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2020 - 05-06 VOGUE + GQ PT (Interactivo) PDF
2020 - 05-06 VOGUE + GQ PT (Interactivo) PDF
H A P P Y
T O G E T H E R
a nova eau de parfum
CHANEL.COM
louisvuitton.com
A NOVA EAU DE PARFUM
YSLBEAUTY.COM
DUA LIPA
EDITORIAL
La Mujer de Piedra se Levanta y Baila, deve assentar a resiliência de que o mundo precisa, na noção de que
pela artista Pamen Pereira. somos todos seres interdependentes. A noção de que precisamos
uns dos outros, independentemente das diferenças, que nunca nos
deviam ter separado. Se há algo que este imenso "eclipse" mundial,
com o nome de COVID-19, nos veio relembrar é que estamos todos
ligados, que somos todos elos de uma cadeia, e que muito mais do que
uma cadeia viral, somos uma cadeia humana. E que distanciamento
o dia 29 de maio de 1919, o jovem astrónomo inglês Arthur Eddin- social, necessário, não implica distanciamento humano, porque nunca
gton transformava Albert Einstein numa celebridade, provando a precisámos de estar tão unidos como agora.
teoria científica mais significativa do universo desde a gravidade Os medos irracionais e o pânico têm de dar lugar à construção e
newtoniana: a teoria da relatividade. Durante um quarto de milé- reconstrução, à criatividade, à humanidade, na força da união. Para que
nio, a conceção do espaço como estático e absoluto por Newton os mais fortes possam proteger os mais vulneráveis, que em qualquer
nunca havia sido questionada. De acordo com a sua teoria, a gravidade sociedade carregam sempre o fardo mais pesado das dificuldades.
é uma força que, tal como o magnetismo, atua através do espaço, mas Ninguém sabe o que vem a seguir, nem o que será exatamente o fu-
não no espaço, e a luz viaja apenas em linhas retas. De acordo com a turo. Mas na verdade, nunca o soubemos, nem nunca o saberemos.
teoria de Einstein, espaço e tempo são uma entidade única – o tecido Não existe um antídoto para a imprevisibilidade, só podemos criar
fundamental do universo – e a gravidade é uma força causada pelo estratégias para dar significado a uma vida que sabemos ser instável
espaço-tempo, onde os objetos maciços dobram o tecido do próprio e provisória, mas que queremos viver em equilíbrio e abrir caminhos
espaço-tempo com a sua força. Numa época em que pouquíssimos cien- para a felicidade, que todos nós almejamos. Porque até nessa busca,
tistas consideravam a relatividade plausível e nenhum inglês arriscaria estamos juntos.
a sua reputação ao defender as ideias de um alemão, Eddington resolveu Na Vogue, acreditamos que só UNIDOS podemos reconstruir um
testar a teoria de Einstein e, com a sua pequena equipa, viajou para a caminho de equilíbrio, combater o caos com a criatividade que rein-
remota ilha do Príncipe, para observar o maior eclipse solar total – 6 venta e constrói. E não estamos sozinhos. Juntamente com a revista
minutos e 51 segundos – que acontece uma vez a cada 500 anos. Numa GQ, e em modo Standing Together, Happy Together, lançamos uma edição
experiência incrivelmente ambiciosa, a nível prático e conceptual, única. Única nos dois sentidos, por acontecer uma só vez, e por dar
depois de dias de fortes chuvas e céus nublados, já quase resignados forma à união das duas publicações (re)unidas numa só, num state-
ao fracasso, Eddington e a sua equipa observaram com admiração as ment igualmente único, que reune as diferentes vozes e visões das
nuvens a dissiparem-se mesmo a tempo do eclipse, abrindo caminho duas equipas e respetivos colaboradores numa edição tão especial.
para o telescópio que haviam transportado para o acampamento nas As andorinhas, pássaros icónicos no nosso país, que anunciam aus-
encostas. No momento em que a Lua ofuscava completamente o Sol, piciosamente a chegada da primavera, são as protagonistas de uma
Eddington conseguiu registar fotograficamente a luz das estrelas do capa conjunta e simbólica. As aves voam em grupo para rentabilizar
aglomerado Hyades, posicionada diretamente atrás do Sol, a partir as suas energias, ao mesmo tempo que usufruem das mais-valias dos
do ponto de vista da Terra, provando que Einstein estava certo, e elementos do grupo, como a sabedoria dos mais velhos e a resistên-
Newton errado, e que o enorme campo gravitacional do Sol distorcia cia dos mais novos, num exemplo de entreajuda. Em conjunto, vão
FOTOGRAFIA: PEPE CAPARROS.
o próprio espaço-tempo, curvando o caminho da luz das estrelas, para revezando quem lidera o bando e, enquanto umas vão procurando
torná-la visível da Terra. Este foi um triunfo científico de um enorme alimento, outras estão mais atentas ao perigo. Na unidade, e não no
significado. Foi, sobretudo, um momento humano e encorajador: logo individualismo, tornam-se mais fortes. Recurso sábio que a natureza
após o final da Primeira Guerra Mundial, um inglês pacifista, que se nos ensina e que não devemos perder de vista, enquanto Humanidade.
recusara a ser recrutado sob o risco de ser preso por traição, e um judeu A força de uma corrente não está no número de elos, mas na união
alemão pacifista, juntos, conseguiram uma das maiores realizações entre eles. Quanto mais forte, mais obsoleta será a diferença entre
científicas da Humanidade, unindo um mundo dividido sob o mesmo eles, porque já não são elos: são um só. ●
céu, sob as verdades mais profundas do universo, precisamente na
sua hora mais sombria.
De sombra e de luz se escreve a História da Humanidade, a mesma
que nos provou vezes sem conta que é na união que podemos, e de- Sofia Lucas
vemos, encontrar a verdadeira força. A própria teoria da relatividade Diretora da Vogue
o confirma, estamos todos ligados num tecido universal de espaço e
tempo. Não é a primeira vez que o mundo, de uma forma tão global
e a todos níveis, atravessa uma fase tão sombria, na perda, na dor,
na incerteza. Mas é na certeza de que não existe sombra sem luz que English version
Maio
Junho
2020
VOGUE
2 6 8 To be continued A solidão sempre esteve aqui, o
confinamento só veio acentuá-la.
Fotografia de Tania Franco Klein.
1 4 4 Sonhos cor-de-rendez-vous.
IN VOGUE
2 2 Tendências. Minimalismo,
“Me and you, just us two.” Porque
nunca estaremos separados,
nem quando a distância nos
2 1 6 Vitamina C. Doses alucinantes
de criatividade, num editorial onde
tudo, mas mesmo tudo, é possível.
Direção criativa de Alberto Pelayo,
nudes, sobreposições. corta o abraço. Direção criativa
Veronica Bergamini, Anthony
Na primavera, o céu é o limite. de Nicola Scarlino. Fotografia
Rosati. Fotografia de Alberto
2 8 I woke up like this. de Thibault-Théodore Babin. Pelayo e Anna Shisterova.
E se pudéssemos sair de casa 1 6 4 Laços de família. 2 3 4 Breaking news!
de pijama? Guess what, podemos. A vida a dois, a três, a quatro,
Neste texto não há uma única
3 0 Shopping. Tudo o que e a cinco – 24 horas por dia,
notícia má. É ler para crer.
precisamos para um look sete dias por semana. Fotografia
Fotografia de Sam Johnson.
effortless. Joias incluídas. de Karén Khachaturov.
2 3 8 Hiper link. Ligue-se aos
3 6 Pinceladas de Cor. 1 6 8 . Word on the street. outros, mesmo que seja por
Acessórios de todas as cores Se tivéssemos de gritar
linhas invisíveis. E ligue-se
do arco-íris. Quem se atreve? uma mensagem de esperança
também a este editorial pintado
4 6 Add to bag? Maybe not. para o mundo inteiro, que
às Cores Unidas de Nuno da Costa.
Não há volta a dar, a pandemia mensagem seria? Unidos
2 5 0 Ser solidário? É indiferente!
venceremos. Styling de Nina Ford.
BELEZA
mudou, talvez para sempre, As crises trazem ao de cima
a forma como fazemos compras. o melhor de nós. Mas, não raras
5 0 Levantado do chão. Não há vezes, também trazem o pior…
1 0 4 Se as paredes falassem.
mal que sempre dure, nem batalha Por Nuno Miguel Dias.
Se sempre quis saber como
que se trave sem o combate Fotografia de Ilenia Tesoro.
terá a pandemia afetado a (nossa)
dessa força chamada Moda.
5 4 One-piece wonder.
Era uma vez o macacão,
LIFESTYLE
7 2 Roteiro. O que ver,
vida sexual, leia este texto.
1 0 8 Mensagem recebida.
É preciso mais compaixão.
2 5 4 Cloro-filles. Dias de sol.
Dias a dois. Dias para mais tarde
recordar. Fotografia de Michael
também apelidado de jumpsuit, o que ler, o que fazer. Weniger. Styling de Miriam Diaz.
É preciso mais empatia. Pelos
também conhecido como 2 6 4 O dia depois de amanhã.
8 0 Um monstro na cozinha. outros. E por nós. Direção
peça mais versátil da estação. Como será o mundo
Ou quando os humanos criativa de Veronica Bergamini.
5 6 Ombro amigo. Um sorriso perdem a guerra contra a gula. Fotografia de Carlos Teixeira. pós-coronavírus? Fotografia
nos lábios e um guarda-roupa Por Nuno Miguel Dias. de Michael Wolf Estate.
1 1 6 Kind regards. Porque tudo
de sonho. É apenas isso que
8 4 Hello from the other side. o que não precisamos numa altura
desejamos para o futuro.
Quando não é possível sair destas é de sermos demasiado
Fotografia de Elena Bofill.
de casa, é assim que nos exigentes connosco próprios.
Styling de Patrycja Juraszczyk.
144
mantemos unidos. 1 2 0 Ask an expert.
6 6 Alma in the mirror.
8 8 United we stand. Imagens Os benefícios das massagens
Alma Jodorowsky, mulher
que valem mais que mil palavras? faciais, descodificados.
de mil ofícios e embaixadora
As de Rob Woodcox, sim. 1 2 2 Test drive. Levámos a sério
da Chanel, na primeira pessoa.
9 6 Vou ali e já venho. Ansiosos a obrigatoriedade da máscara
pelo fim do distanciamento e testámos três opções
social, mas só para o de máscaras faciais para
praticarmos “à nossa maneira.” nutrir a pele chez nous.
1 0 0 Art & Freedom. A edição 1 2 3 Crème de la crème.
de abril da Vogue Portugal Lavar, desinfetar e higienizar,
deu a volta ao mundo. E uma uma e outra vez. Mas
das suas capas foi reinterpretada depois é preciso hidratar. Capas
de mil e uma formas. Os melhores cremes de mãos. Ilustração de José Santana.
SOFIA LUCAS Diretora PUBLISHED BY CONDÉ NAST
Moda
Chief Executive Officer Roger Lynch
Ana Caracol EDITORA DE ACESSÓRIOS
Larissa Marinho ASSISTENTE DE MODA Chief Operating Officer & President, International Wolfgang Blau
Eduarda Pedro ASSISTENTE DE MODA Global Chief Revenue Officer & President, U.S. Revenue Pamela Drucker Mann
Beatriz Mafra ESTAGIÁRIA DE MODA U.S. Artistic Director and Global Content Advisor Anna Wintour
Chief Financial Officer Mike Goss
Redação Chief Marketing Officer Deirdre Findlay
Ana Murcho CHEFE DE REDAÇÃO Chief People Officer Stan Duncan
Mónica Bozinoski JORNALISTA Chief of Staff Samantha Morgan
Joana Moreira EDITORA DE BELEZA
Chief Data Officer Karthic Bala
Alda Couto REVISÃO DE TEXTO
Chief Client Officer Jamie Jouning
Paula Bento ASSISTENTE DE REDAÇÃO
paula.bento@gq.light-house.pt
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Arte President Oren Katzeff
João Oliveira DIRETOR DE ARTE Executive Vice President–Alternative Programming Joe LaBracio
Mariana Matos DESIGNER Executive Vice President–CNÉ Studios Al Edgington
Nuno da Costa ILUSTRAÇÕES
Executive Vice President–General Manager of Operations Kathryn Friedrich
Fotografia e Vídeo
Branislav Simoncik DIRETOR DE FOTOGRAFIA CHAIRMAN OF THE BOARD
Ismael de Jesus DIRETOR DE VÍDEO Jonathan Newhouse
Catarina Almeida EDIÇÃO DE VÍDEO
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France: AD, AD Collector, Glamour, GQ, Vanity Fair, Vogue,
Helena Silva SNOWBERRY PRODUCTION
Vogue Collections, Vogue Hommes
Online Germany: AD, Glamour, GQ, GQ Style, Vogue
Rui Matos JORNALISTA – rui.matos@vogue.light-house.pt India: AD, Condé Nast Traveller, GQ, Vogue
Mathilde Misciagna JORNALISTA – mathilde.misciagna@light-house.pt Italy: AD, Condé Nast Traveller, Experience Is, GQ, La Cucina Italiana,
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Nina Ford; Nóemi Ottilia Szabo; Nuno Miguel Dias; Patrycja Juraszczyk; Pedro Moura Simão; Spain: AD, Condé Nast College Spain, Condé Nast Traveler, Glamour,
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e pela ética profissional dos jornalistas, assim como pela boa fé dos leitores.
BACKSTAGE
3Dedos de conversa
Quando as restrições se aplicam ao mundo real, o digital entra
em cena para colmatar temporariamente os desafios de uma
quarentena sem acesso a modelos ou textil. Para dar a volta,
a equipa de criativos Alberto Pelayo, Veronica Bergamini e
Anthony Rosati juntou as visões do trio para imaginar um
editorial com duplicação de papéis e tridimencionalidade das
roupas. Pelayo dividiu-se entre modelo e fotógrafo para unir Estamos
uma história que junta a Arte do 3D (pelas mãos de Anthony
Rosati, Federico Frattelli, Lorenzo Abbadessa e o próprio
Juntos
O tema desta edição pareceu-nos
Pelayo, nos acessórios) à Arte da fotografia de Moda; Veronica
óbvio. E a sua materialização tão
Bergamini imaginou os looks, co-dirigiu o enquadramento
necessária quanto especial. Imaginar
e geriu o fitting em 3D bem como a cor. Os criativos do 3D
a temática União depois de um
pegaram nas imagens em alta resolução das marcas, para
período de quarentena que adivinhava
garantir peças finais fidedignas,
um futuro de complicações surgiu
e Serena Congiu desenhou a
organicamente, porque não há nada
maquilhagem em papel para depois
que não se possa ultrapassar se
ser aplicada digitalmente sob a sua
esse sentido de entreajuda estiver
supervisão. A separação fomentou
bem apurado. Aplicá-lo às revistas lançadas sob a égide da
a união: porque só o trabalho
LightHouse Publishing era a melhor manifestação disso:
conjunto faria resultar a Moda final
liderar pelo exemplo, juntando as duas revistas numa
Vitamina C que encontra na pág. 216.
única peça colecionável, uma one-time thing, uma iniciativa
a acontecer uma única vez e de forma inédita dentro da
Condé Nast. Mas juntar uma Vogue e uma GQ em papel é
só a materialização de um espírito de equipa que é palpável.
Aqui, neste escritório a que chamamos casa, não há paredes
a dividir redações nem há falta de oferta de ajuda entre
elementos, não há divisão de títulos ou responsabilidades de
outros. Há equipas core de cada revista, mas meter as mãos
na massa é um trabalho de todos e todos contribuem para
Vamos a votos um bolo final que nos enche de orgulho. Como este.
