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P IE R R E SALAM A

SOBRE O VALOR
ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

LIVROS HORIZONTE
T ítulo: SU R L A V A L E U R
E lem en ts pour une critique

A utor: P ierre iSalama


© Libriairie F ran çois M aspero, P aris, 1975
L ivros ¡Horizonte, 1980

Tradutor: R ui Junqueira L opes

iColecção: M ovim ento n.° 29

Capa : S oares R ocha

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R eservad os tod os os d ireitos de publicação total ou


p arcial para a lín gu a portuguesa (P o rtu ga l) por
LIVRO S HORIZONTE, LDA.

R u a d'as C hagas, 17, 1.°, D t.° — 1200 LISBO A

Im p resso em P o rtu g a l
N o fim do séc. x ix , o centro de gravidade dos con flitos
sociais p assara do an tagon ism o entre ca p ita lista s e prop rietá­
rios fundiários p ara a oposição entre trabalhadores e cap ita­
listas. O m edo e a té o horror, su scita d o s p elas obras d e Marx,
foram exacerbados em tod a a E uropa p e la Comuna d e P a ris
(1871). A s doutrinas, que afirm avam a ex istên cia de conflitos,
foram , desde então, consideradas indesejáveis. P elo contrário,
a s teorias, que a fa sta v a m a s atenções do antagonism o entre
classes sociais, eram m u ito b em acolhidas.

J. E a tw ell e J. R obinson
L ’E con om iqu e m oãern e
fid iscien se, 1974, • p. 46

O m arxism o é ta lv ez dem asiado válid o p ara que o d eixe­


m os ap enas a o s m arxistas. iFornece um p rism a crítico através
do qual o s 'econom istas da -corrente dom inante terão tod a a
van tagem em exam in ar a s su as análises.

P. A. Sam uelson,
E-conom-ics: W inds of C hange. E vo lu tio n
of EconomAc D o ctrin e,
M cGraw Hill, N ew York, 1973, p. 866
IN T R O D U Ç Ã O G ERA L

« M arx ... n u m curso de análise económ ica, m esmo que


lhe custe a crer, é um filó so fo ...» « M arx ... em filosofia, não
é possível, é um econ o m ista... e a prova é que escreveu
«O C A P IT A L .» Sem pre entre duas esferas, M arx não estava
inserido em nenhum a, excepto q u an d o algum obstinado
— apontado a dedo — tentava fazê-lo p e n e tra r num a.
Q uando, p o r vezes, lhe concediam algum as referências, era
em geral p a ra dizer: «A teoria do valor-trabalho está m orta
e e n te rrad a... a prova? Foi S chum peter que o disse», ou
então: «M arx? Pois tome-se um pouco de R icardo, um pouco
de Hegel e aí está!»

A brindo um m anual d o prim eiro o u do segundo ano *


verifica-se que, na m aior parte deles, a análise m arxista está
ausente e, no entanto, fala-se aí de valor, de preços, de m oeda,
de desem prego, etc. De M arx, nem um a palavra. Trata-se
de Ciência, forja-se o hom o econom icus, são abolidas as clas­
ses sociais, procuram -se condições de equilíbrio, algumas
vezes deduzem-se m esm o as do equilíbrio' geral. Em resum o
tudo é m ecânico, soberbo, m a s... onde está a e x p lo raç ão ?
Em parte algum a ! O que é norm al, porque isso é político, e
é evidente que a Ciência, afectando' neutralidade, deve ele­
var-se acima desses interesses contingentes ou até mesqui-

* O autor refere-se aos p rogram as fran ceses, m a s en con ­


tram os um bom paralelo n os n o sso s (a n tes d e 25 de A b ril), das
cadeiras básicas de T eoria -Económica, A n álise E con óm ica ou
sim p lesm en te «E conom ia» do 1.° e 2.° ano das F aculdades de
E conom ia. (N . do T.).
10 SOBRE O V A LO R — ELEM ENTOS PARA UMA CRÍTICA

nhos, em bora fonte d e tantos desequilibrios. Cria-se artifi­


cialm ente um a sociedade ideal, em que os indivíduos, quer
sejam trabalhadores ou em preendedores, são iguais, senhores
das suas opções e do seu destino.
A p a rtir daqui, deduz-se um a política económ ica capaz
de vergar a realidade rebelde, de a fazer corresponder a esta
sociedade ideal em que cada um m axim iza a sua satisfação ...
Isto p ode ter como consequência concreta que se preconize
a lim itação dos direitos sindicais (J. R uelf nos anos 1920-
-1930) ou que se deseje que os sindicatos se tornem parcei­
ros responsáveis (discurso de Jacques C hirac). Em qualquer
dos casos, trata-se de simples dedução lógica. T en tar descor­
tin ar aí traços de política corresponderia a sermos m al inten­
cionados.
Mas eis que M arx, expulso pela p o rta, reen tra pela
janela. Será que alguns espíritos esclarecidos com preenderam
que as teorias que ensinavam não eram coerentes, que o
sistema reynesiano tinha as suas lim itações ? O u será antes
que o m arxism o se im põe do exterior, a p artir das lutas e das
fábricas ocupadas, da crise do capitalism o e dos seus
valores ?
O perigo é grande ! As duas citações que destacam os de
início provam -no. U m a vez que M arx se im põe, aceitám o-lo
mas desenraízem o-lo. Despojemo-lo do seu aspecto «ideoló­
gico», façam os dele um hom em de ciência «puro», superior
às paixões...

O objecto deste trabalho é fornecer alguns elem entos de


crítica sobre aquilo que constitui a pedra angular de qual­
quer teoria económ ica: o valor.
A prim eira p arte será consagrada às teorias neoclássicas.
A presentarem os integralm ente as teorias deste econom ista, não
por prazer, mas porque elas são m uitas vezes apresentadas de
form a fragm entada, parcelar. M ostrarem os assim que um ra­
ciocínio aparentem ente anódino — com o a determ inação do
preço por um m ercado— conduz à negação da exploração.
Se bem que em crise, esta teoria é hoje dom inante. Por isso,
irem os expor a sua crítica interm a. Depois de term os entrado
no «jogo», m ostrarem os q u e a incoerência interna destas teo­
INTEODTJÇÃO GERAL 11

rias provém do carácter inaceitável das suas hipóteses e do


seu desenvolvim ento.
A segunda p arte será consagrada às teorias ricardianas
e m arxistas. M ais precisam ente, m ostrarem os em que funda­
m entos se baseia a tentativa recente de «secularizar a econo­
m ia política m arxista». A crítica da interp retação neo-ricar-
diana de M arx conduzir-nos-á a um a análise detalhada do
problem a da transform ação dos valores em preços de p ro d u ­
ção. M ostrarem os assim que o estudo- dos preços de produção
perm ite analisar «a anatom ia da sociedade burguesa». Longe
de estar esterilizada, a análise m arxista revela assim a sua
força. Por ser um a arm a de actuação, ela realiza a crítica da
econom ia política.
I

A POSIÇÃO N E OCL ÁS S I CA
IN TR O D U Ç Ã O

A teoria neoclássica assenta era bases simples, eviden­


tes à prim eira vista. É aí que reside a sua força.
O indivíduo, as suas opções, as suas decisões consti­
tuem a p ed ra angular d a análise neoclássica. Por um lado, ele
sabe quais as suas necessidades, p o r outro, os preços e o
rendim ento são p ara ele um dado. M unido deste binóm io, ele
optim iza a sua escolha. Neste sentido, podem os dizer que ele
é senhor das suas decisões.
O indivíduo constitui apenas um a ínfim a parte da socie­
dade. Esta é form ada pelo conjunto dos indivíduos, tom ados
um a um. Estes indivíduos são todos iguais e racionais, quer
sejam trabalhadores ou em presários. A acção racional do
conjunto destes indivíduos faz que os preços sejam determ i­
nados ao nível do m ercado. O m ercado é soberano. O indi­
víduo porque é um a parcela infinitesim al, terá de se lhe
adaptar. Ele é, pois, escravo do m ercado.

Senhor e escravo, o indivíduo constitui a base do racio­


cínio neoclássico. O que o caracteriza é a sua capacidade de
escolher livrem ente. Se os indivíduos puderem escolher livre­
m ente, então o sistema em que vivemos é o m elhor; não se
justificará, portanto, qualquer ten tativ a de o destruir: bastará
aperfeiçoá-lo, concedendo aos hom ens — ou a alguns de
entre eles — a sua liberdade, e se, porv en tu ra, esta lhes tiver
sido coarctada.
As conclusões são im portantes: os preços são determ ina­
dos pelo m ercado, e não pod erá haver exploração do « traba­
lho», se ... os (homens) puderem exercer o seu livre arbítrio.
Bastará que apenas um im peça a livre escolha dos outros,
16 SOBRE O VALOR— • ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

que exerça um ¡poder d e dom inação, que -tente d e tu rp a r as


leis do m ercado em seu beneficio, p ara que o conjunto de
individuos, tom ados um a um (a «sociedade»), não possa
atingir o máxim o de satisfação.
Vamos expor as hipóteses e a dedução que perm item
tais conclusões. N um a prim eira fase, iremos aceitar o con­
junto das hipóteses. Irem os ligar entre si os fragm entos da
análise neoclássica, que, considerados isoladam ente parecem
bastante insignificantes. Vam os efectuar esta construção do
conjunto porque os m anuais evitam m uitas vezes fa zê -lo 1.
N um a segunda fase, dem onstrarem os que, mesmo acei­
tando as hipóteses de p artid a neoclássicas, o raciocínio é
incoerente e que, p ara que n ão o fosse, seria necessário con­
siderar um a econom ia onde existisse um só bem , ou seja, a
p ró p ria negação da escolha que os neoclássicos obstinada­
m ente colocam em prim eiro plano.
N um a terceira e últim a fase, criticarem os as hipóteses
explícitas e, sobretudo, im plícitas, que são avançadas. Dem ons­
trarem os que a incoerência in tern a desta teoria não é mais
do que a consequência lógica do carácter inaceitável das suas
hipóteses falsam ente sim plifieadoras.

N o ta s

i Quem m ostra, por exemplo, a s consequências d a análise


do consum idor ou do p ro d u to r? Mais concretam ente, quem m os­
t r a que estas análises constituem as trav es m estras d a análise
neoclássica do valor, que conduz m uito n atu ra lm e n te à tese da
não-exploração ? Ê preciso confessar que, re g ra geral, ,é neces­
sário e sp e ra r pelo doutoram ento p a ra 'entender este tipo de
ligações...
1. A DEDUÇÃO

A dedução dos neoclássicos é sim ultaneam ente simples e


complexa. Sim ples, porque repousa sobre hipóteses iniciais
aparentem ente evidentes e triviais. Com plexa, porque a glo­
balidade do raciocínio dedutivo raram ente é apresentada e
varia de autor p ara autor. Para bem entenderm os esta ded u ­
ção, temos de conhecer a «filosofia» em que se inspira tal
corrente e as hipóteses «sim plificadoras» que é levada a con-,
siderar.

Secção 1. Filosofia e dedução

A base filosófica do raciocínio é simples. A sociedade é


com parada a um a com plexa m áquina, da qual os indivíduos
são as várias peças. A sociedade é, pois, form ada pelo con­
junto desses indivíduos tom ados um a um . Em si m esma não
tem autonom ia p rópria. O seu com portam ento é a resultante
do com portam ento dos indivíduos que a com põem *. A socie­
dade é, pois, o som atório dos indivíduos e nada mais. P ar­
te-se das quantidades infinitesim ais (os indivíduos) p a ra che­
gar ao todo (a sociedade). P ortanto, parte-se do indivíduo,
cujo com portam ento se estuda.
O indivíduo é colocado perante um a série de bens.
Estes bens são em quantidade lim itada. Serão, portanto, mais
ou menos raros. O indivíduo tem necessidades. Essas necessi­
dades são naturais. Deste m odo, antes m esm o de saber o
preço das m ercadorias, bem com o o seu rendim ento, ele
poderá dizer qual a satisfação que lhe dará o consum o deste
o u daquele bem , em m aior ou m enor quantidade. Pode efec-
18 SOBRE O VA LO R— 1ELEM EN TOS PARA TJMA CRÍTICA

tu a r estas ‘e stim ativas independentem ente do conhecim ento


-dos preços e d o rendimento-, porque está sujeito a necessi­
dades naturais, inatas. P-oderá assim afirm ar que, se comer
1 kg de pão, beneficiará de um a «utilidade total» (uma
satisfação) de 9; se comer 1,5 kg, a utilidade será de 10 e,
finalm ente, se com er 2 kg de pão, a utilidade total será de
10,5. A evolução da utilidade total (9-10-10,5) m ostra que,
quanto m ais pão ele consom e, m enor é O' apetite. Diz-se
então que «a intensidade de um prazer que se prolonga, é
decrescente e acaba p o r s-e anu lar -no ponto de saciedade»
(Lei de G ossen). A utilidade total cresce, mas de form a cada
vez m enos intensa. E sta constitui um a lei e ssen c ia l2.
A firma-se que os indivíduos agem em conform idade com
ela, p a ra efectivarem as suas opções. O que interessa ao indi­
víduo não é sobre-tudo a utilidade total que lhe adviria do
consum o d-e d eterm inada quantidade de um bem , m as sim
o acréscimo de satisfação, que ele sentirá, devido ao consum o
de cada unidade suplem entar. É este acréscimo' de satisfação
que ele irá com parar a um -outro acréscim o resultante do con­
sum o de um a unidade suplem entar de um outro b-em. O indi­
víduo raciocina, pois, m arginalm ente *. C om para as utilidades
marginais, que lhe proporciona o consum o deste ou daquele
bem. É um dos elem entos que com andará a sua escolha.
Considerem os um exem plo:

Pão

(1,5 kg-1 kg) = 0,5 kg —> U.M . = 10 - 9 = 1


(2 kg-1,5 kg) = 0,5 kg U.M . = 10,5-10 = 0,5

Tecido

(3 m-2 m) = 1 m --------------> U.M . = 0,8


(4 m-3 m) = 1 m --------------~>U.M . = 0,5

* Ou se ja considerando acréscim os sup lem en tares no con­


sum o, e com parando o s correspondentes aum entos de prazer ou
de satisfação. { N. do T.).
A DEDUÇÃO 19

O consumo de 2 kg de pão proporciona-lhe um a satisfa­


ção, que excede em 0,5 aquela que ele teria, se apenas
tivesse comido 1,5 kg. A utilidade m arginal é, pois, 0,5.
Equivale à utilidade m arginal que lhe advém do consum o de
4 m de tecido. A evolução das duas utilidades m arginais (a
do pão e a dos tecidos) será im portante nos m om entos da
opção.
O indivíduo obedece, pois, a um hedonism o perfeito.
Ele optim iza os seus p ra z e re s 3. Mas pode ser-lhe difícil cal­
cular as suas necessidades. Por isso, a análise neoclássica
adoptou de um a form a geral a ideia de que, se o indivíduo
não pode m edir os seus prazeres, pode ao menos estabelecer
entre eles um a relação de ordem, p o d e dizer, por exem plo, se
a combinação de duas m ercadorias (ou mais) num a deter­
m inada quantidade lh e proporciona um a satisfação seme­
lhante, m aior ou m enor do que um a outra com binação dessas
duas m ercadorias. Chega-se assim à construção de curvas de
indiferença:

U m quilo de pão e dois litros de vinho proporcionam


a m esm a satisfação que dois quilos de pão e um litro de
vinho. O indivíduo, dado que age racionalm ente (é hom o
eco n o m ku s, segundo nos disseram ), tanto pode escolher a
prim eira com binação com o a segunda. É-lhe indiferente. Se
20 SOBRE O VALOR — ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

preferir consum ir m ais vinho, a utilidade m arginal que daí


advirá será decrescente. Inversam ente, o facto de consum ir
m enos pão (para consum ir m ais vinho) faz que aum ente a
utilidade m arginal, que retira de um consumo m e n o r 4. O de­
créscim o da u tilidade m arginal do vinho e o acréscim o do pão
com pensam -se. É devido a este facto que ele extrai a m esm a
satisfação da prim eira com binação que da s e g u n d a 5.
Se o indivíduo quiser consum ir dois quilos de pão e dois
litro s de vinho, obterá um a satisfação superior àquela que
obtém das com binações precedentes, dado que dois quilos
de pão e dois litros de vinho representam um a quantidade
su p erio r a dois quilos de pão e um litro de vinho ou a dois
litros de vinho e um quilo de pão. Ele poderá relacionar este
nível m ais elevado de satisfação com um a outra com binação
qu e lhe proporcione idêntico nível, por exem plo, um litro de
vinho e q uatro quilos de pão. Situar-se-á então num a curva
de indiferença (I 2) superior à precedente (li). Pode então
afirm ar-se que, passar de um a curva p ara a outra, é «trepar
a colina dos prazeres» (P a re to )... O conjunto destas curvas
constitu irá o m apa de indiferença de cada indivíduo.
A té agora, não fizemos interferir nem os preços das
m ercadorias nem o rendim ento do consum idor. Trata-se, pois,
de um a hipótese de com portam ento que, apesar d e aparen­
tem ente insignificante é, de facto, h eró ic a ... O indivíduo
conhece as suas necessidades independentem ente dos preços
e do rendim ento, m as ainda não pode fazer a sua opção.
A inda lhe faltam certos dados. A nalisarem os a sua escolha na
secção 2. P or agora, prossigam os.
O indivíduo é um a q uantidade infinitesim al. É igual a
todos os outros e não pode influenciá-los. O indivíduo con­
sum idor de bens tem , pois, o m esm o com portam ento que o
indivíduo em presário 6, e é igual a ele. O indivíduo em pre­
sário consom e os serviços que se lhe deparam . Pode, pois,
op ta r entre consum ir diversas quantidades de trabalho e as
correspondentes quantidades de capital. T rabalho e capital
são m ercadorias. M as trata-se de m ercadorias com caracterís­
ticas particulares: participam na criação de outras m ercado­
rias, sendo, portanto, factores de produção.
T al como o conhecim ento da u tilidade m arginal dos
bens de consum o é im portante p a ra o indivíduo consum idor,
A DEDUÇÃO 21

tam bém a dos factores de p rodução o é p ara o indivíduo


em presário. A utilidade m arginal que corresponde à utiliza­
ção de um a dada quantidade d e factores de produção é a
produtividade marginal. O indivíduo em presário constrói,
pois, curvas de isoproduto, que correspondem às curvas -de
indiferença p ara o consum idor. Estas curvas m ostram — tal
como as curvas de indiferença — as diversas com binações de
factores de produção, que lhe proporcionarão a m esm a quan
itidade -de produto, quer dizer, a m esm a satisfação. O em pre­
sário tem um a posição de indiferença na escolha, tal como o
consum idor. O bedece às mesmas regras.

Secção 2. A dedução propriam ente dita

M unidos destas hipóteses e do seu fundam ento filosó­


fico, podem os agora analisar a dedução dos neoclássicos.
P ara com preender bem -esta dedução, é necessário ter sem pre
em m ente o -objectivo fixado:

— M ostrar que os preços são indicadores d-e escassez,


quer dizer, que o preço é determ inado pela u tilidade m argi­
nal (ou pela produtividade m arginal).
— Q ue, neste caso, nos encontram os no m elhor dos m un­
dos possíveis, o nde não pode h av er exploração.

O raciocínio faz-se em três etapas:

1.a etapa: Perm anecendo ao- nível do indivíduo, esta-


belece-se a relação p re ç o --------- > procura. P or outras palavras,
constrói-se a curva da procura a que chamamos teórica.
2.a etapa: Passa-se p ara o nível da sociedade, quer
-dizer, do conjunto dos indivíduos. Estabelece-se então a rela­
ção p ro cu ra --------- > preço. M ostra-se assim como- se determ i­
nam os preços. Estabelece-se assim a lei do valor utilidade.
3 .“ etapa: G eneralizam -se os resultados obtidos à deter­
m inação dos preços dos factores de produção. Tais -preços são
determ inados pela produtividade m arginal. N ão poderá aí
-existir exploração, se houver -equilíbrio. Deve-se pois procu­
22 SOBRE’ O VALOR — ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

rar o equilíbrio. As condições çpara que ele exista devem ,


po rtan to , ser respeitadas.

1. Primeira etapa: estabelecim ento da relação P ----------> D

A: É dado um equilíbrio

As necessidades são dadas. Vimos que hipóteses isto


im plicava (necessidades natu rais, eternas). Deduz-se o con­
sumo das curvas de indiferença (m apa de indiferença) para
dois bens x e y ,
C onsideram os dados os preços (Px, Py) e o rendim ento
(R) disponível do indivíduo consum idor. Isto perm ite cons­
tru ir a recta de orçamento-. E sta recta de orçam ento pode
representar-se: R — xPx + yPy o u ainda:

— xPx R
y = ---------- + -------
Py Py

Esta recta intercepta curvas de indiferença. Como existe


um a infinidade de curvas, ela in tercep tará algumas e outras
não. D onde se pode deduzir que existe um a curva que será
tangente à, recta de orçam ento. Este ponto de tangência é ex­
trem am ente im portante. Exprim e o p onto onde o indivíduo,
tendo em conta, p o r um lado, as suas necessidades e, p o r
outro, os preços e os seus recursos, m axim iza a satisfação.
É um ponto de equilíbrio e é o m ais elevado que ele pode
atingir, consideradas as lim itações atrás referidas. N este ponto,
o indivíduo racional está satisfeito.
Este ponto de equilíbrio goza de um a p ropriedade m uito
im portante. Sabe-se, com efeito, que a tangente a um a qual­
q u er curva de indiferença exprim e o sim étrico da taxa m ar-
— dy UM x
ginal de substituição TM S = ---------- = -------- . Sabem os, en-
dx UMy
tretanto, que a inclinação desta tangente é tam bém igual a
A DEDUÇÃO 25

Px
. D e onde:
Py

UM x Px UM x UMy
(em valor absoluto) e , que po-
UM y Py Px Py

demos alargar a n m ercadorias.

T rata-se de um a lei extrem am ente im portante para' a


análise neoclássica: em situação de equilíbrio as utilidades
marginais das diferentes mercadorias ponderadas pelos res­
pectivos preços são iguais.
Podem os efectuar exactam ente o m esm o raciocínio para
o em presário pro d u to r. O em presário tem à sua frente o con­
junto das .curvas de isoproduto. C ada curva exprim e as diver­
sas (infinitas) possibilidades de com binação de factores de
produção p a ra obter um a q uantidade determ inada de produto.
Introduzem -se os preços de «aluguer» dos factores de produ­
ç ã o 7 e os recursos do ■em presário. Pelo mesmo raciocínio-,
obtém -se o equilíbrio do pro d u to r, igualm ente as produtivi-
dades m arginais ponderadas pelos respectivos preços:

PMA PMB

PA PB

que podem os alargar a n factores de produção.


T udo isto nada tem de espantoso, pois que, m ais uma
vez, todos os indivíduos são iguais, quer sejam produtores
ou consum idores e obedecem ao m esm o com portam ento:
escolher, m axim izando a sua satisfação.

B. E ste equilíbrio é p ertu rb ad o

A sequência do raciocínio consiste em rom per este equi­


líbrio. O preço e /o u o rendim ento variam . Porquê ? Pouco
im porta. Supõe-se que um dos dados se m odifica. Q ual é a
intenção ? V er com o se passa de um equilíbrio para outro.
24 SOBRE O VALOR — ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

A nalisam -se as condições de passagem deste equilibrio per­


turb ad o ao novo equilíbrio. Surgem-nos assim destacados dois
efeitos: um efeito de rendim ento e um efeito de substituição.
U m a baixa de preços conduziu deste -modo a um novo equi­
líbrio, graças ao jogo com binado destes dois efeitos, que, no
entan to , é necessário distinguir.

— Por um lado, a baixa de preço de X m elhora o poder


de com pra (efeito rendim ento) e conduz naturalm ente a um
acréscim o na com pra de X e de Y (com um a excepção: os
bens inferiores p a ra os quais a procura baixa, quando o poder
de com pra aum enta, como p o r exem plo, a m argarina).
Se P é o ponto de equilíbrio inicial, a baixa do preço
d e X conduz a um deslocam ento paralelo da recta de orça­
m ento, suscitando um efeito de rendim ento em que o indiví­
duo aum entará o seu consum o de O p p ara O p ’.
— P or outro lado, esta m esm a baixa do preço de X
leva o consum idor a preferir X a Y pois Y tornou-se mais
caro, em relação a X 8 (efeito de substituição). A recta de
A DEDUÇÃO 25

orçam ento desloca-se p a ra a direita, dado que se pode com­


p ra r um a quantidade superior de X com o mesmo rendim ento.
O indivíduo com prará O q em lugar de O p.
O efeito total é a soma dos dois efeitos, tanto p a ra X
como p a ra Y. O novo p onto de equilíbrio é Q , situado sobre
um a curva de indiferença superior. Poder-se-ia pensar que é
inútil distinguir os dois efeitos, um a vez que, no exemplo
anterior, o ponto de equilíbrio final é possível de obter, se
considerarm os só o efeito de substituição. M as com eteríam os
um erro. Os dois efeitos podem agir em sentidos contrários,
como dem onstrarem os. Im porta, pois, distingui-los. O esquem a
é o seguinte: P (equilíbrio perturbado) P’ Q (equilíbrio
final). A curva N P Q é u m conjunto de pontos de equilíbrio,
pois é o lugar onde se situam todos os pontos de equilíbrio,
p ara sucessivas variações de Px.
Chegados ao novo equilíbrio, vam os de novo rompê-lo.
Px continua a baixar. Isto perm ite-nos construir a curva M PQ ,
unindo os diversos pontos sucessivos de equilíbrio. E sta curva
tem um a propriedade interessante. Podem os dela derivar a

curva teórica de p ro cu ra do p ro d u to X , em relação ao preço.


Com efeito, cad a ponto desta cu rv a está de acordo com a
— Px — dy
relação antes definida: tga = ---------- = ------------. Como Py
Py dx
26 SOBRE O VALO R— ■ELEM EN TOS PARA TJMA CRÍTICA

— Px
é constante, e ---------- - representa a inclinação da tangente às
Py
curvas de indiferença, facilm ente se deduz a variação que
sofre Px, quando a q uantidade de x aum enta. Tem os dx f
e» T ga = > tg«’ > Px i . C onstruím os assim um a
curva de procura. E sta deduz-se das propriedades de equilí­
brio do consum idor. T rata-se, pois, de um a curva teórica de­
crescente. D ifere de um a curva obtida estatisticam ente, na
m edida em que não é construída com base em observações
estatísticas, mas sim deduzida da sucessão de pontos de equi­
líbrio, tendo p o r origem o m apa de indiferença.

2. Segunda etapa: Estabelecim ento da relação D -> P, ou


lei do valor propriam ente dita

Consideram os a curva de procura de um indivíduo para


o bem X. Poderem os proceder analogam ente para todos os
outros bens Y , Z ... o u factores de pro d u ção A, B, C ,...

A. C onstrução da curva de p ro cu ra do m ercado

Devem os agregar as curvas de procura individual para o


bem X. Vimos que tal era possível, pois considera-se que a
sociedade é form ada pelo som atório, pois considera-se que a
então a curva de pro cu ra total p a ra o bem X, o u seja a curva
da procura no m ercado de X . Ê a este nível, e apenas a
ele, que o preço é determ inado.
Ao nível do indivíduo, o preço seria um dado que ele
não podia m odificar por ser um simples átom o. Se bem que o
indivíduo esteja situado no fulcro da análise neoclássica, se
bem que seja ele quem escolhe e quem decide, ele apenas o
pode fazer condicionado a um a série de variáveis que lhe
são im postas. N ão pode actuar sobre elas. Pelo contrário, é
o m ercado que sintetiza o .conjunto das vontades, pois é ao
seu nível que as curvas de procu ra individuais são agregadas.
D este m odo, o m ercado será soberano. O indivíduo sujei-
tar-se-á à sua decisão, o preço, que lhe surge como um dado.
É ao nível do m ercado que se fixará o preço. É, pois, aí que
irá operar a teoria do valor-utilidade, transform ando-se o
A DEDUÇÃO 27

preço, já que é determ inado e não um dado, num indicador


de escassez. U m preço m uito elevado significa que o bem é
raro, logo m uito útil, e, inversam ente, pouco consum ido (por
ser m uito caro), e que, p o r isso, é dotado d e um a utilidade
marginal m uito elevada.
O M ERC A D O é pois soberano. Se a procu ra cresce (em
relação à o ferta), o preço eleva-se (a curva da procura deslo-
ca-se p a ra cim a). O preço de equilíbrio passa de A a A \
O preço é, pois, claram ente determ inado pela p rocura, não
de um indivíduo, m as do conjunto dos indivíduos. Tem os
então a relação inversa:

PR O CU R A -> PREÇO

B. Interdependência dos 'mercados

Q uedarm o-nos aqui seria, n o entanto, largam ente insu­


ficiente e mesmo parcialm ente falso. O indivíduo é, com
efeito, .continuam ente colocado p e ra n te opções a efectuar.
Q uando m axim iza a sua u tilidade, fá-lo em relação a um
conjunto de bens. C om prar m ais X p o d e q u erer dizer com prar
m enos Y. V erificám o-lo, quando analisám os os efeitos de
rendim ento e de substituição. D esde logo, a ideia de opção
im plica necessariam ente a existência de vários bens e de
vários m ercados em contacto.
28 SOBRE O V A LO R — ■ELEM EN TOS PARA TJMA CRÍTICA

O s m ercados de X , Y, Z ... A , B, C .... são necessaria­


m ente interdependentes. E sta interdependência não é m ais do
que o resultado da ideia de escolha e de decisão individual,
base da análise neoclássica.
Terem os, pois:

Deverem os neste m om ento distinguir dois casos:


— aquele em q u e apenas existe um equilíbrio nas trocas;
— aquele em que se considera que os bens oferecidos
são tam bém produzidos.

a) E quilíbrio das trocas: supõe-se neste caso ultra-sim-


ples que cada indivíduo tem , à p artid a, antes de qualquer
troca, um patrim ónio constituído p o r um a série de bens. Esses
bens não são produzidos. Já existem . N ão há, pois, actividade
d e p rodução e, p o r esse facto, não existem m ercados de
factores de p rodução. P ortanto, as quantidades dos diferentes
bens são dadas.
C ad a indivíduo decide trocar o que possui p o r aquilo
que não tem — mas que deseja — e en tra, deste m odo, em
contacto com outro indivíduo que deseja efectuar a operação
inversa. Podem os, desde já, considerar que a oferta de um
constitui a procu ra de outro inversam ente. O preço é deter­
m inado, no m ercado soberano, pela intersecção da oferta e
da procura, com a seguinte particularidade: A oferta não é
m ais do que um a procura recíproca, independente da procura,
pois que provém de um outro indivíduo (cujas decisões são
independentes dos outros indivíduos). Poderem os então dizer
q u e o preço é determ inado exclusivam ente pelas curvas da
p ro cu ra (a p ro cu ra e a procura recíproca).
A DEDUÇÃO 29

Tem os, po rtan to , a relação D ------------ > P.


O preço constitui assim um indicador de escassez. O que
é válido p ara um m ercado é-o p ara o conjunto dos m ercados.
Os m ercados independentes são, pois, soberanos. A troca é
um a troca directa de um bem por outro. C ada bem é expresso
em função de um outro bem . Mais precisam ente, o preço de
um bem é dado em relação ao preço de um outro. É a con­
sequência da ideia fundam ental de escolha avançada pelos
neoclássicos. O s preços são assim preços relativos: o preço
de X , em relação ao de Y, que escreverem os P x /y . Q uando
buscam os os preços do conjunto dos bens no consumo dos
m ercados, é necessário considerar um bem cujo preço servirá
de referência. Poderem os assim exprim ir os preços das outras
m ercadorias em função deste preço padrão. A m ercadoria,
que servirá de referência, cham ar-se-á num erário (N) e o seu
preço será, p o r hipótese, igual a 1 . E sta m ercadoria pode
ser um a qualquer. M as é necessário um a, p ara que possamos
passar da troca entre dois indivíduos p ara a troca generali­
zada *. Porque se trata de troca (no sentido anterior), o
num erário não é dinheiro. O equilíbrio é um indivíduo real
e não monetário. Os indivíduos perm utam um a certa quan­
tidade do bem X p o r um a certa q uantidade do bem Y. A rela­
ção é X <—----- >Y , e o preço será quer P x /y , quer, no caso
de nos interessar, a determ inação sim ultânea de todos os pre­
ços, no conjunto de todos os m ercados interdependentes,
P x /N , P y /N , etc., com N = 1. Estam os em presença de um
equilíbrio geral, quando o conjunto dos indivíduos está satis­
feito, feliz, equilíbrio esse que se exprim e em term os reais
(um a m ercadoria em relação à o u tra).

Os preços relativos são, po rtan to , indicadores de escas­


sez. Eles são determ inados pela pro cu ra (utilidade m arginal).

■b) Introdução de um a actividade de produção: As m erca­


dorias são em p arte já existentes (patrim ónio do indivíduo)
e em p arte produzidas. A existência de um a actividade produ­

* No sen tid o an terior de tr o c a d irecta de produtos.


{N . ão T. ).
50 SOBRE O VA LO R— • ELEM ENTOS PARA TJMA CRÍTICA

tiva introduz o em presário, que, como q ualquer indivíduo,


tem um com portam ento tendente a m axim izar a utilidade,
que emerge da sua actividade, neste caso, o lucro. As quan­
tidades dos bens de consumo deixam de ser um dado, mas
as dos factores de produção continuam a sê-lo. N a m edida em
q u e, como vim os, a actividade do p ro d u to r em presário obe­
dece rigorosam ente às m esm as regras que a actividade do
indivíduo consum idor, terem os de form a sem elhante a deter­
m inação dos preços. M as o facto novo é que existe agora
um a curva da oferta: a o ferta dos em presários resulta de um a
actividade p rodutiva, ou seja, da com binação de vários facto­
res de produção (coeficientes técnicos).
E sta oferta apresenta-se no m ercado face a um a procura.
Além de independente da procura, ela já não é um a curva de
pro cu ra recíproca. O preço é, pois, determ inado, aparente­
m ente, pela oferta e pela procura. Q uan d o nos colocamos ao
nível da sociedade, ou seja do conjunto dos indivíduos, e,
consequentem ente, dos m ercados X , Y, Z ... A, B, C ...
interdependentes, obtem os um m odelo, no qual as procuras
individuais dos bens, as quantidades produzidas e os respecti­
vos preços (excepto o do num erário igual a 1 ) são incógnitas.
A resolução de tal m odelo perm ite determ inar estes preços de
equilíbrio. (Para sermos mais exactos, seria necessário acres­
cen tar que, se bem que tenham os o mesmo núm ero de in­
cógnitas e de equações, não poderem os garantir que os preços
obtidos correspondam a um a só solução de equilíbrio.)
A satisfação de cada indivíduo, consum idor ou produtor,
é então m áxim a.
N ão deixa, contudo, de parecer que os preços são deter­
m inados igualm ente pela oferta. Sem nos determ os em por­
m enores inúteis p o r agora, devemos dizer que a curva de
oferta de um m ercado corresponde ao agregado do conjunto
de curvas de custos m arginais das em presas, que produzem o
bem em causa, vendido n o m ercado. A í são integrados os
coeficientes técnicos de produção (com binação dos factores
de produção), que poderem os supor fixos ou não. Porém, a
curva da oferta não desem penha exactam ente o mesmo papel
que a curva da procura, ainda que seja ao nível de inter­
secção destas duas curvas que se fixa o preço de equilíbrio.
Por outras palav ras, não existe sim etria. «M as se estes indi-
A DEDUÇÃO 31

víduos, tendo encontrado os serviços produtores necessários


procedessem ao fabrico dessas mesm as m ercadorias e intro­
duzissem os seus produtos no m ercado, as m ercadorias, cujo
preço de venda excedesse o custo de produção, m ultiplicar-
-se-iam e aquelas, cujo custo de produção excedesse o preço
de venda, escasseariam , até que a igualdade do preço de venda
e do custo de produção fosse restabelecida. Eis o problem a da
p rodução e eis com o a consideração dos custos de produção
determ ina a quantidade e não o p r e ç o 9.»
A concorrência p u ra e perfeita (conceito que definirem os
seguidam ente) desem boca, pois, num a situação paradoxal, em
que a procura do m áximo lucro (para além do juro rem une­
rad o r do capital em patado), p o r cada em presário, conduz a
um a situação de equilíbrio, em que deixa de haver lucro.
H avendo lucro, ele atrairia concorrentes, a oferta aumentaria,
o preço seria reduzido o lucro anulado. A busca p o r parte de
cada um do máximo lucro conduz assim a um a situação de
equilíbrio em que o lucro é em todos os casos nulo e onde,
deste m odo, toda a gente deverá ser feliz (a existência, a
contrário, de um lucro em determ inado bem faria decerto que
o p ro d u to r desse bem ficasse satisfeito, mas fa ria tam bém
que os outros produtores, que não pudessem beneficiar desse
rendim ento, não fossem felizes, e, portanto, a sociedade, no
seu conjunto, não se encontraria em situação óptim a).
A oferta, nestas condições (condições discutíveis, m as que não
criticarem os p o r agora), actua apenas sobre as quantidades
que, p o r existir um a procura, fazem v ariar os preços. Os pre­
ços de equilíbrio são, pois, fundam entalm ente determ inados
pela procura (utilidade m arginal ou produtividade m arginal)
e este equilíbrio significa, sim ultaneam ente, que as quantida­
des produzidas são tais, que não se verifica um lucro em
nenhum a em presa, lo so que os custos m arginais são iguais
aos outros custos m édios mínim os.
Assim, mesmo neste caso m ais com plexo, em que exis­
tem dificuldades devidas aos custos, o preço de equilíbrio ê
determ inado fundam entalm ente pela procura. Ê um indicador
de escassez.

Assim p p n r iT P a —^ PPFCO
52 SOBRE O VALOR— ■ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

C. E quilíbrio p ertu rb ad o e p apel desem penhado pela lei do


valor

M ostrám os como se passava do equilíbrio individual ao


equilíbrio geral, havendo ou não um a actividade produtiva.
V im os assim com o eram determ inados os preços, e, deste
m odo, realçam os o profundo sentido da teoria subjectiva do
valor. D izer que o preço é determ inado pela utilidade m ar­
ginal é pressupor que o com portam ento do indivíduo consiste
em m axim izar a sua utilidade (ou lucro), dado que node
fazê-lo, efectuando escolhas (afectação óptim a de recursos) e
ainda pressupor que o resultado final será q ue o conjunto dos
indivíduos obtém a satisfação m áxim a, p orque cada um deles
a obtém individualm ente.

M as n ã o basta chegarm os a este ponto. É necessário


m ostrar como, se este equilíbrio for perturbado, se regressa
— sob certas condições — a novo equilíbrio. Ê necessário
m ostrar que o regresso ao equilíbrio im plica que a lei do valor
p ode actuar em pleno. Irem os fazê-lo rapidam ente.

«P ara que o equilíbrio seja estável, é necessário que um


ligeiro m ovim ento, a p a rtir de um a situação de equilíbrio,
faça intervir outras forças, que tenderão restabelecê-lo. Isto
equivale a dizer que um a elevação dos preços acima do nível
de equilíbrio deverá necessariam ente provocar a intervenção
de forças tendentes a um a dim inuição dos mesmos, o que
im plica, em concorrência p u ra e perfeita, que um a alta nos
preços torne a o ferta m ais im portante que a procura. A con­
dição de estabilidade é, pois, a seguinte: um a alta dos preços
to rn a a oferta m ais im portante que a procura» (H icks, p. 55).
A condição de equilíbrio no m ercado é, p ortanto: O x = D x,
sendo a de estabilidade: Px 4, ----- > Dx f tal que D x > Ox
ou dx > O (procura excedentária p o s itiv a )10.

a) Troca de dois bens x e y

As condições de equilíbrio são as mesm as para x e para y.


N este ponto verificarem os quais as im plicações de um a baixa
do preço de X no seu m ercado. D epois, num segundo ponto,
A DEDUÇÃO 53

analisarem os as consequências da baixa do preço de X sobre


os outros m ercados (interdependência).

A baixa do preço de X provoca dois efeitos. O prim eiro


é o efeito de substituição. Q uando o preço de X dim inuir, a
procura aum enta e a oferta contrai-se. D aí resulta um a pro­
cu ra exoedentária positiva (dxt). O segundo é um efeito de
rendim ento. A baixa do preço de X conduz a um acréscimo
da procura, exceptuando-se, é claro, o ,caso dos bens inferio­
res. O problem a torna-se, no entanto, mais delicado, no to­
cante à oferta. Esta pode crescer ou decrescer. A procura
excedentária (dx2) não é, pois, necessariam ente positiva.
Ê necessário, po rtan to , estudar, caso p o r caso, a evolução da
oferta, na m edida em que esta, não só determ ina a existência
de um a pro cu ra excedentária positiva ou negativa (dx2), mas
determ ina igualm ente o efeito final, p o r com paração desta
procura excedentária (dx2) com aquela, que resulta do efeito
de substituição (dxi).

Analisem os pois a evolução da oferta:

— A quele que oferece pode desejar m anter o seu rendi­


m ento total, apesar da baixa do preço de X . A um entará natu ­
ralm ente a sua oferta, em bora ganhe menos por unidade ven­
dida. Se o aum ento da oferta corresponde ao aum ento da p ro ­
cura, a procura excedentária, que resulta do efeito de rendi­
m ento, é nula. Como o excedente de procu ra, que resulta do
efeito d e substituição, é positivo, o excedente de procura
total (dx = dxi + dx2) é igualm ente positivo. O m ercado de
X regressa ao equilíbrio, dado que a condição de estabilidade
é cum prida. A contrário, o m ercado de X não regressará ao
equilíbrio, q u ando a procura excedentária final fo r negativa.
O ra, pode ser este o caso, quando o acréscimo da oferta é
tal, que a procu ra excedentária, que resulta do efeito de ren­
dim ento, não só é negativa, mas tam bém assume um valor em
que o efeito final não é positivo (dx 2 < 'O tal que | dx 2 1 > |
dxi | e dx < O ).

Tem os assim caso — m uito p articu lar — em que as for­


ças contrárias não poderão actuar. Os neoclássicos gostam , de
54 SOBRE' O VALOR — ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

um a form a geral, de estu d ar este tipo de casos. O nosso pro­


pósito é apenas m ostrar que tais casos podem dar-se e neles
a lei do valor — segundo os neoclássicos — não pode actuar.
Estes casos, especiais, são, em geral, considerados aberrantes
e a política económ ica deve agir de m odo a eliminá-los (daí
a necessidade de os detectar com rigor).

b) Trocas m últiplas, interdependência.

Q u alq u er desequilíbrio n u m m ercado repercute-se neces­


sariam ente sobre outros que, em contra p artid a, podem
influenciar, de novo, aquele em que inicialm ente se verificou
a perturbação e podem , um a vez m ais, desequilibrá-lo, se,
entretanto, ele tiver voltado ao equilíbrio. O raciocínio é
im portante, pois trata-se de m ostrar que, se as decisões indi­
viduais são respeitadas, não só a situação, que se obtém , é a
m elhor, m as tam bém qualq u er p erturbação não poderá con­
duzir ao caos, m as sim ao retorno a este óptim o, sem pre no
caso de a «liberdade» re in a r...
Suponham os, p a ra sim plificar, que O' m ercado de X é
estável, mas que o m ercado de Y é p ertu rb ado (Py t ) por
um deus ex m achina (ou seja, não im porta p orquê — há que
não fazer p erg u n tas... pois pode estragar-se tu d o ! ) . Q ue
acontece a M x ? Sem pre dois efeitos: um efeito de rendim ento
e um efeito de substituição.

Prim eiro efeito: de rendim ento. Podem os considerar que


é fraco (salvo se o bem Y era quantitativam ente im portante
— em relação a X — no «cabaz de com pras» do consum i­
dor). O aum ento de preço de Y conduz a um a p ro cura exce-
dentária negativa de Y e a um a ligeira baixa n a de X.

Segundo efeito: de substituição. D everem os considerar


dois casos lim ites:

— X e Y são estritam ente sucedâneos: U m a elevação no


preço de Y leva a um aum ento da p ro cu ra de X , que, graças
à lei do valor, acarreta um a alta n o preço de X , que conduz
a um regresso à situação de equilíbrio, p o r reabsorção do
excedente (D x 4- ef. o 1.° ponto).
A DEDUÇÃO 35

— X e Y são bens estritam ente com plem entares: A ele­


vação do preço de Y im plica um a baixa na sua procura, mas,
por definição, baixará tam bém a procura de X. A procura
excedentária de X torna-se negativa, o q u e conduz a um a
redução do seu preço. A elevação do preço de Y suscita, pois,
um a dim inuião do preço de X. Existem , po rtan to , neste caso
m últiplos problem as, podendo o desequilíbrio ser cum ulativo
e generalizável aos outros m ercados. C om preendem os a razão
pela qual o caso dos bens com plem entares não é n ad a apre­
ciado pelos neoclássicos. Pois é precisam ente o caso em que
não se pode escolher.

A filosofia geral é, portanto, simples: se o equilíbrio


global não existe, ou se, existindo, não node ser reatingido,
após um a perturbação, é porque os «autom atism os livres»
do m ercado (dos m ercados) não puderam funcionar. Pode ser,
por exem plo, o caso da existência de m onopólios que vão
entravar a baixa de preços necessária, face a um a procura
excedentária negativa. O u ainda o caso dos sindicatos (sim,
■sim !) pois que, obrigando os patrões a pagar m ais do que
deveriam , im pedem a baixa dos preços (dos salários), quando
esta se torna necessária (caso em que a procura de trabalho é
inferior à o ferta de trabalho p o r p arte dos trabalhadores).
M elhor, favoreceriam o desem prego, pois não perm itiriam que
este fosse reabsorvido. Força m aléfica, os sindicatos devem,
pois, ser suprim idos (hoje, mais prudentem ente, dir-se-ia que
os sindicatos deverão ser «responsáveis», tal como os sindi­
catos alem ães). N ão são os hom ens iguais entre si ? (revolu­
ção de 1789, lei d e \L e C hapelier). U m trab alh ad o r não é
igual ao seu patrão ? Associarem-se é, necessariam ente, blo­
quear o livre jogo de m ercad o ... e daí não perm itirem que os
indivíduos atinjam o paraíso da satisfação m áxim a.
Eis com o, p artin d o de um a ideia simples, evidente à
prim eira vista — a escolha, a opção — se chega ao equilí­
brio, e do equilíbrio às suas consequências sociais, justifica­
das precisam ente pela necessidade de m anter a liberdade indi­
vidual. Q ue esta liberdade seja form al ou não, que im porta ? ...
a apologia d o sistem a encontra aí o seu fundam ento pseudo-
científico.
56 SOBRE O VALOR — ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

RESUM O

O equilibrio do consum idor e do p ro d u to r obedece às


m esmas leis. O s dois indivíduos situam-se rigorosam ente em
p é de igualdade. Cada um deles pode transform ar-se no outro,
se assim o desejar, sem qualq u er obstáculo a dificultar-lhe o
cam inho. E sta hom ogeneidade dos indivíduos e dos com por­
tam entos resulta na constituição de diversos m ercados funda­
m entalm ente idênticos. Os m ercados de bens e os m ercados
d e factores de produção constituem pólos situados exacta­
m ente sobre o m esm o plano. N ão existe q ualquer hierarquia.
A penas os laços de interdependência se m anifestam . Nestes
m ercados os preços dos bens e dos factores de produção 11
são determ inados. Os m ercados são, pois, soberanos, defi­
n indo o quadro em que os indivíduos deverão o p tar (fixando
preços), mas eles próprios são form ados pelo som atório das
vontades (opções) individuais.

¡Podemos estabelecer o seguinte paralelism o:

TEO RIA 'DO CONSUM IDOR T EO R IA DO PRO DU TO R

— V erifica-se equilíbrio, s e da­ -V erifica-se equilíbrio se, para


dos os preços o s preços de aluguer, tem os

TJMx UM y UM z P té A P té R P té M

Px Py Pz PA PB PM

— Introduzida um a perturba­ - Introduzida um a perturba­


ção: ção:

E feito d e rendim ento, efeito E fe ito de rendim ento, efeito


de su bstituição: de su b stitu ição:

C urva de procura in­ _^ C urva de procura in­


dividual dividual
Px
Q Q
A DEDUÇÃO 37

ê um a curva teórica. é u m a cu rva teórica.


— passagem ao m ercado de X —ip a ssa g em a o m ercado de A

(nível dos consum idores) (n ível dos produtores)

—•interdependência dos m er­ —■interdependência dos m er­


cados de X e de Y, condi­ cados de A e de B , condi­
ção de estabilidade, se ções d e estabilidade, se
Px f — > d x > O— ► P x PA 4, > dA > 0 — PA<-

t t

Interdependência de m ercados de bens e de fa c to r e s de


produção: P x f — ► O ferta de X f D a f p ara produzir
m aior quantidade de X , P a 4,, etc.
A lei do v alor actu a : D ------------ > P

Sem evocar, p o r en q u an to (cf. a 3.a etapa), que tipo de


problem a específico pode arrastar a agregação das curvas
de procura individuais de factores de produção, recordem os
um a vez m ais que a interdependência de m ercados, situados
ao mesmo nível, é a consequência lógica das decisões indivi­
duais. Certam ente se poderia objectar que esta interdependên­
cia terá tam bém p o r origem o facto de, p ara p roduzir este ou
aquele bem , ser necessária esta o u aquela com binação produ­
tiva. O aum ento do preço de X arrasta assim um acréscimo
na procura dos factores de produção (A no nosso^ caso), que
servem p ara produzi-lo. E sta interdependência será tam bém
de natureza técnica. D e facto, podem os dizer que esta interde­
pendência técnica é desprezada, apesar da existência de coefi­
cientes técnicos, que já assinalám os. «À prim eira vista, isto
pode parecer estranho, pois que, como é evidente, a análise
de um a (a interdependência dos m ercados) conduz ao estudo
d a outra (interdependência técnica). M as num âm bito estri­
tam ente neoclássico, esta conexão não pode ser efectuada
facilm ente, dado que os factores, que influem na oferta e os
que determ inam a procura, são pressupostam ente independen­
tes. Segundo a visão neoclássica da econom ia, os m ercados
estão ligados uns aos outros, não p orque os diferentes p ro d u ­
tos sejam consum idos no fabrico de outros, mas po rq u e, por
exemplo, a com pra de um a q u antidade exagerada de um bem
58 SOBRE O VA LO R— ■ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

q u a lq u e r p e rtu rb a a p ro cu ra dos outros m ercados; de igual


m odo, a produção de um a q u antidade mais elevada de qual­
q u er bem p ertu rb a a procu ra nos outros m ercados; ainda na
m esm a linha, a p rodução de um a m aior q uantidade de um bem
tem influência sobre os factores de produção, afastando-os
da produção de outros bens». (E. S. N ell). E, parafraseando
Sraffa, N ell acrescenta: «A produção é considerada como um a
espécie de ru a de sentido único, em que os «factores finais»
são transform ados em «produtos finais», sendo ignoradas to­
das as etapas interm édias, fixando-se a atenção, p o r um lado,
sobre as condições q u e influenciam a venda dos produtos
finais e, p o r outro, sobre a rem uneração dos «factores». N um
tal sistema, a p rodução poderia ser tecnicam ente interdepen­
dente, mas esta característica não se torn a de m odo nenhum
necessária, dado que a escassez dos factores é condição sufi­
ciente de interdependência dos m e rc a d o s12».
C om preende-se, desde logo, porque é que no sistema
neoclássico o indivíduo pode ser soberano, sendo escravo dos
m ercados que ele p ró p rio subproduz, devido às suas opções
em com um com os outros indivíduos.

