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ECONOMIA E POLÍTICA AGRÍCOLA

CIS – 2014
CURSO DE ECONOMIA

ECONOMIA E POLÍTICA AGRÍCOLA

Texto-Base da Disciplina “Economia e Política Agrária” do 2.º Ano do Curso Superior de


Economia do CIS - Instituto Superior de Ciências Sociais e Relações Internacionais

Autor: Sabino Pereira Ferraz


LUANDA, Fevereiro de 2014
Índice
1. INTRODUÇÃO – NOÇÕES BÁSICAS DE ECONOMIA........................................................1
1.1. Problemas e Objectivos da Economia.....................................................................3
1.1.1. Necessidades económicas................................................................................3
1.1.2. Bens económicos..............................................................................................4
1.1.3. Utilidade económica........................................................................................5
1.1.4. O problema económico fundamental..............................................................6
1.2. Oferta e Procura: o Mecanismo de Mercado..........................................................6
1.3. Intervenção do Estado e Planeamento...................................................................7
1.3.1. A intervenção estatal.......................................................................................7
1.3.2. O planeamento.................................................................................................9
1.4. O Crescimento e o Desenvolvimento Económico.................................................10
1.4.1. Funções da agricultura no processo de desenvolvimento económico..........13
2. A TEORIA DOS MERCADOS...........................................................................................15
2.1. A Concorrência Perfeita – Fluidez e Atomicidade dos Mercados.........................15
2.2. Procura Racional e Condicionada..........................................................................17
2.3. A Elasticidade da Procura – Os Efeitos de Substituição e Rendimento................18
2.4. Oferta racional e Condicionada.............................................................................18
2.5. A Elasticidade da Oferta........................................................................................19
2.6. Mercados de Concorrência Imperfeita – Monopólios e Oligopólios....................20
2.6.1. Tipos de mercado de concorrência imperfeita..............................................20
2.7. Formação dos Preços Agrícolas e Rendas dos Agricultores..................................23
3. MODELOS TEÓRICOS DA RELAÇÃO AGRICULTURA E INDUSTRIALIZAÇÃO..................25
3.1. David Ricardo – A Agricultura Como Factor Limitativo ao Desenvolvimento
Industrial..........................................................................................................................26
3.2. J. Mellor – Um Modelo Ricardiano de Dependência Indústria e Agricultura........34
3.3. W. A. Lewis – Tentativa de Fuga à Camisa de Forças Ricardiana..........................39
3.4. Ranis e Fei – O Modelo de Lewis Elaborado..........................................................45
3.5. Hymer e Renisk – Outra Tentativa de Fuga à Camisa de Forças Ricardiana.........50
3.6. M. H. Watkins – A Visão Histórica na Abordagem do Produto Principal..............51
4. POLÍTICA AGRÍCOLA.....................................................................................................56
4.1. Os principais instrumentos de política agrícola....................................................57
4.2. Crédito Rural, Programas Especiais, Preços Mínimos, etc....................................59
4.2.1. Crédito rural...................................................................................................60
4.2.2. Programas especiais.......................................................................................60
4.2.3. Preços mínimos..............................................................................................60
4.3. Mercados de futuros agropecuários e opções......................................................61
5. O CENÁRIO INTERNACIONAL DO AGRONEGÓCIO.......................................................66
5.1. A Globalização da Economia e o Agronegócio......................................................67
5.2. A OMC e a Política Agrícola...................................................................................68
5.3. A Política Agrícola dos Países Desenvolvidos – PAC/UE; USA; etc........................71
5.3.1. A Política agrícola comum da União Europeia – PAC/UE...............................71
5.3.2. Política agrícola dos Estados Unidos da América...........................................73
5.3.3. Política agrícola do Japão...............................................................................74
5.3.4. A política agrícola da China............................................................................75
5.3.5. A política agrícola na Índia.............................................................................76
5.3.6. A política agrária do Brasil..............................................................................80
5.4. Estrutura e Organização do Sistema Agro-industrial............................................86
5.4.1. Os ambientes, institucional e organizacional................................................86
5.4.2. As diferentes visões do sistema agro-industrial............................................86
5.4.3. As dimensões e agentes do agronegócio.......................................................86
6. Estrutura da empresa agrícola e os custos a ela associados.......................................87
6.1. O Factor Terra........................................................................................................87
6.2. O Factor Trabalho..................................................................................................87
6.3. O Factor Capital.....................................................................................................87
6.4. Tipologia das Empresas Agrícolas..........................................................................87
6.5. Especificidade da Produção Agrícola.....................................................................87
6.6. Planeamento da Empresa Agrícola....................................................................87
6.6.1. Planeamento como parte do processo de gestão.........................................87
6.6.2. Orçamentos....................................................................................................87
6.6.3. Bases para imputação de custos....................................................................87
6.6.4. Apuramento de resultados............................................................................87
7. A Agricultura em Angola..............................................................................................88
7.1. Abordagem Histórica.............................................................................................88
7.1.1. O período pré-colonial...................................................................................88
7.1.2. O período colonial..........................................................................................88
7.1.3. A experiência socialista..................................................................................88
7.1.4. Os novos desafios...........................................................................................88
7.2. A Política Agrária Angolana Para o Período 2013-1017........................................88
7.3. A Organização Institucional da Política Agrícola Angolana...................................88
7.3.1. Níveis, central, provincial e municipal...........................................................90
Bibliografia...........................................................................................................................91
1. INTRODUÇÃO – NOÇÕES BÁSICAS DE ECONOMIA
A produção de produtos agrícolas começou na pré-história pois as pessoas precisam
de subsistência, além da caça e pesca, foram percebendo a possibilidade de plantar qualquer
tipo de produtos agrícolas e após algum tempo, ter a produção, os grãos, com os quais
faziam todo tipo de alimentos.
O homem caçador também era recolector e observava a natureza. Na medida em
que demorava mais tempo numa determinada região e consumia os frutos ou plantas,
reparava que as sementes jogadas à terra davam origem a novas plantas.
Em determinadas alturas ao passar mais tempo em determinados locais, com clima
favorável, caça abundante e recursos de água com peixes para capturar, o homem conseguiu
tempo para plantar e colher. Isso terá motivado essas hordas a fixarem-se nas terras onde
estavam a viver uma vez que não havia mais motivos para as abandonar. As plantas nasciam,
o clima era bom, a caça satisfatória, a pesca era abundante… Então, valia a pena construir
um abrigo. Teria sido o fim da vida nómada.
Terá sido a descoberta da agricultura, lenta e gradual a responsável pela
sedentarização do homem e o consequente desenvolvimento rápido e sem precedentes
porque, ele descobriu que as sementes geravam outras plantas mas para isso era preciso um
novo tipo de trabalho. Aqui temos o nosso homem sedentário, que precisa de adaptar os
seus instrumentos, armas ou ferramentas e que, com isso, vai-se sofisticando.
Para construir uma cabana de barro, pedra ou madeira era necessário também,
criar novas ferramentas e uma técnica inovadora. Para plantar, de modo a ter uma lavoura
razoável, que alimentasse o grupo de pessoas reunido naquela região, os homens
descobriram que era preciso arar a terra. Isso era feito com ferramentas primitivas que
foram ficando cada vez mais bem adaptadas às necessidades do momento. Era preciso
controlar as águas das chuvas e dos rios próximos, criando formas de irrigar as plantações, o
que aguçou o seu génio inventivo e lhe trouxe soluções de engenharia. Tudo isso se
transformou num imenso desafio que possibilitou o surgimento de tecnologias impensáveis
para o antigo nómada, mas que possibilitaram o surgimento das comunidades primitivas.
Nessa altura, já temos o homem primitivo vivendo em comunidades. Ele já não
precisa mais se arriscar em caçadas ou em movimentos dos grupos rumo a terras
desconhecidas. As comunidades tinham a terra para uso comum e criaram formas de se
proteger, assim como proteger suas lavouras.
Mesmo antes desse estágio, começou a domesticação de animais, que deve ter
surgido espontaneamente. Primeiro terá sido o cão, companheiro do homem e auxiliar nas
caçadas. Depois terão sido cabras e ovelhas, bois e cavalos. Os dois últimos terão constituído
a maior parte da força de trabalho que permitiu catapultar a civilização humana
E assim, o homem se tornou também pastor, cuidando dos seus rebanhos que lhe
garantiam comida e conforto.
De acordo com Soares Martinez (1996) Por respeito a um princípio de uniformidade
quanto à evolução económica dos povos primitivos, formulou-se a teoria dos três estádios 1:

1
- Muitos investigadores puseram em dúvida tal teoria. Alguns povos ter-se-ão dedicado à agricultura sem
passarem pelas outras fases, enquanto outros desenvolveram, simultaneamente, os três tipos de actividade, ou

1
Recolecção – Neste estágio o homem seria nómada e sustentar-se-ia daquilo que
colhesse e caçasse, disputando aos outros animais aquilo que a natureza oferecia (frutos e
bagas silvestres, grãos e sementes, raízes e pequenos animais);
Pastorícia – Neste estágio o homem, permanecendo ainda nómada, teria já
conseguido domesticar alguma espécie animal que lhe garantiria parte substancial do seu
sustento. Continuaria, no entanto, a garantir a outra parte do seu sustento com o processo
de recolecção;
Agricultura – O homem, nesta fase, já se teria sedentarizado e, praticamente, teria
começado a dominar as técnicas de cultivo e reprodução de plantas. As suas necessidades
básicas seriam satisfeitas pelo resultado da produção agrícola e da pastorícia.
A agricultura na antiguidade oriental foi especialmente relevante no antigo Egipto.
O vale do rio Nilo, com terras negras e férteis, era a base da civilização egípcia. A fertilidade
resultava da inundação anual do rio (Julho a Outubro) e da deposição de húmus quando as
águas baixavam.
A agricultura e o intercâmbio de produtos estimularam a sedentarização e a
miscigenação das tribos, que formaram, no vale do Nilo, um único povo, diferente dos
beduínos que habitavam o deserto. Durante o período neolítico, foram construídas cidades-
estado sobre o eixo fluvial que se relacionavam activamente entre si, como Tebas, Mênfis e
Tânis. Essas cidades unificaram-se num reino, por volta de 3.000 a.C., resultando numa
monarquia centralizada no poder do Faraó, soberano absoluto e hereditário, considerado
uma encarnação divina.
A agricultura e o intercâmbio de produtos naturais eram a base da economia. Após
a unificação, a terra passou dos clãs à propriedade do faraó, nobres e sacerdotes. Os
membros dos clãs são transformados em servos. As incursões em direcção à Núbia, Somália,
Sinai e Biblos introduzem o trabalho escravo nas minas e na construção dos palácios,
templos e pirâmides.
Na antiguidade clássica os destaques na dependência do desenvolvimento
económico das nações são, sem dúvida, a Grécia e Roma.
Na Grécia há a destacar a evolução de uma economia doméstica, no período
homérico, em que a família constituía o núcleo produtor autónomo, para formas mais
sofisticadas e complexas no período clássico e no período helénico. A economia baseava-se
na agricultura, ficando o comércio e a indústria em segundo plano. O Estado dividia a terra
em lotes iguais distribuídos entre os cidadãos/soldados conjuntamente com um
determinado número de escravos encarregados de seu cultivo. O soldado espartano
dedicava-se apenas à formação militar e não exercia nenhuma actividade económica.
A fundação de Roma resulta da mistura dos povos que foram habitar a região da
península itálica. Desenvolveram na região uma economia baseada na agricultura e nas
actividades pastoris. A sociedade, nesta época, era formada por patrícios (nobres
proprietários de terras) e plebeus (comerciantes, artesãos e pequenos proprietários).
A sociedade romana, assim como a grega, é exemplo de sociedade esclavagista,
embora difira desta em alguns aspectos fundamentais. O processo de concentração de
terras pela aristocracia patrícia nunca foi bloqueado, e o poder e a influência dessa nobreza
dois deles. Populações ribeirinhas ter-se-ão dedicado à pesca. Em resumo, é difícil admitir qualquer
uniformidade na evolução dos povos primitivos (Martinez, 1996).

2
permaneceram praticamente inalterados até o fim. O elemento central da grande
estabilidade desfrutada por Roma foi a instituição do latifúndio escravista, que, estabelecido
ali numa escala desconhecida pelos gregos, proporcionou aos patrícios o controlo da
sociedade. À solidez económica e política dos patrícios somou-se o talento militar dos
romanos, que fez de Roma, cidade-estado, a sede de um poderoso império.
A economia agrária originalmente aplicava os princípios de economia à produção
de colheitas e gado. Em particular lidava com o uso da terra, procurando as formas de
maximizar as colheitas mantendo uma boa capacidade produtiva dos terrenos. No decurso
do século XX a disciplina expandiu o seu campo de actuação. A economia agrícola dos dias
de hoje inclui uma variedade de áreas de aplicação e tem uma considerável sobreposição
com a economia convencional (Fox, 1987, pp. 55-62), (Gardner, 2001, pp. 337-344) e (Runge,
2008, p. abstract).

1.1. Problemas e Objectivos da Economia


A economia – ou actividade económica – é o conjunto de acções realizadas
conscientemente pelo homem com o objectivo de satisfazer as suas necessidades. Ela
pressupõe a produção, a distribuição e o consumo de bens e serviços.
O termo economia deriva das palavras gregas oikos que significa literalmente casa e
nomos que significa administrar. Daí a tradução para oikonomos de "administração da casa".
Os economistas estudam pois as decisões de produção, troca e consumo, como
aquelas que ocorrem num mercado tradicional.

1.1.1.Necessidades económicas
As necessidades humanas constituem a causa de toda a actividade económica. É
assim quando esta actividade depende de decisões individuais, mas também o é quando
essa actividade depende de definição do governo. As necessidades de cada indivíduo,
dependentes dele e satisfeitas por ele, são tão humanas como as necessidades colectivas.
Porque só os homens sentem fome, frio, sede, calor, ambições intelectuais e estéticas, etc..
A noção genérica de necessidade corresponde a um estado tal que se manifesta no
sujeito se ele não satisfez determinado anseio, desejo ou ambição. A necessidade económica
é também um estado psicológico de insatisfação, mas este é consciente quanto à existência
de um meio adequado e acessível, capaz de fazer cessar aquele estado e voltado para a
obtenção desse meio.
As necessidades económicas podem subdividir-se segundo diversas tipologias.
Atendendo ao grau de importância das necessidades a satisfazer estas dividem-se em
essenciais e secundárias:
As necessidades essenciais, também chamadas primárias, fundamentais, ou de
existência, resultam da natureza do organismo humano. A sua satisfação é indispensável
para evitar graves perturbações do mesmo, ou até a morte.
As necessidades secundárias também chamadas de necessidades de civilização, são
as restantes. Não resultam da natureza do organismo humano e a sua insatisfação não é
susceptível de causar danos irreversíveis no ser humano.

3
Segundo o critério de quantos as sentem, as necessidades dividem-se em
necessidades individuais e colectivas:
Segundo a sua origem as necessidades individuais decorrem da própria condição
humana e as necessidades colectivas decorrem da integração social do ser humano;
Segundo a forma de satisfação, as necessidades individuais são satisfeitas pelos
indivíduos e as necessidades colectivas são satisfeitas pelo esforço comum da sociedade.
Segundo a sensação obtida na satisfação das necessidades estas dividem-se em
necessidades positivas e negativas:
As necessidades positivas são aquelas que se satisfazem mediante a obtenção de
uma sensação de prazer enquanto as necessidades negativas se satisfazem pela remoção das
sensações dolorosas.
Pela sua natureza as necessidades económicas apresentam determinadas
particularidades que as caracterizam e distinguem das outras necessidades.
As necessidades económicas são extensíveis e ilimitadas. Todos os dias sentimos
novas necessidades, seja porque nos estamos a adaptar a uma nova tecnologia, seja porque
as condições naturais da nossa existência se modificou. Seria impossível determinar o
número presente de necessidades económicas, ou prever o número de necessidades
futuras.
As necessidades económicas são saciáveis. Porque a sua intensidade baixa à medida
que lhes é dada satisfação, até se extinguirem ou ser atingido o ponto de saciedade. A
utilização do meio adequado de satisfazer uma necessidade para além do ponto de
saciedade, pode determinar até uma sensação dolorosa.
As necessidades económicas permitem a substituição dos meios da sua satisfação.
Normalmente, uma mesma necessidade pode ser satisfeita utilizando-se meios distintos. Por
exemplo, a necessidade de beber satisfaz-se pelo consumo de líquidos diferentes. É esta
característica que traduz a possibilidade de existência de bens sucedâneos.

1.1.2.Bens económicos
Para a satisfação de uma necessidade económica impõe-se a utilização de um bem
económico, considerando-se este como todo o meio (tangível ou não) adequado à satisfação
de uma necessidade, desde que seja acessível disponível e raro. A disponibilidade ou
acessibilidade pressupõe que o bem seja susceptível de apropriação e a raridade é o traço
que os distingue dos bens cuja apropriação pode ser livre.
Quando os objectos adequados à satisfação de uma necessidade existam em
quantidade e em condições tais que cada indivíduo os possa obter sem esforço, estamos
perante bens livres. Nas condições habituais da vida há certos bens que se encontram em
quantidades superiores às exigências normais das necessidades a satisfazer e em condições
de fácil utilização. A esses bens cabe a designação de bens livres.
Os meios adequados à satisfação de necessidades que não constituem objectos
físicos (materiais) são designados bens imateriais.

4
Chama-se “naturais” àqueles bens cuja produção e emprego não carecem de
actividade humana. Já os bens produzidos são os que resultam da acção exercida pelo
homem sobre bens naturais transformando-os.
Os bens podem ser utilizados directa ou indirectamente. No primeiro caso dizem-se
directos, ou de gozo e, no segundo, chamam-se bens indirectos ou de produção.
Os bens subdividem-se ainda em bens de uso e bens de consumo. Os bens de uso
perduram através da sua própria utilização. Os bens de consumo satisfazem necessidades
através da sua destruição.
Os bens indirectos repartem-se em matérias-primas (que transformadas resultam
em novos bens, aptos a satisfazerem necessidades) e bens instrumentais que servem para a
produção de outros bens (máquinas, ferramentas, etc.).
Alternativa, à classificação que reparte os bens em “de uso” e “de consumo” existe
uma outra classificação que os reparte em bens duradouros e não duradouros. Esta diz
respeito a todos os bens (directos e indirectos) enquanto aquela respeita exclusivamente
aos bens directos.
Também, por vezes, se distinguem os bens presentes dos bens futuros. Os primeiros
existem num momento determinado e acham-se aptos nesse momento para satisfação de
necessidades. Os bens futuros não têm ainda existência, ou aptidão bastante, num
momento considerado. Mas são esperados. Conta-se com eles para, num momento futuro,
satisfazer necessidades.
Os bens sucedâneos são aqueles susceptíveis de ser usados em vez de outros,
embora só permitindo um menor grau de satisfação. Já os bens complementares são os
adequados à satisfação de necessidades apenas quando empregues conjuntamente com
outros bens. Em consequência a complementaridade é relativa (i. é, um bem é
complementar a outro e vice-versa).

1.1.3.Utilidade económica
Os bens económicos constituem meios adequados à satisfação de necessidades
económicas. A capacidade dos bens económicos satisfazerem necessidades designa-se por
utilidade económica.
A ideia de utilidade económica afasta-se, às vezes do sentido corrente da expressão
“utilidade”. A noção económica de utilidade apresenta-se, geralmente, alheia dos efeitos
úteis ou prejudiciais do emprego de um bem.
O uso de determinado bem pode ser nocivo. No entanto, havendo desejo de obtê-
lo, nada obstará ao reconhecimento da sua utilidade económica. A noção económica de
utilidade deve, pois, estar desligada de qualquer juízo de valor moral.

1.1.4.O problema económico fundamental


A cada momento novos problemas para a humanidade vão surgindo e eles têm que
ser resolvidos pela economia. O maior destes é satisfazer as necessidades humanas!

5
A natureza oferece ao homem um vasto conjunto de recursos que este transforma,
de maneira a satisfazer as suas necessidades. Porém estes recursos não são ilimitados, antes
pelo contrário, eles são escassos e finitos, havendo que ponderar a sua utilização. Assim, é
necessário realizar escolhas e fazer opções sobre como utilizar os recursos escassos
disponíveis para satisfazer as necessidades humanas que são múltiplas e ilimitadas. O
problema económico fundamental é pois o da escassez.
A produção e o consumo de cada bem económico, seja de um bem material, ou de
um bem imaterial tem repercussões no mercado. Isto acontece porque os seres humanos
perante as suas necessidades ocorrem ao mercado para encontrarem os meios susceptíveis
de as satisfazer. É para satisfazer essas necessidades humanas que a Economia entra em
campo para responder às seguintes perguntas: “O que produzir? Quanto produzir? Como
produzir? Para quem produzir?”.
 Em relação ao que produzir, primeiro há que fazer uma análise (estudo) geral da
sociedade, pois a Economia como uma ciência social não estuda somente interesses
individuais de poucos, mas os interesses de toda uma colectividade. Feitas estas análises
pode-se determinar qual a quantidade de bens a serem produzidos e em que proporções
deverão ser colocados à disposição da sociedade. A principal variável que podemos
relacionar com “o quê e quanto” é através a procura. Devido a este factor podemos estudar
o comportamento da colectividade, ou seja, saber que bens estão a satisfazer necessidades
humanas e em que proporções.
Um outro problema que se coloca à Economia é saber “como” serão produzidos os
bens, ou seja: que factores de produção (mão-de-obra, terra e capital) serão aplicados
durante o processo de produção. Da combinação equilibrada desses factores dependem a
eficácia e a eficiência da produção. Antes de tudo, temos que observar que a maioria dos
recursos que a natureza oferece ao homem são escassos e, portanto, a racionalidade da sua
utilização é um desafio permanente.
O desafio final da Economia é, ainda, determinar “para quem produzir?”, ou seja,
para quem direccionar os bens económicos produzidos. Um dos principais elementos que dá
respostas a essa questão é o ”preço”. Devido à escassez, quanto maior for a quantidade
oferecida de bens, mantendo-se fixa a procura desse bem no mercado, menor será o seu
preço e quanto menor a oferta maior será o preço. Concluímos assim que o preço, actuando
como variável entre a oferta e a procura, é um factor de restrição (exclusão) nas economias
de mercado.

1.2. Oferta e Procura: o Mecanismo de Mercado


Diariamente se ouve falar de mercados. Fala-se no mercado do petróleo, de
alimentos, de serviços, imobiliário, de trabalho e de capitais. A palavra mercado é, assim,
utilizada para designar as transacções de um bem, de vários bens, ou de factores (trabalho e
capital). O mercado representa qualquer situação de encontro entre vendedores e
compradores com o objectivo de acertarem as transacções. Deste encontro resulta a
definição do preço e as quantidades a transaccionar do bem ou serviço.
Os mercados tinham inicialmente uma localização geográfica bem definida:
Vendedores e compradores encontravam-se em feiras, realizadas periodicamente, em certas
aldeias ou cidades. Com o advento e modernização dos sistemas de comunicação, o ponto

6
de encontro deixou, frequentemente, de ser um ponto geográfico real. As relações entre
compradores e vendedores passaram a processar-se através dos meios de comunicação: por
via postal, por via telegráfica, por via telefónica, por via electrónica – com o uso dos
modernos e potentes meios electrónicos de comunicação, surgiu mesmo o comércio virtual.
O mercado pode, assim, ser definido como um ponto ideal, abstracto, de encontro
entre vendedores e compradores respeitante à fixação do preço e condições de transacção
dos bens. O conceito de mercado abstracto pode ser entendido em termos diferentes: Por
um lado, por não se encontrarem num ponto físico, real, os sujeitos das transacções
comerciais; Por outro lado, por os sujeitos das transacções se encontrarem em locais onde
não estão presentes as mercadorias a transaccionar. Este último caso corresponde às feiras
de amostras e bolsas de mercadorias, que embora constituam mercados abstratos têm
localização física real (geográfica).

1.3. Intervenção do Estado e Planeamento


O meio onde se desenvolve o processo de planeamento influencia as acções de
intervenção do Estado, condicionando-as ao êxito ou ao fracasso. Este meio é formado pelos
elementos condicionantes do surgimento, conteúdo, desenvolvimento e resultados do
planeamento.
Os resultados do processo de planeamento irão depender do entorno económico,
social, político e administrativo, relativo ao conjunto de ações de intervenção sobre uma
dada situação ou realidade. O processo de planeamento pode ser situado e analisado sob
uma perspectiva política, social, económica, administrativa-institucional, científica ou
ambiental. Interessa-nos neste domínio, tratar das questões ligadas à intervenção Estatal no
plano económico, bem como o processo de planeamento como instrumento de intervenção
estatal na economia.

1.3.1.A intervenção estatal


A legitimidade e a eficácia da intervenção estatal é uma questão que se tem
colocado com muita acuidade mas que é duvidoso se ela deverá, ou mesmo poderá, ser
oportunamente discutida no plano económico. A intervenção do Estado nos mercados será
legítima ou não conforme os fins que o próprio Estado prossiga, conforme os pressupostos
em que a sua estrutura assenta.
De acordo com Soares Martinez (1996) as concepções sociais, condicionadas pelas
épocas e pelos lugares, têm feito predominar dois princípios opostos relativamente à
liberdade dos mercados: i) Um baseado na ideia da total liberdade do mercado,
reivindicando que o Estado e os seus corpos intermédios deverão limitar a sua intervenção
quanto aos preços, à exigência de cumprimento dos contratos celebrados; ii) Outro, assente
na ideia de que o justo preço se deve sobrepor às flutuações da oferta e da procura, o que
exigiria do Estado e seus órgãos uma intervenção voltada para a limitação da oferta, da
procura e dos preços.
Decorre da própria noção de mercado que neste a intervenção estatal se pode
exercer de três modos:
a) Através dos preços;

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b) Através da oferta;
c) Através da procura.
A intervenção mais radical é aquela que pressupõe a fixação (tabelamento) de
preços. Ao preço livremente estabelecido entre os compradores e vendedores substitui-se
um preço estabelecido pela lei, ou por agentes administrativos do Estado. Às vezes é
imposto um preço mínimo, quando o Estado pretende proteger determinada franja de
produtores cuja produção, se receia, venha a ser acidentalmente elevada, fazendo baixar
excessivamente os preços. Outras vezes é imposto um preço máximo, quando, pelo
contrário, o Estado receia que os preços dos bens subam, decorrente de uma oferta exígua.
Estes casos são mais frequentes que os de fixação de preços mínimos e correspondem a um
desígnio de protecção dos consumidores, pelo menos no curto prazo. Algumas vezes, ainda,
a intervenção estatal no domínio dos preços é mais discrecta. Os preços são arbitrados pelo
Estado dentro de uma margem de indeterminação em que a oferta se cruza com a procura.
O Estado limita-se a esclarecer os compradores e os vendedores sobre as condições do
mercado.
A intervenção estatal através da oferta surge com a crise de 19292. Pode-se
considerar que foi o excesso de oferta e a insuficiência de procura, que tiveram como efeito
a significativa queda dos preços, da renda e do emprego, fizeram perder a credibilidade nos
dogmas clássicos3 e emergir em toda a sua plenitude a doutrina keynesiana. Esta doutrina,
defensora da intervenção do Estado na economia para ajustar a oferta à procura, buscava
principalmente aumentar a procura agregada na fase recessiva do ciclo económico.  No caso
– início da década de 30 com a economia atravessando uma depressão terrível – era
imperativo que houvesse o incremento dos gastos públicos para que a produção, a renda e o
emprego recuperassem. O instrumento para concretizar a intervenção do Estado na
economia passava a ser, preferencialmente, a política fiscal.
A intervenção estatal através da procura dá-se quando o Estado assume o papel de
comprador para regular o nível de preços num determinado mercado. É o exemplo de
quando o Estado compra mercadorias e armazena para garantir que os preços não baixem,
ou quando concede incentivos à exportação. A intervenção do Estado na procura, dá-se,
fundamentalmente, através de medidas de racionamento. Este é um tipo de intervenção
directa sobre a procura. De forma indirecta o Estado intervém sobre a procura concedendo
subsídios, orientados para determinadas classes de consumidores e por meio da realização
de políticas de educação dos consumidores (o que hoje é facilitado pelo potencial de
comunicação que representam o modernos meios: revistas, jornais, rádio, televisão e
internet).

1.3.2.O planeamento
O planeamento económico apresentou-se, depois da primeira Guerra Mundial, não
apenas na Rússia comunista mas também na América, pelo menos no espírito dos
2
A crise de 1929 foi uma crise de superprodução e de subconsumo, já que não havia procura suficiente para
absorver toda a oferta, o que fez com que ficassem muitos produtos sem serem adquiridos A consequência foi
uma queda generalizada dos preços que, por sua vez, resultou numa expressiva redução da renda dos
empresários, os quais, por causa do prejuízo que acumularam, retraíram os seus investimentos fazendo
contrair excessivamente o nível de emprego.
3
Da "mão invisível", do equilíbrio automático dos mercados e da lei dos mercados de Say.

8
tecnocratas norte americanos, como a solução para se sobrepor à anarquia empresarial
privada.
O planeamento constituía então a esperança de estabilização da vida económica,
libertando-a das flutuações cíclicas atribuídas ao capitalismo e permitindo o
restabelecimento da instituição do justo preço, abalado pelo liberalismo e pela lei da oferta
e da procura.
No entanto as resistências ao planeamento económico foram muitas, mesmo
depois da primeira experiência consistente levada a cabo na Rússia em 1928. Só a depressão
dos anos 30 e a Segunda Guerra criariam as condições para o enfraquecimento daquela
resistência.
O planeamento económico acabou por se apresentar como um instrumento de
emancipação dos povos. Mas, mesmo assim a preocupação da defesa das liberdades
individuais ameaçada pelo planeamento, continuou a colocar alguns obstáculos à sua
expansão.
O problema do ajustamento dos planos económicos à necessária salvaguarda das
liberdades políticas ganha a maior importância nos países cujas estruturas económicas são
de tipo capitalista e onde se pretende impor o planeamento em bases não políticas. Nas
estruturas económicas socialistas a questão não coloca. Por um lado, porque o próprio
conceito de liberdade política é distinto e, por outro lado, porque é de cariz político – de
acordo com os objectivos estabelecidos pelo Estado – o julgamento das opções técnicas
propostas pelos especialistas em planificação.
Uma controvérsia ainda hoje suscitada é a relativa à possibilidade, ou não, de
adaptação lógica do planeamento a estruturas económicas não socialistas. Esta questão
costuma resolver-se algumas vezes com adopção de terminologia diferenciada. Aos
processos de planeamento socialistas chama-se planificação e aos planos económicos dos
Estados capitalistas chama-se planeamento. E a diferença de conteúdo estará no carácter
imperativo dos planos socialistas em contraponto com o carácter meramente indicativo dos
planos capitalistas.
Não obstante o reconhecimento das diferenças entre o planeamento capitalista e a
planificação socialista, é de admitir uma tendência para transformar, ainda que lenta e
progressivamente, o planeamento em planificação.
Numa economia de mercado o desenvolvimento económico não é um fim
procurado. Ele deriva da acção individual dos agentes económicos que, ao investirem, não
procuram desenvolvimento económico, mas a sua riqueza individual, o seu segmento de
poder. Concluímos, pois, que o desenvolvimento económico é um derivado, uma
consequência, e não uma meta estrategicamente procurada, tal como no passado o
crescimento económico não foi um objectivo procurado, mas sim o resultado da imposição
de uma certa organização à sociedade, pelas classes abastadas, visando exclusivamente o
crescimento da sua riqueza e de seu poder.
No presente existem as estratégias económicas dos governos. Eles traçam planos
contendo as linhas gerais da evolução previsível e desejável dos sistemas produtivos.
Delineiam as actuações mais concretas nos domínios do emprego, da moeda e do crédito, da
balança de pagamentos, etc.. Tais planos, tais estratégias não deixam, no entanto, de ser
parciais, em sistemas económicos de livre concorrência. Há vastas áreas do sistema
produtivo que escapam à acção do Estado. Por isso se diz que o planeamento capitalista (em
condições de uma economia de mercado) consiste de estratégias parciais.