Por falar em capas e apostar nelas: a edição Freedom on
Hold da Vogue Portugal, na versão beijo com máscaras,
bem como as edições de março e maio 2019 da GQ
Portugal, estão na corrida para a "Melhor Capa de
Revista Alguma Vez Vista", na plataforma de referência
em matéria de capas que é a Coverjunkie. Ao lado de O amor é cego
publicações que chegam um pouco de todo o mundo, é A confiança neste produto final é tal que colocámos a revista em pré-venda,
um privilégio ver os dois títulos sem contextualização, sem divulgação de tema, sem capa, uma semana antes
da LightHouse lado a lado com do seu lançamento. E a resposta superou todas as nossas expectativas.
números já muito aplaudidos de Centenas de pedidos só nas primeiras 24 horas, numa confiança cega que só
outras referências de imprensa. pode ser amor – e ele é recíproco. Nada do que fazemos seria possível sem
Só a distinção da nomeação já o apoio de, quem como nós, partilha o gosto e a paixão pelo bom conteúdo,
vemos como uma conquista. pela aposta diferenciadora, pelo amor ao papel enquanto objeto intemporal.
[inserir emoji do coração aqui] Como é a Vogue Portugal. Este parágrafo é uma declaração de amor aos
Veja todas as capas nomeadas: nossos leitores – prints, digitais e de ambos, que é o que mais acontece.
www.coverjunkie.com/poll Este parágrafo é o reconhecimento de uma árvore genealógica que começa
em nós e só acaba no leitor mais recente, renovando-se recorrentemente.
Este parágrafo é um obrigado. Sincero. Profundo. Cego.
FOTOGRAFIA: D.R.
English version
vogue.pt 1 9
IN
REALIZAÇÃO: ANA CARACOL. ARTWORK: JOÃO OLIVEIRA.
VOGUE
TENDÊNCIAS
SHOPPING
COMPORTAMENTO Carteira Dionysus GG em pele, € 4.500, Gucci.
INVOGUE TENDÊNCIAS
1
2
JONATHAN SIMKHAI
BEVZA
ANNA SUI
4
Tudo a Nudes
E se pudéssemos sair à rua em lingerie? E se pudéssemos usar,
no dia a dia, a roupa que usamos dentro de quatro paredes – sim,
aquelas calças de pijama em seda e aqueles kimonos ultracompridos e
confortáveis? Resposta: podemos. Há muito que a roupa de estar em
ALEXANDER WANG
GABRIELA HEARST
casa, ou homewear, atingiu a categoria de roupa para vestirmos onde 1. A atriz Thelma Todd no filme The Pip From Pittsburgh, 1931.
bem nos apetece. E isso é tão libertador que, esta primavera, é bem 2. Vestido em chiffon de seda e renda, € 2.980, Gucci. 3. Vestido
em nylon, € 2.500, 4 Moncler Simone Rocha, em Mytheresa.com.
possível ver mulheres de todas as idades a passearem-se em negligé 4. Mules em pele, € 69,95, Aldo. 5. Top em seda e renda, Fracomina.
enquanto fazem as compras de supermercado. Por Ana Caracol. 6. Casaco e calças em seda, € 1.400 e € 1.250, Louis Vuitton.
English version
vogue.pt 2 3
INVOGUE TENDÊNCIAS INVOGUE TENDÊNCIAS
LOEWE
FENDI
2 3 4
1
LANVIN
5 6 7
ANTEPRIMA
FOTOGRAFIA: D.R.
FOTOGRAFIA: D.R.
ALTUZARRA
English version
2 4 vogue.pt vogue.pt 2 5
INVOGUE TENDÊNCIAS INVOGUE TENDÊNCIAS
GIVENCHY
2
BALMAIN
FERRAGAMO
SALVATORE
1
Keep it Simple
HELMUT LANG
FOTOGRAFIA: D.R.
FOTOGRAFIA:DE
ASSISTENTE
THE ROW
TIBI
English version
2 6 vogue.pt vogue.pt 2 7
INVOGUE TENDÊNCIA
I Woke Up
Há uma linha muito ténue
Like This transformar numa tendência) vingar eram tão grandes como a pos- passerelles internacionais foram vários os criadores que decidiram
que separa aquela t-shirt sibilidade de, em pleno século XXI, passarmos boa parte dos nossos
dias com medo de sair de casa – e aqui estamos. Em menos de nada,
apostar, uma vez mais, no pajama look, de Chanel a Kenzo, passan-
do por Emporio Armani ou Marques’ Almeida. Estamos perante
velha, amarelada, ultra- tanto raparigas de 20 anos como mulheres de 60 resolveram aderir uma gigantesca festa do pijama, patrocinada por uma indústria que
confortável, que usamos à novidade, que então aparecia sob a forma de minirrevolução de sempre nos incentivou a investir no glamour? Asya Varetsa e Kate
estilo. A italiana Marni foi das primeiras a aderir, tal como a Etro. Zubarieva, fundadoras da Sleeper – a marca começou em 2014 e
em casa no dia-a-dia – até O mesmo fizeram designers como Marc Jacobs e Armani. As cadeias ganhou um enorme impulso graças ao apoio de Franca Sozzani, que
há semanas desconhecida de fast fashion como a H&M e a Topshop não demoraram a lançar a considerou “brand of the month” – explicavam ao site The Zoe Report,
de todos os que connosco as suas versões. Porque é que o pajama dressing, que tinha tudo para
ser uma loucura momentânea, foi um sucesso? Porque é univer-
em 2018, as razões da longevidade do pajama dressing: “O chamado
código de vestuário tornou-se um atavismo. Atualmente, a perceção
convivem – e o fato de duas salmente flattering, ou seja, fica bem a todos os corpos (gravidez de estilo das pessoas baseia-se unicamente nas suas próprias ideias
peças que agora, por razões incluída) e a todas as idades. Porque é simples, despretensioso, e sobre beleza e conveniência. O papel da roupa na vida das pessoas
óbvias, está pendurado se o corte e o material escolhidos forem os corretos, consegue ser
simultaneamente elegante e sexy. E porque um pijama, sendo um
também mudou. Os relacionamentos tornaram-se menos formais,
as pessoas usam jeans no teatro e casam de pijama. A vida tornou-se
no armário até ordem conjunto, pode ser usado de várias maneiras: com uns saltos altos, muito mais confortável.” E se isto fazia todo o sentido há dois anos,
em contrário. Essa linha uns brincos vertiginosos e uma postura a condizer; ou de forma mais ou até mesmo há dois meses, faz ainda mais sentido agora, quando
chama-se pijama. Por Ana Murcho. descontraída, com uns ténis, um top de alças e o cabelo apanhado.
Como plus, o pajama look oferece a possibilidade de vestir as suas
metade do planeta se movimenta dentro de quatro paredes, com
poucas perspetivas de sair à rua para poucas tarefas que não sejam
peças isoladamente – as calças com um sweat cinzenta clássica, por comprar pão, legumes ou reforçar a garrafeira. Se não sabemos
exemplo, ou a camisola com uns jeans. quando, nem em que termos, poderemos voltar à nossa vida normal,
o melhor que temos a fazer é pegar nos melhores pijamas que temos
isclaimer: esta tendência não deve ser confundida com os no armário, ou naqueles que guardamos para “ocasiões especiais”,
hábitos de vestuário de Hugh Hefner (nada contra, só e imitar as divas dos anos dourados de Hollywood - Lucille Ball,
queremos lembrar que não tem nada a ver) mas, curio- Elizabeth Taylor, Joan Crawford, Ginger Rogers, todas elas tinham
samente, poderá estar ligada às manias de Julian Schnabel. Diz-se um manancial de sleepwear que faria inveja a qualquer marca do
que quando Olatz Schnabel, musa e mulher do controverso artista género - e transportar essas peças para o nosso dia a dia. De certa
que é que Rihanna, Cara Delevingne, Selena Gomez, Chiara durante 17 anos, fundou a sua marca, Olatz, em 2003, o fez tendo forma, o sleepwear pode ser o novo daywear. Não sabemos o que é que
Ferragni, Salma Hayek, Sofia Coppola e Gigi Hadid têm como inspiração o então companheiro. Schnabel, que se passeia de as nossas avós iam achar disto, elas que nunca saíam de casa sem
em comum? Ok, esta é fácil: dinheiro, muito dinheiro. E pijama esteja num museu em Tóquio ou num rooftop em Nova Iorque, retocar o batom, reforçar a laca ou escovar o casaco demoradamente.
qual é a semelhança que as une, a elas, e a esta que vos serviu igualmente de influência para a criação da Sleepy Jones, que Mas como a Moda não dá ponto sem nó, há sempre um não sei quê
escreve? Já todas fomos de pijama para a rua. Aliás, já todas nasceu em 2013 pela mão de Andy Spade, marido da designer ame- de glamour que nunca desvanece, nem numa tendência prática como
fomos de pijama para a rua várias vezes – tanto quanto ricana Kate Spade. O mercado tem, atualmente, dezenas de nomes esta. O pajama look está a anos-luz de tudo o que se assemelhe, ou
me é permitido saber pelo arquivo da world wide web, que que se dedicam exclusivamente a este nicho, de onde se destacam esteja indiretamente ligado, a materiais que devem ficar debaixo dos
1
documenta as suas vidas, já que as minhas incursões em a F.R.S. (iniciais de For Restless Sleepers) ou Olivia von Halle, e nas lençóis. Sim, isto é contigo, algodão cardado. ●
trajes menores, ou menos aplaudidos pela eterna Joan
Rivers, do programa Fashion Police, se ficam pelo disco
rígido da minha memória. Antes que a leitora, ou o leitor,
comece a franzir o sobrolho, explicamos. Nenhuma de nós era, no
momento em que se decidiu por esse outfit of the day, uma “mulher
2 8 vogue.pt
INVOGUE SHOPPING
7
5
6 10
Home Office
Pelo andar da carruagem, boa parte do país, e do mundo, vai continuar em
teletrabalho nos próximos tempos. Em termos práticos, isto significa que a qualquer
hora do dia podemos ser apanhadas em flagrante delito (em trajes menores, entenda-
-se) na iminência de uma videochamada. Se isso acontecer, o que fazer? As leis 1. Top em seda e algodão, € 650, Paco Rabanne, em Mytheresa.com. 2. Calças em nylon, € 127, Twin-Set. 3. Top em
laborais do home office mandam vestir algo casual, que combine com aquelas calças algodão, € 39,99, Mango. 4. Blazer em algodão, € 69,99, Mango. 5. Casaco em seda estampada, € 1.500, Gucci. 6. Calças
de fato de treino, ou aqueles jeans, que não larga há semanas. E pronto, job done.
em algodão, € 89, Reebok x Victoria Beckham, em Mytheresa.com. 7. Calças em seda, € 1.240, Louis Vuitton. 8. Top em
English version malha de lã, € 2.060, Louis Vuitton. 9. Calças em seda, € 550, Versace. 10. Calças em jersey de seda, € 650, Burberry.
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INVOGUE SHOPPING
Das trincheiras,
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com amor
Já tudo se escreveu sobre o quão incríveis, versáteis e práticos
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o quer que seja – então não sabemos o que lhe dizer. Por Ana Caracol.
6. Em algodão, € 872, Elisabetta Franchi. 7. Em algodão, € 1.990, Burberry. 8. Em algodão, € 59,95, Zara. 9. Em algodão, € 1.750,
Michael Kors. 10. Em algodão estampado, € 950, MSGM, em Matchesfashion.com. 11. Em lã, seda e pele, € 3.900, Louis Vuitton.
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INVOGUE SHOPPING
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Aliança
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Eterna
Não há amor como o primeiro. Nem anel tão especial
ASSISTENTE DE REALIZAÇÃO: EDUARDA PEDRO. FOTOGRAFIA: D.R.
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como o que herdámos da nossa mãe. Nem relógio tão diamante, € 1.400, Tous. 3. Anel Souvenir d’Etoile em ouro rosa com
ametista e diamante, € 1.230, Montblanc. 4. Anel Flower Petals B
simbólico como o que namorámos na vitrine de uma loja and em prata banhada a ouro rosa com zircónias, € 69, Pandora.
5. Relógio King Gold Classic Fusion com caixa e bracelete em
semanas as fio. Por isso, que estes tempos conturbados ouro rosa com pavé de diamantes e movimento automático,
€ 102.800, Hublot. 6. Relógio Crash Watch com caixa em ouro branco
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nos ensinem que as melhores relações são as que duram com diamante, bracelete em ouro branco e ródio e movimento
mecânico, € 80.000, Cartier. 7. Relógio Calatrava com caixa e
para sempre. O ditado diz que "unidos venceremos" – bracelete em ouro rosa e movimento mecânico, € 94.910, Patek
Philippe. 8. Relógio L’Heure du Diamant com caixa e bracelete em
e essa união estende-se às joias, que são, cada vez ouro rosa com diamantes, Chopard. 9. Relógio Pearlmaster 39 com
mais, para usar hoje, amanhã, a vida toda. Por Ana Caracol.
caixa e bracelete em ouro rosa com diamantes, mostrador com
pavé de diamantes e movimento automático, € 120.300, Rolex.
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INVOGUE ACESSÓRIOS
Pinceladas de Cor
Boas notícias: o inverno acabou. E é do outro lado do arco-íris que
se encontram alguns dos acessórios da nova temporada – unidos
por tons que aquecem a alma, ou não fosse esta a estacão de todos
os afetos. Como escreveu Caio Fernando Abreu, “Que a primavera
venha leve, suave e calorosa, enchendo de cor o dia-a-dia, e
iluminando os corações gelados.” Realização de Ana Caracol. Artwork de João Oliveira.
Carteira Matinee em pele, bambu e acetato, PRADA. Slingbacks em pele, € 385, MSGM.
English version
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INVOGUE ACESSÓRIOS
Botas em pele envernizada, € 1.200, MIU MIU. Carteira Cassette em pele, € 2.200, BOTTEGA VENETA, na Stivali.
Na página ao lado: carteira 1955 Horsebit em pele, € 2.200, GUCCI. Tropicallia Bag em pele, € 2.490, MARNI.
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INVOGUE ACESSÓRIOS
Carteira Ballon em pele, € 2.250, LOEWE. Mules BV Curve em pele, € 1.290, BOTTEGA VENETA.
Na página ao lado: carteira Peekaboo em pele, FENDI. Botas Ecru Diorcamp em borracha, € 790, CHRISTIAN DIOR, na Loja das Meias.
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INVOGUE ACESSÓRIOS
Carteira Crécy, em pele, € 1.600, CELINE, na Loja das Meias. Botins em pele, € 590, LONGCHAMP. Na página ao lado: carteira em
pele de píton, € 2.900, edição limitada, TOD’S. Sandálias Sky Light em pele e cetim de seda revestida a lantejoulas, € 1.150, CHANEL.
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INVOGUE ACESSÓRIOS
Carteira Capucines Mini em pele e acetato, € 3.350, LOUIS VUITTON. Sandálias Ariane em pele e pele envernizada, € 690, HERMÈS.
Na página ao lado: Cumaru Bag em pele estampada, € 1.690, MARNI. Botas em pele e madeira, € 1.395, GIVENCHY.
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INVOGUE CONSUMO
Add to bag?
Maybe not.
É o pesadelo de qualquer shopaholic: lojas fechadas, gabinetes de provas interditos,
montras tapadas. Novas coleções? Nem vê-las. O novo coronavírus criou uma
realidade, ainda que provisória, onde a Moda só existe num universo virtual.
