercício, e, além
disso, tinha ido a Sarajevo no seguimento de uma entrevista com Guil-
herme 11, se calhar por ele próprio instigado, entrevista da qual ignora-
mos o teor. Seja como for, este assassínio permitiu obter a desejada guerra
e fazer desaparecer um herdeiro incómodo.

9
Le Monde, 1 de Novembro de 2002.
10 Libération, 1 de Novembro de 2002.

23
Do mesmo modo em 1939, o séquito do presidente Roosevelt desejava
a entrada na guerra dos Estados Unidos ao lado da Inglaterra para ca-
nalizar uma indústria americana exuberante na direcção do esforço de
guerra e, a longo prazo, preparar um imenso mercado asiático nos EUA.
Mas, esse grupo tinha de lidar com uma opinião pública claramente iso-
lacionista. A 26 de novembro 1941, Roosevelt enviou ao governo japonês
um inverosímil u~imato exigindo «a retirada imediata de todas as tropas
japonesas da Manchuria e da Indochina». a
Japão estava aguilhoado
à guerra. A 7 de Dezembro, a base militar americana de Pearl Harbour
era atacada pela aviação Japonesa, sem ter existido qualquer dedaração
de guerra e sem que os oficiais da base tivessem sido alertados. Em 2
horas, a frota americana do Pacífico era aligeirada de 8 couraçados, 3
cruzeiros, 8 destroiers, 45 aviões e dum grande número de jovens sol-
dados americanos. Este atentado "terrorista" transtomou a opinião pública
e determinou a entrada dos Estados Unidos na /I guerra mundial. brain a
trust tinha a sua guerra.
Depois do ataque algumas questões foram levantadas. Porque é que
Pearl Harbour estava tão mal defendida quando em Janeiro de 1941,
J. Grew, embaixador dos Estados Unidos em Tóquio, tinha informado,
numa carta a Roosevelt, que Pearl Harbour seria o «primeiro alvo» de um
eventual ataque japonês - aviso reiterado, em Agosto de 1941, pelo con-
gressista Dies? a
código secreto japonês era há muito tempo conhecido
pelos serviços secretos americanos, assim como pelos aliados. O al-
mirante holandês Helfrich, entre outros, tinha prevenido Washington do
ataque. Porém, os comandantes de Pearl Harbour não foram advertidos.
A noite precedente à agressão japonesa, Roosevelt reuniu alguns oficiais
na Casa Branca para esperarem o ataque "surpresa" e, uns dias mais
tarde, exigiu deles o silêncio absoluto sobre esse segredo de Estado:
«Meus senhores, isto vai connosco para o túmulo».'
No entanto, houve um inquérito, mas segundo o historiador J. Toland,
«testemunhas pressionadas mudavam os seus depoimentos, dossiês
eram destruídos ou "perdidos", figuras chaves do governo "esqueciam"
onde tinham estado, o que tinham dito e o que tinham feito nas horas
cruciais precedentes ao ataque»." A agressão Japonesa contra Pearl
Harbour permitiu ao governo de Roosevelt arrastar os Estados Unidos
para a 11 Guerra Mundial, e as grandes indústrias americanas (General
Motors, ITI, Standars Oll, Ford, ete.), após terem contribuído para o esforço

1 John Toland, Infamy.' Pearl Harbour and his aftermath, New York, Doubleday, 1982.
2 John Toland, op. cito
24
de guerra nazi que iria destruir a Europa", estavam empenhados numa
guerra mundial no decorrer da qual a vitória iria, sem surpresa, pertencer
ao país, onde a produção militar-industrial era mais dinâmica. E esta guer-
ra abriu aos Estados Unidos não somente o mercado asiático cobiçado
por Roosevelt, mas também, o da Europa exangue.
Hoje a situação mundial mudou. A abertura de novos mercados já não é
a única aposta dos grandes grupos industriais; mas, antes de tudo, a ener-
gia necessária para fazer funcionar a própria produção. A procura de novos
jazigos petrolíferos para responder à procura acrescida em todos os paí-
ses, as reservas dos países árabes, e a possibilidade de encaminhar essa
energia através de zonas controladas, são doravante objecto de conflitos lar-
vados entre os Estados Unidos (decididos a firmar a sua hegemonia neste
domínio crucial) e os outros países industriais da Europa e da Ásia.
Apoderar-se de tais reservas às custas do resto do mundo exige uma
supremacia militar absoluta e, antes de tudo, um aumento considerável
do orçamento da defesa, medidas que a população americana não es-
tava, ainda recentemente, de modo algum disposta a homologar. Mas,
como notava Brzezinski, um dos mais influentes arquitectos da política
estrangeira americana, (em 1997, aconselhou a ocupação militar da Ásia
central): «A procura do poder não levanta espontaneamente as paixões do
povo, a menos que o povo se sinta bruscamente ameaçado»." Chegou a
defender a perspectiva que, para impor as suas medidas, era preciso um
«novo Pearl Harbour»." A 11 de Janeiro de 2001, a comissão Rumsfeld,
encarregada de defender o projecto de um «escudo antimísseis» ame-
ricano, evocava ainda a ideia de que um «Pearl Harbour espacial, por
assim dizer, constituirá o evento que tirará a Nação da sua letargia e em-
purrará o governo americano à seção»."
Na manhã de 11 Setembro de 2001, quatro aviões americanos são des-
viados por terroristas. Dois dos aparelhos esmagam-se sobre as duas
maiores torres de Manhattan. Os edifícios desmoronam-se um após o
outro, arrastando a morte de vários milhares de pessoas. O terceiro a-
parelho teria chocado com uma ala quase desabitada do Pentágono. Por
fim, o quarto avião despenha-se no campo. O atentado de Manhattan, fil-
mado pela televisão americana, é retransmitido no mundo inteiro: o incên-