9
Nos países desenvolvidos de orientação capitalista o sistema está capaz de criar
desenvolvimento económico, não obstante a parcialidade do impacte das estratégias
económicas. A ausência de uma estratégia global não impede o crescimento. O capitalismo
que trouxe desenvolvimento económico no passado continuará a traze-lo para aqueles
países que dele beneficiaram no passado. Os outros, os países pobres, não se conseguem
desenvolver significativamente só por adoptarem um sistema de economia de mercado. A
lógica internacional do sistema não o permite. O panorama actual da economia mundial e a
evolução recente dos países pobres aí está para o demonstrar. É necessária uma estratégia
global e o correspondente planeamento para conjugar com sucesso os parcos recursos de
que dispõem os países pobres. Só nestas condições se podem evitar a irracionalidade e os
desperdícios.

1.4. O Crescimento e o Desenvolvimento Económico


Todos os países, ricos ou pobres, seja qual for o seu regime político, procuram o
desenvolvimento económico. A razão é clara: é o desenvolvimento económico que permite
obter maior produção, que por sua vez está na origem da melhoria das condições de vida
das populações. O desenvolvimento económico é, pois, um objectivo instrumental, que
suporta a prossecução do objectivo final que é a melhoria de vida da população.
Porém, muitas vezes, apenas uma fracção da população beneficia do
desenvolvimento económico, ou seja, este transforma-se num fim em si e não num meio de
atingir um fim. Nesses casos procura-se com o desenvolvimento económico, não a melhoria
de vida da população, mas mais riqueza e poder para aqueles que investem. E o
desenvolvimento económico passa então a confundir-se com a degradação da natureza, a
poluição, a mecanização da vida quotidiana e a destruição dos laços entre o homem e a
natureza. Tudo isto obriga a reflectir sobre a génese do desenvolvimento económico e a sua
rácio.
Uma simples observação superficial mostra que as condições materiais de vida dos
povos são caracterizadas pela desigualdade. E não só pelas diferenças culturais, ou pelos
condicionamentos climatéricos e geográficos. A questão de saber se um povo está mais
satisfeito nas suas necessidades do que outro é uma questão que teria que ser estudada de
uma outra perspectiva. Admitindo, contudo, que os níveis padrão de satisfação de
necessidades são comuns, verificamos que existe um desnível evidente, e crescente, entre
os países do Mundo.
As tentativas para explicar as causas das desigualdades económicas no plano
internacional são muito diversas e muito antigas. De entre elas contam-se as que as
atribuem à diversidade de fertilidade dos solos e à riqueza dos subsolos, as que as fazem
depender do clima e das suas consequências no comportamento dos indivíduos, ou as que
as relacionam com as religiões e a organização política.
Segundo (Bresser-Pereira, 2006) “desenvolvimento económico é um fenómeno
histórico que passa a ocorrer nos países ou estados-nação que realizam sua revolução
capitalista, e se caracteriza pelo aumento sustentado da produtividade ou da renda por
habitante, acompanhado por sistemático processo de acumulação de capital e incorporação
de progresso técnico. Uma vez iniciado, o desenvolvimento económico tende a ser
relativamente automático ou auto-sustentado na medida em que no sistema capitalista os
mecanismos de mercado envolvem incentivos para o continuado aumento do stock de capital

10
e de conhecimentos técnicos. Isto não significa, porém, que as taxas de desenvolvimento
serão iguais para todos: pelo contrário, variarão substancialmente dependendo da
capacidade das nações de utilizarem seus respectivos estados e sua principal instituição
económica, o mercado, para promover o desenvolvimento. No longo prazo dificilmente
regride, porque a acumulação de capital em uma economia tecnologicamente dinâmica e
competitiva, como é a capitalista, passa a ser uma condição de sobrevivência das empresas,
mas as taxas de crescimento económico são tão díspares que fica claro que a sorte
económica dos estados-nação está longe de estar assegurada (...)”
Nas últimas décadas do século passado, na sequência da teoria socialista sobre o
imperialismo4, foi apontada como causa determinante do subdesenvolvimento a
dependência política dos povos colonizados. Segundo essa teoria, a expansão colonial dos
países industrializados – que por essa via encontravam soluções para as limitações impostas
por um capitalismo fechado e as suas consequências – levou a que os países colonizados
ficassem politicamente dependentes e, consequentemente, também economicamente
dependentes. Assim, esses países colonizados não deveriam competir com as respectivas
metrópoles, criando-se, antes, uma complementaridade entre as duas economias, de tal
forma que o colonizador seria o produtor de produtos acabados, manufacturados nas suas
indústrias, enquanto os colonizados seriam os produtores de matérias-primas. Enfim,
estariam as nações colonizadas condenadas a produzir no sector primário (agricultura e
mineração) enquanto o sector secundário e terciário (indústria e serviços) ficaria reservado
às nações colonizadoras. E só estes sectores dariam garantias de elevação do
desenvolvimento económico de um povo, visto que os países de mais elevado nível de vida
material eram também os mais altamente industrializados.
Esta teoria, embora muito bem recebida pelas nações recentemente descolonizadas
e, em geral, pela comunidade política dos países menos desenvolvidos, oferecia algumas
reticências. E estas colocavam-se, fundamentalmente, no sentido de que dificilmente se
entenderia que tendo sido o colonialismo a causa exclusiva do subdesenvolvimento, países
que nunca tinham sido colonizados tivessem níveis de pobreza maiores do que países só
recentemente descolonizados. Outra questão dúbia era a de saber se a industrialização
constituía, ou não, a causa do desenvolvimento das nações. Embora fosse admissível em
alguns casos, havia que admitir, também, que noutros casos ela tinha sido consequência do
desenvolvimento acelerado da agricultura, da pecuária e da indústria extractiva. Este foi,
pelo menos, o caso dos Estados Unidos da América, do Canadá, da Austrália e da Nova
Zelândia (Martinez, 1996).
Na base do pressuposto de que a industrialização é a causa do desenvolvimento
económico e que o sector primário não oferece garantias de elevação do nível de bem-estar,
alguns países recentemente descolonizados abandonaram o modelo de crescimento assente
no sector primário para fundar a sua economia na indústria transformadora 5. Essa opção
legitima a colocação de algumas questões: será que o Mundo poderá suportar um
crescimento indefinido da produção industrial em contrapartida de uma redução da
actividade na agricultura? Não será oportuno apreciar se a pobreza relativa do sector

4
- Desenvolvida primeiro por Karl Marx e depois por V. I. Lenine.
5
- Um relatório do Banco Mundial (1987) da década de oitenta do século passado afirmava a falência de alguns
processos de industrialização levados a cabo por alguns países chamados em vias de desenvolvimento e
denunciava a falsidade das teorias que faziam depender o progresso económico exclusivamente da
industrialização.

11
primário resultará de uma prática de fixação de preços relativos imposta por
condicionalismos político-sociais (particularmente as pressões exercidas pelas classes
industriais, mais poderosas, junto dos poderes públicos)6?
A partir da década de 40 do século XX, o principal desafio para as economias deixou
de se colocar no plano conjuntural, para se situar no plano estrutural. Quer dizer, deixou de
ser o problema das flutuações económicas, cíclicas ou não, e passou a ser o problema do
desenvolvimento económico. Embora as questões conjunturais tenham continuado a
merecer um tratamento atento, os condicionalismos da evolução recente da economia
mundial colocaram no centro das atenções dos estudiosos da economia as questões
estruturais7.
O problema do desenvolvimento económico coloca-se de dois pontos de vista: o
primeiro, respeitante à evolução estrutural dos países em vias de desenvolvimento e, o
segundo, respeitante à evolução estrutural dos países desenvolvidos. Não obstante essa
duplicidade de pontos de vista, é quase sempre do primeiro que se fala quando se refere à
questão do desenvolvimento económico (ou do subdesenvolvimento). Muitas vezes, o
problema do subdesenvolvimento circunscreve-se mesmo à remoção da miséria à escala
mundial, ou até, à redistribuição da riqueza àquele nível. O subdesenvolvimento económico
é um fenómeno actual, caracterizado pela existência de países cuja população tem baixo
nível de rendimentos e, consequentemente, baixo nível de vida.
De acordo com Soares Martinez (1996) o critério da repartição per capita do
rendimento nacional é o indicador mais frequentemente usado para qualificar um país como
estando em vias de desenvolvimento. Mas trata-se de um critério arbitrário. Porque não é
conhecido qual o limite mínimo de capitação a partir do qual um país deixa de ser em vias de
desenvolvimento. Além de que uma capitação elevada pode resultar apenas da
prosperidade relativa de um sector (petróleo, diamantes, etc.). A ideia de
subdesenvolvimento em si mesma não é rigorosa.
Em geral, um país em vias de desenvolvimento apresenta características de elevada
pressão demográfica, instituições políticas e sociais desactualizadas, hipertrofia do sector
primário, baixo rendimento da mão-de-obra, má distribuição do rendimento global, reduzida
diversificação da produção e, muito frequentemente escassez de capitais. No entanto destas
características, algumas constituem causas e efeitos do mesmo fenómeno. Tudo se interliga
e constitui implicações: a exiguidade do capital acumulado conduz a baixos níveis de
produtividade, aos baixos rendimentos e à pobreza, que por sua vez proporciona baixas
taxas de escolaridade e desenvolvimento cultural e profissional da população. Tudo isto
impede o crescimento económico e origina a fraca diversificação da produção, o que conduz
à incapacidade de gerar poupanças e, logo, incapacidade de acumular capitais. É um ciclo
vicioso que se repete constituindo-se num movimento perpétuo de geração de pobreza e
dependência (Martinez, 1996).
A actual divisão dos países em dois grandes blocos – o dos países ricos e o dos
países pobres – começou a desenhar-se com a colonização. Os europeus montaram nas suas
colónias o espelho económico dos seus sistemas produtivos. Eles estavam interessados nos
recursos naturais primários, e na mão-de-obra barata. Para isso construíram estradas,

6
- Este problema (do generalizado e progressivo empobrecimento do sector agrícola) que se encontra
geralmente nas economias nacionais, encontra paralelo também na economia mundial.
7
- O confronto entre os povos, decorrente das desigualdades que entre eles se notam, tornou imperioso dar
respostas às questões do desenvolvimento e às formas de atenuar essas desigualdades.

12
caminhos-de-ferro, abriram minas, organizaram plantações, escravizaram ou
arregimentaram as populações locais, desligando-as dos seus habitats naturais, da sua
cultura, tradições e vínculos sociais.
Os antigos sistemas económicos das regiões tornadas colónias foram destruídos
sem que nenhum sistema integrado fosse construído em substituição. A nova organização
económica criada nas regiões colonizadas não tinha dimensão própria nem coerência
interna, apenas podendo funcionar na dependência da metrópole e só marginalmente os
sistemas produtivos montados nas colónias alimentavam as suas populações. A
independência nacional desses territórios, trouxe consigo o agravamento da situação. O
corte do cordão político que ligava essas colónias às respectivas metrópoles impôs aos novos
Estados a responsabilidade de lidarem com toda a espécie de problemas que o colonialismo
tinha criado, mas manteve a dependência das exportações desses países para os seus
mercados tradicionais (as antigas potências coloniais). Assim, as regiões subdesenvolvidas
continuaram na órbita dos países ricos.
Mas será possível superar o subdesenvolvimento? Os países que hoje são
desenvolvidos nem sempre o foram. E os ciclos do subdesenvolvimento não são ciclos fatais.
Portanto é necessário que os países pobres rompam esses ciclo, que contrariem a lógica
internacional, que contrariem a lógica interna do enriquecimento fácil, que estruturem as
suas sociedades e programem o crescimento.
Uma teoria geral da economia deve pressupor um modelo de desenvolvimento
económico, já que não faz sentido uma construção integral do encadeamento dos
fenómenos económicos que não contenha uma referência à sua origem e ao seu sentido de
evolução. Em relação às teorias do desenvolvimento económico é importante distinguir as
deterministas das não deterministas, as monistas das pluralistas, e ainda, as que se baseiam
em pressupostos de progresso indefinido daquelas que admitem a hipótese de regressão
económica.
As teorias deterministas são aquelas que partem de hipóteses infalíveis, pré-
determinadas. Tal é o caso da teoria da renda de David Ricardo (a elevação das rendas da
terra é irreversível e condenará a classe operária ao empobrecimento), ou de Karl Marx (as
estruturas capitalistas estão condenadas ao desaparecimento).
As teorias monistas são aquelas que dependem de um único factor. É exemplo de
teoria monista a teoria da inovação de Schumpeter já que faz depender o desenvolvimento
económico apenas das inovações empresariais.
As teorias de progresso indefinido são aquelas que assentam em pressupostos de
que o desenvolvimento económico tende para um objectivo, uma meta, indefinida.
Normalmente encontra-se esse pressuposto nas modernas políticas de planeamento que
procuram integrar modelos de desenvolvimento económico.

1.4.1.Funções da agricultura no processo de desenvolvimento económico


De acordo com Johnston e Mellor (1961), num processo de desenvolvimento a
agricultura é, geralmente, o sector que utiliza a maior parte dos recursos económicos de um
país e responde pela maior contribuição para a formação da renda nacional. Portanto é
expectável que o desenvolvimento de outros sectores da economia nacional dependa da
acumulação gerada na agricultura.
Segundo aqueles autores, a contribuição da agricultura para os demais sectores da
actividade económica pode ser esquematizada assim:

13
1.º) Transferência de recursos produtivos do sector agrícola para o sector não-agrícola
(mão-de-obra e capital);
2.º) Criação de mercado;
3.º) Mudanças nos termos de troca;
4.º) Geração de divisas;
5.º) Produção de matérias-primas e alimentos.

Um país em vias de desenvolvimento que tem na agricultura a sua principal fonte


de subsistência não tem outra saída senão forçar a geração de excedentes para o
desenvolvimento a partir desse recurso. E há pelo menos três formas como o excedente aí
gerado pode passar para outros sectores:
i) por investimentos realizados pelos próprios agricultores;
ii) por captação desses excedentes por via tributária e investimento noutros
sectores;
iii) pela captação desses excedentes pelo mercado financeiro e a sua realocação a
outros sectores de actividade económica.
“O declínio secular do sector agrícola e a transformação estrutural de uma
economia, que caracterizam a dinâmica do crescimento, enfatizam a importância e a
dificuldade do problema da acumulação de capital num país em vias de desenvolvimento”
(Johnston & Mellor, 1961).
A transferência de capital e mão-de-obra deve ser interpretada, por um lado, em
termos absolutos e, por outro, em termos relativos: Em termos absolutos porque o capital
gerado na agricultura e a população empregada na agricultura migram para sectores
diferentes daquele; Em termos relativos porque quando os países passam por um período de
crescimento, incluindo o crescimento populacional, a sua agricultura tende a expandir,
requerendo aumentos de mão-de-obra e de capital. Contudo, mesmo nessa condição a
agricultura estará a concorrer para o desenvolvimento desde que o uso dos factores não
cresça à mesma velocidade do crescimento da produção, quer dizer, se a actividade agrícola
registar ganhos de produtividade (Conceição & Conceição, 2013).
A transferência de recursos, absoluta ou relativa, ocorre caso se verifique o
aumento da produção agrícola. Porém, como afirmam Johnston e Mellor (1961), se o nível
de crescimento populacional se mantiver e o nível tecnológico também se mantiver, os
níveis de renda tenderão a diminuir à medida que a força de trabalho agrícola continuar a
crescer.
No que toca à criação de mercado verifica-se que esta constitui um amplo mercado
para produtos manufacturados. Um aspecto a ter em conta é o relativo à mudança dos
termos de troca entre a indústria e a agricultura. Este facto actua como um sorvedouro de
recursos de capital financeiro da agricultura para os outros sectores da economia. Além de
reduzir o preço relativo das matérias-primas de origem agrícola ele provoca a diminuição do
custo de vida nos centros urbanos e, em consequência permite que o nível dos salários e
demais custos industriais permaneçam baixos, contribuindo para a elevação do lucro no
sector industrial.
Outra contribuição da agricultura para o desenvolvimento pode resultar da geração
de divisas (moeda externa) que decorre da exportação dos produtos deste sector.

14
Finalmente, a agricultura fornece um fluxo de matérias-primas para a indústria e os
bens alimentares para os centros urbanos onde o fundamental dessas actividades é
exercido.

15
2. A TEORIA DOS MERCADOS
O mercado define-se pela existência de forças aparentemente antagónicas: as da
oferta e da procura. Elas ocorrem simultaneamente e definem as condições desse mercado:
i) Através dos seus mecanismos os produtores adaptam os níveis de produção às
necessidades da sociedade;
ii) Os vendedores e os compradores ajustam as quantidades oferecidas e procuradas dos
diversos bens;
iii) A oferta confronta-se com a procura para se definir o preço e as quantidades a
transaccionar.

A quantidade procurada de um bem, designa a quantidade desse bem que os


compradores desejam adquirir num determinado momento. A quantidade procurada
depende de vários factores tais como:
 O rendimento de que os compradores dispõem – o aumento dos rendimentos dos
consumidores origina aumentos na procura dos diferentes bens.
 O preços dos bens e dos seus sucedâneos e complementares – se o preço de um bem
aumenta a procura desse bem diminui e quando o preço de um bem diminui a procura
desse bem aumenta. Para além do seu próprio preço, a quantidade procurada de um
bem depende ainda da variação dos bens sucedâneos e complementares. No caso de
dois bens complementares, a diminuição ou aumento do preço de um deles provoca
aumentos ou diminuições da procura dos dois bens.
 As preferência dos consumidores – a quantidade procurada de um bem também varia
com as alterações na preferência dos consumidores. Se, por influência da moda houver
um aumento da procura de botas, a procura de sapatos tenderá a diminuir.
Podemos então assumir que os principais elementos determinantes da procura são
o rendimento, os preços (do próprio bem e dos outros bens) e as preferências dos
consumidores.
O estudo da formação dos preços assenta, geralmente, na hipótese de concorrência
perfeita. Embora se reconheça que a concorrência perfeita constitui uma pura abstracção,
foi daquela hipótese que partiram as primeiras teorias sobre os preços. E tem que se
reconhecer que ela ainda oferece o esquema lógico de base mais adequado para o estudo
dos mercados.

2.1. A Concorrência Perfeita – Fluidez e Atomicidade dos Mercados


Houve quem tivesse caracterizado a concorrência perfeita pela abstenção do Estado
de interferir nos mercados. Foi a posição dos primeiros liberais reagindo à regulamentação.
Desde que o Estado – o poder público – não impusesse os preços, não os limitasse, nem
impusesse limites às quantidades a transaccionar, o regime seria de concorrência perfeita.
Nesse sentido, a concorrência perfeita não terá sido, no passado, de muito difícil verificação.
Mas, outros autores mais exigentes e dispondo de conhecimento do funcionamento
das estruturas liberais, disseram que a concorrência perfeita dependeria não apenas da

16
abstenção do Estado, mas também de quaisquer coligações de particulares. Ainda assim
haveria a registar inúmeros exemplos reais de concorrência perfeita.
A teoria económica moderna tornou-se ainda mais exigente ao reclamar a
existência de concorrência perfeita só naqueles casos em que se verifica a fluidez e a
atomicidade dos mercados.
A ideia de atomicidade e fluidez já se podia encontrar no esquema clássico da teoria
dos preços.
A fluidez de um mercado exige alguns pressupostos:
I. Liberdade de fixação de preços – Não haverá fluidez de mercado se o Estado fixar
os preços, ou mesmo, se estabelecer limites máximos e mínimos aos preços, ou
se entre os vendedores ou compradores se tiver estabelecido acordos quanto ao
nível de preços;
II. Liberdade de fixação de quantidades de bens a transaccionar – Não haverá
fluidez de mercado quando os bens estão racionados, ou quando se lhe fixam
quotas de produção ou comercialização;
III. Liberdade de negociação das transacções – Não haverá fluidez de mercado
quando vendedores e compradores não têm possibilidade de estabelecer
relações uns com os outros;
IV. Homogeneidade dos produtos – Não haverá fluidez de mercado quando os
produtos lançados no mercado apresentam qualidades diferentes, ou quanto às
condições de venda 8.
As relações entre vendedores e compradores não ficam limitadas apenas pela
intervenção do Estado ou pela coligação de interesses particulares. Há outra categoria de
obstáculos à livre negociação, ao livre estabelecimento de relações mercantis. Dentre estes
despontam, a rotina, a ignorância, a falta de tempo e as ligações sociais.
A grande diversidade das condições de venda9 e a falta de liberdade real no
estabelecimento de relações entre compradores e vendedores, tornam difícil de encontrar
mercados fluidos. Assim, a maior parte dos mercados dizem-se rígidos.
Porque não cumprem os requisitos de fluidez a maioria dos mercados não são
fluidos, são rígidos ou viscosos. Em relação a eles não se verifica a hipótese de concorrência
perfeita.
A concorrência perfeita não depende apenas da fluidez dos mercados. Também
depende da sua atomicidade.
Um mercado é classificado como atomístico quando as suas condições se mostram
independentes da conduta isolada de qualquer vendedor ou de qualquer comprador. O
preço não varia porque um vendedor ou um comprador se retirou do mercado ou porque
mais um comprador ou um vendedor acorreu ao mercado.

8
- O mercado mundial de petróleo cru, por exemplo, não é fluído quanto à qualidade das ramas, pois há
diversos tipos de ramas. A cada tipo de rama poder-se-á fazer corresponder um mercado mais restrito, já fluido
no que respeita à homogeneidade.
As condições de venda dizem respeito à reputação do vendedor, à sua cortesia, às facilidades de crédito, etc..
9
- Porque há estabelecimentos bem localizados e mal localizados, bons vendedores e maus vendedores, etc..

17
Para que um mercado seja atomístico é preciso:
i) Que o número de vendedores e compradores seja suficientemente grande;
ii) Que as quantidades de bens vendidos ou comprados só por um deles não tenha
influência no nível do preço.
Assim, por exemplo: a) se no mercado do milho se encontrarem um grande número
de produtores mais ou menos modestos, de modo que a retirada de um deles não faça subir
o preço, e compradores retalhistas também modestos e em grande número, de tal modo
que a retirada de um deles não faça baixar o preço, esse mercado será atomístico; b) Já o
caso do mercado do petróleo não constituirá um mercado atomístico, por serem pouco
numerosos e muito influentes os produtores (a reacção de um deles nesse mercado há de
influenciar as respectivas condições).

2.2. Procura Racional e Condicionada


Para um sujeito económico, a procura é a quantidade de bens e serviços que ele
quer adquirir e para cuja aquisição tem poder de compra suficiente. A necessidade dos bens
ou serviços, por si só, não caracteriza a procura. Há indivíduos que têm necessidade de
casas, de automóveis, de jóias, etc., mas não têm dinheiro suficiente para os comprar. Essas
necessidades não contribuem para a formação da procura. Ela pressupõe a possibilidade de
compra e uma necessidade suficientemente forte para impelir um sujeito económico a
acorrer ao mercado.
A teoria pura da concorrência perfeita pressupõe que a procura seja realizada por
um indivíduo livre e racional, cujos comportamentos resultam apenas de representações
racionais. Mas esse indivíduo dominado por motivos puramente racionais situa-se no
esquema abstracto, desligado da realidade, do “homo economicus”, apenas utilizável para
facilidade de estudo. Todos, ou quase todos os homens são movidos, em simultâneo, por
razões de ordem racional – e nessa medida, enquanto compradores, querem obter os bens
ao menor preço – e por razões de ordem emocional – mostrando-se sensíveis à
apresentação dos produtos, às exigências da moda às relações mantidas com os vendedores,
etc.
Para o sujeito económico inteiramente condicionado pelo meio, dominado por
motivações de ordem psicológica, parece impossível determinar, ainda que grosso modo,
quais são as suas reacções. Elas escapam a qualquer previsão. Um sujeito económico assim
estaria disposto a adquirir todos os bens oferecidos pelos vendedores, mesmo não
necessitando deles. E iria assim até ao limite da sua capacidade aquisitiva.
Porém, porque não se sabe quais os motivos de atracção para este sujeito, ou seja,
como não se sabe que motivos o levam a comprar, também não se dispõe de informações
suficientes para conhecer as suas reacções no mercado. É possível que a noção de procura
perca o seu perfil em relação a um sujeito económico inteiramente condicionado.
Não obstante, tem-se pretendido construir uma teoria da procura em relação ao
sujeito económico parcialmente racional, parcialmente condicionado, que corresponde à
maioria dos compradores: A procura é fixada, parcialmente, em função da utilidade dos bens
e dos preços (já que o comprador é racional); Mas também depende de outros factores
exógenos ao indivíduo (porque o comprador é condicionado). Pretende-se então que em tais

18
circunstâncias, as quantidades procuradas variarão entre limites mínimos e máximos,
decididos pela racionalidade do comprador que nem deixa de comprar, nem comprará
ilimitadamente só para satisfazer as suas motivações emocionais.

2.3. A Elasticidade da Procura – Os Efeitos de Substituição e Rendimento


Assumindo-se a racionalidade do comprador, a procura depende das variações dos
preços. Mas o grau de dependência não é constante. Os compradores procuram resistir à
elevação dos preços limitando a procura. No entanto, essa resistência não é sempre igual
nem na forma nem na intensidade: a sua amplitude pode ser maior ou menor. O grau de
dependência que a procura mantém relativamente à variação dos preços chama-se
elasticidade da procura10.
A elasticidade da procura depende de diversas circunstâncias, das quais se podem
destacar duas essenciais: i) a intensidade das necessidades; ii) o volume que os bens ocupam
nos orçamentos dos compradores.
Se o potencial comprador achar que a necessidade a satisfazer através do bem que
pretende adquirir é prioritária – com razão ou sem ela – a sua resistência face a um aumento
de preços não é muito marcante. A procura mostrar-se-á pouco elástica. É o que acontece
relativamente aos chamados bens de “primeira necessidade”.
Também é pouco elástica a procura de bens de pequeno relevo no orçamento dos
compradores. É o caso do sal, dos fósforos, etc.
Ainda é de referir a pouca elasticidade de procura que acusam os indivíduos de alto
rendimento, para os quais os aumentos de preços não fazem reduzir o seu volume de
compras.
Em termos gerais, a elasticidade da procura pode explicar-se através do efeito de
substituição e do efeito de rendimento.
O efeito de substituição verifica-se quando o comprador, face a um aumento de
preço, tem possibilidade de substituir o bens cujo preço aumentou, por outro, cujo preço
não aumentou – mesmo que não seja um sucedâneo. Por exemplo: se o preço da carne
aumenta, o consumidor tende a adquirir e consumir mais peixe e ovos.
O efeito de rendimento ocorre porque quando o preço de um bem aumenta o efeito
sobre o rendimento real do comprador é o de uma redução. Por força dessa redução do seu
rendimento (do seu poder aquisitivo) o sujeito é forçado a restringir a aquisição dos bens
que compra, incluindo a do bem (ou bens) cujo preço aumentou.

2.4. Oferta racional e Condicionada


A oferta individual é constituída pela quantidade de bens que alguém dispõe e
deseja vender. Podemos tomar a oferta como o oposto da procura.

10
- Está-se a falar aqui da elasticidade directa da procura, isto é, do nível de dependência da procura
relativamente às variações de preços do bem procurado. Mas pode-se falar também da elasticidade cruzada,
ou seja, medida pela variação dos preços de outro ou outros bens diversos. Esta elasticidade cruzada é
interessante nos casos de análises relativas a bens sucedâneos e complementares.

19
Da mesma forma como é importante considerar diversos tipos de compradores,
também em relação à oferta se deverá apreciar a hipótese de o vendedor ser movido por
impulsos racionais ou se mostrar, parcialmente racional e parcialmente condicionado.
A hipótese do vendedor totalmente condicionado é também rejeitada. Aliás,
mesmo a hipótese do sujeito económico parcialmente condicionado oferece maior interesse
do ponto de vista da procura, já que os compradores aparecem no mercado como indivíduos
particulares, não profissionais e não especializados. Daí a sua maior exposição aos factores
condicionantes. Já os vendedores são, em regra, profissionais. Estes, embora, não se
encontrem totalmente imunizados quanto a influências possíveis de factores emocionais,
tendem a aproximar os seus comportamentos do esquema baseado no pressuposto da pura
racionalidade, até mesmo pelo facto de serem os melhores conhecedores das condições do
mercado (o que não acontece com a generalidade dos compradores).
A procura aumenta quando os preços baixam e diminui quando os preços sobem.
Ao contrário, a oferta aumenta quando os preços sobem e diminui quando os preços
baixam. Sendo assim, a oferta varia na razão directa das variações dos preços e na razão
inversa das variações da procura. Esta conclusão resulta de reacções lógicas dos vendedores:
Se o preço dos bens de que dispõem não compensa, então será preferível consumi-los, ou
armazená-los, esperando melhores preços no futuro.
A variação da oferta na razão directa das variações dos preços deve ser admitida
com reservas. Algumas vezes, a diminuição do preço corresponde a uma oferta maior. Por
exemplo: se um vendedor dispõe de 500 unidades de um produto e precisar urgentemente
de 200.000,00 Kz para pagar um fornecimento ou uma dívida ao banco. Se o preço do
produto que ele dispõe for de 500,00 Kz, bastará lançar no mercado 400 unidades para obter
o valor de que necessita, podendo armazenar 100 unidades na expectativa de que o preço
cresça. Se o preço unitário se fixasse em 400,00 Kz, o vendedor deveria colocar no mercado,
as 500 unidades disponíveis para obter a quantia de que necessita. No caso contrário, de o
preço unitário subir – por hipótese, para 1.000,00 Kz – o vendedor poderia limitar-se a
vender 200 unidades para obter a quantia que necessitava. Neste caso a subida de preço
provocaria uma redução da oferta.
As reacções da oferta podem explicar-se também através do efeito de substituição e
do efeito de rendimento. Só que relativamente à procura os dois efeitos actuam no mesmo
sentido – forçando a redução da procura quando o preço sobe – relativamente à oferta os
efeitos são divergentes.
O efeito de substituição levará o vendedor a dar aos bens outro destino quando o
preço não for julgado remunerador. O efeito de rendimento irá impelir o vendedor a vender
mais quando o preço desce (pela necessidade de manter um certo nível de rendimento).
Enquanto o efeito de substituição contribui para fazer variar a oferta na razão
directa do preço, o efeito rendimento contribui para que a variação da oferta seja inversa da
variação do preço.
De modo semelhante ao da procura parcialmente condicionada, também a oferta
parcialmente condicionada varia por força de motivações emocionais indetermináveis, mas
dentro de limites racionais.

20
2.5. A Elasticidade da Oferta
Às variações da oferta corresponde um conceito de elasticidade da oferta. Esta
elasticidade determina em medida que a oferta depende das variações do preço. Nela
influem, para além dos efeitos de substituição e de rendimento, principalmente os seguintes
factores: a maior facilidade de armazenagem dos bens oferecidos e a maior ou menor
facilidade de transporte desses bens.
Quando os bens oferecidos são facilmente perecíveis, a elasticidade da oferta tende
a reduzir-se, porquanto, mesmo em presença de reduções de preços os vendedores querem
desfazer-se deles com receio de que se percam. Reacções semelhantes se notam nos casos
de transportes difíceis, porque, renunciando a vender, os vendedores têm de transportar
esses bens para os locais de armazenagem.

2.6. Mercados de Concorrência Imperfeita – Monopólios e Oligopólios


Vimos que o regime de concorrência perfeita é definido através das ideias de
atomicidade e fluidez. Quando uma dessas características desaparece, os mercados já não
são de concorrência perfeita.
A característica da atomicidade deixa de se verificar quando um, ou alguns
vendedores, ou compradores, se tornam suficientemente poderosos para, pelas variações da
sua oferta, ou da sua procura individuais, influírem na fixação do preço. Se, se tratar de
alguns compradores, ou vendedores, a procura, ou a oferta, diz-se molecular; Se, se tratar de
um comprador ou um vendedor apenas, a procura diz-se monolítica.
A característica da fluidez deixa de verificar-se por falta de homogeneidade dos
produtos transaccionados, por falta de liberdade, por desconhecimento das condições do
mercado, por falta de tempo, por rotina, por incapacidade de reagir racionalmente em
relação às condições do mercado11. Sempre que o mercado não é fluído, diz-se que ele é
viscoso. Num mercado viscoso ainda subsiste uma certa mobilidade de compradores e
vendedores. Quando essa pouca mobilidade desaparece, o mercado torna-se rígido.

