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Pai Saturno e Mãe Lua

Author: Sedentario Hiperativo \ 21 de novembro de 2012 \ Teoria da Conspiração \ 0


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Evan John Jones & Robert Cochrane

O veneno que Cochrane escolheu para si e o caminho que ele tomou podem nos contar
sobre a influência de Saturno e da Lua em sua vida. Ele escolheu ir embora temperado
por Saturno e usar o caminho da Lua, através da aliada Beladona. Talvez na escolha da
aliada que iria levá-lo à Companhia Oculta possamos entender mais sobre a abordagem
de Cochrane ao coração da matéria, o Círculo de Tubal Caim – e, deste modo, entender
as polaridades mágicas de sua Pellar Craft, que ele demonstrou de formas
aparentemente estranhas, até onde se relaciona o seu suicídio ritual. As polaridades que
tenho em mente são aquelas entre a Chance ou Destino e a Sabedoria (ambas em sua
oitava feminina, bem como na forma exigida pelo Senhor dos Chifres), assim como
podem ser vistas nos mistérios mantidos dentro dos reinos de Tubal Caim e da Senhora
Fortuna. Há uma gravura francesa do século XVI que é notável no caso da compreensão
de Cochrane sobre o Destino como uma Deusa. 

Nesta gravura, retratada no livro de Paul Huson, vemos a Senhora Fortuna sentada em
frente à Senhora da Sabedoria (MOT, pág.37). A Senhora Fortuna está vendada,
segurando a roda da humanidade em sua mão esquerda. A Senhora da Sabedoria, por
outro lado, monitora cuidadosamente o cosmos e se certifica que sua imagem seja
refletida dentro da criação, aqui simbolizada adequadamente como o espelho, que ela
segura em sua mão direita. A Roda da Fortuna está sob o domínio da Senhora Fortuna e
deve ser refletida pela sabedoria, já que a Senhora Destino é concebida como cega – ou
deveríamos dizer que sua cegueira obriga a humanidade a abrir seus olhos à influência
de Destino? É minha crença que Cochrane percebeu alguns profundos ensinamentos
durante o período de dificuldades com Jane, que foi usada pela Senhora Fortuna e a
Senhora Sabedoria para mexer em sua alma e aspiração, rejuvenescer sua alma, e talvez
ainda mais, em um nível superior de perfeição e humildade. Esta, acredito, é a melhor
forma de visualizar o infortúnio, como uma lição que interfere em nossa alma para uma
condição melhor. Pode-se ter a impressão de que ele simplesmente desistiu face ao
infortúnio (ou ‘Miss Fortuna’, se preferir) e procurou uma saída digna. Ao fazer uma
busca nas próprias palavras de Cochrane, é possível encontrar uma pista para este
enigma, e talvez extrair uma lição.

