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Embora o principal objetivo deste escrito seja fazer você dar um breve mergulho na
natureza e essência por detrás de alguns dos mistérios dos Atus do Tarot, seria
impossível fazê-lo sem adentrarmos em solos e conceitos herméticos e no cerne da
própria figura do Diabo.
O Diabo enquanto figura icônica é símbolo de rebelião, pecaminosidade e heresia.
Daemon est Deus inversus, i.e., o diabo é o inverso de deus (tradução livre do Latim).
Tal arbitrariedade está tão profundamente entranhada de forma contraproducente na
psiquê e concepção humana, que o Diabo magistralmente se tornou o réu principal
quando a matéria concerne às nossas disfunções humanas, sejam elas materiais, mentais,
emocionais ou espirituais. Mas, vamos então a pergunta que não quer calar: afinal, o
que pode ter o Diabo a ver com o Tarot?
Nesta ocasião não estamos falando de um entidade propriamente dita, mas sim da
própria potencialidade humana e sua ambivalência de sentidos, desejos e personas. O
Diabo te pergunta: és realmente uma pessoa livre ou estás atado as limitações dos teus
próprios sentidos? Aqui o Diabo te convida a dar um mergulho nas profundezas do seu
eu e descobrir quem realmente és ou o que te impede de alcançar tudo aquilo que
deseja. Ao depararmo-nos com as mazelas e dificuldades da vida quotidiana sempre
buscamos culpar o outro, o mundo ou Diabo pelas nossas desventuras, mas esquecemos
que somos nós mesmos que nos atamos as amarras de nossa infelicidade.
O ser humano está preso ao plano da causalidade, em outras palavras, fatalmente tudo
aquilo que geramos, nutrimos e parimos a partir de nossas ações e realizações ocasiona
um resultado proporcional as nossas escolhas. O problema é quando relegamos os
relativos e imprevisíveis resultados a um agente externo, seja ele Deus ou o Diabo. Nos
acorrentamos ainda mais na dicotomia do mundo causal, limitamos a nossa consciência
a uma insciência aprisionante de causa e efeito, e acima de tudo de estagnação.
O Diabo é Pã, aquele que nos desafia a abraçarmos nossa liberdade, nos convidando aos
prazeres da vida, à selvageria de outrora sem relegarmos o nosso refinamento. É ele que
nos convida ao desapego, mas jamais ao abandono, ele é o reflexo das coisas que
desconhecemos da Natureza.
Aquele que incita as mudanças e a evolução, nem que para isso tenhamos que enfrentar
nossos medos mais profundos, indo contra os preceitos normativos de bem e mal, luz e
trevas, deus e diabo e do arcabouço ideológico perverso da virtuosidade moral do
sofrimento, da verdade a que estamos resignadamente acostumados e moralmente
conformados. Ele é Baphomet, uma fidedigna e emblemática alusão às
Divindades/Deuses e a própria potencialidade e faculdade humana em si. Ele é o poder
da energia criativa no plano da Matéria.
Para aqueles que têm ao menos um pouco de noção de História e Mitologia, sabe-se que
a figura do Diabo veio sendo moralmente fomentada em cima de concepções religiosas,
invencionices e usurpações de outras culturas da antiguidade. Aquela velha história: o
deus dos vencidos sempre se torna o diabo dos vencedores. Essa ideia da antítese da
divindade criadora deu forma a configuração do Diabo.
No Tarot contemporâneo da Golden Dawn, temos uma visão de uma época vitoriana
que prontamente nos mostra um pensamento mais refinado e iniciático do Arcano. Nele
vemos que embora a figura do Diabo se mostre aterradora, podemos observar uma
sofisticação por trás da ideia do Arcano. Neste Arcano vemos agora não mais duas
criaturas medonhas atadas, mas um homem e uma mulher nos transmitindo a ideia da
dualidade. Na mão do Diabo temos uma tocha, um archote remetendo diretamente a
ideia de Lúcifer, o Portador da Luz, aquele que se rebelou contra Deus e trouxe a
fagulha da Divindade para a humanidade.
Por fim temos o Arcano do Diabo tão ricamente ilustrado no Tarot de Aleister Crowley,
também conhecido como o Tarot de Thoth. Este deck foi concebido em meados do
século XX, mais precisamente entre os anos 30 e 40. Este Tarot em si é composto por
uma abundância excepcional de símbolos e instruções espirituais e iniciáticas que
dificilmente você encontrará em outro Tarot, seja ele contemporâneo ou moderno, e que
abranja com tamanha virtuosidade, beleza e apreço o processo de evolução da alma
humana.
No Arcano do Diabo de Crowley, não temos mais a figura sombria de um demônio, mas
a ilustração central é de um bode montanhês, a Capra Falconeris, a maior cabra
selvagem que existe. Ela aqui representa a capacidade de evolução intrínseca do ser
humano. Ele dispõe de enormes chifres espiralados, representando a elevação espiritual.
Os chifres também são símbolo de virilidade, ação e movimento. Por trás do bode
vemos um imenso pênis erétil, símbolo da Vontade, se erguendo até o céu, rasgando os
anéis de Saturno, a Vagina da grande Mãe, nos mostrando que o ser humano dispõe em
sua essência da capacidade de romper com as limitações e restrições do plano material,
bem como ir além do fenômeno da dualidade. Dentro dos testículos vemos formas
humanas nos mostrando que vivemos na dualidade, e que a junção dos elementos ativos
e passivos é capaz de dar vida a um ser humano em sua máxima perfeição.
O Diabo é a força que nos impele a sair do lugar, a buscarmos nosso lugar ao sol e
fazermos com que a nossa Vontade espiritual de evolução em busca de nossa sabedoria
individual seja realizada. Mas não o mistifique porque assim como ele é a força que
impulsiona a evolução latente dentro de cada um de nós, nas piores condições ele é a
pior face de nosso Ego, a contraparte de todas as coisas, o nosso lado mais sombrio e
consternado que sem a Vontade necessária para ir sempre adiante pode se tornar na pior
das loucuras e amarras a tudo o que não serve para a nossa Ascenção. O Diabo é anergia
criativa mais aprimorada e por tal razão ele é a própria manifestação. Todo cuidado é
pouco para não nos atarmos ainda mais a ideia de sofrimento.
Como tudo que existe naturalmente tem o seu tempo e tende a se transformar e se
reciclar, se o processo de transformação não for alcançado por livre e espontânea
vontade, o Diabo, a Natureza ou a própria existência fará de forma abrupta e violenta a
mudança necessária que causará um rompimento definitivo com tudo o que nos impede
de ir adiante. E é neste momento em que o Arcano da Torre se manifesta. A Torre é
sinônimo de confusão generalizada, de uma força arrebatadora descontrolada e
destruidora de um movimento desenfreado que pode conduzir a vida de qualquer pessoa
a um estágio extremamente crítico. É o período da vida em que tudo precisa ser
urgentemente transformado, pois na impermanência das coisas, a vida sempre fará com
que demos sempre um novo passo adiante. É o momento impetuoso do auto despertar.
O Diabo sempre nos instigará a evoluirmos da maneira mais consciente possível,
evitando assim que o progresso seja definido sobre a superfície do sofrimento. Cabe
apenas a nós aceitarmos ou não ou seu convite. E você está disposto (a) a pagar o preço?