Casacos, vestidos, kimonos, ankle boots, carteiras de píton que já não deviam
ser produzidas, camisolas de caxemira, you want it, you name it – está tudo
catalogado num éter cibernético, vedado a contacto físico. Até que ponto
é que isso tem impacto no ato de comprar, que vive tanto do impulso
como do desejo e, em última instância, do toque? Por Ana Murcho. Fotografia de David Welch.
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INVOGUE CONSUMO
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INVOGUE HISTÓRIA
Levantado do chão
Tiros de guerra, crises humanitárias, desastres
ambientais. Às vezes, o mundo não é um lugar Uma modelo com o New Look
de Christian Dior, 1947.
bonito. Mas entre o fogo e a poeira, podemos contar Uma modelo veste um fato
preto feito a partir de um
com as duas mãos da indústria da Moda para, casaco de veludo antigo, 1941.
FOTOGRAFIA: GREGOR FISCHER/ KAMMERMAN/ LIPNITZKI/ ZOLTAN GLASS/ GETTY IMAGES; IMAXTREE.
Manifestação durante a
da indústria da Moda não são os fabricantes que estão a a edição de outubro de 1945 à das roupas, aquilo que
Fashion Revolution Week,
Berlim, 2018. FROM THE GROUND UP culpa de uma só pessoa, marca tornar as suas fábricas mais QUEM VAI À GUERRA ideia de “paz e reconstrução”, aconteceu nessa altura foi um
“Todos nós temos a ou empresa. É por isso que nos seguras. São cada vez mais Com o espoletar da Segunda do papel, o racionamento num poderoso testemunho momento crucial de imaginação
expectativa que a Moda mude focamos em usar as nossas os produtores que estão a ser Guerra Mundial, a indústria da roupa e as opções de de que a Moda, aliada a uma e reconstrução da cultura
no decorrer de uma década. vozes para arrancar o sistema vistos e ouvidos.” Do Fashion da Moda viu-se obrigada a transporte limitadas – Withers consciência política e feminista, francesa depois da completa
Frequentemente, aquilo que pela raiz. Através de mudanças Pact assinado por mais de repensar e reinventar todos percebeu que a publicação também seria um pilar devastação da Segunda Guerra
em tempos era excitante e sistémicas e estruturais, a uma centena de marcas em os códigos que, até então, assumia um compromisso do novo mundo. Mundial. Christian Dior foi um
fresco transforma-se em indústria da Moda consegue 2019 aos esforços coletivos haviam traçado o caminho – não só na vida das mulheres Dúvidas restassem de que a designer de Moda, mas também
algo que, dez anos depois, tirar milhares de pessoas de de designers e consumidores uma necessidade que Audrey que a liam, mas também no Moda poderia ser uma força foi um dos principais arquitetos
é obsoleto e ligeiramente situações de pobreza e dar-lhes para evitar o desperdício Withers, na época editora da resultado do conflito. Assim pela mudança, Christian Dior da ascensão da França no
embaraçoso. Mas no curso uma vida decente e digna. É associado aos mais diversos edição britânica da Vogue, não que os bombardeamentos esclareceu-as todas no dia 12 pós-guerra, que guiou o país
da década que estamos capaz de preservar e restaurar processos da indústria, tomar demorou a reconhecer. Num cessaram, numa página de fevereiro de 1947, a data na sua transição da miséria à
prestes a deixar para trás, o nosso planeta. É capaz de decisões mais conscientes e clima onde as dificuldades de acompanhada por fotografias em que o couturier apresentou majestosidade.” Com o corte
não foram só as silhuetas que juntar as pessoas e ser uma responsáveis a nível ambiental produzir uma revista de Moda dos destroços, Audrey Withers ao mundo o seu New Look. Um e costura numa mão e com o
mudaram; vamos dizer adeus fonte de felicidade, criatividade e ético, e procurar soluções cresciam ao minuto – dos declarou: “Existe Vogue apesar estilo novo que, como escreveu sonho, a fantasia e a sedução
a estes últimos dez anos com e expressão para indivíduos e cada vez mais inovadoras, bombardeamentos da Alemanha de tudo”. O resultado? Páginas James McAuley no jornal The na outra, Christian Dior ajudou
uma perceção da indústria comunidades”, pode ler-se no criativas e eficazes para tornar contra o Reino Unido, que que encorajavam as mulheres, Washington Post, não assentava a levantar Paris das cinzas
completamente renovada. A site do Fashion Revolution. “Nós o ciclo verdadeiramente obrigavam o seu staff a frequentemente referidas só a uma nova mulher, mas deixadas por um dos maiores
sustentabilidade já não é uma acreditamos numa indústria sustentável a todos os níveis, esconder-se numa cave sempre como “soldados sem armas”, também a uma nova França. conflitos da História – e
questão à margem da Moda, da Moda capaz de conservar têm sido vários os passos que que o alarme soava e que, a fazerem a sua parte para “Os designs que ele [Christian deixou para trás um poderoso
mas antes um dos maiores e restaurar o ambiente e a Moda tem dado no sentido eventualmente, acabaram por apoiar a causa, louvores às Dior] apresentou nesse desfile testemunho do poder que a
desafios – e oportunidades valorizar as pessoas ao invés do de um todo melhor – e quando destruir o edifício que servia mulheres que estavam na linha eram significantes em e por Moda pode ter na reconstrução
– da atualidade.” As palavras crescimento e do lucro.” Apesar o todo da Moda é melhor, o de casa à sua equipa editorial, da frente, conselhos sobre si mesmos: depois de anos de de um mundo mais belo, mais
foram escritas por Sophie desta reconstrução ser um mundo todo é melhor também. sem esquecer o racionamento como tirar o melhor proveito guerra e ocupação – quando, unido, mais em paz.
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INVOGUE HISTÓRIA
FOTOGRAFIA: AURELIEN MEUNIER/ JOAO LAET/ LUDOVIC MARIN/ PHILIPPE LOPEZ/ GETTY IMAGES; IMAXTREE.
tempos mais obscuros – mais tecidos para criar máscaras à SIDA ou ao cancro da mama -Dame é um golpe para o povo Amazónia, marcas como H&M
Uma trabalhadora costura do que isso, reinventou-se reutilizáveis aos esforços de até à garantia dos direitos francês, bem como para todos e a empresa VF Corporation,
máscaras e batas para
os profissionais de saúde
SERVIÇO COMUNITÁRIO para agradecer àqueles que nomes como H&M, Tommy das mulheres, crianças e aqueles com valores espirituais. detentora de nomes como
franceses, durante a pandemia Falar sobre tudo aquilo que a estão na linha da frente. Hilfiger, Bottega Veneta, comunidades marginalizadas em Face a esta tragédia, todos nós The North Face, Timberland
de COVID-19, abril de 2020. indústria da Moda tem feito Enquanto o grupo LVMH Loewe, Michael Kors, Gucci, todo o mundo. E, se a filantropia desejamos ressuscitar esta joia e Vans, anunciaram as suas
em prol do bem comum ao disponibilizou as suas Giorgio Armani, Bulgari, já é evidente em situações ditas da nossa herança o mais cedo próprias medidas para
longo da História também fábricas de cosméticos para Vestiaire Collective, normais, torna-se ainda mais possível”, declarou, na altura, minimizar o seu impacto na
passa por abordar o momento a produção de desinfetantes Net-a-Porter e tantos outros, evidente quando a sociedade e François-Henri Pinault, CEO destruição dos “pulmões da
em que nos encontramos – um à base de álcool para auxiliar sem esquecer o lançamento A catedral de Notre-Dame depois o planeta precisam de uma mão do grupo Kering. “A família Terra.” E durante aquele que
do incêndio, janeiro de 2020.
momento em que, talvez mais as autoridades de saúde de A Common Thread, uma amiga, seja para reestruturar Arnault e o grupo LVMH, em foi o pior período de incêndios
do que nunca, a indústria da francesas, a Louis Vuitton iniciativa conjunta do CFDA um marco da sua história ou solidariedade com esta tragédia florestais na Austrália, marcas
Moda se uniu para combater começou a produzir batas no e da Vogue para angariar preservar a natureza que lhe nacional, estão empenhados em como Christopher Esber,
um inimigo que não passa ao seu atelier de pronto-a- fundos e apontar um holofote enche os pulmões, todos os ajudar na reconstrução desta Zimmermann, She Made Me,
lado de ninguém. Da queda -vestir, em Paris. Ao mesmo para a comunidade de Moda dias. Quando o mundo parou catedral extraordinária, símbolo Réalisation Par e Alex Perry
sentida pelo setor de luxo à tempo, a britânica Burberry norte-americana, impactada em frente aos seus telemóveis, da França, da sua herança e uniram forças para apoiar
sobrevivência duvidosa de transformava a sua fábrica pela crise da COVID-19, o computadores e televisores da sua união”, comunicou o bombeiros, comunidades
marcas independentes, das de gabardines num local para momento que atualmente para chorar o devastador conglomerado liderado por e organizações focadas na
lojas fechadas aos desfiles produzir equipamentos de passamos veio reforçar (ainda incêndio na Catedral de Notre- Bernard Arnault, que contribuiu proteção da vida animal.
cancelados, o futuro da Moda proteção para os pacientes que com um twist) aquilo o -Dame, que consumiu uma com 200 milhões de euros. Porque reconstruir o mundo
é verdadeiramente incerto. nos hospitais do Reino que Audrey Withers declarou parte considerável de um dos “Nesse meio tempo, o grupo também é isso mesmo:
Mas uma coisa é certa – este Unido, e a francesa Chanel nos anos 40. Apesar de tudo, símbolos mais proeminentes LVMH deixa a sua equipa – é mostrar empatia, união
momento ficará para a História começava a produzir a Moda continua. Apesar de Paris e do mundo no dia 15 incluindo criativos, arquitetos e solidariedade, é ajudar
como o momento em que a máscaras cirúrgicas para os de tudo, nós continuamos. de abril de 2019, a indústria da e financeiros – à disposição as pessoas a ajudar, é ter
indústria não baixou os braços hospitais do seu país. Num Aqui, unidos, prontos Moda não tardou a munir-se do Estado e das autoridades esperança num amanhã onde,
e usou todos os seus recursos momento em que somos para ajudar a construir. com todas as ajudas possíveis relevantes, de modo a oferecer todos juntos, podemos
English version para reconstruir um mundo um por todos e todos por E a reconstruir também. para reparar os danos. uma ajuda no longo trabalho fazer a diferença. l
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INVOGUE TENDÊNCIA
poderia estar mais longe daquele que, na década seguinte, viria a ser one-piece com padrão leopardo de Mel B
concebido pela designer norte-americana Vera Maxwell – em 1942, (circa Spice Girls, óbvio) injetaram uma
com as mulheres a substituírem os homens na força laboral devido dose de cultura pop à silhueta. Não foi
à guerra, a empresa Sperry Gyroscope pediu a Maxwell que criasse por acaso que, nos anos 80, o designer
um uniforme confortável e prático, capaz de resistir aos trabalhos norte-americano Geoffrey Beene definiu
pesados da indústria e fazer as mulheres sentirem-se atraentes nele. o jumpsuit como “o vestido de noite do
O resultado? O histórico Rosie the Riveter, um jumpsuit utilitário imor- próximo século”.
talizado pelo poster “We Can Do It!”. E se é certo que os jumpsuits come-
Apesar de hoje estar em todas as passerelles – podíamos correr o çaram a descer à terra eventualmen-
abecedário da Moda e encontrar um all-in-one em cada uma das suas te – será que podemos culpar o allure
letras –, o jumpsuit nem sempre foi a escolha mais óbvia, e muito confortável e prático do athleisure e do
menos a mais popular, quando chegava a hora de escolher o outfit of pajama dressing? –, há quem diga que foi
the day. Ou até mesmo o outfit of the night. Isto porque, fora do mun- 5 Nicolas Ghesquière quem, na primave-
do do desporto e do mundo laboral, que ra de 2002 e ao serviço da Balenciaga,
desde cedo apreciaram o quão prático, atualizou a silhueta e ressuscitou a ten-
confortável e funcional o all-in-one era, dência. Heróis à parte, a verdade é que o
a silhueta demorou algumas décadas a jumpsuit nunca deixou de estar ready for
levantar voo. Mas, assim que o fez, nunca take off – e a rota, essa, passa por uma
mais deixou de caminhar entre as estrelas versão em tweed assinada pela maison
– de Hollywood e mais além, claro. Das Chanel; por uma viagem pelos anos 70,
atrizes Katharine Hepburn e Janet Leigh, com direito a um fit cintado, uma perna à
que ajudaram a glamorizar os jumpsuits boca de sino e um verde menta vibrante,
elegantes e cintados durante a Era Dou- tudo cortesia Gucci; por uma paragem
rada do Cinema, passando pelos modelos obrigatória pela sustentabilidade utilitá-
altamente ornamentados de Elvis Presley, ria e descontraída de Stella McCartney;
a silhueta acabou por aterrar nas páginas pelo effortless de Isabel Marant; pelo ro-
1 da Vogue norte-americana – um one-piece 2 6 mântico de Valentino ou pelo über cool de
One-piece wonder
castanho, em malha jersey, criado por Guy Bottega Veneta, Fendi ou Marine Serre.
Laroche e fotografado por Irving Penn O love affair não fica por aqui, com nomes como Gigi Hadid, Victoria
para a edição de setembro de 1964 –, os Beckham, Kendall Jenner, Rihanna, Emma Stone, Beyoncé e Solange
anos 50 e 60 foram uma verdadeira ram- Knowles (acreditamos que toda a gente se lembra do one-piece creme
pa de lançamento para o jumpsuit, trans- com assinatura Stéphane Rolland usado pela cantora quando deu
formando-o num verdadeiro statement o nó em 2018) a manterem a tendência bem unida. Tudo isto com
Ao contrário daqueles one-hit wonders que ficaram escondidos de estilo. Quando a década de 70 virou a uma mãozinha amiga do street style, claro, onde o all-in-one é avistado
e esquecidos no fundo dos nossos guarda-roupas, os jumpsuits esquina, o all-in-one (fosse na sua versão de estação para estação, com o mesmo espírito prático, funcional
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INVOGUE MODA
Ombro amigo
É nos piores momentos que mais se revelam as verdadeiras amizades.
Que mais se exige o apoio mútuo, o impulso animador, um ombro no
qual chorar. Por isso, aposte-se nas mangas em balão, nas clavículas
desnudas, nos materiais sumptuosos que absorvem lágrimas e
nos tecidos que resistem ao trabalho árduo, mesmo quando se
trata da mais frágil das transparências. Da queda livre em silhuetas
esvoaçantes ao sucesso final em purpurinas, regressar à normalidade
vai exigir tudo de nós, enquanto comunidade – e também pede
um guarda-roupa à altura. Fotografia de Elena Bofill. Styling de Patrycja Juraszczyk.
Colete em algodão, vestido em chiffon de seda e pele e cinto em pele, tudo SPORTMAX.
English version
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INVOGUE MODA INVOGUE MODA
Vestido em malha metálica e cristais, e camisa em chiffon de seda, ambos ANA LOCKING. Na página ao lado: trench coat em algodão
e camisola em malha de algodão, saia em crepe de seda e botas em tela de algodão e pele, tudo MAX MARA. Brincos em ouro, DAIXA SOMED.
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INVOGUE MODA
Casaco em linho e seda, EMPORIO ARMANI. Chapéu em ráfia, PARDO HATS. Sandálias em pele e PVC, BAAL BOMBER.
Na página ao lado: vestido em crepe de seda e lurex e brincos em metal e cristais, ambos CHANEL.
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INVOGUE MODA
Vestido em lamé de seda, ALFREDO MARTINEZ. Na página ao lado: top e calças em renda e organza de seda e pele, ambos MIETIS.