3. A generalização: a teoria da não exploração

Irem os estudar sucessivam ente três pontos:

— A teoria da repartição deduzida da análise precedente;


— A teoria da repartição vista sob um ângulo im ediata­
m ente m acroeconôm ico;
— A teoria da repartição e a sua representação sob a
form a de função de produção.

A) A teoria da repartião deduzida da análise precedente

As m ercadorias são fabricadas com o auxílio dos «facto­


res de produção»: trab alh o e capital. O trab alh ad o r aluga o
seu trabalho ao em presário. Com o rendim ento, que obtém ,
pode efectivar escolhas, com prar aquilo que lhe apetece. O u
m elhor, podem os afirm ar que a sua decisão de trab alh ar
repousa sobre u m a escolha: tra b a lh a r ou n ão trabalhar. T ra ­
b alh ar, se o salário é suficiente p a ra com pensar o sacrifício e
A DEDXJÇÃO 59

satisfazer as suas necessidades. Caso contrário, não trab alh ar


(desemprego vo lu n tá rio ...). O em presário — indivíduo como
os outros — en co n tra num certo m ercado os fundos necessá­
rios p ara efectuar um a escolha: tanto de trabalho, tanto de
capital, p ara p ro d u zir um a determ inada quantidade. T al como
em relação ao trab alh ad o r pode-se mesmo dizer que a sua
decisão de «em preender», resulta de um a opção: em preender
no caso do rendim ento que espera ex trair ser satisfatório, não
em preender, no caso contrário.
T rabalhadores e em presários decidem e escolhem , se­
gundo os preços, que resultam dos m ercados. 'Estes p re to s
são os preços dos factores de produção. T rata-se para os
neoclássicos de factores de produção, m ais do que bens de
produção. O trabalho e, sobretudo, o capital, não participam
apenas na criação do valor. São p arte integrante desta criação
de valor. É o que os distingue dos simples inputs. D esde logo,
a determ inação dos seus preços de «aluguer» perm itirá expli­
car como se distribui o valor criado. A análise da determ ina­
ção destes preços ê, pois, a análise da repartição dos rendi­
mentos. Salário, taxa de juro, preços dos factores de produção
são determ inados nos respectivos m ercados pela sua produti­
vidade m arginal com o o preço de qualquer m ercadoria o é
pela utilidade m arginal. Os factores de produção são, pois,
pagos na proporção em que contribuem p a ra a criação do
valor.
Ao longo de toda a nossa análise, insistim os sobre o
paralelismo que existia entre a determ inação dos preços
das m ercadorias e dos factores de produção. Isto significa,
repitam o-lo, que a análise do equilíbrio do consum idor (ou
do produtor) não é neutra.
'Pelas hipóteses e pelo desenvolvim ento, ela conduz à
teoria do valor utilidade, segundo a q ual os preços das m er­
cadorias são determ inados pela utilidade m arginal e os preços
dos factores de produção pela produtividade m arginal. Pelas
hipóteses e pela dedução chega-se assim logicam ente à teoria
da não exploração e, logo, à harm onia universal. Tese extre­
m am ente ú til p ara as políticas económicas que a têm por ori­
gem, pois surge como um a justificação, q u an d o acontece pre­
cisam ente que um factor de produção (o trabalho) é
explorado.
40 SOBRE O VALOR — ELEM EN TOS PARA TJMA CRÍTICA

O problem a é m uito mais com plexo do que parece à pri­


m eira vista. Já evocám os a sua dificuldade, quando dissemos
qu e os preços das m ercadorias eram preços de com pra, en­
q u an to que os preços dos factores de produção eram preços
de «aluguer» 13. Mais precisam ente, o em presário escolhe e
com bina factores de produção, de tal form a que as produti-
vidades m arginais ponderadas pelos preços sejam todas iguais
en tre si. M as ao seu nível os factores de produção em causa
são constituídos, certam ente, p o r trabalho, mas tam bém e
sobretudo, por u m conjunto de bens de produção específicos,
tais com o to m o s, m áquinas de lam inar, fresadoras, etc.
O btêm -se as curvas de p ro cu ra destes bens de produção,
agregando as curvas de procura individual de cada em presá­
rio , referentes a estes bens. O btêm -se então os m ercados de
tornos, lam inadores, fresadoras, etc.
A dificuldade provém do facto de não nos interessar
n ad a perm anecer a este nível. Para fazer um a teoria da repar­
tição dos rendim entos, é necessário ultrapassar o plano do
torno, do laminador, da fresadora, etc. D o mesmo m odo que
consideram os o m ercado do tra b a lh o , 14 é necessário term os
um m ercado do conjunto destes bens de produção, ou seja, o
m ercado do capital. Assim , podem os m ostrar com o se distri­
b u i o valor criado pelo dois (três, se considerarm os a terra)
factores de produção: o trabalho e o capital.
Mas é aí que reside a dificuldade. Com efeito, os tornos,
as fresadoras, etc., apenas constituirão um factor de produção,
se este for hom ogêneo, pois um produto define-se pela sua
ho m o g en eid a d e1S. O ra os referidos bens de produção são pro­
dutos diferentes, logo não hom ogéneos. N ão podem os agre­
gar curvas de procura e oferta correspondentes aos m ercados
de tornos, lam inadores, fresadoras, etc. p ara o b ter o m ercado
do capital, factor de produção tal com o não se podem somar
cenouras e nabos. A única solução que pode existir consiste
em hom ogeneizar estes diversos factores de produção através
de um preço. Poderão então ser com paráveis e susceptíveis de
agregação. Poderem os, p ara utilizar um a expressão recente,
fazer a soma de «capitais heterogéneos» (Sam uelson). O preço
que p ode servir de referência, pode ser o preço unitário da
m ercadoria que escolhemos como num erário. Assim podemos
exprim ir o torno em bens de consum o X , a fresadora idem,
A DEDUÇÃO 41

etc. O capital — conjunto destes capitais heterogéneos, con­


junto destas «coisas» — será hom ogeneizado através de um
preço: o preço do capital em bens de consum o (preço rela­
tivo). Passarem os assim da produtividade m arginal, em ter­
mos físicos, do torno, da fresadora, etc., à. produtividade
m arginal dita em valor do capital.
Como nos situam os sem pre ao nível do equilíbrio geral
em term os reais 16 (preço relativo), o capital, enquanto factor
de produção, transform ar-se-á deste m odo em algo indefinido,
um conjunto de coisas concretas, m as como coisa «homogé­
nea» (tornada hom ogénea), p rocurada e oferecida num m er­
cado, algo totalm ente incom preensível. N ão será um torno,
nem um a fresadora, mas tudo ao mesmo tem po, ou seja um a
coisa q u a lq u e r17. C om preende-se p o r que razão os econo­
mistas neoclássicos puderam eles próprios evocar recentem ente
estes problem as, caracterizando o seu capital com o um capi­
tal geleia, resum indo assim a sua dificuldade em aprender o
inapreensível. T riste ironia da sorte p ara aqueles que dese­
javam p artir de «coisas concretas», de com portam entos que
se pretendiam naturais.
Sobre este m ercado do capital determ ina-se um preço.
Este preço é a taxa de juro. Ê determ inada pela produtividade
marginal, porque cada um dos seus elementos o é tam bém .
O capital — enquanto factor de produção — é rem unerado
pela sua produtividade m arginal e o trabalho idem. Os dois fac­
tores de produção são, pois, rem unerados na proporção em
que contribuem p ara o processo de criação de valor. N enhum
deles — se o equilíbrio geral é respeitado — é explorado.
N ão há exploradores nem explorados. Ê lógico, um a vez que
os indivíduos são pressupostam ente iguais e podem m axim i­
za r as suas satisfações. A lguns com pram bens de consum o,
vendem os seus serviços (o trabalho), em prestam um a parte
do seu rendim ento, q u e preferem não consum ir im ediata­
m ente (teoria da abstinência) e, portan to , «oferecem capital».
O utros alugam os serviços do trabalho, pedem em prestado
capital, e, com um a com binação óptim a destes factores, fazem
produzir bens de consumo ou de p ro d u ç ã o ls. N o m ercado
do capital (e no trabalho 19 verificam -se as m esm as condições
de equilíbrio e de estabilidade que nos outros m ercados.
A um a baix a do preço de o ferta do capital (a taxa de juro)
42 SOBRE O VALOR— >ELEM EN TOS PARA TJMA CRÍTICA

deveria .corresponder u m a escolha preferencial d o capital em


detrim ento do trabalho, tornando-se aquele relativam ente
m enos caro d o que este. D esta baixa da taxa de juro deveria
resultar um aum ento da intensidade de utilização do capital

i i -------------> — t
L

CO N CLU SÃ O

C om o lem bram os atrás, a passagem do equilíbrio do


p ro d u to r ao equilíbrio dos produtores não se efectua sem sur­
girem m últiplos problem as. Estes problem as residem essen­
cialm ente:

— n a dificuldade em conceber as ligações entre os m er­


cados dos diferentes bens de produção e o m ercado do capital,
«conjunto» destes bens;
-— na dificuldade de conceber, no quadro de um sistema
económ ico tom ado em term os reais, o que poderão ser con­
cretam ente a oferta e a procura de capital.

A dificuldade, em últim a análise, reside na passagem de


um a análise da troca e da «produção» (interdependência dos
m ercados) ou seja, a um a análise em que os factores de pro­
dução (trabalho, capital) serão rem unerados na proporção em
que cada um deles contribuiu p ara a criação de valor,
quando se verificam as condições de equilíbrio geral.
É isto que perm ite explicar p orque é que, em geral, os
autores neoclássicos se viram em dificuldades, quando se
tratav a de definir o que era exactam ente o capital. A presen­
tám os um a p arte essencial do raciocínio. Evocám os ainda
algumas outras. Resta acrescentar que a m aioria das vezes,
sobre este ponto nodal, tais raciocínios são apenas esboçados,
quan d o n ã o integralm ente ignorados, pelos econom istas neo­
clássicos contem porâneos, até quase aos nossos d ia s 20. Pas­
sa-se levianam ente do cálculo da p rodutividade física de um
factor de produção (o torno, a fresadora) p a ra a determ inação
da taxa de lu c r o 21, através da produtiv id ade m arginal (em
A DEDUÇÃO 45

valor) do factor de produção capital, p o r sim ples extensão


ou generalização, como se tal fosse um a coisa perfeitam ente
linear. N ada de supreendente, pois que não se defina o capi­
tal, o que é, com o se obtém . «Ensina-se o estudante de ciências
económicas a escrever y = f (L, K) (função de produção), em
que L é a q uantidade de trabalho, K a quantidade de capital
e y o volume anual de bens produzidos. Recom enda-se-lhe que
não diferencie os trabalhadores, m edindo deste m odo L em
hom ens-horas, com o quantidade de trabalho, e fala-se-lhe do
problem a dos núm eros-índices que é colocado pela escolha
de um a unidade de m edida do p ro d u to ; neste m om ento, apre­
senta-se-lhe subitam ente a questão seguinte, na esperança de
que ele se esqueça de perguntar em que unidade se deve m edir
o K. E, antes mesmo de ele ter posto esta questão, ele já
se tornou p ro fe s s o r22...» . E nfim , nada de surpreendente, pois
escamotear esta questão é poder concluir sem aparentes difi­
culdades que a repartição dos rendim entos é óptim a, quando
cada um dos factores de produção (capital e trabalho) é rem u­
nerado pelo que lhe é devido, ou seja, logo que as condições
desequilíbrio geral estejam cum pridas. A m bos estão felizes.
Não existe exploração. A utojustificação do sistém a, que se
alim enta destes «esquecim entos» na análise, e que facilm ente
reveste form as científicas pela m atem atização a que se presta,
explorando assim abusivam ente num erosos estudantes para
quem o hábito fa z m uitas vezes o monge.

Estas dificuldades em m ostrar que pode e deve existir


— no quadro do sistema capitalista — um estado de equilí­
b rio em que ninguém é explorado, e que, mesmo se acidental­
m ente pudessem existir explorados, nenhum indivíduo seria
ex p lo ra d o r 23 são dificuldades reais. N ão nos surpreendem ,
no entanto, pois trata-se de negar a realidade c o n c re ta ... para
a «explicar». A pesar disso, o facto de estas dificuldades exis­
tirem não nos perm ite refu tar a análise neoclássica a nível
d a sua coerência interna. N a m elhor das hipóteses, apenas
poderem os supor — n a fase em que nos encontram os — que
essas dificuldades são reveladoras da problem ática que conhe­
ceu o sistem a neoclássico a nível da sua p ró p ria coerência,
questão que estudarem os em seguida.
44 SOBRE O VALOR — ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

B. A teoria da repartição observada sob um ângulo


im ediatam ente m acroeconôm ico

Porque estas dificuldades existem, um a o u tra corrente


d e pensam ento — no seio dos neoclássicos — im aginou po­
der escamoteá-las abandonando o(s) indivíduo(s) e situan-
do-se im ediatam ente ao nível das grandezas globais: R endi­
m ento, C apital, T rabalho. Esta corrente inspira-se no sistema
m acroeconôm ico de Ricardo e tenta ultrapassá-lo, corrigindo
a análise clássica da determ inação do preço do trabalho, do
c ap ital, e da te rra utilizada. M ais concretam ente, esta cor­
rente tenta hom ogeneizar a análise de R icardo. A análise de
R icardo m ostra com efeito que o preço do trigo é determ i­
n ado pela ú ltim a unidade de te rra utilizada (a unidade mar­
ginal de terra), de tal form a que os proprietários fundiários
possuidores das primeiras terras cultivadas, extraem uma
renda igual à diferença en tre o preço do trigo (fixado pela
ú ltim a unidade) e o custo desse tr. > (fixado pela unidade
de te rra utilizada), sendo, no entam , o preço do trabalho
e do capital determ inados de m aneira diferente.
A p a rtir do m om ento em que se considera que terra,
trab alh o e capital são factores de produção, o u seja, coiscis
susceptíveis de criar valor, dever-se-ia, para se m anter a coe­
rência, adoptar um m étodo de determ inação sem elhante para
o preço de cada um destes factores. Senão, poderíam os dedu­
zir que não se tratav a de factores de p ro d u ção ou que, por
exem plo, apenas o trabalho é criador de valor e que os bens
de produção, longe de criarem valor, apenas transferem o seu
valor. O objectivo desta corrente de pensam ento consistirá
prim eiro em pressupor que terra, trabalho e capital consti­
tuem factores de produção e depois em m ostrar que, genera­
lizando o sistem a de determ inação do preço da terra — factor
de p ro d u ç ã o — aos outros factores, se pode efectuar um a
determ inação análoga do preço destes últim os. Assim, não
som ente a ren d a seria determ inada pela produtividade m ar­
ginal da terra, mas tam bém a taxa de lucro (ou juro) o seria
pela produtividade m arginal do capital e, finalm ente, a taxa
d e salário p ela produtividade m arginal d o trabalho. É este tipo
A DEDUÇÃO 45

de raciocínio que J. B. C lark efectua no final do século


passado.
Este estudo levantou logo de início alguns problem as.
A generalização do raciocinio de R icardo poderia ter sido
válida, se a determ inação do preço da te rra obedecesse ao
princípio da produtividade m arginal. D e facto, tal não se
verifica. A análise da renda de Ricardo é diferencial. Não
obedece, pois, a este principio. Trata-se, n o caso de R icardo,
de considerar terras diferentes de fertilidades diferentes.
O preço do trigo só depende da últim a térra utilizada, na
condição desta ser a menos fértil. Q uanto m ais cresce a pro­
cu ra do trigo, m ais se alarga a superficie cultivada a terras
cada vez menos férteis. A firm ar que o preço do trigo depende
da térra m enos fértil utilizada é dizer, p o r um lado, que esta
terra não recebe renda e, p o r outro, q u e apenas as terras
m ais férteis recebem um a ren d a, igual à diferença entre o
custo do trigo na térra m enos fértil (o preço) e o custo do
trigo nas terras m ais férteis. A ren d a não existe, pois, no caso
da últim a térra utilizada, precisam ente porque se tra ta da
m enos fértil. N ão é rem unerada ao seu preço, igual à renda
— produtividade m arginal — pois que esta últim a não existe.
A vancem os agora um pouco m ais. O princípio da deter­
m inação do preço da térra pela produtividade m arginal — ou
se ja pela últim a térra cultivada — não pode ser aplicado,
pois que as prim eiras e as últim as terras não são sem elhantes,
em R icardo. Trata-se de terras com fertilidades diferentes e,
daqui, se seguirm os a lógica neoclássica, cada terra diferen­
ciada pela sua produtividade, deveria constituir um factor de
produção. P or outras palavras, a te rra não é hom ogénea
(fertilidade diferenciada). Ela n ão é, pois, um factor de pro­
dução, um a vez que este — como q ualquer outro produto—
se define pela sua hom ogeneidade. P ara se conhecer o acrés­
cim o de p ro d u to obtido pelo aum ento do factor de p rodução
SQ
------- é ain d a condicão necessária, que o acréscim o sei a da
ST
m esm a natu reza que o factor de p rodução utilizado anterior­
m ente. D e outro modo não podem os efectuar este tip o de
cálculo.
46 SOBRE O VALOR — ELEM EN TOS PARA DMA CRÍTICA

E assim voltam os a encontrar o problem a que havíamos


colocado a propósito do < capital. T ornos, fresadoras, lam ina­
dores, etc., constituem factores de produção 'heterogéneos,
tal como acontecia com as prim eiras e as últim as terras utili­
zadas. N ão as poderíam os to rn ar hom ogéneas, a m enos que
o fizéssemos através de um preço (num erário). O problem a
das condições de agregação encontra-se de novo colocado, se
bem que tivéssemos partido de um a análise m acroeconôm ica
e não de um a análise a nível m icroeconóm ico.
Este tipo de crítica não é re c e n te 24, se bem que apenas"
recentem ente fosse form alizado. O que é interessante não é
tanto o facto de este tipo de crítica ter sido esboçada, mesmo
p o r alguns neoclássicos ávidos de coerência interna, m as,
sim, que tais críticas tenham sido p u ra e sim plesm ente
ignoradas.
Se bem que a relação com R icardo seja ténue e que a
«generalização» seja contestável, vejamos em porm enor como
é elaborada a teoria da repartição, segundo as produtividades
m arginais, a este nível m acroeconôm ico.
Supõe-se que, p ara pro d u zir um a certa quantidade y°,
são necessários dois factores de produção, o capital e o tra­
balho, em quantidades determ inadas.

O objectivo é p ro d u zir um a certa q uantidade y°. O ra­


ciocínio é válido para o curto prazo. Supõe-se, pois, que
pode v ariar apenas um dos factores de produção, perm ane­
cendo o o u tro constante. Im aginem os que o factor trabalho
pode v ariar. Q uanto m aior é o aum ento da quantidade utili­
zada deste facto r m ais decresce a sua produtividade m argi­
nal 25 (curva DB).
Ki
Inicialm ente, tem os — . P ara obter y° o facto r traba-
L,
lho aum enta e passa de Li p ara L2. O bterem os então y° com
Kj
a com binação — . O trabalho é pago pela sua produtividade
L2
A DEDUÇÃO 47

m arginal, n a m edida em que existe interesse em contratar


trabalhadores suplem entares, enquanto a taxa de salario for
inferior à produtividade m arginal do trabalho.
O produto y° é igual à superfície do trapézio OBD L 2,
em que OD é o p roduto por trab alh ad o r e O L 2 o núm ero de
•trabalhadores. A taxa de salário é O C, igual a BL 2, p ro d u ti­
vidade m arginal do trabalho, quando O L 2 trabalhadores são
utilizados. A m assa de salários é, pois, equivalente ài super­
fície L 2BOC, o u seja ao produto da produtividade m arginal
pelo núm ero de trabalhadores. Resta a superfície DCB. Ela
representa a fracção a conceder ao capital Ki. 'Pode-se então
afirm ar que a rem uneração do capital representa um resíduo.
A taxa d e ju ro — custo unitário do c a p ita l— é pois um
resíduo dividido p o r .certa q uantidade de capital.

A originalidade desta análise advém da inversão que ela


faz dos dados do problem a. T rata-se, como sempre, de pro­
duzir a q u antidade y°, m as, desta vez, fazendo v ariar a quan­
tidade de capital, sendo constante a quantidade de trabalho.
Ko
Inicialm ente temos a com binação — . A quantidade de
L2
capital passa de Ko a Ki, sendo Ki > Ko. Como qualquer outro
facto r de produção, a su a produtiv id ad e m arginal é decres-
48 SOBRE O VALOR — ELEM ENTOS PARA UMA CRÍTICA

cente. O em preendedor p ed irá em prestado capital até ao


ponto em que o p roduto obtido pela aplicação da últim a
unidade de capital (produtividade m arginal) é equivalente
ao custo dessa m esm a unidade (taxa de juro).

O p ro d u to y° é igual à superfície do trapézio M O K iJ,


em que OM representa o p ro d u to p o r unidade de capital
utilizada (tam bém cham ada produtividade m édia) e OKi a
q uantidade de capital utilizada de form a a igualar a produ­
tividade m arginal e a taxa de juro O N . A parte correspon­
dente ao capital é, pois, igual ao produto da sua produtivi­
dade m arginal JKi pela q uantidade OKi ou seja, a superfí­
cie OKi JN . Resta, pois, p ara com pletar a superfície do tra­
pézio, a área M N J, q u e se destina à rem uneração dos trab a­
lhadores. P ortanto, a m assa de salários é, neste caso, um
resíduo. A taxa de salário é o quociente deste resíduo pelo
núm ero de trabalhadores.
É bom recordarm os q u e nos estam os a referir sem pre à
m esm a q uantidade de produtos y°. N um caso, a taxa de salá­
rio é determ inada pela sua produtividade m arginal e, no
ou tro , pelo resíduo, dividido pelo núm ero de trabalhadores.
Inversam ente, num caso, a taxa de lu cro é determ inada pelo
q uociente do resíduo pela q u an tid ad e de capital e, no outro,
pela p ro d u tiv id ad e m arginal d o capital.
A DEDUÇÃO 49

P ara cada factor de produção, o resíduo «unitário» cor­


responde à produtividade m arginal, com um a condição, po­
rém : — que tal seja verdadeiro, pelo m enos, p ara um dos
factores. P or outras palavras, não basta que as superfícies
dos dois trapézios sejam iguais p a ra daí se deduzir que as
superfícies ocupadas por cada factor são correspondentes.
Para que a superfície e O N JK i seja igual à superfície CDB,
quer dizer, p ara que a produtividade m arginal do capital
m ultiplicada pela quantidade de capital seja igual ao resíduo,
é necessário e suficiente que não exista um sobrelucro neste
resíduo. É preciso, pois, supor um a p erfeita m obilidade do
capital, de tal form a que os sobrelucros sejam elim inados.
Resum idam ente, deveria existir um estado de concorrência
p u ra e perfeita.
Se este estado existe, estam os então em equilíbrio. O ra ­
ciocínio torna-se rigoroso. Os factores de produção são rem u­
nerados pela sua produtividade m arginal. É esta q u e deter­
m ina o nível de tal rem uneração. N ão existe exploração.

C. R epartição e função de produção

D esde o início, os neoclássicos form alizaram o seu racio­


cínio, introduzindo a função de produção m acroeconôm ica26.
Esta função adquiriu um a posição de grande relevo n a aná­
lise. Por essa razão, é ú til relem brar rapidam ente o que
representa não a função de produção «tout court», mas a
função de produção neoclássica.

a) Função de produção e escolha das técnicas

Ao nível m ais geral, a função de produção é um a rela­


ção particu lar entre os inputs (os factores de produção) e a
q uantidade produzida. A função de produção, p ara um dado
nível de conhecim entos, descreve as diversas com binações
produtivas e estabelece um a relação en tre estas e a q u anti­
dade produzida.
M ais precisam ente, no q u e diz respeito aos neoclássicos,
a junção de produção m icroeconóm ica indica qual a com bi­
nação prod u tiv a que m axim iza a taxa de lucro, de en tre n
50 SOBRE O VALOR — ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

com binações produtivas possíveis. O em presário .conhece um


leque de técnicas de produção. Estas podem ser definidas pelo
seu coeficiente de fabricação, ou seja, a relação en tre a quan­
tidade p roduzida e a quantidade de factores utilizados. O em ­
presário conhece a taxa de salário. O seu objectivo é, pois,
operar um a escolha, de tal m odo que, m unido de um conjunto
de técnicas e da taxa de salário, ele escolhe a técnica óptim a:
aquela, precisam ente, que m axim iza a sua taxa de lucro.
Como vimos, podem os desenvolver o m esm o raciocínio
a nível global. O objectivo dos em presários é efectuarem a
m esm a escolha, se estiverem perante dados idênticos. Supo­
nham os, pois, dois factores de produção, o capital e o traba­
lho. Representem os em abcissas as diversas com binações pro­
dutivas, de tal form a que, q u an d o K varia, L perm anece
constante. Representem os em ordenadas o pro d u to por traba­
lh ad o r. Podem os igualm ente indicar no gráfico as diversas
técnicas, dado que estas se definem como um a relação entre
a q uantidade produzida e a q u an tid ad e de factores produtivos
utilizada. Sejam as técnicas X , Y, Z , L, M.

Seja O w i a taxa de salário. A taxa de lucro, se fo r u ti­


lizada a técnica X , será - 1— ■■. S erá m anifestam ente m enor,
O ai
A DEDUÇÃO 51

sc utilizarm os a técnica M. A técnica X é, pois, óptim a. Ê ela


a escolhida. A o u tra é rejeitada, pois é «inferior». N ão fará
parte da função de produção. P ara esta taxa de salário Owi,
a técnica Y proporciona a mesma taxa de lucro que a téc­
nica X . O em presário está, pois, num a situação de indiferença.
Se a taxa de salário aum entar p a ra O w 2, a técnica Y perm ite
bi W2
a taxa de lucro ------- . A técnica Z proporciona idêntica
O a2
taxa de lucro, o que não se verifica com a técnica L. Esta
últim a é, pois, rejeitada.
Se considerarm os que o em presário dispõe de um a infi­
nidade de técnicas, a curva X Y Z torna-se contínua. Cada um
dos seus pontos representa um a técnica de produção. A téc­
nica utilizada será aquela que m axim iza a taxa de lucro,
considerada um a determ inada taxa de salário.
Se o salário é O w , a técnica E m axim iza a taxa de lucro
(fig- 2 ).
Q uan to m ais se eleva o salário, m ais o pon to E se afasta
p a ra a d ireita, m ais a intensidade de utilização do capital
,K .
(— ) cresce.
L

Podemos im ediatam ente tecer certas considerações:

— supõe-se que os factores de produção podem ser subs­


tituídos. Q uando a taxa de salário cresce, a intensidade de
utilização do capital cresce (o cap ital torna-se m enos caro
em relação ao trabalho);
— a função de produção tem um a form a p articular. Os
rendim entos de escala (só K varia) são decrescentes. Diz-se
que esta função se com porta correctam ente (w ell-behaved);
— finalm ente, as duas conclusões precedentes não se de­
duzem de propriedades inerentes à função de produção, mas
sim, da maneira com o esta foi construída. As propriedades da
função de produção, tal como é elab o rad a pelos neoclássicos,
deduzem-se a p artir das hipóteses de com portam ento, que
acabam os de considerar. Assim, as técnicas M e L foram
rejeitadas com o técnicas inferiores. N ão fazem p a rte da fun­
ção de produção, pois n ão perm item m axim izar a taxa de
52 SOBRE O VALOR — ELEM EN TOS PARA UMA CRÍTICA

lucro, p ara urna dada taxa de salário. A função d e produção


neoclássica reflecte, portanto, um a via de equilíbrio. Ela não
se dem onstra. A penas descreve tal equilíbrio gráfica e algé­
bricam ente. Eis, pois, um a conclusão essencial.

b) Função de produção e repartição

A função de produção a nível m acro apresenta as mes­


m as propriedades que a nível m icro. É um indicador da opti­
m ização d a escolha de técnicas. A nível m acro ela apresenta
contudo, m ais um a propriedade. Indica tam bém a repartição
dos rendim entos. Q ualquer que seja a taxa de salário O w , a
p arcela dos lucros, em relação ao rendim ento, será igual a

------- e a dos salários, tam bém em relação a rendi-


Ob
A DEDUÇÃO 55

m ento será — —- , sendo finalm ente a relação lu cro /salá-


Ob
bw
rio igual a -------. É fácil a leitu ra destas diferentes relações
Ow
no gráfico anterior (fig. 2 ).
N a m edida em que a função de produção neoclássica
reflecte o raciocínio desta escola de pensam ento, ela deve
tam bém m o strar que a repartição dos rendim entos se verifica
de acordo com o princípio da rem uneração da produtividade
marginal.
As quantidades de trabalho e de capital são considera­
das ao nível da sociedade. O preço destes factores — ta l como
para qualquer o u tra m e rc a d o ria — estabelece-se através das
regras da oferta e da procura, de tal form a — como vimos
a tr á s — que todas as quantidades oferecidas correspondem
à procura. T odo o trabalho é utilizado, o mesmo se verifi­
cando com o capital. N ão pode h aver subutilização para os
factores de p ro d u ç ã o 27. Se subsistisse um a parcela de trab a­
lho n ão utilizado, a taxa de salário deveria descer, até que
essa parcela fosse absorvida, sendo a condição de equilíbrio,
recordêmo-lo, que a oferta iguale a procu ra em cada m ercado,
e a condição de estabilidade que um a redução no preço faça
em ergir um a procu ra excedentária. Se efectivam ente estive­
rem verificadas as condições de equilíbrio e de estabilidade,
existirá pleno em prego dos factores de produção. A utilização
destes dois factores de produção determ ina, pois, u m a combi-

nação pro d u tiv a (— ) , que indica sobre a função de produ-
L
ção (via de equilíbrio técnica J) (fig. 2). A inclinação da
função de prod u ção neste pon to determ ina a taxa de lucro.
SY
Esta inclinação é igual a d ( Y /L ) /d ( K /L ) = -------
8K
SY
O ra, ------- é a produtividade m arginal. A taxa de lucro
SK
é, pois, igual a produtividade m arginal do ca p ita l2S. E sta pro­
dutividade m arginal do capital — é im po rtan te frisá-lo —
não depende das qualidades intrínsecas do capital, nem da
54 SOBRE O VALO R— 1ELEM EN TOS PARA DMA CRÍTICA

últim a unidade utilizada em relação às precedentes. D epende,


antes de m ais, da q uantidade de trabalho com a q u al o capi­
tal está com binado. A produtiv id ad e m arginal do capital é,
pois, função de um a com binação produtiva. Portanto, é
fu n ção de dados «tecnológicos».
É este o facto que explica que as m odalidades d a rep ar­
tição dos rendim entos, segundo os neoclássicos possam encon­
tra r um fundam ento técnico e económ ico. T écnico, porque
se tra ta de escolha entre com binações p rodutivas existentes;
económ ico, p orque a opção se efectua, segundo os principios
da suposta racionalidade, de m axim ização da taxa de lucro.
Podem os obter a repartição dos rendim entos no estado de
equilibrio, calculando no ponto J a elasticidade do produto
per capita em relação ao capital per capita.

_ d (Y /L ) / dK/L _ d (Y /L ) / Y_
C~ Y /'L / K /L ~ d (K /L ) / K

d (Y /L ) 8 Y
como ---------- = -------- = r, teremos:
d (K /L ) 5K

K P Lucros
e — r X — = — = ------------------
Y Y Rendim ento

A elasticidade da função de produção indica, portanto,


a parte em que os lucros participam no rendim ento, de tal
form a que a produtividade m arginal do capital determ ina a
taxa de lucro. Se tivéssemos feito variar o trabalho em vez
do capital, a elasticidade teria igualm ente determ inado a
repartição dos rendim entos, desta vez com a determ inação
da taxa de salário através d a produtividade m arginal do tra­
balho. A repartição dos rendim entos tem, pois, um fundam ento
técnico-económico. Ela não resulta nem da correlação de for­
ças nem da luta de classes. E la é, pois, optim izada, quando as
condições, que visam u m estado de equilíbrio, são respei­
tadas.
Uma vez mais, esta conclusão não se extrai das proprie­
dades inerentes a qualquer função de produção. Ela é apenas
A DEDUÇÃO 55

a conclusão m atem ática de u m raciocínio económ ico. Eis a


razão p o r que um a função de tipo particu lar é geralm ente
privilegiada pelos neoclássicos. T rata-se da função de produ­
ção hom ogénea de grau 1. M as os paradoxos a que ela con­
duz fazem q u e alguns prefiram rejeitá-la.

c) Propriedades matem áticas e paradoxos económicos

A função de p ro d u ção hom ogénea de grau k é por defi­


nição um a função tal que, se m ultiplicarm os os factores de
produção p o r X, o p ro d u to é m ultiplicado p o r Xk. A hom o­
geneidade de grau 1 significa pois que, se os factores de p ro ­
dução são m ultiplicados p o r X, o p ro d u to é tam bém m ultipli­
cado p o r X. É esta função que os neoclássicos privilegiam . Ela
significa, econom icam ente, que, a cu rto prazo, os rendim en­
tos de escala (varia apenas um factor) são decrescentes e que,
a longo prazo, os rendim entos de escala são constantes ou
proporcionais (a escala altera-se, dado que os dois factores
variam ). Diz-se tam bém que a longo prazo, não existem eco­
nom ias de escala, pois que nenhum ganho (nem perda) p arti­
cular é obtido a nível do custo, q u an d o se m ultiplicam os
factores de p rodução por X, sendo o produto m ultiplicado
pelo mesmo factor X. Fundam entalm ente nada se altera, dado
que a escassez relativa, entre os factores de p rodução, perm a­
nece idêntica.
Essa função de produção tem um a propriedade m atem á­
tica interessante. Pode aplicar-sejlh e o teorem a de E u le r 29.
O p roduto total é sem pre igual à soma dos produtos m arginais
relativos a cada factor — considerando-se o outro cons­
tante — m ultiplicada pela q uantidade utilizada de cada um
desses factores. O que econom icam ente significa que o pro­
duto total se reparte integralm ente, quando cada factor de
produção é pago segundo a sua produtividade marginal. Como
a função hom ogénea de grau 1 corresponde a um a via de
equilíbrio, esta proposição não é m ais que a consequência
m atem ática deste equilíbrio que se considerou realizado.
A questão complica-se, quan d o se considera que a fun­
ção de produção pode ter um a hom ogeneidade diferente de 1 .
Sabem os, com efeito, que os capitalistas têm todo o interesse
em p ro c u ra r as econom ias de escala. A sim ples observação
56 SOBRE O VALOR — ELEM EN TO S' PARA UMA CRÍTICA

da realidade (sejamos concretos !) m ostra-nos q u e os capi­


talistas se concentram , a fim de alcançarem as possibiiídaües
financeiras p a ra alargarem o seu aparelho de produção (eles
m ultiplicam os seus «factores de produção» por X,). O inte­
resse desta operação consiste na esperança que têm de ver
baixar os seus custos unitários. Por outras p alavras, o objec­
tivo procurado é que o p roduto total aum ente m ais que os
factores de produção. A função de produção seria assim
hom ogénea, sem dúvida, mas de um grau superior a 1 .
O ra, neste caso, tu d o se desm orona ! Dem onstra-se
facilm ente que o produto é insuficiente para rem unerar os
dois factores de produção, segundo a sua p rodutividade m ar­
ginal. Existe, pois, um a p e r d a 30. Com efeito, neste caso, os
factores de produção são cada vez mais eficazes. R em unerar
os factores de produção, segundo a sua produtividade m argi­
nal, traduz-se, pois, em rem unerar as doses anteriores de cada
factor — as m enos produtivas (ou eficazes) — à sem elhança
da últim a dose — a m ais prod u tiv a (ou eficaz) — o que
arrasta certam ente um a p erd a líquida. P ortanto, dado que
estam os em presença de rendim entos de escala crescentes,
estam os perante um a perda.
O paradoxo é, pois, o seguinte: qualquer situação apa­
rentem ente boa é má.
Inversam ente, se considerarm os o caso de rendim entos
de escala decrescentes, ou deseconom ias de escala (K < 1),
a situação deveria ser má. Ora, garante-se que ela é excelente !
Q ualq u er tentativa, ainda que leve, de ligação à reali­
dade, seguindo paralelam ente o raciocínio neoclássico da
rem uneração dos factores de produção, segundo a sua pro­
dutividade m arginal, conduz, pois, a absurdos ! É pelo facto
de estes absurdos tornarem frágil a teoria neoclássica que
certos autores tentaram m ostrar que não e ra de form a alguma
necessário ter um a função de p rodução hom ogénea e de grau
1 p ara se verificar a justiça da sua te o ria ... É suficiente,
dizem esses autores, que nos transportem os im ediatam ente
p a ra o equilíbrio. Ficaríam os com dúvidas, pois que precisa­
m ente q ualquer situação favorável apenas pode corresponder
a um a situação de eq u ilíb rio ... M as vejam os o seu raciocínio;
podem os escrever:
A DEDUÇÃO 57

Y Py = A P a + BPb

T rata-se de um a simples equação contabilística; o pro­


duto Y m ultiplicado pelo seu p reço é igual à taxa de salário
(Pa) m ultiplicada pela quantidade de trabalho utilizada (A),
à qual se ju n ta a taxa de lucro (PB), m ultiplicada pela qu an ­
tidade de capital (B), se considerarm os que A e B são o tra­
balho e o capital. E sta igualdade significa sim plesm ente que
o rendim ento se decom põe em salários e lucros.
Podemos tam bém escrever esta igualdade da seguinte
m aneira:

„ A Pa BPb
Y = -------+ ------ -
Py Py

colocando assim em relevo os preços relativos.


Sabemos que em equilíbrio não h á qualquer outro lucro
que não seja o juro atribuído ao capital e m p restad o 31. O preço
de venda é igual ao m ínim o do custo m édio 32. E stabelecendo
as diferenças, podem os descrever m atem aticam ente esta situa­
ção económ ica:

_SY ___Pa_ SY _ Pb
SA Py SB Py

daí

SY SY
Y = -------A + --------B = f ’A A + f B B
SA SB

O btivem os assim o m esm o resultado que anteriorm ente


— ou seja, a repartição integral do produto, quando os facto­
res de produção são rem unerados pela sua p rodutividade m ar­
ginal — , sem que tivéssemos que recorrer a q ualquer fun­
ção de produção.
O significado económ ico do que acabam os de escrever é
simples: em equilíbrio, temos a repartição integral do pro­
duto. O ra o equilíbrio significa que reina no m ercado a con-
58 SOBRE O VALOR— 'ELEMENTOS PARA DMA CRÍTICA

corréncia pura e perfeita, ou seja, que estão preenchidas as


5 condições bem conhecidas:

— a atom icidade do m ercado (ninguém tem peso sufi­


ciente p a ra influenciar outrem );
— a hom ogeneidade do p ro d u to (não existem m onopólios
de m arca);
— a livre en trad a e saída do m ercado (não actuação de
m onopólios);
— a p erfeita m obilidade de factores de produção (liber­
dade de efectuar despedim entos, p o r exem plo);
— o ráp id o e perfeito conhecim ento do m ercado.

Se um a destas condições não for respeitada, não podem os


o b ter a equação final. O s factores de p rodução já não são
pagos pela sua produtividade m arginal. São, pois, explorados.
Chegam os assim à ideia, segundo a qual a exploração depende
da natureza dos m ercados. Se n ão forem concorrenciais, estes
factores são explorados. O u m elhor, os factores podem ser
todos explorados, sem que, no entanto, exista um exp lo ra d o r!
Conclusão, se querem os ev itar a exploração, é necessário criar
as condições p a ra que o equilíbrio reine nos m ercados, a fim
de que estes possam ser concorrenciais. É necessário, pois,
estim ular o livre em p reen d im en to ... e sobretudo evitar as liga­
ções entre os trabalhadores. In d o mais ao fu n d o da questão,
na m edida em que se denunciam os sindicatos com o possuindo
um poder d e m onopólio, denunciam -se igualm ente aqueles
que estão na origem da exploração: ou sejam os sindicatos ! 33
Ê o que se cham a a neutralidade da ciência económ ica...
U m raciocínio sem elhante é feito, hoje em dia, pelos
políticos e econom istas burgueses, sob a capa, bem entendido,
da Ciência com C grande. Em vez de equilíbrio, fala-se de
crescim ento eq uilibrado e transportam -se as conclusões de um
p a ra ou tro , o q u e gera o seguinte raciocínio: se reclam ais
dem asiado, o bolo não poderá crescer com suficiente rapidez
(crescim ento não equilibrado e daí não óptim o), se, pelo con­
trário , vos com portardes bem , fordes m odestos nas vossas
reivindicações, o bolo crescerá m ais depressa e vós d e tal
beneficiareis. C onclusão: calai as vossas reivindicações, pois
A DEDUÇÃO 59

apenas podereis gan h ar com isso ... se fordes dem asiadam ente
gulosos, apenas podereis p e rd e r... e quem terá a c u lp a ? ...

CON CLU SÃ O

A lgumas palavras p ara concluir este capítulo. D esm ontá­


m os a teoria neoclássica de duas form as:
— p artindo do indivíduo;
— partindo im ediatam ente de quantidades globais.
O prim eiro m étodo é m icroeconóm ico. Justifica as deci­
sões do indivíduo e, p o r generalização, m ostra que este é,
sim ultaneam ente, senhor e escravo. Passa-se assim do equilí­
brio de um indivíduo ao equilíbrio geral, respeitante ao con­
junto da sociedade. N este caso a teoria neoclássica pretende
dem onstrar que os factores de produção — bens particulares,
específicos, p o rq u e eriam v a lo r — são pagos, segundo a sua
produ tiv id ad e m arginal.
O segundo m étodo é macroeconômico. A parenta não
privilegiar as decisões do indivíduo, p orque aparenta igno­
rá-lo. Procuram -se as condições de equilíbrio da sociedade.
Trata-se então de um equilíbrio global (e já não apenas geral).
N este quadro a teoria neoclássica do valor tenta dem onstrar
que os principais factores de produção — o trabalho, o capi­
t a l — são rem unerados pelo seu contributo, quer dizer, pela
sua produtividade m arginal.
Q u er partam os de um m étodo, q u er de ou tro, chegamos
às mesmas conclusões, o que se to rn a aparentem ente em ba­
raçoso.
Poderíam os m ostrar que se trata de dois conceitos am bí­
guos: que um contém elem entos de outro. Isto já foi levado
a cabo p o r certos autores (M aohlup), não tendo qualquer
interesse retom ar o assunto. Pelo contrário, o que é mais
im portante n o ta r é que, de cada vez que partim os de um nível
m acroeconôm ico, tivemos que reco rrer a raciocínio de nível
m icro p ara to rn ar lógica a exposição. Assim se processou a
tentativa de determ inados econom istas no sentido de hom oge­
neizarem o raciocínio de R icardo, quanto à rem uneração dos
factores de produção. Foi necessário reco rrer à concorrência
60 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

p u ra e perfeita p a ra dem onstrar que a superfície representada


pelo pagam ento ao capital segundo a p rodutividade m arginal
correspondia à superfície residual. D e igual m odo, procede­
mos ao mesmo tipo de raciocínio, quando m ostram os que não
era de todo necessário a existência de um a função hom ogénea
de grau 1 . O u, n outro exem plo, recorrem os à natureza dos
m ercados p ara chegarm os às condições de equilíbrio. A penas
no caso de se verificarem as condições de concorrência pura
e perfeita, não haveria exploração e os factores seriam rem u­
nerados, segundo a sua produtividade m arginal.
D esta m aneira, tudo nos surge m ais claro. O m étodo
m acroeconôm ico, avançado no início do século pelos neoclás­
sicos, aperfeiçoado e desenvolvido nos anos trin ta por certos
econom istas em reacção à corrente neoclássica (os Keynesia-
nos), pode facilm ente ser recuperado pelos neoclássicos recen­
tes, porque precisam ente a noção de equilíbrio global pode
m uito bem integrar a de equilíbrio geral. Parte-se, ao que
parece, de quantidades globais como o capital, o trabalho, etc.
mas estas não são mais, de facto, que a agregação das uni­
dades elem entares. O problem a do no bridge, entre m icro e
m acro, é assim resolvido. O indivíduo, os seus critérios de
escolha e as suas decisões constituem sem pre os fundam entos
da análise. A p artir d aq u i, não é lógico que cheguemos às
m esm as conclusões, quer partam os de um m étodo, q u e r de
outro ?
M as quantas hipóteses im plícitas foi necessário — du­
rante o percurso— esconder, quantos «esquecim entos» foi
necessário cam uflar p ara to rn ar o raciocínio aparentem ente,
coerente ?
É o que tentarem os m ostrar seguidam ente.

BNFotas

1 U m a im a g em poderá escla recer e ste ponto de v ista :


u m a m ultidão ê com posta por um a m ultiplicidade de indivíduos.
N ão há efeitos de m assas, aquando de um a m an ifestação.
O com portam ento da m ultidão é a ag reg a çã o doe com portam en­
to s de cada indivíduo.
2 E sta lei parece em ergir da própria evidência. Contudo,
sem p retenderm os a in d a criticar nem a filo so fia d e sta escola,
A DEDUÇÃO 01

nem as hipóteses, realcem os a relatividade desta lei citando o


bem conhecido provérbio «comer e coçar, o m al é com eçar».
E ste provérbio não encontraria um terreno de estudo n a aná­
lise neoclássica, ¡pois e sta se ocupa dos indivíduos «norm ais» e
exclui aqueles que, por estarem esfom eados, poderiam sen tir
um prazer crescente, a um a ta x a crescente, pelo m en os de início,
¡nos actos d e consum o.
3 l)a í a expressão de Jevons: A a ritm ética dos p ra zeres...
4 A taxa, de 'crescimento da utilidade to ta l é decrescen te
¡(utilidade m argin al decrescen te), quando o consum o aum enta.
In versam ente, a utilidade m arginal cresce, quando o. consum o
dim inui. T rata-se da m esm a lei, m as v ista por um prism a
diferente.
5 O n osso p ropósito ê expor um a dedução. ,Não tem os
intenção de m ostrar o conjunto das definições e do raciocínio
neoclássicos. P ara este efeito, devem con su ltar-se os m anuais.
A crescentem os, porém , que os n eo clá ssico s calculam , em relação
ao indivíduo., o custo de preferência de um pouco m ais de vinho
em detrim ento de um pouco m a is de pão. Chamam a este custo
ta x a m arginal de su b stitu ição (T .M . S .). E sta ta x a será igu al
à inclinação da curva de indiferença. Ë decrescente. Com efeito,
por definição,
jd (vinho) x U M (vin h o) | + [d (p ão) X U M '(p ão) | = 0
ganh o + perda = 0

— dp UM v
donde tg a = — ------ = ----------- , sendo p o pão e v o vinho.
dv UMp

6 R eferindo-se ao em presário e à em presa, H icks escreve:


«Convém, todavia, rever 'este assunto a fim de fazer rea lça r o
paralelism o que existe entre o caso da em presa e o do indi­
víduo. Ë graças a e ste paralelism o que n ós vam os poder apre­
sen tar a s leis, que regem a atitude da em presa no m ercado, sob
um a form a an áloga àquela que já adoptám os para o caso do
indivíduo. Poderem os fin alm en te alargar a teoria da troca à
questão da produção». (HICKS,V aleu r e t C a p ita l, Dunod, p. 69).
7 Oem presário é um átom o. E le não pode, pois, comprar
o trabalho, pois assim fica ria num a posição dom inante em rela­
ção ao trabalhador. Portanto, não p ossu i fa cto res de produção;
alugados. T erem os ocasião de vo lta r a este com plexo assunto,
m a is adiante.
8 S a lv o n o ca so d e X ser ‘C omplementar d e Y.
9 W alras, E lém en ts d’économ ie p o litiq u e pure. A p p en d ice
Pichón, 1926, p. 477 (citado por A. C ham eau, L a D em an de
d ’encaisses m o n éta ires, Cujas, 1970).
10 A sequência deste ponto não é essencial. P oderá ser
omitido., devendo neste, c a so o leitor retom ar o tex to n a p. 3:6.
62 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA TJMA CRÍTICA

11 A única diferença, frisa m o s u m a v e z m ais, ê que, para


e ste s últim os, se tr a ta de p reço d e alu gu er.
12 S . ÍNell «T héories d e la croissan ce e t th éories d e ia
valeur», P ro b lém a tiq u e d e la croissan ce, E conóm ica, 1974, t. II,
p. 180.
13 E sta distinção, alg u m a s v ezes pouco exp lícita n o s n eo ­
clá ssico s, é im portante. O indivíduo-em presário n ão pode com­
p rar os fa cto res de produção, porque, n esse caso, o s p ossuiria,
o que lhe conferiria um poder de dom inação. O s fa cto res de
produção são, pois, alugados. E s ta distinção, no entanto, está
n a base de d ificu ldades in u ltra p a ssá v e is p a ra os n eoclássicos,
a o pretenderem tornar coerente a su a tese da n ão exploração,
(cf. caps. 2 e 3).
14 É necessário ainda su p or que to d a s as unidades de tr a ­
balho são sem elhantes, senão caím os no m esm o problem a.
A diante voltarem os a este ponto.
15 C onstitui m esm o um a d as condições d a concorrência
pura e p erfeita com o verem os.
« O equilíbrio m onetário su r g e posteriorm ente. K um a m o-
n eta riza çã o do equilíbrio real. A m oeda é, pois, um véu , um sim ­
p les interm ediário n as trocas. N ad a m ais. S e ela fo r m a is do que
isto, ta l sign ificará que ela actu a sobre o valor d os b ens e,
consequentem ente, a teoria su b jectiva do v a lo r n ã o é válida.
í(Cf. cap. 3.)
17 Como s e tra ta de um equilíbrio real, o capital n ão pode
se r form ado por dinheiro, que perm itiria com prar bens de pro­
dução. A fo rm a co n creta da procura de capital p elos em presá­
rios torna-se um a coisa m isteriosa.
is A este n ível da análise, há, n o entanto, v á r ia s d iv e rg ê n ­
c ia s no próprio seio da corrente n eoclássica. E sta s d ivergên cias
têm com o origem essen cial o p roblem a do m ercado de capital.
P a ra algu n s (E ergu son ), o capital, enquanto fa cto r <le produ­
ção, não é m a is do que o som atório de bens de produção esp e­
cíficos e, como vim os, o preço d esse fa cto r glo b a l é determ inado
d a m esm a form a que o preço, dos diversos fa cto res de produção
esp ecíficos i(torno, fresad ora e tc.). O utros p referem m edir o
capital p ela su a ta x a d e ren d im en to e in sistem particularm ente
no sacrifício im ed iato com parado com o ganho futuro. O utros,
enfim , preferem considerar o c a p ita l co m o um «cam inho da
produção». P or agora não vam os a n alisar esta s d iversas v er­
sões. E vocá-las-em o s em seguida, à m edida que dem onstrarm os
qu e sofrem todas o m esm o vício: n ão podem prescindir do
conhecim ento p révio de um a variá v el d a repartição, ao m esm o
tem po que o se u objectivo é p recisam en te m o stra r com o são
¡determinadas esta s v a riá v eis da rep artição '(ta x a d e lucro e
ta x a de salário). (Cf. cap. 2.)1
19 A inda que, p ara e ste últim o, fo ssem introduzidas cor­
recções de porm enor n a tsequência de trab alh os de K eynes,
A DEDUÇÃO 63

nom eadam ente n o to ca n te à flexibilidade do d ecréscim o d a ta x a


de salário real.
20 F requ entem en te e stes p roblem as não sã o m esm o c ita ­
d o s ao n ível de m anuais de licen ciatu ra para econ om istas e
¡apenas são reservados àqueles q ue —-ín fim a m inoria — 1ascen ­
dem a um doutoram ento. O m elhor exem plo encontrám o-lo em
Sam uelson: L/tàconom ique, m an u al la rg a m en te difundido, ign ora
esse s problem as, m a s n os se u s artigos de «alto n ív el científico»,
ten ta reaponder a esse tipo d e questões.
Ou ta x a de juro: é indiferente, p ois o cap ital é, por
hipótese, totalm en te obtido por em préstim o.
22 J. R o b in so n «The P roduction F u n ction and th e T heory
o f C apital» R . E . S , 1953, vol. 21, n.° 55 (reproduzido em CoL-
le cted E con om lc P a p e rs, vol. ,2, ed. B lack w ell, p. 114).
23 Cf. swpra.
24 A ssim , segundo W icksteed, econ om ista neoclássico, «de­
vem os considerar cada tipo e qualidade de trabalho, que se
p o ssa distingu ir d o s outros tip os e qualidades, com o factor
iseparado e, de m odo análogo, considerar cada tip o de terra
com o um fa cto r diferente».
25 T rata-se de um a lei id ên tica à lei do decrescim ento da
utilidade m arginal.
26 M ais tarde, n os an os sessen ta , os eco n o m ista s n eo clá s­
sico s retom aram e ste instrum ento de a n á lise e ten taram ap erfei­
çoá-lo, nom eadam ente através das su as elaborações sobre o
crescim ento 'equilibrado i(Solow, ¡Dorfman, U zaw a, etc.) (Cf.
«Introdução» c. 2).
27 Como vim os, a teo ria n eo clá ssica ap en as adm ite o d e­
sem p rego voluntário, ou seja , aquela q ue é fru to d a opção de
não trabalhar.
28 A ta x a d e salá rio Ow° corresponde à in tersecçã o d esta
ta n g en te com o eixo das ordenadas. N o te-se que poderíam os
te r calculado a ta x a de salá rio p e la produtividade m argin al do
trabalho, se, em v ez d e fazerm os varia r K, tiv é sse m o s fe ito
variar D (com K co n sta n te). A ta x a de lucro seria n esse caso
determ inada d a m esm a m aneira que o é a ta x a d e sa lá rio no
n osso exem plo.
29 C om efeito Q = f i(A, B ), sen d o A o trab alh o e B o capital

dQ = £’ A, d A + f ’ b . idB

dQ dA dB
Q- ~r a . . A + f ’ B. .B
Q A B

dA dB dQ
ora
A B Q
64 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

diQ
D o n d e —.— . Q = (f’A.A + f ’B.B) p.
Q
e, portanto, Q = f ’A.A + f ’B.B

30 C om ©feito Q = f (A, B )
Q - X k = f (A X, B X ) = (A , B )
Q' A,“ = X (f’AA +
e Q < f ’AA + f’BB
E xem plo num érico K = 3 X ~ %
Q X 23 = ( f ’AA + fB B ) X 2
Q X 22 = f ’a A + í ’bB
donde Q < f ’AA + f ’BB

31 S e e x istisse um lucro ¡superior à ta x a de juro, isso


sig n ifica ria que a 'produtividade m argin al ser ia superior à re­
m u neração deste. T eríam os, desde logo, in teresse em utilizar
m ais capital, o que fa ria baixar a produtividade m argin al do
capital (rendim entos d ecrescen tes). A operação p rossegu iria até
que os dois term os fo ssem igu ais.
32 C onfrontar os m anuais.
33 J. R u elff to m o u -se célebre ¡por e ste tipo de d en ú n cias...
ti F. R. J.
BIBLIOTECA
i P P li B

2. A IN C O E R Ê N C IA IN T E R N A

Secção 1. D os pequenos p orm enores...

