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A Rosa da Virada de Maré

Um ritual de Equinócio de Outono

Há algum tempo meditamos sobre o nível de informações que podemos divulgar


pela internet, e se por um lado resistimos em escrever sobre o “nosso jeito” de
comungar com as forças que nos sustentam nesta terra - ainda que de forma
bastante dissolvida e generalizada - há muitos que procuram balizar suas
práticas solitárias ou grupais naqueles que são mais experientes, em especial
quando falamos em hemisfério sul e todas as suas particularidades. Esta pausa
que dada aos escritos deste blog também tem muito a ver com esta meditação,
desde que é chegada à hora de demonstrar o que é Bruxaria Tradicional, ao
invés de descrever o que ela é (ad nauseum...). 

Com isso chega também o desafio de deixar os espaços para que os espíritos
relacionados a cada grupo se manifestem e façam do ritual sua própria
expressão, sempre respeitando o contexto e tratamento ritualístico (quando há)
tradicionalmente dado a cada um deles. Em geral, Bruxaria Tradicional é
bem mais solta e diversa do que suas vertentes modernas, e não raro, a escolha
pelas vertentes modernas deve-se ao conforto existente nos sistemas pré-
moldados. Por outro lado, as convenções se fazem de tal forma a limitar as
práticas guiadas por espíritos ou a alimentar e perpetuar velhas mágoas e
preconceitos. 

Antes da elaboração de um ritual, temos que ter em mente a forma e a função


do ritual. Por forma, temos que levar em conta nossos pontos fortes e fracos e
quais são os pontos de maestria. Existem rituais meditativos, extáticos e
mistos, e temos ainda que escolher a abordagem de acordo com a tradição em
questão. Se há o envolvimento de deuses ou santos, o tratamento é restrito aos
gostos e tratamentos dados tradicionalmente a estes deuses ou santos (mesmo
que o "tradicional" seja o uso popular). Função é crucial. Isso porque nenhum
deus, santo ou espírito gosta de ser aporrinhado sem razão, e que nos perdoem
os macumba-junkies, esta é a pura verdade. Nada pior do que trazer um espírito
à manifestação e ficarmos com aquela cara amarela, sem saber o que fazer ou
sem ter pelo menos alguma coisa importante para se pedir ou perguntar. Não
estamos fazendo nenhum favor para eles. Aliás, este é um pensamento muito
torto. Na verdade, a maioria dos deuses, santos, espíritos e até elementais não
gostam de nós, ou não ligam para nós, humanos.  Pelo contrário, muito
freqüentemente somos considerados inimigos, intrusos ou muito estúpidos. Isto
porque enquanto “espécie” perpetuamos padrões extremamente negativos para
nós mesmos e para toda a Natureza, e não importando quantos séculos e
gerações se passaram e quantos milhares de templos foram edificados
continuamos absolutamente os mesmos seres ignorantes e desrespeitosos entre
nós mesmos. Resumindo, qualquer espírito de qualquer categoria mencionada
acima bem como os outros não mencionados podem lhe trazer certas “bênçãos”
que você pode não estar preparado para receber.

Uma função que é uma via de mão dupla (por conta destas bênçãos mais
“complicadas”) é aquela relacionada à revelação de Destino (que nem sempre é
o que a gente quer), ou seja, seu caminho ou missão. Muito provavelmente
ainda escreveremos sobre isto em outro artigo, mas sugiro aos leitores a
pesquisa do tema, que pode ser encontrada no termo Areté. [Areté (do grego
ἀρετή) foi uma das deusas da Antiga Grécia, irmã de Harmonia e filha da
Praxidike, a deusa da Justiça. Ela representava o potencial completo de um
objeto, de um animal ou de uma pessoa. Poderíamos dizer que a missão ou
propósito de vida de uma pessoa é o seu areté. Mais tarde, Areté foi transposta
e identificada à deidade romana Honos (Honra), passando a se chamar Virtus
(Virtude), muito mais ligada à bravura e força militar. Dentre as muitas
definições relacionadas à moral pertinente a uma dada cultura, podemos
destacar que virtude para os pensadores também pode significar “ser o melhor
que se pode” ou “alcançar o melhor potencial humano”. Assim, ao buscamos as
raízes da palavra “virtude”, também encontraremos o significado de “poder
inerente/poder divino”, o que dá origem à expressão “em virtude de”, o que
nos remeteria à idéia da fagulha divina, de qualidade divina ou propósito
inerente.]