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INVOGUE MODA INVOGUE MODA
Body em algodão e cetim de seda, ANA LOCKING. Na página ao lado: casaco em linho e seda, EMPORIO ARMANI.
Chapéu em ráfia, PARDO HATS. Sandálias em pele e PVC, BAAL BOMBER.
Modelo: Anais Garnier @ View Management. Cabelos e maquilhagem: Oliva com produtos Kérastase Oficial e Christian Dior.
Assistente de fotografia: Juan Carlos Cuellas. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
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INVOGUE PERFIL
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LIFE
REALIZAÇÃO: ANA CARACOL. ARTWORK: JOÃO OLIVEIRA.
STYLE
ARTES
LIVING
DESIGN
Cadeira Olympia em veludo de algodão e latão,
a partir de € 1.500, Munna & Ginger & Jagger.
LIFESTYLE ROTEIRO
O que ver, o que ler, o que fazer. Por Ana Murcho e Sara Andrade.
podem alertar a forma como entendemos, e enfrentamos, a adversidade. Na impossibilidade de sair à rua
Estas são algumas propostas para ter por perto, agora e sempre. como antigamente, as redes sociais
são o escape óbvio a um café, uma
ida ao cinema ou uma visita a uma
HOMO DEUS - REASONS TO STAY
exposição. É precisamente aí que
BRIEF HISTORY ALIVE, de Matt Haig, entra o Covid Art Museum, uma
OF TOMORROW, Canongate Book
de Yuval Noah (2015), € 17,50. conta de Instagram totalmente @martabevacqua @teachr1 @the_inflatable_balloon
Harari, Harper
(2017), € 13,65.
dedicada à arte em tempos de cólera.
É, muito provavelmente, o primeiro museu
nascido em período de quarentena. Não tem
existência física, nem teria sentido que assim
fosse quando metade do mundo ainda está sob
fortes medidas de distanciamento social, mas
existe nesse universo onde tudo dura ad eternum:
na Internet. Chama-se Covid Art Museum e,
@maison_hefner @mayteoliva @roysmithlogo
nos primeiros dias de maio, data de fecho desta
edição, tinha mais de 67 mil seguidores – um
número que cresce a cada sessenta minutos, não
fosse o @covidartmuseum uma das novidades
AI XUAN: FOR A culturais mais refrescantes dos últimos meses.
THE BOOK WITH NO SILENT DREAMLAND
PICTURES, de B. J. FROM A MASTER’S Quando a maior parte das notícias relacionadas
Novak, Dial Books HEART, de Ai Xuan, com o novo coronavírus tem um caráter
(2014), € 18,66. Rizzoli (2019), € 77.
negativo, é uma lufada de ar fresco ver uma
galeria aberta a todos que pretendem encarar
a pandemia de uma outra forma – do ponto de @guadalupecaceres @rafael_jimenez_reyes @carolninagarcia
HOLD MY HAND:
WISE WORDS
FOR MOTHERS
FOTOGRAFIA: D.R.
AND DAUGHTERS
THE TESTAMENTS, EVERYWHERE,
de Margaret Atwood, editado por Antje
Vintage Publishing Southern, Rizzoli
(2019), € 23. (2020), € 14. English version
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LIFESTYLE ROTEIRO
WE ARE WORLDWIDE
é o primeiro disco de originais dos Três Tristes Tigres
desde 1998, ou seja, desde que o mundo, e a música
portuguesa, eram muito diferentes do que são agora.
Alexandre Soares (ex-GNR) e Ana Deus (ex-Ban) tiveram
tempo mais do que suficiente para refletir em que moldes
queriam voltar à arena principal das canções – onde, de
resto, sempre se mexeram com uma certa liberdade.
Agora são ainda mais livres, e misturam a poesia de
antigamente com sintetizadores modulares e samplers
granulares que compõem um som mais cheio, mais intenso.
Um som que grita mais futuro, à mínima luz.
Quinta de Ventozelo
Esta quinta que se ergue no coração do Alto Douro Vinhateiro, entre o Pinhão e
Ervedosa do Douro, não podia ser resposta melhor para espairecer longe de multidões.
Os 29 quartos que compõem a totalidade do alojamento estão distribuídos em sete
edificações – com nomes tão convidativos como Casa Romântica, Casa do Laranjal e…
Balões? – e os arredores estendem-se por quilómetros habitados apenas por vinhas,
que ocupam 200 dos 400 hectares da Quinta de Ventozelo e que incitam a caminhadas
e passeios pela natureza. Uma das maiores e mais antigas Quintas do Douro (já conta
com mais de 500 anos de existência), foi só em setembro de 2019 que o Ventozelo
abriu portas ao enoturismo e hotelaria. Aqui, a quarentena é encorajada em quartos
que apelam ao descanso, neste “quintal” que cumpre as normas do distanciamento
social e onde se inclui uma piscina para afogar mágoas, espreguiçadeiras para esquecer
problemas, mercearia com produtos da Quinta e da região,
para não perder os hábitos alimentares do confinamento, e
um restaurante com esplanada para não perder o gosto pela
FOTOGRAFIA: LUÍS FERRAZ.
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LIFESTYLE ROTEIRO
Companhia das
Culturas
Este Ecoturismo Sustentável e Orgânico (foco
no sustentável e orgânico), no extremo sueste
do Algarve, vizinho da Reserva Natural de Castro
Marim, não é novo, mas é um favorito. Os 40
hectares de pinheiro manso, cortiça e alfarroba,
damasco e figo, oliveira e laranjeira servem de
cenário para os apenas seis quartos e três suites
erguidos a cal, cimento afagado, madeira e cortiça.
Todos diferentes, todos incitando ao descanso e a
um regresso a uma vida plena, mas mais simples – alguns têm, inclusive, pátios exteriores que
convidam à reclusão em espaço aberto. As áreas verdes circundantes encorajam a exploração,
e fazê-lo com os anfitriões Eglantina Monteiro e Francisco Palma Dias é adicionar uma camada
extra de privilégio: os conhecimentos e paixão com que partilham histórias locais vai fazê-la
sentir-se mais próxima daquela terra, daquele sul, daquela carismática dupla, sem infringir
o distanciamento social aconselhado. Se ainda assim precisar de incrementar os metros de
distância, a 1,5 km fica a Praia Verde e, a 4 km, a vila histórica de Castro Marim. Aconselhamos
FOTOGRAFIA: D.R.
vivamente a que não vá tão longe. Atravessar a rua é tudo o que precisa para chegar ao
Haman, para um banho salutar ou uma massagem, e à Cork Box, um espaço revestido
a cortiça para momentos de meditação, por exemplo. Tanta coisa e tão pouco tempo?
Aqui, o tempo passa mais devagar e sem multidões. Mais informações em companhiadasculturas.com.
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LIFESTYLE GOURMET
Um Monstro
Maria Antonieta a caminho da guilhotina, porque temos um pijama
cheio de estilo e, finalmente, abrimos a porta do eletrodoméstico
do inferno. A luz que dele emana ilumina a nossa expressão de puro
na Cozinha
horror. Há morangos, iogurtes líquidos, um quadrado de queijo do
ruminante fêmea que ri, até a sopa de legumes sem batata que é só
preciso requentar em lume brando. Os nossos olhos, muito abertos
de pavor, veem tudo isto. Mas a nossa vontade, indomável e bestial,
As últimas semanas foram de confinamento. Um confinamento, sublinhe- aponta-nos a mão, que não controlamos, para uma enorme taça de
mousse de manga, feita de véspera para substituir a mousse de cho-
se, demasiado intenso. Durante esse tempo, o monstro decidiu sair colate da semana passada, porque pensámos “ao menos sempre é
sorrateiramente de debaixo da cama e caminhar em pezinhos de lã até à fruta”. Mas já que estamos ali, ainda vem, agarrada como um íman,
uma tablete de chocolate branco, sem que ninguém pergunte “mas
cozinha. Chama-se frigorífico, tem fortes aliados no armário das bolachas como é que isto veio aqui parar?” ou “mas que espécie de gente guarda
e sem um exorcismo de exercício físico diário não vamos lá! Por Nuno Miguel Dias. chocolate branco no frigorífico?”.
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LIFESTYLE GOURMET
é, num fogão de quatro bicos, ter o bife pronto, molho incluído, ao ara além da saúde do corpo, estes são TV. Onde está a TV estão os nossos filhos! É suposto criar uma cerca
mesmo tempo que o ovo estrelado e o arroz branco, sem que nada tempos de zelar pela nossa saúde mental. em volta? “Crie uma rotina para si e para os seus filhos.” Ah tá. Os
arrefeça ou perca um ar minimamente apetitoso. Há certas coisas que Que sofre, como se sabe, agressões con- maiores especialistas em quebrar rotinas, que são os nossos petizes,
só dão satisfação num restaurante. Até o bacalhau cozido com grão tinuadas desde que entrámos em casa para sairmos vão acatá-la agora, de livre vontade, só porque eu estou a trabalhar
de bico não é, nem por sombras, a mesma coisa. Mas isso não impede apenas “quando o rei faz anos”. Muitos de nós em casa, como se deixassem, de um momento para o outro, de exigir
que o tentemos. E tentemos outra vez, em busca de uma saciedade ficámos sem trabalho. Ou com horário reduzido toda a atenção que não compreenderão se não tiverem, já que uma
que não chega. Ali, ao fundo, geralmente no WC, está a salvação. Por e remuneração a refleti-lo da pior forma. Alguns coisa é terem os pais a trabalhar no seu escritório, outra é terem-nos
si só, a balança de nada servirá. É apenas a tomada de consciência ficaram em regime de teletrabalho. Sortudos, dirão aqui, à sua frente, mas a ignorá-los (ou pelo menos a tentar). “Moni-
que dará origem à busca pela redenção. Que, não desanimemos, chega alguns. Blasfémia, dirá quem tem de dividir aquele torize o tempo que passam em frente aos monitores.” Caríssimos,
sempre, dependendo da persistência. que é agora o seu escritório com um ou dois fede- os monitores são a nossa salvação! Sem eles, estamos condenados!
Deve ser por tudo isto que temos visto runners e joggers com um lhos que ensandecem à medida que o confinamento “Esteja focado e evite distrações.” Eh pá, a sério. Isto é a gozar, cer-
anormal perímetro abdominal. Anormal para runners e joggers, claro. se prolonga. Saltos, piruetas, gritinhos, correria, to? Eis que chega aquela hora de comunhão, a paz assenta sobre o
Há duas hipóteses: a) nem os desportistas escapam à voracidade pinotes, cabriolas, brigas, disputas, voam almo- agregado familiar com os aromas vindos dos tachos (ou devia, mas
que o isolamento social trouxe; b) há gente que anda a aproveitar a fadas, volteiam brinquedos, os canais infantis em na realidade há um chorrilho de perguntas: “O que é o jantar, mãe?”
“permissão” de saída de casa para a prática de desporto para levar a altos berros, a desordem, o mais puro caos no seu e “Cheira tão bem mãe, isso é aquela comida que eu gosto muito,
cabo aquilo que nunca na vida tinha feito. Não é muito difícil distin- epítome, tudo menos um ambiente que promova mãe?” ou pior: “Ervilhas? Não gosto de ervilhas” e “Não vou comer
ntretanto, o demoníaco Ariston (ou SMEG) conta com pode- gui-los. Topam-se a léguas. De qualquer forma, é louvável que haja um trabalho minimamente produtivo. E tudo isto nada disso, quero antes cereais”). Depois, todo o clã sentado à mesa,
rosos aliados. Estão encerrados no armário das bolachas, à uma consciencialização de um dos muitos efeitos nefastos deste antes das aulas (virtuais) terem tido início. Com engalfinham-se as ricas criancinhas numa food fight épica, com batatas
espera que a maldição seja cumprida e possam assim levar confinamento. Mesmo que se fique em casa, é por demais conveniente o começo da telescola, quando não pensávamos fritas arremessadas com vigor, depois de uma troca de galhardetes
a cabo a única função a que estão destinados, ampliar o perímetro mexermo-nos, o mais possível. Mesmo que não vejamos quaisquer que as coisas pudessem ficar piores, o destino sobre a Nancy Lacinhos Coloridos. Já os pais desentendem-se porque
abdominal do hospedeiro. Há biscoitos com e sem pepitas, tipo brownie, resultados práticos, o corpo sente-o. E ficamos livres para poder prega-nos a mais baixa e humilhante infâmia. São um deles desautoriza o outro. Ou porque é demasiado permissivo. Ou
com recheio de cremes vários e geleias imensas, mas também há cometer mais um ou outro excesso. Que não deve ser cometido. Sob as conference calls que têm de ser adiadas mediante porque é demasiado ríspido. Ou porque sim. E todo o ambiente que
pacotes de batatas fritas para “comer enquanto vejo filmes”, sabor nenhuma circunstância. Segundo a Direção Geral de Saúde, uma os horários dos meninos, parar o nosso trabalho deveria ser de concórdia, sintonia, harmonia e convergência torna
presunto, camponesas e ketchup, consoante os filmes sejam comédias equilibrada dieta em isolamento, mesmo que em teletrabalho, consiste para tentar mil usernames nas apps que são dispo- tudo ainda mais pesado. Sonhamos com o tempo em que podíamos
românticas, thrillers ou musicais, respetivamente. Por cima destes, num consumo de sopa de hortícolas ao almoço e ao jantar e, por dia, nibilizadas pelo Ministério da Educação, controlar dar cabo de uma travessa de lagartinhos à mesa de um restaurante,
os livros de receitas da nossa avó que trouxemos no enxoval (esta três peças de fruta e dois litros de água (ou oito copos). Deverá ser o email da turma para que possamos ter a certeza ou mesmo de uns bifinhos com champignons com um tinto rasca. Não
palavra ainda existe?) e ainda os livros de cozinha que comprámos tempo de voltar a valorizar as leguminosas como feijão e grão, para de que os meninos não estão a tentar passar-nos sabemos lá muito bem como é que foi possível que tudo mudasse
conforme as paixões dos diversos momentos da vida, da viagem à Índia além de ervilhas e favas (é tempo delas e não necessita de consumir a perna, verificar que as tarefas estão todas feitas, para tão pior em tão pouco tempo. Pior ainda, não sabemos quando
àquela ida ao restaurante de um grande chef. Possessos que estamos, as enlatadas, que sorte). Proibidos estão os snacks com excesso de prestar toda a ajuda na resolução dos problemas de é que tudo voltará à normalidade. Certezas, só uma: uma normalidade
damos início a um périplo de pratos que nunca antes tivemos tempo açúcar, sal e baixo valor nutricional, ou seja, precisamente aquilo que uma matemática que já nos é tão estranha como a relativa não chega. Tudo isto terá de ser, brevemente, uma memória
de confecionar, dado o grau de dificuldade, de impossíveis vindaloos andamos com ganas de comer. professora que nos lecionou a outra, a nossa, com malfadada. Mas e se não for? ●
a pudim abade de Priscos, passando por ra- “dois números na casinha” nas operações de divisão. Acomete-nos
violis com massa que nós próprios esticamos um pensamento que nunca tivemos ser possível: “Tenho saudades de
em máquina própria. A esta fome insaciável ir para o trabalho”, o que inclui o percurso de transportes públicos
junta-se a vontade de voltar a comer num res- ou, pior ainda, um engarrafamento de pelo menos uma hora fechados
taurante – lembram-se, quando nos sentáva- no carro, o Nilton a repetir a mesma piada há quinze dias como única
mos, pedíamos a lista, hesitávamos entre os TODO O CLÃ SENTADO À MESA, companhia. Num dia de chuva. Mas tudo é preferível a “isto”.
jaquinzinhos e as pataniscas, degustávamos ENGALFINHAM-SE AS RICAS Procuramos auxílio. Desta feita, a Direção Geral de Saúde não
um bom vinho e guardávamos a última pinga CRIANCINHAS NUMA FOOD FIGHT ÉPICA, pensou em nós. Os sites mais generalistas dão contas de opções que
para depois da sobremesa? Juramos vingança COM BATATAS FRITAS ARREMESSADAS são tudo menos opções, em artigos que decerto foram escritos por
e prometemos que, assim que possível, vamos COM VIGOR, DEPOIS DE UMA TROCA alguém que não só não tem filhos como não deseja tê-los tão ce-
pedir um farto bitoque com tudo e mais alguma DE GALHARDETES SOBRE A NANCY do. “Combine com alguém que possa ficar com eles.” Como assim?