Nos anos 1950 e 1960, os artigos e livros de inspiração


neoclássica surgiram por toda a parte. O conceito de equi­
líbrio foi alargado ao de crescim ento equilibrado. Ao racio­
cínio m icro sucedeu-se preferencialm ente o raciocínio m acro.
Por um lado, trata-se, pois, de m ostrar não apenas que o
crescim ento equilibrado corresponde ao crescim ento óptim o,
mas que igualm ente os instrum entos de análise elaborados
para o estudo da existência e da estabilidade do equilíbrio
podem facilm ente ser transpostos p ara o crescim ento equili­
brado, a tal ponto que houve autores que afirm aram que «o
que se cham ava teoria do equilíbrio, a longo prazo, tornou-se
agora em, econom ia m oderna, na teoria do crescim ento» 1.
Por outro lado, tenta m ostrar-se que facilm ente se pode
utilizar urna função de produção p ara explicar a evolução do
crescim ento verificado e p ara localizar as causas do cresci­
m ento.
Este duplo objectivo conduz a um a grande diversidade
de artigos, tendendo todos a aperfeiçoar a função de produ­
ção, mas jam ais a pô-la em causa.
Trata-se apenas de pequenos porm enores. Observêmo-los
rapidam ente.
Os econom istas neoclássicos têm necessidade absoluta
de explicar a realidade. N ão é este, de facto, o m elhor meio
de dem onstrar que, se a sua função de produção — via de
eq u ilíb rio — se adapta à realidade, o sistem a é justo, em bora
certam ente aperfeiçoável, podendo eventualm ente não ser
óptim o, mas no fundo justo ? O ra a função de produção
66 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA TJMA CRÍTICA

neoclássica tem dificuldade em explicar aquela realidade.


D esde 1956, A bram ow itz faz notar «que o crescimento do
rendim ento per capita estava extrem am ente interligado à ele­
vação de um a outra com ponente — (que posteriorm ente se
cham ou, -assaz pudicam ente, o resíduo) — que não são os
inputs do slock de capital físico nem os serviços do trabalho».
Mas não se ficam p o r aqui. Os instrum entos de análise são
aperfeiçoados com a introdução de um a terceira variável
(facto r de produção de facto, dirá K aldor) que vai ter por
objectivo «explicar» 70 a 90 % do crescim ento da produ­
ção am erican a... e «apenas» isto. Esta variável denom inar-se-á
progresso técnico, factor de produção independente (em prin­
cípio) dos outros factores de produção, capital e trabalho.
Estes dois últim os não pode «explicar» senão 10 a 30 %
do crescim ento verificado (!).
Como o cam uflar da questão se afigura por demais fla­
grante, houve que explicar m ais precisam ente o que era este
«novo» factor de produção, decom pondo-o em diversos ele­
m entos (progresso nos conhecim entos científicos, educação,
econom ias de escala, etc.) e atribuindo a estes últim os um a
parcela do crescim ento verificado. (Cf. trabalhos de Stein e
D enison, de A bram ow itz, de M alinvaud-Carré-Dubois-Ber-
thé, etc.).
E sta decom posição do resíduo vai acarretar verdadeiras
acrobacias, tanto ao nível m atem ático (m ultieolinearidade en­
tre os factores de produção), como ao nível económ ico (subs-
tituibilidade en tre todos os factores e elem entos do resíduo,
por exem plo 2. Eis a razão por que os neoclássicos tiveram de
adm itir que este resíduo era de facto «a m edida da sua igno­
râ n c ia » ... Eis tam bém p o r que esta via foi progressivam ente
abandonada em favor de outra m ais correcta, a da incorpora­
ção do progresso técnico nos factores de produção. Mas ainda
desta vez se incorporará o progresso técnico, conservando os
fundam entos da função de produção. Porque de facto as solu­
ções propostas não ultrapassam o im passe, a discussão irá
tom ar grande am plitude e os raciocínios serão extrem am ente
sofisticados, sem que com isto o problem a fundam ental seja
colocado pelos neoclássicos.
Dever-se-ão in corporar o progresso técnico e o capital,
p o r exem plo. O investim ento b ru to será desta form a o suporte
A INCOERÊNCIA INTERNA 67

m aterial da tecnologia existente (nível de conhecim entos téc­


nicos). O progresso técnico assum irá, pois, a form a de trend
de produtividade física dos bens de equipam ento. Como ao
longo do tempo (estamos a analisar o crescim ento) se evolui
de equipam entos menos eficazes p ara equipam entos m ais efi­
cazes, será necessário localizar aquilo que se cham ará gera­
ções de capital, reconhecendo, deste m odo, a p rofunda hete­
rogeneidade do capital de diferentes períodos cronológicos
(H éline, Solow, etc.)3. As funções de produção deverão, pois,
integrar a depreciação do capital e form ular leis sobre a velo­
cidade de depreciação. M as, se bem que o progresso técnico
esteja integrado no capital, a sua taxa de acréscimo será um
dado exógeno no m odelo de crescim ento a um a taxa cons­
ta n te ...

Depois, progressivam ente, tentar-se-á afastar a hipótese


de substituibilidade entre o trabalho e o capital introduzindo
as noções de ex ante e expost. Passar-se-á assim de m odelos
putty-putty (Solow), nos quais a substituibilidade é sim ulta­
neam ente ex ante e ex post. Passar-se-á assim de modelos
putty-putty (Solow ), nos quais a substituibilidade é sim ulta­
neam ente ex ante e ex post p ara m odelos putty-clay, nos quais
a substituição se verificará ex ante, dando lugar a um a com­
plem entaridade ex post (Svenillson, Johansen). Tratar-se-á de
de fixar dois factores de produção, no sentido de, um a vez a
escolha efectuada (substituibilidade ex ante) haver comple­
m entaridade p erfeita en tre os factores no seio do processo de
produção considerado. Alguns (Salter), nesta linha de pensa­
m ento, proporão um a distinção en tre funções de investim ento
e funções de utilização dos equipam entos. O utros (Solow,
T obin, etc.) preferem estabelecer funções de produção clay-
-clay, que estabelecem um a com plem entaridade ex ante e
ex post, tentando depois m ostrar que a m aioria dos resultados
obtidos pela análise neoclássica perm anece apesar de tudo
v álid a...
Q ue dizer, quando se sabe que foi tam bém efectuada um a
tipologia do progresso técnico, segundo a qual este p ertu r­
baria ou não (progresso técnico neutro) o cam inho do cres­
cim ento equilibrado, que pontes de contacto já foram estabe­
lecidas entre esta tipologia e aquela q u e apresentavam os
68 SOBRE O VALOR— >ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

pós-keynesianos (H arro d e m esm o R o b in so n )4, que esforços


foram feitos p a ra construir funções de produção que trata­
riam o progresso técnico não neutro de m aneira indepen­
dente e que, p a ra realizar esta proeza, viriam a considerar
um a elasticidade de substituição constante (função C., E. S.) ?
Q ue dizer — senão que se tra ta apenas de pequenos porm e­
nores — quando, enfim , se sabe que esta profusão de arti­
gos, p o r todo o lado, viu a sua fonte secar m uito depressa,
quando foram colocados os verdadeiros problem as ? É real­
m ente um facto interessante verificar o súbito desapareci­
m ento desta discussão, q u ando, enfim , os neoclássicos foram
atacados — nom eadam ente pelos neocam bridgeanos — , não
pela existência dos ipsílones, m as pela própria existência da
sua função de produção.

Secção 2. . . . a o verdadeiro problem a

H á um problem a que os neoclássicos evitam , ou resol­


v e m ... sem se interrogarem sobre as consequências da sua
solução quan to à lei subjectiva do valor: é o da m edida do
capital. Pudem os verificá-lo, ao longo da exposição dos seus
diversos raciocínios.

De que se trata exactam ente ? e, sobretudo, o que é que


a resolução deste problem a im plica a nível da validade da
sua lei do valor ?

1. D e que se trata ?

Sublinhám os que ao nível m icro não era nada fácil com ­


p reen d er de m aneira coerente o m ercado do capital. Podía­
mos considerar que este resultava da agregação de diferentes
m ercados de factores de produção, tais como o torno, a fre-
sadora, o lam inador, etc. Mas havíam os realçado im ediata­
m ente que não era possível som ar estes capitais heterogéneos,
a m enos que os hom ogeneizássem os através de um preço.
T orno, fresadora, lam inador, etc., eram pois expressos em
função de um num erário, no caso vertente por um bem de
consum o. T ornados hom ogéneos p o r um preço e transfor­
m ando-se assim n o capital, tínham os afirm ado ser extrem a-
A INCOERÊNCIA INTERNA 69

m ente difícil saber o que este era e que deste m odo, graças à
«m aleabilidade » 5 que adq u iria poderia ser tudo e nada.
Acrescentám os que esta solução colocava igualm ente questões
sobre a p ró p ria natu reza da interdependência dos m ercados.
M as que im p o r ta ? ... não reside aí o problem a essencial.
O problem a essencial reside no preço, que vai servir para
hom ogeneizar capitais heterogéneos. Com efeito, se expri­
m irm os tornos, fresadoras, lam inadores, etc., em bens de
consum o, falta ainda exprim ir os preços destes. Consideremos
um torno e um bem de consum o A, produzido com esse torno
e com trabalho. Podem os escrever duas equações contabilis-
ticas utilizadas, aliás, pelos neoclássicos, exprim indo o facto
de o valor de um bem se poder decom por em salários p a ra a
sua produção e lucros dela retirados. Terem os:

A p a = Law + T ap tr (1)

T p , = L tw + T tp ,r (2)

A prim eira equação exprim e o valo r do bem de consumo


(produto da quantidade física pelo preço). E sta é igual à quan­
tidade de trab alh o (La) que m ultiplica a taxa de salário
afectada a esta quantidade, mais a q uantidade física de capital
(o torno T ), que m ultiplica o seu n reço (n )> obtendo-se o
valor deste capital, que finalm ente se m ultiplica pela taxa de
■lucro, p ara se obter o lucro.
Podemos dizer a mesma coisa p ara a segunda equação.
O valor d o capital utilizado (T pt) é igual à m assa de salá­
rios necessários p ara a sua fabricação (Ltw ) m ais a massa
dos lucros retirados, partin d o , no entan to , do princípio
— para sim plificar — que o bem de equipam ento (o torno) é
fabricado com o seu pró p rio auxílio e do tra b a lh o 6.
Se supuserm os q u e o bem de consum o é o num erário,
o seu preço pode ser igual à unidade (para sim plificar, pois
que de facto ele poderia ser igual a qualq u er o u tra grandeza
um a vez que «é dado»). Se dividirm os as duas equações
70 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

pela q u an tid ad e produzida (A n a prim eira, T n a segunda),


colocam os em destaque os coeficientes de fabrico. Terem os:

I = law + tap tr (1)

pt = l tw + t.p tr (2 )

La L,t Ta T t+
em que la = — lt = — , ta = — , t t = —
A T A T

são coeficientes de fabrico

e p t o p reço relativo do to rn o em bens de consum o, dado


que p = I. Estam os em presença de duas equações e de
3 incógnitas pt, w e r.
Podem os explicitar pt. A pós redução do sistem a, tería­
mos:

k
Pt = ----------------------------------
K+ '(V a — 1att>r

e daí pt = f(r).

Poderíam os recom eçar, considerando o caso da fresa­


dora, do lam inador , 7 etc. D e cada vez, teríam os o preço rela­
tivo destes bens de equipam ento, relativam ente ao mesma
bem de consum o, em função da taxa de lucro, ou seja, de urna
variável da repartição. Podem os afirm ar com rigor que esta­
mos perante um problem a com plicado, no que respeita à, coe­
rência da análise neoclássica, dado que esta se propõe deter­
m inar a taxa de lucro, através da produtividade m arginal do
capital, enq u an to , sim ultaneam ente, p a ra m edir o capital,
necessitam os da taxa de lucro. Estam os em presença de um
caso típico de raciocinio circular:
A INCOERÊNCIA INTERNA 71

capital •
taxa de lucro taxa de lucro

Estam os peran te um problem a análogo no essencial,


quan d o consideram os a questão a nível m acro. Já havíam os
frisado que os neoclássicos evitavam até há pouco tem po
dizer com o o capital era m edido num a função de produção.
Este «esquecim ento» perm itia-lhes, por um lado, dem onstrar
teóricam ente que o equilibrio e ra atingido, quando as rem u­
nerações eram determ inadas pela produtividade m arginal e,
p o r outro, m ostrar na p rá tic a — recorrendo a testes econo­
m é tric o s— que a sua função de produção, certam ente aper­
feiçoada (problem a do progresso técnico, etc.), poderia expli­
c ar a realidade, o q u e significa que o sistema era fu ndam en­
talm ente justo, pois que correspondia grosso m odo a urna via
de equilibrio, o nde tudo correria pelo m elhor, no m elhor dos
m undos. Este «esquecim ento» irá d u rar m uito tem po e tal não
acontecerá p o r acaso. Alguns autores do início d o século
(Bõhm-Bawerk, p o r exemplo) tinham já colocado o problem a
da m edida do capital. Seria necessário esperar pelo fim dos
anos sessenta, p a ra que se resignassem a tentar re sp o n d e r8...
D e qualq u er ánodo, vejam os m elhor do que se trata.
Podemos m edir o capital de diversas form as. Se, por exem plo,
dissermos que o capital é m edido em bens de consum o, caímos
directam ente no problem a anterior. É necessário conhecer a
taxa de lucro, ou seja, um a variável da repartição, ao mesmo
tem po que o objectivo é a fixação desta m esm a variável.
Poder-se-ía m edir o capital pelos ganhos futuros que ele
é susceptível de proporcionar. Mas p ara actualizar estes ga­
nhos futuros é necessário que saibam os qual a taxa de juro.
O ra o objectivo é precisam ente determ inar esta taxa de juro
(de lucro) pela produtividade m arginal do capital. D aí o
mesmo problem a.
Poderíam os inverter a questão e afirm ar que o capital é
determ inado pelo seu custo de produção. Em lugar de consi­
derarm os o fu tu ro , temos em conta o passado. O ra, as u n i­
dades de trab alh o gastas no passado, p a ra p roduzir o capital,
devem na lógica neoclássica, ser actualizadas. Com efeito,
72 SOBRE O VALOR— 1ELEMENTOS PARA TJMA CRÍTICA

sejam duas m áquinas ,cada um a necessitando, para produzir,


de seis unidades de trabalho, mas cuja localização no tempo
é distinta. A prim eira foi produzida graças a um dispêndio
regular de 1,5 unidades d u ran te q uatro anos e a segunda
necessitou de 4 unidades, há q uatro anos e de 2 unidades,
n o ano passado. As duas m áquinas têm um valor diferente,
dado que um a unidade de trab alh o em pregue h á q u a tro anos
n ã o significa o mesmo que um a outra em pregue h á três
anos 9. Estam os, pois, perante o mesmo problem a. A m edida
do capital necessita do prévio conhecim ento da taxa de lucro,
quando ao mesmo tem po a produtividade m arginal haveria
de a determ inar.
R esum am os o que ficou para trás: T anto ao nível m icro
com o m acro, estam os face a um a contradição: Q uer conheça­
mos a taxa de lucro, caso este em que podem os m edir o capi­
tal e calcular a produtividade m arginal deste, factor, mas não
podem os calcular a taxa de lucro, pois que a consideram os
com o um dado; q u er não conheçam os a taxa de lucro, sendo
p o r isso impossível calcular a produtividade m arginal do capi­
tal e, logo, determ inar esta taxa de lucro!

2 . O que é que isto im plica?

Em prim eiro lugar, é evidente que a p rodutividade m ar­


ginal não p ode determ inar a rem uneração de um factor, o
que, em term os claros, significa m uito sim plesm ente que a lei
do valor neoclássica é totalm ente incoerente, m esm o quando
se aceitam as hipóteses de partida !
Seguidam ente, podem os ex trair o utras consequências
assaz im portantes, que passam p o r retom ar o problem a sob
outros prism as. D issem os que a função de produção estabe­
lecia um a relação entre as diversas com binações produtivas e
as quantidades produzidas. M ais concretam ente, tratava-se de
um a relação entre as diversas com binações produtivas efi­
cientes e a quantidade produzida. A cada com binação p ro d u ­
tiva deveria corresponder um a e só um a quantidade p ro d u ­
zida. Assim , a — deveria corresponder Qi, a — , Q 2, etc.
A INCOERÊNCIA INTERNA 73

D e igual m odo, as condições de estabilidade do modelo


neoclássico indicam q u e toda a variação no preço de um
facto r deverá im plicar um a variação da respectiva procura
em determ inado sentido. Assim, se a taxa de juro baixa, o
preço do tra b a lh o — se bem que estável sob o aspecto abso­
luto — torna-se relativam ente m ais elevado do que o preço
d a oferta do capital, o q u e deveria acarretar um a m odificação
na com binação p rodutiva, de tal m odo que a intensidade
capitalística crescesse.
Sintetizam os este raciocínio da form a seguinte:

K
i t

O ra nos m ostram os que era necessário to rnar o capital


hom ogéneo, através de um preço o u possibilitar a sua com­
paração com a quan tid ad e produzida igualm ente por inter­
m édio de um preço. Nos dois casos é necessário um preço
para m edir o capital. D esde logo, o capital é a valorização
de um a série de bens de equipam ento. Por outras palavras, a
expressão K não rep resentará apenas um a q uantidade física
de um bem de equipam ento (ou de um a série de bens de
equipam ento), m as um a quantidade física m edida p o r um
preço.

E ste preço depende de um a variável da repartição,


neste caso, a taxa de lucro. A cabám os de o dem onstrar.
Podem os, pois, pensar que, quando a taxa de lucro varia, o
preço tam bém varia. Como o valo r do capital não é insensí­
vel à variação deste preço — um a vez que é este que o valo­
riza — um a m esm a quantidade física de capital poderá ter
valores diferentes consoante o preço, logo consoante a taxa
de lucro. Em term os claros, isto significará que, se é preciso
1 torno e L trabalho p a ra p ro d u zir Q i bens de consum o,
este torno pod erá assum ir os valores Ki, ou K2, etc. D este
m odo, diversas intensidades capitalísticas poderiam p ro d u ­
zir Qi.
74 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA TJMA CRÍTICA

K,

Qi

L
O ra, isto está em contradição absoluta com a função de
produção neoclássica, dado que esta estabelece um a relação
en tre as quantidades físicas de inputs (as com binações produ­
tivas) e a q uantidade produzida. P or outras palavras, a rela­
ção entre a quantidade de capital e a q uantidade de produtos
deveria perm anecer constante, se a técnica fosse a ¡mesma.
Ki K2
O ra ta l n ão é o caso: — e — representam a m esm a téc-
L L
nica, mas a preços diferentes e a valores diferentes (Ki ^ K2).
Assim, p ara um a m esm a com binação produ tiv a, existem duas
(ou m ais) relações, que a ligam à q uantidade produzida e isto
porq u e a com binação p rodutiva não pode — no corpo da
teoria n eo clássica— ser expressa de o u tra form a q u e não
seja em valor e não em term os físicos. Por outras palavras a
relação neoclássica necessita, para ser válida, que o capital
seja expresso em term os físicos; ora, paralelamente, a coerên­
cia da análise neoclássica im plica que ele seja expresso em
valor, o que torna inviável este tipo de relação fundam ental.
Podem os representar graficam ente esta contradição tra ­
çando duas curvas.

A curva (A) representa a função de produção, tal como


esta deveria ser. A curva (B) representa as form as possíveis,
que a curva poderia tom ar, segundo a evolução da taxa de
lucro.
Podem os generalizar e afirm ar que, com outras taxas de
K2
lucro, — poderia rep resen tar um a .combinação produtiva
L
Ki
(física) m uito diferente de — , o que significa que a quanti-
A INCOERÊNCIA INTERNA 75

dade Qi poderia ter sido produzida p o r meio de duas ou mais


técnicas (físicas) d ife re n te s10. R esum idam ente, pelo facto de
se ter torn ad o necessário hom ogeneizar o capital p o r interm é­
dio de um preço, de o valorizarem , toda a argum entação neo­
clássica se desm orona. O raciocínio deixa d e ser coerente.
A elasticidade não pode dar a repartição dos rendim entos,
segundo a produtividade m arginal. Podemos construir tantas
curvas quantas as taxas de lucro. Foi o que fez R obinson,
desde 1956, em reacção à corrente neoclássica. M as traçar
estas curvas significa conhecer a priori a taxa de lucro e daí
não fazer sentido ir determ iná-la posteriorm ente...
D uas ou três (ou n) com binações produtivas (tom adas a
nível físico) poderão originar um a m esm a quantidade produ­
zida. É um a contradição. Mas prossigam os. A baixa da taxa
de juro (ou da taxa de lucro) não dá necessariam ente origem
a um aum ento da intensidade capitalística. Tudo depende da
influência desta taxa de lu cro sobre o preço que m ede o
capital. Assim, terem os:
76 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

o que está em to tal contradição com a análise neoclássica.


O raciocínio — um a vez adm itidas as hipóteses — é, pois,
incoerente. M elhor, podem os dem onstrar — e fá4o-emos em
se g u id a — que um a m esm a com binação produtiva pode ser
escolhida, tom ando duas taxas de juro diferentes. O u ainda,
dizendo de outra m aneira, que, em consequência de uma
baixa n a taxa de juro, a intensidade capitalística pode crescer
e que se esta baixa prosseguir, a intensidade capitalística
pode desta vez baix ar e reencontrar o seu nível inicial (!). Duas
taxas de ju ro servem assim à m esm a com binação produtiva
ó ptim a ! É o que se cham a o fenóm eno d o resw itching ou
retorno das técnicas.
A origem destas contradições fundam entais na lógica da
exposição neoclássica provém do facto de ter sido necessário
m ed ir o cap ital através de um preço e de este preço depender
de um a variável da repartição u . N outros term os, a variação
em valor do capital depende, por um lado, da sua variação
física ou quantitativa (m udança de com binação p rodutiva), e
das variações do preço q u e o m ede, podendo um a e o u tra
cam inhar em sentidos opostos. N ão podem os, pois, afirm ar
que um a baixa n a taxa de lucro pode suscitar autom atica­
m ente um aum ento da intensidade capitalística, tu d o depen­
dendo da influência desta baixa sobre o preço.
T rata-se de um a contradição de fundo, reconhecida hoje
pelos neoclássicos. O que é interessante verificar é a form a
como estes autores vão ten tar reab ilitar o seu corpo teórico
sem cair num m undo com apenas um bem , que despojaria
com o verem os m ais tard e, a sua teo ria de qualquer objecto.

Secção 3. As tentativas de resposta dos neoclássicos

Já no início do século, alguns econom istas estavam cons­


cientes desta redundância do raciocínio e haviam tentado
— sem êxito — m edir o capital, sem recorrer a um a variável
da repartição. H oje, assiste-se a um a tentativa de reabilitação
da teoria neoclássica a p artir de duas ideias de fundo. A pri­
m eira consiste, p o r um lado, em reconhecer os vícios de que
enferm a a função de p rodução e , p o r outro, em construir
um a pseudofunção de produção, que não sofreria dos mes-
A INCOERÊNCIA INTERNA 77

mos erros, m as desem penharia um papel análogo ao d a ju n ­


ção da produção tradicional. Deve-se a Sam uelson esta tenta­
tiva. A segunda ideia consiste em retom ar a taxa de rendi­
m ento’ de Fisher e em m ostrar que o que é im portante é esta
taxa de rendim ento, a qual determ ina a taxa de lucro, não
havendo necessidade, desde logo, de reco rrer ao capital e,
portanto, de o m edir (Solow). U m tenta ultrapassar o pro­
blem a da m edida do capital, outro tenta suprim i-lo. Vamos
analisar sucessivam ente estas duas tentativas.

1. O real face ao imaginário: a tentativa de Sam uelson

N ão se trata de um a sorte hum orística. É este o m étodo


que Sam uelson utiliza. D ado que não se pode hom ogeneizar
o capital, sem reco rrer a um a variável da repartição, vai par­
tir-se im ediatam ente do real, ou seja, de um a série de capitais
heterogéneos. T en ta m ostrar-se que o m undo real pode ser
contraposto ao m undo im aginário, m undo no qual a função
de produção tradicional seria válida. M ais precisam ente, no
m undo real, a função de produção tradicional não pode servir
p ara determ inar a repartição dos rendim entos, segundo as
produtividades m arginais, dado que sofre dos vícios que já
apontám os. Podem os, po rtan to , supor que ela poderia cum ­
p rir esse papel no m undo im aginário. E, se confrontarm os o
m undo real, agora considerados os capitais heterogéneos, ao
m undo im aginário e nos aperceberm os de que o prim eiro
pode conduzir a um a determinação da repartição dos rendi­
m entos, segundo as produtividades m arginais, sem cair nos
vícios precedentes e que, através dele, se pode reconstruir
a função de produção m acro (agregada), de tal m odo que
corresponda à função de produção tradicional (o im aginário),
então poderem os afirm ar que esta últim a é válida, no essen­
cial.
N um a prim eira abordagem , isto parece complexo — ver
dade seja dita, é necessário im aginação p a ra conceber um a
tal resposta — , m as a ideia é sim ples, como iremos ver.
78 SOBRE O VALOR— -ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

H IP Ó T E S E S

1. Supõe-se que apenas um bem de consumo é produ­


zido n . SupÕe-se, pelo contrário, que, para produzir este bem ,
podem os u tilizar tantas com binações produtivas quantas dese­
jarm os: torno (a) fresadora (/?), m áquinas-instrum entos diver­
sos, com binados com o trabalho. Estam os, pois, em presença
de capitais heterogéneos. Supõe-se que não existe progresso
técnico, pois o problem a de fundo não se situa a este nível,
como vimos. Supõe-se igualm ente q u e os rendim entos de
escala são constantes p ara cada com binação p ro d u tiv a 13,
donde se deduz que os coeficientes de fabricação o são de
igual m odo. Supõe-se enfim um a econom ia concorrencial.

2. Supõe-se igualm ente que a depreciação (d) do bem


de equipam ento é independente da sua idade. E sta hipótese
suscita alguns problem as que n ão analisarem os.

3. Supõe-se enfim um a econom ia estacionária. O exce­


dente líquido é distribuído em lucros e salários, que servem
exclusivam ente p ara ad q u irir bens de consum o, pois que, por
hipóteses, a acum ulação líquida é nula. As proporções, entre
o sector p ro d u to r do bem de consum o e aquele que produz o
bem de equipam ento, devem ser tais, que a p rodução deste
últim o corresponda exactam ente às necessidades do sector de
bens de consum o, p ara substituição do capital utilizado e
àquilo que ele próprio necessita p ara substituir os seus bens
de equipam ento desgastados. O excedente líquido será, então,
igual a um a quantidade física do bem de .consumo 14.

A hipótese de distribuição do excedente líquido em lucro


e salário tem igualm ente um outro significado im portante.
Significa que o salário é pago post factum , um a vez a m erca­
doria produzida e v e n d id a 15.

A. A pseudofunção de p rodução

Podemos agora escrever as mesm as equações, que consi­


derám os no ponto 1. Cham arem os sistema de produção a
estas duas equações. M ostram com o se fabrica o bem d e con-
A INCOERÊNCIA INTERNA 79

sum o A q u ando se utiliza a técnica «, e com o é fabricado o


■próprio bem de equipam ento a. D ado que existe um a série
de bens de equipam ento (a, ¡3, y , etc.), h averá um a série de
sistemas de produção, cada um representado p o r estas duas
equações.
Tem os, pois, p ara o sistema

1 = l aw + capc (r + d)

p c = lcw + Ccpc <r + d)

em que l a, l c, e a cc, são coeficientes de fabrico dados, em


que cap cd e ccp ed representam o capital utilizado e, recor­
demo-lo, cap cr e ccp cd o lucro, em cada equação. Como
vimos tem os três incógnitas (w, r e P ) e duas equações,
pelo que podem os acrescentar um a equação do salário:

1 — cc <r + d)
w = ---------------------------------------
+ O A — l aCc> <r + d)

ou um a equação dos preços:

p — ---------------------------------------

K+ flc Ca — :1aCc ) ( r + d>

Tem os, p ara cada sistema, estas duas equações, logo,


estas duas funções. Cada sistema difere dos restantes pelo
valor que assum em os coeficientes de fabrico.
Cham arem os à prim eira função a curva dos salários
w — r. Pode ser convexa, côncava ou ainda um a linha recta
conform e (1 c — lacc) p o r superior a 0 , in ferio r a 0 , ou nulo.
80 SOBRE O VALOR — ELEM EN TOS PARA TJMA CRITICA

Ê im portante notar de im ediato o significado económico


do valor assum ido p o r (1 c — 1 c j .
ca cc
Terem os um a curva convexa quando — > — ou seja,
1a 1c
qu ando a intensidade capitalística do sector p ro d u to r do bem
de consum o fo r superior à do sector p ro dutor do bem de
equipam ento a (ou /3 )ló.
ca cc
Terem os um a .curca côncava, quando — < — , ou seja,
lc
quando a intensidade capitalística do sector pro d u to r do bem
de eq uipam ento « é superior à do sector do bem de consum o.
ca c
F inalm ente terem os um a recta, q u ando — = — , quer
1a lc
dizer, quando as duas intensidades capitalisticas forem iguais.
Sam uelson interessa-se unicam ente p o r este últim o caso.
Considerem os a tangente no pon to P. E sta tangente é igual a
W wi
-------, em que w iW corresponde à diferença entre o exce-
O ri
dente O W 17 p o r trab alh ad o r e a taxa de salário (O w i). Esta
diferença representa, pois, o lucro por trab alh ad o r em pre­
gue. D ividindo pela taxa de lucro obterem os:

lucro por trab alh ad o r P /L K


tg W P w i = -------------------------------- = -------- = —
taxa de lucro P /K L
A INCOERÊNCIA INTERNA 81

A tangente da curva dos salários é, pois, igual ao valor


do capital p o r trabalhador. Como a curva dos salários é
neste caso urna recta, a tangente é constante, q u alquer que
seja o ponto P considerado sobre w — r. O valor do capital
por trabalhador é constante, qualquer que seja a variação da
taxa de lucro entre O e R , no sistem a a. P or outras palavras,
o valor do capital por trabalhador p ara a, não é alterado
pelas variações da taxa de lucro. P ara cada sistema há um
e um só valor do capital.
Sam uelson m ultiplica o núm ero dos sistemas, m antendo
a mesma hipótese de igualização das intensidades capitalís-
ticas no seio de cada sistem a ¡3, y , etc., entre o sector pro­
dutor de bens de consum o A e o sector p ro d u to r do bem de
produção C/3, c y ... Estam os, pois, em presença de um a fam i­
lia de rectas M a M/3, M y, etc. Ao longo de cada um a destas
rectas, o valor do capital por trab alh ad o r é constante. Para
cada sistema, há, pois, seguram ente um e um só valor do
capital p o r trabalhador. Podem os orden ar estes sistemas de
tal form a, que o valor do capital p o r trab alh ad o r cresce,
quando a taxa de lucro decresce, passando de R a O . O sis­
tem a M y possuirá assim um valor p ara o capital por trab a­
lhado r superior a M/3, por sua vez superior a M a. Podemos
representar este conjunto de sistemas pelas duas seguintes
figuras:

O btem os n a fig. 4 um a curva envolvente quebrada


ABCD. E sta curva designa-se p o r fro n teira dos salários ou
fronteira do preço dos factores, consoante os autores. O em­
presário situa-se sobre esta curva envolvente. Com efeito,
82 SOBRE O VALOR— 1ELEMENTOS PARA UMA CRITICA

p a ra um a taxa de salário O w i, ele tem interesse em m axim i­


za r a sua taxa de lucro. O sistem a a proporciona-lhe um a
taxa de lucro O r 2 superior à que lhe proporciona o sistem a j8 :
O n 1S.
Se m ultiplicarm os o núm ero de técnicas, poderem os pen­
sar que a curva envolvente se to rn ará continua. Ela será
decrescente e convexa. C ada ponto sobre esta curva significa
então u m sistema representado por u m valor do capital por
trabalhador.
É este ponto essencial do raciocínio. G raças a esta pro­
priedade, podem os deduzir duas coisas:

— qu ando a taxa de lucro cresce de O a R , o sistema


de produção escolhido caracteriza-se p o r um valor do capital
decrescente:

r t izfc*— i . Encontram os as condicões de estabili-


L
dade do equilibrio;

— pode facilm ente c a lc u la rle o valor do capital J.


Calcula-se a inclinação em cada ponto e m ultiplica-se pela
qu antidade de trab alh o utilizado nesse ponto. Para cada taxa
de lucro, obtem os um determ inado sistem a ao qual corres­
ponde um e um só valor do capital.
Parece que resolvem os o nosso problem a. Partim os de
capitais heterogéneos. N ão colocamos a hipótese de um capi­
tal hom ogéneo, que teríam os tido de hom ogeneizar. Cons­
truím os um a curva envolvente. Procedendo assim, considerá­
mos que podíam os passar de um sistem a p ara outro instanta­
neam ente e sem custo, quando variava a taxa de lucro. Supu­
semos que o capital podia ser m aleável. Eis a razão por que
Sam uelson lhe cham a capital geleia e o representa pela letra J
(jelly). M ais precisam ente, um a m áquina « pode ser substi­
tuíd a p o r outra (/3) im ediata e gratuitam ente, quando a taxa
de lucro varia. O capital tom a então form as diversas, segundo
a taxa de lu cro e daí a sua denom inação de geleia. A cons­
trução deste capital-geleia perm ite-nos estabelecer um a rela­
ção, en tre a taxa de lucro e o capital, tal que este represente
um a e um a só técnica de produção. A m edida deste capital-
A INCOERÊNCIA INTERNA 83

-geleia não enferm a, pois dos mesmos vícios que o capital,


que deveríam os to rn ar hom ogéneo na função de produção
tradicional, dado que q ualquer variação na taxa de lucro
im plica um a m udança no valor do capital, devida exclusiva­
m ente a um a alteração na técnica de produção.
Avancem os um pouco m ais. Sam uelson cham a a esta
curva envolvente a pseudoíunção de produção. Pseudo, por­
que vai desem penhar exactam ente o mesmo papel que a fun­
ção de produção, sem com partilhar, no entanto, dos mesmos
defeitos. A elasticidade desta pseudofunção d e produção
vai-nos dar a repartição dos rendim entos. Com efeito, èm
— dw
todos os pontos, a tangente é ig u a l---------- = J /L . A elastici-
dr
— d w /w J r P
dade é, pois, igual a -------------- = — X — = — , ou seja, a
d r/r L w w
relação entre os lucros e os salários. Tem os, pois, um a deter­
minação da repartição dos rendim entos pelo simples cálculo
de um a elasticidade. É certo poderm os afirm ar que este cál­
culo não im plica que a repartição dos rendim entos seja deter­
m inada segundo o princípio das produtividades m arginais.
M as que tal não nos preocupe ! É aqui que vai intervir o imagi­
nário. Podêmo-lo m ostrar de duas m aneiras: analítica e grafi­
cam ente. Considerem os, em prim eiro lugar, um a função de
produção tradicional, mas im aginária e de grau 1. Poderem os,
K
desde logo, calcular — . A intensidade capitalista é igual
L
à seguinte relação:

K d ( 8 Q /S L )

L “ d ( 8 Q / 8 K)

em q u e Q / 8 K e Q /S L são as produtividades m arginais do


capital e do trabalho. N o m undo im aginário, estas determ inam
a taxa de salários e a tax a de lucro. Poderem os, pois, escrever:

K _ — dw
L dr
84 SOBRE' O VALOR— • ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

— dw }
O ra, ---------- = — no m undo real. Então K e T desem-
dr L
penham o mesm o papel, sem que um enferm e dos vícios do
outro. D este m odo, porque o m undo im aginário corresponde
ao m undo real, poder-se-ia pensar que o m undo im aginário
era justo no essencial e que a elasticidade da curva envol­
vente nos dá a repartição dos rendim entos, segundo as pro-
dutividades m arginais.
Em segundo lugar, podem os facilm ente estabelecer que
a curva envolvente pode dar origem a um a via de equilíbrio
que representa a função de produção e inversamente.
Com efeito, seja um ponto P tom ado sobre a curva
envolvente (m undo real). Este ponto P representa um sistema
preciso, m aterializado por AB. O A representa o excedente
liquido p o r trabalhador p ara este sistem a

im ag in ário ---------------- >


= real <—--------------------- real

q/ l |
w
AN
— - ... ..... - - - -

i
1
K/l tg,< O B r

ou, p o r outras palavras, a produtividade m édia. A tangente


de AB representa o capital por trabalhador. Podem os tran s­
por estes dois resultados. Em ordenadas, consideram os a
produtiv id ad e m édia; em abcissa, o valor assumido pela tan­
gente. A p artir do ponto P, obtem os um ponto P \ Podem os
p ro ced er de idêntico m odo p a ra o conjunto dos sistemas.
O btem os, assim, um a curva deduzida da curva envolvente,
que tem exactam ente a m esm a form a e logo as mesmas pro­
priedades que a função de produção im aginária, sem sofrer
A INCOERÊNCIA INTERNA 85

dos erros já enunciados. E sta pseudoíunção de produção


desem penha pois o m esm o papel que a função de produção.
E sta últim a estaria apenas afectada p o r dificuldades aparentes.
R esum idam ente, o procedim ento de Sam uelson consiste
em inverter o sentido do raciocínio. G eralm ente, partia-se da
função de produção p ara atingir prim eiro a fronteira do preço
dos factores e chegar p o r fim à cu rv a dos salários.

~ w
— w 4

\
\ , s
« s

------------------------ ► -

Sam uelson p arte da curva dos salários (capitais hetero­


géneos), chega à curva envolvente, de onde deduz um a curva
que tem a m esm a form a que a função de produção e desem­
penha o m esm o papel.

B. O impasse

A solução proposta por Sam uelson, p ara salvar a lei do


valor, é um bom indicador dos impasses a que se chegou
com este tipo de teorias. T al como um prestidigitador, Sa­
m uelson escamoteia o problem a essencial, considerando ape­
nas um caso particular. Este caso p articu lar resulta mesmo na
negação do próprio objectivo da análise neoclássica. Se gene­
ralizarm os o estudo de Sam uelson, a pseudofunção de produ­
ção n ão pode cum prir o papel q u e ele lhe confere. D aqui, a
necessidade de privilegiar este caso particu lar, que, no en­
tanto, nega o objecto da lei do valor neoclássica. É este o
ponto que irem os dem onstrar.
a) Um m undo com um só bem. Sam uelson privilegia
um caso p articu lar: precisam ente aquele em que as intensida­
des capitalísticas do sector do bem de consum o e dos secto­
res dos bens de produção são iguais, p ara cad a sistema.
É este facto que lhe perm ite represen tar as curvas dos salá­
rios p o r linhas rectas. Cada sistem a tem deste m odo, um
valor do capital p o r trab alh ad o r constante.
86 SOBKE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

O q u e Sam uelson não diz é que, privilegiando este caso


p articu lar, ele elim ina desta form a o problem a que se propu­
nha resolver. Q ue problem a e ra este ? M edir o capital im pli­
cava que se fizesse interv ir um preço, que fosse função da
tax a de lucro, variável que, n o entanto, se p ro p u n h a deter­
m in ar n o u tra fase. A equação dos preços é com efeito:

lc
Pc = --------------------------------------
a la + OcCa — W ( r + d)

Supondo q u e as intensidades eapitalísticas em cada sec-


ca c
to r são sem elhantes (— = — ), terem os:

pc = — = constante

ou seja, um p reço função exclusiva dos coeficientes de fabri­


cação. Sam uelson, igualando as intensidade capitalísticas,
suprim iu o efeito que poderia desem penhar a taxa de lucro
sobre o preço do bem de equipam ento, em term os do bem de
consum o. N ad a de espantar que, em seguida, ele .consiga
obter p ara cada sistema um valor constante do capital p o r tra ­
balhador. É a p ró p ria consequência desta supressão im plícita.
O preço deixa de desem penhar um papel perturbador. O seu
efeito é neutralizado pela supressão d a acção da taxa de lucro.
O valor do capital p ara cada sistem a é necessariam ente está­
vel. N ão podem aí existir, de facto, vários valores, dado que
com o vim os, a variação em valor do cap ital resulta, por um
lado, da sua variação física (m udança de sistema) e, p o r outro,
d a variação do preço, que o m ede, podendo cam inhar um a e
outra em sentidos opostos. Se suprim irm os o efeito, que pode­
ria ter a variação do preço, considerando hipóteses tais que
este apenas pudesse ser estável, escam oteam os o problem a
A INCOERÊNCIA INTERNA 87

principal, não o resolvemos. E ra necessária, efectivam ente,


to d a a «im aginação» de Samuelson p a ra fazer esta «m anobra
de diversão».
T al «m anobra de diversão» leva desde logo a supor q u e,
de facto, no seu m undo real, existe um a função de produção
hom ogénea de grau 1. N ão é, pois, p ara adm irar que ao
m undo real se possa fazer corresponder o m undo im aginário,
dado que este últim o é precisam ente caracterizado p o r esta
função de p rodução ! 20 O u m elhor, n a m edida em que se
afasta o papel p ertu rb ad o r dos preços — que no entanto se
propõe resolver — o im aginário deixa de ser im aginário, pois
não pode sofrer dos defeitos que se havia assinalado quanto
a esta função preços. Ele é necessariam ente o real tal como
Sam uelson o concebe !
Q ual é o significado económ ico — p ara além desta «ma­
n o bra de d iv e rsã o » — da igualização das intensidades capi-
talísticas ?
A p a rtir do m om ento em que se define um bem pelo
tipo de com binação produtiva utilizada p ara o fabricar, de-
duz-se — como fazem os neoclássicos — que dois bens são
diferentes, q u an d o as técnicas para os p ro d u zir o são tam ­
bém . A contrário, se a técnica é a mesma, os dois bens são de
facto os mesm os. Assim é no nosso caso: o bem de consum o
A e o bem de equipam ento Ca, sendo produzido pelas mes­
mas com binações produtivas, são de facto um e um só bem ,
podendo servir tanto de bem de consumo como de bem de
eq u ip a m e n to 21. T rata-se desde logo de um único bem . Como
se coloca um problem a idêntico p a ra cada sistem a [í, y , etc.,
podem os deduzir C¡3 é a m esma coisa que A , que é a
m esm a coisa que C y, etc. N ão se trata, pois, de um m undo
«real», no qual haveria 999 bens de equipam ento e um bem
de consum o, mas de um m undo onde existe de facto um único
bem a q u e se cham a real p o r necessidade de legitim ar as
ilações que se sucedem ...
P ara que o m odelo de Samuelson tenha aparência lógica,
é preciso q u e exista um m undo com um só bem . Mas neste
caso, a teoria neoclássica deixa de ter objecto, dado que o seu
fundam ento está, com o vimos, na escolha, que fariam os indi­
víduos supostam ente racionais. Se existe apenas um bem , não
existe escolha. Se não existe escolha, não existe preço e não
88 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

há assim um a lei do valor. D aqui podem os tirar a conclusão


seguinte: para assum ir um aspecto coerente, a teoria neoclás­
sica deve negar-se a si própria I
b) M as estarem os a ser dem asiado duros ? Talvez
Sam uelson não estivesse consciente das consequências da sua
hipótese de linearidade da curva dos salários; enfim , pode­
ríam os corrigir a sua solução, exam inando os outros casos.
Considerem os a hipótese «heróica» de que «o inferno está
cheio de boas intenções» e vejam os se o que Sam uelson pro­
põe pode resolver o problem a da m edida do capital, nos
casos em que p ara cada sistem a as intensidades capitalísticas
são diferentes.
Se as intensidades capitalísticas dos sectores do bem de
consum o (A) e do bem de produção são diferentes em cada
sistem a (<*, /3, etc.), as curvas de salários serão convexas ou
côncavas. A tangente num ponto q ualquer é igual, como
vim os, ao valor do capital p o r trab alh ad o r. M as esta tangente
não é constante ao longo da curva. O valor do capital p o r tra­
balhad o r não é, pois, um a constante p ara cada sistem a.

Q uando se considera a relação definitória q = w + kr,


pode tam bém obter-se o valor do capital p o r trabalhador:
q — w q — w
k = ----------- . Este valor é igual a tg a (------------= tgA Pw =
r r
= tgA Z O ). O ra tg ^ é sem pre diferente de tg ^ , excepto
quando a curva de salários é um a linha recta, o que im plica,
como já vim os, que o m undo real seja caracterizado por um a
A INCOERÊNCIA INTERNA 89

função de produção hom ogénea de grau 1 , quer dizer, que


seja im aginário, antes ainda de tal ter sido dem onstrado.
O valor do capital por trabalhador não é constante para
cada sistem a, no caso geral. Inversam ente, p ara cada sistema
existem vários valores do capital p o r trabalhador, quando a
taxa de lucro varia. R esultado lógico, pois que, tom ando um a
¡curva convexa (ou côncava), reintroduz-se o efeito da taxa
de juro sobre o bem de equipam ento, que, deste m odo, não é
constante e actua sobre o valor do capital.
Isto significa que a curva envolvente, fro n teira do con­
junto das curvas de salários, não pode conduzir a um a deter-
m inação da repartição dos rendim entos susceptível de corres­
ponder àquela que os neoclássicos pretendem dem onstrar,
dado que, cada ponto desta curva envolvente, em bora repre­
sente um a técnica, representa-a com um valor que incorpora
igualm ente este efeito-preço e, logo, a taxa de lucro. M ais
exactam ente, em cada um destes pontos, este efeito-preço é
diferente (pois que para cada sistem a existe um a equação dos
preços particular) e actua de form a diversa sobre o valor
do capital.
K
A condicão de estabilidade (r i — ►— f ) dos neoclás-
L
sicos tam bém não se verifica. Sejam duas curvas represen­
tando dois sistemas (a ç ¡3). No prim eiro, a intensidade capi-
talística do sector dos bens de consum o é superior à do
sector do bem de produção. N o segundo, vam os supor a
hipótese inversa. Estes dois sistemas são, pois, representados
por um a curva convexa e p o r um a curva côncava tais, que a
fronteira tom a a seguinte form a:

W A
80 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

O pon to A é um ponto de sw itch (desvio) de sistema.


Passa-se de a a /?, quando a taxa de lucro é superior a ri e
aum enta até r2. Em B a taxa de lucro é n . É um ponto de re-
sw itching (retom o). Q uando a taxa de lucro cresce e u ltra­
passa n , retorna-se ao sistem a a. Estam os, assim, perante o
«paradoxo» seguinte: o sistema « é óptim o p ara um a taxa de
lucro baixa (de O a n ) e p ara um a taxa de lucro elevada (de
12 a R a). A condição de estabilidade é, pois, inexistente. É ine­
xistente, p orque os neoclássicos não haviam introduzido no
valor do capital o efeito p ertu rb ad o r que poderia ter um preço
(função da taxa de lucro). Porque a cada técnica de produção
não pode corresponder um só valor, a teoria neoclássica des­
cam ba nas «cu rio sid ad es22» que a fazem m ergulhar nos abis­
mos do absurdo.
R esulta desta análise q u e a ú nica form a de dar um
aspecto de coerência a este raciocínio é supor q u e as curvas
de salário são linhas rectas. É elim inado, assim, a p artir da
hipótese, o problem a que ela se p ro p u n h a resolver, chegan­
do-se a um m undo com um só bem , o que nega o próprio
objecto da análise neoclássica. A teoria neoclássica não é falsa,
mas não tem razão de existência ! Q ualq u er o u tra tentativa,
conduz — a contrario — a to rn ar inconsistente esta teoria.