A cerimônia que postamos aqui deve servir para dar base aos seus próprios
trabalhos. Lembre-se que a regra de tradicionalidade das práticas vem em
primeiro lugar, juntamente com os ditames dos deuses e espíritos. Usamos
como base o ritual da Rosa dos Ventos (de “The Craft of The Untamed”, pg.
135, Nicholaj de Mattos Frisvold, Ed Mandrake Oxford), adaptando para o
período que se aproxima.

O Ritual

Esta é a noite de aliança ou renovação de pacto com nossos Mortos Poderosos


(nossos antepassados e ancestrais míticos).  Ao mesmo tempo, no nosso
hemisfério, esta noite prenuncia um novo ano astrológico.  Isto significa que se
por um lado toda a natureza entra em um período de maturação e lenta
decadência, nos céus um novo ciclo desponta.  Enquanto o Dragão se ergue ao
Norte, Hidra o recebe ao Sul.
Primeiramente, faça um banho de purificação espiritual com ervas que você
geralmente usa. Aqui, assumo que se você não conhece um banho de purificação
adequado, você não está preparado para tal ritual, e assim recomendamos que
procure alguém que lhe ensine um mais apropriado para você. 

O "pé de bruxa"
Prepare com antecedência uma mistura com pó de conchas trituradas, carvão,
colorau e fubá, misturando-os bem antes do ritual.  Leve para a sua área ritual
um caldeirão, uma colher de pau, uma concha, madeira para acender uma
fogueira, álcool para ajudar a fazer o fogo, o sacramento (geralmente um
enteogênico), pão, água, 3 ramos de salgueiro (dois curtos e um longo), nove
rosas, um lírio, vinho, taça, mirra e benjoim (ou incenso de igreja que
geralmente possui estes elementos) em um incensório, azeite, cinco velas
brancas e quatro vermelhas. 
Coloque oito rosas indicando cada uma das oito direções (Rosa dos Ventos), e a
nona deve ser colocada sobre o “pé de bruxa”. Quatro velas brancas devem ser
distribuídas para cada direção cardeal, e as quatro vermelhas para os pontos
colaterais. Use azeite de oliva para ungi-las e entalhe o nome de cada vento nas
respectivas velas usando um dos ramos de salgueiro. O caldeirão ficará ao lado
do fogo no centro, juntamente com o pote com o pó preparado, o lírio à sua
esquerda e o vinho à sua direita. Deixe o incensório ao Norte. O pão, o copo de
água e uma vela branca devem figurar fora da área ritual. Eles devem ficar ali
para servir os outros espíritos que se aproximam mesmo sem serem convidados.
Ao posicionar esta oferta de pão, água e luz aos mortos, não se esqueça de
declarar que é ali que devem ficar aqueles que não são seus parentes. Acenda
todas as velas e circule toda a área com o incensório queimando os incensos.

Respire profundamente e concentre-se neste momento. Agora é o momento de


bater com os nós dos dedos (ou palmas das mãos) ao chão por três vezes,
dizendo também por três vezes:

"Bela Rainha que carrega as grandes luzes em suas mãos


Estou aqui no deserto de Tudo para buscar teu conforto.
Conceda-me o acesso ao Teu reino
Estou aqui com meu coração em minha mão
Vindo dos campos avermelhados buscando Teu conforto."
Acenda a fogueira. 

