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O Diabo e as Chaves do Tarot

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Por Mafra Phosphoros

O Diabo em sua enigmática e sombria efígie é um arquétipo reputado a tudo que é


“mau”, pecaminoso e proibido. Contemplar a expressão máxima desta imageria e o
folclore em torno dela pode ser considerada uma tarefa difícil e deveras confusa, em
virtude dos incontáveis preceitos sociorreligiosos e maniqueístas arraigados na psiquê e
no imaginário humano, além da própria riqueza de símbolos que compõe um universo
muito maior que seria impossível pormenorizar apenas nesse texto. 

As idealizações do homem em torno da figura de Deus ou do Diabo sempre serão


barreiras a serem excedidas, sobretudo se o ser humano estiver realmente disposto a
buscar algum tipo de evolução espiritual.  Mas calma, não estou alegando que para se
evoluir você tem que adorar o Diabo, apenas instigo você a tentar levar a sua mente
além do fenômeno da dualidade. 

Embora o principal objetivo deste escrito seja fazer você dar um breve mergulho na
natureza e essência por detrás de alguns dos mistérios dos Atus do Tarot, seria
impossível fazê-lo sem adentrarmos em solos e conceitos herméticos e no cerne da
própria figura do Diabo. 
O Diabo enquanto figura icônica é símbolo de rebelião, pecaminosidade e heresia.
Daemon est Deus inversus, i.e., o diabo é o inverso de deus (tradução livre do Latim).
Tal arbitrariedade está tão profundamente entranhada de forma contraproducente na
psiquê e concepção humana, que o Diabo magistralmente se tornou o réu principal
quando a matéria concerne às nossas disfunções humanas, sejam elas materiais, mentais,
emocionais ou espirituais.   Mas, vamos então a pergunta que não quer calar: afinal, o
que pode ter o Diabo a ver com o Tarot?

Habitualmente, o tarot é uma ferramenta usada para a arte da Divinação, como um


oráculo que utilizamos para que possamos conhecer ou saber sobre determinadas
nuances de nossas vidas, sobre matizes que não são perceptíveis ordinariamente, sejam
elas sobre nós, sobre o outro ou sobre o mundo em que vivemos, abarcando o passado, o
presente ou futuro. Lamentavelmente, poucos são os que conhecem de fato os muitos
mistérios espirituais que se encerram por trás destas chaves. E por mais esforçados que
sejamos, assim como na natureza do ser humano e suas inúmeras potencialidades, no
Tarot sempre haverá coisas a serem descobertas, uma vez que o Tarot acima de tudo, é
um mapa, um diagnóstico e uma possibilidade no tocante a própria evolução humana.

Como muito sabem, o Tarot é composto de 78 lâminas, dentre as quais temos 22


Arcanos Maiores, 40 Arcanos menores e 16 cartas de Corte/cartas Magnas. E para
aqueles que foram um pouco mais a fundo em seus estudos, consta-se ainda que estes
Atus são representações gráficas, simbólicas e metafóricas da evolução humana, seja ela
por meio de um viés iniciático ou secular. Uma representação gráfica perfeita e
descritiva da Árvore Cabalística.  Estes 78 arcanos culminam propriamente no Arcano
do Diabo. Numerologicamente temos ao todo 78 lâminas, 7+8=15. XV é o arcano do
Diabo, o iniciador, instigador e regente de todos os mistérios por trás dos Arcanos. Ao
destrincharmos ainda mais o Arcano 15 – O Diabo, 1+5 atingimos o Arcano dos
Amantes/Enamorados. 

Esotericamente, a carta dos Amantes é considerada a primeira carta alquímica do Tarot,


nela encontramos a essência da Alquimia humana. Grosso modo, essa lâmina se refere
alquimicamente a nossa fusão e comunhão com TUDO e QUALQUER coisa que não
seja a nós mesmos. A busca pela nossa compreensão de tudo dentro e fora de nós. Com
o outro, com o habitat, com os deuses e com a nossa própria existência e evolução.  E o
Diabo, sim é ele que preside esse processo. 