2.6.1.Tipos de mercado de concorrência imperfeita


As condições de atomicidade e de fluidez podem dizer respeito apenas à oferta ou
apenas à procura e também os graus de ausência de fluidez e atomicidade podem dizer
respeito somente a compradores ou somente a vendedores. Por conseguinte, diversas
situações quanto à oferta e quanto à procura podem aparecer combinadas nos mercados.
Dessa combinação resulta o respectivo regime.
Stackelberg (1952) apresentou, através dos seus quadros, as combinações possíveis
da oferta e da procura e as definições dos respectivos mercados daí resultantes.
À oferta ou procura monolítica chamou monossituação;
À oferta ou procura molecular chamou oligossituação;
À oferta ou procura atomística chamou polissituação.

11
- Quando se introduz na análise da formação dos preços a influência de razões não racionais já se abandona,
de certo modo, a condição de fluidez. Não obstante, a viscosidade que resulta da permeabilidade dos sujeitos
económicos a factores emocionais é uma viscosidade natural, à qual se opõe uma viscosidade artificial, criada
por condicionamentos legais de mercados, por acção da publicidade, etc..

21
As combinações encontradas foram as seguintes:

22
Tabela 1 - Combinações Possíveis da Oferta e da Procura

Procura Oferta
Monossituação Oligossituação Polissituação
Monossituação Monopólio Bilateral Monopsónio Monopsónio
Contrariado
Oligossituação Monopólio Oligopólio Oligopsónio
Contrariado Contrariado
Polissituação Monopólio Oligopólio Perfeito Concorrência
Perfeita
Fonte: (Stackelberg, 1952) adaptado.

Outro quadro de Stackelberg diz respeito à fluidez, tendo em conta se as


polissituções da oferta são ou não imperfeitas:

Tabela 2 - Situações de Imperfeição da Procura e da Oferta

Polissituações Imperfeitas Oferta ou Procura Polissituações Imperfeitas


(na Procura) (na Oferta)
Monopólio imperfeito Monossituações Monopsónio imperfeito
Oligopólio imperfeito Oligossituações Oligopsónio imperfeito
Concorrência Imperfeita Concorrência Imperfeita
Polissituações Perfeitas
(na procura) (na oferta)
Fonte: (Stackelberg, 1952) adaptado.

O monopólio imperfeito, tal como o oligopólio imperfeito, resultam da falta de


fluidez da procura;
O monopsónio imperfeito e o oligopsónio imperfeito resultam da falta de fluidez da
oferta;
A concorrência será imperfeita quando a procura ou a oferta, revelam falta de
fluidez.
2.6.1.1. Formação dos preços de monopólio
Existem duas espécies distintas de monopólios, quanto á sua origem:
i) Os que resultam de uma disposição legal – por motivos de preservação da
segurança nacional, quando o Estado entende que a produção e comercialização de certos
bens não devam estar nas mãos de muitos, ou ainda, por motivos financeiros, para assegurar
uma receita (álcool, tabaco, etc.) – chamam-se monopólios de direito;
ii) Já os que resultam de constituição natural – pela posse de um bem de qualidades
únicas, ou pelos mecanismos de mercado, através do afastamento dos concorrentes, ou
ainda da detenção de conhecimentos ou habilidades exclusivas – chamam-se monopólios de
facto.
Pretendeu-se estudar a formação dos preços no mercado de monopólio no
pressuposto da existência de um monopólio puro, isto é, de um mercado onde o vendedor
dispusesse, através do preço por ele fixado, da totalidade dos rendimentos dos
compradores. Mas os monopólios só se registam em relação a alguns bens e nunca a todos.

23
Num tal ambiente, mesmo os monopolistas sofrem a concorrência dos produtores de outros
bens em relação aos quais não detêm o monopólio12.
O agente em situação de monopolista, dominando apenas a oferta de um bem,
toma decisões respeitantes ao mesmo tempo ao preço e à quantidade oferecida visando
obter o máximo de lucro. Não obstante, ele não pode esquecer a elasticidade da procura, já
que se ele elevar o preço, alguns compradores se afastarão do mercado e se o baixar
reduzirá os seus rendimentos potenciais.
Segundo Cournot (1897), os níveis óptimos de produção e de preço correspondem à
igualdade da receita marginal e do custo marginal. Mas a receita para o monopolista não é
necessariamente aumentada pelo acréscimo de oferta como acontece para o vendedor num
mercado de concorrência perfeita. Aí, o vendedor pode aumentar a sua oferta individual e,
assim, aumentar a sua receita (porque, por definição, as variações da oferta individual num
mercado de concorrência perfeita não alteram as condições gerais, designadamente quanto
ao preço). Já num mercado monopolista, quando o vendedor aumenta a oferta provoca uma
redução do preço, não apenas em relação às unidades a mais que vende mas também em
relação às demais (respeitando o princípio da unidade). Assim, por exemplo um vendedor,
em condições de monopólio, poderia vender 1000 unidades de um bem por $2.000 cada
uma. Mas para vender mais 100 unidades teria de baixar o preço para $1.900. Nesta
situação, a venda de mais 100 unidades não lhe renderá $190.000, mas apenas $90.000:
1.ª Situação – 1.000 unidades x $2.000 = $2.000.000,00
2.ª Situação – 1.100 unidades x $1.900 = $2.090.000,00
Diferença................................................. $ 90.000,00
Importa fixar que o vendedor monopolista, embora com um domínio que o
vendedor em mercados de concorrência perfeita não tem, está, contudo, muito longe de
poder fixar livremente o preço. Ele fica limitado pela elasticidade da procura, mesmo que
imperfeita, e pelo custo de produção.
Segundo Abba Lerner (1934), o poder de monopólio revela-se através da seguinte
equação:
(P-C)
M= /P
Com M = poder de monopólio; P = preço; C = custo marginal.
Desta equação se conclui que quando os custos de produção são decrescentes, o
monopolista tem interesse em aumentar a oferta e baixar o preço; mas quando os custos de
produção são crescentes, terá vantagem em reduzir a oferta e aumentar o preço.
Existem algumas limitações, em relação à capacidade de fixação de preços e da
oferta, que transcendem o próprio mercado monopolista. São as respeitantes ao receio de
entrada no mercado de concorrentes que viessem a destruir a situação de monopólio (nos
casos de monopólios resultantes de mecanismos de mercado).

12
A empresa que hipoteticamente detivesse o monopólio da produção da maçã na Huíla, não deteria o
monopólio da maçã na totalidade do país e muito menos o monopólio da produção da fruta, à escala nacional e
mundial. Mas, mesmo nesse caso teria que concorrer com outros bens, já que uma elevação do preço da fruta
faria com que os consumidores fossem levados a consumir menos frutas e a reorientar os seus gastos para
outros bens que, não sendo sucedâneos, são alternativos.

24
Os monopólios permitem, nalguns casos, discriminações de preços. É o caso do
fornecimento de electricidade a preços diversos, conforme se trate de utilização industrial
ou doméstica, de consumidores de alto ou de baixo escalão. Também se verifica, às vezes,
nas vendas para o exterior. Estas discriminações de preços assentam no reconhecimento de
diversas elasticidades da procura. Sendo tais elasticidades diferenciadas, o monopolista
procura fixar preços mais elevados para os compradores cuja elasticidade da procura é
menor.
2.6.1.2. Teorias de Oligopólio
Para além das teorias da concorrência perfeita e do monopólio, também há registo
de estudos em torno dos mercados de oligopólio.
Uma primeira teoria parece ter sido a desenvolvida no início do séc. XIX por Cournot
(1897), através da sua análise de um duopólio simétrico em que a capacidade dos dois
únicos vendedores é semelhante e a actuação de cada um deles depende da actuação do
outro.
Bowley (1924) analisou os problemas do duopólio na base de reacções diversas dos
dois vendedores.
Stackelberg (1952) estudou uma hipótese distinta, de duopólio assimétrico, no qual
um dos vendedores é dominante, mas permitindo ao outro um certo volume de vendas nas
condições fixadas por aquele e com que este se conforma, gravitando como satélite em
torno do vendedor dominante.
Como procurou demonstrar Felner (1949) os oligopolistas tendem a quebrar o
círculo vicioso da sua interdependência conjuntural através de um acordo, expresso ou
tácito, susceptível de elevar os lucros conjuntos das diversas empresas e, sendo assim, o
oligopólio apresenta-se instável. Quer por um acordo entre todos, quer pelo domínio de um
deles, ou ainda pela diferenciação dos bens produzidos (pondo assim em causa a
homogeneidade do mercado) tende-se para um quase monopólio.
Não obstante, o oligopólio é teoricamente concebível e tem mesmo existência real.
A dúvida reside na possibilidade de construir uma teoria pura do oligopólio, assente em
pressupostos de racionalidade dos vendedores.
As teorias do oligopólio até agora formuladas abrangem múltiplos casos possíveis,
caracterizados por reacções pessoais dos oligopolistas, extremamente variáveis e afastando-
se muito da objectividade das teorias respeitantes aos preços em mercados de concorrência
perfeita e de monopólio.

2.7. Formação dos Preços Agrícolas e Rendas dos Agricultores


As teorias dos preços são elaboradas na perspectiva de mercados de produtos
industriais. Embora essa perspectiva se aplique vastamente a todos os mercados, em relação
a alguns é necessário estabelecer peculiaridades. É o caso dos produtos agrícolas.
Na análise da formação dos preços, a primeira dificuldade é o conhecimento do
custo de produção. Na agricultura, a quantidade de bens produzidos depende em larga
medida de factores naturais que o homem não domina.

25
Enquanto na Indústria, salva a hipótese de catástrofe, é sempre possível com maior
ou menor dificuldade, produzir a quantidade desejada, de automóveis, de frigoríficos, de
calçado, etc., na agricultura, nem sempre é possível produzir a quantidade desejada de
cereais, de frutas, de legumes, etc. (Martinez, 1996).
A dificuldade do cálculo do custo de produção dos artigos agrícolas não resulta
apenas da sua natureza, mas também de factores institucionais. O empresário agrícola não
revela, geralmente, as reacções próprias do empresário comercial e industrial. Tem atitudes
mais características do consumidor do que do vendedor: a maior parte das vezes não tem
contabilidade organizada, não determina o peso do autoconsumo relativamente à produção,
está quase sempre impossibilitado de realizar uma repartição nas despesas imputáveis aos
vários bens produzidos, etc. Consequentemente, o produtor agrícola, desconhecendo muitas
vezes o custo de produção não encontra neles uma limitação às variações dos preços.
Dependendo das irregularidades naturais da produção, a oferta de produtos
agrícolas é também irregular e descontínua. Essa descontinuidade é, em parte, atribuível a
esses produtos serem perecíveis e facilmente depreciáveis.
A elasticidade da procura de produtos agrícolas é mínima já que, na maioria, são
bens de primeira necessidade, cuja restrição de consumo é muito difícil. As variações de
preços não afectam acentuadamente a procura da generalidade dos produtos agrícolas,
salvo alguns artigos de luxo.
A instabilidade dos preços agrícolas reflecte-se na Lei de King, do nome do Inglês
Gregory King que, no séc. XVIII, determinou que os preços do trigo variavam na razão inversa
do volume das colheitas.
As particularidades dos preços agrícolas têm contribuído para as frequentes
intervenções dos governos na fixação desses preços. A sua instabilidade e
imprescindibilidade para sustento das populações tornam os preços agrícolas objecto de
preocupações especiais da classe política.
As políticas de compressão dos preços dos produtos agrícolas, realizadas em
benefício de outras classes da sociedade (particularmente as urbanas: comerciantes,
industriais, operários, burocratas, etc.) colocam, muitas vezes, o sector agrícola em má
situação, e cria condições de alteração da ordem económica e social também das cidades. E
nessas circunstâncias, surgem os subsídios à agricultura.

26
3. MODELOS TEÓRICOS DA RELAÇÃO AGRICULTURA E
INDUSTRIALIZAÇÃO
Vamos, neste capítulo, fazer uma pequena incursão na teoria económica,
explorando um pouco a relação entre o desenvolvimento agrícola e o desenvolvimento
industrial. Esta abordagem tem por objectivo analisar apenas os modelos que podem dar
uma visão geral dos problemas teóricos relacionados com a economia agrícola.
Antes de apresentarmos esses modelos, entretanto, seria interessante termos uma
breve visão geral do inter-relacionamento entre os dois sectores, para depois entrarmos nos
problemas específicos que os modelos seleccionados abordam. Para tal, valer-nos-emos de
um esquema apresentado por Hodder (1968) para quem o desenvolvimento económico é
um continuum13 tendo num ponto extremo uma economia subdesenvolvida e, no outro, uma
economia desenvolvida. Para se passar do subdesenvolvimento ao desenvolvimento, a
economia teria de atravessar um conjunto de estágios, definidos por uma série de
características.
Num dos extremos desse continuum, estaria a economia nos seus primórdios,
caracterizada por uma baixa densidade demográfica e com a população dedicada quase que
exclusivamente à agricultura, sendo esta do tipo "errante" 14.
Este tipo de agricultura apresenta uma série de vantagens relativamente a outros
tipos. Primeiramente requer pouquíssimo capital. Mas, talvez o aspecto mais importante e
que lhe confere inclusive a razão de ser nas fases iniciais do "desenvolvimento", é o facto de
requerer menor volume de mão-de-obra para produzir determinado volume de produção,
do que qualquer outro tipo de exploração agrícola.
Hodder (1968), diz que “as evidências de que dispomos, hoje em dia, sugerem que a
agricultura errante conduz a melhores resultados, relativamente à mão-de-obra utilizada, do
que a agricultura permanente".
E, prossegue afirmando que "seria a melhor forma de exploração da terra nas fases
iniciais de fixação do homem ao solo quando a densidade populacional é baixa".
Este tipo de agricultura, embora o mais indicado nas etapas inicias de fixação do
homem à terra, tem os seus inconvenientes: requer uma área muito extensa para que a
recuperação do solo possa ocorrer pelo alqueire e não leve a uma perda de fertilidade e à
sua erosão. Esta seria a restrição mais séria a este tipo de exploração da terra,
"especialmente onde a densidade populacional é mais elevada ou onde o costume restringe a
área cultivável, o sistema pode levar à exaustão do solo, à perda de fertilidade... e à erosão
da terra" (Hodder, 1968).
À medida que a densidade populacional aumente, esse tipo de agricultura constitui-
se num problema, requerendo a mudança para alguma outra forma de exploração da terra.

13
Conjunto de elementos tais que se possa passar de um extremo a outro de modo contínuo. Nas teorias
relativistas, corresponde a um espaço de quatro dimensões, cuja quarta dimensão é o tempo.
14
Por agricultura errante o autor entende “todos os tipos de agricultura que não são estritamente
permanentes”. Acredita Hodder que este tipo de agricultura deva ter sido aquele adoptado nas fases de
"desbravamento" de uma região. "Alguma forma de agricultura errante deve ter sido adoptada originalmente
pelos agricultores pioneiros, na maioria das regiões do mundo, e desta forma este tipo de agricultura pode ser
considerado simplesmente como uma expressão de um estágio de civilização – um estágio através do qual a
maioria dos sistemas agrícolas passou num determinado período".

27
"Uma vez que a densidade populacional atinja um determinado nível que torne impossível
um adequado pousio da terra, o sistema de agricultura errante torna-se impraticável,
devendo ser substituído por outro que permita que, pelo menos, a mesma quantidade de
alimentos possa ser produzida a partir de uma área menor em cultivo permanente" (Hodder,
1968).
Essa adaptação provavelmente só ocorre com muita lentidão e com grande atraso
relativamente às necessidades expressas numa densidade populacional crescente e em
níveis de renda decrescentes. Porém, eventualmente, algum tipo de cultivo permanente
deve evoluir face à crescente pressão demográfica.
Uma vez desenvolvido esse tipo de exploração da terra, entraríamos no segundo
estágio de Hodder. Este, ainda caracterizado pela utilização da maior parte da mão-de-obra
no sector agrícola, com uma baixa utilização de bens de capital, teria uma agricultura
permanente, representando isso a sua diferença fundamental relativamente ao primeiro
estágio.
O terceiro estágio ocorreria com o aparecimento do sector industrial e com a
crescente participação da mão-de-obra nesse sector. Ao mesmo tempo em que isso fosse
ocorrendo um mecanismo de feedback da indústria para a agricultura permitir-lhe-ia
desenvolver-se tecnologicamente. Esse seria o estágio em que os pesticidas e os herbicidas
começariam a ser utilizados. Haveria também a tendência para o trabalho na agricultura se
processar cada vez mais com o auxílio de máquinas. A agricultura passaria, portanto, a
empregar técnicas capital-intensivas, prescindindo de volumes importantes de mão-de-obra.
Este terceiro estágio daria lugar ao quarto e último estágio, que se caracterizaria
por uma agricultura extremamente sofisticada, pouco absorvedora de mão-de-obra e que,
quanto aos métodos da organização e distribuição de sua produção, pouco diferiria das
outras indústrias.
Muito resumidamente, este é o quadro do desenvolvimento agro-industrial dentro
do qual analisaremos os dois sectores pelo uso dos modelos teóricos que se seguem. A
ordem em que aparecem não pretendeu seguir nenhuma sequência cronológica. São apenas
apresentados na ordem que nos parece ser mais simples em termos de exposição.

3.1. David Ricardo – A Agricultura Como Factor Limitativo ao


Desenvolvimento Industrial
Sabemos da História que os pensadores que se dedicaram às questões económicas
sempre se preocuparam com a relação entre a agricultura e o desenvolvimento. Tais
preocupações já vinham expressas nas obras de Marco Catão e Lúcio Columela, na Roma
antiga, na obra dos Escolásticos medievais, primeiro, e dos mercantilistas, depois, dos
fisiocratas e dos clássicos. Destes últimos, o que, talvez, tenha conseguido estabelecer de
forma mais precisa a relação entre os dois foi o economista inglês David Ricardo.
O que preocupava Ricardo não era exactamente a relação entre a agricultura e o
desenvolvimento, tal como entendemos hoje o termo, mas sim as interacções do
crescimento populacional com uma agricultura tecnologicamente estacionária e uma
indústria em crescimento.

28
Numa visão bastante simplificada da concepção de Ricardo, podemos dizer que ele
via a economia dividida em dois sectores: o sector agrícola e o sector industrial. Nestes dois
sectores, o volume de produção dependia do volume de factores de produção empregados:
mão-de-obra, terra (recursos naturais) e capital. Quanto maior o volume dos dois últimos,
maior a produção. Além destes factores, cuja variação poderia aumentar ou diminuir o
volume de produção, Ricardo via a possibilidade de haver um aumento na produção de um
dos sectores – o industrial – através daquilo que, hoje em dia, chamaríamos
desenvolvimento tecnológico.
Quanto ao sector agrícola, embora Ricardo admitisse a possibilidade de haver
desenvolvimento tecnológico, acreditava também que o ritmo ao qual tal desenvolvimento
se processaria seria muito lento para poder compensar a tendência aos rendimentos
marginais decrescentes que seriam fatalmente observados à medida que a população
crescesse. O que queria dizer era que à medida que a população crescesse, a produção
agrícola deveria aumentar para alimentar esse maior número de bocas. Para tal seria
necessária a utilização de uma maior quantidade de terras. Ricardo acreditava que a
tendência era, a princípio, serem utilizadas as terras mais produtivas e à medida que as
necessidades o fossem forçando, terras de produtividade decrescentes. Ora, isto implicava
que à medida que a população aumentasse, a produção agrícola cresceria com um aumento
na extensão das áreas sob cultivo, porém esses aumentos adicionais à produção seriam cada
vez menores. A esse fenómeno de adições à produção cada vez menores deu-se na teoria
económica o nome de Princípio dos Rendimentos Marginais Decrescentes.
Esse Princípio dos Rendimentos Marginais Decrescentes que operaria na agricultura
tem grande importância, primeiro, por constituir a base para a explicação da existência da
renda da terra no esquema ricardiano e, segundo, por estabelecer um limite para o
crescimento da economia como um todo, inclusive para o sector industrial, como veremos
mais adiante.
A explicação de Ricardo sobre o surgimento da renda da terra devida à sua escassez
e às diferenças da sua produtividade já é conhecida: Se a terra fosse um factor abundante
com um nível de produtividade constante, ninguém pagaria rendas pelo seu uso. Mas, dado
que a terra é um factor escasso e de produtividade variável, a renda surge a partir do
momento que terras de diferentes níveis de produtividade estiverem a ser utilizadas. A terra
menos produtiva (denominada marginal) não gerará nenhuma renda, se admitirmos que
este tipo de terra é a que existe em abundância. Todos os outros tipos ganharão uma renda
correspondente à diferença entre seus respectivos graus de produtividade e a produtividade
da terra marginal.
Para entendermos como a existência de rendimentos marginais decrescentes na
agricultura impunha um limite ao crescimento da economia como um todo, é conveniente
recordar o que foi visto anteriormente. Primeiro vimos que Ricardo concebia a economia
como sendo constituída por dois sectores: o industrial e o agrícola. O sector industrial estaria
sujeito ao desenvolvimento tecnológico e o sector agrícola apresentaria uma tecnologia
quase estacionária. Para simplificar a argumentação, admitiremos uma tecnologia
completamente estacionária para a agricultura.
Ora, dado um país que, embora em franca industrialização, ainda fosse basicamente
agrícola, como a Inglaterra da época de Ricardo, é fácil entender porque este concebia a

29
economia no seu conjunto como sujeita aos rendimentos marginais decrescentes. Isto seria
simplesmente uma decorrência da grande importância relativa da agricultura.
Mesmo que houvesse uma tendência para um aumento da produtividade no sector
industrial decorrente do desenvolvimento tecnológico, este ganho na produtividade
desapareceria face às fortes tendências a rendimentos marginais decrescentes na agricultura
– o sector básico da economia.
A utilização de alguns gráficos permitirá que tenhamos uma melhor visão do que
estaria acontecendo. Relativamente à agricultura, o gráfico abaixo (Fig. 1) representa
aproximadamente a visão de Ricardo.
Figura 1: Gráfico demonstrativo dos rendimentos marginais decrescentes.
Produção

V
Q+∆Q

∆Q
Q

q+∆q

∆q
q

n n+1 t t+1 s LeK


No eixo dos x representamos a utilização dos factores mão-de-obra (L) e capital (K) que seriam
aplicados a uma quantidade fixa de terra. Para simplificar admitiremos que K e L são empregues em proporções
fixas, isto é, se aumentarmos (ou diminuirmos) a utilização de L, deveremos aumentar (ou diminuir) a utilização
de K na mesma proporção.
No eixo dos y medimos a produção da terra aos diferentes níveis de utilização de mão-de-obra e
capital. Como podemos observar, à medida que aumentamos a utilização de L e K, a produção aumenta, mas as
taxas são decrescentes. Assim, se estivéssemos a utilizar “n” unidades de L e K, a produção seria “q”; Se
aumentássemos a quantidade de L e K para “n+1”, a produção elevar-se-ia para “q+∆q”; Já se estivéssemos a
utilizar “t” unidades de L e K, a produção seria “Q”; Se elevássemos a utilização de L e K para “t+1”, a produção
aumentaria em ∆Q para Q+∆Q.
O rendimento marginal decrescente é constituído pelos acréscimos ∆ à produção, devido à adição de
uma unidade dos outros factores de produção e é cada vez menor. No nosso gráfico verifica-se que ∆q > ∆Q.
No gráfico, resulta que a curva de produção tende a tornar-se horizontal à medida que se registam aumentos
de L e K. Se isto ocorrer, a produção deverá atingir o seu limite superior à medida que L e K aumentam. No
nosso gráfico esse limite seria “V”, que seria atingido quando “s” unidades de L (e K) estivessem a ser utilizadas.
A partir daí qualquer aumento no uso de L e K não gerariam aumentos de produção, o que implica dizer que o
produto marginal a partir daí seria zero.

30
Na hipótese de existência de desenvolvimento tecnológico na agricultura, com a
mesma quantidade de recursos L e K, a produção aumentaria, o que no nosso gráfico
corresponderia a um deslocamento da curva de produção para cima (Fig. 2).
Na óptica ricardiana se este desenvolvimento ocorresse na agricultura, seria sempre
pequeno demais para resultar num grande efeito de aumento da produção. Quer dizer que,
face a um aumento populacional e à escassez de terra, o que ocorreria na agricultura seria
um aumento da produção agrícola devido ao maior emprego de L e K sobre a mesma
quantidade de terra (quantidade fixa de terra), tendendo este aumento de produção para
um limite, tal como no primeiro gráfico examinado (Fig. 1). Já para o sector industrial, a
situação aproximar-se-ia da representada na Fig. 2. Isto é, o crescimento populacional
provocaria aumentos na produção através da maior utilização de mão-de-obra na esfera
produtiva, mas, não haveria a tendência da produção atingir um limite superior, visto que o
desenvolvimento tecnológico iria estar a deslocar continuamente esse limite superior para
cima. Embora este fenómeno pudesse ocorrer na indústria, para a economia como um todo
o comportamento seria idêntico ao da agricultura, visto que o desenvolvimento tecnológico
no sector industrial não seria bastante grande e nem este sector seria suficientemente
importante para compensar os rendimentos decrescentes que fatalmente ocorreriam na
agricultura com o aumento populacional.
Figura 2: Gráfico do efeito económico do desenvolvimento tecnológico.
Produção

q+∆q Desenvolvimento

Tecnológico
∆q

n LeK
Observe-se que com “n” unidades de L e K antes de ocorrer o desenvolvimento tecnológico, a
produção seria só de “q” unidades. Após a introdução de alguma inovação, as mesmas “n” unidades de L e K
produziriam “q+∆q”.
Verificamos, assim, que a economia, no seu conjunto, estaria sujeita à lei dos rendimentos marginais
decrescentes, à medida que a população aumentasse.

31
Contudo, para relevarmos a importância deste princípio dos rendimentos
decrescentes para o desenvolvimento económico ainda faltam alguns elementos. O primeiro
destes diz respeito à maneira como cresceria a população no esquema ricardiano. Ricardo,
não fugindo à tendência da época, acreditava na existência de uma relação entre as
variações da renda e o crescimento demográfico. Basicamente dizia que o crescimento
populacional é determinado pela diferença entre o nível de subsistência (W) e o nível salarial
(Ŵ). Se o nível salarial em vigorar na economia fosse superior ao nível de subsistência, isto é,
se W > Ŵ , haveria uma tendência para a população crescer. Inversamente, se W < W , a
população decresceria e, se W = Ŵ, a população permaneceria constante.
O factor mais importante na determinação do nível salarial seria o das condições de
mercado para mão-de-obra, isto é, o nível da procura em comparação com o da oferta. A
procura, por sua vez, seria uma função crescente da acumulação de capital. Havendo
acumulação de capital haveria um aumento na procura para mão-de-obra, o que forçaria um
aumento nos salários acima do nível de subsistência. Isto, por sua vez, de acordo com o que
foi exposto, provocaria um aumento populacional. Inversamente, se ocorresse uma queda
na acumulação de capital, haveria uma redução na procura de mão-de-obra, o que
acarretaria uma redução no nível salarial, e, consequentemente, no crescimento
populacional.
Resulta daí que o factor determinante do crescimento populacional seria a
acumulação de capital. Esta processar-se-ia na medida em que a taxa de lucro fosse
adequada e a economia estivesse a produzir um excedente económico. Satisfeitas essas duas
condições, haveria acumulação de capital e, logo, um aumento da procura para mão-de-obra
e o consequente aumento da sua oferta, o que pressupõe o aumento da população.
É conveniente observar que, pela teoria ricardiana, este processo continuaria até ao
momento em que não mais fosse interessante investir, isto é, até o momento em que a taxa
de lucro deixasse de ser atractiva. E isto teria fatalmente de ocorrer tendo em conta que no
seu esquema a acumulação de capital levaria inexoravelmente à queda das taxas de lucro.
Para verificarmos como isso iria ocorrer, seria interessante utilizarmos um esquema
desenvolvido por J. Hicks (1965, p. 44) (Fig.3).
Figura 3: Gráfico demonstrativo da tendência decrescente da taxa de lucro (1).
Produção
Q’ B Q’’
Q

A O L Terra
No eixo dos “x” medimos a quantidade de terra empregue na economia. No eixo dos “y” medimos a
produção agrícola por unidade de terra. Para simplificar, admitindo que a agricultura só produzisse um

32
determinado tipo de produto (trigo). Admitamos também que os dois únicos inputs utilizados para a produção
deste produto fossem o próprio trigo na forma de semente e mão-de-obra (paga em espécie).
Esperaríamos que a quantidade de semente a utilizar para produzir uma mesma
quantidade “Q” do produto (trigo) aumentasse à medida que a produtividade de terra
caísse. Isto deveria ocorrer por dois motivos: primeiro porque teríamos de utilizar uma maior
quantidade de sementes, e, em segundo lugar, porque teríamos de utilizar uma maior
quantidade de mão-de-obra, paga em espécie. A recta AB, na figura, representaria tal
situação.
Quando temos uma população pequena, utilizamos as terras mais produtivas. No
exemplo, a quantidade de terra utilizada é OL. Para a primeira unidade de terra utilizada (O),
o volume de investimento (em trigo) que teríamos de fazer para atingir o volume de
produção OQ seria OS. A diferença entre o investimento e o produto final (OQ-OS) seria igual
ao excedente gerado por essa unidade de terra. Notamos que à medida que aumentamos a
utilização de terra, estas se vão tornando cada vez menos produtivas, o que implica que os
investimentos (em trigo) necessários para atingirmos o mesmo volume de produção OQ (por
unidade de terra) vão aumentando. Ao atingirmos a unidade L de terra, o volume de
investimento já não seria mais OS, mas, sim, LN, e o excedente económico, LQ’–LN, seria
inferior a OQ-OS.
O investimento total na agricultura seria correspondente à soma dos investimentos
feitos em cada unidade de terra, o que equivaleria à área OSNL. Para esse investimento, a
produção total seria OQQ'L e, portanto, o excedente total gerado pela agricultura, QSNQ'.
O passo seguinte seria verificar como se processa a divisão desse excedente entre
lucros e renda da terra (os salários já foram incluídos nas investimentos). Para tal basta
lembrar que a última unidade de terra utilizada (a marginal), qual seja L, não pagaria
nenhum renda. Nestas circunstâncias, todo o excedente nesta gerado, (Q'N), corresponderia
ao lucro desta unidade. A taxa de lucro seria, pois, ( lucro/ investimento total ) = (NL/NQ') para essa
unidade de terra.
Numa economia competitiva haveria a tendência para a taxa de lucro ser igual em
todas as actividades. Assim, esperaríamos que a taxa de lucro para as terras mais produtivas
também fosse igual a Q'N/LN.
Podemos verificar que, nestas circunstâncias, o lucro de cada unidade de terra entre
O e L seria dado pela diferença entre as rectas AQ' e AB (Fig. 4)
Figura 4: Gráfico demonstrativo da tendência decrescente da taxa de lucro (2).
Produção
Q’ B Q’’
Q

Z
V N
R
S

A O T L Terra

33
Para qualquer unidade de terra entre O e L, por exemplo T, a taxa de lucro seria ZR/TR
que é igual a Q'N/NL, o que comprova que a diferença entre os pontos das linhas AQ' e AB deve
nos dar os lucros correspondentes às diferentes unidades de terra utilizadas.
O volume total de lucros seria igual à soma dos lucros de cada unidade de terra
(área SVQ'N do gráfico). Retirando-se a parte correspondente aos lucros do excedente total,
devemos ficar com o volume total das rendas (no nosso gráfico é igual à área QVQ').
Agora, supondo que houvesse acumulação de capital e, com esta, um aumento na
população. Isto forçaria um aumento na utilização de terra para alimentar esse maior
número de bocas. A quantidade de terra utilizada poderia passar, digamos, de OL para OG
(Fig. 5). Repetindo o mesmo argumento que desenvolvemos anteriormente, verificamos que
nesta nova situação a taxa de lucro seria FH/HG, inferior à taxa de lucro anterior (Q'N/NL).
Figura 5: Gráfico demonstrativo da tendência decrescente da taxa de lucro (3).
Produção
Q Q’ F B Q’’