Em seguida, vire-se para o Norte e veja: ha um anjo vestido de preto, segurando


uma concha torcida em sua mão, chame-o pelo seu nome: BOREAS

E então, vire-se para o Nordeste e veja: aqui ha um anjo segurando um escudo


decorado com vários símbolos de todos os tipos, chame-o pelo seu nome:
KAIKIAS

Então, vire-se para o Leste e veja: ali esta um anjo segurando um relógio com a
abundancia da terra, frutos e grãos. Chame-o pelo seu nome: EUROS

Agora, vire-se para o Sudeste e veja ali um poderoso anjo, usando um manto
pesado e um escudo para se defender dos elementos. Chame-o pelo seu nome:
APELIOTES

Vire-se agora para o Sul e veja um anjo de aparência gentil, derramando


de um jarro um rio de águas frescas. Chame-o pelo seu nome: NOTOS

Vire-se para o Sudeste e veja então um anjo na forma de um menininho que


sustenta o mastro de um navio e que segura os ventos maldosos na baia. Chame-
o pelo nome: LIPS

Agora, volte-se para o Oeste e veja um anjo jovial, com flores em seus cabelos.
Chame-o pelo seu nome: ZEFIROS

Finalmente, volte-se para o Noroeste, e veja ali um anjo com barba no rosto,
segurando um pote de bronze cheio de cinzas e carvões quentes. Chame-o pelo
seu nome: SKIRON

Agora é o momento onde você colocará o caldeirão no fogo, colocando a mistura


de pós que havia preparado antes do ritual, misturando com a colher de pau e
queimando-o até que o conteúdo fique enegrecido. Retire o caldeirão do fogo,
colete o pó com uma concha.

Declare agora:

 “Oh Glorioso Anjo do Equilíbrio


Vestido com as escamas do Dragão
Com tua espada tu te ergues nos jardins do Sol
E golpeia, das sete estrelas à taça às costas de Hidra
Faz de sua morte tua cruz, e na cruz novos começos”

Desenhe com cinzas um círculo e uma cruz ao lado do “pé de bruxa”, colocando
o sacramento sobre o centro da cruz. Permita-se ver a rainha sentada no coração
da rosa, descansando sobre o “pé-de-bruxa”, abençoando o sacramento e ore
aos ventos para guiá-lo em sua jornada rumo a Torre dos Oito Ventos.
No sentido do relógio, faça uma libação com o vinho em cada direção. Tome o
que restar na taça.

Também no sentido do relógio, apresente este sacramento em profunda


reverência aos oito ângulos de sua área ritual, começando pelo Leste, já que este
equinócio é do Leste, e retorne ao ponto central declarando:

“Nada sou além de um peregrino, um viajante nas terras de Elphame,


No eixo deste círculo deixo minha pele humana
Assim como me alimento do fruto proibido
Que eu seja recebido nas terras da Rainha Pálida.
Não como um viajante – mas como uma companhia, teu parente, tua raça.
Que assim seja,
Agora e sempre!”

Agora é hora de ingerir o sacramento, deitando com a cabeça sobre a cruz de


cinzas, chamando os espíritos parentes para que lhe abençoem e lhe mostrem o
propósito de sua vida. Procure memorizar as visões, elas podem ser
extremamente simbólicas e devem ser registradas para que não caiam no
esquecimento. Com o tempo, estes símbolos ficarão mais claros e precisos,
assim como outras pistas se revelarão. Um oráculo pode também ser usado, e
em breve, postaremos mais a respeito do oráculo dos Dezesseis Raios de
Fortuna para auxiliá-lo a desvendar ainda mais sobre sua missão.

E como toda a terra é sagrada para aquelas que pisam nela conscientes disso,
não há nada a ser dispensado. Que a noite possa ser suave e reveladora àquele
que busca descortiná-la.

Por Katy e Nicholaj de Mattos Frisvold.

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