LACINHOS COLORIDOS. JÁ OS PAIS
coisa, incluindo os ridículos pickles em volta do Sim, assim mesmo: “Procure o auxílio de um vizinho ou familiares
DESENTENDEM-SE PORQUE UM DELES
prato (para quê, meu Deus, para quê?), depois DESAUTORIZA O OUTRO. OU PORQUE próximos, como a avó.” Mas então não era precisamente isso que
lembramo-nos “mas porque não fazê-lo em É DEMASIADO PERMISSIVO. OU PORQUE devíamos evitar, desde o início, o contacto com idosos? “Crie o seu
casa” e é aí que descobrimos a dificuldade que É DEMASIADO RÍSPIDO. OU PORQUE SIM. espaço de trabalho” Como assim? Só há a sala. A sala é onde está a English version
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LIFESTYLE TENDÊNCIA
Hello from
the other side
Nos dias que correm, a arte de socializar não podia ser mais
diferente do brunch semanal de Sex and the City, dos encontros
diários (regados a café, discussão e gargalhadas) de Friends
ou dos jantares caóticos de Girls. Em pleno distanciamento social,
como é que mantemos vivo o sentimento de união? Por Mónica Bozinoski.
BAIXA
s restaurantes estão fechados, os bares estão trancados
e as esplanadas estão encerradas. O cinema não tem es-
pectadores, o teatro não tem plateia e a noite de jazz não
tem palmas calorosas. As mensagens deixaram de ser
encontros no sítio do costume, os telefonemas deixaram
de ser convites para um jantar lá em casa e as notificações
deixaram de nos avisar que o Uber está à nossa espera. A
Netflix parece não ter fim à vista, o Instagram assemelha-
-se a um poço sem fundo e o Tinder só nos leva até certo
ponto – e esse ponto não é assim tão longe. Na verdade, contínuas. “O distanciamento intermitente pode
não é longe de todo. Podíamos go on and on sobre todas ser necessário até 2022, a menos que a capacidade
as formas como as normas de distanciamento social – o ato físico de dos cuidados intensivos seja substancialmente
mantermos uma distância de pelo menos dois metros relativamente aumentada ou um tratamento ou vacina esteja
a outras pessoas, de não nos reunirmos em grupos e de evitarmos disponível”, defendem os autores. Esta ideia de um
as praticamente extintas multidões – vieram mudar por completo o distanciamento prolongado, ainda que com uma
modo como nos relacionamos com familiares, amigos, colegas e desco- espécie de switch para ligar e desligar as restrições,
nhecidos, mas imaginamos que este episódio de Black Mirror (perdão, cria um cenário um tanto assustador nas nossas
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LIFESTYLE TENDÊNCIA
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LIFESTYLE PORTEFÓLIO
Times of Change
United we stand
Da cabeça de Rob Woodcox saem algumas das imagens mais sublimes e inesperadas
que temos visto nos últimos tempos. Os seus corpos de luz simbolizam
a esperança de uma humanidade que, apesar de confrontada com inúmeras
batalhas, nunca desiste perante a possibilidade de se reinventar. Por Ana Murcho.
The Mountain
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LIFESTYLE PORTEFÓLIO
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LIFESTYLE PORTEFÓLIO
o final do ano passado, Rob Woodcox lançou Bodies Of comentou que as minhas fotos o ajudaram a permanecer vivo por
Light, um coffee table book de 172 páginas que é, na verda- causa de uma depressão profunda. Provocar uma reação é inevitável
de, uma compilação dos seus primeiros dez anos como na maioria das artes, mas quando o meu trabalho leva as pessoas a
fotógrafo profissional – e onde se encontram, além de pensar profundamente, esse é o efeito final.
dezenas de imagens inesquecíveis que entram pelos olhos Tem uma estética bastante diferente da maioria dos fotógrafos.
dentro sem pedir licença, várias colaborações com outros O que o inspira? Como descreveria o seu trabalho? Descreve-
artistas, algo que tem marcado a carreira deste criativo ria o meu trabalho como sendo um surrealismo realista, inspirado
cuja imaginação não conhece limites. Atualmente a viver pelos famosos artistas surrealistas do século XX, pela natureza, e
entre Nova Iorque, Los Angeles e a Cidade do México, impulsionado pelas minhas próprias experiências pessoais e deva-
Woodcox conversou com a Vogue sobre o fascínio pelas neios. Algumas inspirações principais são René Magritte, Leonora
formas humanas e geológicas, algo transversal a todo Carrington, Salvador Dalí, Frida Kahlo, Richard Avedon e Tim Walker.
o seu percurso, e sobre a importância de marcar a diferença num O seu site oficial menciona uma série de preocupações com
mundo onde, garante, todas as nossas escolhas, até as mais simples, minorias e com a importância de “fazer ouvir certas vozes.”
são decisões políticas. Considera-se um ativista? Acredito que qualquer estilo de vida
O que é que, numa primeira instância, o atraiu na fotografia? que vá contra a norma seja político e, se forem tomadas medidas
A capacidade de transcrever as ideias surreais que tenho na minha específicas para promover mudanças políticas ou sociais, poderás
cabeça de maneira realista foi o que originalmente me atraiu para ser considerado um ativista; nesse sentido, sim, considerar-me-ia um
a fotografia. Sempre tive uma imaginação ativa; nunca deixei isso ativista. Sinto que a maneira como expressamos os nossos corpos,
morrer quando fiquei mais velho e fiquei fascinado com a possibili- identidades e crenças deve ser completamente livre, de acordo com
dade de materializar ideias usando uma câmara e compondo cenas. os nossos próprios critérios, e ditada por mais ninguém. Mesmo
A fotografia é onde ativo a minha criança interior e onde permito escolhas simples da vida, como apoiar o local em vez do corporativo,
que a criatividade fale através de mim como uma linguagem natural. ou ser um artista e trabalhar para si mesmo,
A nudez é uma constante no seu trabalho. Existe algum mo- ou optar vestir de maneira diferente, apesar
tivo especial para isso acontecer? Por outro lado, como é o das normas sociais, são decisões políticas que
processo de composição destas imagens? A nudez é a expressão contribuem para o ativismo e a progressão da
humana mais vulnerável; num momento em que as conversas sobre sociedade. Crio ativamente grupos de traba-
identidade estão a mudar, de género, raça, sexualidade, habilidades lho que falam sobre assuntos pelos quais sou
físicas variadas, e muito mais, acredito que trazer de volta para a arte apaixonado, como uma tentativa de contribuir
a forma humana natural é importante e impressionante. Não devemos para os movimentos que apoio.
ter medo de amar e abraçar os nossos corpos como são, deixando Um dos temas-chave desta edição é o
de lado todos os estereótipos e padrões. Trabalho em estreita cola- conceito de união. Quão importante é
boração com modelos e dançarinos, promovendo um espaço seguro estarmos unidos? A comunidade é o pilar
para criar composições únicas e enviar uma mensagem ao público. da minha existência, não estaria a fazer o meu
Normalmente, tenho a composição em mente semanas ou meses antes trabalho sem o apoio de uma enorme rede
das filmagens e colaboro com instrutores de dança para escolher os familiar de colegas criativos. Só quando des-
indivíduos com base na suas capacidades e aptidões. A coreografia cobri outras pessoas como eu é que fui capaz
final é alcançada através de um esforço comunitário que transcende de abraçar a minha identidade como indivíduo
a expressão individual para criar uma conexão mais universal. Todas queer, artista, ativista. Existe realmente uma
as minhas fotos são tiradas em tempo real no local e algumas envol- força nos números, e acredito que as gerações
vem a combinação de várias fotografias para criar a obra-prima final. mais jovens anseiam por uma sociedade mais
Que tipo de reação pretende provocar com as suas fotogra- inclusiva e educada. Acredito que agora é a
fias? As pessoas expressaram um sentimento de choque, admiração, hora de reavaliar o que achamos que sabemos
emoção e alegria quando viram as minhas fotos. Aprecio a grande sobre o mundo e ouvir pessoas de diferentes
variedade de emoções que a minha arte é capaz de evocar; como as origens. Somos todos uma parte importante
pessoas respondem às minhas fotografias geralmente depende do da equação que cria um mundo bonito e sus-
que elas já estão a experimentar. Muitas pessoas expressam paz ou tentável. Com todas as nossas experiências
contemplação, outras dizem que é como se eu estivesse a ler as suas combinadas, podemos construir o futuro mais
mentes e a dizer algo que elas estavam a pensar, e uma vez alguém brilhante que a raça humana já viveu. ●
The Portal
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LIFESTYLE ANÁLISE
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LIFESTYLE ANÁLISE
conectados. “Às vezes aproveito estas coisas com um namorado; às O HUMOR É DAS POUCAS COISAS no conforto do lar, com os nossos amigos? – e está feito o refogado
vezes aproveito-as com amigos. Sozinha, sempre posso socializar a QUE NOS RESTA, AGORA QUE perfeito para uma de muitas soirées passadas no sofá da sala.
partir do meu cubículo – no Instagram, Twitter, Facebook, Tinder, ESTAMOS CONFINADOS À Como em tudo o que é fenómeno pós-moderno, este paradigma pode
LIBERDADE DEMASIADO ESTREITA
Snapchat. Todas essas plataformas têm uma maneira de trazer à tona DAS NOSSAS QUATRO PAREDES. ou não estar ligado à recente vaga de introvertidos não-tão-anónimos,
o pior das pessoas, é verdade, mas também o têm os bares às duas MAS... E SE GRANDE PARTE DE NÓS leia-se, de pessoas socialmente awkward que perderam a vergonha
da manhã.” E, convenhamos, com tudo o que sabemos agora, e por JÁ PASSASSE BOA PARTE DO TEMPO de se assumir tal qual são e que passaram a gritar, alto e bom som,
agora leia-se “agora que estamos entre os 30 e os 40, e que a ideia DENTRO DESSAS QUATRO PAREDES? que não têm assim tanto jeito para lidar com... pessoas. São eles que,
do forever young nos parece cada vez mais difícil de pôr em prática, SE ISSO FOSSE VERDADE, O QUE É muitas vezes, estão na origem dos memes com que abrimos este texto
por mais que nos custe”, ainda há saco para ir para bares às duas da QUE ISSO DIZIA DA NOSSA FORMA – será a autora destas linhas uma introvert encapuzada? Bom, isso não
DE ESTAR, DOS NOSSOS HÁBITOS,
manhã? Não há. Foi assim que chegámos a 2020, o ano onde metade é para aqui chamado. Seria precoce querer definir alguém com base
NO FUNDO, O QUE É QUE ISSO DIZIA
do planeta quer urgentemente sair de casa, e a outra metade também DE NÓS, ENQUANTO GERAÇÃO? nas suas aparentemente reduzidas capacidades de socialização – mas
quer – para logo a seguir voltar (a correr) para casa. também não é menos razoável cair no erro de confundir timidez com
Uns meses e milhares de tweets depois, chegaram as primeiras introversão. As bases destas teorias de personalidade, popularizadas
sequelas à descoberta de Young. A primeira assumiu proporções por Carl Jung, são complexas o suficiente para merecerem discussão
virais. Tinha como título Millennials don’t deserve NYC e saiu a oito (alguém o fará por nós, em local adequado), por isso é bom lembrar
de junho de 2016 no diário New York Post, onde os nascidos entre as palavras do psicólogo no que diz respeito a essa zona cinzenta
os atentados do 11 de setembro e a crise financeira mundial eram que fica entre quem está num extremo e noutro: “Não existe alguém
acusados de serem “a melhor geração… de pessoal enfiado no sofá"; puramente introvertido ou extrovertido. Tal pessoa estaria internada
s Staying In The New Going Out?” Era assim, com uma pergunta, que a segunda foi publicada na edição americana da Vice, no dia 12 do direta – como a presença de um DJ de renome ou a festa de aniversário num manicómio”. Daí que faça mais sentido assumir que a explosão
começava o artigo do The New York Times, publicado em abril de mesmo mês, intitulava-se Millennials have discovered going out sucks, e de um amigo. E se é possível afirmar com alguma certeza que parte na partilha deste traço comum, desta particularidade, seja mais um
2016, um dos primeiros a detetar o problema – ou a tendência, de- sumarizava a coisa da seguinte forma: “os jovens são os novos velhos.” destas mudanças se deve a uma maior tomada de consciência com os sinal dos tempos do que a auscultação de uma patologia crónica.
pende de como abordamos a questão. “Há anos atrás, os meus colegas Partilhados até à exaustão, estes artigos recebiam o selo de aprovação efeitos menos bons, para não escrever nocivos, que as antigas formas Habituámo-nos a partilhar as nossas fotos, os nossos medos, seria
de trabalho e eu partilhávamos os pontos altos de atividades urbanas de leitores (de quase todas as faixas etárias, e isso não deixa de ser de socialização tinham na saúde de cada um de nós – deixar as ruas apenas uma questão de tempo até partilharmos as nossas manias:
ambiciosas antes de abrirmos os nossos laptops e de nos servirmos de curioso), que se reviam na necessidade de usar o fim de semana para do Bairro Alto às seis da manhã, três noites por semana, provoca gostamos de estar na rua, sim, só que também gostamos de ficar em
um copo alto e refrescante de trabalho. [...] Atualmente, responde- não fazer rigorosamente nada – sem se sentirem culpados por isso. danos colaterais que se sentem na pele, qualquer um de nós que o fez casa, principalmente quando não somos obrigados a ficar em casa;
mos à pergunta com um olhar de amnésia confusa. Fizemos alguma Em menos de nada, empresas de consultoria arregaçaram as mangas pode mostrá-lo numa selfie com má iluminação – não há como fugir à pode ser espetacular ficarmos colados ao sofá 48 horas seguidas,
coisa? ‘Na verdade não’, dizemos. ‘Foi muito tranquilo.’ Franzimos as e montaram sondagens megalómanas para traduzirem tudo isto em influência, nos últimos anos, de uma série de correntes que apregoam em modo zombie, mas esse sofá só nos fascina porque podemos, a
sobrancelhas tentando lembrar-nos dos principais eventos, mas nada números. Os resultados foram claros: entre 73% a 75% dos millennials uma maior consciencialização do eu: práticas como o wellness, o mind- qualquer altura, abandoná-lo, sair dele; é simpático termos momentos
vem à mente. É como se os últimos dois dias tivessem desaparecido prefere ficar em casa ao invés de “sair à noite.” Isto não significa que fulness, o esoterismo, bem como o tempo, cada vez maior, dedicado à de paz e reflexão, sem ninguém por perto – precisamos disso como
num borrão narcotizado e indiferente. Um apagão de lazer. Ainda nos estes jovens adultos deixaram de socializar. Apenas o fazem de forma realização de algum tipo de atividade física, ajudam a entender que o precisamos de ar – e contudo não é preciso ser cientista para saber que
divertimos – provavelmente? –, simplesmente não sabemos como diferente. Muitos preferem “sair” apenas em momentos especiais e, flâneur de outros tempos, que se deixava seduzir pelo affair constante esses momentos perdem a sua razão de ser se não existirem pessoas,
aconteceu.” Molly Young, a jornalista que assinava o texto, enumerava quando o fazem, optam por sítios culturais, como cinemas e teatros, das surpresas que encontrava no seu deambular pelas ruas, já não se não existir contacto com o outro. A diferença abismal entre uma
as razões para tal dormência, ao mesmo tempo que fazia uma espécie ou restaurantes. As discotecas, que até ao final dos anos 2000 eram tem lugar na realidade de hoje. Tudo isto muito bem misturado no coisa e outra reside na possibilidade de escolhermos o que fazer - o
de mea culpa: “O motivo é óbvio: nós já não saímos. E porque é que o destino de eleição no roteiro de qualquer fim de semana digno de caldeirão de uma economia instável, que ensinou aos mais novos o tal livre arbítrio que permeia todas as nossas decisões. É por isso que
o faríamos, quando o fascínio de ficar em casa atingiu proporções nota, começam a ser substituídas pela turma do Netflix and chill – que valor do dinheiro de uma forma que não conseguiu incutir aos seus propomos, desde já, uma reformulação desta tendência: staying in is
irresistíveis? Porquê arriscar um restaurante quando podemos pedir saboreia o JOMO, ou joy of missing out. As noitadas são cada vez mais progenitores – para quê gastar seis euros numa cerveja no bar da the new going out – after going out. Ou, se quiser, uma espécie de “vou
nhoque pré-cozido ou um refogado da Blue Apron [referência a um raras, e guardam-se para eventos que merecem o esforço de uma moda, se podemos pagar um euro por ela no supermercado e bebê-la ali e já venho.” Em todo o caso, o importante é ir. Depois logo se vê. l
serviço americano de kits de refeições com ingredientes e receitas]?