As premissas para a visão de Cochrane sobre a Bruxaria são bastante simples. Ele diz
em um de seus poucos ensaios: “Todo pensamento místico é baseado sobre uma
premissa maior: a compreensão da verdade como oposta à ilusão” (RT. Pág.49). E esta
verdade é “em essência, meios pelos qual o homem pode perceber sua própria divindade
inerente” (ibid. 51). Ele usa as discussões sobre bruxaria nos anos 50 e 60 como um
espelho desse fato, quando comenta que na bruxaria as ideias que as pessoas do meio da
bruxaria tinham em seu tempo continham tanta superstição e ilusão quanto fora dessa
esfera. “A Fé está finalmente atinente com a Verdade… trazendo, como faz o homem
em contato com Deuses, e o homem em contato com si próprio” (ibid. 56). Cochrane
opôs-se a tal ponto contra as formas dogmáticas e superstições que ele viu crescendo em
relação à Wicca simplesmente porque aqui ele observou que a verdade foi substituída
por ilusão. Pode-se, naturalmente, ver-se isso de duas formas, quer como uma tentativa
de colocar-se a si próprio sob os holofotes do crescente interesse pela bruxaria nos anos
60, quer como um homem honesto em sua repulsa pela forma em que a crescente
comunidade Wiccana caminhava cada vez mais para longe das diretrizes básicas da
Arte, do Mestre Chifrudo e da Senhora Escura e em uma reverência dos ciclos da
natureza, com uma Deusa muito mais do que maternal em foco. Como ele disse: “A
filosofia inerente à Arte sempre foi fluida, e o que é fluido deve se transformar
novamente antes de desaparecer sob um monte de tolices cediças, teologia cozidas pela
metade e filosofia” (ibid. 51). Isso ele demonstra muito bem no ensaio The Faith of the
Wise, de 1.965, no qual enfatiza a importância da Experiência, Devoção e Visão como
ferramentas em direção ao abraço da verdade. Isto porque a fé não possui nenhum
segredo no sentido de que existem certas fórmulas que podem ser prontamente
entendidas e ensinadas. Pelo contrário, ele diz que a verdade só pode ser apreendida
através do “duro trabalho devocional”, e isso conduz à visão em que se tem uma
experiência direta da verdade. Fica evidente aqui a ênfase das qualidades lunares na
visão de Cochrane sobre a Arte. Tanto as técnicas e objetivos, quanto as advertências
dos perigos, estão sujeitas à lua. O perigo envolvido na Arte é algo que Cochrane estava
muito consciente, e seu suicídio ritual pode indicar que nós, que fomos deixados com
seu legado em escritos – e que nos sentimos atraídos ao seu espírito – devemos tomar
conhecimento disto. Ele diz: “Primeiramente o Roebuck in the Ticket[1] representa o
espírito de sacrifício e liderança. Também pode representar a idéia de destino na velha
forma Anglo-Saxã de ‘Shapers’[2], as que criam o futuro que temos que viver” (ibid.
85). Ele entendia muito bem o perigo ao assumir a herança da Arte, e, visto seu fascínio
pelo livro The White Goddess de Graves, e sua percepção dentro do mistério
demonstrado, ele também sabia como a Mãe Lua pode tanto alimentar quanto devorar
sua cria. De certo modo, é possível ver em Cochrane as dificuldades de balancear a
Senhora Fortuna e a Senhora Sabedoria em sua vida. Entender pela visão e inspiração é
diferente de ser desafiado por Tubal Caim e tendo a nossa ferocidade temperada – o
desafio dado no que Cochrane chama de “superação do Destino”. Este desafio também
pode ser visto na idéia de iniciação de Cochrane. Ele diz: “Quando os iniciados tomam
o juramento completo do coven eles estão se submetendo à vontade de Hécate. De certo
modo, ao fazer isso, eles então se tornam o Roebuck in the Thicket, porque eles
escolheram seguir o caminho que ela selecionou para eles” (ibid. 92/93).

Abraçar o destino a fim de superá-lo pode ser visto em termos alegóricos como abraçar
a Lua enquanto se é armado com Saturno. Isso tudo é relacionado com o Tempo,
Cronos – e ao subjugar o Pai Tempo e agarrar a conexão com todas as coisas dentro do
Tempo é que podemos estabelecer uma fundação para compreensão e, então, uma
profunda superação de todos os desafios, até do próprio Destino. Cochrane foi claro em
como ele entendeu a importância da Morte, outro domínio profundamente relacionado à
esfera de saturniana. Saturno sem compreensão facilmente se transforma em depressão,
abrigando elementos maléficos na vida da pessoa, criando uma perspectiva negativa da
vida e fatalismo. Assim como Luna pode fornecer a experiência visionária de profunda
verdade, ela também pode dar o golpe doloroso que leva à queda na ilusão – ao abismo
onde Saturno e a Lua tomam parte em uma união misteriosa.