2. O imaginário face ao real: o regresso de Fisher

D u as im portantes considerações estão na origem dos tra­


balhos de Solow sobre a determ inação da taxa de lucro:

« [ . . . ] A teoria do capital do séc. x i x tinha como fun­


ção social fornecer um a justificação teórica do lu c r o 23», p ara
concluir: « [ . . . ] T oda a construção com eça a assemelhar-se
a um a im ensa m istificação v e r b a l24».
«Seria necessário identificar infantilm ente os m últiplos
aspectos da produção capitalística a um só de entre todos
eles, pouco im portante qual, p a ra pensar que a teoria podia
ser unificada p or meio da definição de q ualquer coisa a que
se cham a « c a p ita l» 25.» «O cálculo da taxa de rendim ento,
no sentido em que a entendo, não necessita da m edida do
sto ck de c a p ita l26.»
A INCOERÊNCIA INTERNA 91

D uas conclusões se inferem destas proposições:


Se a teoria neoclássica foi apologética, ela pode agora
deixar de o ser, pois que é válida p ara q ualquer sistema polí­
tico: «É possível iludir questões com plicadas de definições e
seus corolários ideológicos27. «A m inha noção de taxa de ren­
dim ento de um investim ento é tecnocrata e deve ser inteira­
m ente independente das características institucionais da eco­
n o m ia 28.» Além disso, não é verdade que «a m elhor form a
de com preender a econom ia capitalista talvez seja analisar a
econom ia so cialista29» !
Sem pre tão positivista, Solow propõe-se desde logo su­
prim ir o problem a da m edida do capital, fonte de tantos mal-
-entendidos e conflitos, p ara o substituir pela taxa de rendi­
m ento do capital. N ada mais é necessário do que dem onstrar
que esta taxa de rendim ento — sem elhante à produtividade
m arginal do capital — determ ina a taxa de lucro indepen­
dentem ente de q ualquer m edida do capital e, portanto, do
conhecim ento prévio de um a variável da repartição, p a ra
dem onstrar que a teoria neoclássica é ainda válida. É o que
irem os fazer:

A. O modelo

A definição da taxa de rendim ento utilizada p o r Solow


é simples. Ela retom a a segunda definição da taxa de rendi­
m ento de Fisher (surgida, pois, no início do século). É suposto
existir um a afectação de recursos dada, arb itrária. Esta afecta­
ção supõe-se igualm ente ser eficiente. N ão h á, pois, subem ­
prego. Parte-se, pois, de um a situação dada de equilíbrio, não
explicada, característica habitual do pensam ento neoclássico,
com o vim os. Em seguida, perturba-se este equilíbrio. Supõe-se
ainda que ele é susceptível de ser restabelecido. Se necessá­
rio e p ara que tal seja possível, recorre-se aos serviços de um
ditador (o sistema «socialista» não é parecido com o capita­
lista ?). Este ditador, director da planificação, pode delibe­
rar, após ter provocado um desequilíbrio, regressar de novo
ao equilíbrio. Supom os, p o r conseguinte, q u e esse ditador
decide reduzir o consumo da colectividade (perturbação no
equilíbrio), transform ar esta p oupança fo rçada em bens de
equipam ento, ou seja, acrescer investim ento nesse mesmo m on­
92 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

tante, obtendo, graças a este acréscim o, um aum ento na pro­


dução de bens de consum o, p ara finalm ente decidir ao cabo
de dado período (ou de n períodos) regressar ao nível de con­
sum o anterior (regresso ao equilíbrio), cessando a poupança
suplem entar incidente sobre o consumo da colectividade.
O interesse deste ra c io c ín io 30 é o de p erm itir o cálculo da
taxa de rendim ento q u e graficam ente poderem os representar
por:

em que h representa o sacrifício consentido e k o ganho em


bens de consum o, donde se infere que a taxa de rendim ento
representa sim plesm ente o ganho líquido sobre o .custo.
À prim eira vista trata-se efectivam ente de um a relação
simples, «tecnológica». E sta taxa indica o que ren deria um
p rojecto de investim ento, sendo dados os preços. S eria, desta
form a, um a taxa de lucro. A taxa de rendim ento seria, pois,
um a expressão sinónim a de taxa de lucro. M as, do mesmo
modo como anteriorm ente, vim os que o problem a não residia
tanto no facto de a produtividade m arginal do capital ser igual
à taxa de lucro, mas principalm ente no facto de ser aquela a
determ inar esta, igualm ente nesta altura devemos m ostrar que
esta taxa de rendim ento — que no m ínim o se assemelha à
p rodutividade m a rg in a l31— possa determ inar a taxa de
lucro, de tal m aneira que nenhum a variável da repartição é
necessária p ara calcular tal taxa de rendim ento. N o caso
contrário, cairíam os na circularidade anteriorm ente denun­
ciada. O objectivo é, pois, claro: calcular um a taxa de ren­
dim ento, que possa determ inar a taxa de lucro, e isto inde­
pendentem ente desta ú ltim a 32.
P ara realizar o seu objectivo, Solow construiu um modelo
no q u al coexistem um sector m oderno e um sector prim itivo.
C ada um deles p roduz o m esm o bem de consum o, mas no
sector m oderno são necessários n hom ens p ara p ro d u zir anual­
m ente nc bens de consum o com o auxílio de um a m áquina,
en q u an to , no sector prim itivo, a produção é estritam ente
m anual. É necessário neste sector 1 hom em p a ra produzir
A INCOERÊNCIA INTERNA 95

anualm ente b bens de consumo. N o conjunto do sistema,


coexistem , pois, duas técnicas de produção p ara fabricar o
mesmo bem : um a m anual, e outra que associa ao trabalho
m áquin as’ em núm ero de M. Para a produção de um a das
m áquinas, supom os ter necessidade de m hom ens anualm ente.
Estes hom ens produzem a m áquina m anualm ente. Supõe-se
enfim que a população total é estável (L) e que as m áquinas
se depreciam à taxa anual d.

A situação de equilíbrio caracteriza-se, pois, por:

B en s ãe con ­
M áquinas H om en s
su m o

T rabalhadores do
sector prim itivo 0 1 to

T rabalhadores do
secto r moderno 1 n nc

1 m 0

A população activa total pode decom por-se assim:

L = LM + Lc + Lh

com: Lc — nM , dado que existem M m áquinas


LM = dmM , dado que o stock de m áquinas dim inuiu de

dM e, p ara o substituir, é necessário u tilizar dM m.

Lh = trabalhadores do sector prim ário.

Lh = L — dmM — nM
94 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

O consum o de equilíbrio, p laneado pelo ditador, é, pois:

C = ncM + b L h
ou
C = cLc + bL h

O ditador decide perturbar este equilíbrio e, tal como


Lewis nos seus modelos dualistas, decide transferir um tra­
balh ad o r do sector prim ário p ara o sector m oderno e, depois,
regressar ao equilíbrio anterior, equilíbrio do q u a l demos as
principais características.
Esta perturbação e este regresso ao equilíbrio vão per­
m itir calcular a taxa de rendim ento. O trabalhador, que saiu
do sector prim itivo, e n tra no sector p ro d u tor de m áquinas.
1
A sua p rodução será, pois, num ano, de — , dad o q u e são
m
necessários m hom ens p ara pro d u zir um a m áquina. O acrés­
cim o de m áquinas vai perm itir pro d u zir m ais bens de con-
n
sum o (— a m ais n o sector m oderno), um a vez que o stock
m
1
de m áquinas passa de M a H ------. Mas este stock de má-
m
1
q u in as deprecia-se de d(M -|------) . N o fim do período, res-
m
1
tam , pois, (1 — d) (M -\------) m áquinas. O ra, no fim do pe-
m
río d o seguinte, é necessário que este stock seja de novo de M
m áquinas, dado que se decide regressar ao equilíbrio. A pro­
dução de m áquinas será, pois, de:

(1 — d) (M + — ) = M
m
donde

m
A INCOERÊNCIA INTERNA 95

o que necessita o trab alh o de

dM m — (1 — d)

Assim, o núm ero final de trabalhadores pertencentes ao


sector produtivo deverá ser,

L h = L — LM — Lc

L h = L — dM m + (1 — d) — nM — —
m

LM Lc

M as, regressar ao equilíbrio, significa — como havía­


m os n o ta d o — que a situação final deve ser a m esm a que a
situação inicial. A repartição dos trabalhadores deve ser a
m esm a no início e no fim. O ra a população activa inicial no
sector prim ário era de L — dmM — nM e, durante a fase em
que se verifica a p erturbação, é de ( 1 — d) — n /m hom ens
a mais ou a m enos.
Podem os, pois, concluir que, n a fase de p erturbação, a
nc
produção cresceu de — bens de consum o no sector m oderno,
m
sendo claro que esta últim a expressão pode ser negativa.
nc
Tem os, pois, um ganho positivo (ou negativo) d e ------h
m
+ [(1 — d) — n /m ) ] b, que é necessário com parar ao custo
inicial, o u seja b . A taxa de rendim ento é, pois:

n
+ 1— d 1
h mb m

nc n
R = ----------------
mb m m b
96 SOBRE O VALOR----ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

A taxa de re n d im e n to 33 é, pois, definitiva, independen­


tem ente de um a variável da repartição. Parece, pois, ¿tingida
a prim eira fase do raciocínio. R esta dem onstrar que esta taxa
de rendim ento é igual à taxa de lucro e que, deste m edo, a
determ ina.
Podem os escrever a equação contabilística, que bem
conhecem os, segundo a qual o valor dos bens de consum o
produzidos no sector m oderno é igual à som a dos salários,
dos lucros e da depreciação do capital.
Terem os:

n c = w n + w m (d + r),

dado serem necessários m hom ens, pagos ao salário w , para


fab ricar 1 m áquina que serve p a ra p roduzir, graças a n ho­
m ens, nc bens de consum o 34.
No sector prim ário, o trab alh ad o r consome o que pro­
duz isto é, b. Se bem que ele não seja um assalariado pro­
priam ente dito, podem os adm itir que a sua retribuição (o seu
«salário») será de b. Como os salários são os mesmos nos
dois sectores, dado que o sistem a é concorrencial, podere­
mos pensar que w é igual a b. P or outros term os, o trabalha­
dor deslocado encontra no sector m oderno um salário seme­
lhante ao seu rendim ento no sector prim ário. G raças a esta
hipótese terem os:

nc = b n + bm ( d + r)
ou seja,
r = — (— - 1 ) — d,
b b
logo,
r = R

A taxa de rendim ento é, pois, igual à taxa de lucro. As


duas foram calculadas de form a diferente e independente­
m ente um a da outra. T axa de rendim ento e taxa de lucro
n ão são, pois, apenas sinónim os. O cálculo da taxa de rendi­
m ento perm ite indicar qual deve ser necessariam ente a taxa
de lucro. A taxa de rendim ento determ ina, pois, a taxa de
lucro.
A INCOERÊNCIA INTERNA 97

Assim, parece que o objectivo de Solow foi atingido.


A parentem ente a taxa de rendim ento calcula-se de form a
independente do conhecim ento de um a variável da reparti­
ção. D eterm ina a taxa de lucro. D esaparece o raciocínio cir­
cular, porque o problem a espinhoso da m edida do capital foi
à prim eira vista suprim ido.

B. O im passe

a) Este m odelo suscitou m uitas críticas. N ão as vere­


mos to d a s 35. Com efeito como em Sam uelson, estam os em
presença de um a «m anobra de diversão».
Por u m lado, admite-se a hipótese de um trab alh ad o r do
sector prim ário pod er p roduzir — m áquinas, enquanto ante-
m
riorm ente p roduzia b bens de consum o. Considera-se pois que
existe identidade, antes da p erturbação, entre b bens de con­
sum o e — m áquina, ou seja, o investim ento suplem entar
m
inicial. É porque Solow estabelece esta identidade que ele
obtém um a taxa de rendim ento em que num erador e deno­
m inador são iguais. Deste m odo, não há a m enor necessi­
dade de os hom ogeneizar através de um preço, já q u e num e­
rador e denom inador vêm expressos em bens de consum o.
M ais precisam ente, o num erador é expresso em bens de con­
sumo. Considera-se, com efeito, que o indivíduo, que saiu do
sector prim itivo, p roduz — m áquina. Este raciocínio perm ite
m
calcular o núm ero de pessoas que trabalham , na fase in ter­
m ediária, no sector das m áquinas e no sector m oderno dos
bens de consum o, de tal form a que o objectivo seja um re­
gresso ao stock inicial de m áquinas.
D aquele núm ero deduz-se, p o r com paração com a situa­
ção de equilíbrio inicial, qual o acréscim o de bens de con­
sumo produzido no sector m oderno e a variação positiva ou
negativa do bem de consumo: produzido no sector prim ário.
O total é, pois, expresso em bens de consum o. A origem deste
aum ento encontra-se no increm ento inicial do stock de má-
98 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

quinas, ou seja, na transferência de um a pessoa do sector pri­


m itivo p ara o sector m oderno. O custo é, pois, representado
p o r esta transferência. A subtileza consiste, pois, em apresen­
ta r este mesmo indivíduo no denom inador, sob a form a de b
bens de consum o e não de 1 /m m áquina, que ele produziu.
O num erador pode, assim, com parar-se ao denom inador, sem
que seja necessário recorrer ao preço e, portanto, à taxa de
lucro, já que se escamoteou o capital ( l / m ) , apresentando-o
sob a form a de b bens de consumo.
Por outro lado, Solow atribui a b um outro papel essen­
cial, na sua dem onstração da determ inação da taxa de lucro,
através da taxa de rendim ento: b corresponde, com efeito,
à taxa de salário. É porque b assum e este valor, que a taxa
de lucro tem um a expressão idêntica à da taxa de rendim ento.
M as, como b bens de consum o substituem 1/m á q u in a no
denom inador da taxa de rendim ento, e, por outro lado, este
é igual a w , pode dizer-se que l / m m áquina (ou b) é um a va­
riável da repartição, no caso presente a taxa de salário ! Tem os,
pois, necessidade de um a variável da repartição para calcular
a taxa de lucro, ou a taxa de rendim ento. O ra a análise neo­
clássica propõe-se determ inar sim ultaneam ente as duas variá­
veis da repartição e não um a por interm édio da outra.
D esde o m om ento em que não se pode determ inar a
taxa de rendim ento independentem ente de um a variável de
repartição, encontram o-nos perante o m esm o tipo de impasse
a que chegou Sam uelson. A taxa de lucro não pode ser deter­
m inada pela taxa de rendim ento, como não podia sê-lo pela
produtividade m arginal do capital. O u é indeterm inada no
quadro do m odelo (!), ou a sua determ inação é incoerente (!).
A tentativa de Solow, de p a rtir de um m odelo com dois
bens p ara calcular a taxa de rendim ento susceptível de deter­
m in ar um a taxa de lucro, salda-se, pois, num revés. N ão pode­
mos escam otear o problem a do capital, senão quando a taxa
de rendim ento se calcula p ara um m undo com um único bem.
A «escroqueria verbal» do século x i x encontra plena actua­
lidade nos trabalhos de Solow.
b) D esde que se passa p ara um m undo com dois bens,
deve necessariam ente recorrer-se ao capital para calcular a
taxa de rendim ento. A taxa de rendim ento não evita, pois,
que se coloque o problem a do capital e, logo, o da sua m edida,
A INCOERÊNCIA INTERNA 99

com o desejava S o lo w 36. N um m undo com dois (ou n) bens


a taxa de rendim ento escreve-se:

p (r) (y/3 — y«)


R = --------------------------
P (r) (K/3 — Ka)

em que a e ¡3 são dois sistemas, K a e K/3 os bens de eq u ip a­


m ento para cada um destes sistemas e y« e y/3 os produtos
líquidos obtidos, utilizando estas duas té c n ic a s37. K a, K/3,
y a, y/3 são expressos em termos físicos. Passar do sistema a
ao sistema ¡3 tem como consequência aum entar o produto
líquido y/i > ya. Se supuserm os que ya e y/3 são form ados
pelo mesmo bem de consumo, y/3 — ya é um vector em que
todas as com ponentes são nulas, excepto a prim eira, que é
positiva, O vector K/3 — K a tem com ponentes positivas e
negativas. Com efeito, K/3 representa os meios de produção

—• em term os físicos — que foram utilizados, e K a repre­
senta, em parte, os meios de produção, que se tornam inúteis.
Representam os esta fracção que não pode ser utilizada,
(w)
quando passam os ao sistem a /3 p o r K a. A penas K a —
w
— K a podem , pois, ser utilizados. A taxa de rendim ento
será:

P (r) (y/3 — y«)


R = --------------------------------- 63
P y (K/3 — K a + Ka)

É evidente que, se colocarmos a hipótese da m aleabili­


dade do capital (capital geleia, que se torna instantaneam ente
to
naquilo que quiserm os), a fracção K a se anula.

K/3, K a e (y/3 — ya) representam bens heterogéneos.


Estam os claram ente num m undo com vários bens. N ecessita­
mos de um sistem a de preços p ara hom ogeneizar e to rn ar
com paráveis num erador e denom inador. M as, como vimos,
100 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

este sistem a de preços depende necessariam ente da taxa de


lucro. N ão podem os calcular a taxa de rendim ento indepen­
dentem ente da taxa de lucro. A p rim eira não pode pois deter­
m in ar a segunda. Esta taxa de rendim ento, pode, para um a
dada taxa de lucro, perm itir um a escolha de técnica óptim a,
o u seja, indicar se é vantajoso passar do sistema a ao sistema
¡3 (consoante R é m aior que r o u não). E é tudo.
c) D ado que R é função de r, tal como poderia acon­
tecer com a produtividade m arginal do capital, estaríam os
aptos a proceder da m esm a m aneira como criticám os Samuel-
son. Poderíam os supor um m undo imaginário com um único
bem, o trigo. Este trigo seria ao mesmo tempo bem de con­
sum o, quando é consum ido e bem de produção, quando serve
de sem ente. Q ualquer sacrifício (investim ento) far-se-ia em
trigo e d aria origem a m ais trigo. N um erador e denom inador
seriam hom ogéneos em term os físicos, sem que houvesse
necessidade de recorrer a um sistem a de preços. Q uando a
taxa de rendim ento é superior à taxa de lucro, a técnica mais
lucrativa é aquela que proporciona um a m aior produção de
trigo. Se as duas taxas são iguais, as duas técnicas são indi­
ferentes. O bterem os um a curva, sem elhante à função de pro­
dução, que podem os construir supondo um núm ero infinito de
técnicas.
Como se vê, a taxa de rendim ento corresponde à produ­
tividade m arginal do capital.

Trigo utilizado em
bens de consum o
(proiduto líquido)

O
T rigo u tilizad o em bem d e c a p ita l
A INCOERÊNCIA INTERNA 101

E ncontrando-se estabelecidas estas propriedades, supõe-se


que elas se aplicam ao m undo real. A taxa de rendim ento R
torna-se então um a pseudotaxa de rendim ento física. Mas o
postulado, segundo o qual o im aginário (um bem) se poderia
aplicar ao real, de tal m odo que a pseudotaxa de rendi­
mento tivesse as mesmas propriedades que a taxa im aginária,
pressupõe, com efeito, que a cada sistem a corresponda um e
um só valor do capital. O ra, ta l como vim os, não é este o
caso. D esde logo, o postulado é falso. A taxa de rendim ento
não pode servir para determinar a taxa de lucro. A generaliza­
ção que acabamos de fazer m ostra o carácter vão dos esforçbs
de Solow p ara calcular um a taxa de rendim ento, que sirva
para determ inar um a taxa de lucro independentem ente desta
últim a. N um m undo com vários bens, não podemos exam inar
o capital sem recorrerm os a um a variável da repartição, que,
entretanto, pretendem os determ inar. O ra a supressão do capi­
tal tinha com o objectivo não cair nos problem as que coloca
precisam ente a m edida do capital, ou seja o conhecim ento
prévio de um a variável da repartição! O m odelo só é coe­
rente p ara um m undo com um único bem , im aginário, que não
pode servir de referência p ara um m undo com n bens. A coe­
rência da determ inação das partes relativas, segundo a lei
do valor neoclássica, pressupõe, pois, um m undo com um só
bem . O ra este m undo é a p ró p ria negação da análise neoclás­
sica. P ara ser coerente, a lei do valo r neoclássica deve, pois,
deixar de existir! É a sua lógica, m as tam bém o seu d estino...

N o ta s

i H ick s, citado por H ah n , M a tth e u s , Théorie de ia crois-


sance économique, Económ ica, 1972, p. 3.
2 O que significa que ex istiria u m a su b stitu ição en tre o
p ro g resso técnico e o -capital... e e n tre os diferen tes ¡elementos
do nrim eiro e deste últim o... o que im plicaria a hipótese de
p oder acontecer u m fo rte crescim ento sem investim ento (D omar)
e que um aum ento m aciço deste poderia te r poucas rep ercu s­
sões (P tielps ).
3 Ê im p o rtan te fris a r que esta heterogeneidade do capi­
ta l significa que um a dada «era» (período t ) corresponde um
certo tipo de b ens de equipam ento. A heterogeneidade significa,
pois, a ag reg ação de diversos cap itais de -diferentes períodos,
su p ostam ente hom ogéneos p a ra cada período.
102 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA ÜMA CRÍTICA

4 N ó s prqprios, ju n tam en te com üBenetti, recreám o-nos a


fa z e r este -tipo de tip o lo g ia p ara o S em in ário A fta iio n em 1968.
5 «M aleável», conceito caro a o s n eoclássicas, sig n ific a que
«um a m áquina pode in stan tan eam en te e gra tu ita m en te ser tran s­
form ad a em outra qualquer» (iSolow).
6 Supusem os, para sim p lificar, que o torno 'está inutilizado
n o fim do período de fab rico do bem de consum o A.
7 P oderíam os a crescen ta r ou tras m áquinas, o que com p li­
ca ria as equações, m a s n ão alteraria o raciocínio. C onsiderám os
igu alm en te um a peraquaçáo da ta x a de lu cro (d estin ad a a rem u­
nerar o s ju ro s), conform e a s h ip óteses d e equilibrio d a an álise
neoclássica.
8 A inda que não se ja m v isív e is quaisquer linhais n o s m a­
nuais tradicionais, onde a p reocupação é aperfeiçoar a função
de produção. P a ra que se d ign em fa la r em tal q u estão esperam
prim eiro pelo doutoram ento...
f P ara a prim eira m áquina poderíam os escrev er C, = 1,5 w
(1. + i) + 1,5 w (1 + i )2 + i,5 w (1 + i)3 + 1,5 w (1 + i)4 e
p ara a segund a C2 = 2 w ¡(1 + i) + 4 w (1 + i)4, donde C: -Y- C,.
10 D e form a óptim a, pois que a fu n ção de produção é, por
hipótese, um a v ia d e equilíbrio.
11 D esen volverem os e ste ponto n o cap. 3.
12 T rata-se de um a h ip ótese sim plifícadora. P oderíam os
supor q u e n bens d e consum o são produzidos. T o m a -se esta
hip ótese porque o p roblem a a resolver é o colocado p e la e x is­
tên cia de cap itais h eterogén eos e não p or vá rio s bens de con­
sum o.
13 R ecordem os qu e esta h ip ótese sig n ific a concretam ente
que, se n ecessitarm os de um torno e de um a unidade de traba­
lho para produzir A unidades de um bem de consum o, 2 tornos
e 2 unidades de trabalho produzem o dobro dos bens de consum o.
14 E s ta h ipótese sobre o estacion alism o é n ecessária, pois,
caso contrário1, o excedente seria com posto de -bens de consum o
e de bens d e equipam ento correspondentes à acum ulação líquida,
o que seria de índole a cria r certos p roblem as que poderem os
n o en tanto analisar.
15 O q u e e stá no segu im en to ló g ico do p en sam en to n eo clá s­
sico, que pretende dem onstrar que o salário é determ inado pela
produ ção do últim o trabalhador utilizado. E um a h ip ó tese que
curiosam ente reencontrarem os nos neocam bridgeanos (cf. su p ra ).
E s tá longe de se r anódina como verem os.
is R ecordem os que C a /la corresponde ao cap ita l p or u n i­
dade do produto A ¡sobre o trabalho por unidade deste m esm o
produto. T rata-se, com efeito, de um a intensidade cap italística.
17 OW é o excedente por trabalhador. Com efe ito s e r = O,
a ta x a de sa lá rio é m áxim a e rep resen ta a totalid ad e do e x c e ­
d en te por trabalhador. In versam en te, s e w = O, r é m áxim o
A INCOERÊNCIA INTERNA 103

(r = O R ) representando OR a to talid ad e do ex ced en te auferido


pelos cap italistas por unidade de trabalho.
is N ote-se que este raciocínio tem p resente aquele que
serviu para construir a função de produção.
SQ ôQ
19 q = --------K H-------- L .(teorem a de E u ler), ou ainda:
SK sL,

Q SQ K S'Q

h sK Li s Li

S e calcularm os o diferen cial em rela çã o a Q /K :

d (Q /L ) d U Q /s L ) K sQ d (K /L )
------ —•—• = ------------ — -|------ + i— -----------1------ ou ainda:
d (a Q /sK > d (S Q /S K ) L 6K d i(sQ /8 K )

d (Q /L ) X d (K /L ) (SQ /SK ) dl(K /L) di(sQ /áL ) K


—,----- ----------- *—------ = ------------1— = —'—----------------- H----- +
-

d (K /L ) X d ( s Q /s K ) d l(aQ /sK ) d i(5Q /sK ) L

(SQ /SK ) dl(K/ÍL) K — d (s Q /s L )


-I------- >— — ------------—• d e onde s e conclui: — — —•—— —-— -— •
d(S'Q/,5K) L d ( s Q /s K )

20 P odêm o-lo fa cilm en te dem onstrar a n ív el m atem á tico


(B adhu ri). C onsiderem os a relação Q = L w + Kr, em que K é o
valor do cap ital ex p resso n o bem d e con su m o (quer dizer, K p c
n as n ossas relações precedentes em que K era o cap ital físic o ).
15 um a relação eo h ta b ilístiça e tam b ém definitória. iSe dividir­
m os por L, tem os: q = k r + lw , donde dq = rdk + kd r + dw.
dq
I>este modo, — — .produtividade m a rg in a l do c a p ita l— n ã o é
dk
ig u a l à ta x a d e lucro r. P a r a que ta l se v erifica sse, seria
dw
necessário que kdr + d w fo sse ig u a l a O, ou se ja q u e ---------- - =
dr
— dw
= k (capital p or trabalhador). iSam uelson ob tém k — ------ ■,
dr
quer dizer p ressu p õ e que kdr + d w = O ; o ra escrever dr + dw =
dq
= O, é dizer que dq — rdk = O (onde r = —*— ), é supor que,
dw
d e facto, a fu n ção de produção é h om ogén ea de grau 1, pois é
este tip o de relação que define a fu n çã o de produção h om ogé­
n ea de grau 1. P odem os, com efeito , escrever dQ = f ’K dK + fL d L .
104 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

C alcula-se a produtividade m a rg in a l d e um factor, supondo o


dQ
outro constante, donde dLi = O, logo dQ = f ’KdK e f ’K = — —- =
dK
= r. iConclusão: Se S am u elson pode fa z e r coincidir o rea l com
o im aginário, é porque o real, ta l como e le o define, incorpora
já o seu im aginário ! Cf. B adhuri, «On the S gn ifiea n ce o f R e-
cent C ontroversies on C apital T h eo ry : a M arxian V iew », in
C a p ita l an ã G row th , P enguin.
21 U m exem plo concreto pode encontrar-se n a literatura
clá ssica : para Ricardo, o trigo ê bem de consum o, quando é
sim p lesm ente consum ido e fa c to r de produção, quando serv e
com o sem en te.
22 A expressão é de R uth Cohen, segu n d o J. R obinson.
23 S o lo w , T héorie ãu C a p ita l e t T au x d e rendem&nt, D u-
nod, 1970, p. 4.
24 Idem , Ibid., p, i5. Sem m esm o c ita r B oukharine, podem os
¡evocar R obinson e E atw ell. «Contudo, não fo i tan to a fraq u eza
da teoria pura, m a s sim as alterações no clim a político, que
puseram term o ao reino dos clássicos. M esm o na su a form a m a is
liberal, a s doutrinas clá ssica s colocam a tón ica no papel econó­
m ico das classes so cia is e no seu con flito de in teresses. N o fin a l
do séc. x ix , o centro d e gravidade dos co n flito s so cia is h a v ia -se
tran sferid o d o an tagon ism o entre ca p ita lista s e proprietários
fu ndiários p ara a oposição entre trabalhadores e cap italistas.
O m edo ou m esm o o horror, su scitad os pela obra d e Marx,
foram exacerbados em tod a a E uropa p ela C om una de P a ris
(1871). A s doutrinas, que advogavam a ex istên cia de conflitos,
foram logo consideradas indesejáveis. A s teorias que a fa sta v a m
a atenção do an tagon ism o entre as cla sses so cia is receberam
um acolhim ento sig n ifica tiv o » (J. R obinson , J. E atwell , in tr o ­
dução à M oderna E con om ia, U E co n o m iq u e m o ã ern e, E disciense,
1874, p. 4i6.
25 Idem , 0'p. c it., p. 7.
26 Idem , op. cit., p. 18.
27 Idem , Ibid., p. 9.
28 Idem , Ibid., pp. 10-11.
29 Idem , Ibid., p. 9.
30 T rata-se, com o n o s recordam os, d e um raciocínio p reci­
sam en te idêntico ao que efectu ám os para construir a curva de
procura teórica em eq u ilíb rio— - p ertu rb a çã o —• regresso a o
equilíbrio. O regresso ao equilíbrio- perm ite tr a ça r a cunva da
procura e estab elece a relação I> ■- '■ —> P (lei do v a lo r n eo clá s­
sico ).
31 A ssem elh a-se, com o verem os m a is n itid am en te, quando
procederm os à generalização, m a s não é a produtividade m ar­
ginal, pois dessa fo rm a devê-la-íam os calcular, o que im p licava
que m ed íssem os o capital. Ora, querem os p recisam en te e v ita r
e s te ponto. «A ta x a de rendim ento de um in v estim en to n ão
A INCOERÊNCIA INTERNA 105

depende, nem para a su a -existência nem para o seu sign ificad o,


da possibilidade de definir «produtividades m arginais».
32 E, pois, o m esm o objectivo que p rossegu ia Sam uelson,
com a diferença de que ele p en sava poder determ inar a ta x a
d e lucro, avaliando o valor do capital por trabalhador, indepen­
dentem ente d esta taxa.
33 P oderíam os não te r em con ta a depreciação. S e r ia n eces­
sário introduzir a hip ótese de as m áquinas não se d esgastarem ,
o que não alteraria o raciocínio e o sim p lificaria. N e ste caso,
contudo, a ta x a de rendim ento teria sido calculada para um
período in fin ito e não para um, dois ou «n» períodos. O a crés­
cim o de bens de consum o teria sido um fa c to e não desapare­
ceria. A ta x a de rendim ento obtida não corresponderia à ta x a
de rendim ento de Solow-iFisher, excep to se considerarm os que,
no fim do segundo período, a s n ovas m áquinas n ão sã o u tiliza ­
das. Cf. H arcourt, S om e C a m b rid g e Controv& rsies in th e T h eo ry
of C apital, Cam bridge U n iv ersity P ress, 1872.
34 Os hom ens são p agos logo que a m áquina é produzida.
35 P a ra um conhecim ento m ais completo do problem a, con­
s u lta r H arcourt, nom eadam ente no que diz respeito à crítica
de Robinson sobre a hipótese de pleno em prego duran te o equi­
líbrio e a pertu rb ação sem m odificação do preço relativo.
36 Cf. P a sinetti «S w itch es o f Techniques and the «R ate of
R eturn» in C apital Theory», E conom ic Journal, Julho 1969, vol.
79, publicado no te x to de H arcourt, L aing , C a p ita l & G ro w th ,
P en gu in B ooks; v er tam bém a resposta de Solow e a de P a s i­
netti, em E. J vol. 80. P od em os u ltrap assar este p on to e p a s­
sa r im ediatam ente ao cap. 3.
37 Supom os, p ara sim plificar, que o s dois siste m a s u tili­
zam a m esm a força de trabalho e que n os encontram os num
estad o estacionário. ¡São, pois, as m esm as h ip ó teses que S am u el­
son considera n o seu modelo.
3. C R IT IC A E X T E R N A

A teoria neoclássica do valor apenas é válida se perder


a sua razão de ser. A incoerência in tern a desta teoria não
nos deve surpreender. Com efeito, até esta altura, aceitám os
as hipóteses desta teoria, ainda que estas nos parecessem
estranhas. A incoerência interna desta teoria é a consequência
lógica do carácter inaceitável das suas hipóteses falsam ente
sim plificadoras. D este m odo, de um a crítica interna devere­
mos passar a um a crítica externa.
Esta crítica externa é necessária p o r duas razões. É ela
que nos perm itirá localizar os erros de base, nos conduzirá
à sua superação e nos levará a todo um outro tipo de explica­
ção global da realidade concreta. É tam bém ela que nos per­
m itirá não intro d u zir, ainda que sub-repticiam ente, algumas
dessas hipóteses, aparentem ente anodinas, no q u ad ro d a ela­
boração de um a lei do valor diam etralm ente oposta. Esta
tarefa é hoje tanto mais necessária, q uanto assistimos, depois
de 1970, a um a série de tentativas da p arte dos neoclássicos 1
(e de neocam bridgeanos), visando dem onstrar que se a sua
teoria é deform ada, a de M arx tam bém o é e, m ais, os m ar­
xistas não perceberam que M arx é, p ara todos os efeitos, um
neoclássico de grande valor, ao qual apenas faltaram conhe­
cim entos m atem áticos mais profundos, p ara chegar aos mes­
mos resultados dos que W alras ou L eontieff, p ara uns; que
K eynes-H arrod-D om ar, p ara outros!
Um a reflexão, mesmo rápida, sobre as hipóteses neoclás­
sicas é, pois, necessária, tanto mais que frequentem ente estas
se revestem de um carácter assaz anodino. 'Podemos enum erar
quatro:


— a hipótese sobre as necessidades, os preços e os ren­
dim entos ao nível do indivíduo;
108 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

— a hipótese sobre a passagem do indivíduo à sociedade,


p o r sim ples agregação;
— a dicotom ia entre equilíbrio real e equilíbrio m one­
tário;
— a hipótese, segundo a q u al o capital seria um factor
de produção, cujo preço constituiria um preço de «aluguer»
e não de com pra definitiva.

T ratarem os rapidam ente das três prim eiras. São as mais


conhecidas, aquelas cujas im plicações im ediatas são as mais
perceptíveis. Q uanto à q u arta hipótese, analisá-la-emos mais
porm enorizadam ente. As suas im plicações não são de im ediato
tão com preensíveis. Ê ela que está na base da incoerência
in tern a dos neoclássicos. A sua crítica pode conduzir quer a
um a elaboração do tipo ricardiano quer a um a outra, de tipo
m arxista. O ra, quando se sabe — e vê-lo-emos ao longo da
nossa segunda p a r te — que m uitos raciocínios parcialm ente
ricardianos se encontram nos trabalhos passados e presentes
de autores m arxistas, .compreende-se como é im portante ana­
lisar com precaução esta ú ltim a hipótese.

Secção 1. Acerca ãas necessidades

O in divíduo racional (hom o econom icus) conhece, por


um lado, as suas necessidades e, por outro, os preços e o seu
rendim ento. Perante este binóm io, o indivíduo pode optim i­
zar a sua escolha. N ecessidades e preços-rendim ento são, pois,
dados independentem ente. Isto perm ite traçar, prim eiro, o
m ap a de indiferença (necessidades), depois, a recta de orça­
m ento (preços-rendim ento) e, assim , determ inar finalm ente o
pon to de equilíbrio. A pertu rb ação deste equilíbrio e a pos­
terio r passagem a outro perm item traçar a curva de procura
teórica do indivíduo em relação a u m bem , e p o r agregação,
a de todos os indivíduos, p ara esse mesmo bem . A construção
desta curva de procura do m ercado é o substrato da lei do
valor-utilidade. O s preços são, pois, determ inados. São indica­
dores de escassez. N a base deste raciocínio, encontram os
claram ente o m apa de indiferença. D esde logo, recolocar em
questão a p ró p ria existência deste m apa é to rn ar a p ô r em
CRÍTICA EXTERNA 109

causa o- conjunto do raciocínio, que se desenvolve a p a rtir


desse pressuposto. Basta pensarm os que as necessidades não
são independentes dos preços e do rendim ento, para que nos
seja impossível construir um m apa de indiferença indepen­
dente da recta de orçam ento e daí que não possamos encon­
trar um ponto de equilíbrio. A inexistência deste ponto de
equilíbrio conduz logicam ente ài inexistência da curva da
procura teórica. D esde logo, a teoria neoclássica do valor-
-utilidade não seria dem onstrável. E staria suspensa no vazio.

A teoria neoclássica do valor repousa, portanto, sobre


um a base m uito frágil. As necessidades não são independen­
tes dos preços do rendim ento. N ão são inatas. São produzidas
pela sociedade. O indivíduo encontra-se subm etido a várias
determ inações, elas mesmas produto de desenvolvim ento con­
traditório do sistem a capitalista. É um a banalidade afirm ar
isto, hoje em dia. A publicidade é dem asiadam ente asfixiante,
p a ra que se possa falar em necessidades inatas. P ortanto, os
preços e o rendim ento influem nas necessidades do indivíduo,
podendo m odificá-las ou criar outras. U m objecto pode, pois,
possuir um a utilidade, mas um a utilidade social e não natural.
Não podem os aperfeiçoar a teoria neoclássica, repondo
em causa o carácter n atu ral das necessidades, a sua indepen­
dência, em relação aos preços e ao rendim ento. T o rnar a pôr
em causa esta hipótese é fazê-lo em relação à pedra angular
sobre a qual assenta a teoria do valor utilidade, ou seja, é
colocar em causa a sua p rópria existência.

Secção 2. O todo e as partes

A penas algumas palavras sobre o segundo ponto. A so­


ciedade não corresponde ao som atório dos indivíduos. N ão
podem os p artir das parcelas p ara obter o todo. A com preen­
são da evolução das partes só pode ser atingida a p a rtir da
com preensão do conjunto. Este conjunto é um todo, estrutu­
rado e hierarquizado. Assim, «a concepção da totalidade, que
apreende a realidade nas suas leis e estruturas internas e se
esforça p o r descobrir íntim as e necessárias conexões internas,
110 SOBRE O VALOR— ■ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

sob a superficialidade e a contingência dos fenóm enos, opõe-se


à concepção em pírica que se prende às forças fenom enais e
contingentes, e não consegue abranger o processo de evoiução
da re a lid a d e 2». T ra ta s e de um ponto hoje suficientem ente
clarificado e conhecido p ara que nos dem oremos com ele.
V ejam os, pois, as consequências desta rejeição do raciocínio
neoclássico. Em prim eiro lugar, não se pode passar da vida
de equilíbrio de um indivíduo (curva de procura teórica)
para a curva de procura do m ercado, dado que o com porta­
m ento dos indivíduos (da sociedade) não pode resultar da
agregação dos com portam entos individuais. N ão se pode, pois,
construir a curva de procura teórica p ara um m ercado. Um
elem ento essencial da lei do valor neoclássico, desaparece
deste m odo. Em segundo lugar, não se pode, partindo ime­
diatam ente do conjunto hierarq u izad o e estruturado, que
constitui a sociedade, deduzir que os indivíduos são todos
iguais, quer sejam produtores, ou seja, consum idores e traba­
lho de capital ou trabalhadores, isto é, consum idores de bens
de consum o e fornecedores de serviços. A análise do indiví­
duo deve d ar lugar ao estudo dos grupos sociais ou das clas­
ses sociais. R esulta im ediatam ente desta rejeição que o funda­
m ento do equilíbrio geral não pode situar-se ao nível das
decisões do indivíduo, já que rejeitám os o tipo de relação
estabelecida pelos neoclássicos en tre o indivíduo e os indiví­
duos (agregação). Certam ente poderíam os pensar que a recusa
desta hipótese m etodológica de base não põe em causa o con­
junto da análise neoclássica, pois que, como vim os, esta pode
p a rtir de quantidades globais. N o entanto, tal não é o caso.
A análise m ediante as quantidades globais é na realidade um a
m istificação. T rabalho ou capital não são m ais que a agre­
gação im plícita das unidades elem entares. Já o m ostrám os na
conclusão do capítulo 1. Por conseguinte, o indivíduo, as suas
escolhas e as suas decisões, constituem a pedra angular da
análise, quer esta seja m icro, o u aparentem ente m acro. Recaí­
m os, pois, no anterior impasse.
Um a vez que não se afigura possível p artir do indivíduo
p a ra verificar a teoria do valor utilidade, esta encontra-se
de novo suspensa no vazio.
CRÍTICA EXTERNA 111

Secção 3. Uma troca directa generalizada ou o estatuto


da mercadoria

A análise estabelece aquilo que se designa p o r um a


dicotomia, en tre o equilíbrio real e o equilíbrio m onetário.
Já havíam os frisado este problem a. Recordem o-lo rapida­
m ente: o indivíduo escolhe. O preço de um bem é, pois, com­
parado ao preço de outro. Estamos em presença de preços
relativos. Para to rn ar com paráveis todas as m ercadorias,
toma-se um bem (não im porta qual), que servirá de num e­
rário. O conjunto dos preços das m ercadorias será então
expresso em relação ao preço deste num erário, que se supõe
igual a 1. T rata-se de um sistem a generalizado de preços
relativos. Estabelece-se assim um equilíbrio geral, se forem
respeitadas certas condições. É, pois, um equilíbrio real, dado
que repousa sobre um a troca directa generalizada. O indivíduo
troca a m ercadoria M x pela m ercadoria My, etc. Temos a rela­
ção M — M e não M — D (M ercadoria — D inheiro — M er­
cadoria). A m oeda não é introduzida na troca. Só após se
verificar este equilíbrio real é que se acrescenta a m oeda.
Obtém-se então o equilíbrio m onetário. Este resulta do equi­
líbrio real. N ão é m ais do que um a troca directa monetarizada.
T oda esta sequência não aparece p o r acaso. Com efeito,
a nível do equilíbrio real, estabelece-se que o valor das m er­
cadorias é função da utilidade m arginal. O seu preço, de­
pende exclusivam ente da escassez. In tro d u zir a m oeda poderia
significar que os indivíduos fazem intervir um a outra variá­
vel na sua decisão de escolha, p o r exem plo, o desejo de pos­
suir o próprio dinheiro. Im ediatam ente, um tal com porta­
m ento teria por consequência que o preço estabelecido para
esta ou aquela m ercadoria não dependeria unicam ente da sua
raridade, m as de algo mais, o que constituiria a p rópria nega­
ção da lei do valor utilidade. Esta é a razão pela qual se pro­
cede prim eiro à análise do equilíbrio real, só posteriorm ente
se acrescentando a m oeda, ,com o objectivo de alcançar o
equilíbrio m onetário. M as, p ara q u e este equilíbrio m onetá­
rio não esteja em contradição como equilíbrio real, quer dizer,
para que a lei do valor utilidade possa conservar a sua vali­
dade explicativa é necessário precisam ente que a m oeda não
112 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA TJMA CRÍTICA

seja cobiçada p o r si mesma. D everá servir unicam ente como


interm ediário nas trocas. P ara utilizarm os um a expressão
consagrada, direm os que ela apenas pode ser um véu.
D este raciocínio resultam m últiplos problem as. Os pre­
ços absolutos (nível geral dos preços) são indeterminados, já
que a injecção de um a qualquer quantidade de m oeda não é
susceptível de afectar a estru tu ra dos preços relativos. D ito
de outra form a, a um a estru tu ra dos preços relativos — pre­
viam ente determ inada — podem corresponder vários níveis
gerais de preços. Esta conclusão vem acarretar m últiplos
problem as aos econom istas neoclássico s3.
R ejeitar a dicotom ia entre equilíbrio real e equilíbrio
m onetário é ten tar integrar im ediatam ente a m oeda. Logo, é
considerar que a troca entre duas m ercadorias não se efectua
segundo o m odelo M — M , tratando-se antes de um acto
duplo, com três term os: M — D /D — M. É considerar que
a m ercadoria constitui, sim ultaneam ente, um valor de uso e
um valor de troca e que esta dupla característica constitui
um a contradição. P or outras palavras, na m ercadoria não se
devem confundir o valor de uso e o valor de troca. Ela é um
valor de uso ou um valor de troca, sendo am bos sim ultanea­
m ente. Esta contradição traduz-se no desdobram ento da form a
valor. A m ercadoria é um a form a de valor, a m oeda é um a
o u tra. A m ercadoria, objecto desta contradição, não pode ser
com preendida de form a estática, mas apenas na circulação,
ou seja, nas suas m etam orfoses. A m oeda não é sim plesm ente
sinal de valor (num erário), pode ser tam bém reserva de valor.
E sta função exprime-se então p o r um a fuga ao acto de troca
M — D /D — M, sendo a m oeda procurada, em parte, pelo
próprio desejo de a possuir. E sta função desaparece quando
a m oeda é reintegrada na c irc u la ç ã o 4.
Mas este raciocínio está em perfeita contradição com o
dos neoclássicos. Ele conduz à refutação do princípio segundo
o qual a o ferta cria a sua p ró p ria pro cu ra (lei de Say), p rin ­
cípio absolutam ente necessário à determ inação do equilíbrio
geral no sector r e a l 5. N ão pode, pois, aperfeiçoá-lo. A este
raciocínio corresponde o u tra teoria do valor, cujo fundam ento
não pode ser a utilidade. À teoria neoclássica, que apenas se
detém sobre relações en tre as coisas, e assim m ergulha no
CRÍTICA EXTERNA 113

fetichism o das m ercadorias, é necessário contrapor um a o u tra


que estabeleça relações entre os hom ens.

Secção 4. Preço de aluguer e preço de com pra

Senhor e escravo, o indivíduo é a base do raciocínio


neoclássico. Ele é considerado, enquanto indivíduo e, deste
m odo, igual a qualquer outro. N ão pode, pois, exercer a m enor
influência sobre as escolhas de outrem . Q ue seja trabalhador
ou em presário, pouco im porta. O que o caracteriza é a sua
capacidade intrínseca de escolher livrem ente. É sobre esta
base que se elabora a análise neoclássica. Deste pressuposto
resulta a analogia e o paralelism o entre o equilíbrio do con­
sum idor e do produtor. Por conseguinte, os m ercados de bens
de consumo e os de factores de produção que se deduzem
precisam ente destes equilibrios (dos consum idores, dos p ro d u ­
tores) são forçosam ente sem elhantes. São caracterizados por
condições de existência de equilíbrio e de estabilidade idên­
ticas. Situam-se ao mesmo nível. N enhum elo hierárquico
os liga. Só se verifica um a interdependência, entre o conjunto
destes m ercados, efectuando-se, pois, entre elem entos aná­
logos.
É esta a razão pela qual vários autores negaram que
existisse na teoria neoclássica um a análise da produção. N a
m edida em que o equilíbrio da produção ê reproduzido fiel­
m ente no equilíbrio das trocas, pode-se pensar que a produ­
ção é «prisioneira das trocas» (B. Schm itt). É um passo que
já havíam os dem onstrado, quando analisám os todas as im pli­
cações deste tipo de interdependência.
O em presário não pode possuir factores de produção.
Estaria, caso tal se verificasse, em posição de dom inação.
O em presário pode apenas alugar estes serviços de produção.
Os preços que deverá pagar pela sua utilização são preços de
aluguer. N ão podem ser preços de com pra. Estes preços, a
nível da sociedade, devem ser determ inados pela produtivi­
dade m arginal de cada um dos factores alugados.
Tem os, pois, um a limitação. C apital e trabalho são mer­
cadorias específicas. A tónica não é colocada no facto de poder
haver necessidade de u m tanto de capital e de um tanto de tra-
114 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

balho, com o «inputs» necessários à produção de mercadorias,


m as sobre o facto de estas mercadorias serem fontes d e cria­
ção de valor. A lém do m ais, é p o r isto que os neoclássicos
lhes cham am factores de produção.
P orque o ponto de p artid a da análise é não só o indiví­
duo, mas tam bém o pressuposto de que todos os indivíduos
são iguais, sejam quem forem , o capital e o trabalho são
considerados factores de produção e não inputs. Esta consi­
deração especifica o m étodo dos neoclássicos relativam ente
ao dos ricardianos e ao dos m arxistas.
Os preços de aluguer destes factores de produção são,
contudo, determ inados da m esm a form a que o preço de com ­
p ra das outras m ercadorias. Supõe-se que a produtividade
m arginal de cada um deles determ ina o respectivo preço, tal
com o a utilidade m arginal determ ina em relação às outras
m ercadorias. A teoria da repartição dos rendim entos não é
m ais do que um a sim ples extensão da teoria da troca, com a
única diferença de, num caso, a produtividade m arginal ser
igual ao preço de aluguer e, no outro, a utilidade m arginal
determ inar o preço de com pra, sem que, no entanto, seja
igual a ele. E sta diferença provém do sim ples facto de, num
caso, se tratar do preço de aluguer e, no outro, do preço de
com pra.
Ê a partir deste ponto que se podem explicar todas as
contradições internas deste tipo de teoria. Neste sentido, pode
afirm ar-se que as contradições internas não são m ais que a
consequência lógica de hipóteses de p artid a totalm ente erradas.
Com efeito, não é pelo facto de se p a rtir do indivíduo,
sem elhante a q ualquer outro, que se elim ina o problem a do
preço de compra do capital. M ais precisam ente, considera-se
o preço de aluguer, mas não se pode elim inar o preço de
com pra. O indivíduo — em presário aluga um factor de pro­
dução— dado que o n ão pode possuir, — mas a rem unera­
ção que lhe deverá conceder é função do preço d e compra
desse factor, exactam ente n a m edida em que se pretende
dem onstrar que o preço de aluguer (taxa de juro) é igual à
produtividade m arginal do capital e que, p ara conhecer esta
últim a, é preciso que se possa avaliar o capital ao seu preço,
necessariam ente preço de com pra.
CRÍTICA EXTERNA 115

A ssim, a p artir do indivíduo, não exclui o cálculo do


preço de com pra dos factores de produção. P ara calcular este
preço, é necessário que se conheça um a variável da rep arti­
ção, o p reço de aluguer, que estaríam os interessados em deter­
m inar de outro modo.
A contradição radica, pois, no facto de não se poder
conservar ao mesmo tem po a noção de indivíduo produtor
— igual a q ualquer outro indivíduo — e elim inar o preço de
com pra do capital (ou do trabalho), já que, p ara calcular o
preço de aluguer, é necessário saber o preço de com pra.

A única form a de ultrapassar esta contradição consiste


em abandonar o pressuposto de que o trabalho e o capital são
em conjunto considerados com o factores de produção e passar
a tratá-los como inputs.
O p tar p o r este caminho é rejeitar a concepção neoclás­
sica do indivíduo, é decidirmo-nos p o r um raciocínio Ricar-
diano e, ao fim e ao cabo, tendo em bora em conta os lim ites
deste raciocínio, é penetrarm os num raciocínio m arxista. Com­
preende-se porque é que os neoclássicos preferem perm anecer
envolvidos nas suas contradições. A «partida» é dem asiado
im portante!