Porquê ir a um bar quando podemos fazer swipe right [termo associa-
do às aplicações de encontros, que subentende um match com outra
pessoa]? Porquê ir a uma leitura quando podemos fazer o download
de um podcast? Porquê pagar 15 dólares para assistir a uma reedição
da Marvel nos cinemas quando o mundo do conteúdo premium de
streaming está ao nosso alcance? Comida, entretenimento, romance:
os alimentos básicos de fim de semana estão agora disponíveis sob
pedido. A força centrípeta das nossas casas nunca foi tão forte.”
Nada disto significa que estamos sozinhos, isolados, tomados pela
solidão, relembrava a autora, porque afinal de contas em quase todas
estas movimentações caseiras nos mantemos permanentemente English version
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De Portugal para o mundo. É este o trajeto que, mês após mês, “A liberdade em 2020 vai ser conhecida assim: confinada.”
a Vogue Portugal traça. A nossa edição Freedom on Hold chegou Foi deste modo que, em abril, lhe apresentámos um mundo
a praticamente todo o globo, e de todo o globo recebemos separado pelas medidas de distanciamento social. Mas o medo
reinterpretações de uma das nossas capas. Ilustrações, montagens, nunca nos travou. Nem aos nossos leitores, que recriaram uma capa
pinturas, bordados e um sem fim de visões artísticas refrescantes. que ficará na história. E que será sempre símbolo de amor total.
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ANÁLISE
(2)
“1 sérum vendido a cada
BELEZA COMUNICADO 30 segundos no mundo.” (3)
EM FARMÁCIAS
CAUDALIE
“PARECE HAVER UMA PRESSÃO mais baixa e, perante tantas incertezas económicas, não creio que
VINOPERFECT
PARA TERMOS SEXO, PARA SERMOS
PRODUTIVOS, PARA CONTINUARMOS
A FAZER TUDO... NÃO HÁ QUALQUER
as pessoas sintam desejo de aumentar a família”, diz a sexóloga.
Apesar de os quarantine babies estarem fora da equação, a incerteza celebra 15 anos de eficácia
contra as manchas!
desta situação continua a ser tão real hoje como era ontem. Ainda
PROBLEMA SE DURANTE ESTA assim, acredita Cátia Oliveira, é possível utilizarmos este tempo para
FASE NÃO ACONTECER”. VÂNIA BELIZ
melhorar a nossa sexualidade e intimidade, tanto com um parceiro
como individualmente. “Numa era onde a sexualidade se tem vivido Um sérum de culto
de forma redutora e com padrões de exigência irrealistas, este é um Incontornável do dia-a-dia, o Sérum Luminosidade
bom momento para se investir no erotismo, na diversificação dos Antimanchas Vinoperfect é naturalmente eficaz contra as
comportamentos sexuais, no aprofundamento da comunicação com
manchas graças ao seu ativo de origem natural exclusivo e
o outro, bem como num aprofundamento dos níveis de autoconhe-
cimento e redefinição de como desejamos viver a nossa sexualidade
patenteado: a Viniferina. Obtido da seiva da videira, é uma das
e intimidade”, defende. Na opinião de Stuart Nugent, brand manager moléculas mais eficazes e naturais contra a hiperpigmentação:
da Lelo, “se existir algo de bom a emergir destas circunstâncias 62x mais eficaz do que a vitamina C.(1)
difíceis, é a oportunidade de voltarmos a conectar connosco, e com
os nossos parceiros”, algo que Vânia Beliz também considera ser Resultados visíveis
essencial. “Há quanto tempo não partilhávamos com quem estamos Desde há 15 anos, o Sérum Vinoperfect ilumina a tez, previne
uma altura em que a saúde, a segurança e o distanciamento tanto tempo?”, questiona a sexóloga. “É importante dialogar, falar e corrige todos os tipos de manchas, seja qual for a sua origem:
social são absolutamente prioritários, o Departamento de sobre emoções. É normal que o nosso humor se altere e é bom que
Saúde de Nova Iorque não hesitou em deixar o apelo – “tu possamos pedir apoio se precisarmos. É importante estar atento
és o teu parceiro sexual mais seguro” – e encorajar os cidadãos a ao outro, principalmente aos homens que têm maior dificuldade
Sol
olharem para a masturbação como uma forma segura de experienciar em expor o que sentem. Não sabemos as consequências que tudo Acne
TESTADO E COMPROVADO
o prazer. Não só segura, mas também benéfica. “A sua prática encon- isto vai trazer para as nossas vidas. O importante é que estejamos DESDE HÁ 15 ANOS
tra-se associada a maiores níveis de saúde, qualidade e satisfação com seguros de fazer este caminho com alguém que nos apoia e suporta, Desequilíbrio hormonal
a vida sexual, promovendo um maior autoconhecimento e conforto é isto o melhor das relações.” No meio de tudo isto, quem também
com o corpo e resposta sexual”, diz Cátia Oliveira sobre aquela que é vê as potenciais oportunidades é Justin Lehmiller. “Algumas pessoas Manchas instaladas ANTES - DEPOIS (4)
MANCHAS REDUZIDAS
(5)
uma das muitas formas de viver a sexualidade, quer individualmente, solteiras partilharam comigo que, fruto desta situação, descobriram
Composto por 97% de ingredientes de origem natural,
94 %
quer com um parceiro. “Nesta fase pode ser uma estratégia muito útil alguma coisa nova sobre si mesmas, como a ideia de que não preci-
na manutenção do desejo e da satisfação sexual, principalmente junto sam de uma relação tanto quando acreditavam. Aprenderam que são oil-free e não fotossensibilizante, é adequado a todo o tipo
das pessoas que estejam impedidas de viver relações mais pontuais, muito mais auto-suficientes do que aquilo que pensavam”, explica o de pele, mesmo as mais sensíveis.
ou para os casais que correm maiores riscos de contaminação. A sua investigador e autor, referindo ainda o exemplo de casais cuja vida DO D56
prática pode ainda contribuir para uma sensação de bem-estar geral sexual ou a relação melhorou desde o início da pandemia. “Alguns
e por isso ajudar a lidar com emoções negativas e ansiedade.” Apesar têm usado isto como uma oportunidade para desenvolver uma nova
de considerar a masturbação uma forma de descoberta e de prazer intimidade, para se ligarem de novo, para se voltarem a conhecer.
para quem mantém esse desejo, Vânia Beliz não deixa de olhar para Outros têm explorado os seus corpos ou as fantasias sexuais que
a situação inversa. “Parece haver uma pressão para termos sexo, para tinham há muito tempo. Também ouvi testemunhos de casais que
O SEU DUO ANTIMANCHAS DO VERÃO
sermos produtivos, para continuarmos a fazer tudo... Não há qualquer estavam a considerar a separação ou o divórcio antes disto, e que
problema se durante esta fase não acontecer”, sublinha a sexóloga. agora se reconciliaram, porque a pandemia alterou as suas priorida- Para evitar o aparecimento DO D56
“Isso não significa que estejamos menos apaixonados ou interessados. des e fez com que percebessem aquilo que é realmente importante de manchas de sol na pele,
Esta pressão pode resultar em frustração e muita ansiedade.” Como nas suas vidas. Potencialmente, e de muitas formas, esta situação aplique o Sérum Vinoperfect
explica Justin Lehmiller, “para muitas pessoas, o stress e a ansiedade incomum pode ter efeitos duradouros que acabam por melhorar as
antes da sua proteção solar.
tendem a ter um efeito negativo no desejo sexual”. “É difícil sentir nossas vidas sexuais e amorosas.” ●
um desejo de sexo quando a tua mente não
É o aliado ideal para um
te permite estar concentrada naquilo que te bronzeado sem manchas,
excita. Para além disso, quando e se tiveres luminoso e duradouro! JO
DO D56
J56
Mensagem
recebida
Vamos ignorar a negatividade e projetar o otimismo.
Vamos apagar as palavras rancorosas e dar ouvidos às mensagens
compassivas. Vamos arrancar aquilo que nos separa e plantar
aquilo que nos une. Não só pelos outros, mas também por nós.
Direção criativa e styling de Veronica Bergamini. Fotografia de Carlos Teixeira.
Maquilhagem de Xana Lopes. Cabelos de Rui Rocha.
English version
BELEZA CORPO
Camisola em tule de seda, Gonçalo Peixoto. Base Face and Body Foundation, € 34, e batom Clear Lipglass,
€ 19,50, ambos MAC. Sombra de olhos Loose Colour Concentrate (usada na cara) no tom Jubilee, € 12,95, Obsessive
Compulsive Cosmestics, em lookfantastic.pt. Na página ao lado: vestido em crepe georgette, Diogo Miranda.
Base Face and Body Foundation, € 34, e batom Clear Lipglass, € 19,50, ambos MAC. Flores da produção.
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BELEZA CORPO
Vestido em algodão, Ahcor. Base Face and Body Foundation, € 34, MAC. Sombra de olhos da paleta Aquacolor Set, Kryolan.
Na página ao lado: vestido em malha de lã, By Malene Birger. Brinco em ródio banhado a ouro, Swarovski.
Base Face and Body Foundation, € 34, e corretor Studio Waterweight Concealer, € 29, ambos MAC. Flores da produção.
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BELEZA CORPO BELEZA CORPO
Vestido em pele, Olga Noronha. Base Face and Body Foundation, € 34, e corretor Studio Waterweight Concealer, € 29,
ambos MAC. Flores da produção. Na página ao lado: casaco em lã e saia em cetim de seda, By Malene Birger. Base Face
and Body Foundation, € 34, e blush Powder Blush, no tom Peaches, € 26,50, ambos MAC. Borboletas postiças da produção.
Modelo: Thais Borges @ Elite Models. Cabelos: Rui Rocha com produtos Kérastase.
Maquilhagem: Xana Lopes com produtos MAC Cosmetics. Assistente de fotografia: Tiago Mulhmann.
Assistente de styling: Pedro Neto. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
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BELEZA REFLEXÃO
Kind regards
Piadas sobre comer todos os snacks da quarentena, memes sobre
ganhar peso e tweets sobre o “antes e depois” do isolamento.
Talvez esteja na altura de nos distanciarmos das mensagens
que nos fazem sentir mal em relação ao nosso corpo. Por Mónica Bozinoski. o aumento de problemas relacionados com distúrbios alimentares, nossa vida, e isso traz-nos ansiedade”, explica em entrevista à Vogue.
em parte porque é o 8 ou o 80: ou a comida é vista como um esca- “Se isto já é uma coisa que nos está a afetar a todos, emocionalmente
pe e conforto, ou é vista como algo a evitar na totalidade, sempre e psiquicamente, eu não vejo necessidade de trazer mais um foco de
acompanhada por exercício físico e como forma de compensação ou preocupação, de tensão e de pressão interna. Já não basta estarmos
punição.” Para Maria Inês Galvão, psicóloga clínica da Psinove, essa numa situação tão atípica, e estarmos preocupados com tanta coisa,
mesma “necessidade psicológica de controlo, de sermos capazes de agora ainda temos que nos preocupar com a forma como vamos sair
influenciar o que nos rodeia e de criarmos objetivos e o caminho desta quarentena em termos físicos, e se estamos a fazer o suficiente
para os cumprir” pode ajudar a explicar o porquê de, num momento para cuidar de nós na parte física.” Na opinião da especialista, e face
repleto de incerteza e imprevisibilidade, estarmos tão “fixados” no à situação que hoje vivemos, a questão também passa por estabelecer
peso e na comida. “Também o nosso corpo e os elevados níveis de algum tipo de prioridades: “Eu até posso ver um meme e achar piada, e
stress vividos nos tempos atuais ajudam a perceber essa ‘fixação’. até repassar, mas tenho de perceber que isso, neste momento, não é a
Em situações de maior stress, tentamos regular e apaziguar emoções minha prioridade. A minha prioridade é estar bem de saúde, é cuidar
desagradáveis que surjam. Algumas pessoas podem encontrar essa de mim, é manter-me profissionalmente ativa, ou mentalmente ativa
regulação comendo grandes quantidades de comida num curto espaço noutro sentido.” “Não será disparatado estarmos a abordar esse tema
u não uso máscara para me proteger do vírus. Eu uso más- juntam-se ainda imagens da Barbie antes e depois do confinamento de tempo (binge eating) e outras restringindo a sua alimentação (não agora? Não seria melhor se nos privilegiássemos e cuidássemos de
cara para não engordar.” Diz-se por aí que a primeira vez (spoiler alert: o depois envolve uma boneca com aquilo que alguns comendo até) numa tentativa extrema de exercer controlo sobre si e nós em vez de estarmos preocupados com o beach body deste ano?