Nesta ocasião não estamos falando de um entidade propriamente dita, mas sim da
própria potencialidade humana e sua ambivalência de sentidos, desejos e personas. O
Diabo te pergunta: és realmente uma pessoa livre ou estás atado as limitações dos teus
próprios sentidos? Aqui o Diabo te convida a dar um mergulho nas profundezas do seu
eu e descobrir quem realmente és ou o que te impede de alcançar tudo aquilo que
deseja. Ao depararmo-nos com as mazelas e dificuldades da vida quotidiana sempre
buscamos culpar o outro, o mundo ou Diabo pelas nossas desventuras, mas esquecemos
que somos nós mesmos que nos atamos as amarras de nossa infelicidade. 

O ser humano está preso ao plano da causalidade, em outras palavras, fatalmente tudo
aquilo que geramos, nutrimos e parimos a partir de nossas ações e realizações ocasiona
um resultado proporcional as nossas escolhas. O problema é quando relegamos os
relativos e imprevisíveis resultados a um agente externo, seja ele Deus ou o Diabo. Nos
acorrentamos ainda mais na dicotomia do mundo causal, limitamos a nossa consciência
a uma insciência aprisionante de causa e efeito, e acima de tudo de estagnação.

O Diabo é aquele que instiga a mudança, incita o pensamento e a inteligência e a


seguirmos sempre adiante, não importa em quais trevas nós nos encontremos. Ele faz
parte da singularidade humana. É a nossa capacidade de irmos sempre além das nossas
limitações, rompendo os anéis de Saturno, adentrando o útero negro da grande Mãe. O
Diabo é a força divina que preside nossa evolução, nossas mudanças e refinamento, uma
vez que ele sempre representará na vida humana a necessidade de romper com o Status
Quo, de se rebelar contra sistemas opressores, contra as correntes que nos prendem na
matéria, sobretudo contra o prisma da Ilusão. Todavia, é responsabilidade individual do
ser humano entender quem de fato é o Diabo, pois ele nunca será em nossas vidas uma
obrigatoriedade, mas sempre uma escolha. 

O Diabo é Pã, aquele que nos desafia a abraçarmos nossa liberdade, nos convidando aos
prazeres da vida, à selvageria de outrora sem relegarmos o nosso refinamento. É ele que
nos convida ao desapego, mas jamais ao abandono, ele é o reflexo das coisas que
desconhecemos da Natureza.

Aquele que incita as mudanças e a evolução, nem que para isso tenhamos que enfrentar
nossos medos mais profundos, indo contra os preceitos normativos de bem e mal, luz e
trevas, deus e diabo e do arcabouço ideológico perverso da virtuosidade moral do
sofrimento, da verdade a que estamos resignadamente acostumados e moralmente
conformados. Ele é Baphomet, uma fidedigna e emblemática alusão às
Divindades/Deuses e a própria potencialidade e faculdade humana em si. Ele é o poder
da energia criativa no plano da Matéria.

Para aqueles que têm ao menos um pouco de noção de História e Mitologia, sabe-se que
a figura do Diabo veio sendo moralmente fomentada em cima de concepções religiosas,
invencionices e usurpações de outras culturas da antiguidade. Aquela velha história: o
deus dos vencidos sempre se torna o diabo dos vencedores. Essa ideia da antítese da
divindade criadora deu forma a configuração do Diabo. 

Tal abstração se torna muito evidente ao analisarmos toda a iconografia do Medieval


tarot de Marselha. A imagem do Diabo tão estranhamente caracterizada com chifres e
asas de Morcego com duas criaturas acorrentadas aos seus pés, remete-nos prontamente
a uma sensação de temor, inquietude e aprisionamento. Embora na carta encontremos
símbolos mais refinados compondo a lâmina, como o próprio Solve et Coagula, vemos
que a maneira que a lâmina foi reproduzida nos confere muitos dos traços do
pensamento religioso Medieval. Em suma, o Tarot de Marselha é repleto de ironias que
consequentemente requisita um olhar mais cuidadoso por parte do estudante.  