V N
J
S
A O T L Terra

O volume total de lucros estaria agora nos limites FHSJ, situando-se as rendas entre
FJQ, e os investimentos entre OGHS. O notável neste gráfico é que a taxa de lucro decresceu
com a acumulação de capital.
Falta-nos agora um elemento para podermos visualizar o funcionamento da
economia como um todo. Esse elemento respeita à tendência decrescente a poupar, à
medida que a taxa de retorno cai. Ricardo acreditava que quanto menor fosse a taxa de
retorno, menor seria a tendência a poupar.
De posse desses elementos, podemos esboçar o comportamento da economia
como um todo. Partindo de uma situação onde compensa poupar, isto é, onde a taxa de
retomo é superior à taxa de retorno mínima, haveria acumulação de capital com um
consequente aumento na procura de mão-de-obra. O aumento na procura de mão-de-obra
provocaria um aumento salarial que, por sua vez, a longo prazo, geraria um aumento
populacional. Este último forçaria um aumento na utilização de terras, o que causaria dois
efeitos: primeiro um aumento da produção agrícola (a taxas decrescentes) e, em segundo
lugar, uma queda da taxa de lucro.
Essa queda da taxa de lucro iria provocar uma diminuição dos investimentos.
Porém, enquanto não tivesse sido atingida a taxa de lucro mínima, estes investimentos
prosseguiriam, repetindo-se o ciclo anterior. Este movimento contínuo só cessaria quando a
taxa de lucro tivesse caído até ao mínimo e não mais compensasse investir. Nesta situação

34
cessariam os investimentos e, portanto, os aumentos da procura de mão-de-obra. Os
salários neste ponto teriam a tendência a cair até ao nível de subsistência – o que seria o
suficiente para manter a população estacionária.
Cessando a acumulação de capital e o aumento populacional, cessaria o
crescimento nas produções agrícola e manufactureira e a economia entraria em estagnação.
Esta, em síntese, corresponderia à visão de Ricardo acerca do comportamento a
longo prazo da economia.
O que nos interessa no esquema ricardiano é o elemento relacionado com a
agricultura como factor limitativo do desenvolvimento. Para Ricardo a economia só chegaria
a um estado estacionário impedindo, por isso, qualquer aumento da produção industrial (e
agrícola) porque a agricultura estaria sujeita a rendimentos marginais decrescentes. E isto
decorreria basicamente da ausência de desenvolvimento tecnológico no sector agrícola.
Esta é um argumento de peso e que nos leva a questionar, à priori, sobre a
possibilidade de desenvolvimento num país onde a agricultura esteja tecnologicamente
estagnada. É verdade que mesmo com uma agricultura estagnada, o simples aumento
populacional geraria um maior volume de excedente económico (independente de como se
processa a distribuição entre lucros e rendas) que poderia ser utilizado no desenvolvimento
industrial. Na Fig. 5, o aumento do excedente seria de SQQ'N para SQFH quando o aumento
populacional forçasse um aumento na utilização de terras de OL para OG. Mas, mesmo
assim, a tendência seria para a economia (inclusive o sector industrial) eventualmente entrar
em estagnação. Por outras palavras, se no sector agrícola não houver um aumento na
produtividade, ou o desenvolvimento industrial não se processará, ou, se acontecer, será
bastante reduzido e com tendência a estagnar mais cedo ou mais tarde.
Antes de sairmos da construção ricardiana, vejamos o que aconteceria se houvesse
um aumento na produtividade agrícola. Valendo-nos ainda do esquema de J. Hicks, podemos
ver pela Fig. 6, a seguir, que em primeiro lugar aumentaria o volume de excedente
económico e, em segundo lugar, a taxa lucro.
Em termos do gráfico, um aumento na produtividade da terra corresponderia a um
deslocamento da recta AB para AB' e, como resultado desse deslocamento, podemos
verificar imediatamente a veracidade das duas proposições feitas acima.
Figura 6: Gráfico demonstrativo da tendência decrescente da taxa de lucro (3).
Produção
Q’ B B’ Q’’
Q

A O L Terra

35
3.2. J. Mellor – Um Modelo Ricardiano de Dependência Indústria e
Agricultura
John Williams Mellor, economista contemporâneo dedicou muito do seu tempo à
análise dos problemas agrícolas. Na sua obra “The Economics of Agricultural Development”
(1967) apresenta algumas ideias que teremos oportunidade de usar aqui, razão pela qual lhe
vamos dedicar alguns parágrafos.
A agricultura, segundo este autor tem um papel básico a desempenhar no processo
de desenvolvimento económico e, portanto, indirectamente, no crescimento dos outros
sectores, inclusive o industrial, por uma série de razões. Primeiro, por ser o sector mais
importante de uma economia subdesenvolvida.
"A necessidade de alimentos e o baixo nível de produtividade agrícola têm como
consequência a utilização da maior parte da força de trabalho dos países pobres no sector
agrícola. Nas fases iniciais de desenvolvimento de 60% a 80% da população dedica-se à
agricultura, e 50%, ou mais, da renda nacional são gerados pelo sector agrícola" (Mellor,
1967).
Em segundo lugar, em consequência directa disto e devido à própria importância
relativa deste sector, ele seria aquele sobre o qual recairia a maior parte do peso do
desenvolvimento dos outros.
Basicamente os outros sectores poderiam desenvolver-se através de:
a) Doações externas;
b) Investimento estrangeiro directo;
c) Poupança interna.

O que geralmente se verifica na maioria dos países15, é que as doações e o


investimento estrangeiro – embora possam contribuir de algum modo, especialmente no
desenvolvimento dos sectores mais modernos – geralmente são mínimos. É sobretudo na
poupança interna que repousam quase todas as possibilidades de desenvolvimento
contínuo.
Ora, se a agricultura na sua fase inicial é o sector que mais utiliza os recursos de um
país e, ao mesmo tempo, o que faz a maior contribuição à sua renda nacional, seria
expectável que, de alguma forma, os recursos para o desenvolvimento dos outros sectores
se originassem no sector agrícola.
A contribuição que a agricultura poderia fazer para o desenvolvimento dos outros
sectores poderia ser da seguinte natureza:
a) Transferência de recursos produtivos
b) Criação de mercado
c) Mudança nos termos de intercâmbio
d) Geração de divisas externas
e) Produção de matérias-primas e de alimentos.

15
Excepção feita aos países de tamanho reduzido, quer em extensão geográfica como em termos
demográficos.

36
Relativamente à transferência de recursos produtivos há dois tipos a considerar:
capital e mão-de-obra.
Abordemos em primeiro lugar o capital. A agricultura, enquanto sector básico de
um país subdesenvolvido, deveria ser a única actividade capaz de gerar excedentes que
poderiam ser utilizados no desenvolvimento dos outros sectores. Esses excedentes
poderiam ser transferidos directamente da agricultura para outros sectores através do
investimento (realizado pelos beneficiários desse excedente nos outros sectores) ou,
indirectamente, através da sua captação via tributação e posterior alocação aos outros
sectores.
Relativamente à tributação é conhecido um caso clássico, na literatura sobre o
desenvolvimento, de um país que financiou grande parte de sua industrialização com
recursos provenientes de um imposto territorial. Foi o caso do Japão, depois da restauração
Meiji (1868). Em fins do século passado os impostos sobre a agricultura contribuíam com
cerca de 50% a 80% da receita do Governo japonês. No mesmo período, de um terço a
metade dos investimentos industriais eram realizadas pelo Governo.
Sequer é preciso sublinhar que este modo de transferir recursos exige uma máquina
administrativa já com alguma sofisticação, a ponto de manter um cadastro imobiliário bem
estruturado e acessível sob o ponto de vista da informação que detém. Essa situação não é a
da grande maioria dos países subdesenvolvidos, onde os cadastros imobiliários, até mesmo
dos grandes centros urbanos, são inexistentes ou falíveis em termos de correcção da
informação disponível.
Para esses países, detentores de uma máquina administrativa não fiável, a
tributação do sector agrícola só seria viável através de impostos de exportação. É por essa
via que países como a Birmânia, o Uganda, o Ghana (ou mesmo o Brasil) têm,
tradicionalmente, obtido recursos da agricultura, os quais têm sido utilizados para financiar
os seus gastos administrativos e um programa de diversificação económica.
Quanto aos investimentos directos da agricultura noutros sectores há evidências de
que isto possa ter ocorrido em alguns países.
Já em relação à transferência de mão-de-obra da agricultura para outros sectores,
depois do artigo de Lewis que se transformou num clássico (Economic Development with
Unlimited Supplies of Labour, 1954), surgiu uma vasta literatura sobre o assunto. Adiante
iremos explorar as ideias de Lewis. Por agora, apenas faremos menção à possibilidade da
transferência desses recursos da agricultura para a indústria, deixando para mais tarde os
detalhes do processo.
É ponto assente que a transferência de capital e mão-de-obra não devem ser
interpretadas somente em termos absolutos, senão também em termos relativos. Para
ilustrar o que referimos, consideremos o seguinte exemplo:
Admitamos que um determinado país esteja a passar por um período de
crescimento, inclusive populacional, e que em consequência desse crescimento se tornasse
necessária uma expansão da produção agrícola. Esta só se daria através de uma maior
utilização de mão-de-obra e capital no sector agrícola. Parece-nos então claro que, mesmo
nesta situação, a agricultura ainda poderia contribuir para o desenvolvimento dos outros
sectores se, para o aumento de sua produção, minimizasse a utilização desses dois recursos.
Por outras palavras, estamos a admitir a existência de uma economia em desenvolvimento,

37
capaz de gerar um excedente económico, especialmente no sector agrícola. Para que a
economia continue a desenvolver-se teríamos de utilizar parte desse excedente no
desenvolvimento do próprio sector agrícola. O importante seria que, tanto quanto possível,
este sector minimizasse a sua utilização de recursos produtivos, permitindo a sua maior
utilização relativa noutros sectores.
Ambos os casos, isto é, de transferência absoluta e de transferência relativa, só
poderiam ocorrer na medida em que houvesse um aumento na produtividade do sector
agrícola.
Em relação a este ponto, Mellor é taxativo. Retomando a proposição de Ricardo
afirma que nessas circunstâncias "...os níveis de renda na agricultura estão fadados a
diminuir à medida que o tamanho absoluto da força de trabalho agrícola continua a
aumentar" (1967, p. 28).
Poder-se-ia colocar objecções a isto no sentido de que, para haver um aumento na
produtividade do sector agrícola, seria necessário um volume maior de investimentos e que,
desta forma, o sector agrícola em vez de contribuir com capitais para o desenvolvimento do
sector industrial poderia entrar em concorrência com este para a utilização desse recurso
escasso.
Mellor acredita que essa objecção só seria parcialmente válida visto que o tipo de
capitalização que se processa na agricultura, pelo menos na sua fase inicial, seria diferente
da capitalização na indústria. Como teremos oportunidade de ver mais adiante, para que a
acumulação se processe na agricultura, numa primeira etapa só seria necessária a mão-de-
obra. Nestas circunstâncias a concorrência com a indústria, caso houvesse, não seria em
termos de máquinas e outros bens de capital, mas sim em termos de mão-de-obra. Convém
ainda observar que em condições de abundância de mão-de-obra (como é o caso de muitos
países em desenvolvimento), nem mesmo esse tipo de concorrência haveria.
Feito este parêntesis, não obstante o aumento da produtividade na agricultura, é
ainda possível esta ajudar o desenvolvimento da indústria pela transferência relativa de
recursos produtivos.
Mellor não é o primeiro nem, certamente, será o último a apontar a limitação do
mercado para produtos industrializados como um dos maiores impedimentos à
industrialização. Neste sentido o desenvolvimento do sector agrícola poderia contribuir
muito fortemente para o desenvolvimento do sector industrial se conseguisse transformar-
se num amplo mercado para indústrias. E novamente, poder-se-ia argumentar sobre a
hipótese de surgimento de um conflito no papel da agricultura como geradora de um
mercado, por um lado, e como geradora de capitais para o sector industrial, por outro, isto
é, como consumidora por um lado e aforradora por outro.
Mellor é optimista quanto a isto, chegando a afirmar que "...um conflito pode não
aparecer necessariamente relativamente ao duplo papel que a agricultura pode
desempenhar: como geradora de capital e criadora de um mercado (...). Nas etapas iniciais
do desenvolvimento, a política económica mais do que provavelmente visará a geração de
capital. Problemas decorrentes da falta de procura surgem, em geral, de distorções a curto
prazo produzidas por uma rápida expansão industrial. Estas podem ser corrigidas com
relativa facilidade num curto espaço de tempo. Só num estágio posterior, depois que uma
infra-estrutura industrial básica já tenha sido construída, podendo, então, ocorrer uma

38
rápida expansão das indústrias de bens de consumo, é que problemas relacionados com a
procura podem assumir uma certa relevância". (Mellor, 1967).
O terceiro tipo de contribuição que a agricultura poderia fornecer ao
desenvolvimento industrial seria através da mudança nos termos de troca entre indústrias e
produtos agrícolas, pela queda nos preços relativos destes últimos em comparação com os
primeiros. Este fenómeno actuaria no sentido de transferir renda para o sector não agrícola
visto que, para além de reduzir o preço das matérias-primas de origem agrícola, agiria no
sentido de baixar o custo de vida no sector urbano o que, em conseqüência, permitiria que o
nível salarial e os demais custos da empresa permanecessem baixos, encontrando a sua
contrapartida num aumento do nível dos lucros. Mas, para que essa transferência de renda
se materialize num maior desenvolvimento industrial, é necessário que uma série de
condições seja satisfeita, designadamente:
a) Que haja um aumento na oferta de produtos primários mais rápido que o aumento em
sua procura e/ou haja protecção alfandegária para produtos manufacturados;
b) Que os salários não subam por quaisquer outros motivos
c) Que os lucros sejam reinvestidos no sector industrial.

Relativamente à primeira condição, o autor acredita na existência de forças


poderosas pressionando a procura para cima (aumento populacional, urbanização etc.), mas
também acredita que a oferta tende a crescer lentamente: "Assim, nas fases iniciais do
desenvolvimento, provavelmente, o melhor que se pode fazer é aumentar a oferta de
produtos agrícolas à mesma taxa que a procura, evitando dessa forma, pelo menos, um
aumento relativo nos preços dos produtos agrícolas".
Uma maneira mais fácil de se atingir o mesmo objectivo seria através de tarifas
alfandegárias ou controlo de importações - mecanismos pelos quais os preços das indústrias
poderiam ser elevados em relação ao preço dos produtos primários (Mellor, 1967).
A contribuição da agricultura poderia vir através da geração de divisas externas para
a importação de equipamento industrial. Como afirma o autor: "Uma alta percentagem do
capital necessário às primeiras fases do crescimento económico é usada em investimentos
em infra-estrutura, e esta pode ser produzida especialmente com recursos locais. Cedo,
entretanto, formas de capital que são mais eficientemente produzidas pela importação
tornam-se recursos-chave do crescimento económico. Neste ponto, a escassez relativa de
divisas externas torna-se crítica no processo de crescimento". (Mellor, 1967)
O sector primário, nesse contexto, auxiliaria o desenvolvimento industrial, ou pelo
aumento nas exportações e/ou pela redução nas importações. As contribuições através de
um aumento nas exportações são por demais conhecidas e evidentes. Já o papel
desempenhado pela redução das importações que o desenvolvimento agrícola permitiria
não parece ter recebido suficiente atenção. Em relação a este aspecto é bom lembrarmos
que vários países subdesenvolvidos importam grande parte dos seus alimentos básicos.
Os aspectos relacionados com o comércio externo são de extrema importância na
explicação do desenvolvimento de alguns países em desenvolvimento. No entanto, por
agora, abordaremos apenas algumas vantagens de uma agricultura voltada para o mercado
externo:
 Em primeiro lugar, permite um ritmo de modernização mais intenso ao País;

39
 Em segundo lugar, para certos países com uma estrutura administrativa pouco
desenvolvida, a tributação do comércio externo é a única maneira de o Governo levantar os recursos
necessários para financiar as suas actividades, inclusive a promoção do sector secundário;

Finalmente, para que o sector industrial se desenvolva, só poderá fazê-lo na medida


em que a agricultura puder fornecer matérias-primas e alimentos para este sector.
Geralmente a industrialização processa-se em centros urbanos e o desenvolvimento dos
centros urbanos só é possível na medida em que a agricultura possa produzir excedentes
capazes de alimentar essa população urbana. São poucos os países que podem obter os seus
recursos alimentares do exterior pela exportação de indústrias. Isto só seria viável para
países pequenos e/ou com um sector industrial muito desenvolvido, contando, ainda, com
um sistema de transportes eficiente, capaz de mover, desde o exterior, grandes volumes de
produtos agrícolas.
A grande maioria dos países subdesenvolvidos não satisfaz essas condições e
somente casos excepcionais é que podem alimentar grandes massas urbanas através da
importação de produtos alimentícios. A maior parte dos países subdesenvolvidos tem de se
valer de sua agricultura para se abastecer de produtos primários.
Para além de apresentar um esquema de funções que a agricultura poderia
preencher no processo de industrialização, Mellor apresenta um "modelo" de
desenvolvimento agrícola. Após concluir que a "modernização" agrícola seria imprescindível
para o desenvolvimento global de uma economia (inclusive o industrial), visto este ser o
sector que pode ser desenvolvido com recursos de relativamente baixo custo de
oportunidade, Mellor ensaia a montagem de um esquema de modernização agrícola.
Segundo o autor a agricultura passaria por três fases distintas no seu processo de
modernização:
A primeira fase corresponderia à da agricultura tradicional, de tecnologia
estagnada. Nesta fase, com a produtividade constante, aumentos na produção só poderiam
dar-se se houvesse um aumento proporcional em todos os factores de produção. Se nesse
tipo de agricultura houvesse, portanto, uma transferência de capital para outros sectores, a
produção agrícola provavelmente cairia.
A segunda fase seria a de uma agricultura tecnologicamente dinâmica mas
empregadora de tecnologia trabalho-intensiva. Esta seria uma fase em que:
a) A agricultura ainda seria o sector mais importante da economia;
b) A procura por produtos agrícolas estaria a crescer rapidamente devido aos efeitos
demográfico e de renda;
c) O capital para a indústria seria escasso;
d) Pressões demo gráficas não permitiriam aumentar a extensão média das fazendas;
e) O uso de equipamento economizador de mão-de-obra restringir-se-ia ao mínimo
devido ao seu alto custo relativo.

Como se processaria o aumento da produtividade nessa segunda fase, se a


utilização do capital, na visão do autor, se restringisse a um mínimo? Alega Mellor que isto
seria possível através de um "fluxo de inovações" tal como ocorreu na Inglaterra no século
XVIII ou no Japão no século XIX. Basicamente: melhores métodos de cultivo, novas
variedades de plantas, irrigação, drenagem etc.

40
A terceira fase seria a de uma agricultura dinâmica, caracterizada por uma
tecnologia capital-intensiva. Normalmente esta fase só ocorreria depois de o país se ter
desenvolvido substancialmente e ter, portanto, capital em abundância. Exemplo típico seria
o do Japão moderno que teria ingressado nessa fase recentemente.
Mellor concorda que muitos países não seguiram a sequência por ele esboçada.
Embora possamos encontrar exemplos semelhantes aos EUA, isto é, de países que fugiram à
regra, acredita o autor que a agricultura nos países em desenvolvimento deveria, em geral,
seguir a sequência acima descrita.
O importante a observar no esquema de Mellor é a segunda fase. Nesta, a
produtividade aumentaria basicamente através de uma melhor utilização da mão-de-obra –
um factor relativamente abundante. Este aumento na produtividade permitiria a
transferência de toda a espécie de recursos desde os próprios produtos agrícolas à mão-de-
obra, sem esquecer o capital, do sector agrícola para o sector não agrícola. Nesta fase é que
seriam lançadas as bases para uma maior diversificação económica do País, o que abrangeria
a emergência de um sector industrial.

3.3. W. A. Lewis – Tentativa de Fuga à Camisa de Forças Ricardiana


Como vimos ao analisar os modelos de Ricardo e Mellor, ambos fazem questão de
enfatizar que o desenvolvimento económico não se pode dar a não ser que haja um certo
desenvolvimento agrícola. No esquema ricardiano, como o desenvolvimento tecnológico era
praticamente inexistente, havia um limite para o crescimento da economia.
Já para Mellor, por se tratar de um autor contemporâneo, existe a possibilidade de
ocorrer um desenvolvimento tecnológico na agricultura, com o consequente aumento na
produção e produtividade. Tal desenvolvimento poderia ser atingido quase que sem
nenhuma utilização de capital (segunda fase do esquema do referido autor). O que nos
interessa frisar aqui é que, para ambos os autores, parece inconcebível o desenvolvimento
económico, incluindo o industrial, sem que ocorra um desenvolvimento tecnológico no
sector primário.
W. A. Lewis, no seu artigo sobre a teoria do desenvolvimento (1954), constrói um
modelo através do qual tenta mostrar como seria possível a um país iniciar a sua
industrialização sem alterar o seu modo de produção agrícola.
O autor parte do pressuposto que existe um excedente de mão-de-obra
considerável num grande número de países. Para estes, onde a população é relativamente
elevada em comparação com os outros recursos, especialmente capital, a produtividade
marginal da mão-de-obra tenderia a aproximar-se de zero, podendo mesmo ser negativa.
Onde estaria esse excedente populacional? A maior parte estaria no desemprego disfarçado
na agricultura e no sector de serviços.
Embora a produtividade marginal da mão-de-obra pudesse ser zero, os salários não
seriam, como vaticina a teoria neoclássica, iguais à sua produtividade marginal. Seriam sim,
determinados pela produção média na agricultura ou, mesmo, pela tradição. Mas, de
qualquer forma, seriam baixos e muito próximos do nível de subsistência.
Acredita o autor que nestas circunstâncias essas economias iriam dispor de uma
oferta ilimitada de mão-de-obra a salários de subsistência. De onde seria proveniente essa

41
oferta de mão-de-obra? Segundo o autor, em primeiro lugar, dos sectores onde existe
desemprego disfarçado; em segundo lugar, da maior utilização de mão-de-obra feminina e,
finalmente, do próprio crescimento vegetativo da população.
Grande parte dessa mão-de-obra poderia ser transferida para o sector secundário
sem que houvesse uma redução na produção agrícola (e do sector de serviços).
A fim de visualizarmos a ideia de Lewis, voltemos a utilizar o esquema gráfico de
que nos valemos na abordagem de Ricardo. Para simplificar tomemos somente o caso do
sector agrícola, ignorando o sector terciário. Tal situação acha-se representada no gráfico a
seguir (Fig. 7).
Figura 7: Gráfico representativo dos rendimentos marginais decrescentes.

Produção

Q
f

L L’
Quantidade de
Mão-de-Obra

A curva f poderia representar a produção agrícola que um país atingiria com diversos níveis de
utilização de mão-de-obra. Como podemos notar, até o ponto onde são utilizadas L unidades de mão-de-obra,
a produção agrícola tenderia a aumentar. A partir desse ponto novas entradas desse factor não aumentariam o
volume de produção. Neste sentido, se na nossa economia estivéssemos a utilizar L' quantidades de mão-de-
obra na agricultura, haveria um excedente de mão-de-obra igual a L-L', que poderiam ser retirados desse sector
sem que houvesse um abaixamento da produção agrícola. Esse excedente de mão-de-obra poderia ser utilizado
no desenvolvimento do sector secundário. Tal transferência teria um custo de oportunidade social igual a zero
e, neste caso, tudo o que conseguisse produzir no sector secundário seria um ganho para a economia.

Convém notarmos que a retirada do excedente de mão-de-obra da agricultura


certamente aumentaria a produtividade desse factor no sentido de que um menor número

42
de trabalhadores produziria o mesmo volume de produção que anteriormente e, portanto, a
produção média por trabalhador deveria aumentar. Mas esse aumento na produtividade
não se daria em função da introdução de inovações na agricultura (fenómeno necessário
para que ocorresse o desenvolvimento económico nos esquemas de Mellor e de Ricardo)
mas, sim, como resultado da retirada da mão-de-obra supérflua desse sector. Essa mão-de-
obra supérflua constituiria, por assim dizer, uma poupança disfarçada existente na economia
e que poderia ser utilizada no desenvolvimento do sector industrial. No esquema de Lewis,
além da agricultura (e talvez o sector de serviços), repositório da mão-de-obra excedente,
haveria ainda um sector industrial, que seria o sector capitalista da economia, onde as
decisões seriam tomadas por princípios "racionais" de maximização dos lucros. O volume de
mão-de-obra empregado nesse sector seria determinado, nesse esquema, pela igualdade da
produtividade marginal da mão-de-obra com o salário.
Se no sector industrial, a curva de produtividade marginal fosse a curva NR,
apresentada no gráfico abaixo (Fig. 8), e o nível salarial fosse OW, o volume de mão-de-obra
empregue seria OM.
Figura 8: Gráfico da relação entre a produtividade marginal da mão-de-obra e o
volume de mão-de-obra empregue.

Produção

N Curva da produtividade marginal da mão-de-obra

W P

Nível Salarial

O M R Quant. de M. O.

O volume total de salários pago seria OM x OW. Como o produto industrial total seria a área que fica
compreendida entre a curva de produtividade marginal e os eixos até o ponto P, isto é, ONPM, o excedente
que ficaria nas mãos dos industriais seria igual a WNP.

A economia de Lewis, portanto, seria uma economia dualista. Por um lado teríamos
um sector de subsistência caracterizado pela presença de um excedente de mão-de-obra,

43
onde o salário giraria em torno do nível de subsistência, e, por outro lado, teríamos um
sector capitalista, moderno, correspondente ao sector industrial, onde as decisões seriam
tomadas em função do princípio de maximização dos lucros. Esses dois sectores não
estariam isolados mas, sim, interligados, interagindo entre si. O sector de subsistência
forneceria toda a mão-de-obra que o sector secundário necessitaria. O nível salarial que as
empresas industriais precisariam oferecer para obter a sua força de trabalho seria igual ao
nível médio de renda do sector de subsistência, acrescido de aproximadamente 30%, isto é,
seria igual ao salário de subsistência com um ligeiro acréscimo para atrair a mão-de-obra do
campo para a cidade bem como para compensar pelo custo de vida, geralmente, mais
elevado nos centros urbanos que no campo. Mas, a esse salário, os empresários industriais
poderiam obter toda mão-de-obra necessária, enquanto existisse um excedente desta no
sector primário e de serviços. A chave do desenvolvimento da economia estaria no uso que
seria feito do excedente económico gerado no sector capitalista (WNP na Fig. 8).
Se a maior parte desse excedente fosse utilizada para reinvestimento no sector
capitalista, este expandir-se-ia, aumentando a sua absorção do excedente de mão-de-obra
até ao desaparecimento completo deste. No gráfico abaixo (Fig. 9) ilustramos tal situação.
Figura 9: Gráfico demonstrativo da absorção do excedente de mão-de-obra pela
indústria.
Produto
N3
N2
N1
Nível dos salários
W A P industriais
L1 L2 L3
30%
S Nível de
Subsistência

O L’1 L’2 L’3 L (Mão-de-Obra)

Na fase 1, o excedente gerado e recebido pelos capitalistas seria igual à área A, sombreada. À
medida que este vai sendo utilizado para a expansão do sector industrial, a produtividade da mão-de-obra vai
aumentando passando, numa segunda fase, de N1-L1 para N2-L2, e o volume de mão-de-obra empregada de OL’1
para OL’2.

Novamente, na medida em que o novo excedente N2-W-L2 fosse reinvestido, a


produtividade de mão-de-obra aumentaria e o emprego a acompanharia para O-L 3. Assim,

44
uma vez iniciado o processo, este teria a tendência a adquirir momentum16 e continuaria ad
infinitum, isto é, até as condições de excesso de mão-de-obra cessarem.
No seu modelo Lewis não dá importância à transferência de outros tipos de
recursos, como por exemplo o capital, que poderia fluir da agricultura para o sector
secundário. Para ele, seria o próprio excedente gerado no sector capitalista o suficiente a
desenvolvê-lo. E não só o afirma como vai mais longe, apresentando uma solução para o que
chama de "problema central de qualquer teoria do desenvolvimento".
Lewis procura explicar como uma sociedade que poupava de 4% a 5% do seu PIB –
taxas que caracterizam uma sociedade tradicional, em estagnação – passa a poupar de 12%
a 15%. Ele crê que este fenómeno não resulta de uma mudança nos hábitos de poupança
dos membros da tal sociedade tradicional, mas, sim, do aparecimento de um novo elemento
– o sector capitalista (constituído pela indústria e por alguns segmentos mais desenvolvidos
dos sectores primário e terciário). Nesse sector, o excedente que fica nas mãos dos
empresários (o lucro) vai aumentando ao longo do tempo. Mantendo o sector agrícola a sua
produção constante durante esse processo, isso implicaria necessariamente que, à medida
que o sector capitalista se desenvolvesse, a proporção Lucros/Renda Nacional fosse
aumentando.
É neste fenómeno que encontraríamos, segundo Lewis, a explicação para o
aumento do nível de poupança da economia. A distribuição da renda seria alterada a favor
daqueles que poupam – razão pela qual se pouparia mais. Enfim, uma vez iniciado o
processo, este tenderia a perpetuar-se. Mas como se processaria? Duas condições seriam
necessárias:
a) O aparecimento de empresários capitalistas;
b) A colocação de recursos monetários nas mãos destes para que possam atrair a mão-de-
obra excedente do sector de subsistência para o sector capitalista.

Relativamente à primeira condição, o autor diz muito pouco. Mas em relação à


segunda condição, parafraseando Schumpeter afirma que a criação de crédito pelos bancos
seria o suficiente para realizar a mudança. Os bancos, ao oferecerem crédito aos
empresários, estariam a dar-lhes os meios para obterem a mão-de-obra de que necessitam.
Esta disponibilização de maior volume de moeda em circulação resultaria, em princípio, num
processo inflacionário, visto que a produção de bens primários permaneceria constante;
Contudo, o autor admite que, com o tempo e com o aumento da produção de produtos
industriais, a inflação tenderia a cair.
O aspecto da inflação, embora não adequadamente abordado por Lewis, não é tão
preocupante como outros problemas que o seu modelo apresenta. É sobre estes que vamos
agora, tratar.
Voltando às ideias de Mellor relativamente às funções que a agricultura poderia
desempenhar no desenvolvimento. Simplificando um pouco a argumentação, e restringindo
a função da agricultura a somente uma: o fornecimento de recursos à indústria. A pergunta
que se coloca é se o modelo de Lewis satisfaz adequadamente este requisito (função).

16
Momentum não deve ser confundido com momento ou instante. Momentum é, ao contrário do momento ou
instante (situação estática), uma expressão que supõe movimento e traduz a força ou ímpeto desse
movimento. Em negócios, nos mercados bolsistas, a expressão é correntemente utilizada para significar a
velocidade em que o preço se movimenta, na subida ou na descida.

45
Analisando o problema de forma mais cuidadosa vemos que os recursos que a
agricultura poderia fornecer ao sector secundário seriam de três tipos:
a) Recursos humanos;
b) Capital;
c) Matérias-primas e alimentos.