Cochrane sabia disso, mas aparentemente foi incapaz de se levantar deste abismo de
união maléfica e misteriosa das poderosas forças em sua vida. A Senhora da Sabedoria
lhe deu uma mente clara, mas ele escolheu entrar através da aliada Mãe Lua no Castelo
da Rosa Imortal. No que diz respeito à morte, suas ideias e considerações eram belas e
diretas ao ponto. Ele disse: “Nada é dado se nada for feito, e qualquer coisa que
criamos agora cria o mundo no qual existiremos amanhã. O mesmo se aplica à morte:
o que temos criado em pensamento, criamos naquela outra realidade. Também
deveríamos nos lembrar que Desejo foi a primeira das coisas criadas” (ibid. 70). E,
infelizmente, ele escapou do caminho que Destino deitou à sua frente ao passar para o
Castelo, da forma que ele fez, no lugar de superá-La. É quase como se ele seguisse a
direção contrária de seu melhor discernimento, quando convidou Beladona para levá-lo.
Ele disse: “As Três Irmãs também eram consideradas as guardiãs do Caldeirão da
Criação, que é lugar onde o passado, presente e futuro são como um, ainda que em
estado de fluxo, movimento e potencial prometido” (ibid. 88/89). O que novamente nos
leva ao desafio final: “Então, de certo modo, quando começamos a procurar a Deusa e
sua magia, estamos, com efeito, nos tornando o caçador. Ainda assim, quando então a
encontramos nos tornamos a caça, porque a Deusa nos prega ao chão, e faz-nos dela
para sempre” (ibid. 90).

É nesse desafio, quando a mesa vira, que precisamos ser fortes e focarmos na superação
através da compreensão e, então, aplicarmos a experiência prática que já temos – isso é
crescimento. Sem Saturno existiria pouco progresso, sem a Lua existiria pouca visão. A
conjunção destas forças em uma unidade superior de aceitação, já que o destino de cada
um é único e grandioso não importando o quão insignificante no grande esquema, é
ainda a maior força na vida de cada um e de todos. Destino não é relacionado ao
infortúnio, na verdade, talvez devêssemos pensar melhor sobre o termo infortúnio sob a
luz do poder que Destino nos apresenta em termos de desafios, dos quais as lições de
crescimento podem ser extraídas. Armados à semelhança de Tubal Caim, podemos
participar na forja do nosso próprio destino e embarcar com coragem na ordália da
superação – e é na luz do elemento do sacrifício relacionado ao Corço (Roebuck) que
ela é mais bem compreendida. Como falecido magister da Cultus Sabbati, Andrew D.
Chumbley disse: “O Caminho do Sacrifício faz o Homem Completo”. Em outras
palavras, quando Destino apresenta os desafios e os enxergamos como infortúnios, isso
significa que estamos perdendo o conceito inteiro, que estamos rejeitando a Senhora da
Sabedoria e focando somente na cegueira da Senhora Fortuna, maldizendo sua Roda da
Fortuna. Com a maldição, caímos nos mais baixos caminhos do ser do Pai Saturno, e
nos engajamos em um processo de desintegração e piedade que nos deixa cegos às
ferramentas oferecidas de boa vontade por Tubal Caim em nossa batalha no Castelo
silencioso, onde nos encontramos não somente com Ela – mas com toda a atrocidade e
toda a beleza que conhecemos como ‘Self’.

Um último e significante ponto a se fazer aqui está relacionado a Destino ou fatalismo


em um contexto mais filosófico. Parece que há uma brecha entre Destino e Fatalismo. É
como se ela pudesse inspirar o abraço de Destino de formas entendidas como boas e/ou
más. No passado, quando o fatalismo era uma doutrina filosófica, não existia nada
significativamente diferente entre Destino e Fatalismo. O fatalismo simplesmente se
referia a uma submissão ao Destino, similarmente às ideias de Cochrane. Ela não
carregava nada de necessariamente mal ou ruim em termos de um foco exclusivo na
desgraça. Nos casos de pensamentos fatalistas centrados ao redor de algum infortúnio
catastrófico, algo glorioso sempre viria na sua esteira. Porém, hoje em dia, o fatalismo
normalmente se refere a alguma desgraça inevitável que está prestes a atingir a vida de
alguém, ou refere-se a uma perspectiva negativa de vida. Podemos também mencionar o
ideal estóico, no qual o suicídio poderia ser transformado em um ato de dignidade frente
a Destino, e assim receber a opção de ingerir o Cálice Envenenado, como no caso de
Sócrates e Sêneca. É importante ressaltar que os suicídios destes filósofos foram
exigidos pelo Imperador. Não foi uma escolha de Destino, mas uma aceitação de
Destino, uma saída honrosa de uma situação que não podia ser transformada de modo
favorável a eles.