[Notas
1 T en tativas que an alisarem os n a 2.a parte.
2 K. K o sik , L a D ialectiqu e du co n cret, ¡Maspero, 1970.
3 N ão podem os aqui analisar as d iversas ten ta tiva s fe ita s
pelos n eoclássicos — nom eadam ente D on P a tin k in — p a ra rom ­
per esta contradição e in tegrar a m oeda. N ão é esse o n osso
objectivo. P a ra um a exposição clara sobre a questão, pode co n ­
su lta r-se B. SCHMIDT, M onnaie, sa la ire s e t p ro fits, P . U . F. 1966;
igu alm en te O laasen , M onnaie, R even u N a tio n a l e t P rix , Dunod,
1967.
4 D esenvolverem os este ponto n a 2.a parte, cap ítu lo 2.
5 Cf. In fra, o ponto- sobre a interdependência dos m ercados.
II

AS ANÁLISES RICARDIANA E MARXISTA


A teoria neoclássica está errada. As suas contradições
internas são o fru to de hipóteses de p a rtid a insustentáveis.
Contudo, continua a ser ensinada nas universidades e é apre­
sentada ainda como elaboração científica na m aior parte dos
cursos. T al significa que tem um a vida longa. E sta deve*se,
tanto ao carácter aparentem ente evidente das hipóteses e do
m étodo seguido, como à capacidade de cobertura m atem ática
que a teoria perm ite, e, enfim , à função ideológica que cum pre.
O começo da crise deste tipo de raciocínio é apenas o
reflexo da crise, que atravessa hoje o sistem a capitalista, quer
ao nível económ ico, quer aos níveis político e ideológico.
Surge, então, com bastante nitidez, o seu carácter profunda-
dam ente apologético, n a m esm a altu ra em que a crise dos
valores burgueses conduz os trabalhadores, os jovens, a rejei­
tar qualquer glorificação do sistem a, n a m esm a ocasião em
que a sua apologia já não é suficiente p a ra os governantes.
Chegamos a um período em que estes devem p ro curar algo
diferente p ara actuar sobre a realidade, p ara atenuar as crises,
para evitar as suas consequências políticas. T rata-se para eles
de reconhecer a crise, na tentativa de a ultrapassar, de aceitar
a existência de classes (e não de indivíduos iguais), para
m elhor com baterem a classe operária, cada vez m ais am ea­
çadora. R esum idam ente, perante «um cavalo que se torna
louco», a teoria neoclássica perde cada vez mais a sua utili­
dade, o em pirism o reina, tendo com o objectivo salvar o que
é possível, tan to ao nível do desem prego, como da inflação
ou da recessão. Já não é o equilíbrio geral (ou o crescim ento
equilibrado), que se glorifica, mas sim um a situação que é
menos m á que o u tra s... A m ão divina — senão o petróleo
árabe — teria lançado a m aldição sobre o conjunto das eco­
nomias capitalistas desenvolvidas, e a tarefa dos governantes
seria atenuar — m ediante certos «sacrifícios necessários» —
o peso desta m aldição. N avegar entre escolhos, fazer que o
barco não m eta tanta água como o do vizinho, eis o título de
120 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

gloria de que a burguesia se reclam a, p ara legitim ar a sua


existência. Bem magros títulos p a ra um a burguesia assaz
decadente e que se agarra desesperadam ente ao p o der !
A entrada em crise deste tipo de análise da realidade não
se reflecte apenas ao nivel da política económ ica e dos meios
que a justificam , mas tam bém em toda a recente orientação
dos trabalhos dos sobreviventes neoclássicos. Após afirm arem
bem alto que a teoria m arxista do valor estava «m orta e
enterrada» (Schum peter), após conseguirem que o ensino do
m arxism o esteja p o r assim dizer ausente das universidades
quando não d e tu rp a d o 2, são agora forçados a reconhecer a
vitalidade que o m arxism o tem hoje em d ia ... para m elhor o
com baterem .
P erante as críticas apontadas às teorias neoclássicas, pe­
rante a sua incapacidade de resposta face à reaparição do
dem ónio m arxista, que se esperava enterrado por m uito
tem po, chegou a h o ra de reagir. A pesar de d u ra n te anos e
anos terem deliberadam ente ignorado a corrente m arxista,
assiste-se hoje a um a reviravolta com pleta. D e h á 5-6 anos a
esta parte, Sam uelson apenas escreve sobre M a rx ... a tal
pon to que ficam deveras chocados num erosos nostálgicos de
tem pos passados, com o L erner, segundo o qual as conclusões
de Sam uelson «constituem concessões sem motivo à. teoria do
valor-trabalho já tão com pletam ente destruída, concessões
que atingem verdadeiram ente a h o n ra do raciocínio cien­
tífico 3».
O objectivo dos neoclássicos é, no entanto, claro. T ra­
ta-se de «secularizar a econom ia m a rx ista 4», de recuperar
M arx, de mesmo o restituir, despojado de todos os seus
aspectos m etafísicos e apologéticos (da revolução), «a um
nível tão elevado como W alras na história da econom ia m ate­
m á tic a 5» ... O u ainda, sem atingir esta apreciação honorífica,
¡Samuelson conclui, m uito séria e doutam ente: «O m arxism o
é talvez dem asiado válido p ara que o abandonem os aos m ar­
xistas. Ele fornece um prism a crítico através do qual os
economistas da corrente dom inante podem , em seu próprio
benefício, exam inar as suas a n á lise s6».
E sta tentativa de «secularização da econom ia política
m arxista» encontra um a base de apoio n a recente reaparição
de um a corrente neo-ricardiana (tam bém cham ada neocam-
AS ANÁLISES RICARDIANAS E MARXISTAS 121

bridgeana). Sem ten tar fazer aqui a historia desta corrente,


podem os afirm ar que teve origem num a crítica das teses neo­
clássicas e num a tentativa de síntese dos contributos keyne-
sianos e da teoria clássica (R icardo, Sm ith). A p artir de urna
crítica da noção de equilíbrio neoclássico, estes autores foram
levados a colocar o problem a da m edida do capital e dos pre­
ços de produção, se bem que após um desvio, que apontava
p ara um a análise da acum ulação de c a p ita l7. Já não se trata
pois de:
a) p a rtir dos individuos atom izados, m as sim de grupos
ou classes sociais;
b) de considerar o capital e o trabalho, não com o facto­
res de produção, mas como inputs, de onde resulta calcula-
rem-se os preços de com pra e não o preço de aluguer.
Este raciocinio ricardiano perm ite construir im ediata­
m ente um modelo de produção (e não de troca) que, para ser
determ inado, necessita que, pelo m enos, um a variável da
repartição seja dada (variável exógena), com o terem os opor­
tunidade de ver.
Assim, é, pelo m enos, paradoxal v er neoclássicos tenta­
rem recuperar a análise n eo -ricard ian a 8 p ara efectuarem o
que eles pensam ser um a crítica interna dos trabalhos de M arx.
A análise neo-ricardiana apresenta-se assim como um a faca de
dois gumes, servindo, p o r um lado, p a ra dem olir internam ente
o raciocínio neoclássico e, p o r outro, p ara fazer o mesmo no
tocante à análise m arxista. Esta recuperação pelos neoclássicos
da análise neo-ricardiana é, no entanto, menos surpreendente
do que pode parecer à prim eira vista, se nos lem brarm os que
os trabalhos de Sm ith e R icardo deram precisam ente origem
a estas duas correntes radicalm ente diferentes.
A análise neo-ricardiana afasta-se da análise ricardiana
a nivel das conclusões. P artindo de um a problem ática comum,
a análise neo-ricardiana chega, graças a um a form alização
m uito mais pronunciada do que a efectuada p o r R icardo, à
negação da lei do valor. É pelo facto de o raciocinio neo-ricar-
diano conduzir a esta negação que ele se torna interessante
p ara os neoclássicos n a sua crítica a M arx. C onfundindo M arx
com R icardo, desem bocando na m esm a conclusão que os neo-
cam bridgeanos sobre o carácter n ão necessário da lei do
122 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

valor, a sua tarefa im ediata é te n ta r aproxim ações en tre o


novo M arx, «despojado de todos os seus aspectos metafísicos»
e a análise neoclássica m oderna, aproxim ação que apenas os
m arxistas, cegos pela sua fé, talm udistas até à m edula, não
poderão a ceitar...
Esta p arte será, pois, consagrada, num prim eiro capítulo,
ao raciocinio neo-ricardiano e às críticas, ditas internas, dos
neoclássicos a M arx e, num segundo capítulo, a m ostrar por­
que é que essas críticas internas são, de facto, críticas exter­
nas, que, p ara serem válidas, necessitariam previam ente de
um a colagem ao tipo de abordagem ricardiano e de raciocinio.

N o ta s

1 K esp an toso v erifica r que os m anuais do prim eiro e s e ­


gundo a/no ignoram M arx; enquanto o program a do prim eiro ano
se debruça sobre o s preços e, como sabem os, M arx tem uma teo ­
ria bem diferente daquela ¡que é ap resen tad a (a teoria n eo clá ssica )
e o program a do segundo ¡ano trata, entre outros tem as, da
¡repartição do rendim ento, do desem prego, da m oeda, existindo
igu alm en te acerca d estes poucos contributos de M arx e de m a r­
x is ta s ¡bem diferentes dos estudos n eoclássicos ¡e k eyn eslan os
¡que aí sã o apresentados!
2 D iscutindo com Sam uelson, S. H ym er e S. R esn ick puse­
ram -lh e a seg u in te questão a o term in arem o s se u s estudos:
«O ¡que é que ex iste em M arx q u e é válido e n ão e stá incluído no
diplom a de econom ia do M. I. T. ?» A ¡resposta fo i extrem am en te
su cin ta: «A lu ta d e classes.» ¡Sem com entários. Cf. In tern a tio n a l
tra.de an d U neven D e ve lo p m e n t, T a le U n iversity, 1970 (P aper
n.° 83).
3 A . ÍLerner , «A N o te on U n d ersta n d in g th e ¡Marxian N o-
tio n of E xploitatio n » , J. E. L. M arço de 1972, pp. ¡50-51.
4 P. A. S amuelson , E co n o m ics: W in ds of C h a n g e — E volu -
tion o f E con om ic D o ctrin es, M cGraw-H ill, N o v a Iorque, 1973,
p. 865; tom a idên tica ¡posição ¡em todos os ¡seus escritos m ais
recentes.
5 MORISHIMA, Maro? E con om ics: a D u a l T h eo ry o f V alue
a n d G-rowth, C am bridge U n iv ersity P ress. 1973.
6 p . A. ¡Samuelson , op. c it., p. 866.
1 N om ead am en te J. ROBINSON, The A ccw m ú lation o f C a p i­
ta l, 1956. P a ra um aprofundam ento dos problem as ¡que os seu s
estudos colocam , perm itim o-n os referir a n o ssa te s e ¡comple­
m entar: L e P ro b lè m e d e la D owble D ê te rm in a tio n du T au x de
S a la ire R é e l c h e z les N eo -C a m b riã g ien s, U n iv ersité P a ris I, 1971.
AS ANÁLISES RICAKDIANAS E MARXISTAS 123

8 ¡Samuelson, n a su a resp o sta a tRranfenbrenner, indica:


«O m eu p on to de partid a n a d iscu ssã o não era neoclássico. E ra
sraffiano, ou, dito doutro modo, era pré-m arxista: não era o que
Cobb-:Douglas ou J. B. C lark teria m dito; era o que R icardo
e Sm ith teriam dito, um a v ez exp licad as as su a s grandes leis,
acerca do estad o estacion ário da b u sca do lucro em concorrên­
cia, etc.». (iCf. «Sam uelson’« R ep ly on iMarxian m atters», J. E. L .,
M arço d e 1973, p. 164.)
U. F. R b J.
BIBLIOTECA
I P P I) K

1. M A R X E R IC A RD I AN IS MO

A crítica neoclássica da lei do valor-trabalho, hoje çm


dia, pretende ser um a crítica séria.
N ão se tra ta de opor aos m arxistas o problem a do preço
de um a «obra-prim a» ou da água n o deserto \ V ai tentar
efectuar um a crítica, que acredita o u q u e deseja acreditar,
interna aos trabalhos de M arx.

Secção 1. M arx ricardiano

Podemos situar o ponto de p a rtid a das críticas «m oder­


nas» à lei do valor-trabalho de M arx, nos trabalhos já com
um bom p a r de anos, de von B ortkiew icz. Este ten ta corrigir
erros de M arx, m as, ao fazê-lo, acaba p o r enfraquecer a aná­
lise m arxista. O u m elhor, na m edida em que os próprios tra ­
balhos de von Bortkiew icz contêm , igualm ente erros, a sua
correcção conduziria a negação da pertinência do problem a
do valor. P or outras palavras, a análise da lei do valor-traba­
lho ricardiana leva, por um lado, a p ô r em questão M arx
e, po r outro, a rejeitar, porque inútil, a própria lei do valor.
É po r este m étodo que se chegará a «secularizar a econom ia
m arxista». M as p ara com preender este raciocínio observem os
prim eiro com o M arx é visto pelos autores neo-ricardianos,
neoclássicos, e tam bém por um bom núm ero de autores mar­
x ista s 2. Tom arem os sucessivam ente os três pontos seguintes:

— A apresentação tradicional de M arx;


— a correcção de von B ortkiew icz;
— o erro de von Bortkiew icz, sua correcção e im pli­
cações.
126 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

1. A apresentação tradicional de M arx

D esde que se considere um m undo com n m ercadorias,


devem ter-se em conta diversas com binações produtivas. Estas
são representadas p o r com binacões orgânicas de desigual im-
C
portância (— ) .
V
A existência deste conjunto de com posições orgânicas
deveria privilegiar os capitalistas que utilizam pouco capital
constante (C) e m uito capital variável (V), já que apenas a
forca de trabalho é criadora de um valor superior ao seu
custo, em detrim ento dos capitalistas, que utilizam pouco
capital variável e m uito capital constante. U m tal resultado

— aparentem ente conform e com a lei do valor — estaria em
contradição absoluta com o m ovim ento real do c a p ita l 3 e a
elevação da com posição orgânica que o acom panha. D aqui,
poder-se-ia, pois, deduzir que a lei do valor é falsa. O valor
de troca de um a m ercadoria não seria igual à quantidade de
trab alh o [abstracção, socialm ente n e c e ssá ria 4] . A substância
do valor não deveria ser o trabalho (abstracção). Logo, a
força de trabalho não poderia ser o único factor criador de
valor. Deste m odo, ela não seria necessariam ente explorada.
T al conclusão estaria errada. Se considerarm os um
grande núm ero de capital em concorrência, é necessário efec­
tu ar aquilo a que se cham ou a transformação dos valores em
preços de p ro d u ç ã o 5.
Procedendo assim, M arx m ostra que o fundam ento da
produção da riqueza é a exploração da fo rça de trabalho pelo
capital, que esta se verifica na espera da produção e não na
espera da circulação [ou da tr o c a 6] , e que, finalm ente e
acim a de tudo, os capitalistas constituem um a «franco-maço-
naria», face aos trabalhadores, na m edida em que precisa­
m ente as transferências de m ais-valia social se verificam dos
sectores de baixa com posição orgânica do capital para aque­
les em que esta com posição é m aior.
A transform ação dos valores em preços de produção per­
m ite, pois, explicar, por um lado, o m ovim ento real dos vários
capitais e, p o r ou tro , a sim ilitude de classe dos capitalistas
aparentem ente opostos uns aos outros pela concorrência.
MARX E RXCARDIANISMO 127

É este duplo objectivo que legitim a a necessidade de


passar dos valores aos preços de produção e existe apenas
porque foi necessário exam inar prim eiram ente o capital ern
geral, p ara seguidam ente se passar aos vários capitais. Só
quando se chega a este ponto da análise é que é necessário
proceder à transform ação dos valores em preços de produção.
Mas abandonem os provisoriam ente este im portante aspecto e
regressemos àqueles que expõem raciocínios de M arx. A par­
tir deste dado (a necessidade de transform ar), que eles não
ignoram , em bora não tentem extrair o seu significado pro­
fundo, aceitando-o com o tal, constrói-se um a série de hipó­
teses, que devem perm itir que se proceda à. transform ação
m atem ática.

A. H IP Ó T E S E S D O M O D E L O 7

a) São dadas as diversas composições orgânicas do


capital.
PI
b) São dadas as taxas de exploração ( — ) , que supo­

mos iguais a 1 0 0 p o r cento em todos os ram os.


PI
c) É dada a taxa de lucro r = ---------- , que supomos
C + V
idêntica em todos os ram os. E sta hipótese sobre a preparação
da taxa de lucro é particularm ente im portante. V ai constituir
a pedra angular do raciocínio.
d) Consideram -se três empresas cada um a com deter­
m inada com posição orgânica do capital. Supõe-se que estas
três em presas são representativas dos três sectores funda­
m entais (sector I dos bens de produção, sector n dos bens
de consum o e sector in dos bens de luxo), o que perm ite cons­
tru ir o modelo de transform ação sob a form a de esquem a de
reprodução sim ples do sistem a (sendo, pois, as mais-valias
líquidas utilizadas de form a im produtiva).
e) Supõe-se que as mercadorias são trocadas por outras
mercadorias, com o num m odelo w alrasiano. Assim, o valor da
m ercadoria-força de trab alh o (capital variável) não corres-
128 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

p o nderá a um a soma em dinheiro susceptível de servir para


com prar um a série de m ercadorias necessárias à reprodução
desta força de trabalho [ciclo M — D — M 8] . Tal valor será
im ediatam ente equivalente a um a soma de m ercadorias [acto
M — M 9] .
/) O esquem a de p artid a (em valor) é expresso em
« inputs» de trabalho [que alguns consideram como unidades
de trabalho em abstracção 10] e não em preços m onetários.

B. O m odelo


IC
01
Õ> d
> O
o u
*3
*0) <â
> â
ç3I *3
> •O 'd

§*
íí
-ójri
ctí <3 o3
d
X
d
D o § > £ Eh

S ecção I 250 75 75 400 23 % 33,3 %. 108,3 433,3 + 33,3


Secção II .50 75 75 200 60 % 33,3 % 41,6 166,66 — 33,3
Secção II I 100 50 50 200 33,3 % 33,3 % 50 200 0

Som a 400 200 200 800 200 800 0

C ada sector produz, respectivam ente, com 400, 200 e


200 unidades de trabalho. O sector i tem um a com posição
orgânica superior à do sector u . O sector n i tem um a com­
posição orgânica que corresponde à m édia dos dois. Supomos
que «a concorrência real nos m ercados im plica a igualdade
das taxas de lucro u ». Logo que é atingida a perequação, cada
secto r recebe um lucro m édio superior ou inferior à mais-
-valia, q u e extrai aos trabalhadores do seu sector, consoante
a posição relativa da respectiva com posição orgânica. Assim,
MARX E RICARDIANISMO 129

o sector X, o m ais m ecanizado, tin h a um a taxa de lucro igual


a 23 p o r cento e o sector n , menos m ecanizado, um a taxa de
lucro igual a 60 p o r cento. A seguir à perequação das taxas
de lucro, o lucro m édio do sector X é de 108,3 e o do sector II
de 41,6. O Sector I beneficia, pois, de um a transferência de
mais-valia social de 33,3, em detrim ento do sector II. O sec­
to r XII, tendo ài p artid a um a taxa de lucro igual à m édia, não
sofre nenhum a alteração. O capitalista do sector I beneficia,
pois, em parte, da exploração que o capitalista do sector n
exerce sobre os seus trabalhadores.
O preço de produção difere, pois, do valor, num m on­
tante igual à diferença (positiva ou negativa) entre o lucro
m édio e a mais-valia.
É fácil repararm os no quadro que a soma das mais-valias
(2 0 0 ) equivale à soma dos lucros (2 0 0 ) e que a soma dos
valores (800) equivale à soma dos preços (800). «N ada se
perde, nada se cria, tudo se transform a». (Lavoisier.) Estas
duas igualdades não são um produto do raciocínio. São, ¡como
verem os, um a expressão, ainda que sob form a diferente, das
hipóteses que considerám os.
A taxa de lucro obtém-se, dividindo a soma das mais-
-valias pela soma dos capitais constantes e variáveis (a que
chamam os custos de produção). O lucro tem , pois, p o r origem
a mais-valia, ou seja, a exploração da força de trabalho.
O lucro m édio lim ita-se a exprim ir um a repartição da mais-
-valia total p o r sector, segundo um a m odalidade diferente da
que existiria, se tivéssemos perm anecido num esquem a de
valores. O lucro é sim plesm ente um a expressão da mais-
-valia. A nível global são necessariam ente idênticos. A soma
das transferências deve, portanto, ser nula.
O preço de produção é igual ao custo de produção
(C + V) m ais o lucro m édio. D ado q u e o custo de produção
perm anece constante, quer nos situemos num esquem a em ter­
mos de valor, o u num esquem a em term os de preços, e que a
■soma das mais-valias (S Pl) é igual à som a dos lucros (2 p r),
a soma dos valores: S (C + V) + 3 Pl é necessariam ente
igual à soma dos preços de produção S (C + V) + % Pr.
130 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRITICA

C. Problemas e erros

M arishim a e S e to n 12 m ostraram que o esquem a de trans­


form ação de valores em preços não é pertinente, precisam ente
na m edida em que se pode proceder à transformação inversa.
Em vez de p a rtir dos valores e das mais-valias para chegar
aos preços de produção, pode partir-se dos preços de produ­
ção e dos custos de produção (S C + S V) para chegar às
mais-valias e aos valores. A operação m atem ática, que perm ite
esta transform ação inversa, é simples. Conhece-se a soma dos
custos de produção. É igualm ente conhecida a som a dos pre­
ços de produção. S ubtraindo esta últim a da anterior obtém-se
a som a dos lucros. O ra, esta soma dos lucros é, por hipótese
— com o acabam os de ver — igual à soma das mais-valias.
S PI
Pode, pois, calcular-se a taxa de exploração (-----------) , que
^ V
sabemos idêntica p a ra todos os ram os. Conhecendo o capital
variável (V ), p a ra cada um dos ram os e sabendo agora a taxa
de exploração (s), facilm ente se pode calcular a m ais-valia
2 PI X
(X) afectada a cada ram o (s = ---------- = — ) . Som ando esta
t V V
m ais-valia ao custo de produção em cada um dos ram os,
obtém -se im ediatam ente o valor de cada ram o 13.
É, p o r conseguinte, fácil d etu rp ar M arx, substituindo em
cada escrito seu a palavra mais-valia pela palavra lucro, tal
com o o faz Sam uelson com ironia. «A mais-valia é, pois, esse
disfarce do lucro que deve ser desm ontado p ara que a verda­
deira natu reza do lucro possa ser descoberta. Sem a análise
do lucro do livro n i a econom ia política seria desprovida de
qualquer base ra c io n a lM»; e concluindo: «Nego, que a mais-
-valia seja a soma do lucro. N ego que M arx (ou M orishim a
o u Baumol) nos tenha dado, em q ualquer ponto, um a razão
decisiva p ara se pensar que podem obter-se os lucros só após
conhecidas as leis da m ais-v alia15.»
V erificám os a relação V -> P. M ostrám os q u e esta rela­
ção podia ser reversível. Este resultado é im portante. A trans­
form ação inversa constitui a prim eira etapa do cam inho, que
conduz à negação da pertinência da teoria da exploração.
MARX E RICARDIANISMO 151

Com efeito, na relação V -> P, parte-se da taxa de explora­


ção p ara chegar à taxa de lucro; o lucro é um disfarce da
m ais-valia, é a sua form a fenom enal. N a relação inversa, não
necessitam os da taxa de exploração. Conhece-se a taxa de
lucro. Poderia ser interessante calcular a m ais-valia, proce­
dendo à transform ação inversa, mas a utilidade desta trans­
form ação perm anece m isteriosa, enquanto, no prim eiro caso,
a transform ação dos valores em preços de produção tinha um
fundam ento lógico.
A segunda etapa com pleta perfeitam ente a anterior, na
m edida em que traz à luz do dia as conclusões que pressen­
tíam os, aquando da prim eira etapa. Vamos efectivam ente
m ostrar, analisando o que se cham ou o «erro» de M arx e
deduzindo todas as im plicações, que nos podem os abster do
conhecim ento prévio dos valores, p ara calcular os preços de
produção (cf. parágrafo 3). Isto conduzir-nos-á à conclusão
de que os preços de produção podem ser calculados indepen­
dentem ente de q u alq u er hipótese sobre a exploração.

O erro de M arx, segundo os seus críticos, consiste pre­


cisam ente n o facto de haver pressupostos de que os custos
de produção poderiam perm anecer expressos em term os de
valor, aquando do estabelecim ento dos precos de produção I6.
O erro de M arx pode assim ser expresso n a seguinte contra­
dição. A secção X, p rodutora de bens de produção, vende a
sua produção a si p rópria, ao sector II e ao sector IH, a um
preço igual a 433,3. Mas a secção I com pra por 250 os bens
de produção, a secção n por 50 e a secção m por 100, o que
perfaz um total de 400. Como se trata de um m esm o acto,
visto dos dois lados, com pra e venda, não podem aí coexistir
dois preços diferentes. D eve haver um só preço e estam os em
presença de dois preços, 433,3 e 400.
A origem desta contradição provém do facto de, por um
lado, o capital constante produzido ser expresso num preço
de produção, e, p o r outro, o m esm o capital constante, com­
prado pelos sectores, o u seja, visto sob um prism a de input,
se r expresso em valor. O desaparecim ento desta contradição
passa, pois, aparentem ente pela uniform ização das determ i­
nações. Ê necessário que capital constante e capital variável
sejam directa e unicam ente expressos em term os de preços
132 SOBRE O VALOR— •ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

de produção. É a esta tarefa que von Bortkiewicz se vai dedi­


car tal como posteriorm ente vários outros autores.

2. A correcção de von B ortkiew icz

As hipóteses m antêm-se as mesmas, excepto um a. N ão se


pode considerar a taxa m édia de lucro, pois que para a cal­
cular é ne.cessário transform ar previam ente capital constante
e capital variável em preços de produção. Mesmo que igno­
rem os a taxa m édia de lucro, m antem os, no entanto, a hipo-
tese essencial, segundo a qual as taxas de lucro são todas
iguais (hipótese da per equação).

A) O modelo

O valor de troca de um a m ercadoria é igual a C + V +


+ P1 e pode escrever-se do seguinte m odo:

C + V
C + V + P1 = (---------- ) =
C + V

= (C + V) + r (C + Y) = <C + V) (I + r)

em que r é a taxa de lucro expressa em termos de valor.


Conservam os o precedente m odelo de reprodução sim­
ples. A produção do sector I é com prada por ele próprio e
pelos outros sectores, a do sector II é com prada exclusiva
m ente pelos salários e a do sector n i (bens de luxo) é adqui­
rid a pelos capitalistas com sua m ais-valia líquida. Tem os
pois 17:

Ci + Vi + Pli = W i = Ci + C i + C3
C2 + V2 + Pb = W 2 = Vi + V2 + V3
C3 + V3 + Pl3 = W s = Pli + Pl2 + Pb

¡Sejam x, y e z os coeficientes de transform ação do capi­


tal constante (C), do capital variável (V), da m ais-valia (Pl),
o u sejam , as relações preços de p ro d u ção /v alo r. Estes coefi-
MARX E RICARDIANISMO 133

cientes são incógnitas que terem os de determ inar. O mesmo


acontece com a taxa de lucro expressa em preço de produção,
seja r ’. O m odelo de reprodução simples transform ado em
preços de produção passa a ser:

(Cix + Viy) (1 + r ’) = W ix

(C 2x + V 2y) (1 + r ’) = W 2y

(C3x + V 3y) (1 + r ’) = W 3Z

Tem os 4 incógnitas x, y, z e r ’ e 3 equações. Esta form a­


lização indica-nos claram ente aquilo que já pressentíam os,
ou seja, que a taxa de lucro r ’ não pode ser calculada, en­
quanto os preços de produção não forem conhecidos e que
estes não o serão, en quanto a taxa de lucro não estiver deter­
m inada. D aqui se deduz im ediatam ente que a taxa de lucro
e preço de produção devem ser determ inados sim ultaneamente.
É possível determ in ar este sistem a se fixarm os um a das
incógnitas. Fixarmos um a incógnita significa necessariamente
que o preço de produção de u m sector vai ser expresso relati­
vam ente àquele que fo i tom ado com o referência. Se fixarm os,
como faz Bortkiew icz, a relação p reço /v alo r do sector m , a
produção do sector n i, que se supõe ser o ouro, vai desempe­
nhar a função de numerário, com o nos esquemas neoclássicos.
Uma m ercadoria (o ouro) vai, pois, servir de ponto de referên­
cia, em relação ao qual se exprim irão os preços das outras m er­
cadorias. M as p ara que esta m ercadoria possa verdadeira­
m ente funcionar como num erário, sem en tra r, por esse facto,
em contradição com as próprias conclusões de M arx, é
necessário que sejam respeitadas algum as condições suple­
m entares:

— prim eiro, que a sua relação p re ç o /v a lo r seja igaul a


1 (z = 1 ). A produção de ouro em preço de produção
[Ü 3X + V 3y (1 + r ’)] é igual aos lucros W 3Z; é tam bém igual
às mais-valias W 3 dado que z = 1. R eencontram os assim uma
das duas condições de M arx;
-— depois, que a com posição orgânica do sector produ­
tor de ouro corresponda à com posição orgânica m é d ia 1S.
154 SOBRE O VALOR— *ELEMENTOS PARA UMA CRITICA

A penas se esta condição fo r cum prida, terem os a igualdade


en tre a som a dos valores e a soma dos preços d e produção.
Com efeito, se tal não se verificasse, se a com posição orgâ­
nica do sector III fosse a m enos elevada do sistem a, o preço
de prod u ção dos bens de luxo não seria igual ao seu valor.
Logo, os bens de produção e os bens de consum o trocar-se-iam
p o r um a q uantidade de ouro sup erio r àquela que se verifi­
caria p ara o esquem a em valor. Compreende-se a contrario,
sem que p ara tal seja necessário efectuar um a dem onstração
m atem ática, que a soma dos valores só será igual à som a dos
preços de produção, se a com posição orgânica do sector pro­
du to r de ouro for idêntica à m édia.
A correcção elaborada p o r von Bortkiew icz perm ite obter
os preços de produção e a taxa de lucro. A teoria do valor
e a da exploração estão assim salvaguardadas... na condição,
porém , de as duas anteriores imposições estarem satisfeitas.
Se z é diferente de 1, a som a dos lucros não é igual à som a das
mais-valias, o que significa que o lucro deixa de ser um a dis­
tribuição da mais-valia e q u e a sua origem não se situa neces­
sariamente na exploração da força de trabalho, m as pode si­
tuar-se na de outros actos quaisquer. Assim se vê como de um a
indeterm inação da génese do lu cro se poderia chegar a um a
teoria baseada na produtividade m arginal dos factores de
produção, teoria da qual já dem onstrám os, por um lado, a
incoerência interna e, p o r outro, o carácter m arcadam ente
apologético. D e igual m odo, se a composição orgânica do
capital do sector m não for idêntica à m édia, deixam os de
com preender o significado da transform ação dos valores em
preços de produção, dado que, após esta transform ação,
algum a coisa se pode p erd er o u criar. M ais precisam ente,
implicações deste tipo d e desigualdade podem ser pressenti­
das no abandono da teoria do valor-trabalho, dado que esta
aparece d oravante com o m isteriosa, logo desnecessária, n a sua
relação com a teoria dos preços de produção. Como verem os
em breve, esta conclusão — p ara além deste pressentim ento —
poderá ser dem onstrada m atem aticam ente 19.
Assim se com preende como a teoria do valor e, portanto,
a da exploração se tornam frágeis após esta «correcção».
MARX E RICARDIANISMO 135

B. A lgum as implicações desta correcção

Podem-se enum erar duas: a introdução de um num e­


rário e a determ inação ricardiana da taxa de lucro.

a) Esquem a real, esquem a m onetário

O esquem a em valor é estabelecido em unidade de tra­


balho. D esde a sua origem, é um modelo construído de form a
equilibrada, no qual as m ercadorias são trocadas por m erca­
dorias. T oda a oferta encontra, pois, a sua p ro cu ra 20.
A troca de m ercadorias efectua-se, pois, sem que seja
necessário in serir a m oeda. Trata-se de um m odelo em term os
reais. M as, com o este modelo contém um a contradição, é
necessário passar a outro modelo em preços de produção.
Este m odelo apenas pode ser obtido, quando fo r dado por um
numerário. Vê-se assim como, partindo da relação m ercado-
ria-m ercadoria, se chega necessariam ente à procura de um
n u m e rá rio 21. O s preços de p rodução são, pois, determ inados
em função deste num erário: Trata-se, pois, de preços relati­
vos. Como no q uadro do esquem a neoclássico, os preços de
produção (preços relativos) exprimem-se em term os reais. N ão
nos encontram os em presença de um m odelo de equilíbrio
em term os m onetários (o dos preços de produção), deduzido
de um m odelo em term os reais (o dos valores), com o pensa
D . Y a ffé 22, mas de dois m odelos de equilíbrio, estabelecidos
em term os reais (m ercadoria por m ercadoria). A introdução
do num erário n ão significa um a m onetarização do m odelo de
preços, mas poderá assum ir esse significado, na m edida em
que Bortkiew icz considera que este num erário é o ouro.
Trata-se então de um m odelo de preços m onetarizado, a par­
tir de um m odelo de preços em term os reais, de tal m odo que
o equilíbrio, expresso em term os reais, é apresentado em ter­
mos m onetários. A m oeda num erário desem penha, por­
tanto, o mesmo papel que a m oeda-véu dos neoclássicos, no
que diz respeito aos dois prim eiros sectores. E la é apenas um
meio de circulação. M as n o tocante ao terceiro sector, e
apenas nesse caso, a m oeda serve de m eio de reserva, na
m edida em que os capitalistas entesouram a su a mais-valia
líquida, com prando ouro (a m oeda num erário). O que de
136 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

q u alq u er form a im porta n o tar é que o m odelo dos preços de


produção é fundam entalm ente estabelecido em term os reais
e que o facto de se considerar o ouro com o m oeda não faria
m ais que m onetarizar este m odelo, sem lhe p ertu rb a r as pro­
priedades, como nos neoclássicos. «O s preços estão assim pre­
sentes na relação de troca real e asseguram um papel de repar­
tição do excedente, entre os capitalistas a urna única taxa, a
taxa de lucro em concorrência sobre o m ontante de capital
que cada um d e té m 23.»
Vemos, desta form a, com o, a p a rtir de hipóteses atribuí­
das a M arx, nom eadam ente as respeitantes à troca M — M 24
e verificada a perequação da taxa de lucro, hipóteses estas
que, p o r agora, não discutirem os, se chega a um m odelo de
equilibrio com certas afinidades com o esquem a de equilibrio
geral, mas que se distingue deste pelo seguinte: capital e tra ­
balho são considerados inputs e o num erário deve ser produ­
zido sob certas condições, possuindo um preço igual ao seu
valor. N este sentido podem os afirm ar que nos situam os m uito
m ais p erto d e um a lógica clássica do que neoclássica.

b) D eterm inação ricardiana da taxa de lucro

E sta conclusão encontra-se confirm ada nom eadam ente


através da segunda im plicação, que podem os re tira r deste
m odelo. U m a vez q u e p ara os neoclássicos a taxa de lucro era
determ inada pela produtividade m arginal do capital e em
M arx ela é calculada a p a rtir do conjunto do capital avançado
(variável e constante) e da taxa de exploração, podem os dedu­
zir desta «correcção» um a determ inação da taxa de lucro
independente da 3.a equação e, po rtan to , do capital avançado
no 3.° sector. O sector p ro d u to r dos bens de luxo não p arti­
cipa n a determ inação da taxa de lu c r o 25. A 3.a equação ser­
virá apenas p ara a determ inação do preço dos bens de luxo.
N enhum a alteração nos m étodos de produção, que afectam o
sector p ro d u to r dos bens de luxo, exerce influência sobre a
taxa de lucro. P or esta razão, cham ar-lhes-em os mercadorias
não fu n d a m e n ta is26.
Poder-se-ia dem onstrar m atem aticam ente que, se divi­
díssemos o sector i em dois subsectores: por um lado, a frac­
ção do capital constante (Ci), que é necessária ao sector II
MARX E RICARDIANISMO 157

(produtor de bens «operários» o u m elhor bens de «salário»),


mais a fracção do cap ital necessário ao sector i p ara que este
p roduza p ara o sector IX, e, por outro lado, o resto (C 2), ou
seja, 0 capital constante afectado ao sector m , mais os capi­
tais constantes, que servem p ara p roduzir sem elhantes capi­
tais para o sector n i , apenas as equações representando a pro­
dução de Ci e a de V determ inam a taxa de lucro. Pode-se
im ediatam ente deduzir que a taxa de lucro depende unica­
m ente das condições de produção directas (equação V) e indi­
rectas (equação Ci) das m ercadorias, que com põem o neces­
sário à reprodução da força de trabalho. Estam os perante
um a ¡conclusão tipicam ente ricardiana. D este m odo, a «correc­
ção» de M arx parece conduzir a um a aproxim ação com R i­
cardo. O problem a é saber se esta aproxim ação não se encon­
tra já contida nas hipóteses que são atribuídas a M arx. Mas
aqui reside um problem a que só m ais tarde abordarem os.

3. O erro de von B ortkiew icz; sua correcção e respectivas


im plicações: a inutilidade da transformação

Em bora possa parecer paradoxal, pode-se aplicar a von


Bortkiew icz o mesm o tipo de crítica que este fez a M arx.
C ada um dos três sectores é form ado p o r agregados. No que
diz respeito ao sector 1, podem os dizer, por exem plo, que se
trata de um conjunto de bens de produção diferentes, logo
produzidos segundo diversas composições orgânicas. A com­
posição orgânica do sector I, tal com o aparece, não é mais
do que um a com posição orgânica média. A p a rtir do m o­
m ento em que se consideram k com posições orgânicas no
sector I, não se pode aplicar p ara o capital constante um
coeficiente de transform ação x único. O mesmo se passa em
relação aos outros sectores. C onsiderar apenas um coeficiente
de transform ação p ara cada sector é considerar, com efeito,
que as diversas m ercadorias, que constituem , por exem plo, o
capital constante, são trocadas pelo seu valor, enquanto para
as pro d u zir são necessárias diferentes composições orgânicas.
É fácil aperceberm o-nos do exposto, através de um simples
exem plo: sejam dois bens de p rodução Ci e C2. Se lhes apli­
cam os o coeficiente de transform ação x, terem os C 1X /C 2X.
A relação de troca entre estes dois bens de p ro dução é
158 SOBRE O VALOR— *ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

C1X/C2X ou seja C1/C2. Estam os claram ente em presença de


um a troca em valor e não em preços de produção.
É, pois, necessário desagregar cada um dos sectores e
aplicar a cada elem ento que os com põe um coeficiente de
transform ação p articular. É preciso, portanto, prosseguir a
correcção de von Bortkiew icz e não nos lim itarm os aos agre­
gados representados por cada um dos sectores, sob pena de
incorrerm os no mesmo erro que nos propom os corrigir.
É-nos, pois, necessário estabelecer um a equação de pre­
ços — a p a rtir do valor e recorrendo a coeficientes de trans­
form ação a d e te rm in a r— p ara cada m ercadoria, q u er esta
seja um bem de produção, um bem de consum o ou um bem
de luxo. Cada m ercadoria, num esquem a em term os de valor,
é — observám os — considerada em unidades de trabalho.
Seja Lij a quantidade de trabalho incorporado na m ercadoria
j necessária à produção da m ercadoria i. Terem os:

(Liipi + L 12P2 + Li 3p 3 + ...) (1 + r ’) = Lipi

( L n t p i + L m p 2 + L n 3 p 3 + . . . ) (1 + r’) = L n p n

O bterem os, portanto, k equações p ara o capital cons­


tante, b p ara o capital variável e m p ara a m ais-valia, ou seja,
k + b + m = n equações. Tem os n coeficientes a determ inar
(pi ... pn) e a taxa de lucro r ’. Tem os n + 1 incógnitas.
Podem os, pois, passar dos valores — representados em uni­
dades de trabalho — aos preços de produção, se to m a m o s
um coeficiente, seja pn = 1. Assim, podem os passar dos
valores aos preços, m antendo a m esm a problem ática definida
p o r von Bortkiew icz e elim inando as insuficiencias (os erros)
do seu próprio modelo.
E sta desagregação, se na realidade torn a o m odelo mais
coerente, significa igualm ente que não é necessário recorrer
aos valores e, portanto, à teoría do valor e da exploração. Por
outras palavras, podem os, a p a rtir deste sistem a de equações,
MARX E RICARDIANISMO 139

estabelecer ¡m ediatam ente um sistem a de preços, sem que


seja preciso conhecer previam ente os valores. Basta substituir
as unidades de trabalho (os valores de troca) correspondentes
a cada m ercadoria p o r unidade de outro tipo qualquer, quer
sejam os pesos, os com prim entos27, etc ! As m ercadorias
podem , pois, ser representadas p o r quantidades físicas quais­
quer, susceptíveis de transform ação em preços de produção.
M ais concretam ente, poder-se-ia c o n sid e ra r 28 que os
Lijpj do sistem a de equações são as somas pagas pelos inputs,
e que, deste m odo, estes podem ser substituidos por quanti­
dades físicas, que m ultiplicam o respectivo preço. O btería­
mos assim directam ente um sistem a de preços, sem que fosse
necessário fazer referência nem aos valores, nem aos pesos,
nem aos com prim entos.
Se m antiverm os as hipóteses de p artid a devidas a M arx,
a transform ação dos valores em preços de produção — leva­
dos ao extrem o — term ina na p ró p ria negação do problem a
de transform ação. E sta transform ação deixa de ser pertinente,
um a vez perdido o seu objecto: o valor e, com ele, a explo­
ração.

Resum am os: de en tre as hipóteses que consideram os,


duas aparecem com o deveras im portantes. A prim eira consi­
dera que a perequação das taxas de lucro é verificada, logo
que se realiza. A segunda considera que as m ercadorias são
trocadas por m ercadorias. D a prim eira deduz-se um sistema
em equilíbrio. D a segunda deduz-se que este equilíbrio' se
efectua em term os reais e q u e é necessário en co n trar um
num erário.
D estas duas conclusões se deduz a não pertinência do
problem a da transform ação. Pode-se proceder à transform a­
ção inversa. Podem -se ignorar os valores e estabelecer directa­
m ente um sistem a de preços de produção.

Secção 2. O prolongam ento das críticas: o m odelo de Sraffa

Introdução

Estas duas hipóteses existem na análise ricardiana e


desem penham um papel fundam ental.
140 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

A análise do valor é con fu n d id a com a dos preços de


produção. O problem a em aberto é o da m edida do valor.
Como as m ercadorias não se trocam exactam ente na propor­
ção do trabalho nelas incorporado, deduzem-se duas coisas:

— que existe necessariam ente «um a nova causa que


determ ina as variações observadas no valor relativo das m er­
cadorias. E sta causa, que se acresce à soma de trabalho con­
sagrado à p rodução das m ercadorias, é a elevação ou o decrés­
cim o do valor do tra b a lh o 29» (trata-se do salário real). Assim
colocado, o problem a torna-se sim ples, sendo apenas com ­
plexa a sua expressão. D ado que se trata de m edir os valores
e que a variação do salário influi nesta m edida, é necessário
um num erário que possa desem penhar um a função de padrão.
H á que, portanto, encontrar um num erário com a qualidade
de n ã o ser afectado pelas alterações Observadas na repar­
tição dos rendim entos, de tal m odo que se possa saber com
exactidão o efeito das variações dos salários sobre o valor das
m ercadorias. O objecto da análise neo-ricardiana vai, pois,
ser a form a deste p ad rão invariável de valores.

— A teoria dos preços de produção tem por objectivo


m edir estes preços. N ão tem p o r fim estabelecer um a ligação
en tre a m edida dos preços e um a teoria da exploração. Este
ponto é de simples com preensão. R icardo confunde valor do
trabalho e valor da força de trabalho. N ão podendo, pois,
analisar a exploração e, deste m odo, a origem do lucro. P or­
que o lucro é verificado, não sendo um m ero disfarce da
m ais-valia, a transform ação dos valores em preços de produ­
ção deixa de ter fundam ento. N ão tem razão de ser. Temos,
po rtan to , um a teoria do valor-preço de p rodução, que não
está ligada a um a teoria da exploração. M as, na m edida em
que existe um a «nova causa», além da q uantidade de trab a­
lho que determ ina o valor da m ercadoria, podem os deduzir
ao form alizarm os o m odelo, como o fará S rappa, que os pre­
ços apenas correspondem às quantidades de trabalho, quando
a taxa de lucro é nula. E chegam os assim ao paradoxo se­
guinte: podem-se estabelecer directam ente preços de produ­
ção, a p a rtir das hipóteses antes citadas. Estes preços só cor­
respondem às quantidades de trabalho, quando a exploração,
MAKX E RICARDIANISMO 141

teoricam ente n u la, perde, com efeito, a sua p ró p ria base de


existência! D aqui se extrai que a teoria de M arx apenas seria
válida, no caso de não haver exploração e, portanto, como em
A. Sm ith, p ara as sociedades prim itivas nas quais a força de
trabalho não é um a m ercadoria. Deste m odo, não colocando
à partid a a ligação en tre teoria dos preços e teoria da explo­
ração, chega-se de facto à negação da validade desta últim a.
P artin d o da hipótese de que a taxa de lucro não é nula,
vi teoria da exploração não será necessária à elaboração da
teoria dos preços de produção, ainda que p ara o próprio
M arx esta últim a tivesse, entre outros, o objectivo de mostrür
o fundam ento do carácter de classe dos capitalistas.
Estas conclusões são tanto m ais interessantes, quanto
encontram a sua origem em hipóteses frequentem ente atribuí­
das a M arx e que serviram p ara o corrigir. São ainda im por­
tantes, porque encontram a sua origem igualm ente em hipó­
teses, que são aceites p o r num erosos m arxistas ou m arxizan-
tes (M eek, D obb, M edio, e tc .) 30.
É o que irem os analisar através dos trabalhos de Piero
Sraffa.
— T rata-se de um m odelo de produção diferente dos
modelos neoclássicos. As m ercadorias servem p ara produzir
m ercadorias. São, pois, inputs e produtos. São necessárias,
p o r exem plo, as quantidades A a da m ercadoria A, Ba da
m ercadoria B, etc. p ara p roduzir um a dada q u antidade da
m ercadoria A.
— As m ercadorias trocam-se p o r m ercadorias. O salá­
rio, po r exem plo, representa um a quantidade de m ercadorias.
A taxa de lucro é igual em todos os ram os.
— São dadas as com binações produtivas e as quantida­
des produzidas.
— O raciocínio efectua-se em diversas fases. N a p ri­
m eira, considera-se que não existe excedente; na segunda,
que existe e que é afectada unicam ente aos lucros; n a ter­
ceira, que é afectado parcialm ente aos salários; na quarta,
determ ina-se o padrão invariável dos valores; na quinta, final­
m ente, dem onstra-se que poderíam os prescindir de calcular
este padrão. Vam os analisar estas cinco fases.
142 SOBRE O VALOR— ■ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

A. Primeira fase: N ão existe excedente

N ão existe excedente. Podem os, po rtanto, escrever o


seguinte sistem a de equações.

A aPa + BaPb + ................................K aP* = A a

A bPa + BbPb + ...............................K üP k = BPb

A ,J»a + BKPb + ..............................K J>k = KPk

Temos k equações e k incógnitas (os preços p a, ... pk).


Como nao existe excedente, o sistema reproduz-se de form a
idêntica. Terem os necessariam ente:

A a + A D + ........ A k = A; Bo + B + Bk = B; etc.

A soma dos m em bros da equação da esquerda é igual à


dos da direita. H á, no entanto, um a equação a m ais, na m e­
d id a em que pode ser deduzida das outras. Existem pois
k — 1 equações. Se considerarm os o preço de um a q u alquer
m ercadoria como numerário, o sistem a pode ser resolvido..

N ota: O salário corresponde a q ualquer m ercadoria.


O trabalho (e o seu salário), representando um a m ercadoria
A ou B ou C ’, situa-se ao nível de todas as outras m ercado­
rias. É um input e um p ro d u to com o os outros. T rata-se, por­
tanto, de um a troca M — M 31.

B. Segunda fase: Econom ia com excedente

Existe um excedente que se torn a necessário repartir..


Neste ponto intervém a hipótese central da perequação da
taxa de lucro.
Existência de um excedente significa que não é possível,
adicionar as colunas p ara obter as linhas (Aa + Ab + ...
A k ^ A). Existem , pois, k equações face a k —-1 incógni­
tas, sendo r a taxa de lucro. A taxa de lucro é, pois, determ i­
nad a ao m esm o tem po que os preços 32.
MARX E RICARDIANISMO 143

Nota: A qui deparam os com urna crítica que havíam os


feito aos teóricos neoclássicos: p ara conhecer os preços, é
necessário ter um a variável da repartição. Os prim eiros não
podem determ inar a segunda.

C. Terceira fase: N ovas hipóteses acerca do salário

M odificam os a hipótese respeitante ao salário. N ão m ais


o considerarem os com o a quantidade de m ercadorias, que
assegura estritam ente a reprodução física do indivíduo. Ele
pode agora variar. Sraffa considera que o excedente orodil-
zido pode beneficiar os trabalhadores. O salário é, pois, con­
siderado como pago post factum , o u seja, um a vez obtido, o
excedente e com um a parcela deste excedente. Este divide-se,
portanto, em lucro e salário. Pressupõe-se que o salário é
com posto unicam ente de bens de luxo (ou de produtos não
fundam entais). Segundo a definição que já avançám os, isto
significa que o preço destes bens que com põem o salário
— se depender dos preços e d as quantidades dos meios de
produção necessários p ara os o b t e r — não actua sobre os
preços dos meios de p ro d u ç ã o 33. D este m odo, as inovações
nos m étodos d e produção destinados à produção de bens de
luxo, se não actuam sobre o preço dos outros bens, tam bém
o não fazem directam ente em relação à taxa de lu c ro 34.
Os bens de luxo, n ão sendo m eios de produção relati­
vam ente aos o u tro s bens, não surgem juntam ente com estes
ú ltim o s 35.
Tem os k equações e k — 1 preços, ainda faltando deter­
m inar a taxa de lucro e o salário, o u seja, k + 1 incógnitas.
Podem os m udar de num erário e considerar que tom am os o
«rendim ento nacional», ou seja, o que resta após terem sido
substituídas todas as m ercadorias utilizadas na produção de ou­
tras m ercadorias, com o num erário. Terem os que determ inar k
preços e as duas variáveis da repartição (k + 2 incógnitas).
Mas terem os um a equação suplem entar, se supuserm os que
este num erário é igual a 1 36. Finalm ente, o modelo não pode
ser determ inado, dado que existe um a incógnita a m ais, rela­
tivam ente às equações (k + 2 incógnitas contra k + 1 equa­
ções). É necessário, portanto, fixarm os um a variável da rep ar­
tição. Sraffa escolhe — p ro v iso riam en te— o salário. O sis-
144 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

tem a pode, desde logo, ser determ inado, m as, contrariam ente
ao sistem a neoclássico, ele é aberto, sendo o salário um a variá­
vel exógena.

N ota: As hipóteses form uladas p o r Sraffa não são esco­


lhidas ao acaso; são absolutam ente necessárias ao seu modelo.
T al acontece com as duas hipóteses principais respeitantes ao
salário.
O salário é pago post factum , o u seja, após a obtenção
do excedente e com p arte deste. N este sentido, esta hipótese
diferencia-se no fundam ental da interpretação m arxista, se­
gundo a qual o salário corresponde a um avanço de capital
e significa um a transform ação do dinheiro em capital-dinheiro.
D e qualq u er m odo, colocar esta hipótese perm ite isolar a
m assa salarial (Lw) dos meios de produção. N ão a considerar
significa — a contrario — que o salário faz parte dos meios
de produção. O ra, como o problem a central será analisar o
efeito de um a variação do salário sobre os preços de produção,
se não o isolarm os destes, tal quererá necessariamente dizer
que os meios de pro d u ção se m odificam e, portanto, os mé­
todos de pro d u ção foram alterados. O ra o sistema de preços
q u e estabelecem os corresponde a um e um só conjunto de
m étodos de produção que supom os dado e estável, já que con­
sideram os dados os A ., B., etc. Se o salário varia, pelo me­
nos um m eio de produção tam bém se altera. A este novo
conjunto de m étodos de produção corresponderá u m outro
sistema de preços, independente do precedente.
P ara analisar o efeito de um a variação de salário sobre
os preços, é necessário, pois, considerar que os preços que se
m odificam correspondem ao m esm o conjunto de m étodos de
produção. A m odificação dos preços será, pois, deduzida de
um sistem a de preços previam ente conhecido, correspondente,
a um dado conjunto de m étodos de produção. O s novos pre­
ços não serão independentes dos anteriores, resultando a sua
m odificação da alteração do salário. O salário não deve, pois,
ser tom ado com o fazendo parte dos m étodos de produção, a
fim de que a sua alteração não os m odifique. D everá ser iso­
lado e considerar-se-á com o pago post factum , sobre o exce­
dente. N ão se trata, pois, de um a hipótese neutra. É vital
MAEX E RICARDIANISMO 145

p ara o objectivo de Sraffa, ou seja, p a ra analisar e m edir os


preços, quando a repartição dos rendim entos se m odifica.
A segunda hipótese sobre os salários diz respeito aos
bens não fundam entais (bens de luxo). Sraffa justifica — se
bem que lev em en te— que, sendo o salário variável nos dias
de hoje, a p arte correspondente à estrita subsistência perde
o seu peso relativo e, deste modo, é possível, ao nível teórico,
considerar que o salário é integralm ente form ado p o r bens
de luxo !
T al como a anterior hipótese, esta é absolutam ente ne­
cessária a Sraffa. Com efeito, supunham os que os salários
são compostos p o r bens fundam entais, como o fazem R icardo
e M arx. Q ualq u er m odificação no preço destes bens compo­
nentes do salário influirá — por definição— nos preços dos
outros bens fundam entais, que constituem os m eios de pro­
dução. Terem os então um a m odificação no lado esquerdo
(os meios de p rodução), sem que seja necessário m odificar
o salário re a l37. E, se supuserm os que o salário varia, a m odi­
ficação nos preços dos meios de p rodução resultará de um a
dupla causa, a m odificação da repartição dos rendim entos e
a m odificação dos preços. Será claram ente im possível isolar
o efeito da variação da repartição dos rendim entos sobre os
preços e, portanto, m edir estes últim os.
Estas duas hipóteses são essenciais p ara o estudo de
Sraffa. É o que vamos ver com m ais rigor, analisando o
padrão invariável construído por ele.