3 Historia, Setembro 2002.


4 Zbigniew Brzezinski, Le Grand Echiquier, Paris, Hachette, 2002.
5 Zbigniew Brzezinski, ob. cito
6 P. Franssen com a participação de Pol De Vos, Le 11 Sepfembre - Pourquoi ils ont laissé faire les
pirates de reir, Anvers, EPO, 2002.
25
dio, o desmoronamento das torres, os corpos a cair, rasgados, carbo-
nizados. A emoção nacional e intemacional é, obviamente, considerável.
Nas horas que seguem, e mesmo antes que uma comissão de inquérito
tivesse sido constituída, ficamos a saber que a operação tinha sido realizada
por um comando pertencente a uma rede terrorista internacional, AI-
Qaeda, animada pelo milionário saudta Sin Laden. Então, Henry Kissinger,
antigo ministro, exige uma resposta militar imediata, resposta «que con-
duzirá ao mesmo resultado alcançado após o ataque de Pearl Harbour, a
destruição do sistema responsável desse ataque: uma rede de organi-
zações terroristas que se abrigam nas capitais de certos países».' Em
poucos dias, a popularidade do presidente passa de 55% a 86% nas son-
dagens. 2 Os Estados Unidos da América fica pronta para a guerra. Sabe-
mos o que seguiu. Em primeiro lugar, a invasão do Afeganistão acusado
de servir de base à rede AI-Qaeda e de refúgio ao seu chefe Bin Laden.
A seguir, após o governo dos E.U.A. afirmar, perante todo o mundo, ter
provas de que o Iraque detinha «armas de destruição massiva» e que
se preparava para as entregar a organizações terroristas internacionais,
surgiu a conquista do território. Diversas ameaças, ainda que vagas, foram
proferidas contra vários Estados «vadios».
As numerosas inverosimilhanças e as incoerências desta história foram
já relevadas por vários autores, entre os mais notáveis, Chossudovsky,
Franssen e Meyssan.
1. No atentado de Manhatlan, pilotos amadores conseguiram uma proeza
de precisão que só muito poucos acrobatas profissionais se declararam
capazes. Em contrapartida, sabemos que uma tal precisão pode ser
obtida facilmente graças à tecnologia dita global hawk, ajustada e detida
pela defesa americana, tecnologia que permite tomar o controlo dum
aparelho em voo e de o teleqúlar.
2. Nas ruínas fumegantes das duas torres foi encontrado intacto o pas-
saporte de um dos pilotos terroristas, o que permitiu identificá-Io, bem
como, aos presumíveis cúmplices.
3. Na semana precedente ao atentado, muita gente tinha sido advertida do
que se estava a preparar. Os serviços de informação alemães, egípcios,
franceses, israelitas e russos, tinham alertado em vão os seus homólogos
americanos. Mais grave ainda, existiram vários «delitos de principiantes»
envolvendo as companhias de aviação americanas implicadas no aten-
tado, assim como, as sociedades proprietárias das torres. Infelizmente a