Talvez Cochrane tenha visto o seu suicídio ritual dessa forma, como uma reflexão da
Mãe Lua ou, ainda, a vontade de Hécate, a saída inevitável de uma situação que não
poderia ser transformada para algo melhor. Existe uma passagem interessante em uma
de suas cartas a Joe Wilson que poderia indicar tal atitude. Cochrane disse em relação às
“leis bruxas” o seguinte: “Não faça o que você deseja – faça o que é necessário. Tome
tudo que lhe é dado – dê tudo de si. O que eu tenho… eu seguro! Quando tudo o mais
estiver perdido, e não até então, prepare-se para morrer com dignidade” (RCL:50).
Talvez ele visse o suicídio ritual, ao ingerir de bom grado o veneno que Destino lhe deu,
como uma forma digna de deixar o corpo terrestre para trás, a favor da Companhia
Oculta. Outra citação dele pode ser entendida de tal forma: “Ver a Senhora não é
suficiente… porque em Destino, e a superação dela, é que há o ganho da chave da
inspiração e da própria morte. Não existe destino tão terrível que não possa ser
encarado e superado, seja por uma vitória concreta, ganha pela ação ou uma vitória
mais profunda do espírito engajado na batalha solitária do Self. A Senhora do Destino,
destino e danação são a provação, o Castelo das Ordálias, no qual devemos nos
encontrar, para vencer ou morrer” (RT:161). Pode parecer que Cochrane se viu
derrotado por Destino. Seu encontro no Castelo e sua batalha lhe garantiram a morte, ou
“polegares para baixo”, para continuar nossa antiga alegoria romana relacionada ao seu
suicídio ritual.

Cochrane definiu a Arte de ser sobre a Verdade, Experiência e Devoção. Todos esses
elementos ele colocou sob a misericórdia de Hécate, Mãe Lua, Senhora Fortuna ou
Destino. Parece que ele pode ter esquecido algo em sua identificação com o Corço,
como o símbolo do sacrifício e da liderança, que é a ferocidade e a coragem. De
qualquer forma, seu legado vive e sua centelha espiritual continua a inspirar. O que
fazer de sua morte prematura e sua atemporalidade ou temporalidade é ainda matéria de
uma multiplicidade de opiniões, e no final isso provavelmente não importa, já que as
visões e os ensinamentos que ele compartilhou com aqueles que continuaram seu legado
ainda estão lá para nutrir. Vendo o crescente interesse em seu legado, podemos observar
que ele ganhou, enfim, a vida eterna. Ambas, as lições que ele aprendeu e dominou, e as
lições que o derrotaram, estão lá e podem servir como uma bússola no caminho do
peregrino.

[1] Nota da Tradução. Roebuck in the Ticket significa literalmente “Corço na Moita”.

[2] Nota da Tradução. “Shapers” significa literalmente “Moldadores da forma”.

Leitura recomendada:

Cochrane, Robert & Jones, Evan John (Ed. Mike Howard). 2001.The Roebuck in the
Thicket. Cappall Bann. Abr. No texto, RT.

Cochrane, Robert & Jones, Evan John (Ed. Mike Howard). 2002. The Robert Cochrane
Letters. Cappall Bann. Abr. No texto RCL.

Huson, Paul. 2004. Mystical Origins of the Tarot. Destiny Books. Abr. No texto MOT.

Frisvold, Nicholaj. 2010. Artes da Noite – A História da Prática da Bruxaria. Ed. Rosa
Vermelha

Links Indicados:

+ Father Saturn, Mother Moon (Ensaio Original em Inglës)

+ The Clan of Tubal Cain (Página Oficial do Clã)

+ O Fluxo e o Contra-fluxo: O Feitiço e o Milagre

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