D. Quarta fase: O s efeitos de um a variação do salário sobre


os preços

Os m étodos de produção n ão se m odificam , bem como as


quantidades produzidas. O salário v a r ia 38. Propom o-nos
analisar os efeitos desta variação sobre a taxa de lucro e sobre
o preço das m ercadorias, ficando en ten d id o que a taxa de
lucro se supõe sem pre idêntica em todos os ramos (hipótese
de perequação das taxas).
146 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

a) R am os com défice e ramos com excedente

As m ercadorias diferenciam -se um as das outras pelos


m étodos de produção, que foi necessário utilizar para as pro­
duzir. A lgum as contêm m ais trabalho que o utras e inversa­
m ente. Como as m ercadorias necessárias à produção de outras
m ercadorias contêm elas próprias diferentes quantidades de
trab alh o em relação aos meios de produção, que tam bém é
preciso p roduzir, o problem a adquire um a aparente com ple­
xidade que podem os rep resen tar esquem aticam ente:

M ercadoria A M ercadoria B

A taxa de lucro é, p o r suposição, a m esm a em todos os


ram os. Após um a variação no salário, a taxa de lucro elevar-
-se-á o u baixará. D ado que as m ercadorias contêm diferentes
qu antidades de trab alh o proporcionalm ente aos respectivos
meios de produção, o mesm o se verificando para estes últi­
mos (são, na realidade, m ercadorias, m as vistas sob o lado
input), a m anutenção de um a taxa de lucro igual em todos os
ram os exigirá um a adaptação dos preços das m ercadorias.
Com efeito, considerem os um caso simples. D uas m erca­
dorias, A e B, carecem , p ara a sua produção, de diferentes
quantidades de trabalho, em relação aos seus meios de pro­
dução. A redução do salário perm ite um a redução da taxa de
lucro, m as, afectando Lw , ela req u er p a ra os lucros um a frac­
ção do excedente proporcional à quantidade de trabalho (L)
em cada ram o. U m a vez que estas quantidades de trabalho
são diferentes, os lucros suplem entares supervenientes tam ­
bém o serão. As taxas de lucro finais não serão necessaria­
m ente iguais. O s ram os com u m a fo rte percentagem d e tra ­
MARX E RICARDIANISMO 147

balho verão as respectivas taxas de lucro elevar-ise e inver­


sam ente. P ara que as taxas de lucro sejam iguais, é preciso
que o preço das m ercadorias, que contêm m uito trabalho,
baixe (ramos com excedente) e que, inversam ente, o preço
das m ercadorias, incorporando pouco trabalho, se eleve (ramos
com défice). As taxas de lucro poderão então ser iguais e os
ram os com défice poderão rem unerar os seus meios de pro­
dução à taxa uniform e de lucro, graças ao decréscimo dos
preços das m ercadorias dos ram os excedentários.
D estacam os, portanto, dois efeitos de um a baixa do
salário:

dw -l \ 1) dpe t
2) dpd i

Como as m ercadorias se trocam p o r m ercadorias, é difí­


cil sab er se, a seguir a um a variação do salário, a m odifica­
ção do preço relativo (preço da m ercadoria A em relação à
m ercadoria B) resulta em p articu lar de um a m odificação no
preço da m ercadoria A ou da m ercadoria B. T orna-se, pois,
necessário possuir um num erário que possa ser um padrão
invariável de valores. A penas um num erário com a qualidade
de ser insensível a um a variação do salário perm itirá m edir o
efeito de um a m odificação da repartição dos rendim entos
sobre o preço desta ou daquela m ercadoria.

Este p ad rão é tanto m ais necessário q uanto é igualm ente


preciso te r em conta os efeitos de urna variação do salário
sobre os preços das m ercadorias inputs, sobre o p reço das
m ercadorias inputs necessárias p ara produzir esses inputs, etc.
R esulta desta consideração dos inputs que um ram o aparen­
tem ente com féfice poderia utilizar meios de produção com ­
postos de inputs pertencentes a ram os excedentários, os quais
poderiam perfeitam ente pertencer a ram os deficitários, etc.
Pode-se facilm ente conceber que, em função destas pro p o r­
ções diversas en tre trab alh o e meios de p rodução, afectando
tanto os inputs com o os inputs destes inputs (e assim sucessi­
vam ente), o preço relativo de duas m ercadorias pode variar
em sentido oposto ao que seria de esperar, observando apenas
148 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA TIMA CRÍTICA

as proporções aparentes entre trabalho e meios de produção.


A necessidade de o b ter um pad rão capaz de m edir o efeito
total de um a variação do salário sobre os preços é, portanto,
absolutam ente im prescindível. Este padrão será o novo nume­
rário.

Nota: A igualização das taxas de lucro desem penha um


papel fundam ental. D aí resulta que, em função da existência
de ram os com excedente e de outros com défice, haja redu­
ções ou elevações de preço. A necessidade de um padrão in­
variável de valores é fruto d a necessidade de m edir estas
elevações e reduções. Ora não se põe a questão de saber por
que processos as taxas de lucro se igualam. Supõe-se que são
iguais, p ara qualq u er nível da taxa. Poder-se-ia dem onstrar
que o m odelo de Sraffa não pode explicar esta igualização.
Não podem os passar de um sistem a no qual as taxas de lucro
seriam diferentes (sem atender a que é problem ático cons­
tru ir um pad rão invariável de valores neste caso) p a ra um
sistem a em que as taxas de lucro são iguais, pois que a con­
corrência significa que as quantidades produzidas se m odi­
ficam e que, neste caso, estam os em presença de dois siste­
mas diferentes, cada um com seu padrão, não podendo, por­
tanto, ser com parados. Eis a razão pela qual a igualização
das taxas de lucro é um dado e existe urna recusa em forne­
cer qualquer elemento explicativo. R eside aqui um a .séria
lim itação aos trabalhos de Sraffa.

b) A construção de um padrão invariável de valores: O que


acabam os de dizer im plica que este padrão deve possuir um a
qualidade p articular. È preciso que a proporção entre trab a­
lho e meios de produção seja ta l que não haja défice nem
excedente; caso contrário, verificar-se-ia um a m odificação no
seu preço. É igualm ente necessário, e p o r idêntica razão, que
esta proporção de equilíbrio (cham ada tam bém «crítica»)
seja respeitada a m ontante em todas as sucessivas fases e no
tocante aos meios de produção. Como não é fácil crer que
exista um a m ercadoria tendo estas qualidades, é necessário
i construi-la.
E sta m ercadoria será com posta (daí o nom e de «m erca­
doria com posta») de um conjunto de outras, em proporções
MAEX E RICARDIANISMO 149

a determ inar. O sistem a, que perm ite o b ter esta m ercadoria


com posta, chama-se sistema padrão. É extraído do sistema
concreto.
As m odalidades da sua construção são sim ples. Esco­
lhem-se fracções das equações 'do sistema real, de tal m odo
que o sistema padrão utilize as m ercadorias inputs nas m es­
mas proporções que os produtos que são o b tid o s39. Como a
redução, a p a rtir do sistema real, significa que o conjunto do
trabalho não é utilizado, m ultiplica-se o sistem a obtido por
um m ultiplicador, de tal m odo que o conjunto do trabalho
seja aplicado. O sistem a obtido é o sistem a padrão. O produto
líquido (ou rendim ento nacional) deste sistem a pode agora
servir de unidade da m ercadoria padrão, um a vez que ele
tem as mesmas qualidades que o sistema padrão. O produto
líquido padrão serve, po rtan to , de n u m e rá rio 40.
Q uando o salário — m edido em bem padrão — se eleva,
as m ercadorias (incluídas no sistema padrão), que contêm
pouco trabalho, vêem o seu preço descer, e inversam ente.
M as a construção proporcional do sistem a padrão im plica
necessariam ente que as m odificações se com pensem . Q preço
da m ercadoria com posta padrão não se m odifica.

D esta construção podem os deduzir duas consequências:


— A relação entre o produto líquido e os m eios de pro­
dução (relação padrão) é sem pre constante, p ara qualquer
variação do salário. T rata-se aqui de um a diferença funda­
m ental do sistem a real, dado que neste um a variação do
salário afectava directam ente os preços dos meios de pro d u ­
ção e do p roduto líquido, sem q u e pudéssem os saber se o
num erador variava mais ou menos que o denom inador. A va­
riação do salário não agia sobre a relação padrão, dado que
tanto o n um erador como o denom inador, se bem que cada um
seja com posto p o r m ercadorias heterogéneas, são, de facto,
quantidades da m esm a m ercadoria com posta. N ão há, por­
tanto, necessidade de os converter em preços, a fim de os
com parar e, se acaso efectuássemos esta conversão m ultipli­
cando cada um a das m ercadorias sim ples pelo seu preço, a
relação, em term os de preço, seria a m esm a que em term os
de quantidades. É independente de qualq u er m odificação na
repartição dos rendim entos.
150 SOBRE O VALOE — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

— Podem os estabelecer agora um a relação linear entre


o salário e a taxa de lucro, am bos expressos em um bem
p ad rão . Seja, pois, R a relação padrão. Esta relação é igual
ao p ro d u to líquido S sobre os m eios de produção (M ). A taxa
de lucro r é igual ao lucro (P), sobre os m eios de produção,
P /M
o u seja, P /M . Poderem os escrever -------= P /S ou ainda
S /M
r
P /S = — . Como o p roduto líquido S é tom ado com o uni-
R
dade, temos P = 1 — w , onde w representa a parte dos salá­
rios. Terem os, p o rtan to , a relação:

r / R = 1 — w ou seja r = R (1 — w)

A relação entre a taxa de lucro e a p arte dos salários é,


pois, linear, no âm bito do -sistema p a d rã o 41. Esta relação é
independente das m udanças de preço p o r razões análogas às
desenvolvidas anteriorm ente. «A taxa de lucro n o sistem a
p ad rão aparece assim como- um a relação entre quantidades
de m ercadorias, sem consideração dos respectivos p re ç o s.42»
Estas duas conclusões constituem a pedra angular do
ataque neocam bridgeano con tra o sistem a neoclássico. M os­
tram que não é possível estabelecer um a relação linear entre
o salário e a taxa de lucro, que não é possível o b te r uma
taxa de lucro independente dos preços, logo, de um a variável
da repartição, a m enos que se considere como num erário o
produto líquido padrão. O ra, a escolha de tal num erário ne­
cessita que se construa o sistema padrão e consequentem ente
que seja dada um a variável da repartição. Sem elhante esco­
lha conduz, no entanto, à negação do próprio objecto da
teoria do valor neoclássica, um a vez que esta assume como
objectivo a determ inação tanto da taxa de salário como da
taxa de lucro. D aí que a determ inação da repartição dos ren­
dim entos, segundo as leis neoclássicas, ¡caia necessariam ente
num am ontoado de incoerências, como vimos atrás.

¡c) A aplicação do sistem a real: O sistem a real dá origem


ao sistem a p ad rão . Este encontra a raiz no sistem a real tal
MARX E RICARDIANISMO 151

como o definim os. O s dois sistemas com preendem as mesmas


equações fundam entais, variando apenas as proporções. A re­
lação r = R (1 — w), que obtivem os p ara o sistema padrão,
é, pois, necessariam ente válida p ara o sistem a real, na condi­
ção de o salário perm anecer expresso em m ercadoria padrão.
P or outras palavras: a taxa de lucro r será idêntica em ambos
os sistemas, q u er seja expressa como um a relação q u an tita­
tiva no sistem a padrão o u em valor n o sistem a real, sendo o
salário expresso n o bem padrão.
U m exem plo num érico e um esquem a vão-nos perm itir
colocar em m aior relevo esta correspondência en tre os dois
sistem as. Os dois são diferentes, se bem que um seja um a
em anação do outro. N um , as proporções, en tre os produtos
e os factores, são tais, que a relação padrão (produto líquido
sobre meios de produção) perm anece constante, qu alq u er que
seja a m odificação no salário. N o sistem a real, a relação, entre
o pro d u to líquido e os m eios de prod u ção , não pode ser
constante.
Se supuserm os que a relação padrão é de 20 p o r cento
e que a p arte do rendim ento líquido (ou produto líquido)
p ad rão é de três quartos, a taxa de lucro é de 5 p o r cento. Se
deduzirm os do sistem a real o equivalente dos salários no
rendim ento líquido padrão, a p a rte dos lucros, que resta nos
dois casos, n ão pod erá corresponder e não poderá originar
a m esm a taxa de lucro, dado que num caso a relação, entre
o produto líquido e os meios de produção, é constante e no
outro não o é. N ão poderem os, pois, ter 5 por cen to como
taxa de lucro n o sistem a re a l... a m enos que os preços do
sistem a real possam v ariar de tal m odo que as m ercadorias que
constituem esta relação sejam expressas em m ercadoria padrão
(o num erário).

1 V PREÇO
4--------------------------- >
w w PREÇO

rendim ento líq u id o padrão rendim ento real


152 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

Basta, pois, que os lucros, no sistema real, sejam expres­


sos em preços tais, que o valor destes lucros, sobre o valor
dos meios de produção, conduza a um a taxa de lucro de 5
por cento.

R esum am os: a relação linear, en tre o salário e a taxa de


lucro não é válida n o sistem a real.
É-o, no entanto, no sistema padrão. P ara que ela seja
igualm ente válida no sistema real, é necessário que o salário
seja expresso em m ercadoria p a d r ã o 43 e, deste m odo, que o
num erário seja este pad rão específico.
Se o salário v ariar, podem os agora m edir com facilidade
o efeito desta alteração sobre os preços de produção das m er­
cadorias. Suponham os que o salário aum enta. A taxa de
lucro b aixará, segundo a relação linear anteriorm ente esta­
belecida. E sta redução da taxa de lucro, acom panhada pela
sua perequação em todos os ram os da produção, exigirá um a
m odificação nos preços de produção expressos no bem padrão.
Com o, por construção, o bem pad rão é um a m edida invariá­
vel de valores, pode-se deduzir que esta m odificação dos pre­
ços de produção tem como ú n ica origem a variação dos
salários.
Finalm ente, se encontrám os um p ad rão invariável de
valores e podem os m edir o efeito de um a variação da rep ar­
tição dos rendim entos sobre o preço de produção, é neces­
sário que construam os o sistem a p adrão, sendo esta operação
assaz com plexa. O objectivo da fase seguinte será precisa^
m ente analisar as condições, que perm item evitar esta cons­
trução.

E. Q uinta fase: E m busca de u m novo padrão que perm ita


evitar a construção do sistem a padrão

A relação, que acabam os de estabelecer, é fundam ental.


Ela indica — a contrario — que, se for verificada no sis­
tem a real, então os preços das m ercadorias e do salário serão
necessariam ente expressos em bem padrão. V ai perm itir-nos
m edir os preços, sem que seja preciso recorrerm os à constru­
MARX E RICARDIANISMO 153

ção do sistema p adrão. Pode-se com efeito estabelecer esta


relação de o u tra m aneira, ou seja:

r = R (1 — w)

(r — R)

Supõe-se que L, trabalho gasto num ano, é igual à uni-


1
dade. O lado esquerdo — é p o rtan to igual a 1 /w L . Ex-
w
prim e, segundo Sraffa, em bora os term os nos apareçam m al
escolhidos, a « quantidade de trabalho, que se pode com prar
com o produto líquido padrão». É fácil verificar que esta
quantidade de trabalho é variável. Aumenta, quando o salá­
rio baixa e cresce quando cresce a taxa de lucro. Esta q u an ­
tidade variável de trabalho pode constituir um a nova unidade
de m edida. Os preços podem , pois, ser expressos em term os
de quantidade variável de trabalho, em vez de o serem em
produto líquido padrão. A vantagem desta nova definição é
que ela constitui a prim eira fase n o sentido de exprim ir os
preços num padrão invariável de valor, sem que tenhamos que
construir o sistema padrão. T rata-se precisam ente de um a pri­
m eira fase. Para conhecer a quantidade variável de trabalho
é preciso conhecer o salário. O ra, este é expresso em m erca­
doria padrão, ou seja, em produto líquido padrão. P ara evitar
totalm ente a construção do sistema padrão, deve-se modificar
um a das hipóteses do modelo respeitantes ao salário. Vamos
supor tam bém que o salário deixa de ser variável indepen­
dente. A taxa de lucro torna-se então a variável independente,
dado que o m odelo deve necessariam ente ser «aberto» para
um a variável da repartição. Irem os supor, portanto, que a
taxa de lucro é dadaH, m esmo antes de os preços serem
fixados.
O btem os um num erário que substitui as funções do bem
padrão, em virtude da relação que estabelecem os. Este num e­
rário é a quantidade variável de trabalho. N ão tem os neces­
sidade de construir o sistem a p adrão, na condição todavia de
considerarm os a taxa de lucro como variável independente.
154 SOBRE O VALOR— - ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

D esta construção podem os deduzir que a quantidade de tra­


balho assum irá um valor unitário, quando a taxa de lucro
for nula e um valor infinito, quando a taxa de lucro tender
p ara R (excedente sobre meios de produção). Podem os, desde
logo, dem onstrar facilm ente que os preços das m ercadorias,
expressos neste novo p ad rão , correspondem à quantidade de
trabalho gasta no passado e actualm ente, p ara p ro duzir estas
m ercadorias, quando a taxa de lucro for nula. É sobre este
ponto q u e nos iremos d ebruçar em seguida.

a) A «redução» a quantidades de trabalho de períodos


diferentes

O salário e os preços são expressos na m ercadoria padrão.


Sabemos que a equação de preço de um a m ercadoria se pode
escrever da seguinte m aneira:

(A aPa + BaPb + + K aPk> (1 + f) + LaW = A Pa

Podem os considerar que os inputs A, B ... K, necessários


à produção de A, são igualm ente produzidos, num período
anterior, p o r meios de produção e trabalho. O mesmo se passa
com estes meios de produção, etc. Podem os, desta form a,
substitu ir A, B, K pelas suas respectivas equações, procedendo
de igual m odo oom os meios de produção e assim sucessiva­
m ente. O ra, a m ercadoria input A foi produzida com o auxí­
lio de trabalho e de m ercadorias. Mas este trabalho e estas
m ercadorias foram gastos no período anterior. É necessário,
pois, actualizá-los, m ediante a aplicação de (1 + r)2. A m er­
cadoria in p u t A será, po rtan to , substituída por:

<A a P a + B aPb - K aP k > <* + ^ (1 + r)

Podem os prosseguir este raciocínio e considerar que a


m ercadoria in p u t A, necessária p ara p ro d u zir a m ercadoria
input A, foi produzida dois períodos antes. O coeficiente m ul­
tiplicad o r será igual a (1 + r ) 2 e assim sucessivam ente, até
ao n — ésim o período.
MARX E RICAKDIANISMO 155

Igual raciocínio se pode tecer em relação a B, C ... K.


N o term o desta operação, obterem os a equação de periodiza­
ção para A:

Law + L a w (1 + r) ... + L an w (1 + r)n + ... A pa

Q u an tid ad e
de trabalho
gasto inici­
alm ente.

C om preende-se que esta redução apenas possa fornecer


um a aproxim ação do preço de A, um a vez que faltam sempre
m ercadorias — input p ara reduzir. Contudo, dem onstra-se
m atem aticam ente que o núm ero de períodos a considerar, para
obter um a b o a aproxim ação, depende da taxa de lucro.
Q uanto mais esta se aproxim a de R, mais elevado deve ser
aquele núm ero e inversam ente.
Pelo que atrás ficou exposto, sabemos q u e r = R
r
( 1 — w), o u w = — . Podem os substituir os salários p o r
R
esta equação. O btem os assim:

Ap = L ( 1 ------- ) + L ( 1 ------- ) (1 + r)
a a R al R

+ ■•■ L an ( 1 — — ) (1 + r ) n
R

Demonstra-.se m atem aticam ente que, q u an to m ais p ró ­


ximo se encontra o trab alh o despendido, tanto m ais o seu
valor se reduz, quando a taxa de lucro aum enta e que, inver­
sam ente, q uanto m ais afastado se encontra o trabalho des­
pendido, tanto m ais cresce o seu valor, q u an d o a tax a de
lucro igualm ente se eleva.
156 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

b) Considerações e <
conclusão geral sobre a lei do valor e sua
pertinência

— Encontram os aqui o fundam ento da crítica dirigida


aos neoclássicos. Porque o efeito de um a variação da taxa
de lucro difere, consoante o trabalho tenha sido despendido
recentem ente ou não, a duas taxas de lucro distintas corres­
ponde o m esm o valor p a ra a m ercadoria A. D e igual m odo,
duas m ercadorias diferentes, produzidas m ediante com bina­
ções produtivas diversas, poderiam te r o m esm o valor para
certas taxas de lu c r o 4S. N este ponto, reencontram os os pró­
prios fundam entos da crítica in tern a, que havíam os feito aos
neoclássicos46.
— ■Paralelam ente, esta conclusão seria susceptível de
co n stru ir um a crítica in tern a de fu n d o às teorias do valor e
dos preços de produção de M arx, se efectivam ente aceitásse­
mos com o pertencentes a M arx as hipóteses que lhe são atri­
buídas.
'O produto líquido do sistem a padrão pode ser substi­
tuído por um a quan tid ad e variável de trabalho, que com­
preende desde logo a função de «padrão invariável de valo­
res». Esta quantidade de trabalho varia, entre a unidade e o
infinito, quando a taxa de lucro oscila en tre zero e R. Q uando
a taxa de lucro é nula, a q uantidade real de trabalho gasta
n a produção d o conjunto de m ercadorias, que, p o r hipótese,
é igual a 1 , corresponde à quantidade variável de trabalho.
É, pois, n atu ral que, neste caso particu lar, os valores (ou
preços de produção) das m ercadorias correspondam à soma
de trabalho, vivo ou m orto, despendido.
A fim de evitar as confusões term inológicas e os falsos
problem as a que poderiam conduzir, recordem os que, para
Sraffa, a questão d a transform ação dos valores em preços de
prod u ção n ão se coloca. C ontrariam ente a M arx, existe
— desde o in íc io — identificação dos dois conceitos. O valor
de um a m ercadoria (ou o seu preço de produção) corresponde
à soma de trab alh o despendido, quando a taxa de lucro é
nula, e unicam ente neste caso extrem o.
Segundo M arx, a grandeza do valor de um a m ercadoria
corresponde à q u antidade de trabalho [abstracção, social­
m ente n ec e ssá ria 47] p a ra a p roduzir. O preço de produção de
MARX E RICARDIANISMO 157

um a m ercadoria corresponde a esta q uantidade de trabalho,


à qual se acrescenta ou subtrai a transferência de mais-valia
social. A nível global, a som a das mais-valias é igual à soma
dos lucros e a soma dos valores igual à soma dos preços de
produção. D aqui se podem extrair duas conclusões: a soma
dos preços de produção corresponde à som a de trabalho (abs­
tracção, socialm ente necessária) gasto no conjunto dos ram os,
qualquer que seja a taxa de lucro; a exploração não é um
fenóm eno individual, que opõe um cap italista a um trab alh a­
dor, mas, sim, um fenóm eno social, opondo um a classe a
o u tr a 48.
Mas a crítica — ou correcção dos trabalhos de M arx — ,
um a vez aceites as hipóteses que lhe são atribuídas, conduz
à negação da pertinência do problem a do valor. Os preços de
produção podem ser determ inados independentem ente dos
valores e segundo as form as neo-ricardianas.
A conclusão de Sraffa reveste-se, pois, de um a im por­
tância fundam ental. Com efeito, ou se corrige M arx, através
da via de von Bortkiew icz, ainda que aperfeiçoada, não se
afigurando útil, neste caso, recorrer ao sistema em valor e
daí à exploração, ou se acrescentam à correcção de M arx
algumas hipóteses com plem entares referentes nom eadam ente
aos salários e chegamos ao sistema d e Sraffa. O ra, este sis­
tem a apenas v alidaria a teoria do valor de M arx (e logo a
dos preços de produção a nível global, já que a som a dos
valores é igual à dos preços de produção), no caso extrem o e
aberrante de a taxa de lucro ser nula. N esta hipótese, não se
trata com efeito de um a exploração n ula do tra b a lh o 49, mas
do próprio desaparecim ento da possibilidade de q ualquer
exploração. A teoria do valor de M arx encontra assim lim i­
tado o seu cam po de validade apenas às econom ias prim itivas,
coincidindo, deste m odo, com a de S m ith 50.
Poder-se-ia im aginar que esta conclusão tem p o r origem
a adaptação feita por S raffa de um a problem ática sm ithiana.
Sraffa adopta com efeito — conscientem ente — a teoria do
«valor im posto» de Sm ith, quando escolhe p ara padrão a
«quantidade variável de trabalho, que o produto líquido pa­
d rão perm ite com prar». Este procedim ento estaria, no en­
tanto, errado, dado que poderíam os chegar à m esm a conclu­
158 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

são, sem ad o p tar ¡tal padrão. Basta, com efeito, que conside­
rem os a equação dos preços, exprim indo estes como a soma
de trabalho passado, e actual, p a ra que com preendam os o
que fioou dito.
Desde logo, poderíam os p ensar que esta conclusão seria
susceptível de ter por base as considerações de Sraffa sobre
o salário pago post factum . T al apreciação seria m ais válida,
m as não suficiente. A introdução das hipóteses respeitantes
ao salário é necessária a Sraffa p ara construir um padrão
invariável de valores, como tivem os ocasião de observar. Mas
o fundam ento propriam ente dito da negação de qualquer pos­
sibilidade de introduzir a exploração na determ inação dos
preços de produção advém em últim a análise — corno aliás
vim os no nosso estudo sobre as correcções, de von Bort-
kiew icz e sua superação — das hipóteses respeitantes à pere-
quação das taxas de lucro, considerada sem pre realizada, e da
troca de m ercadorias por m ercadorias.
Pode-se, portanto, concluir que negar a exploração, ao
determ inar os preços de p rodução, é um a consequência lógica
das hipóteses atribuídas a M arx e que a reaparição das con­
clusões de tipo sm ithiano é apenas a consequência de hipóte­
ses suplem entares introduzidas com vista à obtenção de um
p ad rão invariável de valores.

R esum o geral do capítulo 1

Antes de abo rd ar a crítica das hipóteses atribuídas a


M arx e as conclusões, que delas advêm , impõe-se um esforço
de síntese. Podem os resum ir os dois raciocínios, que desenvol­
vem os, em dois quadros.
O prim eiro versa deduções de von Bortkiew icz e os seus
prolongam entos neo-ricardianos. O segundo quadro, ligeira­
m ente diferente, integra, ao nível dos seus objectivos, a aná­
lise da m edida do valor, quando o salário varia. A brange,
portanto, os esforços de Sraffa.
1.° quadro: A dedução de von B ortkiew icz. A prim eira
coluna indica as hipóteses de base, a segunda os problem as
que se levantam e a terceira as conclusões do m odelo.
2.° quadro: A dedução de Sraffa. A apresentação será
diferente, pois se trata de um a generalização da problem ática
MARX E RICARDIANISMO 159

anterior. N a prim eira coluna, consideram os as hipóteses segui­


das da dedução; n a segunda, as hipóteses suplem entares ne­
cessárias à obtenção de um padrão invariável de valores, que
perm ita m edir o preço, quando se altera a repartição dos ren­
dim entos e, p o r fim , na terceira, um resum o dos problem as
colocados, tanto pelas hipóteses suplem entares, como pelas
conclusões a que conduzem . Esta terceira coluna retom a por­
tanto as principais considerações que fizemos no fim de cada
um a das fases p o r que foi apresentada a questão.

QUADRO 1: A DEDUÇÃO D E V ON BORTKIEW ICZ

Hipóteses Problemas levantados Conclusões


a ) .N ecessidade de Die 1, 2, 3 s e é dado r,
1. — diferentes um numerário. de 5 e 6.
V e dadas
b) Propriedades p ar­ I. P ossib ilid ad e d e um a
PJ ticulares: — Z = tran sform ação in v er­
2. ------ única = 1 sa:
V e dada —•produzido em a te o ria da e x p lo ra ­
condições m é ­ ção não é p ertin e n te.
3. r única. dias.
II. D eterm in ação rica r-
4. R eprodu­ c ) ¡Correcção do erro dia n a d a ta x a de lu­
ção sim ples de v.B. por um a cro: o s ca p ita is des­
d esa g reg a çã o do tin ad os à produção
5. M edida dos modelo. de bens de luxo (não
valores em fu n d am en tais) não
unidades de actuam sobre a ta x a
trabalho. d e lucro.

6. T roca de III. D e (a ): preços de


m ercado­ equilíbrio esta b eleci­
rias por dos em term os reais.
m ercado­ E ste s preços sã o re­
rias. lativos. P oderiam ser
m o n eta rim d o s por
recurso a um a m oe-
da-véu.
160 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CHÍT’ CA

Hipóteses Problemas levantados Conclusões


IV. D e (a ) e (b ): se
esta s duas condições
não sã o respeitadas:
— 2 lucros 2 ma-i;S-
- valia.
— 5* valores zJ=. preços
donde resu lta o ca­
rácter errado da te o ­
ria da exploração da
força de trabalho.

V. D e (c ): D eterm ina­
ção directa dos pre­
ços de produção, sem
recorrer à análise do
valor. I n u t i l i d a d e
d e sta teo ria e da teo ­
ria da exploração.
C a rá cte r m e ta físic o
do livro I.

QUADRO 2: A DEDUÇÃO D E SRAiFiFA

O b jectivo ¡medir o preço, quando a rep artição s e m odifica.

Hriapcóitoecsíneisose Cesotnasseqnuoêvnacsiashipnóotescaso
supHliepmóetensteasres s er e m res pei
sentido das conclusões t ad aessenãdeo

1. Combina­
ções produ­
tiv a s dadas
e diferentes.

2. Quantidade
dada de m er­
cadorias pro­
duzidas.
MARX E RICARDIANISMO 161

Hriapcóitoecsíneisose supHliepmóetensteasres eCsotnassseerqheuomêvnacrsieashspiepinótotaedsacesassoenãdoe


sentido das conclusões
.3. T axa de lu­
cro única.

4. Salário úni­
co.

5. M ercadoria
contra m er­
cadoria.

6. U tilização
im produtiva
dos lucros.

a) S em ex ce­ N ecessid ad e ide um I. O sialário' — q u an ti­


dente. num erário qual­ dade de m ercadoria
quer. (cf. hipótese 5) —
desenpenha o papel
de m eio de produção.
b ) Com e x ce­ 1. ¡Determinação s i­
dente : m u ltân ea dos p re­
sem alteração ços e de u m a v a ­
na reparti­ riável da rep arti­
ção. ção (r).

2. N e c e s s i d a d e de
um n u m e r á r io
particular: o pro­
duto líquido = 1.

O salário varia. 1. w pago « post fa c- II. Im possibilidade de


t u m --------------- > ob ter o resu ltad o
O sa lá rio é, p o rta n to , procurado, quando w
u n icam en te u m a varia; se esta s hipó­
v a riá v e l da re p a r­ teses su plem entares
tição, e não áa não fo ssem resp eita­
produção. das: os m eios de pro­
— Ê constituído por dução alterar-se-iam ,
bens de luxo. seria im p ossível iso-
162 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

Cesotnasseqnuoêvnacsiahsipnóotesceassonãdoe
Hriapcóitoecsienisose supHliepmóteensteasres sesnetriedmo rdeasspeciotnacdlaussõees
lar o efeito da varia­
ção da repartição
sobre os p reços e,
portanto, m edir estes
últim os. Im p ossib ili­
dade p ois de cons­
truir um padrão in­
v ariável de valores.

2. E sco lh er um ou ­ III. A g én ese d a pere-


tro num erário. quação não é expli­
(Construir um p a ­ cada. P a r a cada v a ­
drão in variável de riação do salário,
valores. esta perequação re-
p roduz-se in sta n ta ­
n eam ente.

3. P o d e-se d eixar de IV. São c o n f u n d i d o s


calcular o siste m a preço de produção e
padrão, se se e s­ valor.
colher com o p a ­
drão a quantidade
variá v el que o
produto l í q u i d o
p erm ite comprar,
e, se considerar­
m o s r com o v a ­
riável independen­
te, restan d o w co­
m o variável de­
pendente.

4. C álculo dos p re­ V. [Desaparecim ento d as


ços d e produção, p o s s i b i l i ã a d e s de
com o som a d e tr a ­ ex istên cia da explo­
balho p assado e ração. A teoria do
actualizado. v alor teria como
exclu sivo cam po de
validade as so cied a ­
des p rim itivas.
MARX E RICARDIANISMO 165

N otas

1 E sta s críticas con sistiam em dem onstrar a co n tra rio que


o ipreço de u m a m ercadoria era função da sua escassez, logo da
utilidade m arginal. R ecordem os que, para os m arxistas, um a
«obra-prima» não é um a m ercadoria um a v ez qu e não é repro­
d u tív e l— m as sim um ,hem.
2 A crítica destes ú ltim os será feita no capitulo 2.
i O cap ital dirige-se de sectores de baixa com posição or­
g ân ica -para secto res de com posição orgân ica m ais elevada.
4 Term os que definirem os em seguida, razão p e la qual os
colocam os entre parênteses.
s M arx u tiliza igu alm en te a expressão «m etam orfose» 'do
valor em preço de produção. V erem os m ais tarde que ela tem
a sua im portância e que não é por acaso que os críticos de
M arx a escam otearam . P ara serm os m ais concretos, deveríam os
a crescen tar um p on to que todos o s que expõem p osições de M arx
om item , ou seja, que os d iferentes períodos de rotação dos diver­
sos cap itais conduzem igu alm en te a esta transform ação.
6 A exploração não provém do fa cto de c a p ita ú sta s se
apropriarem de todo o produto líquido (de am ortizações) ou de
um a fracção, ainda que su b stan cial, deste. A exploração não
resu lta de um a m á distribuição (m á em relação a que norm a ? ),
m as do fa c to de a m ercadoria força de trabalho, com prada pelo
seu valor, ise transform ar -na esfera de produção em cap ital
v a riá v e l, ou seja, por criar um v a lo r superior ao que custou.
^ R ecordem os ainda um a v ez que apresentam os aqui a s
h ip óteses de Marx, tal com o a s concebem a -maior -parte dos
seu s com entadores (essen cialm en te -ricardianos e n eo clá ssica s).
A validade destas h ip óteses será discutida no cap ítu lo 2. P or
a g o ra lim itam o-n os a eceitá-las.
s M ercadoria — D inheiro — M ercadoria.
9 M ercadoria —-M ercadoria.
10 P or ex. M edio, P r o fit e t p lu s-v a lu e : a p p a ren ce e t ré a ­
lité dan s la produ ction c a p ita liste , 1972. Trad. fra n cesa em P ro ­
blém atiqu e de la croissan ce, Econo-mic-a, 1974, vol. 2.
11 P. A. S am uelson, «Pour com prendre le concept m arxien
d ’exploitation: un résum é du prétendu de la -transform ation
en tre valeurs -marxiennes e t p rix concurrentiels», ./. E.L., 1971,
publicado tam bém em P ro b lé m a tiq u e s..., op. cit., p. ,214. -Cf. tam ­
bém B r o n f e n b r e n n e r : «E les [-preços e va lo res] ajusta-m-se no
¡mercado para estabelecer um a ta x a -de lucro de equilíbrio»
(«D as K a p ita l» pou r l’hom m e m o d ern e, Science & ¡Society, 1965,
-também -oublicado em P ro b lém a tiq u es ..., p. 8).
Igu alm en te em B aum ol «The T ran sform ation o f V alues:
W hat M arx really m eant (an In terp rétation )», J.E.L., M arço
d e 1974, p. 53, etc. E ncontram os id ên tica p osição em m arxistas
com o S w eezy: «To-dos os ca p ita lista s preferem consagrar-se à
•produção de b en s de salário- i(-sector il, ta x a d e lucro '60 por
164 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

.cento) p ara ben eficiarem de m a is a lta s ta x a s de lucro, e u m a


ta l ©m igração de capital de um as in d ú strias p a ra a s ou tras
transform ará o esq u em a in icial. P od e definir-se a situ a çã o de
equilíbrio como sendo aq u ela -que assegu ra a ig u a liza çã o d as
ta x a s de lucro» ( The T h eo ry of C a p ita list D e ve lo p m e n t, iMonthly
¡Revíew, 1942); de ig u a l m odo em M eek, etc., o m e sm o em
D avid Y a f f é : «E sta s diversas ta x a s de lucro u n iform izam -se sob
o efeito da concorrência num a ta x a geral de lucro» (in C ritiq u es
de l’E con om ie P olitiq u e, n.° 20). E sta p osição comum, m uito con­
testá v el, sob re a s causas da perequação será discutida m a is
adiante.
12 «A grégation in L eo n tieff M atrix and th e Labour T heory
o f V alue», E co n o m étrica , 1961.
13 P a ra operar esta transform ação, n ã o é n ecessário p res­
suporm os a reprodução sim ples, como nos pudem os aperceber.
M P . A . S a m u elso n , op. cit., p. .221.
is p . A . SAMUELSON, «'Insight and D étou r in th e T heory o f
E xploitation . A R ep ly to B aum ol», J. E . L ., 1974, p. 63.
16 O próprio M arx tin h a reconhecido que, n e ste ponto,
havia um problem a, m as concluíra, com o verem os ad ian te, que
ele não tin h a im portância.
17 R ecordem os m a is um a v e z que o sig n ifica d o económ ico
deste m odelo é que, p or exem plo, a som a dos ca p ita is va riá v eis
(V( + V2 + V ,) é equivalente à produção do secto r II, sem que
tenha sido n ecessário introduzir a moeda. E sta m o s claram ente
em p resença de u m a tro c a de tino' M — 'M e não do tipo
M — D — M.
is A crescentem os que esta com posição orgân ica m éd ia deve
e la própria tam bém ter um csrto «valor». .Com efeito, o to ta l
dos preços é igu a l a xW , + y W 2 + W , = x>';C H-y^jV + ^ P L , e
o total dos valores é ig u a l a ^ C + ^ V + ÿ P l. P a r a que ambos
correspondam e a ssim seja v erifica d a a segunda condição de

M arx, é n ecessário q ue -%C + ^ V = x ^ C + y £ V , donde ------ =


Sv
y — i

1 ---X
« E a razão p ela qual W in tern ítz suporá a igualdade som a
d os valores = som a dos preços de produção, o que B ortk iew icz
não faz. Mas, ta l como B ortk iew icz, ser-lhe-á n ecessá ria um a
condição especial (a m esm a que a B o rtk iew icz) para que a
so m a d as m a is-v a lia s corresponda à dos lucros. E s ta condição é
y —l
que a com posição orgân ica do siste m a se ja ig u a l a ----------.
1— x
Cf. «V alues and P rices: a Solution of th e so -ca lled T ran sform a­
tio n Problem », E co. Jour., 1948.
MARX E RICARDIANISMO 165

20 O que d istin gu e e ste esquem a d o m odelo d e equilibrio


geral neoclássico é que, por um lado, não considera fa cto r e s de
produção, m a s sim m ercadorias (Cj, Vj, etc.), contribuindo
para a produção de ou tras m ercadorias — e s ta s são, pois, con­
sideradas com o in p u ts — e, por outro, o m odelo é restrin gid o a
três ¡bens correspondentes ao¡s tr ê s secto res e não a um a v a rie­
dade de bens.
21 é um tipo de prob lem ática ¡sem elhante que conduz ¡os
n eoclássicos a escrever abusivam ente: «O sistem a de ¡Marx pode
se r fá cilm en te transform ado num siste m a w airasian o de equi­
librio geral» (B ronfenbrener , op. cit., p. 3 ); de ig u a l modo,
Sam uelson por v a r ia s v ezes ( esquecendo que, m esm o com esta s
hipóteses, não s e tra ta de um m odelo d e optim ização de recursos
esca sso s), efectu a este tip o de apreciação.
22 I>. YAFFÉ, O p. CÜ .
23 D . J. H arris, «A propos du sch ém a d’accum ulation et
de raprodution de ¡Marx», J. E. L ., J u lh o de 1972; in P ro b lém a -
tiq u e ..., op. c it., p. 53.
24 o que im plica a com preensão esp ecífic a do que é e fe c ­
tivam ente, um a m ercadoria.
25 E fá c il dem onstrar e s ta proposição. S e considerarm os
as d u as prim eiras equações:

(xCj + yV j) i( l + ¡r’) = xW ,

i( x!C2 + y V ,) ¡(1 + r’) = y W ,

podem os isolar y n a prim eira:

x¡(C, (1 + r’> —>W[)


y = - .................................. ................ ..........................
V, i ( l + r’)

xC , (1 + r1)
e y n a segunda: y = — -------------- —•——
W , — V , (1 + r’)

C j i d + d ’) — Wj C, 1( 1+ r’)
donde ------ —•—•—-—*------ = — — ---------------------
Y, ¡(1 + 1’ )' W , — V 2 ( l + r’)

Tem os, portanto, um a equação do segundo grau com um a


in cógn ita r’. A ta x a ¡de lucro pode, pois, se r deduzida a partir
apenas d estas duas equações. E la depende som en te do cap ital
awançado nos d ois prim eiros secto res e d a ta x a de exploração.
2« E m M arx, qualquer a lteração nos m étodos de produção
verificad a n este sector, a fe c ta a ta x a de lucro, m as não a fecta
o valor da fo rça de trabalho (não ¡existe m a is-v a lia rela tiv a ), na
m edida em que e sta s m ercadorias1 ¡(sendo de lu xo) n ão en tram
166 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

com o elem ento reprodutor da fo rç a de trab alh o e são exclusi­


v am ente ¡compradas peio,s capitalistas.
27 A su b stan cia do valor nao será o trabalho abstracto,
m as, sim , o peso, o com p rim en to... E in teressa n te n o ta r como
um 'esquema que se presum e em valor, em unidade de trabalho
— s e bem que n a realidade e ste ja expresso em v alor de troca
(com o v erem o s), ou seja , em quantidade de eq u iv a le n te— pode
a ssim ser tran sp osto p a ra um outro em term os d e p esos, etc.
O problem a 'é sab er se esta h ipótese resp eitan te ao esquem a em
v alor ¡é correcta ou não, s e é n ecessário p artir d a s unidades de
trabalho ou dos p reços m onetários. ¡C¡f. su pra.
28 A cerca d este ponto, v er se c çã o 2.
29 D. ¡Ricardo, P rin c ip e s d e l’écono<m,ie p o litiq u e e t de
l’im p ô t, Flam m arion, p. 40.
30 C ertos m arx istas, aceitando estas hipóteses, negam , no
entanto, a pertin ên cia das conclusões que delas se podem ex tra ir:
«Resum idam ente, a iteoria dos preços de produção, em função
dos seus pressupostos, ou seja, a existência do capital, não pode
conter nem exprim ir o fenóm eno d a exploração...» (J. Cartelier ,
«E change inégal et th éo rie des p rix de production» C ahiers
d ’a n a lyse économ ique, 1975, n.° 1, p. 105). Terem os, em seguida,
ocasião de c ritic a r -esta «original» posição.
31 E n contram os esta h ipótese em Ricardo. O salá rio é
considerado cap ita l circulante. Ê, d este modo, e q u iva len te a um a
quantidade de 'mercadorias cuja duração é reduzida. O salário
não é, portanto, representado por u m a certa so m a de dinheiro
que pode servir para a com pra de m ercadorias.
32 O sistem a de equações fic a então:

(A p + Bp +'...Kp )■ i(.l + r) = Ap
a a a b a k a

(A p + B p + ... ¡K p ) 1(1 + r> = Kp


k a k b k k k

Os in p u ts m u ltip licad os p elos resp ectivos preços são fa cto -


exced en te
ires de (1 + r ), p ois que p ara a 1.“ linha r = ---------— — ---------- =
valor d o s inxputs
Ap — A p — B p — K p
a a a a b a k
■= —.— ------1------ --------———i—1. Ë um a form ulação a n á lo g a à
A p + B p + ... + K p
a a a b a k
que tínham os, quando considerám os o v alor p ara Marx,
¡M = (C + V ) '(I + r ).
33 Inversam en te, o s preços dos p ro d u to s fu n d a m en ta is
actuam sobre o s preços dos m eios de produção, ao m esm o tem po
que dependem deles.
34 P a rece ex istir aqui um a d ivergên cia em relação à an á­
lise de R icardo. P a r a este, a ta x a de lucro depende das condi-
MAKX E KICARDIANISMO 167

ções directas ou ind irectas ex isten tes n a produção d as m erca­


dorias, que icompõem o salário. E sta divergência é apenas a p a ­
rente. E m R icardo, os íbens de salário são produtos fundam en­
tais. A ta x a de lucro não depende das condições de produção
dos produtos de luxo. O m esm o se v erifica em ¡Sraffa, e é por
este últim o considerar que os bens de sa lá rio sã o b ens d e luxo
(não fu n d am en tais) que a ta x a de lucro n ã o é directam en te
in flu en ciad a p ela s a ltera çõ es n o s m étodos de produção d estes
bens.
35 T erem os im ed iatam en te o se g u in te sistem a:

(A p + B p + ... K p ) 1(1 + r ) + Li w — Ap
a a a b a k a a ,

(A p + B p + ... K p ) 1(1 + r ) + L w = Kp
k a k b k k k k

•Supomos q u e o trab alh o é uniform e e a ta x a de salários


única. Cada ram o u tiliza um a dada p ercen ta g em de trabalho.
T odo o trabalho é utilizado. T em os portan to L + B + . . . L. = 1.
a b k
36 E sta equação pode -escrever-se do segu in te modo:

[A — (S A )] p + [ 0 — ,( V B ) ] p + ... [ K — ( t K ) ] p =1.
i a i b i k

37 N a m edida em qu e devem os supor que a s m esm a s quan­


tidades d e m eios de su b sistên cia sã o devolvidas aos trab alh a­
dores.
38 Send o o sa lá rio pago p o s t fa ctu m , su p õe-se que ele
con stitu i um a fracção do rendim ento nacional. D ado qu e se
partiu da hipótese que este era ig u a l a 1, o salário poderá variar
de 0' a 1 (ta x a de lucro n u la).
39 S e A , B ... K sã o a s quantidades de m ercadorias fun-
i i i
d am en tais consideradas, enquanto in p u ts, e se A, B, C sã o as
m esm as m ercadorias consideradas, enquanto produtos, é n eces­
sário que:

k
2
------A : t B : . . . t K = A : B: ... : K
i= l 1 i i

40 O produto líquido padrão é o num erário e tem os, por­


tanto, n + 1 equações e n + 2 in cógn itas (ta x a s de lucro e de
sa lá rio ). T al como n a terceira fa se, basta que tom em os um a
variável da repartição, n este caso o salário, com o bem padrão
para determ inarm os o sistem a padrão.
41 V oltando a considerar Sraffa, pode-se diaer que, s e a
p arte dos salários é de três quartos do produto líquido padrão
168 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA TJMA CRÍTICA

S
e a relação padrão é R = — = 2 0 %, a ta x a de lucro é igu al
3.1
a 5 %.
42 P . SR A F F A , o p . Cit., p. 28.
43 ¡Sendo o bem padrão — recordem os — o produto líquido.
44 Poderia, segundo S raffa, se r determ inado p elo n ív el da
ta x a m on etária de juro.
45 B a sta calcular a d iferença de preços de duas m ercado­
rias. E s ta diferença corresponde à diferença das suas resp ectiv a s
equações. D epende, pois, da ta x a de lucro. Ei su ficien te, portanto,
calcu lar para que ta x a s de lucro esta diferença se anula.
46 Gf. su pra. P od em os a crescen ta r — se bem que n ão ti­
v éssem o s an alisad o as su as te o r ia s — - que esta co n clu sã o cons­
titu i igualm en te u m a crítica d e fundo às te n ta tiv a s de Bõhrn-
-B aw erk e de W ikisell p a ra m edirem o cap ital p elo «período
de produção».
47 Os term os entre p arên teses serão d iscu tid os e aprofun­
dados com m aior precisão no capítulo segu in te.
48 P oderíam os m esm o a crescen tar que a p a ssa g em dos
v alores aos preços de produção forn ece u m a d a s ch a ves, que
p erm item com preender o fundam ento d e c la sse dos cap italistas,
contrariam ente à s a sserçõ es de certos m a rx ista s. N e s te ponto,
M arx é b astan te claro. Cf. supra.
49 é com intenção p articu lar que u tilizam os a expressão
trabalho e não fo rça d e trabalho, dado que os ricardianos utili­
zam a prim eira. R ecordem os que é a introdução d e sta segunda
n oção que irá perm itir explicar o m istério d a m a is-v a lia em
M arx. É devido ao fa c to de esta noção se r ignorada p or R icardo
que eie não pôde explicar de form a coerente a g én ese do lucro.
só N ão se encontra este tipo de raciocínio em R icardo.
Segundo este, o v alor relativo das m ercadorias ap en as corres­
ponde à quantidade de trabalho despendido, n o ca so de não
existirem cap itais fix o s. A introdução d estes v em p ôr problem as
e exige que s e procure um padrão. M as nunca R icardo con si­
dera que a ta x a de lucro p ossa ser nula. P od e variar, nom eada­
m en te ap ós um a a lteração no salário, m a s não pode torn ar-se
nula.
2 . PARA UMA INTERPRETAÇÃO, QUE PERMITA
COMPREENDER O PROCESSO DE ACUMULAÇÃO
E AS SUAS CONTRADIÇÕES

Até este momento, são simples as conclusões que pode­


mos extrair: se aceitarmos as hipóteses de partida, a teoria
da exploração ou é falsa ou não pertinente e, consequente­
mente, a teoria do valor é inútil.
Estas conclusões são importantes. Resultam de hipóteses
de base atribuídas a Marx. Constituem, portanto, uma crítica
interna pertinente se e só se as hipóteses, que lhes são subja­
centes, se identificarem efectivamente com as de Marx. Caso
tal não se verifique, elas não poderão constituir uma crítica in­
terna das conclusões de Marx acerca da exploração e do valor.
Poderiam, quando muito, ser o resultado de um corpo teórico
diferente do de Marx, cuja validade e pertinência poderiam
ser opostas a este. Neste sentido, de falsa crítica interna, elas
poderiam transformar-se em crítica externa. Mas a validade
desta .crítica externa depende da validade e da pertinência das
hipóteses de partida em que se baseiam estas conclusões.
Assim, qualquer que seja a óptica considerada — crítica
interna ou crítica ex tern a— é necessário que nos debruce­
mos sobre as hipóteses de que partimos e as discutamos.
É o que iremos fazer na primeira secção.
Uma vez levada a cabo esta discussão, estaremos abali­
zados a ajuizar se os erros atribuídos a Marx são efectiva­
mente erros. Poderemos então propor uma outra interpreta­
ção da transformação dos valores em preços de produção.
iNão consideramos a obra de Marx como se de a Bíblia
se tratasse. Para nós, o problema reside em saber se o traba­
lho de Marx nos ajuda a compreender o movimento do capi­
tal, a reprodução das relações sociais e as contradições que
170 SOBRE' O VALOR— -ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

daí advêm ! A validade do pensamento- marxista baseia-se


precisamente nesta capacidade de compreender o real. Dentro
deste -capítulo, mostraremos que os preços de produção expri­
mem, -com efeit-o, a lei -do valor, no quadro do modo de pro­
dução capitalista. Será este o objectivo da -segunda secção.