No Tarot contemporâneo da Golden Dawn, temos uma visão de uma época vitoriana
que prontamente nos mostra um pensamento mais refinado e iniciático do Arcano. Nele
vemos que embora a figura do Diabo se mostre aterradora, podemos observar uma
sofisticação por trás da ideia do Arcano. Neste Arcano vemos agora não mais duas
criaturas medonhas atadas, mas um homem e uma mulher nos transmitindo a ideia da
dualidade. Na mão do Diabo temos uma tocha, um archote remetendo diretamente a
ideia de Lúcifer, o Portador da Luz, aquele que se rebelou contra Deus e trouxe a
fagulha da Divindade para a humanidade. 
Por fim temos o Arcano do Diabo tão ricamente ilustrado no Tarot de Aleister Crowley,
também conhecido como o Tarot de Thoth. Este deck foi concebido em meados do
século XX, mais precisamente entre os anos 30 e 40. Este Tarot em si é composto por
uma abundância excepcional de símbolos e instruções espirituais e iniciáticas que
dificilmente você encontrará em outro Tarot, seja ele contemporâneo ou moderno, e que
abranja com tamanha virtuosidade, beleza e apreço o processo de evolução da alma
humana. 

No Arcano do Diabo de Crowley, não temos mais a figura sombria de um demônio, mas
a ilustração central é de um bode montanhês, a Capra Falconeris, a maior cabra
selvagem que existe. Ela aqui representa a capacidade de evolução intrínseca do ser
humano. Ele dispõe de enormes chifres espiralados, representando a elevação espiritual.
Os chifres também são símbolo de virilidade, ação e movimento. Por trás do bode
vemos um imenso pênis erétil, símbolo da Vontade, se erguendo até o céu, rasgando os
anéis de Saturno, a Vagina da grande Mãe, nos mostrando que o ser humano dispõe em
sua essência da capacidade de romper com as limitações e restrições do plano material,
bem como ir além do fenômeno da dualidade. Dentro dos testículos vemos formas
humanas nos mostrando que vivemos na dualidade, e que a junção dos elementos ativos
e passivos é capaz de dar vida a um ser humano em sua máxima perfeição. 

O Diabo é a força que nos impele a sair do lugar, a buscarmos nosso lugar ao sol e
fazermos com que a nossa Vontade espiritual de evolução em busca de nossa sabedoria
individual seja realizada. Mas não o mistifique porque assim como ele é a força que
impulsiona a evolução latente dentro de cada um de nós, nas piores condições ele é a
pior face de nosso Ego, a contraparte de todas as coisas, o nosso lado mais sombrio e
consternado que sem a Vontade necessária para ir sempre adiante pode se tornar na pior
das loucuras e amarras a tudo o que não serve para a nossa Ascenção. O Diabo é anergia
criativa mais aprimorada e por tal razão ele é a própria manifestação. Todo cuidado é
pouco para não nos atarmos ainda mais a ideia de sofrimento.

A carta do Diabo também está diretamente relacionada ao Arcano XIII – A Morte e ao


Arcano XVI – A Torre. A carta da Morte é pura energia de transição, transformação, é o
processo de aniquilação e renascimento da vida, ela é o convite que o Diabo lhe faz para
romper com velhos padrões, a modificar o que precisa ser modificado para que possa
viver a vida em sua máxima plenitude. É aceitar a transitoriedade das coisas pois a vida
como um todo é naturalmente cíclica. Abandonando os velhos costumes, crenças
limitantes e padrões que nos impedem de ir adiante. É buscar a ciência por detrás das
coisas, e perceber a transitoriedade da vida, e que a Morte de um Eu é a possibilidade de
alcançar um novo nível de consciência.  Mas a transformação que a Morte nos sugere
tem que ser completamente consciente, porque só assim entenderemos realmente o
processo e todas as possibilidades que a vida nos oferece. 

Como tudo que existe naturalmente tem o seu tempo e tende a se transformar e se
reciclar, se o processo de transformação não for alcançado por livre e espontânea
vontade, o Diabo, a Natureza ou a própria existência fará de forma abrupta e violenta a
mudança necessária que causará um rompimento definitivo com tudo o que nos impede
de ir adiante. E é neste momento em que o Arcano da Torre se manifesta.  A Torre é
sinônimo de confusão generalizada, de uma força arrebatadora descontrolada e
destruidora de um movimento desenfreado que pode conduzir a vida de qualquer pessoa
a um estágio extremamente crítico. É o período da vida em que tudo precisa ser
urgentemente transformado, pois na impermanência das coisas, a vida sempre fará com
que demos sempre um novo passo adiante. É o momento impetuoso do auto despertar.
O Diabo sempre nos instigará a evoluirmos da maneira mais consciente possível,
evitando assim que o progresso seja definido sobre a superfície do sofrimento. Cabe
apenas a nós aceitarmos ou não ou seu convite. E você está disposto (a) a pagar o preço?

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