Em relação aos recursos humanos, o modelo de Lewis fornece-nos inequivocamente


uma resposta adequada já que a agricultura no seu esquema cumpre essa função através da
transferência de seu excedente de mão-de-obra para o sector secundário.
No que toca ao capital, a resposta de Lewis é que o próprio sector secundário, uma
vez iniciado o processo, geraria os seus próprios recursos para reinvestimento. Se por capital
entendermos mais estritamente instalações e equipamentos, o que Lewis afirma é que a
maior parte (mais de 60%) dos investimentos no sector secundário aparece na forma de
obras de engenharia civil para as quais a mão-de-obra, com pouquíssimo capital, nessa
segunda acepção da palavra, seria suficiente para realizá-las. Esse tipo de capitalização no
sector secundário, só com mão-de-obra e sem o auxílio de equipamento, seria tanto mais
verdadeiro quanto mais incipiente o próprio sector secundário, visto que, nessas
circunstâncias, os investimentos básicas, sem os quais este não se desenvolveria, seriam
infra-estruturais.
Quanto aos equipamentos para as fábricas, o autor não nos dá uma resposta clara.
Presumivelmente seriam importados, na primeira fase, o que implicaria a existência de um
sector exportador17. Como a economia no nosso exemplo é basicamente uma economia
primária, só poderia ser um sector exportador de produtos primários, o que, por sua vez,
implicaria a existência de um sector da mineração ou da agricultura voltado para a
exportação. Por outras palavras, isto pressupõe a existência de um sector primário capaz de
gerar um excedente exportável. Portanto, para que o modelo de Lewis funcione, não
somente precisamos - como ele afirma de um excedente de mão-de-obra como também de
um sector primário, gerador de um excedente exportável.
Relativamente às matérias-primas e aos alimentos para o sector secundário, o autor
resolve o problema parcialmente:
Já tínhamos visto que a alimentação não se constituiria num problema, visto que a
agricultura na opinião de Lewis resolveria esta questão, quer parte da população
(excedentária no campo) permaneça no sector primário, quer se transfira para o sector
secundário.
Mas o problema das matérias-primas não fica totalmente resolvido dentro deste
esquema. Se o sector secundário começa a desenvolver-se sem que haja um
desenvolvimento correspondente do sector agrícola, eventualmente haveria escassez de
matérias-primas, o que elevaria o custo das mesmas, reduzindo certamente os lucros e
conduzindo, eventualmente, como no modelo ricardiano, à estagnação 18.
17
Os países que não tiveram de importar máquinas no início do seu processo de industrialização, foram os de
industrialização primária. Todos os outros tiveram de encurtar caminho iniciando esse processo pela
importação de equipamentos e tecnologia.
18
Se houvesse um desenvolvimento tecnológico muito acentuado na indústria a ponto de utilizar menos
matéria-prima para um dado volume de produção, seria possível existir desenvolvimento industrial sem um
proporcional desenvolvimento agrícola. O mesmo seria válido se a indústria pudesse utilizar matérias-primas
mais baratas. E isto de certa forma acabou por ocorrer com a utilização de produtos sintéticos, a redução de

46
Lewis parece concordar com este tipo de argumentação e parece condescender no
princípio que, a partir de um determinado momento, para o desenvolvimento industrial
prosseguir é essencial que haja um desenvolvimento tecnológico na agricultura.
Voltamos, pois, quase à estaca inicial. Sem desenvolvimento tecnológico na
agricultura, à semelhança de Ricardo, a indústria poderá desenvolver-se mas,
eventualmente, deverá ter inexoravelmente um ponto de paragem.

3.4. Ranis e Fei – O Modelo de Lewis Elaborado


O desenvolvimento agrícola dentro de um esquema de oferta ilimitada de mão-de-
obra, como elemento de suporte do desenvolvimento industrial, foi estudado em maior
detalhe por Ranis & Fei19 numa série de artigos que culminaram com a publicação do livro
“Development of the Labor Surplus Economy: Theory and Policy” onde essas ideias são
melhor trabalhadas.
O que nos interessa em Ranis & Fei (1997) é formalizar o esquema de Lewis e
resolver dois problemas que este último não resolveu adequadamente no seu modelo
original:
 O primeiro destes (que já apontamos) é: até que ponto seria essencial um
desenvolvimento agrícola para que ocorresse um desenvolvimento industrial?
 O segundo problema seria o do mercado para os produtos industriais – ainda não
abordado.

Vejamos primeiro o problema do mercado. Seguindo a argumentação de Lewis, os


autores apontam para o facto de que enquanto existisse um excedente de mão-de-obra, os
salários teriam a tendência a permanecer constantes. Isto criaria um problema de mercado
para os produtos industriais.
Vamos esmiuçar o que os autores entendem por isso. Partindo da suposição que a
mão-de-obra que estaria a sair da agricultura e a ir para a indústria receberia
aproximadamente o mesmo salário que na agricultura (ignorando o acréscimo de 30% de
Lewis, para simplificar a argumentação), chegamos forçosamente à conclusão que o seu
padrão de consumo permaneceria mais ou menos constante. Com os salários que
recebessem no sector urbano consumiriam aqueles produtos que estavam habituados a
consumir quando trabalhavam no campo. Ora, a única coisa que ocorreria seria que os
produtos agrícolas que esses indivíduos antes consumiam no campo seriam por eles
adquiridos na cidade com o seu salário. Este dinheiro pago para a aquisição de produtos
agrícolas iria, eventualmente, parar às mãos daqueles que tinham permanecido no campo
Aqui torna-se necessário estabelecer uma distinção entre a visão de Lewis e a de Ranis & Fei:
Enquanto Lewis tem em mente uma agricultura nas mãos de pequenos agricultores, isto é,
um sector agrícola nas mãos de camponeses proprietários que utilizam a sua mão-de-obra e
da sua família para trabalhar a terra, Ranis & Fei têm em mente uma estrutura agrícola
diferente: a de proprietários que se utilizam de assalariados para trabalhar a terra. Portanto,
no esquema por eles desenvolvido, esse dinheiro iria parar às mãos de proprietários
agrícolas que teriam alta propensão marginal a poupar.
desperdícios industriais e a reciclagem.
19
O modelo de Ranis e Fei é um modelo de crescimento económico desenvolvido por John C. H. Fei e Gustav
Ranis e pode ser entendido como uma extensão do modelo de Lewis.

47
Se esta fosse a situação, uma pergunta que viria à mente seria a seguinte: dado que
os trabalhadores agrícolas e industriais consomem basicamente produtos agrícolas e dado
que os que poderiam consumir produtos industriais poupam em vez de consumir, de onde
viria o mercado para os produtos industriais que a economia passaria a produzir (Ranis & Fei,
1997)?
Ranis & Fei acreditam que esse problema de mercado seria, facilmente resolúvel
através de uma realocação de recursos e produtos no sector industrial. Em vez de se
produzir bens de consumo, produzir-se-iam bens de capital. O desenvolvimento em
condições de "austeridade natural" (termo dos autores) implicaria, portanto, a existência de
empresários agrícolas e industriais desejosos de investir em projectos de longa gestação.
Acreditam que em circunstâncias normais seria difícil encontrar empresários com tal
disposição, daí verem a participação do Estado como essencial para resolver esse problema
de falta de mercado.
Segundo as suas palavras: "Em síntese, poderíamos dizer que, na economia
subdesenvolvida com excedente de mão-de-obra, as poupanças potenciais (ocultas) do sector
rural (...) devem ser activadas como um fundo de salários para permitir que a
industrialização prossiga. Além do mais, como decorrência das condições de austeridade
natural, produto da mesma situação de oferta ilimitada de mão-de-obra, grande parte da
produção industrial deve ser de bens de produção devido à ausência de um mercado
doméstico para bens de consumo final. Isto equivale à necessidade de se fazer investimentos
com um longo período de gestação, uma actividade na qual, directa ou indirectamente, o
governo, provavelmente, desempenhará um papel importante” (Ranis & Fei, 1997).
Relativamente ao primeiro problema, Ranis & Fei pretendem mostrar que para
acelerar a transição de uma economia tradicional para uma economia capitalista, o
desenvolvimento agrícola é básico. Sem o desenvolvimento da agricultura as condições de
excesso de mão-de-obra, segundo os referidos autores, teriam uma duração bem mais
longa. O que propõem é que parte dos lucros gerados no sector industrial e parte do próprio
excedente agrícola sejam utilizados no desenvolvimento do sector primário. Isto, na
linguagem que se tornou corrente entre os economistas do desenvolvimento, equivaleria a
adoptar uma estratégia de desenvolvimento equilibrado. Tal estratégia seria possível através
da acção do governo ou, ainda, através do mecanismo do mercado.
Temos algumas dúvidas acerca da possibilidade de um governo, através do
planeamento, poder guiar a economia pelo caminho do desenvolvimento equilibrado. Mas a
afirmação dos autores de que o mecanismo do mercado seria capaz de levar a tal objectivo
parece-nos surpreendente.
Para que o mecanismo de mercado funcionasse como previam, a partir do
momento em que surgisse um afunilamento no sector secundário por falta de matérias-
primas e/ou alimentos, e os custos industriais começassem a aumentar como resultado de
tal facto, seria necessário que os empresários industriais e/ou agrícolas tivessem percepção
suficiente para investir uma maior proporção de seus lucros no desenvolvimento do sector
agrícola.
Quanto aos empresários agrícolas, com os preços crescentes para produtos
agrícolas que tal situação implicaria, vemos poucos incentivos para assim procederem;

48
Quanto aos empresários industriais, a possibilidade de transferirem parte dos seus
recursos do sector industrial para o desenvolvimento do sector agrícola parece-nos também
fora de cogitação.
Essa transferência teria como objectivo investir num sector que lhes é estranho, o
que, por sua vez implicaria uma percepção muito aguçada por parte destes da possibilidade
de auferir lucros adequados com esses investimentos. Temos, pois, dúvidas relativamente a
essa percepção por parte do empresariado industrial, visto que acreditamos, como
Hirschman, na "miopia" do empresariado dos países subdesenvolvidos (Hirschmam, 1967).
Seria necessário que as possibilidades de auferir lucros num sector que lhes é desconhecido
fossem gritantemente óbvias antes que decidissem empregar parte de seus recursos no
desenvolvimento desse sector.
Isto implicaria que os preços das matérias-primas e/ou alimentos devessem ter
atingido níveis elevadíssimos antes que os industriais decidissem fazer algo o que, por sua
vez, seria o reflexo de um sério estrangulamento no sector secundário, isto é, estaríamos em
presença de um desenvolvimento desequilibrado e, não, equilibrado, como pretendem os
autores.
O empresário industrial quanto à necessidade de desenvolvimento do sector
agrícola e o interesse do empresariado industrial em manter o sector primário
subdesenvolvido a fim de pressionar os salários industriais para baixo, são duas situações no
mínimo duvidosas. Primeiro, porque, como acabamos de verificar, talvez não seja a política
mais conveniente a longo prazo. Em segundo lugar, porque não acreditamos que os
empresários sejam capazes de projectar efeitos que provavelmente só ocorrerão depois de
algumas décadas. Como bem sublinham Ranis & Fei, embora a produtividade no sector
agrícola possa estar a aumentar, até ser alcançado o fim da fase de excesso de mão-de-obra
os salários, quase com toda a certeza, permaneceriam estacionários.
Seria interessante completar a nossa análise das abordagens de Ranis & Fei e de
Lewis com algumas críticas de caráter mais geral que lhes foram feitas.
Apresentamos as críticas aos dois modelos em conjunto porque na realidade, como
vimos, o modelo de Ranis & Fei não é senão uma extensão do de Lewis.
As duas críticas que nos interessam mais intimamente são as do italiano Arrighi
(1970) do qual falaremos agora e de Myint.
Basicamente este autor faz três críticas a Lewis e, indirectamente, a Ranis & Fei:
Primeiro, repudia o facto de estes autores nas suas análises partirem do
pressuposto que o capital gerado no sector secundário seria investido no próprio sector,
aumentando aí as oportunidades de emprego, o que, Arrighi lembra muito acertadamente,
pode não ocorrer.
A segunda crítica prende-se a uma certa fé de Lewis relativamente ao sector
moderno capitalista, como promotor do desenvolvimento económico que Arrighi parece ter
descoberto. Como diz Arrighi, no modelo de Lewis "o desenvolvimento do capitalismo...
emerge como uma influência benéfica e racionalizante em última análise" que acabaria com
o subdesenvolvimento, e de forma espontânea, no sentido de que seria induzido
exclusivamente pelos mecanismos do mercado (Arrighi, 1970). O que Arrighi mostra
relativamente à Rodésia é que o desenvolvimento do sector dito "capitalista" não somente
levou a um atraso cada vez mais acentuado da grande massa dos africanos, como também o
49
processo pouco dependeu dos chamados mecanismos de mercado, sendo, muito mais,
produto de ingerências políticas na esfera económica.
Finalmente, Arrighi critica Lewis pela sua leviandade relativamente à história e
nessa crítica inclui quase toda economia moderna. São suas as seguintes palavras: "... na
Teoria Económica, as suposições não precisam ser historicamente relevantes. Na realidade,
frequentemente estas são falsas, sendo admitidas como tal. Os processos históricos ficam
relegados a um segundo plano sendo sintetizados por séries estatísticas de dados ex-post, os
‘factos estilizados’, como são frequentemente chamados, os quais individualmente nada
revelam sobre a sequência causal (...). As relações causais (...) não são o produto de uma
análise histórica, mas são impostas de fora, isto é, através de uma análise apriorística, e um
grupo de suposições geradoras dos 'factos estilizados' é admitido como tendo valor
explicativo independentemente da sua relevância histórica. Mas, visto que normalmente
existirão vários destes grupos, tal metodologia deixa ampla margem para escolhas
arbitrárias e, portanto, para mistificações de todas as espécies. Assim sendo, os baixos níveis
científicos, atingidos pela moderna teoria do ‘desenvolvimento económico’ e, mesmo, pela
teoria económica em geral, não devem surpreender a ninguém." (Arrighi, 1970, p. 227).
Embora concordando em grande parte com o teor geral da crítica de Arrighi quanto
ao nível de irrelevância que atingiu a teoria económica moderna no seu quase total
descomprometimento com a realidade, não devemos perder de vista que a História
Económica, como qualquer actividade "científica", não se faz sem uma base teórica
apriorística, ou pelo menos sem aquilo a que Schumpeter chamou de visão do mudo
(Schumpeter, 1963).
Portanto, se Arrighi pretende com isso afirmar que na Economia não há lugar para
modelos teóricos acreditamos que ele próprio se encontra um pouco deslocado da
realidade.
Myint ataca Lewis e seus seguidores de um outro ângulo (Myint, 1968). Como
vimos, Lewis afirma que em certos países existe uma espécie de poupança disfarçada na
agricultura correspondente à mão-de-obra supérflua e que esta poupança poderia ser
transferida para o sector industrial a um custo social igual a zero.
Myint não concorda com nenhuma dessas duas proposições. Para entendermos a
sua posição torna-se necessário que especifiquemos o que o autor entende por excedente
de mão-de-obra. Para Myint esse excedente só pode tomar uma forma, que é o das pessoas
empregadas na agricultura trabalharem apenas parte do tempo que poderiam trabalhar.
Supondo que tivéssemos seis pessoas a trabalhar num minifúndio e que elas tivessem de
trabalhar 30 horas por dia. Se elas repartissem o trabalho igualmente, cada uma delas
trabalharia cinco horas. E se admitirmos que a jornada normal de trabalho é de dez horas
diárias, então essas pessoas que só estavam a trabalhar 30 horas poderiam estar a trabalhar
60 horas, o que equivale a dizer que existiria um subemprego de mão-de-obra equivalente a
30 horas, ou seja, a três homens/dia. Ora, se é certo que poderíamos retirar três
trabalhadores da agricultura e transferi-los para o sector industrial, também é certo que os
que permaneceriam na terra teriam de trabalhar mais para manter a produção constante.
Em vez de cinco horas diárias, teriam de trabalhar dez. E isto, acredita Myint, não poderia
ser conseguido sem alguma forma de incentivo. Não basta prometer aos que ficaram na
terra que dali a alguns anos estariam desfrutando de um nível de vida mais elevado devido
ao aumento na produção industrial. O incentivo teria de ser imediato. E o sector industrial

50
emergente não seria capaz de fornecer este tipo de incentivo uma vez que a mão-de-obra
que a ser desviada da agricultura para este sector estaria a realizar investimentos
infraestruturais que se caracterizam pelo seu longo período de gestação.
Nessas circunstâncias, essa transferência, muito provavelmente, implicaria um
custo social. Myint não explicita qual a forma desse custo social, mas refere que para além
de a sociedade ter de encontrar algum modo de incentivar os que permaneceram na terra a
trabalhar mais, a própria transferência de mão-de-obra do sector primário para o sector
secundário implicaria em certos gastos que o modelo de Lewis parece não tomar em
consideração. Myint cita como típico o exemplo das habitações que teriam de ser
construídas no sector urbano para abrigar esse influxo de mão-de-obra.
Embora até certo ponto a argumentação de Myint segundo a qual a tese de Lewis
apresenta uma falha séria no tocante à sua ideia central, não sabemos até que ponto Myint
não estaria sendo injusto para com Lewis e seus seguidores. A crítica de Myint seria válida
para a mão-de-obra subempregada, mas o que dizer dos que não trabalham ou ainda não
ingressaram na força de trabalho? Este seria o caso, como menciona Lewis, da mão-de-obra
feminina, em alguns países. O que dizer também do crescimento vegetativo da população?
Admitamos, por exemplo, um sistema de exploração agrícola como o imaginado por Ranis &
Fei onde a terra estaria nas mãos de grandes proprietários que empregariam assalariados
para trabalhá-la. Suponhamos que por tradição a jornada de trabalho fosse de dez horas
diárias e que houvesse grande relutância por parte dos proprietários em alterá-la. Ora, num
tal sistema o crescimento populacional poderia ser totalmente desviado para o sector
industrial visto que, atingida a produção "óptima" numa propriedade agrícola, não haveria
incentivo algum para se empregar mais mão-de-obra, como também não haveria o
problema de se redistribuir o trabalho entre os que ficassem na terra, simplesmente porque
o problema, nem surgiria. Quase que automaticamente, à medida que os jovens fossem
ingressando na força de trabalho seriam compelidos a encontrar trabalho no sector urbano-
industrial. Por outras palavras, a crítica de Myint seria válida para os subempregados mas
não em todas as circunstâncias para os desempregados e para aqueles que ainda não
tivessem ingressado na força de trabalho. Isto, entretanto, não significa que não haja um
custo social associado à transferência dessa mão-de-obra de um sector para outro, como
acertadamente aponta Myint.
Sintetizando o que foi visto até agora, poderíamos dizer que, em geral, os autores
abordados concordariam que só poderia haver um desenvolvimento industrial prolongado
enquanto houvesse um aumento na produtividade da agricultura através do
desenvolvimento tecnológico desse sector. A única discordância que surge seria quanto às
fases iniciais da industrialização. Há os que com Lewis acreditam que em certas condições
favoráveis, especialmente de abundância de mão-de-obra, seria possível dar os primeiros
passos rumo à industrialização sem necessariamente ter uma agricultura em
desenvolvimento. Mas, como vimos, tal posição não estaria totalmente isenta de críticas.

3.5. Hymer e Renisk – Outra Tentativa de Fuga à Camisa de Forças


Ricardiana
Os modelos apresentados até agora, embora tratem de aspectos de suma
importância para o tema "relação entre o desenvolvimento agrícola e o desenvolvimento

51
industrial", deixam de lado um aspecto básico - o de um maior detalhamento das actividades
ditas "agrícolas" e suas implicações. Como apontam Hymer & Resnick:
"Os modelos teóricos de países subdesenvolvidos frequentemente postulam a
existência de um sector agrário que aloca a sua força de trabalho entre duas actividades
principais: a agricultura e o lazer. A evidência empírica coletada por antropólogos,
historiadores económicos e agrónomos sugere, entretanto, que o tempo alocado à produção
agrícola e ao lazer frequentemente representa senão uma pequena parcela do tempo
disponível. O restante é gasto numa variedade de actividades de processamento,
manufatura, construção, transporte e serviços, para satisfazer às necessidades de
alimentação, vestuário, abrigo, diversões e cerimónias." (1969, p. 493)
Com base nessas observações, os autores constroem um modelo teórico onde as
referidas actividades, às quais chamam de Z, são incluídas explicitamente. Na visão desses
autores o sector agrícola poderia, então, produzir dois tipos de produtos: produtos agrícolas
(F) e produtos tipo Z. Acreditam que quanto à produção estes dois tipos de produtos seriam
até certo ponto, substitutos, rejeitando, portanto, a ideia contrária.
"Argumenta-se, algumas vezes, que Z e F não são substitutos visto que a produção
de bens do tipo Z é usada para preencher o vácuo existente na entressafra, quando o custo
de oportunidade da mão-de-obra é zero ou muito baixo. Sugerimos que esta visão é uma
simplificação grosseira e que, ao longo do tempo, existe a possibilidade de escolha quanto
aos métodos de cultivo utilizados e, portanto, quanto ao caráter sazonal das necessidades de
mão-de-obra. Sugerimos que mesmo a economia mais primitiva dispõe de uma variedade de
culturas e de técnicas agrícolas entre as quais pode fazer uma escolha e que pela variação da
composição da produção e pela escolha de técnica, o agricultor tem uma flexibilidade
apreciável para variar a quantidade de mão-de-obra que usa durante o ano (...). Sugerimos
que o uso de processos produtivos altamente sazonais frequentemente representa a escolha
feita por uma sociedade onde a renda é baixa e onde se dá um grande valor às actividades Z.
Como corolário, esperaríamos encontrar uma mudança para actividades trabalho-intensivas
onde a renda é alta e as actividades Z devem ser sacrificadas para que se possa pagar pelo
uso da terra." (Hymer & Resnick, 1969, pp. 494-495).
Implícita na argumentação dos autores está a ideia de que a produção de “Z é
trabalho-intensiva, usando pouca ou nenhuma terra, enquanto a produção de F tende a ser
terra-intensiva".
"(…) culturas diferentes têm necessidades diferentes quanto à terra, ao trabalho e
ao capital. Uma mudança na composição da produção, portanto, afectará a escassez dos
factores e a intensidade da sua utilização. Por exemplo, um movimento no sentido de
aumentar a produção de alimentos e diminuir a produção de bens do tipo Z, terá um efeito
poupador de mão-de-obra, enquanto uma mudança da produção, terra intensiva, de gado
para a produção, trabalho-intensiva, de vegetais terá como efeito uma maior utilização de
mão-de-obra" (Hymer & Resnick, 1969).
Dito de outro modo, a hipótese que os autores lançam seria uma alternativa à visão
de Lewis. Nas palavras deles: "No nosso entender, uma importante substituição que ocorre
no processo de desenvolvimento não é a substituição do lazer ou ócio pelo trabalho mas, sim,
uma mudança de métodos inferiores de produção doméstica para métodos superiores de
produção, baseados na especialização e na troca (...). Levantamos a hipótese de que numa
economia agrária, isolada do comércio, a produção de alimentos é inibida pela falta de

52
mercado e dedica-se muito esforço à produção de outros bens necessários à vida. Nas
sociedades feudais, uma parcela significativa de bens do tipo Z toma a forma de
empregados, soldados, burocratas, artesãos que atendem às necessidades da aristocracia.
Na ausência dos senhores feudais, a produção de bens do tipo Z ocorrerá, na sua maior
parte, na esfera doméstica. Quando uma economia autárquica agrária é aberta ao comércio,
com um sector industrial doméstico ou estrangeiro, esta tem pela frente um novo grupo de
possibilidade de transformação. Pode, agora, especializar-se na produção de certos itens de
alimentação para atender a procura dos centros urbanos ou do mercado externo, podendo
importar os produtos manufaturados [de que necessita]. A economia pode entrar num
processo de 'substituição de bens domésticos', o oposto de substituição de importações, à
medida que o consumo de bens do tipo Z dá lugar ao consumo de bens manufaturados
obtidos em troca dos produtos agrícolas vendidos." (Hymer & Resnick, 1969).
Esse processo de especialização – cujos efeitos principais seriam dois: aumentar o
nível de renda e libertar mão-de-obra – poderia, por exemplo, ser iniciado por uma elevação
(por qualquer motivo) dos preços dos produtos agrícolas.

3.6. M. H. Watkins – A Visão Histórica na Abordagem do Produto Principal


Ao analisar o processo de desenvolvimento económico, amiúde nos sentimos
tentados a recorrer às teorias ortodoxas do crescimento e relegar para notas de rodapé as
circunstâncias particulares que condicionam o sistema económico de um país. Creditando
grande importância ao processo de acumulação de capital, a teoria económica ortodoxa está
simplesmente a observar, à posteriori, de que forma as economias de sucesso foram capazes
de criar um processo auto-sustentado de acumulação e crescimento. Com efeito, é possível
observar o modo pelo qual o crescimento é gerado, comparando factos empíricos com os
modelos teóricos que neles se originaram; este método, no entanto, implica um raciocínio
circular. Conquanto as teorias ortodoxas do crescimento possam ser muito úteis na
formulação de política – no sentido de que apresentam um alvo a ser atingido – pouco
ajudam no estabelecimento de relacionamentos causais e na explicação de tendências
históricas.
De acordo com Caio Prado Júnior:
"O simples facto do investimento, como pretende a teoria ortodoxa, ou mesmo o
facto mais geral e amplo da origem e formação do capital e de sua acumulação, pouco ou
nada explica acerca dos factos originários que impulsionam o crescimento. O que deve ser
considerado e que dá conta desse crescimento é o que está por trás e na base dos
investimentos." (Prado Jr, 1972)
Ainda de acordo com o mesmo autor:
“O não-historicismo e a subestimação da especificidade histórica dos países
subdesenvolvidos tomam a teoria ortodoxa incapaz de avaliar as circunstâncias peculiares
que, em cada lugar ou categoria socioeconómica, condicionam as investimentos e dão a
medida de sua fecundidade e capacidade de determinar um processo auto estimulante de
crescimento que é o que se procura realizar.” (Prado Jr, 1972)
Mais apropriada para o entendimento de processos de longo prazo, como o
desenvolvimento económico, é uma abordagem que vincule a História Económica à Teoria
Económica e que, portanto, possa vincular generalizações sobre o comportamento
económico derivado da Teoria Económica a processos específicos que, em decorrência do

53
seu posicionamento no espaço e no tempo, possam ser mais bem entendidos através de
uma perspectiva histórica.
A correntemente designada teoria do crescimento pelo produto principal é uma
tentativa interessante nesse sentido (Watkins, 1963). Popularizada pelo historiador
económico canadiano Harold Innis (1956), através de sua aplicação ao Canadá, a teoria do
produto principal também tem sido usada para explicar o desenvolvimento económico dos
Estados Unidos20.
A interpretação do desenvolvimento económico via produto principal não deve
realmente ser considerada como "teoria", mas sim como uma "abordagem" ao
desenvolvimento económico. No seu artigo, Watkins referiu-se ao caso "não como uma
teoria geral de crescimento económico e nem mesmo como teoria geral sobre o crescimento
das economias orientadas para exportação, mas sim como aplicável ao caso atípico de um
'novo país' " (1963). Mas esta abordagem pode ser extremamente útil, no sentido de que
traz à luz uma série de facetas importantes no processo de desenvolvimento de "novos
países", as quais frequentemente são omitidas, dando espaço a outras interpretações de
crescimento. Numa conceituação simples da "teoria" do crescimento por meio do produto
principal, diríamos que esta consiste no estudo do crescimento gerado pela produção e
exportação de uma mercadoria principal. Como sector líder da economia, ela estabelecerá o
ritmo para as mudanças económicas, políticas e sociais no sistema, com origem num
processo de diversificação e difusão ao redor da base de exportação. "Portanto, o conceito
central da teoria do produto principal está no efeito-difusão do sector de exportação, isto é,
no impacto da actividade exportadora sobre a economia e a sociedade internas." (Watkins,
1963).
Tipicamente, esta abordagem produz bons resultados em economias caracterizadas
pela existência de "terras vazias", relativa abundância de terra face aos outros factores
(mão-de-obra e capital) e ausência de tradições inibidoras do crescimento. Uma economia
assim poderia especializar-se num produto principal em que tivesse vantagem (comparativa
ou absoluta) em relação a outros produtores. Com a maior das probabilidades, o produto
principal seria relativamente intensivo de recursos naturais, em virtude da dotação
relativamente maior do país quanto a este factor. A mercadoria principal seria produzida e
exportada enquanto o custo das fontes alternativas de suprimentos fosse maior do que o
custo do produto que vem da "nova" região; noutras palavras, o custo do bem importado de
regiões alternativas teria de ser maior do que o custo de produção na nova região, pelo
menos no montante do custo adicional de transporte para importação (se houver), mais os
custos de migração de capital e mão-de-obra, e o "salário" adicional necessário para cobrir o
custo de transporte das importações de bens de consumo para a nova região, que eleva o
custo de vida para os migrantes. Se essas condições fossem satisfeitas, o país se
especializaria na exportação deste produto principal e cresceria, ou não, dependendo do
vigor e das características dos efeitos-difusão do produto. Na realidade, o ponto focal da
abordagem do produto principal consiste em analisar a natureza e os determinantes destes
efeitos-difusão, levando em consideração não apenas as características internas do país, mas
também o ambiente internacional em que opera. Este último ponto torna-se extremamente
importante por duas razões principais: primeira, a abordagem do produto principal somente
é aplicável a uma economia "aberta" que, consequentemente, fica sujeita a eventos que

20
Entre outros economistas norte americanos interessados na abordagem do produto principal deve
mencionar-se Douglas C. North (North, 1990) que procurou estabelecer ligações entre o processo económico
dos EUA e o desenvolvimento da economia algodoeira do Sul.

54
ocorrem fora de suas fronteiras; e segunda, a formação estrutural da economia é
condicionada pelas características particulares da região ou país que exporta mão-de-obra e
capital para a nova economia.
No primeiro caso, as mudanças na procura e na oferta internacionais de bens e
factores afectarão os preços e, por conseguinte, a produção de mercadorias de exportação;
as mudanças em tecnologia e técnicas de transporte e comunicações afectarão a intensidade
e, possivelmente, a existência das vantagens na produção de uma mercadoria de
exportação; as mudanças na estrutura de poder internacional e nos relacionamentos
políticos entre as nações poderiam causar deslocamentos dos centros decisórios, com
amplas repercussões na estrutura interna dos exportadores.
Estas mudanças no ambiente internacional podem conduzir a mudanças na
produção da mercadoria básica e afectar seus efeitos-difusão. Isto explica, por exemplo, a
ascensão e declínio de diferentes produtos de exportação, bem como os deslocamentos
geográficos dos pólos de crescimento económico que podemos verificar na história dos
países produtores de mercadorias para o mercado externo.
No segundo caso, forças externas podem afectar a formação estrutural do sistema,
já que as "terras vazias" tiveram um status colonial durante parte da sua história, foram
influenciadas pelo tipo de estruturas económicas, sociais e políticas transplantadas dos
poderes coloniais. Neste caso, é importante analisar sob que condições as novas terras
foram formadas e colonizadas, para que se possa entender até que ponto estas estruturas
transplantadas foram internalizadas e transformadas em características estruturais destes
novos países.
Supondo um ambiente internacional, cuja importância acabamos de salientar, e de
uma "nova terra" com determinada base produtiva, podemos analisar o seu processo de
crescimento levando em conta o caráter da mercadoria principal que produz e a sua
influência quanto aos efeitos-difusão.
Todo processo de produção, caracterizado por uma dada tecnologia ou função de
produção, dará origem a efeitos importantes nas estruturas social, económica e política do
país, as quais, por seu turno, afectarão o vigor dos efeitos-difusão. A função de produção da
mercadoria principal determinará a procura de factores, de bens intermediários, e afectará o
nível e a repartição de renda. Dependendo do produto principal que se está a produzir, a sua
industrialização poderá ou não ser feita internamente, levando, assim, a uma difusão mais
acentuada de crescimento. Por isso, é importante que se inicie a análise, tendo como base,
não somente a existência de um sector-líder de exportação, como também o entendimento
das implicações específicas que cada função de produção da mercadoria principal poderia
ter sobre as estruturas social, política e económica do país.
Gera-se o processo de crescimento induzido pela produção de um bem principal
através da reprodução e multiplicação dos efeitos-difusão, habitualmente chamados
encadeamentos. Poderiam ser definidos como estímulos para o investimento interno
induzidos pela produção de um bem principal exportável. O encadeamento para trás, ou
efeito para trás (backward linkage), define incentivos para investir na produção interna de
insumos para o sector do produto principal; os encadeamentos para frente, ou efeitos para
frente (forward linkage), relacionam-se com os estímulos para investir nas indústrias que
utilizam o produto principal como insumos; finalmente, o que se poderia chamar de
encadeamento, ou efeito renda-consumo, relaciona-se com os estímulos para investir na
produção de bens de consumo, a fim de satisfazer a procura potencial criada pelo aumento
de renda no sector de exportação.