Secção 1. Crítica das hipóteses atribuídas a M arx

A crítica feita a Marx é ricardiana. Certos comentado­


res reconhecem-no. É o que se passa com Samuel-son, quando
escrev-e: «O meu ponto de partida na discussão não é neo­
clássico. Era sraffiano, -ou, por outras palavras, pré-mar-
xista. *» De forma semelhante, afirma Schumpeter: «Para
-compreender verdadeiramente a sua doutrina económica, é,
antes do mai-s, necessário que nos apercebamos de que ele
era, como teórico, um aluno de R icardo... A sua doutrina do
valor é a de R icardo... Os argumentos de Marx são apenas
menos corteses, mais prolixos e mais «filosóficos», no pior
sentido do term o.2»
iSupóe-se que a teoria do valor de Marx é, portanto,
equivalente à de Ricardo e é da formalização da tese de
Ricardo, que se -extrai a negação- da teoria do valor e da
exploração.
Esta interpretação da teoria do valor de Marx é com­
partilhada por numerosos marxistas. Segundo Dobb, por
exemplo, «a diferença essencial entre Marx e a economia polí­
tica clássica reside na teoria da mais-valia3». Marx prolonga­
ria, pois, o trabalho de Ricardo e torná-lo-ia mais coerente,
distinguindo o trabalho da força de trabalho. Não -existiriam
duas concepções fundamentalmente distintas do valor para
estes dois autores.
Outros autores marxistas admitem a validade das críti­
cas ricardianas dirigidas a Marx, mas rejeitam as suas con­
sequências. Para alguns (Cartelier, etc.), a teoria dos preços
de produção não abarcaria a da exploração, o que permite
concluir que a t-eoria dos preços de produção, que emana dos
trabalhos neocambridgeanos, não poderia constituir um a crí­
tica da teoria da exploração e do valor de Marx. Para outros
(Bernetti, etc.), os «campos teóricos» (nível de abstracção)
do valor e dos preços de produção seriam de tal modo distin-
PARA UMA INTERPRETAÇÃO 171

tos que seria errado pretender operar a transformação dos


valores em preços. Não se pode, pois, concluir da teoria dos
preços de produção a negação ou não pertinência da teoria
do valor e da exploração. «Pareceu-nos que a supressão do
problema da transformação é a própria consequência do con­
texto lógico, no qual estão inseridos os conceitos de valor e
preço. Mais precisamente, o que se verifica ser criticável é
a inclusão simultânea dos conceitos de valor e preço no qua­
dro lógico de um modelo económ ico.4»
Estas diversas concepções encenam uma problemática
comum. Colocam em primeiro plano o problema da medida
do valor, à maneira de Ricardo. Para alguns, subestimam ou
ocultam mesmo a questão das formas do valor. O melhor
exemplo encontra-se talvez na própria maneira de colocar o
problema. Estes diferentes autores aceitam como pertinente
a representação de von Bortkiewicz. Mais concretamente eles
aceitam que se possa raciocinar com um modelo de input-
«output. N otem os que o «modelo» de M arx se baseia na
existência de cinco ramos, de form a algum a relacionados entre
si. Não se trata, por parte de Marx, de um desconhecimento
de matemática, como gostam de sugerir Samuelson e tantos
outros, já que, a partir do Livro II, Marx analisa as relações
de input-output, no seu estudo da reprodução simples e
alargada, mas trata-se de uma questão fundamental de método.
Do «modelo» de Marx, que é deliberadam ente um modelo de
input-output, podem ser extraídas duas conclusões funda­
mentais, que abordaremos posteriormente: 1). Não se trata
de uma demonstração matemática. Esta seria inútil e, sobre­
tudo, errada, a nível metodológico. A parte esquerda (valor)
situa-se a um nível de abstracção d iferente d a parte direita
(preços de produção). Ê, pois, uma m esm a realidade, obser­
vada a dois níveis distintos de abstracção. O «modelo» de
Marx refere-se a uma análise da grandeza do valor (unidade
de trabalho abstracto). Pelo contrário, os modelos de input-
-output devem ser analisados em termos de valor de troca
(quantidade de equivalente). A omissão da distinção entre
valor e valor de troca é precisamente a consequência directa
das suas posições relativamente às formas do valor. Sobre
este ponto, autores como Cartelier e Benetti são inconsequen­
tes: por um lado, aceitam a análise, em termos de «formas de
172 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA ÜMA CRÍTICA

valor»; por outro, omitem estas ¡considerações, quando acei­


tam que o problema do «erro» de Marx possa ser colocado
em -termos de modelo de input-output.
Estas diferentes concepções são simultaneamente falsas
e estéreis. A adopção destes pontos de vista não permite com­
preender o modo de produção capitalista e, a posteriori, anali­
sar a sua «anatomia». Vamos mostrá-lo, passando em revista
as principais hipóteses atribuídas a Marx. Três dessas hipó­
teses pareceram-nos pertinentes pelas suas implicações. Tra­
ta-se da troca directa de mercadorias, da medida do valor e
finalmente da perequação da taxa de lucro. As duas primei­
ras, tomadas em conjunto, significam que é necessária a
determinação de um numerário em termos reais. A terceira
implica um modelo estático do qual estariam excluídas as
esferas da circulação. A hipótese da reprodução simples, se
bem que falsa, não nos parece merecedora de discussão, na
medida em que, como observámos, não era de todo neces­
sária 5.

1. A s form as de valor

Por se ter -suposto que as mercadorias são trocadas por


outras mercadorias, é necessário determinar um numerário.
E, porque o salário pode variar, é preciso considerar um
numerário que seja um padrão invariável6. Uma vez que
o salário é considerado unicamente como uma variável da
repartição (pago post factum ) -e não da produção, além de se
pressupor composto de um conjunto de produtos de luxo, é,
pois, possível construir o padrão.
As mercadorias são, no caso das análises de von Bort-
kiewicz, de Samuelson e de tantos outros, avaliadas em uni­
dades de trabalho e seguidamente em termos de numerário,
quando se passa dos valores aos preços de produção1. Como-
frisám os7, quer seja no esquema em termos de valor ou no
esquema em termos de preços de produção, o equilíbrio obtido
exprime-ise em termos reais. A moeda está ausente. A intro­
dução da moeda apenas se pode efectuar, após obtido o equi­
líbrio e graças a uma monetarização do numerário que assume
então duas funções: meio de circulação para os dois primei-
PARA UMA INTERPRETAÇÃO 175

ros sectores, reserva de valor para o último (produção de


ouro).
As mercadorias, se bem que produzidas por outras mer­
cadorias, segundo a fórmula M — M, são, no caso do modelo
de Sraffa, igualmente avaliadas em unidades de trabalho «que
o produto líquido padrão pode comprar».
Estas duas hipóteses são falsas. Não só não são- as de
Marx, mas tam bém significam um a incorrecta com preensão
de o que é um a mercadoria.
As mercadorias trocam-se por dinheiro. São, portanto,
im ediatam ente expressas em dinheiro. O dinheiro está pre­
sente, logo no acto da troca, não pode ser introduzido poste­
riormente. Mas é insuficiente quedarmo-nos por aqui. A ques­
tão, que, desde logo, se coloca, é, com efeito, o que é o
dinheiro, qual a sua génese ? É procedendo a esta análise
que se poderá com preender porque é que as mercadorias não
se trocam por mercadorias, e, sobretudo, porque é que as
implicações de uma tal posição são necessariamente erradas.

A FORMA D IN HEIRO

Para compreender a génese da forma dinheiro, é neces­


sário partir da mercadoria.

a) Considerações sobre a m ercadoria

A mercadoria é, numa primeira aproximação, objecto de


utilidade social (valor de uso) e portador de valor (valor de
troca). Pode ser desejada por si própria, ou pode servir para
obter outras. É neste sentido que ela é uma contradição8.
Ela não pode ser sim ultaneam ente objecto de utilidade e por­
ta-valor.
Ela é ou um ou outro. Sendo objecto de utilidade, quer
dizer, valor de uso, não poderá ser porta-valor, ou seja,
valor de troca. Sendo porta-valor, ela não pode ser objecto
de utilidade, pois vai servir precisamente para a aquisição de
outra mercadoria desejada. A m ercadoria em si, é, pois, uma
contradição. Esta contradição resolve-se pela sua exterioriza-
174 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

cão. A mercadoria não pode, portanto, ser concebida senão


na sua circulação, ou seja, nas suas sucessivas metamor­
foses 9.
As mercadorias trocam-se entre si. Até aqui, nada de
original, apenas trouxemos à luz este duplo carácter (aspecto
ou factores, diz Marx, que não podem coexistir).
As mercadorias trocam-se umas pelas outras, porque têm
qualquer coisa em comum. Se considerarmos duas mercado­
rias poderíamos pensar que o traço comum seria o peso, a cor,
etc. Se considerarmos uma troca generalizada, é evidente que
estas características não se afiguram comuns a todas as merca­
dorias. E, no entanto, trocam-se entre si. Apenas resta então um
carácter comum: elas são o produto de um determinado dis­
pêndio de força de trabalho humano. É certo que o traba­
lho gasto na produção de cada mercadoria é específico a ela,
afirmando-se neste sentido que o trabalho afecto à produção
de valores de uso é trabalho concreto. Mas o que faz que elas
possam ser trocadas é o facto de serem o fruto de um traba­
lho indistinto, de um dispêndio de força de trabalho humano,
de um trabalho abstracto. Trabalho concreto e trabalho abs­
tracto representam o duplo carácter do trabalho, o primeiro
relacionado com o valor de uso da mercadoria e o segundo
com o seu valor de troca 10. Eis um ponto fundamental, igno­
rado por Ricardo.
A substância do valor é, portanto, este trabalho abstracto.
A grandeza do valor é a quantidade de trabalho' abstracto
[socialmente necessário u ] . A este nível de análise, dois pro­
blemas surgem:
— O que é exactamente o trabalho abstracto?
— Qual a razão por que utilizámos o termo «valor»,
em vez de valor de troca ?

1. O trabalho abstracto

O trabalho abstracto «coexiste» com o trabalho concreto,


já que a mercadoria, tanto pode ser observada, sob a óptica
do valor de troca, como sob a do valor de uso. Na medida
em que se trata de dois aspectos antagónicos da mercadoria e
sobretudo porque um não pode ser deduzido a partir do
PARA UMA INTERPRETAÇÃO 175

outro, o trabalho abstracto não se pode definir a partir dos


trabalhos concretos. Mais precisamente, aquele não pode cons­
tituir apenas um a generalização destes. Trata-se de algo fun­
damentalmente diferente. Colletti sublinha-o claramente
quando escreve: «O trabalho abstracto é o que existe de igual
e de comum em todos os trabalhos concretos, quando essas
actividades são consideradas, abstraindo dos dbjectos reais
(ou valores de uso), que produzem e em função das quais se
reproduzem ... Efectuando esta abstracção, verifica-se que
todos estes trabalhos são apenas dispêndio de força de traba­
lho hu m an o .12» Não se poderá pois afirmar, como faz Sweezy,
que o trabalho abstracto pode ser o «trabalho em geral, o que
existe de comum a toda a actividade produtiva hum ana B».
Não é uma generalização dos trabalhos concretos, uma abs­
tracção, pelo espírito, destes últimos. É ainda o que existe
de comum nos trabalhos concretos, mas, desde que se não
considerem as mercadorias como valores de uso, desde que se
abstraiam as suas especificidades, para apenas se considerar
o aspecto de portadoras de valor. Na medida em que o tra­
balho abstracto é a substância do valor, considerá-lo como
um a abstracção feita pelo espírito conduziria a considerar
também o valor como uma abstracção análoga. Como Colletti
igualmente frisa, «o erro deste modo de com preender o tra­
balho «abstracto» reside não apenas no facto de — sendo ele
uma abstracção do espírito— não se perceber como é que o
valor, se bem que produto do trabalho abstracto, pode ser
algo de real, mas também no facto de, procedendo desta
maneira, se abrir caminho a uma transformação do próprio
valor numa generalização abstracta ou em ideia 14».
O trabalho abstracto é, portanto, «uma abstracção que
se revela na realidade da tro c a 15».

2. Valor ou valor de troca ?

Não se trata de duas categorias equivalentes 16: «O valor


de uma mercadoria manifesta-se, quando se apresenta como
valor de tro c a .17»
Clarifiquemos este ponto. Aquilo que fundamenta a
troca de uma dada quantidade de uma m ercadoria por uma
176 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

outra quantidade de uma m ercadoria diferente é o dispêndio


de trabalho abstracto que foi efectuado. Na sua troca, as
mercadorias apenas exprimem que, na sua produção, foi acu­
mulado trabalho abstracto. Neste sentido, as mercadorias são
«metamorfoseadas em idênticos sublim adosI8». Mas continue­
mos. «E nquanto cristalizações desta substância social com um ,
eles [os objectos] são considerados valores. Esse qualquer
coisa de com um que se m anifesta na relação de troca, ou no
valor de troca, é por consequência, o seu valor 19.» Deste modo,
por serem o produto de um trabalho abstracto, as mercadorias
são consideradas valores.
Por detrás da relação de troca (valor de troca), entre
duas mercadorias, oculta-se o valor; o valor de troca, por ser
uma relação de troca entre duas mercadorias, é uma forma
fenom enal do valor. A mercadoria não é, pois, valor de
troca senão na aparência. De facto, ela é valor de uso e
valor. Valor e não valor de troca, porque, como correctamente
afirma Backhaus, o valor de troca é «uma forma de apareci­
mento de um conteúdo, que dele deve ser distinto. Este con­
teúdo, que se deve tomar como «fundamento» do valor de
troca, é o v a lo r20».
O valor é o fundamento do valor de troca. O valor de
troca é apenas uma forma fenomenal do valor. A origem
desta distinção advém do duplo carácter do trabalho, con­
creto e abstracto. Portanto, o problema essencial é sabermos
o que faz que o trabalho se represente no valor, que o pro­
duto do trabalho assuma a form a de mercadoria.
De forma inversa, a economia política clássica não con­
siderou esta questão. Considerando a existência de mercado­
rias como um facto natural, a-histórico, ela centralizou
as suas investigações sobre a relação de troca de duas mer­
cadorias diferentes. Por outros termos, o próprio facto de
considerar a mercadoria como algo de natural, de não tomar
em conta as condições históricas e sociais em que o produto
do trabalho assume a forma de mercadoria, conduz neces­
sariamente a colocar apenas o problem a da grandeza do valor,
ignorando paralelam ente as form as do valor. Somente é anaj
lisado o problema da medida, mas, porque as formas do valor
PARA UMA INTERPRETAÇÃO 177

são ignoradas, a génese da moeda será ignorada, como iremos


ver em seguida.
Assim, o ponto fundamental da clivagem com a análise
ricardiana não se situa na distinção entre trabalho e força de
trabalho, mas na concepção de valor de troca como forma
fenomenal do valor. As consequências desta concepção total­
mente diferente são consideráveis, tanto ao nível da análise
do fetichism o como ao do estudo das form as do valor. É este
último ponto que iremos de seguida analisar.

b) A s form as de valor

Agora o objecto do estudo desloca-se. Porque nos inter­


rogamos sobre o que é uma mercadoria, sobre as causas que
fazem que o produto do trabalho tome a forma de mercado­
ria, põe-se o problema do valor e das suas formas. Deste
modo, o problema da medida do valor relativiza-se. Melhor,
para compreender fundamentalmente o sentido exacto de que
se reveste a medida do valor é necessário passar primeira­
mente pelo estudo do valor e das suas form as21. Então é que
se poderá responder a esta questão: como é que o valor se
torna preço de mercado ? Colocado assim o problema e
porque ele necessita do estudo da génese da moeda, podere­
mos compreender porque é que não existe o pressuposto erro
de Marx na questão dos preços de produção e porque é que
O' problema do numerário ou do estalão invariável dos valo-«
res não é mais do que a consequência lógica de uma incom­
preensão profunda do que é a mercadoria.
As mercadorias aparecem com um duplo aspecto, o de
valor de uso e o de valor. Estes dois aspectos são contradi­
tórios. A mercadoria não pode ser, ao mesmo tempo, objecto
de utilidade social e portadora de valor. Ou é uma coisa ou
outra, sendo as duas coisas ao mesmo tempo. Objecto de
utilidade para aquele que a deseja, ela é portadora de valor
— pois permite obter uma outra m ercadoria em troca —
para aquele que decide cedê-la, porque ela já não se reveste,
para ele de utilidade. As mercadorias devem pois exteriorizar
a sua contradição pela circulação. Só podem fazê-lo, porque
«se apresentam sob uma dupla form a, a sua forma natural
(o seu valor de uso) e a sua forma de v alo r» 22. Ora, «as
178 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

mercadorias possuem uma form a de valor particular... a


form a-m oeda. Trata-se agora de fazer o que a economia bur­
guesa nunca tentou, trata-se de fornecer a génese da forma
moeda, isto é, de desenvolver a expressão do valor contido
na relação do valor das mercadorias, desde o seu esboço mais
simples e mais aparente, até a esta forma de moeda, que salta
aos olhos de toda a gente»23.

A troca de uma mercadoria por outra vai-nos dar a


expressão mais simples do valor desta mercadoria. Assim,
afirmar que QiA = Q2B não quer somente dizer que é pre­
ciso QiA para obter Q2B. É, sobretudo, dizer que para lá
desta aparência, que QiA exprim e o seu valor em Q2B.
O sinal matemático «igual» não significa, pois, fundamental­
mente, uma igualdade, mas uma expressão de valor de uma
mercadoria em relação a outra. E ste é o ponto essencial.
Q2B será a form a da existência do valor contido em QiA.
Q2B vai, pois, representar, um papel específico: o de equi­
valente, pois ele exprim irá 0 valor de QiA. Q2B será, assim,
a forma equivalente deste valor contido em QiA. Paralela e
inversamente, QiA será a forma relativa deste valor. Não
pode, por conseguinte, ser a forma equivalente, uma vez que
não pode ser equivalente dela própria. É, como dissemos, a
forma relativa deste valor. Para que QiA fosse a form a equi­
valente, seria necessário inverter a equação e escrever Q2B =
= QiA. Neste caso, Q2B perderia a sua função de forma
equivalente para revestir a de forma relativa.

Acabamos de chegar a uma conclusão essencial, cujo


significado pleno nos aparecerá em breve: um a mercadoria
não pode ser ao m esm o tem po form a equivalente e fortna
relativa.
Esta conclusão é lógica. Voltemos de novo à equação
QiA = Q2B. Se eu troco QiA por Q2B, isto significa para
mim:

— Que QiA não possui valor de uso;


— Que Q2B possui um valor de uso.
PARA UMA INTERPRETAÇÃO 179

Vou, então, servir-me de QiA para obter Q2B. QiA será,


então, portadora de valor. Donde, «a mercadoria, cujo valor
se encontre sob uma forma relativa, é sempre expressa como
quantidade de valor, contrariamente ao que sucede com o
equivalente, que figura sempre na equação como simples
quantidade de uma coisa útil [...] precisamente porque a
quantidade de valor não é expressa» 24.
Conclui-se desta análise que:

— «O valor de uso (do equivalente) torna-se a forma


de manifestação do seu contrário, 0 v alo r.25»
— «O trabalho concreto torna-se a forma de manifes­
tação do seu contrário, o trabalho humano abstracto'.2Ó»
— «O trabalho concreto, que produz o equivalente [ ...] ,
possui a forma de igualdade com um outro trabalho [...] e
torna-se assim, embora trabalho particular, como qualquer
outro trabalho, produtor de mercadorias, trabalho sob forma
social im ediata.27»
Estas três conclusões são essenciais, pois permitem carac­
terizar 0 equivalente no que respeita à expressão do valor de
uma mercadoria.

c) A génese da moeda

Podemos agora analisar a moeda, pois estudámos a sua


génese: o equivalente. Basta-nos generalizar o raciocínio pre­
cedente. É por isso que o vamos fazer sucintam ente28.
Se considerarmos as permutas seguintes: Qa = Qb,
Qa = Qc, Qa = Qd, etc., exprimimos 0 valor de A, segundo
vários equivalentes B, C, D, etc. Tais relações não são muito
significativas, pois poderíamos sempre substituir um equiva­
lente por outro para exprimir 0 valor de A.
É-nos possível inverter estas relações. Sabemos com
efeito que uma mesma mercadoria não pode ser ao mesmo
tempo form a relativa e form a equivalente do valor. É ou uma
ou outra, na sua relação com outra mercadoria. Então pode­
mos escrever: Qb = Q a, Qc = Qa, Qd = Qa. A mercadoria
A desempenha então o papel de equivalente pois abandonou
o seu papel de forma relativa. Porque todas as m ercadorias
180 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

se relacionam com ela, ela é equivalente geral, ou forma geral


de valor.
Esta forma geral de valor torna-se a expressão social do
m undo das m ercadorias29. Esta forma torna-se m oeda (ou
d in heiro)30. Ela «é a primeira que coloca as mercadorias em
relação entre si» como valores fazendo-as aparecer ■ — umas
em relação às outras — como valor de tro c a 31.
Uma vez que estudámos as formas do valor e a génese
da moeda, podemos completar a definição de valor de troca,
forma fenomenal do valor. Se «o valor de troca aparece de
início como a relação quantitativa, como a proporção na qual
os valores de uso de espécies diferentes se trocam uns pelos
outros», pode-se defini-lo agora, como J. L. D a l l e m a g n e :
«O valor de troca de uma mercadoria é, pois, o tempo de tra­
balho particular, concreto necessário para produzir a merca­
doria, que serve de equivalente geral e que encarna o trabalho
social abstracto, no qual se transforma o tempo de trabalho
p articu lar.32» A m edida (ou grandeza) do valor será — como
vimos — a quantidade de trabalho abstracto socialmente
necessário. N ão se pode confundir com o valor de troca, ptíis
este é um a form a fenom enal de valor. Eis porque: «A gran­
deza do valor exprime uma relação de produção, o laço íntimo
que há entre um artigo qualquer e a porção de trabalho
social que é necessário para lhe conferir existência. Desde
que o valor se transforma em preço, esta ligação necessária
aparece como uma relação de troca de uma mercadoria vulgar
com a mercadoria moeda que existe para além d ela.33»
O dinheiro coloca, pois, as mercadorias, enquanto valo­
res, em ligação entre si. Mas fá-las aparecer como valores
de troca.
Trata-se, pois, de uma conclusão fundamental. A sua
origem encontra-se na análise do valor e das suas formas. Dito
de outra forma, a moeda é uma forma de valor particular das
mercadorias. Porque forma de valor de mercadorias, não pode
estar dissociada delas. Está-lhes intimamente ligada. A mer­
cadoria, objecto de contradições, pode ser constrangida à
imobilidade. A circulação das mercadorias é a exteriorização
da contradição entre o valor de uso e o valor. As formas de
PARA UMA INTERPRETAÇÃO 181

valor sucedem-se: m ercadoria, form a relativa — dinheiro,


form a equivalente (ciclo Mi — D , depois D — M 2).
N ão se pode, pois, considerar um a troca m ercadoria por
mercadoria com o fa zem os neo-ricardianos. U m a tal concepção
conduz necessariam ente a um a introdução tardia da m oeda.
Precisam ente p orque não se com preende a génese da m oeda,
esta só é concebida como m onetarização dum a troca prees­
tabelecida e não como um a form a de m anifestação do v a lo r 34.
«A s mercadorias são expressas em dinheiro, antes m esm o de
este as fazer circu la r.35» É p o r isso que elas são im ediata­
m ente expressas em d in h e iro 36.
O facto de considerarem m odelos de input-output, ao
colocarem 0 problem a da transform ação, conduz estes autores
a raciocinarem em term os de valor de troca. T rata-se, con­
tudo, de um valor de troca pouco relacionado com o valor de
troca de M arx, já que, como acabám os de ver, o valor de
troca para M arx é um a quantidade de equivalente, ou seja,
um a quantidade idealizada de dinheiro. N o quadro de um
m odelo de input-output, mesmo prim ário, como o de von
Bortkiew icz, o salário deve ser expresso em valor de troca,
ou seja, em quantidade idealizada de dinheiro e não em
quantidade de trabalho representativa do volum e de m erca­
dorias necessário à reprodução de força de trabalho. O ciclo
não é, pois, M ercadoria Força de T rab alh o — M ercadoria,
mas sim M ercadoria Força de T rabalho— D inheiro — M erca­
doria. D ado que a sua m odelização não perm ite colocar p ri­
m eiro o problem a em term os de valor, eles apenas podem
raciocinar em term os de num erário, ou de padrão.
Resum am os: p ara os neo-ricardianos, as m ercadorias são
factos naturais, a-históricos, que se im põem ao observador.
D esta concepção restritiva decorre um a só preocupação: a da
m edida. O valor de troca não é concebido como um a form a
fenom enal do valor. O valor de troca é só considerado para
além da sua ligação com o valor. D este m odo, as form as do
valor não podem ser analisadas, a génese da m oeda só pode
ser ignorada, 0 que confirm a necessariam ente a introdução
da m oeda a um a m onetarização de um a troca real M ercado­
r i a — M ercadoria preestabelecida (troca).
182 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

A análise das form as do valo r e da génese da m oeda


constitui um cam inho necessário p ara apreciar a validade das
hipóteses atribuídas a M arx e das críticas que daí decorram .

d) Consequências

Os neo-ricardianos e num erosos m arxistas atribuem a


M arx a hipótese, segundo a qual as m ercadorias são exclusi­
vam ente m edidas em unidades de trabalho. É a sua base de
pa rtid a p ara a form ação dos esquem as de transform ação dos
valeres cm preço de produção. N o entanto, é falsa, por m ais
«surpreendente» que possa parecer à prim eira vista.
M ais precisam ente, quando se trata do «m odelo» de
M arx, são considerados cinco ram os (m ercadorias) com dife­
rentes composições orgânicas do capital: Estes ramos não
estão em contacto uns com os outros. São tom ados apenas
com o exem plos, no sentido de serem analisadas as consequên­
cias da form ação de um a taxa de lucro m édio, ao nível de
cada um deles. Pode-se levar em conta a grandeza do valor
das m ercadorias (quantidade de trab alh o abstracto social­
m ente necessário) produzidas por cad a ram o e estudar as
suas variações após a form ação de um a taxa de lucro médio.
N a m edida em que o valor está na base do valor de troca,
tam bém este últim o pode ser considerado. N o entanto, no
âm bito do «m odelo» form ulado p o r M arx, tal não é neces­
sário. Só o será, quando supuserm os os ram os em contacto
uns com os outros, ou seja, quando integrarm os na análise
a circulação das m ercadorias. (N O T A : é assim que M arx
procede desde a p. 176 do capítulo 9 (ed. francesa), onde,
ab andonando o «m odelo», ele analisa a troca das m ercado­
rias entre si.) A p a rtir desse m om ento e porque o valor está
na -base do valor de troca (quantidade de equivalentes), pode
ser tom ado em consideração este últim o, como form a feno-'
m enal do valor. É esta a ideia que se p retende veicular
quan d o se diz que as m ercadorias são expressas em dinheiro,
antes mesmo de este as fazer circular. -Esta form a de expres­
são não é exclusiva de um a análise em term os .de grandeza de
valor (quantidade de tra b a lh o ...). Pelo contrário, ela só se
pode efectivar p orque foi previam ente levada a cabo a análise
em term os de valor.
PARA UMA INTERPRETAÇÃO 185

É contudo, m uito diferente, a dedução dos neo-ricardia-


nos e de num erosos m arxistas. A omissão da diferença entre
valor e valor de troca leva-os a raciocinar em term os reais.
Por outras palavras, o estudo em termos de unidades de tra ­
balho, é aparente, dado que é, de facto, o produto da sua
incapacidade em introduzir im ediatam ente o dinheiro. Ele
oculta um estudo em term os reais, consequência da hipótese
de as m ercadorias se trocarem entre si. P ortanto, a süa con­
cepção de valor de troca, por não ser deduzida a p artir do
valor, não reconhece naquele um a form a fenom enal, não
podendo, pois, ser definido em term os de equivalente. Um
m odelo de input-output, tal como é concebido por eles, ou
de form a geral um modelo em que pelo m enos algumas m er­
cadorias são consideradas em circulação , 37 é um m odelo no
qual as m ercadorias deveriam ser expressas em term os de equi­
valente (quantidade de dinheiro idealizada). O ra, tal não é
o caso. Porque da sua análise está excluída a passagem neces­
sária do valor ao valor de troca, a sua m edida em term os de
unidades de trabalh o é errada.
Como fizemos n o tar antes, o sinal igual, entre a form a
relativa do valor e a sua form a equivalente, significa que a
quantidade de valor da m ercadoria exprim e-se na form a equi­
valente e tom a deste m odo a form a preço de m ercado. Mas
a igualização dos dois term os da equação apenas constitui um
prim eiro tem po do raciocínio, um a abstracção necessária,
para analisar o m ovim ento da quantidade de valor da m erca­
doria. Ela tem p o r objectivo sublinhar que só as m odificações
nas condições de produção são de ordem a m odificar a quan­
tidade de valor desta ou daquela m ercadoria, e não a rela­
ção de oferta e p ro c u ra 3S. É abondonada na segunda parte do
raciocínio; os preços de m ercado diferem agora do valor de
troca e flutuam em torno dele 39.
Este pensam ento não está presente nos trabalhos dos neo-
-ricardianos e dos neoclássicos, quando eles criticam M arx. H á
um a confusão dos seus próprios raciocínios (ignorância das
form as do valor) com os de M arx, se bem que estes sejam
radicalm ente diferentes. As m ercadorias não são expressas
de m aneira equivalente em dinheiro o u unidades de trabalho i
São exclusivam ente m edidas em unidades de trabalho, conse-
184 SOBRE O VALOR— <ELEMENTOS PARA UMA CRITICA

quência lógica da sua incapacidade p ara en tender as form as


de valor. O problem a dos preços m onetários é iludido, desde
o início. Expressas em unidades de trabalho, trocadas com
outras m ercadorias directam ente, sem o dinheiro como inter­
m ediário, ou com num erário, as m ercadorias e o seu movi­
m ento tornam -se q ualquer coisa de incom preensível. Q uer se
trate do esquem a em term os de valor, quer seja em term os de
preço de produção, am bos são expressos em term os reais,
enquanto para IVlarx am bos são im ediatam ente estabelecidos
em term os m onetários40! O «erro» e a «correcção» de M arx
têm por fundam ento um a compreensão ricardiana da merca­
doria e do valor de troca.
E sta incom preensão de o que é a m ercadoria e da sua
m anifestação im ediata sob form a m onetária é expressa, tanto
ao nível de enunciado do erro, com o da apreciação feita p o r
M arx a esta problem ática.
Como vim os, o «erro» de M arx respeita à avaliação- do
custo de produção (C + V ). A secção I, p ro d utora do capital
constante, vende a sua produção ao preço de produção, ou
seja, 433,3. O ra as secções I, II e I I I com pram este mesmo
capital constante ao preço de 400. Como se trata de um mesmo
acto com pra-venda, visto dos dois pólos opostos, não pode
h av er aí dois preços. Se h á dois preços é p orque a venda se
efectua ao preço de produção, enquanto a com pra se faz pelo
valor. É necessário, pois, que a com pra se faça igualm ente ao
preço de produção, o que conduz ao conjunto dos problem as
que nós estudám os.
Ora a compra, tal com o a venda, efectuasse em termos
monetários, situando-se esta operação na esfera da circulação
das m ercadorias. A posição de M arx sobre este ponto é
c la r a 41. A única sim plificação feita p o r M arx é considerar
que a form a preço (preço de m ercado) do valor é igual ao
valor de troca. Esta sim plificação é necessária num prim eiro
tem po. E la perm ite, repitam o-lo, m ostrar que o que faz variar
o valor das m ercadorias é a m odificação das com binações
produtivas no seio da esfera de produção, ou seja, onde é
explorada a força de trabalho. Torna-se agora evidente que a
oferta e a procura nunca coincidem , devido às flutuações do
preço m onetário em torno do valor de tr o c a 42. Mas para com­
preen d er com o se fixa o valor, e p o r consequência em relação
PARA UMA INTERPRETAÇÃO 185

a quê flutua o preço de m ercado, é ainda necessário fazer


prim eiram ente esta abstracção.
Porque o preço de mercado flu tu a em torno do valor de
tro ca ,43 este erro é de pouca im portância44. «Para o estudo
em curso é escusado exam inar este pon to mais em porm e­
n o r 45». «T udo som ado, no conjunto da produção capitalista,
a lei geral apenas se im põe como tendência dom inante de
um a form a aproxim ada e com plexa, e apresentando-se como
um a m édia de eternas flutuações, im possíveis de fixar rigoro­
sa m e n te 46». Im possíveis de fixar rigorosam ente, poderíam os
nós acrescentar, porque tal significaria necessariam ente que
as m ercadorias não são im ediatam ente expressas em dinheiro
ou que o preço de m ercado seria sem pre igual ao valor de
troca. Posições falsas absurdas, que resultam da incom preen­
são de o que são a m ercadoria e as form as de valor, de o que
são as necessidades sociais !
Poder-se-ia certam ente pensar que, se é verdadeiro o
que nós consideram os em relação ao valor, talvez o não seja
da mesma form a p ara o preço de produção. Um a tal conclu­
são seria falsa. Com efeito, se é verdade que o preço de m er­
cado oscila em torno do valor de troca, não o é menos que
ele oscila igualm ente em tom o do preço da p ro d u ç ã o 47.
A análise do valo r aplica-se ao estudo da m ercadoria e do
capital em geral. A análise dos preços de produção aplica-se
ao estudo das m ercadorias e dos diversos capitais. N este sen­
tido, «o preço de produção da m ercadoria desenvolveu-se
com o um a form a m etam orfoseada do v a lo r 48». É expressão
do valor p ara um m undo com «n» m ercadorias. A análise
do ¡capital em geral (e, portanto, do valor), é um a abstracção
necessária, antecedendo a que se efectua relativam ente aos
diversos capitais. Terem os ocasião de desenvolver este ponto
n a secção 2 .
A p artir do m om ento em que os preços de produção
são a expressão da lei do valor, eles aparecem im ediatam ente
sob a form a dinheiro, tal como acontecia em relação ao valor
da m ercadoria. Todas as nossas conclusões são, pois, válidas
e revelam os impasses ou falsos problem as provocados pela
incom preensão de o que são as m ercadorias e as form as do
valor.
186 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

2 . A per equação das taxas de lucro

A discussão acerca do problem a da transform ação dos


valores em preços de produção limitou-se ao que ficou ex­
posto n o capítulo 9, do Livro I I I . Este capítulo desenvolve
um modelo aritm ético. N ão se tra ta aí de dem onstrar a trans­
form ação dos valores em preços, m as sim de ilustrar — com
a ajuda de alguns quadros — com o é que a mais-valia social
se reparte entre os ram os, transform ando-se em lucro. O seu
objectivo não vai m ais além. Ê somente no 1 capítulo seguinte
que M arx m ostra com o se opera n a realidade esta transfor­
m ação e o sentido de que se reveste. M ais precisam ente, M arx
coloca em evidência dois pares: cap ital em geral — valor e
capitais diversos — preço de produção e m ostra como o es­
tudo do segundo necessita da com preensão do prim eiro. Os
preços de produção aparecem , então, como a aplicação da lei
do valor ao nível dos capitais d iv e rso s49. Compreende-se
agora que a igualização das taxas de lucro já não pode ser
um dado (A) e que a tendência p a ra a p erequação das taxas
de lucro não pode significar outra coisa senão o que é tra­
dicionalm ente apresentado <(B).

A. U m resultado reposto incessantem ente em causa

É curioso verificar com o a ignorância do capítulo 1 0


— contudo fundam ental — é grande entre os que criticam
M arx, ou o corrigem , o u ainda tentam m ostrar que é im pos­
sível transform ar conceptualm ente os valores em preço de
produção.
As taxas de lucro são dadas, e iguais ao nível do capí­
tulo 9. Isto perm ite estabelecer um pequeno m odelo ilustra­
tivo da transferência d a m ais-valia social entre os ramos.
Não se pode, de form a nenhum a, tra ta r de um m odelo dem ons­
trativo. Considerá-lo como tal conduziria necessariam ente
a im aginar a realidade de um a m aneira co n d en sad a50,
quando se trata precisam ente de explicar o seu m ov im en to 51..
C onsiderar, as taxas de lucro com o iguais, de um a vez por
todas, é ten tar aprisionar a realidade num m odelo estático.
Q ue estes m odelos cheguem depois a conclusões «originais»,
isso só traduz a incapacidade de a realidade se deixar fechar
PARA UMA INTERPRETAÇÃO 187

nos lim ites que lhe ten tam im por. A hipótese sobre a pere-
quação dada das taxas de lucro é reveladora. D esde o capí­
tulo 1 0 , ou seja, desde o m om ento em que nos é necessário
explicar o que são os preços de p rodução o que eles signi­
ficam , esta hipótese é abandonada. M ais precisam ente, ela
reveste-se de um sentido diferente daquele que lhe é dado
pela m aior p a rte dos seus com entadores. A perequação já não
é u m dado: E la é duas coisas ao mesmo tem po: um resultado
e um resultado reposto incessantem ente em causa. A posição
de M arx sobre este ponto, porque decorre directam ente da sqa
concepção de m ercadoria e das form as de valor, é m uito
clara: «A dificuldade propriam ente dita é esta: como se pro­
cessa este alinham ento de lucros pela taxa geral de lucro,
dado que esta só pode ser um a consequência e não um ponto
de partida ? 52 Existem sobrelucros. Coexistem diferentes taxas
de lucro. E ste diferencial das taxas de lucro tende, contudo,
a anular-se, e, tal acontecendo, reproduz-se. 53 M as p a ra com ­
preen d er este m ovim ento contraditório, é necessário entender
bem o que significa exactam ente a tendência para a perequa­
ção das taxas de lucro. É, p o r isso, que é necessário prim ei-
ram ente ver o que não é a tendência p ara a perequação.

B. O que não é a tendência para a perequação

Poder-se-ia p ensar que a perequação das taxas de lucro


resulta som ente da concorrência. Esta posição parece encon­
trar confirm ação em certas frases — m uito raras — de M arx,
nom eadam ente, nos capítulos 10 e 15 do Livro I I I . 54 Esta
posição parece-nos falsa por duas razões:
D izer que a perequação das taxas de lucro resulta das
concorrências de capitais é não entender, p o r um lado, o
m ovim ento da acum ulação do c a p ita l 55 e, p o r outro, o esta­
tu to do valor, em relação aos preços de produção.
O exem plo mais claro desta incom preensão encontra-se no
trabalho de Sweezy. Sweezy, tal como M arx, afirm a que as ta­
xas de lucro só podem ser diferentes, se se perm anecer num es­
quem a em term os de v alo r . 56 Como vim os, a taxa de lucro
é m aior ou m enor, conform e a com posição orgânica do capi­
tal é m ais ou m enos fraca. Em seguida, Sweezy acrescenta:
«N ão se trata pois, evidentem ente, dum a posição de equili-
188 SOBKE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

brio (sic). Todos os capitalistas preferem consagrar-se à pro­


dução de bens de salário. (Baixa composição orgânica do
capital — P.S.), p ara beneficiar das taxas de lucro m ais ele­
vadas. U m a tal migração do capital, de certas indústrias para
ou tras, alterará o esquem a inicial. Pode definir-se a situação
de equilíbrio (sic.) com o sendo aquela que assegura a iguali­
zação nas indústrias do siste m a .57» Este raciocínio tem o
atractivo da sim plicidade. Como vimos é retom ado quase
sem pre im plicitam ente — pela m aioria dos econom istas,
mesmo m arxistas. Mas é fa ls o 58. A concorrência não pode,
com efeito, explicar um m ecanism o — o da transform ação —
que iria contra o m ovim ento real dos capitais. Os capitais não
em igram de sectores com alta com posição orgânica (que te­
riam um a fraca taxa de lucro) p ara os de baixa composição
orgânica. E, se estamos de acordo em reconhecer que os sec­
tores de ponta têm globalm ente um a com posição orgânica
cada vez m ais elevada, não se assiste a um a retirada de capi­
tais destes últim os, p ara sectores mais retardatários ou mesmo
m ais arcaicos. Ê exactam ente o inverso que acontece, e, se
h á um a tendência p a ra a perequação das taxas de lucro, esta
deveria explicar o afluxo de capitais, p ara os sectores com
um a forte com posição orgânica e não o inverso, sendo ver­
dade que a análise dos preços de produção só se qualifica
através das suas capacidades em apreender o m ovim ento
do real !
C ontinuem os. Supor que a perequação das taxas só se
pode efectuar pelo m ovim ento de capitais (concorrência)
significa necessariam ente a anterioridade — não lógica ou
teórica — m as real do valor sobre os preços de produ­
ção. O ra um a tal possibilidade é de excluir. A diferencia­
ção, das taxas de lucro — ao nível da observação do real —
n ão advém da aplicação p o r esse real (!) de um esquem a em
term os de valor, mas da disparidade m ais ou m enos durável
e reproduzida, entre os preços d o m ercado e os preços de
produção.
A posição de Sweezy é reveladora dos im passes a que
chega necessariam ente um a tal com preensão da perequação
das taxas de lucro. ■É neste sentido que ela é in te re ssa n te 59.
O seu carácter erróneo não se lim ita, contudo, a esta inca­
PARA UMA INTERPRETAÇÃO 189

pacidade de explicar o m ovim ento do capital. D izer que o


preço de produção baixa em relação ao valor, assim que
— após a concorrência — tem lugar um afluxo de capitais
(e inversam ente) é lim itar a fixação dos preços de produção
a um jogo de o ferta e procura. Com efeito, tornando-se a
oferta m ais im portante que a procura (em função do atrac­
tivo, que exercem as taxas de lucro superiores à m édia), o
preço de produção baixa. O preço de produção eleva-se em
sectores onde, verificada um a taxa de lucro m ais fraca, os
capitais convergem , reduzindo a o ferta em relação à procura
e elevando as taxas de lucro. As m odificações dos preços de
p rodução em relação ao valor devem cessar — no quadro
desta explicação — logo que as taxas de lucro se tornem
iguais em todos os sectores. O preço de produção flutua, deste
m odo, em torno do valor, conform e a oferta sobe ou desce.
O preço de produção tem então necessariam ente o m esm o es­
tatuto que o preço de m erca d o 60!
Como entre os clássicos, a necessidade da categoria
preço de produção desaparece. E ntre os clássicos, ela é con­
fu n did a com o valor, que se opõe ao preço de m ercado. E ntre
os m arxistas que aderem a esta concepção da perequação das
taxas de lucro, ela é confundida com o preço de m ercado, que
ié oposto ao valor (posição de «desequilíbrio»). Com os clás­
sicos, não se pode explicar a perequação das taxas de lucro 61,
ela é dada; entre estes m arxistas, é apresentada de tal form a
que não explica o m ovim ento do capital, de tal form a que
im plica a confusão en tre preço de p rodução e preço de
m ercado !
Este duplo erro não é senão a consequência lógica de
um a incom preensão do papel da concorrência entre os capi­
tais. A concorrência não é um deus ex machina. N ão é a p a r­
tir dela que se pode explicar a evolução da acum ulação do
capital e suas contradições. M elhor, poder-se-ia acrescentar
que «na concorrência tu d o aparece sob form a in v e rtid a » 62.
Q uer dizer, a análise situada a este nível ficará superficial
e errada. É necessário, pois, aprofundá-la p ara aprender as
leis do capital.
A tendência p ara acum ular encontra-se definida ao nível
do Livro I, isto é, a um nível de análise em que M arx estuda
190 SOBRE O VALOR— ■ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

o capital em geral. A este nível de análise, a tendência para


acum ular resulta de oposição en tre capital e trabalho. «Acu­
m ular p ara acum ular, prod u zir p a ra produzir, tal é a palavra
de ordem da econom ia política, proclam ando a missão histó­
rica do período b u rg u ê s63. A tendência p ara acum ular não
trad u z senão a expansão do capital, enquanto relação social
e a necessidade histórica desta extensão. 'Não existe escolha
abstracta: É acum ular ou desaparecer como capitalista, por­
tanto, é necessário acum ular.
U m a vez definida esta tendência p ara acum ular, a este
nível de análise, pode-se passar à concorrência, entre os capi­
tais diversos. A concorrência, conform e se m anifesta de um a
m aneira, m ais ou menos viva, im prim e diferente ritm o à
tendência p ara acum ular. M as o carácter, m ais ou m enos
vivo, desta concorrência encontra a sua fonte na lei da baixa
tendencial de lu c ro 64.
Esta diferena dos níveis de análise torna-se necessária
para com preender o m ovim ento aparentem ente anárquico do
real, para aprender, nesta diversidade de situações, a sua
unidade profunda. Compreende-se, portanto, que a concor­
rência, tal como o afirm a M arx, desde o L ivro I, só pode
constituir «lei coercitiva externa» 65. É esta com preensão da
concorrência que o leva a concluir no capítulo 15, do Li­
vro II I : «A concorrência executa as leis internas do capital, to r­
na-as im perativas p ara cada capitalista individual, m as não é
ela que as forja, ela realiza-as. 66»
A concorrência não pode, pois, constituir a chave da
passagem dos valores para os preços de produção. A análise
do valor situa-se ao nível do capital em geral (Livro I); a dos
preços de produção, ao nível dos capitais diversos (Livro III),
onde actua a concorrência. M as, p ara explicar esta con­
corrência, é ainda necessário conhecer prim eiram ente as leis
internas d o capital definidas n o Livro I. N ão existe, por­
tanto, um m undo onde o principal papel seria o do valor e
um outro onde seriam os preços de produção os principais,
sendo a ponte constituída pela concorrência. A análise do
valor é, pois, um preâm bulo teórico necessário para com preen­
der os preços de produção, e, a p artir daí, a evolução dos
preços de m ercado. C onstitui assim um nível de abstracção
PAEA UMA INTERPRETAÇÃO 191

necessário, p ara apreender, seguidam ente, a unidade desta


diversidade aparente, dos fenóm enos. Os preços de produção
constituem unicam ente a aplicação da lei do valor ao nível
m ais próxim o do real, dos capitais diversos em concorrência.
É o que irem os ver agora.

Secção 2. Para um a interpretação não ricardiana da


transformação

A transform ação dos valores em preço de produção é


necessária p o r duas razões fundam entais:

— M ostrar que os capitalistas constituem um a classe


social e que, a este título, participam na exploração do con­
junto dos tra b a lh a d o res67: « Isto dem onstra, com um a exac­
tidão m atem ática, porque é que os capitalistas, em bora se
com portem como falsos irm ãos, na concorrência, constituem
todavia, um a verdadeira franco-m açonaria em relação ao con­
junto da classe o p e rá ria .68» Os preços de produção repre­
sentam , pois, a form a generalizada da exploração.
— C om preender o m ovim ento real do capital, a sua
repartição e a sua recolacação. T rata-se de explicar esta reco-
locação, de m ostrar como suscita esta ou aquela contradição,
como estas podem ser tem porariam ente ultrapassadas.

No capítulo 10, M arx m ostra que o estudo dos preços de


produção necessita previam ente do dos valores de mercado.
Trata-se, desde logo, de um a interpretação com pletam ente
diferente da transform ação dos valores em preço de produ­
ção, daquela à q ual nos habituaram os fetichistas do capí­
tulo 9. A transform ação dos valores em preços de produção
reveste agora o m esm o sentido que a dos valores individuais
em valores de m ercado. «O que dissemos do valor de m er­
cado é tam bém válido para o preço de produção, desde que
este últim o tom ou o lugar do valor de m e rc a d o .69»
Esta interpretação difere fundam entalm ente daquela a
que poderia cond u zir o estudo exclusivo do capítulo 9. Está
centrada no significado do sentido exacto, que reveste o
tempo de trabalho abstracto socialm ente necessário e a pere-
quaçãio das taxas de lucro. É o que iremos ver em seguida.
192 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

A nalisarem os, prim eiro, o valor de m ercado e, depois,


as causas pelas quais se determ ina o preço de produção, se­
gundo os mesmos principios que o valor.