nunca se esquece, e a teoria pode aplicar-se ao momento chamam de “uns quilos a mais”), GIF's de pessoas que comeram to- o seu meio”, explica a psicóloga clínica, que não descarta o impacto Era a mesma coisa que eu estar a discutir contigo qual é o design
em que os nossos olhos se cruzam com o tipo de narrativa dos os snacks que tinham na despensa, e inúmeras publicações com das redes sociais nesta questão. “[As redes sociais] podem ser um da máscara. Será que isso é relevante nos tempos que correm? A
que, nas entrelinhas, nos parece dizer que ganhar peso é o hashtag #quarantine15 – isto é, os sete quilos que vamos ganhar meio para constante comparação com os outros e de confronto com relevância está noutro lado. Há coisas que, naturalmente, deveriam
tão assustador quanto contrair um vírus. Este meme foi o durante este período. Em plena pandemia mundial, é difícil não sentir os conteúdos partilhados por eles. Como se os conteúdos das redes perder palco. E o tema é precisamente esse, é que não perdem.” E se
primeiro, mas estava longe de ser o único. Desde o início da um gosto amargo quando uma destas “piadas” infiltra o nosso feed sociais estivessem, permanentemente, a reforçar a necessidade de a luz dos holofotes continua tão intensa hoje como num qualquer
crise de saúde pública que continuamos a enfrentar variações de Instagram. Em plena pandemia mundial, é difícil não sentir um nos preocuparmos com o corpo, a imagem e a comida. O viés da outro momento, o que é que isso diz de nós? “A sociedade atual dá
da mesma mensagem, que têm surgido um pouco por toda gosto amargo quando alguém nos diz para termos cuidado com as disponibilidade diz-nos que é mais provável atribuirmos relevância uma considerável importância à aparência, criando a ideia de que
a parte. “Estou a cinco quilos do Google Maps me incluir calças de fato de treino, porque as calças de fato de treino enganam. e significado ao que conseguimos imediatamente recordar, sendo alcançar a felicidade, o amor, o sucesso e a imagem corporal são
como rotunda.” “Fui pesar-me hoje de manhã e a balança Em plena pandemia mundial, é difícil não sentir um gosto amargo que as mensagens e ‘piadas’ constantes sobre o peso tornam este fatores preferenciais e interdependentes. É assim criada a ilusão de
disse: Por favor, pratique o distanciamento social. Uma pessoa de quando se propaga a ideia de que, depois disto, nenhum de nós vai conteúdo mais presente e colocam-nos num estado hipervigilante que temos de gostar da nossa aparência todos os dias”, diz Cristi-
cada vez.” “Agora que uma pessoa está a ficar redonda é que des- caber nas calças de ganga. relativamente a ele.” na Sousa Ferreira, psicóloga na Oficina de Psicologia. “Se isto não
valorizam o barril.” “Devido ao coronavírus, o meu corpo de verão Mafalda Gomes é blogger plus size e uma das vozes portuguesas que, Para Helena Morais Cardoso, terapeuta de amor-próprio, as men- acontecer podemos não ser felizes ou qualificados para fazer o que
vai ser adiado até 2021. Obrigada pela compreensão.” “Tenho más através das redes sociais, tem vindo a estabelecer um diálogo sobre sagens e memes sobre ganhar peso durante a quarentena também vão gostamos ao nosso melhor nível, e muito se tem falado na imagem e
notícias. Alguém no nosso apartamento testou positivo à COVID-19. todos estes temas com os seus seguidores. À Vogue começa por contar criar uma pressão interna acrescida, numa altura em que precisamos na sua importância para carreiras de sucesso. Gostamos que gostem
Chama-se balança, está em quarentena noutro quarto e, nos próximos que “o feedback tem sido unânime” e “muitos sentem-se pressionados de tudo menos dela. “Estamos num momento de muita incerteza, e a de nós e gostamos de ser bonitos porque isso nos cria a expectativa
meses, ninguém pode tocar nela ou usá-la.” A esta pequena amostra por esta crescente diet culture talk em tempos de quarentena, seja para incerteza traz-nos a falta de controlo sobre o nosso meio e sobre a de que vão gostar de nós. E uma situação de pandemia não é exceção.”
praticarem exercício de forma a evitar o aumento de peso, seja para
terem cuidados acrescidos com a comida.” Sobre as mensagens que
propagam o medo de ganhar peso e a necessidade de praticar exer-
cício físico de forma desenfreada, Mafalda não tem dúvidas que as
mesmas representam uma série de riscos. “Além da perpetuação da
gordofobia, porque as pessoas revelam não só medo de engordar, mas
também tecem comentários cheios de desdém sobre corpos alheios
mais pesados e quem tem ganho peso durante a quarentena, cria uma
ansiedade crescente e relacionada com a nossa imagem corporal, num
momento em que essa devia ser uma das nossas menores preocupa-
ções”, defende a blogger. “Com o mundo virado de pernas para o ar, é
bastante preocupante que um dos nossos maiores medos enquanto
sociedade seja o nosso peso. De alguma maneira, sinto que as pessoas
se focam nisso porque é um aspeto que acreditam poderem controlar
mas, por outro lado, também espelha a relação pouco saudável que
muitos têm com a comida. Acho que a pandemia vai criar espaço para
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BELEZA REFLEXÃO
quilo que foge a todas as regras, contudo, é o momento “O QUE EU DIGO É: SÊ UM BOCADINHO estes comportamentos são problemáticos e devem ser mitigados”. exagerar nesta pressão, nesta eficácia, e neste pedido para rentabilizar
que todos nós estamos a atravessar – e importa perceber GENTIL E COMPASSIVA CONTIGO Ainda assim, Mafalda Gomes não deixa de acreditar que é possível a quarentena.” Para Helena Morais Cardoso, essa mesma gentileza e
que cada um de nós vai lidar com ele de forma diferente, MESMA, SEJA NA COMIDA, SEJA aprender. “Eu compreendo que para alguém que corresponda ao pa- compaixão começa pelo auto-respeito e pela aceitação. “Se eu estou
e que cada um de nós vai ver uma imagem diferente nos memes sobre NO EXERCÍCIO, SEJA NO TRABALHO. drão de beleza, muitas destas questões nem sequer lhe passem pela num estado de energia vital em que não consigo praticar exercício
LEMBRA-TE QUE ISTO É UMA
subir à balança e pesar por dois. “Embora a cultura de dieta nas redes cabeça, mas sinto que nos dias que correm, não faltam testemunhos com tanta regularidade, se calhar devo respeitar-me um pouco mais,
QUARENTENA POR QUESTÕES DE
sociais certamente não seja novidade, ela torna-se mais impactante SAÚDE PÚBLICA. A NOSSA REALIDADE e tantos outros meios para nos educar em relação ao assunto.” Em sabendo que estou num momento mais frágil. Como estou numa
quando associada aos gatilhos adicionais de isolamento e incerteza que ESTÁ ALTERADA. E SE A MINHA caso de dúvida, o melhor remédio é mesmo a empatia. Um ato que, fase tão atípica, se calhar devo contrariar esse impulso de me forçar
acompanham a pandemia”, defende Cristina Sousa Ferreira. “Enquanto REALIDADE ESTÁ ALTERADA, É hoje e sempre, deve ser tanto de nós para o outro, como de nós para a alguma coisa só para fazer o check, e respeitar um bocadinho mais
algumas pessoas conseguem tirar o melhor proveito disso, usando NORMAL QUE EU TAMBÉM ESTEJA. “ nós. “Pessoas com corpos de todas as formas e tamanhos estão a aquilo que está a acontecer comigo, e aceitar isso”, explica a terapeuta
HELENA MORAIS CARDOSO
o tempo em casa para reorganizar, comer alimentos mais saudáveis ter de lidar com os desafios que este período atípico tem colocado. de amor-próprio, reforçando a importância de estabelecer prioridades.
ou ter tempo extra para exercitar, para outras – particularmente Os momentos de grande ativação emocional, sem sabermos como “Neste momento, é importante que tu escolhas qual é a tua prioridade.
aquelas com ou em recuperação de perturbações do comportamento a regular, podem ‘reabrir’ feridas psicológicas, tanto nossas como É tão simples quanto isso. Na minha opinião, enquanto profissional da
alimentar – estas mensagens constantes podem levá-las a cair em dos outros”, explica Maria Inês Galvão. “Sermos aceitantes e gentis área, é importante que tu te escolhas enquanto prioridade, ao invés de
hábitos prejudiciais. Os sintomas de uma perturbação alimentar connosco próprios e com os outros (que nos rodeiam fisicamente escolheres uma aprovação exterior. Ao invés de estares preocupada
também incluem pensamentos obsessivos sobre comida, peso ou ou nas redes sociais), com o nosso corpo e com o corpo dos outros, com aquilo que o exterior te está a pedir, qual é a tua prioridade?”
exercício.” Como refere Maria Inês Galvão, “é necessário não esquecer permite-nos não intensificar o nosso sofrimento psicológico e não Para aqueles cuja prioridade é viver uma quarentena livre de memes e
que o humor pode ser um gatilho para que nos sintamos mal com o nos sentirmos assoberbados por ele.” mensagens tóxicas sobre o seu corpo e o seu peso, Mafalda Gomes
nosso próprio corpo” e que “um foco tóxico ou desproporcionado deixa a sugestão. “O meu maior conselho para quem se quer manter
(individual e/ou grupal) no peso e em ‘piadas’ sobre ele pode ser al como a psicóloga Cristina Sousa Ferreira, que vê na prática online sem abdicar da sua sanidade mental é deixar de seguir contas
desafiante para quem tem dificuldade em aceitar e gostar de si e do da compaixão uma forma de nos cuidarmos e protegermos, de social media que passam mensagens triggering ou que não se alinham
seu corpo.” Para além disso, salienta a psicóloga clínica da Psinove, também Helena Morais Cardoso chama a atenção para a com o seu mindset”, afirma a blogger, aconselhando a procura de in-
“para quem sofre com perturbações do comportamento alimentar importância de sermos mais gentis. “Eu acho que uma das mensa- formação sobre movimentos como body neutrality e positivity, aliada a
(PCA), mensagens que sugiram que ganhar peso é uma das piores gens mais danosas é a ideia de teres uma quarentena produtiva, de uma boa leitura, se possível. “Aconselho dois livros ótimos: o Beyond
situações da quarentena podem ser lidas e interpretadas como se rentabilizares a quarentena. De fazeres exercício, de fazeres bolos, Beautiful, para fazerem as pazes com o corpo, e o Train Happy, para
quem não tem um determinado tipo de corpo, ‘o corpo ideal’, tem de trabalhares, de seres a melhor mãe. O que aumenta, para nós quem quer treinar por gosto e amor ao bem-estar, sem a pressão da
um corpo passível de ser ridicularizado. Mesmo quando a mensagem que estamos a receber esta informação, a insuficiência. Estás a ser balança, e desmistificar preconceitos sobre fitness pelo meio.” E termina,
ou ‘piada’ é sobre o corpo do próprio não se antecipa que se pode requisitada para uma série de coisas que, mais uma vez, aumentam a claro, com kind regards: “Estamos a viver um momento muito peculiar,
provocar sensações semelhantes nos outros, nomeadamente em pressão”, defende a terapeuta de amor-próprio. “O que eu digo é: sê um temos de ser gentis connosco, aceitar os dias menos bons, criar me-
quem sofre com PCA.” Para além de todos estes sentimentos, Helena bocadinho gentil e compassiva contigo mesma, seja na comida, seja canismos para lidarmos com toda esta situação e fazer escolhas que
Morais Cardoso chama ainda a atenção para o facto destas “piadas” no exercício, seja no trabalho. Lembra-te que isto é uma quarentena façam sentido para nós. (...) É ok o nosso peso flutuar. O nosso valor
despertarem sentimentos de insuficiência com o corpo e criarem por questões de saúde pública. A nossa realidade está alterada. E se enquanto pessoa mantém-se independentemente dos quilos a mais
ainda mais sistemas de pressão naqueles que já lidam com este tipo a minha realidade está alterada, é normal que eu também esteja. Não ou a menos da quarentena, e o nível de produtividade destes dark days
de temas e que se debatem com questões de peso no seu dia a dia. vamos para os extremos da indulgência, nem vamos pôr em risco a não determina quem somos enquanto indivíduos. Não há vencedores,
Em caso de dúvida, o melhor remédio é mesmo a empatia. Um ato que, nossa saúde física e a nossa saúde emocional, mas também não vamos estamos todos a tentar sobreviver.” l
reflete Mafalda Gomes, nem sempre é administrado na dose devida.
“Sempre existiu muita pouca empatia no que diz respeito a assuntos
relacionados com o peso, mesmo em grandes núcleos feministas,
onde a questão da gordofobia e dos distúrbios alimentares não são
levados com tanta seriedade, fora no resto da sociedade e em grupos
que não estão tão consciencializados para estes temas que afetam,
na maioria, mulheres e pessoas não binárias”, defende a blogger plus
size. “Dos memes natalícios como ‘Vejo-vos muito sorridentes, já se
pesaram?' à pressão para começar a trabalhar no beach body até o verão
chegar, são muitos os comportamentos que revelam a falta de empatia
para com quem tem distúrbios alimentares, está em recuperação, ou
simplesmente no caminho da aceitação corporal. O que não esperava
era estarmos no meio de um momento tão pesado e que o nosso foco
principal fosse 'manter a linha' ou demonizar a comida.” No que diz
respeito a este tema, admite, “falta a consideração de nos colocarmos
English version no lugar dos outros, procurar saber a sua história e porque é que
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BELEZA ASK AN EXPERT
O poder do toque
Antes de se apregoar a importância do self care já se havia A massagem deve ser feita na pele seca? E que tipo de produtos devemos usar?
descodificado que nas mãos estava o poder de acrescentar à rotina de Podemos fazer a seco alguns movimentos, a digitopressão, por exemplo, mas, na
maioria dos movimentos, devemos utilizar um óleo seco, adequado a cada tipo
rosto um momento de absoluto relaxamento. A facialista Inês Rebelo ou estado de pele. É um produto mais fácil para se trabalhar, sem deixar a pele
revisita os benefícios de uma massagem facial e explica os passos excessivamente oleosa! Deve evitar-se a massagem facial em peles com processos
para uma automassagem eficaz em apenas 15 minutos. Por Joana Moreira. inflamatórios ativos, como acne, rosácea, eczemas ou dermatite seborreica, e,
no geral, quando estamos perante infeções, febres, feridas, herpes, por exemplo,
doentes oncológicos em tratamento ou outro tipo de patologias a avaliar.
Qual a sua opinião sobre utensílios como gua sha, rolos faciais
e outras ferramentas de massagem?
A minha opinião é que todas as ferramentas e técnicas são válidas, mas
não fazem o mesmo que as nossas mãos, não trabalham a pele e o músculo
como as mãos o conseguem fazer. Poderá ter, para quem realmente gosta
de utilizar esse tipo de ferramentas, uma vertente mais lúdica.
Quais sãos os principais benefícios de uma massagem facial? Para ir além das mãos
A massagem facial é das melhores técnicas para melhorar certas necessidades da 1. Rolo facial de jade, € 29,95, Rosental
Organics, na Douglas. 2. Utensílio de
nossa pele. Através de um processo chamado de hiperemia, um aumento do fluxo massagem Beauty Blade Deep Massaging Tool,
sanguíneo, a massagem aumenta o aporte de oxigénio às células da pele, estimulando € 58,50, Nurse Jamie, em Cultbeauty.co.uk.
o metabolismo celular. A pele fica mais hidratada, luminosa e tonificada, com 3. Gua sha de quartzo rosa, € 20, MPL Beauty.
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um aumento da produção natural de colagénio e elastina. Ao mesmo tempo, Rosebud Eye Treatment Set, € 55,
conseguimos estimular a circulação linfática, reduzindo edemas, papos e olheiras. English version 1 2 3 4 Angela Caglia, em Cultbeauty.co.uk.
1 2 0 vogue.pt
BELEZA PELE BELEZA CUIDADOS
Test drive
Um dos privilégios de estar em casa? A possibilidade
Crème de la crème
Pobres mãos, lavadas de forma mais frequente que nunca
de fazer máscaras de rosto a toda a hora – bem, talvez e higienizadas com álcool pelo bem da segurança de todos.
não durante aquela videoconferência de trabalho. Três Para devolver a muito merecida hidratação à pele, a Vogue selecionou
jornalistas escrevem sobre as que têm usado dia e noite. cinco cremes de mãos para ter (sempre) ao seu alcance. Por Joana Moreira.