55
Os determinantes da existência e do vigor de tais encadeamentos ou efeitos,
conforme foi mencionado, podem ser externos (o ambiente internacional) e internos (no
sentido da função de produção do produto-base). O sistema, influenciado pelos dois tipos de
determinantes, origina uma sequência contínua de autoalimentação, que transforma a
abordagem do produto principal em algo complexo. Por exemplo, a estrutura social e
económica transplantada poderia encontrar condições favoráveis para perpetuar-se na nova
terra. É este o caso da agricultura de grandes plantações que tende a perpetuar os modelos
importados da organização social e económica aristocrática. Neste caso, os encadeamentos
não se geram internamente. A repartição desigual de renda produzirá efeitos de
encadeamento no exterior, através da importação de artigos de luxo pelos proprietários das
plantações; igualmente, em decorrência da grande escala das operações, capital estrangeiro
pode ter sido importado, levando a grandes remessas de lucro para o exterior e pequena e
concentrada geração de renda interna21. Tais factores levam ao que foi chamado
"mentalidade do açúcar": "os lucros especulativos mais elevados das indústrias açucareiras
para exportação originaram indisposição para investir em produção interna".
Esta "mentalidade de rentier" (Watkins, 1963) por parte da elite dos países ocasiona
uma sociedade inigualitária onde os grupos dominantes procuram manter o status quo.
Nestas condições, é improvável que surjam certos elementos importantes no crescimento
como inovações tecnológicas e mentalidade empresarial, o que, então, reforça, a longo
prazo, a característica de estagnação do sistema.
Finalmente, deve ser mencionado o facto de que a abordagem do produto principal
lança luzes sobre um elemento importante no processo de crescimento. Trata-se de que
para conseguir crescimento e desenvolvimento auto-sustentados, a economia deve ser
capaz de transferir recursos à medida que as mudanças dinâmicas nas condições internas e
externas o exijam (Levin, 1960). Isto quer dizer não apenas a capacidade para transferir
recursos para novos sectores, mas também a capacidade de empregá-los em diferentes
combinações, à medida que ocorrem mudanças nos preços relativos dos factores ou o
surgimento de nova tecnologia22.
Neste caso, novamente, as condições externas e internas afectarão as
possibilidades adaptativas de uma economia. As mesmas determinantes dos encadeamentos
também afectarão o desempenho de longo prazo de uma economia, seja directamente -
como, por exemplo, atitudes e motivações para com a modernização - ou indirectamente,
pela inexistência de fortes encadeamentos internos que são tão essenciais para o êxito de
um processo de crescimento e diversificação.
A abordagem do produto principal, algumas vezes chamado crescimento
impulsionado pela, exportação, tem sido muito criticada como teoria de crescimento.
Já foi demonstrado que se a economia for sobreposta a um sistema caracterizado
por alto coeficiente homem/terra e por actividades económicas a nível de subsistência,
provavelmente não surgirá um processo de desenvolvimento e crescimento auto-
sustentados. Além disso, a concentração excessiva num único produto exportável pode
ocasionar o que J. Bhagwati chamou "crescimento empobrecedor", se as condições de
comércio do país decaem persistentemente (1958). H. Singer diz a este respeito que
"quando os ganhos de exportação são elevados, a economia é capaz de financiar o
21
Para uma análise interessante dos factores de produção que são “importadores de bens de luxo” e
“expatriadores de renda”, ver J. V. Levin (1960)
22
Watkins menciona o facto de que a função de produção de produtos principais também pode ser um dos
determinantes da capacidade para transferir recursos. Dá como exemplo a produção de algodão que em
decorrência das características fisiológicas da planta é muito mais resistente à mecanização do que o trigo.

56
desenvolvimento económico, mas tem falta de incentivo para fazê-lo; quando os ganhos são
baixos, existem os incentivos, mas faltam os meios" (Singer, 1950).
Têm sido apresentados muitos outros argumentos contra a teoria do crescimento
via produto principal. Com efeito, o seu sucesso depende de certas condições atípicas que
habitualmente não são encontradas na maioria dos países subdesenvolvidos, especialmente
nas economias de subsistência que se caracterizam por abundância de mão-de-obra. Por
outro lado, para um pequeno subconjunto de países, a abordagem pode ser bastante útil.
"Se forem evitados os perigos imprevistos – se o produto principal gerar fortes efeitos-
difusão que sejam adequadamente explorados, por fim a economia crescerá e se
diversificará, até ao ponto em que a designação de 'economia de produto principal já não
mais se aplica." (Watkins, 1963).
Como acontece com qualquer modelo, a teoria do crescimento via produto
principal não deve ser forçada a ir longe demais. Se formarem encadeamentos e a economia
começar a diversificar, a abordagem tornar-se-á um instrumento inadequado de análise. A
busca das consequências da exportação de produtos primários pode responder apenas por
parte do ímpeto para crescer, e quanto mais a economia crescer, mais forte será o impacto
das fontes de crescimento que não as relacionadas com o sector primário.
Acreditamos que a abordagem do produto principal pode contribuir muito para o
entendimento do crescimento económico nos primeiros estágios formativos do sistema
económico. Neste período, através dos movimentos de factores e vínculos económicos entre
as "novas terras" e as potências colonizadoras, pode ser produzido um excedente
económico. O uso que dele se faz torna-se ponto crucial na geração de efeitos-difusão e no
crescimento económico de longo prazo. Como, onde e por quem o excedente é acumulado
torna-se um dos pontos focais da abordagem do produto principal. É, portanto, a existência
(ou inexistência) da acumulação primitiva de capital interno que condicionará o futuro das
"novas terras" e é esta acumulação inicial que a abordagem pode ajudar a compreender
melhor.

57
4. POLÍTICA AGRÍCOLA
A política económica, constituída pelo conjunto de intervenções dos poderes
públicos (poder político) na economia, é caracterizada por uma escala de prioridades dos
objectivos a alcançar e pela selecção dos instrumentos coerentes para os atingir. Ela permite
beneficiar do conhecimento teórico para influenciar a realidade económica e, sobre muitos
aspectos, o próprio desenvolvimento da sociedade e sobretudo sobre as forças produtivas.
A política económica pode ser desenhada numa perspectiva de curto prazo e
denomina-se então por política conjuntural, ou projectar efeitos que apenas se fazem sentir
a médio ou longo prazo, denominando-se então como política estrutural. De resto, há
necessidade de articular a política conjuntural com a política estrutural sempre que haja
uma relação entre ambas.
A política económica desempenha uma função normativa no tocante à situação
económica. O carácter, a orientação social e a extensão da influência que a política
económica exerce são na totalmente determinadas pelo regime político-social e pelas leis
objectivas do seu desenvolvimento. Esses objectivos podem resumir-se a partir das três
funções económicas do Estado23:
i) A função de atribuição, com o fim de criar condições favoráveis ao crescimento
e ao desenvolvimento económicos;
ii) A função de redistribuição, a incidir sobre a repartição dos rendimentos,
justificada por um interesse colectivo;
iii) A função de estabilização relacionada com a regulação conjuntural da
actividade económica.
Por vezes, os objectivos pretendidos são contraditórios, estão sujeitos a restrições
que impedem de os levar à prática ou dependem de condições históricas favoráveis à sua
concretização.
Um dos aspectos fundamentais na metodologia da política económica consiste em
que não é apenas a ciência económica que contribui para a sua aplicação de acordo com os
objectivos a atingir. É indispensável um conhecimento das realidades económicas, culturais e
sociais do espaço sobre o qual vão incidir as acções a levar à prática, sem o que a política
seguida pode desencadear forças susceptíveis de provocar a desagregação do processo
económico concreto dum país ou região. Sobre a política económica do Estado influem as
condições históricas concretas do desenvolvimento da sociedade em causa, a correlação de

23
De acordo com a Enciclopédia e Dicionário da Porto Editora (online) disponível em
http://www.infopedia.pt/$funcoes-economicas-do-estado, o Estado tem fundamentalmente três funções
de cariz económico: afetação, distribuição e estabilização. Através da função de afetação, o Estado produz
bens públicos, isto é, aqueles que não apresentam simultaneamente as duas características dos bens
privados: o consumo rival (o consumo do bem por uma pessoa é impeditivo do seu consumo por outra)
e a obediência ao princípio da exclusão  (é excluído do usufruto do bem quem não pagar o seu preço).
Quando estas características não se conjugam, os bens são mais eficientemente produzidos pelo Estado
do que por particulares (é o caso da defesa nacional ou da segurança pública). Quando o Estado cobra
impostos diferenciadamente e redistribui esses montantes através de mecanismos de segurança social, está a
leva  à prática a função de distribuição. Finalmente, a função de estabilização reflete-se quando se processam
intervenções com vista a estabilizar a economia do país, quer a nível interno (através das políticas orçamental e
monetária), quer externo (equilíbrio da balança de pagamentos). Pretende-se, acima de tudo, assegurar o
crescimento económico, a estabilidade dos preços, o emprego e o equilíbrio das relações externas do país
(Porto Editora, 2003-2014).

58
forças das classes, o grau de luta de classes no plano interior e exterior. Daí que a política
económica se aplique segundo formas e métodos distintos, dependentes das condições e
tarefas de cada etapa de desenvolvimento duma dada formação económico-social.
A política económica procura modificar a evolução natural da actividade económica
com o objectivo de responder a certas finalidades ou interesses do Estado ou das classes
dominantes. Pode ser definida a partir dos agentes que a executam, como o Estado (no
sentido restrito) ou as comunidades locais no seu campo de aplicação, rural ou urbano. Se o
Estado tem de agir sobre a economia por meio duma política específica é porque a ausência
de intervenção afecta as expectativas do poder político ou económico. Pode tentar melhorar
o funcionamento do sistema económico ou visar a sua transformação. Num sentido lato,
deve incluir a política social – o conjunto de acções que, normalmente, compreendem a
saúde, a educação, a habitação social, etc., com o fim de atingir objectivos de regulação
social – e as políticas económicas sectoriais de entre as quais avultam a política industrial e a
política agrária. É sobre esta última que centraremos a nossa atenção.
A política agrária corresponde ao conjunto de intervenções do poder político na
economia visando a introdução de mudanças conjunturais ou estruturais na agricultura. A
política agrária é, na verdade, a acção do poder político no meio agrário, com o objectivo de
estabelecer a melhor forma de distribuição, uso e exploração da terra, a concessão dos
recursos e instrumentos necessários, visando a organização da produção, a comercialização
da produção, a produtividade, a preservação ambiental, o desenvolvimento socioeconómico
do meio rural e o bem-estar da colectividade.

4.1. Os principais instrumentos de política agrícola


De acordo com Bacha (2004) os instrumentos de política económica que
influenciam a agropecuária são diversos, mas destacam-se os seguintes:
• Política fiscal – tributação, gastos do governo, mecanismos de isenção fiscal e de
incentivos fiscais.
• Política monetária – taxa de juros de captação versus taxa de juros de empréstimos,
taxas de juros nominais versus taxas de juros reais.
• Política cambial – câmbio valorizado versus câmbio desvalorizado.
• Política de rendas – legislação do trabalho e política de zonagem do uso da terra.
• Política comercial – acordos comerciais entre países.
• Política agrícola – crédito rural, política de preços mínimos garantidos, seguro rural,
pesquisa e extensão rural, sanidade vegetal e animal, políticas específicas para produtos
e insumos, política de uso florestal e de incentivo ao reflorestamento.

Além desses instrumentos de política agrícola mais gerais, outros podem ser
desenvolvidos visando atender um público específico, como os de apoio à agricultura
familiar.
Como toda política pública, as políticas agrícolas podem induzir mudanças
desejadas pelos governos no sector, através do arranjo de instrumentos que estimulem a
produção (preços, crédito, juros, seguros, constituição de stocks, exportações, compras
internas) e promovam a distribuição social da riqueza da agricultura. Sendo assim, a
orientação dessas políticas é dada pelo papel que se espera que a agricultura cumpra em um

59
dado momento histórico (liberar mão-de-obra, baratear o custo da cesta básica, promover
as exportações de determinados produtos, garantir a segurança alimentar, fortalecer a
agricultura familiar ou patronal, etc.).
Ainda segundo Bacha (2004) a política agrícola serve como um importante
instrumento para induzir mudanças na agricultura e em outros sectores da economia de um
país. Apesar dos resultados não ficarem alheios à conjuntura dos mercados nacionais e
internacionais, as mudanças provocadas pelas políticas agrícolas contribuem directamente
para:
1. Reduzir as instabilidades provocadas pelo mercado e clima;
2. Favorecer o investimento nas actividades agrícolas;
3. Elevar a produção e a produtividade agrícola;
4. Reduzir os custos de produção por unidade de produto produzido, devido à redução
no custo do crédito, da assistência técnica, tecnologias, uso de novas tecnologias de
produção e máquinas que aumentam a produtividade do trabalho, etc.;
5. Reduzir os custos dos alimentos no consumidor final. Isso também pode acontecer
com os demais produtos agrícolas e florestais: fibras, energia (álcool, biodiesel) e
madeira;
6. Democratizar o acesso ao crédito e às tecnologias entre os que têm dificuldade de
acesso através dos mecanismos normais, facilitando a sua inserção no mercado;
7. Fazer frente à concorrência dos produtos agrícolas importados, mediante a redução
dos custos de produção provocados pela própria política agrícola, através de
barreiras tarifárias à importação e isenção de impostos à exportação;
8. Promover o desenvolvimento de determinados produtos agrícolas e técnicas de
produção, que dependerá dos incentivos da política e do mercado;
9. Facilitar, pela disponibilidade de crédito, o acesso aos insumos e tecnologias
colocados no mercado (adubos químicos, agro tóxicos, etc.);
10. Facilitar a organização de cadeias produtivas, favorecendo também as indústrias;
11. Elevar a renda das famílias através do aumento da produção destinada à
comercialização;
12. Diversificar as actividades rurais, estimulando actividades não-agrícolas ou
parcialmente agrícolas (agroindústrias, turismo, etc.);
13. Incentivar e promover a segurança alimentar, pois do contrário pode contribuir para
estimular apenas alguns produtos que possuem conjuntura de mercado mais
favorável (soja, por exemplo);
14. Transferir renda – nesse caso, encontram-se os créditos bonificados aos agricultores
de baixa renda, embora também estimulem a produção;
15. Desenvolver outros sectores da economia (indústria e serviços).

A existência da política agrícola pode desempenhar um importante papel na


implementação das mudanças acima apresentadas. No entanto, não oferece a garantia de
1. Conter a redução dos preços dos produtos agrícolas – A maior estabilidade, o
aumento da produção e produtividade e a redução dos custos provocada pela política
normalmente contribuem para a redução dos preços;

60
2. Manter ou elevar a renda agrícola – Mesmo que uma parte dos agricultores eleve
ou mantenha a sua renda, a tendência geral da agricultura é de reduzir a sua participação no
Produto Interno Bruto (PIB);
3. Democratizar o acesso à terra – Devido ao facto de gerar maior estabilidade na
agricultura, ajuda a promover a elevação do preço, dificultando a aquisição por quem não
possui;
4. Conter a redução da população ocupada na agricultura – Ao contrário, pode
contribuir para estimular a redução e até o próprio êxodo rural. No que se refere ao êxodo,
poderá acontecer em níveis menores se as pessoas se ocuparem em outras actividades no
meio rural. Os avanços na área de transportes e comunicação e a opção de algumas
indústrias em interiorizar as suas unidades produtivas para reduzir custos de produção têm
contribuído para isso;
5. Conservação dos recursos naturais – A existência de crédito e a elevação do
preço da terra podem promover uma pressão maior sobre os recursos naturais, mediante o
desmatamento, drenagem, etc.;
6. Segurança alimentar e produção para o consumo familiar – Os produtos com
preços melhores tendem a ser os mais cultivados e os agricultores podem optar por produzir
mais para o mercado e relegar a produção para o consumo familiar;
7. Evitar a diferenciação social – Os aspectos apontados anteriormente indicam que
a diferenciação social entre os agricultores poderá continuar ocorrendo com a existência de
políticas agrícolas, já que alguns tenderão a se integrar no mercado de determinados
produtos agrícolas e se capitalizar, e outros não.

4.2. Crédito Rural, Programas Especiais, Preços Mínimos, etc.


Aquilo a que se convencionou chamar de instrumentos da política agrícola são, de
facto, os instrumentos que as autoridades governamentais dispõem para formular e
executar as políticas voltadas para o sector agropecuário. Esses instrumentos promovem o
investimento, criam incentivos ou desincentivos para as actividades agropecuárias e
sinalizam a rota de desenvolvimento do sector.
Na década de 90, a agricultura nos países em desenvolvimento sofreu grandes
transformações. Uma das principais foi o esvaziamento do modelo de intervenção e
regulamentação estatal, caracterizado pelo controlo e garantia de preços e manutenção de
stocks reguladores e maior disponibilidade de crédito rural. 
A partir desse novo cenário, a agricultura foi exposta a um modelo de mercado,
com intervenção mínima do Estado. A transição entre esses modelos elevou os riscos das
actividades agropecuárias e criou distorções que ainda estão presentes no sector,
determinando ciclos alternados de expansão e retracção. A partir dos anos 90, portanto, a
agricultura enfrentou:
i) A abertura económica e a concorrência com produtos importados;
ii) A redução do crédito oficial e, por sua vez, a elevação da participação do
crédito privado a taxas de juro altíssimas;

61
iii) A crescente redução da participação do sector público na política de garantia de
preços mínimos, bem como, na aquisição de produtos para compor os stocks
reguladores;
iv) A extinção quase completa dos mecanismos de seguro dos financiamentos;
v) A redução dos investimentos em pesquisa agropecuária;
vi) A redução dos investimentos nos órgãos de extensão rural.

4.2.1. Crédito rural


O crédito rural é a concessão onerosa de recursos financeiros disponibilizados por
instituições de crédito que tem como beneficiários os produtores rurais (sejam pessoas
físicas ou jurídicas) para aplicação exclusiva na actividade agropecuária.
Os objectivos do crédito rural são:
a) Estimular os investimentos na área rural para a produção, armazenamento,
beneficiamento e industrialização dos produtos agropecuários, quando esses
investimentos forem efectuados pelo produtor na sua propriedade rural;
b) Favorecer o oportuno e adequado custeio da produção e a comercialização de
produtos agropecuários;
c) Fortalecer o sector rural;
d) Incentivar a introdução de métodos racionais no sistema de produção, visando
o aumento da produtividade, a melhoria do padrão de vida das populações
rurais e a adequada defesa do solo.

4.2.2. Programas especiais


Dentro da política agrícola os programas especiais têm particular importância. São,
normalmente, projectos dos Governos que visam fundamentalmente:
i) Beneficiar faixas da população consideradas expostas ao risco de pobreza ou mesmo
de miséria;
ii) Induzir investimento em zonas geográficas remotas;
iii) Desenvolver novas capacidades tecnológicas;
iv) Estimular a capacidade produtiva dos agricultores;
v) Promover o reflorestamento e o equilíbrio ecológico.

Dentre os programas mais comuns, costumam ser desenvolvidos os de apoio aos


camponeses pobres, de apoio à mulher rural, de desenvolvimento comunitário, de
desenvolvimento agroindustrial, de modernização de infraestruturas agropecuárias e de
formação e extensão rural.

4.2.3. Preços mínimos


Os preços mínimos são normalmente instituídos com a finalidade de garantir o
preço para as actividades agrícolas e pecuárias.
Os governos utilizam os preços mínimos, basicamente, de duas formas:

62
c) Comprando produtos aos produtores;
d) Concedendo empréstimos aos produtores para stocagem.
No primeiro caso, o Governo adquire os produtos e estes passam a integrar os
stocks públicos de abastecimento. No segundo caso, através do crédito rural, o produtor é
financiado para stocar o seu produto e vendê-lo numa conjuntura mais favorável. O preço
mínimo serve, neste caso, apenas para determinar o valor do empréstimo, com base na
quantidade de produto que será objeto do empréstimo.
 
4.3. Mercados de futuros agropecuários e opções
Já havíamos referido que a agropecuária é uma actividade produtiva que apresenta
algumas características económicas diferenciadas do sector industrial e comercial, tais como
o alto risco económico (devido a dependência que os factores climáticos), o elevado tempo
em que algumas culturas e/ou criações permanecem no campo sem apresentar retorno
esperado do investimento realizado e a dificuldade da comercialização devido à elevada
perecibilidade dos produtos. Além disso, há que se considerar a volatilidade e dúvidas a
respeito dos preços que serão vendidos os produtos, o que faz da agropecuária, em certos
momentos, um verdadeiro jogo de incertezas e de elevado risco financeiro.
Num ambiente carregado de riscos, os mercados futuros de commodities
agropecuárias são uma forma de propiciar alguma “segurança” para os produtores rurais e
agroindustriais, possibilitando uma “garantia” quanto à queda ou à elevação de preços.
Os mercados futuros podem ser uma forma eficaz de eliminação de um dos
principais riscos da actividade agropecuária, particularmente daquele que decorre da
incerteza de preços futuros (no momento em que se dará a comercialização da safra
agrícola).
Mas vejamos o que é um mercado futuro. Segundo o Banco Central do Brasil, “as
bolsas de mercadorias e futuros são associações privadas civis, com objectivo de efetuar o
registro, a compensação e a liquidação, física e financeira, das operações realizadas em
pregão ou em sistema eletrônico. Para tanto, devem desenvolver, organizar e
operacionalizar um mercado de derivativos, livre e transparente, que proporcione aos
agentes económicos a oportunidade de efectuarem operações de hedging (protecção) ante
flutuações de preço de commodities agropecuárias, índices, taxas de juro, moedas e metais,
bem como de todo e qualquer instrumento ou variável macroeconómica cuja incerteza de
preço no futuro possa influenciar negativamente as suas actividades. Possuem autonomia
financeira, patrimonial e administrativa e são fiscalizadas pela Comissão de Valores
Mobiliários.” (Banco Central do Brasil, 2014)
A Comissão do Mercado de Capitais de Angola não define especificamente o que é a
bolsa de mercadorias mas faz uma definição genérica de bolsa, considerando-a como “uma
entidade que pode ser constituída como associação civil, ou sociedade anónima, e deve ter
por objecto a negociação de valores mobiliários registados, disponibilizar serviços, sistemas e
mecanismos adequados para a intermediação competitiva, ordenada, contínua e
transparente de valores de oferta pública e instrumentos derivados” (Comissão do Mercado
de Capitais da República de Angola, 2013).

63
Generalizando, vamos assumir que se trata de um mercado onde são
transacionados contratos de produtos agropecuários (designados commodities) com um
preço determinado para uma data futura. No mercado futuro são
negociados contratos referentes a certas quantidades de produtos agropecuários, de acordo
com a especificação de qualidade e classificação, não existindo, necessariamente, a intenção
de comercializar produtos físicos directamente na Bolsa. Isto é, o mercado futuro em bolsa é
um  mercado de contratos, de intenções, onde na realidade são negociados os “preços
futuros” de uma mercadoria.
Deve-se destacar que, muitos daqueles que negociam nos mercados futuros não
estão preocupados em entregar ou receber uma mercadoria física, mas estão preocupados
em garantir um preço futuro para a sua mercadoria, numa data pré-determinada. Deste
modo, apenas um muito pequeno número de contratos é que, no final de suas negociações,
dará origem a operações reais24.
Por outro lado, a possibilidade de entrega e recebimento do produto agrícola,
através de normas claras de classificação, em locais de formação de lotes conhecidos e de
confiança do mercado, e a convergência de preços entre o mercado disponível e o futuro, na
época de liquidação destes contratos, é que proporcionam a segurança necessária ao
funcionamento e a liquidez dos mercados futuros.
Para haver um completo entendimento de como ocorre um processo de garantia de
preços, sem necessariamente ocorrer a entrega física da mercadoria em Bolsa, é necessário
entender o funcionamento das operações em Mercados Futuros, que será o tema tratado a
seguir.
Nos mercados futuros de commodities agropecuárias existe uma série de agentes
actuando,  tais como: compradores, vendedores, especuladores, corretores e operadores.
Os vendedores são geralmente aqueles que têm o produto físico como, por
exemplo, os produtores rurais e as suas cooperativas. Como eles estão à procura de um
“seguro” contra uma eventual baixa de preços numa data pré-determinada no futuro (data
da comercialização da safra agrícola) são chamados de hedgers25. Estes hedgers entram no
mercado vendendo contratos futuros referentes a uma quantidade de produtos
agropecuários e mantêm uma posição de mercado chamada short (posição vendida).
Os compradores são geralmente aqueles que necessitam de um produto físico
como por exemplo, os exportadores, as agroindústrias e as cooperativas agroprocessadoras.
Quando eles também estão à procura de um “seguro” contra uma eventual alta de preços
numa data pré-determinada no futuro, (data de vencimento dos contratos de entrega e/ou
exportação), também são chamados de hedgers. Estes hedgers entram no mercado
comprando contratos futuros referentes a uma quantidade de produtos agropecuários, isto
é, mantêm uma posição de mercado chamada de long (posição comprada).
Para efectuar uma operação no mercado futuro de commodities agropecuárias,
tanto o vendedor (hedger com posição short), como o comprador (hedger com posição
long), devem operacionalizar as suas intenções através dos corretores de mercadorias
membros da Bolsa. Estes corretores são pessoas (singulares ou jurídicas) credenciadas para
24
Normalmente em locais de entrega e armazéns credenciados pela Bolsa de Mercadorias, e previamente
conhecidos pelas partes envolvidas
25
Traduzido do inglês daria literalmente a expressão “os que dão cobertura”. Neste caso refere-se a “cobertura
de riscos”.

64
participar do pregão da Bolsa através dos seus operadores de pregão e, além de executarem
as ordens dos seus clientes, acompanham também as suas contas e a sua posição junto à
câmara de compensação (clearing house). São os operadores de pregão que executam as
ordens de compra e venda que vêm das corretoras por ordem dos seus clientes.
No pregão da Bolsa ainda é possível encontrar operadores especiais, que são
aqueles que operam por conta própria e podem ou não prestar serviços a algumas
corretoras. Estes agentes, de importância estratégica fundamental para a liquidez dos
negócios, são chamados de “especuladores”. É o especulador quem entra e sai do mercado
com rapidez maior que o hedger, está interessado em auferir ganhos com a compra ou
venda de contratos, não se interessando directamente pela mercadoria física. É este agente
do mercado que “garante” a compra ou a venda de um contrato, num determinado
momento permitindo, com a sua actuação, que o hedger possa entrar ou sair do mercado
quando lhe convier e for melhor para a sua operação de “seguro” de preços, assumindo, e
transferindo os riscos do produtor rural para o mercado. Daí que o nome “especulador” não
deve ser entendido com a carga depreciativa que geralmente acarreta.
Um exemplo pode ajudar a clarificar o funcionamento de uma bolsa: suponhamos
que os produtores rurais entram a vender contratos futuros de uma mercadoria
agropecuária, através de uma corretora, que cuida das suas contas na câmara de
compensação e manda as suas ordens para a sala de pregão através de operadores. Estes
vendem imediatamente os contratos aos especuladores, que os revendem a
outros especuladores, e assim por diante, indefinidamente, até que uma agro-indústria
entre no mercado a comprar contratos futuros através de uma corretora que, por sua vez,
manda a ordem de compra para o seu operador na sala de pregão da Bolsa, que efectua
então a compra dos contratos, hipoteticamente de um especulador que deseje sair do
mercado.
Para melhor entender como se dá o processo de hedging (asseguramento) contra as
flutuações de preços num mercado futuro sem necessariamente ter que haver a entrega do
produto físico em Bolsa, vamos desenvolver um exemplo numérico ilustrativo. Com este
exemplo, vamos procurar enquadrar dois ângulos de visão: por um lado, um produtor rural
que tenta obter uma garantia contra a baixa nos preços futuros do café e, por outro lado,
uma empresa agroprocessadora (ou exportadora) tentando buscar no mercado futuro uma
garantia contra uma alta de preços futuros do café. Este exemplo permitirá que se observe o
que vai ocorrer se os preços futuros subirem e se os preços futuros baixarem.
A. Uma cooperativa de cafeicultores deseja oferecer uma garantia aos seus associados
contra uma queda de preços do café no futuro.
 O custo de produção do café para o produtor é de US$ 65,00/saco 26;
 A margem de comercialização necessária ao produtor e para a cooperativa é de US$
15,00/saco
Portanto o objectivo de preço futuro da cooperativa é de US$ 80,00 /saco.
B. Uma firma exportadora de café fechou hoje um contrato de exportação para entrega do
café daqui a 3 meses, e pretende proteger-se contra uma eventual alta de preços do
café no futuro.
 O valor do contrato de exportação é de US$ 100,00/saco;
 A margem de comercialização necessária para esta firma manter a sua taxa de lucro é
de US$ 22/saco.
26
Saco de 50 Kg

65
Portanto, o objectivo de preço futuro da exportadora é também de US$ 80,00

O café está cotado no mercado a US$ 70,00/saco e o custo de carregamento do


stock para 3 meses está orçado em US$ 5,00/saco.
Na Bolsa, o contrato de café, para vencer daqui a 3 meses, está a ser negociado
HOJE para um preço futuro de US$ 80,00/saco.
Na Bolsa:
A cooperativa vai à sua corretora e lança uma ordem de venda de um contrato
de café para daqui a 3 meses por US$ 80,00/saco.
A exportadora vai a sua corretora e lança uma ordem de compra de um
contrato de café para daqui a 3 meses por US$ 80,00/saco.
As respectivas ordens vão para o pregão na Bolsa onde através dos operadores,
ocorre o negócio, que é “compensado” e garantido pela Clearing House.
É depositada uma margem de garantia e são pagas as taxas operacionais, como
a correctagem e os emolumentos.

Garantir um preço futuro de US$ 80,00/saco é interessante tanto para a


cooperativa como para a firma exportadora.
Por razões de ordem meramente didácticas, vamos directamente para a época da
liquidação deste contrato, isto é, 90 dias depois, supondo duas situações distintas:
Situação I:
O preço de mercado nesta época é mais baixo que o anteriormente contratado,
Situação II:
O preço de mercado é mais alto que o anteriormente contratado.

SITUAÇÃO I
O preço de mercado do café é de US$ 75,00/saco,  US$ 5,00 abaixo do esperado na
bolsa.
A cooperativa que vendeu um contrato futuro, inverte a sua posição comprando um
contrato, anulando a sua posição.
A exportadora que comprou um contrato futuro, inverte a sua posição vendendo
um contrato, anulando a sua posição.
A Cooperativa A Exportadora
Vende café no mercado US$ 75,00/saco Compra café no mercado US$ 75,00/saco
Ganha na Bolsa US$   5,00/saco Paga na Bolsa US$   5,00/saco
TOTAL US$ 80,00/saco TOTAL US$ 80,00/saco
Tanto a cooperativa como a exportadora atingiram o seu preço objectivo de US$
80,00, tendo a exportadora “deixado de ganhar” US$ 5,00/saco no mercado (pois pagou esta
importância na Bolsa) como um prémio pelo seu “seguro contra preços altos”.

SITUAÇÃO II
O preço de mercado do café é US$ 85,00/saco,  US$ 5,00 acima do esperado na
bolsa.

66
A Cooperativa que vendeu um contrato futuro, inverte a sua posição comprando
um contrato, anulando a sua posição.
A exportadora que comprou um contrato futuro, inverte a sua posição vendendo
um contrato, anulando a sua posição.
A Cooperativa A Exportadora
Vende café no mercado US$ 85,00/saco Compra café no mercado US$ 85,00/saco
Paga na BOLSA US$   5,00/saco Ganha na BOLSA US$   5,00/saco
TOTAL US$ 80,00/saco US$ 80,00/saco
Tanto a cooperativa como a exportadora atingiram o seu preço objectivo de US$
80,00/saco, tendo a cooperativa deixado de “ganhar” US$ 5,00 no mercado, pois pagou esta
importância na Bolsa como um prémio pelo seu “seguro contra preços baixos”.
Com estes exemplos, pode-se evidenciar que tanto numa situação de alta como de
baixa de preços futuros, os hedgers estão protegidos pelas suas operações na Bolsa de
Futuros, sendo que é estabelecido um preço meta possível por estes agentes e o mercado.
Se houver modificações de preços de mercado desfavoráveis, os hedgers não perdem, mas
se houver modificações de preços de mercado favoráveis, os hedgers também não ganham.
Para completar estes exemplos, vamos verificar como ocorrem os “ajustes” nas
rotinas dos mercados de futuros a partir do nosso exemplo (Situação I).
Na rotina das operações das Bolsas de Mercadorias e Futuros, os detentores de
contratos, ou seja, aqueles que têm posições em aberto (venderam ou compraram um
contrato) são chamados diariamente pelas respectivas corretoras para fazerem ajustes da
sua posição.
Assim, conforme o preço futuro faz variar favoravelmente ou desfavoravelmente a
sua posição, as partes envolvidas são chamadas a fazer depósitos ou recebem créditos em
conta decorrentes da “compensação” efectuada pela clearing house da Bolsa.
No exemplo apresentado, se o preço futuro baixar este comporta-se de modo
desfavorável ao hedger com posição long (comprada) – no nosso caso a exportadora. Este
hedger terá que efectuar o depósito referente à diferença diária de preços na clearing house
da Bolsa.
Por outro lado e do mesmo modo, se o preço futuro subir comporta-se de modo
desfavorável ao hedger com posição short (vendida) – no nosso caso a cooperativa. Este
hedger verá creditada na sua conta a diferença diária destes preços, pela clearing house do
sistema.