1. O s problem as postos em relação ao valor d e mercado

Estudarem os sucessivam ente os problem as colocados


pela determ inação do valor de m ercado e as m odalidades de
passagem de um valor de m ercado p ara outro.

a) «N ão se deve duvidar que o valor de m ercado, d


Livro I I I , corresponde àquilo a que M arx cham a valor de
troca, no Livro I . 70» Esta afirm ação, antiga, de D enis é glo­
balm ente justa. Contudo, estes dois conceitos não são exacta­
m ente sem elhantes. O valor de troca diz respeito a um a mer­
cadoria. O valor de m ercado diz igualm ente respeito a urna
m ercadoria, mas produzida a níveis diferentes de eficácia,
conform e as em presas. No seio de um mesmo ram o {uma m er­
cadoria), coexistem , com efeito, diversas em presas com carac­
terísticas técnicas diferentes. A cada característica técnica
corresponde um valor individual diferente. O valor de m er­
cado corresponde ao valor m édio. A em presa, que produz
em condições m édias, p roduz ao valor de m ercado, se as
quantidades produzidas em más condições com pensam as
produzidas em boas condições. Se não foi este o caso, o
valor de m ercado obtém-se através de um a m édia ponderada
de diferentes valores individuais. O valor de m ercado de um a
m ercadoria é, portanto, determ inado p o r dois factores: pelas
condições técnicas de produção de cada em presa e pela
repartição do capital entre estas em presas . 71
O valor de m ercado opõe-se, pois, aos valores indivi­
duais, mas detennina-se a p a rtir deles. Form a fenom enal do
valor, o valor de m ercado — da m esm a form a que o valor
de troca — distingue-se da grandeza do valor. O valor de
m ercado é, pois, o tem po de trabalho privado concreto, que
é necessário gastar, p ara prod u zir o equivalente geral, que
en carna o trabalho social abstracto incorporado num a m er­
cadoria 72.
PARA UMA INTERPRETAÇÃO 1 95

O valor de m ercado impõe-se às em presas. Corresponde


a um a sanção do lado da produção. M ais precisam ente, ele
apenas trad u z a ideia, segundo a qual a grandeza do valor
corresponde à q uantidade de trabalho socialm ente necessário.
N ão se pode tra ta r de um trabalho qualquer, mas daquele
que é socialm ente necessário. A diferença entre valor indi­
vidual e valor de m ercado significa que o trabalho gasto não
e ra socialm ente necessário. A subm issão da em presa a este
valor de m ercado traduz, pois, um a sanção (positiva ou nega­
tiva). É neste sentido que se pode dizer que o trabalho abs­
tracto gasto, reconhecido, é o que é socialm ente necessário.
Os valores individuais são superiores ao valor de m ercado,
quando as condições de produção são inferiores à m édia (e
inversam ente). O afastam ento en tre o valor de m ercado e o
valor individual afecta a mais-valia. Isto significa que certas
em presas foram penalizadas e outras favorecidas, conform e
produziram ou não em condições de produção inferiores à
m édia. Assistimos, pois, — a nível de ram o — à transfe­
rência de mais-valia entre em presas, transferências que san­
cionam as condições sociais de produção.
O preço de m ercado é um a das duas form as de valor.
N ão é igual ao valor de troca (ou de m ercado), form a feno­
m enal de valor. Flutua em torno do valor de troca e é deter­
m inado fundam entalm ente p o r ele. Podemos representar isso
pelo seguinte esquem a:

I 4-
V alor — valor de m ercado Preço de mercado'
4-
form a fenom enal form a de valor
do valor

Do mesmo m odo que o valor de m ercado m anifesta um a


sanção social ao nível da produção, relativam ente aos valores
individuais, o preço de m ercado m anifesta um a sanção social,
relativam ente ao nível da circulação de m ercadorias 73 mesmo
se estas tenham sido produzidas em condições m édias social­
m ente reconhecidas. É o que leva M arx a dizer: «Se a pro­
dução desta m ercadoria ultrapassar a m edida da necessidade
194 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

social, urna parte do tem po de trabalho social fica desperdi­


çado no mercado, a massa de mercadorias representa então
um a quantidade de trabalho social inferior àquela que con­
tém efe c tiv a m en te .74» O preço de m ercado flutua, à volta do
valo r de m ercado, porque a quantidade de trabalho social
utilizado na produção não pode corresponder, em cada mo­
m ento, ao volum e da necessidade social a satisfazer. A qui está
um pon to essencial, que decorre do carácter contraditório da
m ercadoria.

b) As m odalidades de passagem de um valor de m er­


cado p ara o u tro decorrem das considerações precedentes e
m anifestam a evolução da força p rodutiva do trabalho. Como
sublinhám os, o capital não pode ficar parado; ele é valor que
se repõe em valor; é um m ovim ento. A determ inação dos
sucessivos valores de m ercado de um a mercadoria só se pode
conceber, portanto, no quadro de um a análise cíclica do capi­
tal, e, m ais particularm ente, na do ciclo do capital produ­
tivo. 75 O valor de m ercado determ ina-se ao nivel da esfera
d a produção, onde, com binando-se, de urna certa form a, com
os meios de produção, a força de trabalho cria valor. O preço
de m ercado difere do valor de m ercado. Este afastam ento é
de natureza a influenciar as condições de produção das m er­
cadorias. 76 Tem os assim o- seguinte .ciclo do capital:

- > ( A ’ = A + a)

4-
E spera de produção 1 .a espera de Espera de cir­
circulação culação (trans­
(conversão form ação do
dinheiro em ca­
pital)
m odificação das condições de produção
PARA TJMA INTERPRETAÇÃO 195

Este ciclo do capital produtivo corresponde à sequência


seguinte:

[V I] — -> V M PM ::: ► [V I’] -------> V M ’


J_________________ A
m a triz dos 1.» 2 a
valores secção secção
ind ivid u a is

O ciclo do capital produtivo traz à luz a influência da


prim eira esfera da circulação, sobre a esfera da produção,
isto é, sobre as condições sociais da produção.
A existência do desvio, en tre preço de m ercadoria e
valor de m ercado, exprim e, pois, a divergência necessária,
entre a oferta e a procura. Mas a p ró p ria existência desse des­
vio subproduz os factores, que tenderão a anulá-lo. «A oferta
e a procura podem provocar, de um a form a m uito variada,
a anulação do efeito produzido pela sua desigualdade, se,
p or exemplo, o preço de m ercado baixa após um a dim inuição
da procura. É possível então que, se for retirado capital, a
o ferta se encontre dim inuída. M as é igualm ente possível, neste
caso, que o próprio valor de m ercado sofra um a baixa, após a
descoberta de técnicas, que dim inuem o tem po de trabalho
necessário. E stará então nivelado ao preço de m ercado.» M arx
concretiza, acrescentando: «Se alguém consegue produzir em
melhores condições; vender m ais e apoderar-se assim de um a
parte m ais im portante do m ercado, vendendo abaixo do
preço corrente do m ercado ou do valor de m ercado, conti­
n u a rá a agir desta form a, e é por aí que começa a acção, que
leva, pouco a pouco, os outros a adoptarem , eles tam bém , o
m odo de produção m enos oneroso, reconduzindo o trabalho
socialm ente necessário a u m nível inferior. 77»

2 . O preço de produção determ ina-se segundo os m esm os


princípios que o valor

A econom ia capitalista é constituída p o r «n» ram os (n


m ercadorias). Existe concorrência en tre os capitalistas no
in terior de cada ram o. Os capitalistas aparecem corno «falsos
196 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA ÜMA CRÍTICA

irm ãos». P a ra com preender a sua unid ad e pro fu n d a, para


apreender o m ovim ento dos capitais diversos, é necessário
ir além da aparência das coisas e procu rar as contradições
internas do capital. Posto isto, o .concreto será então um con­
creto «pensado» e poderá ser encontrada a unidade da sua
diversidade. A análise do valor e do valor de m ercado (de
troca) corresponde, pois, a urna fase necessária no processo
de apropriação teórica do real. A análise dos preços de pro­
dução e dos preços de de produção de mercado (form a feno­
m enal dos preços de p ro d u ç ã o )78 corresponde, portanto, a
aplicação da lei do valor ao nivel dos capitais diversos. Se bem
que, p o r um lado, o capítulo 1 0 seja desordenado e inaca­
bado, esta posição está claram ente expressa. Como já o fize­
mos notar. M as o problem a não se coloca tanto, quanto ao
facto de ser esta a posição, que está presente neste capí­
tu lo — pois, apesar de tudo, vimos tam bém que aí se encon­
travam esboços de raciocínios errados — mas sim que é esta
a única com patível com o duplo carácter da mercadoria. Ê isto
que é decisivo.
Chegados a esta fase da nossa análise, devemos inter­
rogar-nos, sobre o sentido que reveste a perequação da taxa
de lucro. M ostrám os que, p o r um lado, não se podia passar
dos valores aos preços pela concorrência, e que, por outro, a
concorrência actuava ao nível dos capitais diversos. Vamos
m o strar que a perequação das taxas de lucro exprim e urna
sanção social do lado da produção, mas que existe, contudo,
um diferencial das taxas de lucro. A tendência para anular
esta diferença resulta da concorrência entre os capitais e da
m udança das com binações produtivas que im plica.

a) A perequação: um a sanção social. A ideia, que desen­


volvemos ao nível da m ercadoria (um ram o), é retom ada ao
nivel das m ercadorias (vários ram os).
A o nivel de um ram o (de um a m ercadoria), certas em ­
presas são penalizadas em proveito doutras, trabalhando em
condições superiores à m édia. D os diversos valores indivi­
duais decorre um valor de m ercado, traduzindo essas sanções
(positivas ou negativas), situadas exclusivam ente ao nível da
esfera de produção. Estas sanções afectam a m ais-valia, de
tal form a que certas em presas recebem menos e outras mais
PARA TJMÀ INTERPRETAÇÃO 197

do que lhes deveria proporcionar a exploração dos seus traba­


lhadores. M as, n a m edida em que, p o r definição, o valor de
m ercado é a m édia ponderada dos valores individuais, a soma
da m ais-valia criad a pelo conjunto dos trabalhadores não é
afectada. •
Ao nível das várias m ercadorias diferentes, esta sanção
exprim e o nível geral atingido pelas forças produtivas, não
num ram o particu lar, m as no conjunto dos ram os. Os ram os
retardatários, tendo um a com posição orgânica do capital infe­
rior à m é d ia 79, são penalizados em proveito daqueles que têm
um a com posição orgânica do capital superior à m édia. A pere-
quação das taxas exprim e, pois, esta sanção social e traduz
o nível atingido pelas forças produtivas em relação ao seu
nível m édio. Como este nível m édio não é estável, progredindo
de um a form a caótica, as quantidades de m ais-valia social
transferidas entre os ram os evoluirão, segundo o desenvolvi­
m ento da respectiva força pro d u tiv a do trabalho. As trans­
ferências de m ais-valia social — das quais a perequação das
taxas de lucro não é m ais do que o resultado— exprim em
estas sanções. E stas sanções não têm «m aterialidade», no
sentido em que não resultam nem de um a passagem directa
da mais-valia de um ram o p ara ou tro , nem de um m ecanism o
de m ercado como o da concorrência. Estas sanções não são
m ais que a consequência da passagem de um nível de abstrac­
ção para outro. A «form a m etam orfoseada» do valor ao nível
dos capitais diversos é a dos preços de produção. Estes últi­
mos são, pois, som ente a expressão da lei do valor, a este
nível de análise m ais próxim o do real. M as a com preensão do
valor a este nível de análise necessita previam ente d a sua
com preensão a um nível de abstracção superior. A análise
da transform ação é precisa, p orque trad u z a necessidade de
ab o rdar prim eiro a lei do valor ao nível do capital em geral.
N este sentido não pode ser um a simples operação m atem ática.
N ão introduzim os a concorrência. Ela não age a este
nível de análise. Mas pode-se já prever que, se os ram os
retardatários forem penalizados, só ligeiram ente atrairão os
capitais. N o entanto, p ara com preender a orientação do capi­
tal e a sua reafectação, é necessário intro d u zir o efeito que
exerce a esfera de circulação sobre a de produção. N ão pode-
198 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

m os, com efeito, com preender esta orientação, se nos situar­


mos exclusivam ente ao nível da esfera produção, em suma,
se se excluir o ciclo do capital, um a vez que, a este nível,
as taxas de lucro são teoricam ente iguais.
b) O preço de m ercado é um a form a do v alo r e, ao
nível da abstracção em que nos situam os agora, é um a form a
de preço de produção. T al como o preço de m ercado não
pode ser igual ao valor de m ercado (form a fenom enal do
valor), tam bém não pode ser igual ao preço de produção do
m ercado. O scila em torno deste. Esta flutuação não é neutra.
Age sobre a evolução do preço de produção, cria distorções
nas taxas de lucro. Q uando a procura é superior à oferta,
aparece um sobrelucro. E ste sobrelucro é de natureza não
som ente a atrair novos capitais, mas tam bém a provocar m odi­
ficações de .combinações produtivas. Sobrelucros em certos
ram os, sublucros noutros — resultados das diversas funções
de que se reveste o dinheiro e da desigualdade en tre as neces­
sidades sociais e as diversas p ro d u ç õ e s— constituem a base
a p a rtir da qual a concorrência pod erá jogar. Esta concorrên­
cia, deslocando os capitais dos ram os m enos rendíveis para
os mais rendíveis, suscitará paralelam ente m odificações das
com binações p ro d u tiv a s80.
A concorrência entre capitais segue-se à conversão das
m ercadorias em dinheiro. As condições da conversão das
m ercadorias em dinheiro provocam um entrelaçam ento p arti­
cu lar dos diferentes ciclos de capitais em cada ram o. Os
capitais tentam fugir dos ram os com fraca rem uneração para
aqueles cuja rem uneração é m ais elevada. Este m ovim ento
do capital, quando não é travado por barreiras seguidas pelos
m onopólios, é de índole a nivelar as taxas de lu c r o 81.
P orque o dinheiro tem várias funções, porque o preço de
m ercado exprim e um a sanção, conform e a quantidade de m er­
cadorias produzidas corresponda o u não- às necessidades so­
ciais, as taxas de lucro são diferentes. Porque a concorrência
actua, estas taxas de lucro tendem a nivelar-se. Mas, porque
o dinheiro tem sem pre várias funções, porque a m ercadoria
conserva o seu carácter contraditório, este diferencial de taxas
tende a reproduzir-se.
PARA UMA INTERPRETAÇÃO 199

M ostrám os a origem deste diferencial das taxas de lucro.


M ostrám os que ele tendia p ara desaparecer e que, neste p ro ­
cesso, se reproduzia. Localizámos a causa deste m ovim ento
contraditório nas form as do valor, ponto que analisám os
porm enorizadam ente n a 1 .a secção.
Esta análise deve ser com pletada. M ostrám os com efeito
a que nível agia a concorrência e quais eram os seus efeitos.
N ão m ostrám os porque é que a concorrência favorecia a acu­
m ulação de cap ital nos ram os de ponta, com forte com posição
orgânica, em detrim ento das actividades retardatárias. É-nos
necessário, pois, m ostrar porque é que se constituem sobrçlu-
cros nos ram os de ponta, sobrelucros que são de natureza a
atrair os capitais. Encontram os alguns elem entos de resposta
a este problem a na obra de P. M a ttic k 82.
Os sobrelucros — não provenientes da existência de mo­
nopólios — são o resultado de um a superioridade do preço
de m ercado em relação ao preço de produção de m ercado.
Este afastam ento provém de um a procura superior à oferta.
A tendência p a ra acum ular exprime-se -— já o v im o s— por
um aum ento de com posição orgânica m édia, cuja origem se
encontra nas contradições entre capital e trab alho (e não na
concorrência). A procu ra p ara o sector I torna-se m aior rela­
tivam ente à do sector II. O ra o sector I é caracterizado por
um a mais elevada com posição orgânica do c a p ita l83. Este
m ovim ento ascendente p ara os ram os do sector I m ateriali­
za-se num a procu ra que se desenvolve m ais rapidam ente que
o nível de produção industrial (excepto nos períodos de crise).
Esta pressão sobre a procura, neste tipo de m ercadoria, con­
duz a um a deslocação positiva, en tre o preço de m ercado
e o preço de produção de m ercado, mas tende a flu tu ar por
sobre este últim o. D aí resulta um sobrelucro q ue favorece a
penetração de capital neste sector e acentua, deste m odo, o
m ovim ento ascendente d a com posição orgânica do capital,
¡reforçando as forças, que tendem a fazer baixar a taxa de
lucro.
Inversam ente, os ram os retardatários vêem a sua procura
enfraquecer. A parecem sublucros, que suscitam um a em igra­
ção de capital.
200 SOBRE O VALOR-— ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

¡Mostrámos o que significa a perequação das taxas de


lucro e a origem do diferencial destas taxas. Indicám os, por
fim , as causas da orientação do capital p ara os ram os m ais
im portantes.
R esta unicam ente este ponto, que m ereceria ser aprofun­
dado. Só esta aproxim ação perm ite ir p ara além do pretenso
paradoxo, perequação das taxas de lucro diferencial destas
taxas e com preender o m ovim ento do capital.
A categoria de preço de produção é, pois, necessária para
com preender o m ovim ento do capital, apreender as contradi­
ções q u e suscita, se aperceber das contradições sociopolíti-
cas, que elas im plicam , e para agir, enfim , sobre estas últi­
mas. Porque o m arxism o o perm ite, porque é um m eio para
a acção, ele critica a econom ia política M.

N otas

1 ¡P. A . iSam uelson, «¡Samuelson’s R ep ly o n M arxian


iMatters», J. E. L., M arço de 1973, p. 64.
2 S chumpeter , C a p ita lism e, so cia lism e e t d é m o c ra tie , ci­
tad o p or H . G. B ackhaus , « D ialectique d e la fo rm e valeur»,
C ritiq u es de l’E con o m ie P o litiq u e, n.° 19.
3 M. Dobb, P o litica l E co n o m y an d C a p ita lism . Sobre este
a ssu n to ver H. G rossm ann, M arx, l’économ ie p o litiq u e classiqu e
e t le p ro b lèm e de la dyn am iqu e, Champ libre, p. 58.
4 B e n e t t i, V a leu r e t ré p a rtitio n , P. U . G.-M aspero, 1973,
pp. 127-128. E m term os claros, tal sig n ifica que o Livro III
é «conversa de chacha» e que n ão poderá ex istir qualquer lig a ­
ção entre ele e o s L ivros X ou II. A o contrário de Samraelson,
que considera o L ivro I como m eta físico e o L ivro II com o
cien tífico (n a condição de serem elim inados os seus laços com
o livro I ) . B en etti dará m a is im portância a o L ivro I, por opo­
siç ã o ao Livro III. E sta concepção conduz n atu ralm en te a en ten ­
der o m arxism o apenas como «crítica da econom ia política»
— e isto de um a form a original —- excluindo qualquer possibi­
lidade de analisar a s contradições econ óm icas do m odo de pro­
dução ca p ita lista a través do contributo que p a ra ta l dão o s
preços de produção.
5 N om eadam ente, quando s e tratou d e d e sa g reg a r o m o­
delo de von B ortk iew icz. P a ra um a crítica porm enorizada da
u tilização das equações de reprodução sim ples, rem etem os o
leitor p a ra o ex celen te artigo de D. Y a f f é in serto no: n.° 20 das
C ritiq u es d e l’E con o m ie P olitiqu e.
PARA UMA INTERPRETAÇÃO 20 1

6 R icardo a crescen ta v a um a outra razão: a m od ificação


d as técn icas d e produção. E ste efeito n ã o fo i an alisado ¡por
'Sraffa, pois a cada conjunto de técn icas corresponde um e um
só padrão.
1 Cf., su pra, cap. 1.
8 «A m erca d o ria é unidade im e d ia ta d e v a lo r d e u so e v a ­
lor de troca, ou seja, de elem entos opostos. E la é, pois, im ed iata­
m ente con traditória. E s ta contradição d eve desenvolver-se, desde
que prescindam os, como fizem o s a té agora, de a n a lisa r a m er­
cadoria ou sob um a óp tica de v alor de uso, ou sob um>a óptica
de valor de troca, para passarm os a considerá-la no seu con­
junto, n a sua relação real com a s outras, m ercadorias. M as, a
relação rea l das m ercad orias um as com as outras, é o seu
processo de troca.» (K. M arx, O C apital, L ivro I, 1.“ edição,
p or D. Y a ffé , «V aleur e t p rix dans L e C a p ita l de Marx». C. B. P.
n.° 20, p. 71; e sta p a ssa g em fo i elim inada, aquando da 3.1
ed ição.)
9 A própria definição de v alor d e tro ca in d ica e sta con ­
tradição: «o valor de troca su r g e prim eiram ente com o a rela ­
ção q u a n tita tiv a , com o a proporção em qu e d iferen tes v a lo res
de uso se trocam uns p elo s outros». I(K. M a rx , O C a p ita l,
L ivro I ) .
10 «Tal com o a m ercadoria d eve ser, an tes do m ais, um a
utilidade para ser um valor, o trabalho d eve ser, acim a de tudo,
ú til para ser considerado dispêndio de fo rça hum ana no sentido
ab stracto do term o.» (K. M arx, op. c it.)
11 A colocação en tre p arên teses sig n ific a qu e e sta exp res­
sã o será definida m a is tarde.
12 Colletti, D e R o u ssea u à Lénine, Gordon & B reach,
1972, p. 139.
13 P . M. iS w e e z y , op. cit., p. 53.
14 C o l le t ti, op. cit., p. 141. Colletti prossegue o raciocí­
nio, dem onstrando a fo rm a como um a ta l in te rp re taç ão abre
cam inho ao abandono d a te o ria do valor-trabalho, tornando-se
o v alor um a sim ples construção do esp írito («f. pp. 141 e
se g s...).
is Colletti, op. cit., p. 145. M arx diz: «Quando o s produ­
tores colocam em p resen ça e em relação os produtos do seu
trabalho, enquanto valores [. . . ], eles estabelecem , através de
ta l conduta, que o s se u s diferen tes trab alh os são igu ais. F azem -
-no sem o saberem .»
16 «Se no início d e ste capítulo, para seg u ir a m an eira v u l­
g a r de nos exprim irm os, dissem os: a m ercadoria é v alor de uso
e valor de troca, is so n ão d eix a de ser fa lso , se tom ado à letra.»
(K. M ARX, op. c it.)
n K. M arx, op. cit.
18 Idem, ibid.
19 Idem , ibid.
202 SOBRE O VALOR •— ELEMENTOS IARA UMA CRÍTICA

20 iH. G. B ackhaus, «D ialectique .de la fo rm e valeur»,


C. E . P ., n.° 18, p. 8, ique iconclui: «,0 facto, de o ob jecto geral»
com o tal, ou seja, o valor com o valor, n ão se pode exprim ir,
«aparecendo; a p en a s so b u m a fo rm a deform ada, com o ‘relação’
d e dois valores, d e uso, esco n d e-se à com preensão do leitor
(p. 9). »
21 CPode dizer-se que é o estudo do v alor de troca das m er­
cad orias ou seja, d a relação de troca, o u ainda da m edida que
n o s perm itiu encontrar os traços de valor que aí estavam con­
tidos. E ncontrado ’e ste, t ©le q u e n o s p erm ite rep en sar o da
m edida.
22 K arl Marx, op. v i t .
23 Idem , ibid.
24 Idem , ibid.
25 Idem , ibid.
26 Idem , ibid.
27 Idem , ibid.
28 P a ra um estudo porm enorizado, rem etem os p a ra J. 1*
D allem agn e, L ’In flation , M aspero, 1972, cap. 2: «M onnaie e t loi
d e la valeur-travail».
29 R evela, por con segu in te, que n e ste m undo o carácter
universalm ente hum ano d o trabalho fo rm a o- seu ca rá cter social
especifico. i(Karl M arx, op. c it.).
30 U tilizarem os a p a rtir daqui in d istin tam en te o s term os
moeda, e dinheiro.
31 K. M arx, op cit.
32 j . D. D allemagne, « L e (M ythe d e la stagflation», L ’In ­
fla tio n , M aspero, 1972, p. 163.
33 K arl M arx, ob. c it. D ito isto , M arx u tilizará m u ita s
v ezes, como, sinónim os, v a lo r e valor de troca, u m a v ez que
fe ita s esta s p reeisões im portantes no sen tid o da «m aneira de
fa la r vulgar», p o is «desde que s e saib a isto, a velha locução já
n ã o tem m alícia e serv e p a ra abreviatura». A ssim o valor de
troca será utilizad o algu m as v ezes, no lu g a r d o v alor e in versa­
m en te (nom eadam ente n o L ivro I I I ). N a n o ssa opinião é la ­
m entável.
34 Segundo R icardo, a m oeda, porque é um m eio de circu­
lação', troca-se pelas m ercadorias, com o m ercadoria. E s ta com ­
p reen são «descritiva» da m oeda conduz a um a incom preensão
d a gén ese da m oeda, cuja origem está naquilo que R icardo con ­
sidera unicam ente O' v alor d e troca, sem v er que e le era apenas
um a form a fenom enal do valor. D e sta concepção errada decorre
necessariam en te a su a teoria q u an titativa da m oeda, que não
é de surpreender encontrarm os nos n eoclássicos.
35 K arl M arx, T heorien ü b er ãen M e h rw ert. (T eoria da
m a is-v a lia ), t. 2, p. 98, citado por D . Y affé , op. cit., p. ©3. Tra­
itasse de um ponto capital.
36 «O dinheiro é ele-próprio já u m a re p resen ta çã o do v a ­
lor, e p ressu p õ e este. O dinheiro, enquanto p a d rã o de preços1,
PARA DMA INTERPRETAÇÃO 203

su põe já a transform ação (teórica) de m ercadoria em dinheiro.


D esde que os valores de todas as m ercadorias estejam repre­
sen tad os pelos preços m on etários e se p o ssa en tão com pará-los,
eles estão já com parados. M as p ara que o valor se ja representado
por um preço- é n ecessá rio prim eiro -que o v alor das m ercado-
irias esteja representado em dinheiro. O dinheiro não é senão
a form a sob a qual a p a r e c e o- v alor -das m ercadorias no p rocesso
de circulação.»
(OK. M arx, T h eorien ..., t. 3, p. 161, citado por D . Y a ffé ,
op. cit., pp. 63-'64).
37 P or exem plo, quando s e considera que o salário é equi­
va len te a um a certa quantidade de m ercadoria.
38 «,Na realidade, e la s ’(oferta e procura) n unca .coincidem.
¡Se algum a vez isso acontecesse, seria com pletam ente por acascfl;
do ponto de v is ta científico, e sta probabilidade é n u la e não
te m .de ser considerada. M a s e m econom ia p o lític a e stá su b en ­
ten dido q u e elas coincidem . P o rq u ê ? P a ra estu d a r os fen ó m e­
n os n a sua fa rm a n orm al, adequ ada ao se u con ceito, is to é,
p a ra os co n sid era r fo ra das -a parên cias p ro d u zid a s pelo m o v i­
m en to de o fe r ta e pro cu ra : e \mais, p a ra p o d er d esco b rir e, p o r
a ss im dizer, fix a r a ten d ên cia re a l do seu m o vim en to » (K. M arx,
O C apital, L ivro III, t. 1, o sublinhado é m eu .)
39 iMarx diz m u ita s v e zes — ao n ív el do L ivro I-—■ que o
preço de m ercado flu tu a à v o lta do valor. J á vim os que um a
vez fe ita s as correcções-, :na questão do v a lo r e do valor de
troca, M arx utilizava de m an eira in d istin ta os dois term os. P en ­
sam os qu e é lam en tável. E s ta confusão dos 'dois term os — ao
nível term inológico-—* é de m olde a fo rn ecer u m a b a se a um a
interpretação neo-ricardiana à te o r ia do v alor -de M arx. N o te­
m os, contudo, que ao n ível do L ivro III, M arx ,c essa, reg ra geral,
de fa zer e sta confusão e afirm a que o v alor de m ercado (ou
valor de troca) con stitu i o eixo em torno do qual g ira o preço
de m ercado; cf. 2.° secção d este capítulo.
40 D avid Y a ffé com ete um erro quando ju lg a que o m o­
delo d e preços de produção, b asead o n a p rob lem ática d e von
Bort-kiewicz, é estabelecido em, term os m onetários. É certo que,
no -caso de von B ortkiew icz, o numerário- é o ouro, m a s já
vim os que poderá ser diferente, nom eadam ente, quando se p ro­
puser, com o su ced e com iSraffa, a n alisar a influência da v a ria ­
ção do salário sob re o p reço de produção. E s te erro v a i con ­
duzi-lo a d esenvolver duas críticas inoportunas, sendo um a
delas, a segunda, falsa . A prim eira con siste em afirm ar que não
se- pode com parar um m odelo real (em term os de valor) a um
m odelo m onetário i(o dos preços de produção), a seg u n d a con­
s iste em criticar a noção de preço da m oed a (o n u m erário). Se,
com efeito, se considerar que o num erário é im ed iatam en te
m o e d a — -como- fa z Y a f f é —•„ n ão pode h aver preço m onetário,
pois um a m ercadoria -não pode se r o seu próprio -equivalente.
A e ste propósito, Y a ffé -cita M arx: «O preço- d e um a m ercado-
204 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

ria, qu e se r v e d e m edida d e valores, e, portanto, de m oeda,


n ão existe, pois, caso contrario além da m ercadoria que serve
de m oed a eu teria ainda n ecessid ad e de um a segu n d a m ercado­
r ia que serv isse de m oeda. U m a dupla m edida de valores.» (K.
iMarx, Theorien, t. 2, p. 199, citado por D . Y affé , op. cit., p. 61.)
E s ta crítica é inoportuna, porque o esquem a de preços de pro­
dução ta l como o concebem os neo-ricardianos, os n eoclássicos
© certos m arxista s (que reconhecem a ju steza d a crítica de von
Biortkicwicz: M eek, Dobb, S w eezy , B en etti, O artelier), é e sta ­
belecido em term os reais. Ë ig u a lm en te falsa, dado que o preço
do num erário que von B ortk iew icz e outros an alisam é estabe­
lecid o em p reço s d e produ ção e não em m oeda. Ora a cita ção de
IMarx fa z referên cia a um p re ç o m o n etá rio, porque o funda­
m en to d essa m esm a cita çã o é p recisam en te que u m a m ercado­
r ia não pode ser o seu próprio equivalente.
41 E ncontram os, por exem plo, n o capítulo 9, do L ivro U I,
resp eitan te ao m odelo m atem á tico da transform ação dos v a lo ­
res em preço de produção, as fr a se s segu in tes, das quais, o m í­
n im o que se pode dizer é que foram deliberadam ente ignora­
das p elos crítico s ou «correctores»: «Trata-se, pois, com efeito,
d a expressão m o n etá ria da quantidade to ta l do trabalho -— p a s­
sado ou novam en te a c r esc e n ta d o — contido nas m ercad orias...».
«OSTo início supúnham os que o p reço da reven d a de um a m erca­
doria ©ra ig u a l ao v a lo r g a sto n a produção. M as p a ra a com pra
o preço de produção de u m a m ercadoria é o se u preço de
revenda.»
42 P odem citar-se duas cau sas fu n d am en tais da d esigu al­
dade entre a o ferta e a procura, sem pre d iferen te sem pre
renovada. A prim eira diz resp eito à s d iv ersa s fu n ções da moeda.
A m oeda na circulação das m erca d o ria s é, por definição, m e­
dida de valor, m eio de circulação, m as pode tam bém se r m eio
d e reserva (entesouram ento ), que, bruscam ente lançado em
circulação, é de n atu reza a tornar m aior a procura em rela­
ção à oferta. P a r a bem entender e ste ponto, b a sta lem brarm os
o que havíam os dito, quanto à questão do equivalente, a saber,
que o seu v a lo r d e u so tom ava a form a de m a n ifesta çã o do seu
contrário, o valor. P od e p o is se r desejad o por ele próprio ou
rejeitado. N a circu lação do ca p ita l, o dinheiro pode ser um m eio
d e p agam ento. Ë então um a va n ço so b re a produ ção fu tu ra .
E p e la an álise d esta função particular do dinheiro que se podem
h oje explicar os fenóm enos in fla cio n ista s (sobre e ste assu n to
v er J. L. D allem agne, artig o citado, e, do m esm o autor, em
alem ão, «Inflação e crise», publicado n a s ob ras co lig id a s por
A ltv a ter). E ste ponto é ig u a lm en te p o sto em rela çã o por um
econ om ista não m a rx ista T homas «D’où v ien t l’e x cè s de cré­
d it ?», L e M onde de l’économ ie, 13 de Maio de 1975.
A segu n d a razão, que an lisarem os m elhor n a 2.a secção e
que M arx aborda im e d ia ta m e n te , depois da a n á lise da m ercado­
ria, n o L ivro I (cap ítu lo 2: «A s tro ca s» ), e im e d ia ta m e n te depois
PARA UMA INTERPRETAÇÃO 205

do m odelo m atem ático d as tran sform ações dos v a lo res em preço


de produção no L ivro III (cap. 10), c a p ítu lo s cu rio sa m en te es­
qu ecidos pelos n osso s co m en ta d o res, diz resp eito ao fa c to do
m ercado forn ecer u m a sanção, que indica se a m ercadoria pro­
duzida corresponde ou não à n ecessid ad e social, cuja «deter­
m in ação qu an titativa é em inentem ente elá stica e flutuante».
(K. M arx , O C a p ita l, L ivro IH, cap. 10, p. 204).
43 Supor que a s m ercad orias d as d iferen tes -esferas de
produção se vendem pelo seu valor, sig n ific a som en te que o seu
valor é o eixo de g ra v ita çã o à v o lta do- qual g ira o preço e
sobre o qual s e alinham o s se u s altos e b aixos su cessivos.
(Idem , ibid., cap. 10.) Como fiz e m o s notar, teria sid o m elhor
falar em valor de troca.
44 O1 que, a n o sso ver, n ã o sig n ific a q ue o problem a da
transform ação esteja ¡resolvido.
45 K arl M arx , O C a p ita l, L ivro III, cap. 9.
46 Idem , ibid.
47 M ais precisam en te, M arx diz qu e o preço d e m ercado
flu tu a em torno do preço de produção do m ercado.
48 K . M arx , O C apital, Livro IH , t. 1, cap. 9.
49 E s te ponto será desenvolvido n a secção 2.
so C onsiderar que a perequação das ta x a s de lucro e stá
realizad a é, com efeito, considerar q ue a con corrên cia agiu e
já não age. Ê, pois, situ a r-se fora da circulação do capital. T axas
de lucro e su a perequação supõem -se realizad as de u m a v e z
p o r todas. A p artir daí, trata-se apenas d e operar m atem á tica
(e não econom icam ente) a transform ação. O porquê d esta tra n s­
form ação, o sen tid o d e que e la se reveste, p a ra a in telig ên cia
do processo de acum ulação e ta n ta s o u tras q u estões essenciais,
tornando-se im possíveis de abordar devido à s lim itações im pos­
ta s por este quadro analítico.
si «O capital, sendo v alor que s e valoriza, n ão im plica
som en te relações de cla sse ou um determ inado carácter social
repousando sobre a ex istên cia do trabalho com o trabalho-assa-
lariado: é u m m o vim en to , um processo cíclico, atravessan d o
d iferen tes estád ios e que im p lica ele próprio três form as dife­
rentes do p rocesso cíclico. É, p o r isso , que só o p odem os co n si­
d era r com o u m m o vim e n to e não com o u m a coisa e m repouso.it
(O C a p ita l L ivro II, t. 1.)
52 Idem , ibid., L ivro m , t. 1.
53 Ê o que M arx nota, quando indica que a oferta e a
procura nunca podem coincidir e que daí iresulta um a fa s ta ­
m ento entre o preço de m ercado e o valor de troca: «Portanto,
s e a o ferta e a procura não coincidem em nenhum ca so particu­
lar dado, as su a s d esig u a ld a d es su ced em -se, de ta l m odo que,
a o considerar-se o conjunto por um período m a is ou m enos
longo, a oferta e a procura coincidem sem p r e... M as o fa c to de
e la s coin cidirem re s u lta so m en te d a m é d ia d a s v a ria ç õ e s p a ssa -
206 SOBRE O VALOR----ELEMENTOS PARA DMA CRÍTICA

d a s e do m o v im e n to contínuo d a su a contradição.» (Idem , ibid.,


L ivro III, t. 1). E ste ponto será desenvolvido n a secçã o 2.
54 «Mas é um fa c to que o cap ital abandona urna esfera
com ta x a de lucro pouco elevad a e se p recip ita sobre a que
com porta urna ta x a de lucro m a is im p o rta n te... O1 c a p ita l p ro ­
v o c a um a relação tal, entre a o fe rta e a procura, que le v a à
igualdade do lucro m édio, entre a s d iferen tes esfe ra s de produ­
ção, daí a tra n sfo rm a çã o dos v a lo r e s e m p reço de produção»
i(cap. 10), tratando-se de contradições internas da lei d e baixa
tend ên cia de lucro (cap. 15): «E nquanto tudo corre bem, a
concorrência, como vim os n a perequação da ta x a de lucro geral,
desem penha praticam ente o papel de um a a m ig a da cla sse capi­
talista, raparte colectivam en te o espólio comum, proporcional­
m ente ao avançado por cada um.»
55 Já sublinhám os este ponto em dois trabalhos: In tro d u -
tio n à l’économ ie p o litiq u e, M aspero, 1972 (com J. V allier) e
«A nouveau su r la transform ation d es valeu rs en p rix de pro­
duction». Colloque Sraffa, A m iens, 1973, nos C ah iers â ’tu d es
écon om iqu es, n.° 4, 1976.
56 F oi o que fez M arx dizer: «Pareceria, pois, que a teo ­
ria do valor era aqui im com p atível com o m ovim ento real e
o s fenóm enos objectivos, que acom panham a produção e que,
por consequência, renunciar a com preender estes fenóm enos.»
(Liivro III, t. 1 ). Daqui, a necessidade1 de p assar ao preço de
produção, p a ra co m p reen d er exactam & nte o p ro cesso de acu­
m ulação.
57 P. M, S w e e z y , T he T h eo ry of C a p ita list D evelo p m en t.
58 P od er-se-ia a crescen tar que um tal raciocínio parece
in felizm en te encontrar a su a ju stifica çã o — seria n ecessário se r
ta lm u d ista — num p en sam en to errado de ¡Marx: «C onsequente­
m ente, as taxas de lucro estab elecidas nos diversos ram os d ife­
rem m uito na o rigem . E sta s d iv ersa s ta x a s de lucro, so b o
efe ito da concorrência, u n iform izam -se (Livro III, t. 1. cap. 9 ).
E ste raciocínio deixaria pressupor que haveria um a p re e x istê n ­
cia m aterial (e n ão só ló g ica ou teórica) do v a lo r — e ta x a s
de lucro diferentes — ao nível d os ca p ita is diversos e que só
um m ovim ento de capital, como- aquele que d escreve S w eezy ,
uniform izaria 'as ta x a s de lucro, p ara dar origem a o s p reço s de
produção!
59 A m aior p arte dos m arxistas, que aderem a e sta com ­
preensão, evitam ex tra ir — com o S w e e z y — >a s consequências
d a su a posição.
60 E ncontram os e sta p osição n um artigo d e C. B en etti:
«Mas em que asp ecto é que os preços de [produção] sã o u m a
m odificação do valor, p ara além d e exprim irem o s d esvios em
relação à s rela çõ es de tro ca , que s e estabelecem , quando a s
m ercadorias se perm utam segundo as quantidades de trabalho
incorporado, logo, segundo a lei do valor, com o lei das rela çõ es
de troca?» («L a T ransform ation des v a leu rs en p rix d e p ro-
PARA UMA INTERPRETAÇÃO 207

du ction et la critique de 1’écon om ie politíque», C ah iers du


C E R E L , Janeiro d e 1973, n.° 4, pp. 6 -6 ). E s ta p osição d ev e-se à
incom preensão das form as do valor p or parte deste econom ista.
61 Cf., su pra, o que d issem os a, propósito de Sraffa: expli­
ca r a peréquação das ta x a s sig n ifica n ão m a is se poder e s ta ­
belecer um padrão.
62 K arl Marx, o C a p ita l, L iv ro I.
63 K arl M arx, F ond& m ents..., A nthropos, t. 2, p. 290.
64 «A baixa de ta x a de lucro (resu ltad o da ten d ên cia para
acum ular — P. S .) p rovoca a concorrência entre cap italistas;
não é esta que p rovoca aquela» (K. M arx, O C a p ita l L ivro III,
t. 1, cap. 16).
65 Ou ainda: «N a concorrência, esta ten d ên cia inerent,e
ao capital em geral a p a rece ao capital particular como um a
lim itação exercida sobre ele pelos ou tros c a p ita is... A su a
característica essencial é a p a rec e r com o acção recíproca de
todos os capitais: E um a ten dên cia in tern a , com o que im p o sta
do e x te rio r.» (K. M arx, F o n d e m e n ts..., p. 371, sublinhado por
m im .)
66 K. M arx, O C a p ita l, L ivro IH , t. 1, cap. 15, e; ig u a l­
m ente: «íâ certo que a concorrência n ivela e igu aliza a ta x a de
lucro, m as não cria a m edida (. . . ), só a relação fu ndam ental
entre trabalho e cap ital o pode fazer.» (F o n d e m e n ts..., t. 2,
p. 46.)
67 «....R esulta que ca d a ca p ita lista individual, bem com o
o conjunto dos capitalistas, em cada esfera de produção p a rti­
cular, participa n a exploração, d e tod a a cla sse operária pelo
conjunto do capital e no grau d esta exploração, não som en te por
sim p a tia geral de cla sse, m as tam bém p or in teresse económ ico
directo.» (K. Marx, O C apital, L ivro III, t. 1, cap. 10.)
68 Idem , ibidem . G ostaríam os que Oartelier, em v e z de
afirm ar perem ptoriam ente que a teoria dos preços de produção
não pode exprim ir o fenóm eno de exploração, lesse com m ais
cuidado este capítulo 10, p ois ta l serv iria para refu tá -lo ! Mn-
eontram os um a p osição um pouco sem elh an te em B enetti,
quando escreve: «Contudo, v im o s tam bém que a relação, entre
lucro e m ais-valia, n ão pode se r dem onstrada na b ase do es­
quem a de transform ação dos valores em p reço ... A razão disto
e stá em que a s ca teg o ria s de v a lo r e de m a is-v a lia n ão têm
som en te um estatu to p o sitiv o (com o as categorias d a econom ia
p o lítica ), m as tam bém um estajtuto crítico.» (Op. c it., p. 151.)
69 K. 'Marx, O C apital, L ivro III, t. 1, cap. 10 (sublinhado
por P . S .), e igualm en te: «P elo n o sso desenvolvim ento, m o s­
trám os com o o valor de m ercado ( e tudo o que fo i d ito é válido,
com a s restrições n ecessárias, p a ra o p reço d e p ro d u çã o )...»
70 H. E e n is , V aleu r e t catpitalism e, Ed. S ociales, 1957,
p. 60.
208 SOBRE O VALOR — ELEMENTOS PARA UMA CRITICA

71 Com preende-se, desde já, que a so m a dos v a lo r e s indivi­


duais corresponda n ecessariam en te à so m a dos v alores d e m er­
cado. -Para m ais porm enores: O C a p ita l, L ivro IH , t. 1.
72 A grandeza de v alor não deveria se r confundida como
v alor de troca. L em bram os que p ara M arx «A grandeza de
v alor exprim e, pois, um a relação de produção, -o- laço íntim o,
que há entre um artigo qualquer e a porção de trabalho social
n ecessário -pa-ra lhe dar lugar. D esde que o v alor se tran sform e
em preço, e sta relação aparece com o um a relação de troca.»
(K. M arx, O C apital, L ivro X.) Cf., in fra , secçã o 1.
73 «Se a procura s-e sobrepõe, m esm o -que se ja pouco, â
-oferta, é o valor individual das m ercadorias produzidas n as con­
dições d esfavorá v eis que reg u la o preço de m ercado.» (Idem,
ib id em , L ivro II, t. 1, oap. 10). «S e a procura é fra c a em relação
à oferta, a fracção favorecid a, qualquer que seja a grandeza,
a tin g e urna posição dom inante, fazen d o que o seu preço corres­
ponda ao seu valor individual.» (Idem , ib id em .) Há -algumas
v ezes confusão n o texto de M arx, no uso dos term os preço d-e
-mercado e valor -de m ercado. E sta s con fu sões parecem ser o
resultado de um a m á trad u ção d a l . 1 edição, como o indica
u m a n ota d a p á g in a 200 da edição fra n cesa de L a Plêiade.
7“* Idem , ibidem . F om os nós que sublinhám os.
75 O ciclo do capital produtivo, an alisad o no Livro TI, é o
da reprodução do c a p ita l: «Em P. . . P ’, P ’ não exprim e a pro­
dução da m ais-valia, m as sim a cap italização do -capital que é
efectuada.» (Idem, ib id em , L ivro II. t. 1.)
76 «A relação entre a o ferta e a procura explica, pois: P or
um lado, as próprias diferenças d os preços de m ercado em rela­
ção aos valores de m ercado; por outro, o ten dên cia p a ra r&du-
s ir e sta s d iferen ça s; isto é, a tendência pa-ra anular a acção- da
relação entre a o fe r ta e a procura.» (Idem , ibid., L ivro III,
t. 1, cap. 10. Sublinhado por P. S .).
77 Idem , Ib id em , sublinhado por P. S.
78 Já h avíam os notado que M arx u tiliza m u ita s vezes, ao
n ível do Livro III, o term o valor, em v e z de valor de troca.
Com o cap ítu lo 10, e s ta am biguidade desaparece, p ois M arx
an alisa a-s flutu ações de preço de m ercado, em relação ao valor
de m ercado (de troca) e não -em torno do valor. E sta am bigui­
dade reaparece. Contudo, quando M arx indica que tudo o que
fo i escrito sobre o v alor de m ercado é válido para o preço de
produção. Só no fim do seu capítulo ele esclarece o «eu pensa­
m en to e avança o conceito de p reço de produ ção d e m ercado,
que com para ao valor de m ercado (p. ex. p. 213). T erem os assim
o s seg u in tes pares: valor-preço de produção: valor de meroado-
-preço de produção de m ercado (form as fen o m en a is). A tran s­
form ação do prim eiro im p lica a do segundo e traduz a p assagem
d e um n ível de abstracção a outro.
7» A com p osição o rg â n ica do cap ital eleva-se n o tem po
de um a m an eira caótica, en trecortad a p ela s crises. E sta elev a ­
PARA UMA INTERPRETAÇÃO 209

ção da com posição o rg â n ica do -capital traduz a aparição de


novos sectores d e iponta. P aralelam en te, a n tig o s ¡sectores de
pon ta tornam -se ¡retardatários, com o o do têx til natural. A su a
com posição orgânica não segue, a o m esm o ritm o, o m ovim ento
ascendente da com posição o rgân ica geral. Pode, pois, dizer-se
que os ram os retardatários são caracterizad os .por um a com po­
siçã o orgânica m a is baixa. C ontudo, o aum ento d a com posição
orgân ica é de n atu reza a fa z e r b aixar a ta x a de lu cro geral.
Ê isto que ex p lica que o s ram os de .ponta, por um lado, ten tem
im prim ir ao se u capital con stan te um a rotação m a is rápida (o
que dim inui a com posição org â n ica ) e, .por outro lado, b enefi­
c ie m d a intervenção do E stado. E sta interven ção do E stad o con­
duz à desvalorização (depreciação) do seu ca p ital constante,
o que age de um a m aneira fa v o rá v el sobre a ta x a geral de
lucro e sobre as su a s ta x a s m a is particularm ente. A interven­
ção do Estado, assim como a m aior rotação, a g e sobre o n ível
d a ta x a m édia de lucro do sector privado e sobre o n ív el da ta x a
de lucro dos secto res chave. T em por função, p or um lado,
•travar a s crises de superprodução e favorecer a acum ulação n os
sectores-eh aves (é o que se cham a h oje redesdobram ento). M as
e sta in terven ção situ a -se e m relação « o m ecan ism o qu e d e sc re v e ­
m os. T em ,por fu n ção a cen tu a r a tran sferên cia de m ais-valia
social, .precisam ente dos secto res retardatários, para os sectores
de ponta e m an ter um certo n ível d as ta x a s de lucro. N este
ú ltim o caso, situ a -se em relação' à s contradições, que a lei da
b aixa tendencial d a ta x a d e lucro im plica.
80 P oderá acrescen tar-se que a concorrência será , então,
m a is exacerbada, quanto a lei de baixa ten den cial de lucro c o ­
m eçará a exercer os seu s efeito s n efa sto s sobre a ta x a d e lucro.
81 lOomo m ostrám os atrás, os m onopólios apenas podem
tr a v a r este m ovim ento do capital. Os sobrelucros dos m onopó­
lio s são, poirtanto, transitórios. N ã o podem ser etern os. N este
sentido, os m onopólios estão su je ito s à lei do valor, m esm o que
se possam desligar d ela tem porariam ente. C f. S alama, J.
V alier , op. cit., caps. 1 e 3.
82 p , iMattick , M a rx e t K e y n e s, Gallim ard, pp. 56-57.
A análise de iMattick é contudo incom pleta, n a m edida em que
e stá cen trad a exclusivam en te sobre as san ções r esu lta n tes da
evolução das necessid ad es so cia is e não trata das san ções ao
n ível da produção. P od er-se-ia fa z e r a m esm a crítica ao seu
a rtig o contra iSamuelson.
83 P or outro lado, sa b e-se que o s bens, ditos d e luxo, te n ­
dem a «proletariar-se». A procura d os bens de consum o dura­
douros cresce m ais depressa que a dos bens de con su m o n ão
duradouros. E ste 1.° su b sector é caracterizado por u m a compo­
210 SOBRE O VALOR— 'ELEMENTOS PARA UMA CRÍTICA

sição o rgân ica do cap ita l m a is elev a d a em geral (ex cep to no


que d iz respeito- ao pequeño; m a teria l electrodom éstico, tra n ­
sistores, etc.), do que n o 2.° su b secto r d e b ens de consum o.
A su a expansão conduz a um a procura de bens de equipam ento,
ta n to m ais elevada quanto intensa.
84 Pa.zendo lato, ele denuncia o carácter ap ologético da
econom ia vu lgar (b u rgu esa). M as e sta denúncia, p or s i só, não
pode con ferir-lhe o carácter de crítica da econom ía p olítica. Só
o- adquire, porque perm ite, de início, fa z e r a an atom ia d a socie­
dade burguesa, porque é um rneio para a acção !
C O N C LU SÃ O D A 2.a PA R TE

Algumas palavras p ara resum ir o nosso estudo.


As hipóteses de base atribuídas a M arx, quer para ,o
criticar, quer p ara o corrigir, levam à inutilidade da teoria
do valor. Esta conclusão está contida nas hipóteses. Sendo as
hipóteses falsas, igualm ente esta conclusão é falsa.
As m ercadorias são im ediatam ente expressas em dinheiro
antes mesmo que este as faça circular. D ito de outra form a,
o valor de troca não é equivalente nem ao valor, nem à gran­
deza do valor. É somente um a form a fenom enal de valor e a
sua expressão. Este ponto perm ite analisar as form as de valor.
O preço de m ercado, form a necessária da aparição do valor,
flutua, quer em torno do valor de troca (m ercado), quer em
torno do preço de produção do m ercado. D esde logo, o erro
fundam ental denunciado só pode ser um , um a vez que o custo
de produção é expresso im ediatam ente em term os m onetários.
Os preços de produção são a expressão da lei do valor
ao nível dos capitais diversos.
A transform ação dos valores em preço de produção
significa a passagem de um nível de aproxim ação do real a
outro. O prim eiro nível de abstracção (capital em geral) é
contudo necessário. A transform ação não é senão a aplica­
ção dos ensinam entos extraídos a este nível de análise a um
nível de abstracção mais próxim o do real. O real torna-se
então um «concreto pensado». A unidade da sua diversidade
aparente pode ser com preendida.
Os preços de produção, porque expressão da lei do valor,
perm item desde então in terp retar a anatom ia da sociedade
burguesa, descobrir as suas contradições e fornecem , assim,
um a arm a eficaz p ara a acção. O que é descurável p a ra aque­
les que pensam que «a arm a de crítica não pode substituir a
crítica das arm as» ...
J F. R. J.
B IB L IO T E C A

i p p u n

ÍNDICE

INTRODUÇÃO GERAL, ................................................................. 9

I — A POSIÇÃO NEO CLÃ SICA .................................


Introdução ....................................................................... 15

1. A D E D U Ç Ã O ............................................................ 17
SECÇÃO 1. ;Filo,sofia e dedução .................. 17
SECÇÃO' 2. A dedução propriam ente dita • 21

2. A IN CO ERÊNC IA I N T E R N A .......................... '65


¡SECÇÃO 1. D os pequenos porm enores 65
SECÇÃO< 2. ... a o verdadeiro problem a 68
SECÇÃO 3. A s ten ta tiv a s d e resp osta dos
c lá ssico s ............................................ 76

3. CRITICA E X T E R N A ........................................... 107


SECÇÃO'1. A cerca das n ecessid ad es ... • 108
SECÇÃO >2. O todo e a s p a r t e s ................... 100
SECÇÃO 3. U m a troca d irecta gen eralizad a ou
o e sta tu to da m e r c a d o r ia ..................... 111
SECÇÃO 4. P reço d e a lu g u er e preço,de com pra 11'5

I I — A S A N Á L ISE S RIiCARDIANA E ,M A R X IS T A ........... 117

1. M ARX E R IC A R D IA N IS M O ...................................... 125


SECÇÃO 1. M arx ricardiano ...................................... 125
'SECÇÃO1 2. O prolongam ento d as críticas: o m o­
d elo d e S r a ffa ....................................... 139

RESU M O G ER AL DO CAPITULO I

2. P A R A U M A IN TER PRETAÇ ÃO , 'QUE P E R ­


M ITA C O M PREEND ER O PRO CESSO DE A C U ­
MULAÇÃO E A S S U A S CONTRADIÇÕES ... 169
SECÇÃO 1. C rítica das h ip óteses atribuídas a
M arx .......................................................... 170
SECÇÃO 2. P a r a u m a interpretação' n ão rioar-
d iana d a tran sform ação ................... 191

CONCLUSÃO D A SE G U N D A P A R T E ....................................... 211

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