1 Henry Kissinger, "Destroy the Network", Waschington Post, 11 de Setembro de 2001.


2 Peter Franssen, ob. cit.

26
j'ustiça ficou muda sobre a identidade dos "principiantes". Podemos supor
que se tratava de personagens particularmente influentes.
4. O tesoureiro dos fundos desta operação foi identificado. Trata-se do
general paquistanês Mahmoud Ahmad (responsável pelo depósito de
cem mil dólares na conta do chefe dos piratas do ar, Mohammed Atta).
Na semana do atentado, esteve presente em encontros particulares com
o chefe da C.I.A., bem como, com vários senadores e secretários de Es-
tado americanos. Na própria manhã do 11 de Setembro de 2001, tomou o
pequeno-almoço no capitólio com o presidente do comité de informações.
5. O exército americano, com a invasão do Afeganistão, não conseguiu
apoderar-se do saudita Bin Laden. Bastou-lhe o próprio Afeganistão. E, no
Iraque também não encontraram as «armas de destruição massiva», que
o governo americano tinha prometido encontrar (nem mesmo as armas
químicas que os americanos entregaram ao governo Iraquiano e com as
quais este tinha gazeado os curdos"), A mentira de resto surgiu à luz
do dia quando, antes mesmo da entrada das tropas anglo-americanas
no Iraque, o objectivo da guerra foi subitamente e sem explicação alterado.
Tratava-se agora de resgatar o Iraque de uma dessas ditaduras efecti-
vamente aterradoras, que praticam a tortura e o assassinato dos seus
oponentes, mas que os Estados Unidos normalmente incubem por toda a
parte do mundo onde esse tipo de regimes são úteis aos seus interesses
(Indonésia, Turquia, Colômbia, São-Domingos, Haiti, Granada, etc.). Quanto
ao criminoso chefe de Estado iraquiano, condenado pela O.N.U. em 1986
e 1987, devido à utilização de armas químicas, só escapou às sanções in-
ternacionais graças à oposição do governo americano que, inclusive,
aumentou a ajuda ao exterminador dos curdos.
6.É certo que, o saudita Bin Laden reconheceu a responsabilidade "is-
larnista" do atentado de 11 de Setembro. Porém, que crédito tem o seu
testemunho quando sabemos que essa personagem estava há muito
tempo ligada à C.l.A. (trabalhava ainda para os seus serviços em 1999,
em Belgrado, e, em 2001, pouco antes do atentado de Manhattan, na
Ohechérie)"?
Para concluir esta história ordenada e resumida do terrorismo mafioso,
. podemos arrumar essas operações sob diversas rubricas, mas, também
as encontramos em certos negócios do terrorismo actual. Adversários
políticos falsamente acusados de terrorismo por meio de provas fabricadas
pela polícia. Manipulação de indivíduos exaltados. Controlo de importantes

3 Le Monde, 25 de Janeiro de 2003.


4 Peter Franssen, op. cito
27
grupos terroristas. Ataques militares destinados a justificar uma guerra
de expansão. Todas essas formas de manipulação podem ser observadas
nos empreendimentos terroristas mais recentes.
Talvez se possa objectar que os numerosos exemplos de tais mani-
pulações não podem ser alargados a outras operações terroristas, aque-
las onde não é possível estabelecer esse género de conexões. Mas,
somente pelo facto dos «órgãos de comunicação» ou os especialistas
autorizados, após um atentado, não nomearem esses exemplos ou não
colocarem a hipótese de poder existir uma manipulação policial, torna
suspeitos todos os seus discursos circunstanciais, e, é estranho que
esses comentadores não o sintam.