67
5. O CENÁRIO INTERNACIONAL DO AGRONEGÓCIO
As grandes transformações estruturais da agricultura que ocorreram após o
advento da revolução industrial, foram directamente condicionadas pela dinâmica da
inovação que motivou as três últimas revoluções tecnológicas na agricultura. Destas, a
revolução verde27, a partir da década de 60 do século passado, constituiu-se no paradigma
actual, já que a maior parte da produção da agricultura mundial está submetida a esse modo
de produção.
De entre as transformações mais recentes, o advento do conceito de agronegócio 28
deriva da necessidade de ampliar a abrangência do significado histórico da palavra
agricultura. Segundo Bacha (2004), o termo agronegócio, refere-se ao conjunto de
actividades vinculadas com a agropecuária. Por outras palavras, podemos definir o
agronegócio como o conjunto de operações de produção, circulação e distribuição de
insumos agrícolas, englobando também o conjunto de todas as operações da actividade
agropecuária e comercialização dos seus produtos, desde os investimentos na pesquisa,
passando pelos sectores de produção, processamento e comercialização, até ao consumo
final.
Recentemente, a agricultura passou a ser vista como um amplo e complexo sistema,
que inclui não apenas as actividades dentro da propriedade rural como também e
principalmente, as actividades de distribuição de suprimentos agrícolas (insumos), de
armazenamento, de processamento e distribuição dos produtos agrícolas. Desta forma,
passou-se a adotar o termo agronegócio com uma significação que ultrapassa as fronteiras
da “propriedade rural” (agrícola ou pecuária) para envolver todos que participam directa ou
indirectamente no processo de abastecer de alimentos e fibras os consumidores.
Numa aproximação de uma definição podemos dizer que o agronegócio é
constituído pela totalidade das operações de produção e distribuição de implementos
agrícolas, das operações de produção nas unidades agrícolas, do armazenamento, do
processamento e da distribuição. Para sermos mais precisos nesta conceituação, àquelas
operações ainda devemos adicionar os serviços financeiros, de transporte, de marketing,
seguros, bolsas de mercadorias, etc., constituindo todas elas elos da cadeia, que se torna
cada vez mais complexa. Como podemos ver, na medida em que a agricultura se está a
modernizar, a produção agrícola tem passado a agregar cada vez mais serviços que estão
fora da propriedade rural. O conceito de agronegócio passa hoje a englobar, portanto:
• O fornecimento de bens e serviços para a agricultura;
• A produção rural;
• O processamento primário e/ou secundário;
• A transformação e distribuição;
• As operações ligadas à geração e fluxo da produção de origem agrícola até
chegar ao consumidor final;
• Os agentes que afectam e coordenam o fluxo de produtos (como o Governo, os
mercados, as entidades comerciais, financeiras e de serviços).
A tendência do agronegócio no Mundo foi, nos últimos 10 anos, a da manutenção,
pelos países desenvolvidos, de instrumentos de protecção aos seus sectores agropecuários.
27
Expressão que passou a ser utilizada para designar o novo modelo de produção agrícola, voltado para
incrementos de produtividade a partir da utilização de um conjunto homogéneo de práticas tecnológicas
baseadas no uso intensivo de insumos agrícolas de origem industrial.
28
A palavra agronegócio vem sendo utilizada como tradução da palavra inglesa agribusiness.

68
Entretanto, puderam ser observadas importantes diferenças entre os países, em resultado
das respectivas medidas de política agrícola:
 A União Europeia alterou os seus subsídios, concentrando-os em algumas áreas
estratégicas, principalmente considerando que o seu orçamento não suportaria a
procura projectada com o alargamento a Leste. Uma nova e importante tendência ficou
reflectida na Política Agrícola Comum – PAC, que condicionou os subsídios às exigências
ambientais, até mesmo no processo de inserção dos países do Leste Europeu na União
Europeia.
 Já os Estados Unidos mantiveram uma política protecionista, principalmente
considerando a Farm Bill que entrou em vigor em 2002, e que teve um período de
cobertura de 8 anos.

A tendência de queda nos preços internacionais das commodities de origem


agrícola prolongou-se por um largo período. No novo padrão de concorrência, de entre
outras, acentuou-se a tendência de segmentação e especialização do mercado de
commodities por meio da incorporação de atributos de qualidade que resultaram na
mudança das características dos produtos.
A globalização da produção e de capitais trouxe como consequência a intensificação
da concorrência, provocando a dissolução de segmentos do agronegócio com pouca
vantagem competitiva e com menor capacidade de adaptação e acesso aos novos
mecanismos de inserção no mercado.

5.1. Estrutura e Organização do Sistema Agro-industrial

5.1.1. Os ambientes, institucional e organizacional

5.1.2. As diferentes visões do sistema agro-industrial

5.1.3. As dimensões e agentes do agronegócio

5.2. A Globalização da Economia e o Agronegócio.


O artigo seguinte, de Dilceu Sperafico (2010) publicado no blog da gazeta agrícola
retrata bem alguns dos aspectos mais sombrios da globalização e os efeitos induzidos pelo
agronegócio quando associado a este fenómeno.
“A Globalização no Agronegócio e na Posse da Terra
A globalização chegou para valer também ao agronegócio. Enquanto o governo
brasileiro anuncia medidas para impedir ou dificultar a compra de terras por estrangeiros,
agro-pecuaristas do País adquirem áreas em outros países.
Ao mesmo tempo, produtores norte-americanos calculam benefícios para seus
negócios com a preservação de florestas nativas em países tropicais.

69
Agricultores brasileiros, depois de chineses e coreanos, estão adquirindo áreas na
África, atraídos pelo baixo preço da terra, menor custo de produção e proximidade com
Europa, Ásia e Oriente Médio.
O Brasil já participa do sector de infraestrutura na África e agora investe na
agropecuária. Grupo mato-grossense planta soja, milho e algodão no Sudão, com a meta de
atingir 100 mil hectares em quatro anos.
Outros produtores de Mato Grosso também têm interesse em áreas do Sudão,
Etiópia e Mauritânia. Brasileiros também já estão em outros seis países da África, cultivando
cana-de-açúcar e arroz e investindo em irrigação, atraídos por incentivos de governos locais.
A savana africana é considerada "o novo cerrado" e pode se tornar grande produtor
mundial de alimentos, pois o solo é fértil e apenas 10% de sua área agricultável estão sendo
explorados.
O curioso é que, em contrapartida, produtores de soja do Meio-Oeste dos Estados
Unidos querem comprar mais terras brasileiras, investindo um milhão de dólares no aumento
da área de 3.600 acres que já possuem e em instalações para armazenamento de grãos.
Por outro lado, circula no Brasil estudo indicando que agricultores dos Estados
Unidos podem ganhar até 270 bilhões de dólares em 2030, com a redução do desmatamento
nos países tropicais. A maior proteção às florestas atingiria a produção de carne, soja e
madeira em países concorrentes, como o Brasil.
O objectivo do documento é aprovação de lei permitindo que os Estados Unidos
negociem créditos de carbono ilimitados pela redução de desmatamento. Assim, pagariam
para manter a floresta e atingir metas de corte de poluição.
O estudo reforça a tese de que o discurso de conservação ambiental é estratégia de
países desenvolvidos para impor barreiras à agricultura brasileira, mais competitiva.
O Brasil, vale lembrar, desde 2006 adotou moratória ao plantio de soja em áreas
desmatadas na Amazônia, onde há 20 milhões de hectares de terras degradadas para serem
recuperadas, dobrando a produção nacional sem a derrubada de uma só árvore.
Nesse meio tempo, o governo brasileiro anunciou a decisão de proibir a aquisição de
terras por estrangeiros, que seria motivada pela escassez de água, elevação dos preços das
terras e dificuldades de acesso ao solo agricultável.
O objectivo seria a preservação da função social da terra, esclarecendo aos
estrangeiros que podem investir em qualquer sector, menos em terras.”

5.3. A OMC e a Política Agrícola


A liberalização do comércio, no quadro da Organização Mundial do Comércio, e a
integração das economias em desenvolvimento com o resto do mundo abriram novos
espaços para o crescimento, mas também expuseram os sistemas económicos internos a
uma concorrência internacional intensa e, muitas vezes, injusta. Os principais actores no
mercado agrícola mundial – os Estados Unidos e a União Europeia – subsidiam tanto a
produção como a comercialização interna e externa dos seus produtos agropecuários.
Perante esta situação em que os países em desenvolvimento não têm condição para
concorrer com os produtores dessas regiões do Mundo, que medidas podem adoptar para

70
desenvolver a sua agricultura? Normalmente estas medidas decorrem das suas políticas
agrícolas, que não são mais do que um conjunto de acções voltadas para o planeamento, o
financiamento e o fomento da actividade agropecuária.
Os países-membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) têm tentado por
muito tempo chegar a um acordo sobre novas regras para o comércio mundial. Um dos
assuntos que tem impedido um acordo é a questão dos subsídios agrícolas dados pelos
países ricos aos seus agricultores. A questão voltou à tona no encontro de Genebra, na Suíça,
que reuniu o Brasil, a Índia, os Estados Unidos, a União Europeia e a Austrália.
Os subsídios comerciais são montantes de dinheiro que os Governos pagam aos
agricultores ou exportadores por unidade de produto que produzem ou exportam. Esses
subsídios têm como efeito o abaixamento dos preços nos mercados de destino dos bens
subsidiados gerando artificialmente uma competitividade que esses produtos não teriam se
não fossem praticados. Eles são pagos, em geral, pelo contribuinte, através dos
departamentos do Governo ou das associações de comércio. Na Europa, por exemplo, os
subsídios chegam até os agricultores através dos mecanismos da Política Agrícola Comum
(PAC).
Os agricultores dos países ricos são os que mais beneficiam com os subsídios. A
organização não-governamental OXFAM afirma que os Estados Unidos dão até US$ 3,9
bilhões aos seus 25 mil produtores de algodão todos os anos. Isso, segundo a organização,
seria equivalente a mais de três vezes a ajuda financeira concedida pelo Governo norte-
americano a África.
Muitos países ricos concordam que os ganhos dos seus agricultores representam
um prejuízo para os agricultores dos países pobres. Agricultores dos países ricos produzem
muito para o próprio mercado. O excesso é 'lançado' nos países pobres a preços muito
baixos, com os quais os produtores locais não têm hipótese de competir. Além disso, quando
os produtores dos países em desenvolvimento tentam exportar para os países ricos, eles
estão na verdade a competir com agroindústrias subsidiadas. A ministra do Comércio
britânica, Patrícia Hewitt, disse à BBC que "a Europa deve acabar com os nossos espantosos
subsídios agrícolas que distorcem o comércio e fazem com que seja impossível que os
produtores dos países em desenvolvimento sobrevivam". Ela disse que acabar com os
subsídios ajudaria a tirar "centenas de milhares da pobreza".
A PAC foi idealizada tendo como pano de fundo a falta de comida e o racionamento
existentes depois da 2ª Guerra Mundial. O objectivo era estabilizar os mercados de
alimentos europeus dando aos agricultores uma renda estável, e aos consumidores, preços
baixos. Quando estava no início, a PAC conseguiu alcançar uma estabilidade nos mercados
europeus no período do pós-guerra. Muitos afirmam que isso teria criado uma plataforma
de crescimento por todo o continente. Contudo, a reputação do sistema caiu bastante
quando acabou por gerar uma produção excessiva. A PAC continua sendo um dos temas
mais polémicos na União Europeia. Em 2003, a UE reservou 48 bilhões de euros para ajudar
os agricultores, quase 49% da sua despesa anual.
Na OMC, já há algum tempo que se vem tentando mudar o actual sistema. Na
Ronda de Doha, a tentativa foi a de fazer com que os países ricos reduzissem o uso que
fazem dos subsídios. Mas, para que haja alguma mudança, seria necessário que todos os 147
membros da organização concordassem. O tortuoso progresso das recentes negociações
indicou claramente que nem todos querem que o actual sistema se altere. Amy Barry, da

71
OXFAM, culpa os Estados Unidos, mas outros dizem que a França também não está disposta
a reduzir os subsídios que dá aos seus produtores. A França afirmaria mesmo que as últimas
propostas eram "profundamente desequilibradas, criando uma desvantagem enorme para a
União Europeia". A representante da OXFAM, Amy Barry, diz ainda que os países pobres
devem ter o "direito de proteger" as suas indústrias novas. "Os países ricos não chegaram
onde estão hoje sem barreiras ao comércio. Não é nada razoável e altamente destrutivo
esperar que os países em desenvolvimento operem sem nenhuma proteção contra indústrias
estrangeiras fortes", afirma Barry.
Um artigo publicado na revista EXAME do Brasil (2013), é bastante sugestivo quanto ao
entendimento desta polémica:
«Os subsídios agrícolas se transformaram na eterna polêmica nas negociações
da OMC: os países em desenvolvimento exigem o direito de subsidiar alimentos para
lutar contra a fome, e alegam, além disso, que a Europa e os Estados Unidos
subsidiam maciçamente sua agricultura.
‘Estamos fartos. Fartos’, se queixa Nandini Kharadahalli Singarigowda, que
percorreu milhares de quilômetros para manifestar na ilha indonésia de Bali sua
oposição à Organização Mundial de Comércio (OMC), que realiza até sexta-feira
uma reunião ministerial.
‘Antes da OMC, vivíamos em paz’ lamenta esta agricultora indiana, com um
cartaz: ‘a OMC acaba com os agricultores’.
O futuro de um acordo global na OMC sobre a liberalização do comércio mundial
parece depender agora em boa medida de agricultores ou de trabalhadores
agrícolas indianos, como Nandini.
Com efeito, a Índia, que lidera os 46 países em desenvolvimento no ‘G33’, exige
poder aumentar os subsídios aos produtos agrícolas para ajudar aos agricultores e
manter os preços baixos para os mais pobres, o que se choca com as regras da OMC,
que vê isso como uma forma de dumping.
Para a Índia, a segurança alimentar ‘não é negociável’, afirmou em Bali o seu
ministro do comércio Anand Sharma, antes de sentenciar que esta é a ‘decisão final’
do seu país.
Com eleições legislativas em maio, o governo indiano quer pôr em prática um
programa para oferecer a preços artificiais alimentos básicos a mais de 800 milhões
de pobres do país.
Contudo, a OMC, defensora do liberalismo económico, considera que a
‘segurança alimentar’ gera subsídios que distorcem a concorrência. Segundo as
normas em vigor, este tipo de subsídio está limitado a 10% da totalidade da
produção agrícola.
O futuro de um acordo global na OMC sobre liberalizar o comércio mundial
parece depender agora em boa medida de agricultores ou de trabalhadores
agrícolas indianos
Os países em desenvolvimento reunidos no ‘G33’ consideram que o sistema é
injusto, já que, segundo eles, a União Europeia (UE) e os Estados Unidos estão
autorizados a subsidiar maciçamente a agricultura.
Estes subsídios se duplicaram nos Estados Unidos de 1995 a 2010 para chegar a
120 bilhões de dólares em 2010, e os da UE passaram de 90 bilhões de euros em
1995 a 79 bilhões em 2009, segundo dados da OMC.

72
No conjunto dos países desenvolvidos da OCDE, os subsídios agrícolas passaram
de 350 bilhões de dólares em 1996 a 406 bilhões em 2011 e isso "sem violar as
regras da OMC", como destaca Olivier de Schutter, relator especial das Nações
Unidas sobre o direito à alimentação.
A Índia denuncia a posição enganosa dos países ricos que prometeram na OMC
reduzir seus subsídios.
‘Não podemos permitir que os interesses de nossos agricultores sejam
sacrificados pelo interesse das ambições mercantis dos ricos’, sentenciou o ministro
Sharma.
Os Estados Unidos, que se opõem completamente a essas práticas, propuseram
um compromisso que consiste em oferecer uma ‘cláusula de paz’ de quatro anos,
segundo a qual não serão impostas sanções contra os países que superarem o teto
dos subsídios para um programa de segurança alimentar.
‘Apoiamos a segurança alimentar’, afirmou o ministro norte-americano do
Comércio, Michael Froman. ‘Mas, se alguns países adoptam medidas neste âmbito,
pedimos que o façam de forma transparente e sem distorcer os mercados’ afirmou
recentemente.
A UE também afirma estar a favor da segurança alimentar, mas a agricultora
indiana Nandini não ficou convencida com estas declarações.
‘A Índia é um país agrícola e com a OMC, a vida rural se degradou a tal ponto que
os agricultores se suicidam. A OMC exige que os subsídios sejam reduzidos, mas o
meu país necessita deles’, garante a mulher».

5.4. A Política Agrícola dos Países Desenvolvidos – PAC/UE; USA; etc.


Nos países desenvolvidos, mormente na União Europeia e na América do Norte, a
política agrícola focaliza-se nas metas e nos métodos de produção da agricultura e pecuária.
Essas metas incluem, de entre outros, os seguintes condicionamentos:
a) Higiene alimentar - que busca a produção de alimentos livres de contaminações
de qualquer natureza.
b) Segurança alimentar – que visa garantir a quantidade de alimentos produzida de
acordo com as necessidades da população.
c) Qualidade alimentar – produção de alimentos dentro dos padrões mínimos
necessários à nutrição humana.

5.4.1.A Política agrícola comum da União Europeia – PAC/UE


Política Agrícola Comum da União Europeia (PAC/UE) é um sistema de subsídios à
agricultura e programas de desenvolvimento em áreas afins, parte do primeiro dos
três Pilares da União Europeia, designado como Comunidades europeias. Foi criada
em 1962, tendo como objectivos principais assegurar o abastecimento regular de géneros
alimentícios e garantir aos agricultores um rendimento em conformidade com os seus
desempenhos.
Os princípios básicos da PAC são: A criação de um grande mercado único dentro do
qual se possa importar e exportar produtos agrícolas livremente, preferindo os produtos

73
produzidos dentro das fronteiras da U.E., e o financiamento comunitário da Política Agrícola
Comum.
Em 1992 foi lançada uma revisão da Política Agrícola Comum (nova PAC), com o
objectivo de reduzir os excedentes (quotas leiteiras, set-aside, etc.); regular os preços junto
aos consumidores; respeito pelo ambiente. Em 1999, uma nova reforma foi programada.
Tal como se encontram enunciados no artigo 39º do Tratado de Roma (1957), os
objectivos da PAC são os seguintes:
 Aumentar a produtividade agrícola;
 Garantir um bom nível de vida à população agrícola;
 Estabilizar os mercados;
 Garantir os fornecimentos regulares;
 Garantir preços razoáveis no abastecimento ao consumidor

Em 1962, os então seis países-membros da Comunidade Económica


Europeia chegaram a um acordo sobre uma Política Agrícola Comum baseada nos seguintes
princípios:
 Livre troca de produtos;
 Nível comum de preços;
 Livre acesso do consumidor aos melhores produtos;
 Preferência pelos produtos comunitários;
 Solidariedade financeira.

Os três primeiros pontos consubstanciam-se na unidade do mercado agrícola, o que


implica a liberalização total do comércio, a harmonização das regulamentações
administrativas, sanitárias e veterinárias e a existência de regras comuns de gestão, de
preços comuns, de regras de concorrências idênticas e de um uniforme de protecção nas
fronteiras da União.
O princípio de Preferência Comunitária permite proteger os agricultores europeus
contra importações provenientes do mercado mundial a preços mais baixos. Mediante um
sistema de taxas variáveis, os preços dos produtos importados são ajustados ao nível do
preço praticado no mercado interno da União que, geralmente, é mais elevado.
O princípio de Solidariedade Financeira Comum tem como objectivo concretizar a
solidariedade entre as diversas regiões da União e permite o funcionamento do sistema de
política agrícola comum.
Os apoios comunitários à agricultura através da PAC permitiram:
 A sua modernização e racionalização;
 Garantir o pleno abastecimento do mercado em quantidade e qualidade;
 Manter preços razoáveis ao consumidor e assegurar a estabilidade nos
mercados;
 Aumentar e manter os rendimentos agrícolas dentro de limites bons ou
razoáveis.
Tendo-se verificado alguns efeitos menos desejáveis da PAC, tornou-se
indispensável uma reforma que contivesse a produção, que restabelecesse o equilíbrio do
mercado e que, simultaneamente, se tornasse menos onerosa. Os principais vectores
previstos para a nova PAC foram os seguintes:
 Definição dos preços agrícolas através dos mecanismos do mercado;

74
 Fixação de volumes de produção para cada produto;
 Atribuição de incentivos financeiros ao pousio, à reconversão de produções, à
reflorestação, à criação de reservas ecológicas e parques naturais e à agricultura
por meios naturais.
 Adaptação aos riscos das alterações climáticas:
A agricultura afecta todas as pessoas da Europa, uma vez que os solos agrícolas,
as zonas arborizadas e as florestas cobrem cerca de 90% da superfície terrestre
da UE. A variabilidade climática de ano para ano é uma das principais causas da
variabilidade do rendimento das culturas e dos riscos inerentes à exploração
agrícola.

5.4.2.Política agrícola dos Estados Unidos da América


Os Estados Unidos da América detêm hoje o índice de maior produtividade agrícola
do planeta. Apesar de empregarem apenas 3% da sua população economicamente activa
nesse sector, são o maior produtor e exportador mundial.
Essa grande produtividade foi, em boa parte, resultado do estreitamento na relação
entre a agricultura e a indústria, com a consequente intensificação do processo de
mecanização do sector agrícola.
As actividades agrícolas nos Estados Unidos têm sido amplamente protegidas,
desde a década de 30 do séc. XX. Este país foi o maior defensor da agricultura subsidiada,
desde a criação do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), em 1947. As críticas aos
subsídios têm sido colocadas num período mais recente (década de 80 do séc. XX) devido ao
elevado défice público e à incapacidade do governo americano de manter, a longo prazo, o
substancial apoio às actividades agropecuárias. Além disso, as barreiras que os produtos
americanos têm encontrado noutros mercados levaram os Estados Unidos a defender a tese
da liberação dos mercados e da redução da subvenção estatal. O neoliberalismo foi, neste
caso, a base para a fundamentação teórica contra a subvenção e o proteccionismo.
Em 1990, foi instituído o Farm Act que tinha como objectivo a diminuição da
protecção governamental à agricultura, cujos preços deveriam ser estabelecidos
progressivamente, nivelando-os aos de mercado. Pelo Farm Act, a subvenção estatal deveria
se limitar, a curto prazo, apenas aos programas de incentivo à exportação. Entretanto, ao
longo da década de 80, a PAC (Política Agrícola Comum) europeia havia caminhado no
sentido inverso, ampliando os estímulos às actividades agrícolas e a participação de seus
produtos no mercado mundial. Nessa conjuntura, os Estados Unidos reviram e expandiram
significativamente os programas de subsídios às exportações e também à produção interna.
Além disso, a actividade agrícola norte-americana é uma actividade significativa no conjunto
da economia e da balança comercial. Os produtos agrícolas representam cerca de 14% das
exportações totais do país, enquanto na Europa eles representam apenas 2% e no Japão
esse índice é bem próximo de zero.
A maior utilização de máquinas e equipamentos para as mais diversas actividades
permitiu o aumento da produtividade. Em 1830, a produção de 1 alqueire de trigo exigia três
homens/hora de trabalho; na segunda metade do século XX, com o uso do tractor, a mesma
tarefa reduziu-se para 1/8 homem/hora. Absorve 3% da população activa e a média é de 1

75
tractor por trabalhador rural. Assim, os EUA são os maiores exportadores mundiais de
alimentos (50% do comércio de trigo e mais de 80% do de milho e soja)
No avanço da agricultura para o oeste, o espaço territorial dos Estados Unidos foi
sendo organizado em faixas, segundo o tipo de produto cultivado. Essas faixas receberam o
nome de belts, ou seja, "cinturões". Na criação desses "cinturões", as condições de solo e de
clima exerceram bastante influência. Por exemplo, o algodão, a cana-de-açúcar, o arroz e
outros produtos tropicais ficaram localizados no sul do território; o trigo, localizou-se nas
planícies centrais; a criação extensiva de gado estabeleceu-se a oeste das planícies centrais,
onde o clima vai-se tornando cada vez mais seco – é onde se localizam as propriedades
rurais de maior dimensão e onde se formaram os grandes ranchos, ou seja, extensas
propriedades de criação de gado.
O peso ou influência da proximidade do mercado consumidor fez surgir em todo
nordeste, no leste e na região dos Grandes Lagos a pecuária leiteira, granjas, a agricultura de
jardinagem (hortaliças, legumes) e a fruticultura. Já no oeste (na Califórnia), devido ao baixo
índice pluviométrico, praticam-se as culturas irrigadas. Destaca-se, aí, a região do Grande
Vale Central da Califórnia. Dois importantes rios – o Sacramento e o São Joaquim – fornecem
água para irrigação das terras nessa região, onde são cultivados frutas, cereais e algodão e se
pratica a pecuária leiteira para abastecer os centros urbanos. A produção dessa região é
elevada: saem daí, por exemplo, cerca de 50% das frutas cítricas (principalmente a laranja) e
dos legumes produzidos nos Estados Unidos, isso indica que apesar de certas Regiões
possuírem o clima desértico existem técnicas eficientes de irrigação. Praticamente todo o
espaço territorial dos Estados Unidos é aproveitado pela agricultura. Até mesmo nas regiões
de clima seco (desértico) ou de baixo índice pluviométrico ela é praticada utilizando-se um
sistema de irrigação bastante eficiente.
Espalhados por todo o país existem centros de pesquisa voltados para a agricultura
e a criação de gado. Aí são obtidas melhores mudas e sementes, são desenvolvidas novas
técnicas de produção, stocagem de produtos e comercialização, fazendo dos Estados Unidos
o principal produtor agrícola do mundo.
Existem três características marcantes na agricultura dos Estados Unidos: a forte
presença de empresas que actuam em vários países do mundo, particularmente na América
Central (agricultura empresarial norte-americana); a existência de áreas agrícolas
especializadas, os belts (cinturões agrícolas), onde ocorre a predominância de um
determinado produto adaptado às condições de clima e solo de mercado; e o elevado grau
de mecanização em todas as etapas do processo, desde o cultivo até ao beneficiamento do
produto.

5.4.3.Política agrícola do Japão


Apenas 12% do território japonês é apropriado para o cultivo. Devido a essa falta de
terra arável, um sistema de terraço é utilizado para se plantar em pequenas áreas.
Consequentemente, o país tem um dos maiores índices de produção por área quadrada do
mundo, conseguindo uma auto-suficiência de produtos agrícolas por volta de 50% em
apenas 56 mil km² (14 milhões de acres) cultivados.

76
O pequeno sector agrícola japonês, todavia, é altamente subsidiado e protegido,
com uma regulação que favorece o cultivo em pequena escala ao invés da agricultura de
larga escala.
O arroz importado, o produto mais protegido, é sujeito a tarifas de 490% e foi
restringido a uma quota de apenas 7,2% do consumo médio de arroz de 1960 a 1988. As
importações abaixo da quota não sofrem restrições, em termos legais, mas estão sujeitas a
uma tarifa de 341 Yenes por Kilograma. Essa tarifa hoje é estimada em 490%, mas tende a
aumentar para 778% com os novos métodos de cálculo que serão introduzidos como parte
da Ronda de Doha (da OMC).
Apesar de o Japão ser geralmente auto-suficiente em arroz (excepto para o usado
na produção de biscoito de arroz e alimentos processados) e trigo, o país precisa importar
cerca de 50% da sua procura de grãos e outras culturas forrageiras além de importar a maior
parte da carne que consome. O Japão importa grandes quantidades de trigo e soja,
principalmente dos Estados Unidos. O Japão é o maior mercado consumidor dos produtos
agrícolas da União Europeia.
Maçãs são muito produzidas nas regiões de Tohoku e Hokkaido; Peras e laranjas são
produzidas principalmente em Shikoku e Kyushu. Peras e laranjas foram introduzidos no país
por comerciantes holandeses em Nagasaki no final do século XVIII.

5.5. A Política Agrícola nos Países Em Desenvolvimento

5.5.1.A política agrícola da China


A política agrícola chinesa tem sua base de sustentação em 5 grandes linhas
estratégicas:
1) Sustentação do preço e da renda ao produtor;
2) Subsídios para uso de insumos;
3) Subsídio via crédito e capital para investimento;
4) Infra-estrutura rural e serviços públicos e
5) Pesquisa e extensão rural.
Seguindo a lógica de um governo centralizado, o chinês desenvolve sua política
agrícola com base em planos quinquenais. O plano para o quinquénio de 2006 a 2010
estabeleceu os seguintes objectivos de política agrícola:
1) Garantir oferta de grãos e de outros produtos agrícolas de forma efectiva;
2) Aumentar a rentabilidade da produção agrícola e sustentabilidade na renda das
pessoas que vivem no campo;
3) Garantir um desenvolvimento harmónico da sociedade rural.
As políticas que mais interessam ao agronegócio brasileiro são aquelas que podem
produzir impactos negativos no mercado mundial de produtos agrícolas. Desde a entrada na
OMC, o governo chinês vem montando sua estrutura de política agrícola procurando
combinar as restrições impostas pela própria organização e os objectivos estabelecidos nos
planos anuais. Observa-se, nos anos recentes, um forte aumento dos gastos do governo com
o sector agrícola, sobretudo a partir de 2002. As rubricas de suporte à produção e formação
de capital, que estão relacionadas nas linhas estratégicas de sustentação de preço e renda,

77
subsídios aos insumos e apoio a crédito e investimentos, são aquelas que mais cresceram.
No entanto, a rubrica vinculada à pesquisa e à extensão não mostra sinais de mudanças nos
anos recentes.
Além disso, o governo chinês tem em curso uma estratégia de eliminação das taxas
que incidem sobre o sector agrícola. A eliminação do peso dos impostos sobre o sector
agrícola certamente terá forte impacto na renda do produtor e poderá levar a um aumento
de produção de algumas commodities.
As políticas de garantia de renda e preço, aliadas às políticas para aquisição de
insumos (sementes, maquinaria agrícola, fertilizantes e programas de apoio a controle de
pragas e pestes), devem ser motivo de atenção pelo agronegócio brasileiro. Essas políticas
vêm ao encontro dos objectivos da China de garantir segurança alimentar que, em última
análise, podem levar à produção de excedentes, que poderão se converter em exportações
subsidiadas no futuro. O governo chinês já gasta com o sector agrícola valores equivalentes a
US$ 50 bilhões de dólares.
A despeito da agricultura chinesa ser muito grande, os programas ligados à garantia
de renda e preço e de subsídios aos insumos poderão trazer impactos negativos no comércio
mundial. As políticas chinesas, do ponto de vista do mercado e do comércio mundial, servem
de contrapeso aos problemas de expansão da produção associados às restrições de terra e
água e de pulverização da produção. O balanço entre esses dois factores – políticas
estimulando produção baseadas no argumento da segurança alimentar e o peso das
restrições no aumento da produção – desenharão a China e o seu futuro papel no comércio
mundial de alimentos e fibras.

5.5.2.A política agrícola na Índia


A Índia tem cerca de 2,4% da superfície do globo (3.287.263 km2
), e em torno de 16,7%
da população mundial (1,027 bilhões de habitantes). Sua renda per capita em 2001 era
de US$ 353,54. Em termos demográficos, tem-se que 70% da população está na área rural. A
densidade populacional aumentou de 117 pessoas por km2
em 1951 para 324
pessoas por km2
em 2001. No que se refere ao sector agrícola:
1. Este engaja 60% da força de trabalho, embora a sua contribuição para o PIB tenha
declinado de 31,6% em 1987-88 para 26,8% em 1998-99; e
2. Contribui em torno de 20% das exportações, e 80% dos produtores são pequenos e
marginais e 75% da população pobre está nas áreas rurais.
O sector agropecuário
Avanços tecnológicos que favoreceram uma melhor utilização da terra e da água
estimularam o crescimento agrícola na Índia desde meados da década de 60 do século
XX, sendo basicamente sustentados pelo sector público. As tecnologias eram geralmente
baseadas em insumos (sementes, fertilizantes, pesticidas, etc.), sendo simples de se
disseminar e adotar. Na Índia, tanto a produção agrícola como o bem-estar social são
responsabilidade dos Estados que a constituem. Entretanto, a Comissão de Planejamento
e os Ministros do Governo central em Nova Déli influenciam as agendas dos Estados, a
mobilização, alocação e acesso aos recursos (Harriss-White, 2003). Há instituições que
gerenciam o uso de recursos comuns, tais como a terra, a água, as florestas, os tanques

78
de irrigação, etc. O problema principal com o uso sustentável destes recursos é a
ausência de instituições para resolver conflitos, e assegurar uma distribuição eqüitativa
de benefícios e ordenamento de contratos.
Agora está se tentando engajar mais o sector privado no processo (USDA, 2003). Mesmo
assim, a agricultura continuará a desempenhar um papel importante no desenvolvimento
económico e na atenuação da pobreza na Índia, mesmo na era da globalização e
liberalização. A geração de emprego e renda para o rurícola pobre, o fortalecimento da
alimentação doméstica e a segurança nutricional e o uso sustentável dos recursos
naturais deverão continuar a ser os principais objectivos do desenvolvimento agrícola do
país.
O sistema de pesquisa e desenvolvimento
Existem estações de pesquisa regionais, aonde se conduz uma pesquisa adaptativa, bem
como centros de pesquisa pura. Há um escopo limitado para a participação do sector
privado na pesquisa agrícola, exceto em sementes, e o grosso da pesquisa continuará
sendo de domínio público (USDA, 2003).
Subsídios ao sector agropecuário
Os subsídios são dados aos insumos agrícolas (água para irrigação, eletricidade rural sementes
e mudas de alta produtividade e fertilizantes). Estes subsídios equivalem a
8,6% do PIB agrícola. Por hectare cultivado dá 35 dólares e representa uma
transferência de renda anual para os produtores de 188 dólares nos Estados ricos e 14
dólares nos Estados pobres. As culturas de arroz, trigo e cana de açúcar absorvem mais
de 60% destas subvenções públicas. Dos subsídios totais, 42% são para eletricidade,
32% para os fertilizantes e 23% para a irrigação, enquanto o crédito agrícola e as
sementes dividem os 3% restantes (Vyas, 2001).
Embora o sector estatal indiano tenha cerca da metade do tamanho das suas contrapartes
ocidentais em termos de sua participação no PIB, ele chega às pequenas comunidades.
O Estado permeia a produção e é a única instituição significante engajada na
redistribuição (Harriss-White, 2003).
Crédito rural
No que se refere ao crédito rural, como existe um grande número de pequenos
produtores, há instituições governamentais que lidam tanto com o crédito como é
conhecido no Brasil, como também com o micro-crédito para pequenos produtores. Uma das
maiores limitações das instituições formais de crédito é o alto custo de
transação, pois elas incorrem em custos para chegar a um grande número de pessoas
espalhadas na região. Por outro lado, o custo de seguir os procedimentos burocráticos
das instituições creditícias também é alto para o tomador do empréstimo (Pal et alli,
2003). O governo central está envidando esforços para diminuir a burocracia do
empréstimo.
Seguro agrícola
O principal objectivo do seguro agrícola é proteger os produtores contra perdas sofridas
devido a calamidades naturais, de modo a restaurar o seu crédito para novo plantio.
Opera com base na área plantada; sua taxa de prêmio é de 3,5% para oleaginosas e 1,5%
para arroz e trigo. Um subsídio de 50% do prêmio é dado para pequenos produtores.
Comercialização agrícola
Tradicionalmente, a Índia seguiu uma política de preços administrados de modo a
proteger tanto os seus produtores como os consumidores, e para aplicar esta política, o
governo, além de praticamente isolar a economia local do resto do mundo, também fez
uma série de intervenções nos mercados de insumos e de produtos. Isto resultou na
criação de instituições [Comissão para Preços e Custos Agrícolas (CACP), Conselhos
de mercadorias e comercialização agrícola, Autoridade para a Exportação de Produtos

79
Alimentícios Processados e Agrícolas, etc.], organizações para-estatais [Corporação de
Alimentos da Índia (FCI), Corporações de Sementes, Corporações de Comércio Estatal,
Cooperativas de Comercialização, etc.]. Além disso, uma série de regulamentos foi
decrectada para controlar a comercialização agrícola, particularmente para grãos
alimentícios. Tais incluíram a Lei de Prevenção da Adulteração de Alimentos (1954), a
Lei Essencial de Mercadorias (1955), a Lei de Regulamentação de Contratos Futuros
(1952), leis estaduais de regulamentação de mercados, a Lei de Prevenção do Mercado
Negro e Manutenção de Mercadorias Essenciais (1980), restrições ao movimento
interestadual de grãos alimentícios, regulamentação dos mercados de insumos,
particularmente sementes e pesticidas, restrições quantitativas nas exportações e
importações, etc. (Acharya, 1997).
Estas regulamentações foram bem sucedidas na administração da segurança alimentar
durante os períodos de escassez (Tyagi, 1990); mas, segundo o Banco Mundial (1999),
isto erodiu o incentivo para a participação do sector privado. Agora, uma série de
restrições foi removida, como a que regula o movimento interestadual de grãos
alimentícios e a que impõe restrições quantitativas à exportação. Os mercados de grãos
alimentícios na Índia são considerados eficientes e integrados.
A questão agora é se as instituições do mercado agrícola seriam eficientes em
providenciar informações e incentivos corretos aos produtores, e especialmente permitir
que os pequenos produtores participem das oportunidades de crescimento do comércio.
FCI (Food Corporation of India)
O objectivo maior da política alimentícia na Índia é tornar disponíveis alimentos para a
população a preços razoáveis (Índia, 2003). Os objectivos mais específicos incluem:
• Propiciar preços remuneradores aos cultivadores;
• Distribuir alimentos a preços subsidiados para os subnutridos;
• Controlar pressões inflacionárias;
• Estabelecer preços para os consumidores e produtores;
• Reduzir as flutuações da disponibilidade de alimentos; e
• Atingir a auto-suficiência na produção de grãos alimentícios.
O FCI foi instalado em 1964 para atuar como uma agência para a aquisição,
armazenagem, transporte e distribuição de mercadorias alimentícias. Em resumo, o FCI
é responsável pela implementação das políticas do governo central de aquisição,
armazenagem, transporte e distribuição. Em certas operações, tais como a manutenção
dos estoques reguladores nacionais, o FCI é o único responsável, enquanto que outras
operações, como a aquisição, o FCI tem trabalhado com os governos estaduais. Hoje, o
FCI é o maior ator no comércio de grãos alimentícios: adquire grãos das regiões
superavitárias, estoca grãos, transporta-os em grandes distâncias dentro do país,
tornando-os disponíveis para distribuição em todas as partes do país, incluindo áreas
muito remotas. Através destas operações, contribui para os objectivos da política
alimentícia. De um modo geral, os produtos mais adquiridos e estocados são o trigo e o
arroz.
Aquisição de grãos alimentícios
Os preços mínimos dos grãos alimentícios são anunciados bem antes do plantio, depois
de levado em conta o custo de produção, a paridade de preços entre as culturas, os
preços de mercado e outros factores relevantes. O FCI, com outras agências
governamentais, propicia preços efetivos de garantia para trigo, arroz e grãos
forrageiros e estabelece um grande número de centros compradores através dos Estados
para facilitar a compra dos grãos alimentícios. Tais centros são seleccionados de tal
forma que os produtores não tenham de se deslocar mais de 10 km para levar o seu
produto ao centro de compra mais próximo nos maiores Estados adquirentes. As

80
compras a preços mínimos são organizadas em mais de 8.000 centros para trigo e 4.000
centros para arroz todo o ano. Cada ano, o FCI compra em torno de 15 a 20% da
produção de trigo da Índia e 12 a 15% da de arroz. O FCI move em torno de 22 milhões
de toneladas de grãos alimentícios numa distância média de 1500 km.
Segurança Alimentar - PDS (Sistema público de distribuição)
A questão da segurança alimentar tem um número de dimensões que vão além da
produção, disponibilidade e procura por alimentos. No final das contas, é uma questão
da capacidade para ter acesso aos alimentos para todas as pessoas em todos os períodos
para levar uma vida saudável (Singh, 2002).
O objectivo original do PDS foi a estabilização de preços de grãos alimentícios e
gerenciamento de sua distribuição. Ao longo do tempo, ele foi visto como um
instrumento de mitigação da pobreza. A responsabilidade primária do governo central
era intervir no mercado de grãos alimentícios através do anúncio de preços mínimos de
sustentação bem como da aquisição de grãos alimentícios. Isto era oferecido aos
Estados para distribuição através do PDS a preços subsidiados. O subsídio é igual à
diferença entre o preço de distribuição e o custo de aquisição.
O PDS é considerado como o maior programa de segurança alimentar para a população
de baixa renda na Índia. Em 1996 o Governo indiano decidiu introduzir o TPDS (PDS
meta). Este envolve a subdivisão da população alvo em duas seções: as famílias BPL
(abaixo da linha de pobreza) e as famílias APL (acima da linha de pobreza). Os
seguintes propósitos foram anunciados no orçamento de 2003:
• Dobrar a alocação de grãos alimentícios para as famílias BPL O preço de distribuição de
grãos alimentícios destas famílias está sendo fixado em
50% do custo económico; e
• Fixação do preço de distribuição para famílias APL como sendo igual ao custo
económico.
Distribuição de grãos alimentícios para a população O objectivo nacional de crescimento com
justiça social e melhoras progressivas nos
padrões de vida da população tornam imperativo assegurar que os grãos alimentícios
estejam disponíveis a preços razoáveis. Assim, a distribuição pública de grãos
alimentícios é uma parte integral da política indiana de alimentos. Foi desenvolvida para
chegar à população urbana e rural de modo a proteger os consumidores da flutuação e
escalada de preços de alimentos.
Uma disponibilidade estável de grãos alimentícios é assegurada através de milhares de
pontos de venda a preços justos espalhados pelo país; são cerca de 450 mil. Deve ser
levado em conta que o Governo absorve o custo de despesas gerais (overhead). Há
ainda um programa de merenda escolar que garante à cada criança matriculada na
educação primária 3 kg de trigo/arroz por mês livres de custo. Ademais, existe um
esquema de emprego rural onde ao invés de salário, os trabalhadores são pagos com
grãos alimentícios.
Proteção tarifária
O país consolidou tarifas no nível de 100% para mercadorias agrícolas brutas, 150%
para mercadorias agrícolas processadas e 300% para a maioria dos óleos comestíveis (WTO,
2002). Isto pode ser considerado suficiente para proteger o mercado interno
contra importações que podem ser baratas artificialmente, pois são baseadas em
subsídios - quer na produção, quer na exportação - nos seus países de origem. Também
manteve restrições quantitativas na forma de proibição de importações ou importações
canalizadas para aproximadamente 43% das linhas tarifárias agrícolas. As tarifas
aplicadas são de zero (sujeita a licença para importar) para a farinha de trigo e de 25%
(óleo de palma cru), 50,8% (óleo de soja refinado) e 71,6% ( óleo de palma refinado).

81
Conclusões
A diminuição da participação do PIB evidencia uma tendência mundial, quando o país
tem mais renda fora do sector agrícola; ainda assim, grande parte da sua população está
nos campos, sendo na sua maioria, pequenos produtores. Há também uma
descentralização de actividades, com maior responsabilidade dos Estados, o que pode
fazer com que a implementação da política chegue efetivamente aos pequenos
povoados, que é onde se concentra a população rural carente.
Observe-se que os subsídios são dados aos insumos, o que gera um impacto menor nos
custos de produção; isto também induz ao uso de tecnologias melhores, pois dentre os
insumos beneficiados estão as sementes e mudas de alta produtividade. Note-se que os
subsídios não chegam a 10% do PIB, sendo as transferências anuais aos produtores de
menos de US$200, e isto nos Estados mais ricos. Ademais, em função da preocupação
com a segurança alimentar e atenuação da fome, o grosso dos subsídios vai para grãos
alimentícios – arroz e trigo – e para a cana-de-açúcar.
A instituição do micro-crédito para pequenos produtores foi uma experiência que
começou no campo e estendeu-se às cidades, de tão certo que deu; capitalizou os
pequenos produtores. O seguro agrícola por sua vez tem um prêmio (que é pago pelo
produtor) baixo, sendo uma parte subsidiada para os pequenos produtores.
A Índia, quando era praticamente uma autarquia, precisou regulamentar os seus
mercados; isso foi efetivo no sentido de assegurar a oferta de alimentos, principalmente
nos períodos de escassez.
O FCI enfrenta a contradição inerente a qualquer órgão que seja responsável ao mesmo
tempo pela produção e pelo abastecimento: tem que propiciar preços remuneradores aos
produtores e também fazer com que os preços finais ao consumidor não sejam tão altos.
Isto foi conseguido praticamente isolando o mercado interno de influências externas, havendo
controles aduaneiros e tarifários tanto na exportação como na importação;
agiu-se assim porque em primeiro lugar está a segurança alimentar dos indianos.
Mesmo agora, quando há uma abertura comercial maior, ainda subsistem barreiras que
agem como proteção do mercado interno em relação às flutuações nos mercados
internacionais de commodities.
O governo não dá cestas básicas; ao invés disso, as famílias cadastradas como “abaixo
da linha de pobreza” pagam 50% do custo económico da cesta e as famílias “acima da
linha de pobreza” pagam o custo económico. Além disso, o governo central paga aos
Estados a diferença entre o preço de distribuição (incluindo frete e embalagem) e o
custo de aquisição.

5.5.3.A política agrária do Brasil


Na década de 90, a agricultura sofreu grandes transformações. Uma das principais
foi o esvaziamento do modelo de intervenção (regulamentação) do Estado, caracterizado
pelo controle e garantia de preços, manutenção de estoques reguladores e maior
disponibilidade de crédito rural. 

Concomitantemente, a economia brasileira atravessou período de alta inflação, seguido pela


estabilização económica e intensificação do processo de abertura comercial.

A partir desse novo cenário, a agricultura foi exposta a um modelo de mercado, com
intervenção mínima do Estado. A transição entre esses modelos elevou os riscos das
actividades agropecuárias e criou distorções que ainda estão presentes no sector,

82
determinando ciclos alternados de expansão e retração. A partir dos anos 90, portanto, a
agricultura enfrentou:
abertura económica e concorrência com produtos importados;
redução do crédito oficial e, por sua vez, elevação da participação do crédito
privado a taxas de juros altíssimas;
crescente redução da participação do sector público na Política de Garantia de
Preços Mínimos (PGPM), bem como, na aquisição de produtos para compor os estoques
reguladores;
extinção quase que completa dos mecanismos de seguro dos financiamentos
(Proagro);
redução dos investimentos em pesquisa agropecuária e
redução dos investimentos nos órgãos de extensão rural.

Esses factores afectaram fortemente o sector agropecuário e, notadamente, a produção


agrícola que, por suas peculiaridades, exige um maior período de adaptação aos choques
que outros sectores económicos.
A condição básica para a sobrevivência das empresas rurais passou a ser
competitividade, sendo a sua eficiência essencial para readaptação do sector ao novo
cenário. Entretanto, ser eficiente na produção agrícola é condição necessária, mas não
suficiente.
A agricultura é uma indústria a “céu aberto”, condicionada por fenômenos
climáticos e biológicos que transcendem a capacidade de gestão dos agricultores. Assim, é
fundamental entender as especificidades das actividades agropecuárias que justificam a
necessidade da política agrícola e a tornam indispensável:
sazonalidade da produção devido a dependência dos fenômenos climáticos, meio
ambiente e dos processos biológicos vegetais e animais;
produtos agropecuários são perecíveis;
elevado número de produtores que atuam em concorrência perfeita, entre
mercados concentrados à montante (oligopólio da indústria de insumos e máquinas) e à
jusante (oligopsônio das agroindústrias);
acentuada distribuição espacial da produção no território brasileiro e
rigidez da produção no curto prazo, com períodos bem demarcados de contratação
dos custos e de apuração da receita (comercialização), exigindo volume de capital de giro
mais elevado do que em outros sectores.

Essas peculiaridades evidenciam que as actividades agropecuárias enfrentam maiores riscos


e incertezas que outras actividades industriais e comerciais.
O que se convenciona chamar de instrumentos da política agrícola, de facto, são os
instrumentos que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA dispõe para
formular e executar as políticas voltadas ao sector agropecuário. Esses instrumentos

83
promovem os investimentos, criam incentivos e/ou desestímulos para as actividades
agropecuárias e devem sinalizar o caminho de expansão do sector.
Anualmente, o MAPA publica alterações nos parâmetros desses instrumentos de
política com vistas a orientar a condução das actividades do sector agropecuário. Essa
publicação é feita por meio do Plano Agrícola e Pecuário – PAP e Resoluções expedidas pelo
Conselho Monetário Nacional.
Basicamente, a política agrícola utiliza os seguintes instrumentos:
Crédito rural;
Zoneamento agrícola;
Seguro rural;
Comercialização e
Programas especiais de fomento sectorial.

Crédito Rural está definido no Manual de Crédito Rural (MCR) como um suprimento de
recursos financeiros disponibilizados por instituições do Sistema Nacional de Crédito Rural
(SNCR), que tem como beneficiários os produtores rurais (pessoa física ou jurídica) e as
cooperativas de produtores rurais, para aplicação exclusiva nas finalidades e condições
estabelecidas no Manual de Crédito Rural (MCR), com objectivo de:
Estimular os investimentos rurais para produção, extrativismo não predatório e
armazenamento, beneficiamento e industrialização dos produtos agropecuários, quando
esses investimentos forem efetuados pelo produtor na sua propriedade rural, por suas
cooperativas ou por pessoa física ou jurídica equiparada aos produtores;
Favorecer o oportuno e adequado custeio da produção e a comercialização de
produtos agropecuários;
Fortalecer o sector rural;
Incentivar a introdução de métodos racionais no sistema de produção, visando ao
aumento da produtividade, a melhoria do padrão de vida das populações rurais e à
adequada defesa do solo;
Propiciar, através do crédito fundiário, a aquisição e regularização de terras pelos
pequenos produtores, posseiros e arrendatários e trabalhadores rurais;
Desenvolver actividades florestais e pesqueiras.
O zoneamento agrícola de risco climático é uma ferramenta de cunho técnico e
científico, desenvolvida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA,
que visa indicar ao produtor rural qual a melhor época de plantio das culturas para cada
município, correlacionada ao ciclo das cultivares indicadas e ao tipo de solo, conforme sua
capacidade de retenção de água, levando-se em consideração as séries agroclimáticas
históricas de, no mínimo, 15 anos e análises de probabilidades.
O zoneamento é feito por cultura e Unidade da Federação, abrangendo todo o
território do Estado em estudo, verificando indicativos de probabilidade de sucesso à
ocorrência 8 anos favoráveis à obtenção de boas safras, em um horizonte de 10 anos.

84
 
Importância

O produtor rural que segue as recomendações do zoneamento agrícola minimiza prejuízos


relacionados ao clima, evitando que adversidades climáticas recorrentes atinjam as lavouras
em suas fases de desenvolvimento mais sensíveis. Além disso, este produtor garante acesso
ao Proagro, Proagro Mais e à subvenção federal ao prêmio do seguro rural. Alguns agentes
financeiros também estão condicionando a concessão do crédito rural à observância do
zoneamento pelo produtor.
O seguro é um instrumento de transferência de risco. Um mecanismo pelo qual se
transfere uma despesa elevada futura e incerta (prejuízo) por uma despesa antecipada de
valor relativamente menor (prêmio do seguro).
Com a maior participação do sector privado no financiamento da agropecuária,
movimento que se intensificou a partir da última década, o seguro rural passou a
desempenhar um papel ainda mais importante, pois não só destina-se ao ressarcimento dos
produtores frente a um sinistro, como viabiliza as operações e contratos privados, ou seja, o
seguro rural lastreia o financiamento privado e possibilita a elevação dos recursos
direcionados ao sector.
Os preços mínimos foram instituídos, em 1966, com a finalidade de garantir preço
para as actividades agrícolas, pecuárias ou extrativas. A garantia de preços foi criada para
garantir preço mínimo de comercialização exclusivamente para produtores e cooperativas.
O governo federal utiliza os preços mínimos, basicamente, de duas formas: a) para
comprar produtos dos produtores e b) concessão de empréstimos para os produtores ou
cooperativas para estocagem. 

No primeiro caso, o Governo adquire o produto e este passa a integrar os estoques públicos
de abastecimento. No segundo caso, por meio do crédito rural, o produtor é financiado para
estocar seu produto e vender em uma conjuntura mais favorável seu produto. O preço
mínimo, neste caso, serve apenas para determinar o valor do empréstimo, com base na
quantidade de produto que será objeto do empréstimo. No passado, havia duas
modalidades de operações de empréstimo, com opção de venda (COV) e sem opção de
venda (SOB).

Atualmente, os preços mínimos são utilizados, preponderantemente, para empréstimos e


execução de outros instrumentos de apoio à comercialização. Os estoques públicos são,
atualmente, bem menores do que foram no passado. O governo compra cada vez menos dos
produtores e cooperativas para compor os estoques públicos. Nos últimos anos, entretanto,
a tem havido aquisição tem de produtos por meio de AGF (Aquisição do Governo Federal) e
CDAF (Compra Directa da Agricultura Familiar).

É importante frisar também que a política de fixação dos preços mínimos, o que é feito por
Decreto anualmente, considera apenas o custo mínimo direto das culturas. Ou seja, os
preços mínimos não remuneram o capital e os custos indiretos dos produtores e, por essa
razão, normalmente, estão cotados abaixo do mercado físico. E, como o governo

85
praticamente não adquire produto, os preços mínimos não têm servido como instrumento
efetivo de garantia de renda.
A comercialização no âmbito da política agrícola perdeu importância. No passado, o
governo comprava grande quantidade de produto por meio dos programas de apoio à
comercialização para abastecer os estoques reguladores. Atualmente, por limitação de
recursos e pelo princípio da menor interferência na livre comercialização privada, a
participação do governo tem sido bastante limitada na aquisição de produtos.
Os preços mínimos estão normalmente bem abaixo dos preços do mercado e dos
próprios custos de produção, inviabilizando a Aquisição do Governo Federal (AGF). Por outro
lado, o governo tem elevado suas compras de pequenos produtores por meio das Compras
Directas da Agricultura Familiar (CDAF).
A Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB é a empresa pública
encarregada de gerir as políticas agrícola e de abastecimento. Assim, a aquisição de
produtos, a armazenagem, a venda, a realização de leilões e oferta de contratos são
administrados pela Companhia. Para tanto, outros instrumentos que estão à disposição da
CONAB são:
 
Aquisição do Governo Federal – AGF

É a compra directa do governo de produto constante na pauta da PGPM – Política de


Garantia de Preço Mínimo. A aquisição é realizada quando o preço de mercado estiver
abaixo do preço mínimo, condicionada ainda à disponibilidade de recursos do Tesouro
Nacional. Os beneficiários são os produtores, agricultores familiares e/ou suas cooperativas.
Acesse aqui a cartilha do AGF.
 
Contratos de Opção

São contratos comercializados por meio de leilão para os quais o adquirente do contrato
para ter o direito de exercer a entrega por determinado preço fixado paga um prêmio. Os
contratos de opção podem ser públicos ou privados, e podem ser de opção de venda ou de
compra. A CONAB lança contratos de opção pública, mediante as condições de mercado e a
orientação da política agrícola do governo.
Os principais objectivos dos contratos de opção são:
proteger o produtor/cooperativa contra os riscos de queda nos preços de seu
produto;
criar um instrumento de seguro de preços dos produtos agrícolas que não esteja
associado a dispêndios imediatos de recursos por parte do Tesouro Nacional;
aprimorar a execução das políticas oficiais de sustentação e regulação dos preços
no mercado interno, servindo como instrumento alternativo à Política de Garantia de Preços
Mínimos – PGPM na época da colheita e
contribuir para o desenvolvimento dos mercados a termo e de futuros de produtos
agrícolas.
86
Todos os produtos contemplados na PGPM podem ser amparados pelo lançamento de
contratos de opção pública, sendo que a decisão de utilização do instrumento está a cargo
das autoridades governamentais, que devem levar em consideração a conjuntura de
mercado.
Os beneficiários são produtores e cooperativas cadastrados junto a uma bolsa
credenciada pela CONAB e que não estejam inadimplentes com a CONAB. Para participar
dos leilões os produtores e cooperativas precisam utilizar-se de corretoras credenciadas.

PEP – Prêmio para o Escoamento de Produtos

O PEP é uma subvenção económica concedida pelo governo, por meio de leilão público, que
será posteriormente utilizada pelo arrematante para aquisição de produtos pelo valor de
referência garantido pelo governo federal, observadas as condições previstas no
regulamento da CONAB e no aviso específico do PEP ofertado.  
PROP – Prêmio de Risco para Aquisição de Produto Agrícola Oriundo de Contrato
Privado de Opção de Venda

O PROP é uma subvenção económica concedida em leilão público ao segmento consumidor


que se dispõe a adquirir em data futura, determinado produto directamente de produtores
e/ou suas cooperativas, pelo preço de exercício fixado e nas unidades da federação
estabelecidas pelo governo, utilizando-se para isso do lançamento, em leilão privado, de
contrato privado de opção de venda. 
 
PEPRO – Prêmio Equalizador Pago ao Produtor

O PEPRO é uma subvenção económica concedida ao produtor rural e/ou sua cooperativa
que se disponha a vender seu produto pela diferença entre o valor de referência
estabelecido pelo governo federal e o valor do prêmio equalizador arrematado em leilão,
obedecida a legislação do ICMS vigente em cada Unidade da Federação. 

A política agrícola brasileira envolve distintos ministérios, tais como: Ministério da


Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, Ministério do Desenvolvimento Agrário –
MDA, Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento e Ministério do Meio Ambiente.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento é, entretanto, o mais
importante Ministério na condução da política agrícola, pois é ele quem define os
parâmetros a serem observados na implementação dos instrumentos da política agrícola,
bem como é o próprio Ministério que operacionaliza, por meio de suas secrectarias e órgãos,
as diretrizes do Plano Agrícola e Pecuário.
As questões agrárias e a política para a agricultura familiar estão ao amparo do
Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA. Enquanto que o Ministério da Fazenda
administra os recursos orçamentários para a execução da política agrícola.

87
Tem ganhado importância também o inter-relacionamento entre os Ministérios do
Meio Ambiente – MMA e Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, tendo em vista
que as propriedades rurais estão inseridas nos principais biomas brasileiros e a
sustentabilidade ambiental é uma das principais preocupações da economia mundial e
brasileira.

5.6. A Política Agrária nos Países em África


5.6.1. Do plano de acção de Lagos aos objectivos de desenvolvimento do milénio e
à NEPAD.
5.6.2.A acção do Estado - Despesas públicas e sistema fiscal no sector agrícola em
África
5.6.3.Os problemas da terra, da água, da educação e da formação dos recursos
humanos como factores centrais do desenvolvimento rural
5.6.4.Transportes e escoamento da produção agrícola
5.6.5.A questão ambiental – Desflorestação, erosão dos solos e desertificação em
África

88
6. Estrutura da empresa agrícola e os custos a ela associados

6.1. O Factor Terra

6.2. O Factor Trabalho

6.3. O Factor Capital

6.4. Tipologia das Empresas Agrícolas

6.5. Especificidade da Produção Agrícola

6.6. Planeamento da Empresa Agrícola

6.6.1. Planeamento como parte do processo de gestão

6.6.2. Orçamentos

6.6.3. Bases para imputação de custos

6.6.4. Apuramento de resultados

89
7. A Agricultura em Angola

7.1. Abordagem Histórica

7.1.1. O período pré-colonial

7.1.2. O período colonial

7.1.3. A experiência socialista

7.1.4. Os novos desafios

7.2. A Política Agrária Angolana Para o Período 2013-1017

7.3. A Organização Institucional da Política Agrícola Angolana

Natureza e Atribuições
Artigo 1.º
(Natureza)
O Ministério da Agricultura, abreviadamente designado por MINAGRI, é o
Departamento Ministerial, órgão auxiliar do Presidente da República, que tem por missão
propor a formulação, conduzir, executar e controlar a política do Executivo nos domínios da
agricultura, pecuária, segurança agro-alimentar e dos recursos florestais, numa perspectiva
do desenvolvimento sustentado.
Artigo 2.º
(Atribuições)
Para a prossecução dos objectivos a que se propõe, o Ministério da Agricultura tem
as seguintes atribuições: 
a) Formular e propor a estratégia para o desenvolvimento nacional nos domínios de
agricultura, pecuária, florestal e de segurança alimentar, promovendo e coordenando as
acções necessárias à sua execução;
b) Elaborar as propostas de programas de desenvolvimento agrícola, pecuária,
florestal e de segurança alimentar a integrar no plano geral de desenvolvimento do País;
c) Apoiar as actividades económicas relacionadas com a produção, processamento,
acondicionamento, industrialização, transformação e comercialização de produtos de
origem agropecuária e florestal;
d) Promover a elevação dos índices de produção e produtividade de acordo com o
progresso técnico-científico e mediante a melhor utilização dos recursos naturais, humanos,
materiais, financeiros e patrimoniais;
e) Promover o desenvolvimento da agricultura familiar e empresarial;

90
f) Promover a organização e o desenvolvimento de infra-estruturas de apoio à
produção agrícola, pecuária e florestal;
g) Colaborar com as demais instituições vocacionadas na formulação de políticas de
preços, créditos e seguros, que visem os subsectores, agrícola, pecuário, florestal e de
segurança alimentar;
h) Promover a investigação técnico-científica, transferência de tecnologias e
inovações nos domínios agro-pecuário, florestal, de segurança alimentar e assegurar a
aplicação subsequente de resultados obtidos, bem como a ligação com as entidades
homólogas de investigação e de ensino do País e do estrangeiro;
i) Promover acções relacionadas com o florestamento, reflorestamento e combate à
desertificação;
j) Assegurar a execução das políticas e estratégias traçadas nos domínios da gestão
sustentável dos recursos florestais e faunísticos;
k) Promover e desenvolver o fomento da apicultura, incentivando à sua prática
junto das comunidades rurais;
l) Participar, em colaboração com outros organismos vocacionados, nas acções que
visem o desenvolvimento social das comunidades rurais;
m) Velar pela gestão dos recursos naturais disponíveis, bem como pela sua correcta
e eficiente utilização para fins agro- silvo – pastoris, por forma a mitigar a degradação do
ambiente;
n) Participar na definição de políticas gerais de formação e assegurar a superação
profissional dos quadros e actores do sector;
o) Coordenar acções e estabelecer as indispensáveis ligações com os demais
sectores da vida económica e social do País com vista a garantia de execução da
componente agrícola, pecuária e florestal e dos planos de desenvolvimento nacional;
p) Coordenar e promover, em colaboração com outros organismos, as actividades
relacionadas com a conservação e a utilização de recursos fito genéticos e zootécnicos para
alimentação e agricultura;
q) Promover e incentivar o movimento associativo e cooperativo no domínio agro-
silvo-pastoril;
r) Assegurar a protecção de espécies animais, vegetais e do território nacional
contra doenças e pragas locais e transfronteiriças;
s) Assegurar a qualidade e a salubridade de produtos alimentares de origem animal
e vegetal de produção nacional e importados;
t) Promover e coordenar a fiscalização e o controlo de políticas sobre a produção de
sementes;
u) Promover e executar políticas e estratégias que visem a constituição, gestão e
circulação de reservas alimentares nacionais e regionais e agropecuária de produção
nacional;
v) Assegurar a gestão das reservas fundiárias afectadas para fins agrícola, pecuário e
florestal;
w) Assegurar a elaboração de normas alimentares;
x) Autorizar a realização de leilões de animais vivos.

91
7.3.1. Níveis, central, provincial e municipal

92
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