111
Nos múltiplos negócios de terrorismo anteriormente evocados, tudo
leva a crer que a vitória pertencerá sempre e necessariamente àqueles
que detêm todos os instrumentos de desinformação, os meios de ma-
nipular as opiniões e as emoções colectivas, construindo os acontecimen-
tos que Ihes são úteis e interpretando-os como Ihes convém. O extraordinário
sucesso da Máfia histórica prova que o sistema bipartido do terrorismo
e da protecção é de uma extraordinária eficácia para govemar os homens
segundo as exigências dum poder subjugado às leis económicas. Em tais
condições, qual é a vantagem em expor o que acreditamos ser a verdade,
porque é que perdemos tempo a agitar um tal oceano de mentiras e de
crimes e, por fim, qual é o objectivo em publicar um texto como este.
Se o terrorismo constitui uma arma temível nas mãos do Estado mo-
derno, revela também a sua fraqueza relativa. Prova, antes de tudo, que
a opinião pública é uma aposta fundamental para esse Estado, uma a-
posta tão elevada que motiva crimes como os do terrorismo actuaí. In-
ciusivamente, prova que, sem o terrorismo, todos os seus outros meios,
policiais e mediáticos, seriam insuficientes. Ora é evidente que o terrorismo
só é realmente eficaz na medida em que a verdade do terrorismo se
mantenha secreta, ou aqueles que fomentam esses crimes se man-
tenham escondidos. Nesta guerra, a verdade tem uma utilidade prática.
Além disso, a alternativa hoje proposta entre o terrorismo e a pro-
tecção do Estado começa a perder o seu interesse publicitário onde a
protecção já se mostra pouco vantajosa relativamente à ameaça ter-
rorista e onde os dois ramos da tenaz mafiosa se confundem cada vez
mais. Em imensas regiões do mundo, cujas condições elementares de
sobrevivência se desmoronaram, nos inúmeros campos de refugiados
económicos, políticos, ecológicos, pu mesmo em zonas menos devastadas
28
mas onde conflitos permanentes entre vários sectores económicos condu-
zem a massacres constantes, a ameaça terrorista não pode ter um grande
efeito dissuasivo. O mesmo acontece em zonas onde o terrorismo é uti-
lizado de forma quase permanente para.maníer a pressão de um poder de
Estado sobre populações miseráveis. Assim, um camponês da Cabila
compreende, sem dificuldade e sem qualquer referência histórica, a conluio
entre o terrorismo pretensamente "islamista" e a protecção do governo
argelino.
Mesmo no ocidente, a repulsa suscitada pelo terrorismo diminuiu em
certos territórios excluídos dessa protecção, onde a juventude já não
tem futuro e onde os famosos "comportamentos de risco" mostram o
pouco apreço que, doravante, cada um atribui à sua própria vida. Nessas
zonas desoladas, controladas por traficantes de droga, que significado
tem a pretensa liberdade ocidental oposta a essas tiranias que os terroris-
tas querem instaurar? Muita gente observa que o desprezo do sistema
económico actual para com a simples sobrevivência biológica dos seres
humanos, não atribui um grande preço à protecção contra a morte que
os governos ocidentais prometem em troca da nossa submissão às suas
directivas suicidárias.
Se a isso acrescentarmos os conflitos entre diversos grupos econó-
micos, levando os seus respectivos gestores a acusarem-se mutua-
mente de mafiosos, e, por vezes, a revelarem o conluio dos seus rivais
com o terrorismo actual; temos de admitir que, a tenaz mafiosa não é
mais uma arma absoluta e a verdade começa a emergir,· pese o silêncio
dos «órgãos de comunicação». O extraordinário sucesso do livro de
Thierry Meyssan, L'effroyable impostura (200.00 exemplares vendidos),
salientando o papel dos serviços secretos americanos nos atentados do
11 de Setembro de 2001, mostra claramente a importância quantitativa
dessa opinião pública para quem o terrorismo adual é manipulado pelos
seus pretensos inimigos. Essa opinião pública que o terrorismo quer
avassalar começa assim inegavelmente a virar-se contra aqueles que
o manipulam. Será que o director do Le Monde ousaria hoje publicar o
seu editorial de 12/11/01, «Somos todos americanos»? Inclusive nos
E.U.A., apesar do choque dos atentados, a febre guerreira desceu.
Assim, a eficácia da tenaz mafiosa, manobrada pelos actuais gestores
da economia, já não parece tão perfeita como antes, e o seu futuro será
menos durável do que o do seu folclórico antepassado siciliano. Podemos
conceber que, daqui em diante, esses gestores ao disporem de meios
suficientes (policiais, militares e outros), para passarem por cima de uma
eventual aprovação popular, podem abandonar o papel de protectores ou
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de salvadores e mostrarem-se tal como são. Mas, além disso, o recurso
frequente ao terrorismo contradiz esse papel, e, a marcha da economia,
da qual são responsáveis, transporta os seus próprios efeitos devasta-
dores inevitáveis. A própria possibilidade de sobrevivência biológica di-
minui sem cessar. A escassez de água potável, de alimentos consumíveis,
de ar respirável, o envenenamento do planeta e as consequências ecológi-
cas que daí resultam, climáticas, mórbidas, agravam ano para ano um
pouco mais, roendo aos bocadinhos um novo Estado, uma nova região
do mundo.
O triunfo da economia conduz necessariamente ao seguinte impasse:
os seus sucessos destroem as próprias condições de vida, a salvaguarda
dessas condições exigem esforços económicos cada vez menos suportá-
veis, e haverá cada vez menos riqueza, humana ou outra, a gerir. O monstro
económico morre do seu próprio sucesso, como o cancro que invade
um organismo vivo e que acaba por morrer do esgotamento terminal da
sua vítima.
No decorrer desta descida para à morte, isto é, a partir de agora, os
dirigentes mafiosos do mundo moderno vão ter de se manter perante
populações cada vez mais numerosas, cujas condições de vida são
cada vez menos toleráveis, e sem ilusões sobre a natureza dos seus
governantes - enquanto o terrorismo moderno prova que essa ilusão
é necessária à conservação do poder actual. Eis o que promete afronta-
mentos confusos e de longa duração. Noutro campo, pelo contrário, pode-
rão fazer-se, a cada momento desta longa guerra, escolhas decisivas
entre a servidão, o desencorajamento, a impotência argumentada, que
conduzem cada vez mais rapidamente à morte, ou, a rejeição duma orelem
do mundo que só deve a sua existência actual aos empreendimentos
criminosos de gestores mafiosos.

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