Mónica Bozinoski,
Jornalista
Promete: Uma máscara tipo
geleia para esfoliar suavemente
e devolver luminosidade à pele
cansada e sem brilho. Palavra
da Vogue: Aplicar esta máscara
é como mergulhar numa compota
Ana Murcho,
Chefe de Redação cítrica – e sim, é mesmo delicioso.
Promete: Ser um pijama de seda É a ela que recorro sempre que
para a pele. Literalmente. Palavra a minha pele está mais baça e
da Vogue: Roupa de dormir à cansada, não só pela textura
parte, este tratamento vence, desde refrescante, mas também pelo
logo, pela sensação de frescura ritual de utilização: passo a passo,
com que surpreende, e arrebata, os aplico uma camada generosa com
poros – a fina camada que aplicamos movimentos circulares, como se de
no rosto, no pescoço e, se formos uma massagem se tratasse, deixo
realmente cumpridoras, no decote, repousar durante dez minutos,
não é água, mas podia ser. As e retiro o produto com uma toalha
máscaras de noite são um mercado humedecida em água quente.
em expansão só que muitas delas Para além de deixar a minha
deixam uma desconfortável sensação pele mais suave, revitalizada e
de oleosidade, que condiciona boa com um glow natural, é o pick-me-up
parte da experiência regeneradora perfeito para aqueles dias.
Máscara Vitamin Nectar Vibracy-Boosting
que se quer de um produto do género.
Face Mask, Fresh, em cultbeauty.co.uk.
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BELEZA MOOD
Um lugar ao Sol
Em dias de isolamento corremos para as varandas,
jardins ou janelas, em busca dos melhores
momentos de sol. Nostalgia de verão a chegar ou
estamos só preocupados com a dose diária de vitamina D?
Fotografia de Pedro Moura Simão. Styling de Larissa Marinho. Maquilhagem e cabelos de Sara Fonseca.
Tank em algodão e seda, Off-White c/o Virgil Abloh, na Stivali. Primer concentrado de luminosidade L’Or, € 70,90,
Guerlain. Corretor Stretch Concealer, no tom G9, Glossier. Gel para fixar sobrancelhas Brow Set, no tom Clear, MAC.
Máscara de pestanas They’re Real, no tom Brown, € 29,50, Benefit. Iluminadores da paleta Luminizer x Quad,
€ 52, RMS Beauty, em Spacenk.com. Blush em creme Cloud Paint, nos tons Beam e Puff, Glossier.
English version
BELEZA MOOD
Top em lã, Off-White c/o Virgil Abloh, na Stivali. Na página ao lado: vestido em seda, Alice and Olivia, na Loja das Meias.
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BELEZA MOOD
Top em malha de lã, Missoni, na Loja das Meias. Na página ao lado: soutien em algodão, Intimissimi. Saia em chiffon de seda, Paule Ka, na Stivali.
1 2 8 vogue.pt vogue.pt 1 2 9
BELEZA MOOD BELEZA MOOD
Tank em algodão e seda, Off-White c/o Virgil Abloh, na Stivali. Cuecas em algodão, Intimissimi. Na página ao lado: vestido em seda, Inês Torcato.
FOTOGRAFIA: D.R.
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BELEZA MOOD BELEZA MOOD
Camisola em caxemira de lã, Falconeri. Boxers em algodão, Massimo Dutti. Na página ao lado: cuecas em licra, Intimissimi.
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BELEZA MOOD BELEZA MOOD
Soutien em cetim de seda, Intimissimi. Saia em chiffon de seda, Michael Michael Kors, na Loja das Meias.
Modelo: Nika Sobolevskaya @ We Are Models. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
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BELEZA SAÚDE
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BELEZA
Estado de
espera(nça)
A pandemia monopolizou as atenções e emudeceu novo coronavírus tirou-nos os beijos, os abraços, as ternuras. O distanciamento
social estendeu-se além dos vivos, e não faltam reportagens avassaladoras sobre
momentos da vida marcados pela união. Uns partem a profunda solidão de quem perde alguém e não pode despedir-se. Morrer em
sem as despedidas merecidas. Outros nascem sem tempo de pandemia é partir sem o último toque. Nascer em tempo de pandemia
os abraços esperados. As novas mães nunca estiveram é chegar sem saber quando será o primeiro. O primeiro cheiro, o primeiro leite,
o primeiro tato da pele contra pele. Os constrangimentos em prol da segurança
tão sozinhas. Três delas contam à Vogue como estão obrigam a que os que seriam outrora momentos felizes sejam hoje momentos
a desafiar a História – e a reescrever a sua. Por Joana Moreira. de preocupação. As opiniões da Direção Geral de Saúde (DGS) e da Organiza-
ção Mundial de Saúde (OMS) divergem, levando a comportamentos distintos
entre hospitais e profissionais de saúde. Graça Freitas, rosto da DGS, chegou a
pronunciar-se que “quando a gravidez chega ao seu término, deve ser feito um
teste”. Mas do dever ao fazer vai uma distância. “A maior parte dos nossos casos de grávidas
com COVID-19 não tem sintomas – 50% na nossa base de dados nacional. De maneira que
se justifica fazer o teste, o rastreio, a todas as grávidas que entrem em trabalho de parto. E
muitos hospitais já iniciaram isto. Outros hospitais, para além da grávida, pretendem testar
também o acompanhante”, afirmou Diogo Ayres de Campos, Presidente Eleito da Sociedade
Europeia de Medicina Perinatal, em entrevista à SIC. Basta falar com profissionais de saúde
para perceber que a diferença entre instituições de saúde, tanto públicas como privadas, de
norte a sul do país, é inegável.
“Os hospitais não estão todos a funcionar da mesma forma”, conta Paula Gonçalves,
enfermeira, à Vogue. “A realidade é que as grávidas não têm sido incluídas nos grupos de
risco para infeção por COVID-19. Tem a ver com a falta de evidência científica”, explica.
Sobre a necessidade de testar, e apesar das palavras de Graça Freitas, “as normas da DGS
não falam disso. Dentro da população grávida, não há nenhuma obrigatoriedade em fazer o
teste”, elucida Paula. Até ver, o risco de infeção da grávida parece ser igual ao da população
em geral, e pouco se sabe sobre a transmissão ao feto, mas parece ser reduzida. Também
não há evidência de que o vírus passe para o leite materno e os benefícios da amamentação
acreditam-se superar o risco potencial da transmissão do vírus. Da mesma forma que não há
nada que mostre que após o parto a mãe com COVID-19 deva ser separada do recém-nascido.
O impacto da separação pode ser mais prejudicial do que o risco de infeção. Mas esta é uma
questão controversa, como a própria DGS admite, mas que para a OMS é mais clara: as mães
com COVID-19 podem e devem fazer contacto pele a pele com os bebés, fazer amamentação,
partilhar quarto, dar colo, tudo mantendo as condições de higiene e limpeza.
“Conheço vários casos em que não foi permitido à mãe ter contacto pele com pele. Mesmo
com a OMS e algumas outras entidades a dizerem o contrário”, assegura a enfermeira, que
alerta para o possível impacto psicológico na futura mãe. “Os benefícios do contacto pele a
pele são mais que conhecidos, a ligação, o próprio despertar hormonal da mãe e do bebé, a
FOTOGRAFIA: JARINO47 / ISTOCK.
primeira procura da mama e a primeira mamada nos primeiros segundos de vida, tudo isso
é muito aconselhado, mexe com questões fisiológicas, e com o desenvolvimento tanto da
recuperação pós-parto imediata da mãe como do desenvolvimento do bebé”, diz. O fator psi-
cológico é neste momento uma preocupação real. “Estamos a falar de mulheres e de famílias
que estiveram a viver a sua gravidez, que é uma altura da vida importante, muito própria, que
não é replicável porque todas as gravidezes e partos são diferentes. Muitas destas mulheres
fizeram a preparação para o parto, geriram as suas expectativas diante do seu companheiro,
da sua família, tinham uma ideia muito clara daquilo que queriam, fizeram o seu plano de parto
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BELEZA
e, de repente, tudo aquilo que tinham idealizado acaba por ser frustrado. Ou porque ficaram oje, mais de um mês depois, e com 28 semanas de gravidez, os sintomas pratica-
infetadas ou porque por uma questão de precaução lhes foi alterada esta dinâmica. É uma altura mente desapareceram. Mas nada é certo. Laureen sabe que não está previsto fazer
em que a mulher está extremamente sensível, muitas mulheres sentem-se roubadas desse um novo exame, e por isso espera conseguir fazer um prometido teste serológico,
momento tão especial. Acho que o impacto psicológico é muito grande.” A saúde mental é um para avaliar a imunidade ao vírus. Por enquanto, e por ter uma gravidez de risco, continua
dos pontos do documento com medidas de prevenção para grávidas em tempos de COVID-19 a ir a consultas, mas com proteção redobrada. “A cada consulta tenho de ter máscara, luvas,
do Núcleo de Estudos de Medicina Obstétrica (NEMO) da Sociedade Portuguesa de Medicina avisar toda a gente que estou infetada por COVID-19 antes de chegar e o pai [do bebé] nunca
Interna (SPMI), emitido a 24 de abril. “Deve existir especial cuidado com o bem-estar mental me pode acompanhar”, conta. Já as aulas de preparação do parto, essas, foram canceladas.
e, se necessário, contactar uma linha de apoio psicológico.” “Arrisco-me a não ter feito nenhuma aula antes de ter o bebé. É uma fonte de ansiedade
Mas enquanto não houver certezas absolutas e os testes não forem garantidos, a possi- adicional”, não esconde. “Tínhamos imaginado um momento mágico que compartilharíamos
bilidade de se estar infetado é uma preocupação constante. É o caso de Carolina Gonçalves. juntos, o pai do bebé e eu. Aliás, tínhamos reservado um quarto individual na maternidade
“Na última consulta com a minha obstetra falámos sobre isto. Ela deu-me indicação que já para que ele pudesse ficar dias e noites connosco e dar assim início a uma vida de família a
há hospitais que convocam todas as grávidas às 39 semanas para a realização deste teste, três. Mas, com tudo isto, tudo mudou.” Laureen sabe que “o parto não se passará da mesma
mas no hospital onde vai ser o parto ainda não há essa indicação. Estou a aguardar ansiosa- maneira que um parto ‘normal’, mas nada está escrito e tudo se vê caso a caso”.
mente que saia essa medida”. Carolina tem 27 anos, é terapeuta ocupacional, e está grávida Inês (nome fictício) prefere manter o anonimato quando conta à Vogue a sua história. É
pela primeira vez. Por ter uma profissão considerada de risco para a gravidez, está em casa profissional de saúde, tem agora um bebé nos braços, mas o que passou nos últimos tempos é
desde as 26 semanas. Hoje, a caminho das 38, muita coisa mudou. “Considero-me uma pessoa algo que não esquecerá. Com 33 anos e às 39 semanas da sua primeira gravidez, descobriu que
calma e otimista, mas a conjetura atual tem-me deixado ansiosa. Por um lado, faz parte, ser tinha COVID-19. “Fiz [o teste] numa sexta, para ser internada num domingo”. Estava em casa
mãe de primeira viagem e entrar nesta aventura desconhecida já desenvolve em nós muita em isolamento há muito tempo e completamente assintomática. “Fiquei surpreendida. As únicas
adrenalina, [mas] viver uma pandemia é acordar e adormecer ansiosa, juntar estas duas saídas que fiz foram as consultas para o hospital e uma ou outra vez que tive de sair para ir às
situações ainda pior”, admite. compras. Era quase impossível ter contraído pelo contacto com pessoas. Só se fosse através das
superfícies, no hospital ou no contexto dos supermercados”. Inês decidiu ir para casa, tentar
om o companheiro a trabalhar num supermercado, Carolina optou por fazer o fazer o isolamento com a bebé na barriga, “limitando o máximo de dias que eu depois teria de
isolamento mudando-se temporariamente para casa dos pais. Sem grandes altera- estar em isolamento dela”. Ainda assim, não quis sair do hospital sem o marido ser testado. “A
ções ao plano de saúde, consultas e exames, o mais difícil foi mesmo reajustar as nossa ideia era se ele realmente fosse negativo ter a possibilidade de vir para casa com o bebé
expectativas. “Via-me a fazer aquelas coisas que sempre quisemos: preparar o quarto da bebé, ao cuidado dele”, explica. O teste ao companheiro deu negativo e daí seguiu-se um escrupuloso
que ficou a meio, fazer uma sessão fotográfica, que tivemos de cancelar, o famoso babyshower plano de ação. “Ao chegar a casa limpámos tudo e basicamente dividimos a nossa casa em duas,
também ficou suspenso… E andar a viver os últimos dias a dois, passear, jantar fora, preparar para não partilharmos espaços. Cada um no seu quarto, com a sua casa de banho, mesmo na
a casa, sendo esta última razão a mais difícil de gerir”, confessa. Por enquanto, o contacto própria sala, criámos uma área para cada um, e na cozinha tínhamos utensílios diferentes, sem
com o pai da bebé continua a ser à distância. “Para ele não tem sido nada fácil [...]. Ele tem partilhar. Isso manteve-se até ao parto e depois teve de se manter no pós-parto durante mais
os cuidados redobrados no trabalho com esperança que não se contamine”. A esperança (e dois dias, porque apesar de o pai ter dado negativo acabou por estar em contacto comigo, e
a cautela) é tudo o que lhe resta para combater o medo. “O meu maior receio é que sejamos por mais que eu me esforçasse pelo isolamento, tinha receio de o poder ter infetado”, conta.
contaminados neste momento. Depois de tanta proteção, algum descuido, ou não, porque O parto acabaria por acontecer só quase dez dias depois. “Mal entrei na urgência fiz o
todos os dias ouvimos histórias de pessoas que não imaginam onde se infetaram, deitemos rastreio de novo, mas o resultado só chegou depois, ou seja, fiz a cesariana assumindo que
tudo a perder. Tenho receio de que, na hora do parto, apresente algum sintoma e que me era COVID-19 positivo. Só nessa noite é que soube que era negativo. Por isso os tramites [no
tirem a bebé, que não deixem o pai conhecê-la e que não me deixem amamentar”, reconhece. parto] foram deixar-me ver a saída do bebé da barriga, o cortar o cordão, e foi basicamente
A história de Laureen Gouveia de Melo é diferente. A fotógrafa, de 26 anos, a viver em isso”, diz, com um suspiro. “Isso foi o mais difícil de gerir, porque no fundo estava numa ala
Paris, tem uma doença ginecológica e por isso define o bebé que aí vem como “um pequeno só com grávidas COVID positivas no momento em que soube que era negativa e aí também
milagre da natureza”. Dadas as condições, já estava de baixa desde dezembro, sendo as idas acresceu a ansiedade e a dificuldade em gerir as coisas naquele momento”. Por trabalhar na
à rua escassas mesmo antes de ser decretado qualquer isolamento obrigatório. Contudo, o área, Inês sabe que “os falsos negativos são muito mais comuns dos que os positivos, mas
marido continuava a trabalhar. Até que Laureen sentiu os primeiros sintomas. “Ligámos à estes também existem”. A primeira vez que tocou na filha tinham passado 48 horas depois
Saúde 24 e aconselharam-me a ficar em casa porque os sintomas não eram alarmantes, era do parto. “Responsabilizei-me a ter uma alta mais precoce porque ambas éramos negativas
tosse, dores de cabeça, diarreia, dificuldade moderada em respirar e dores musculares... Nessa após 48 horas”. Foi para casa com a bebé, “sem ter necessidade de distanciamento dela, apenas
altura, França estava no pico da epidemia e só as pessoas com mais dificuldades em respirar lavando as mãos e todas essas coisas.” No entanto, o resultado do teste ao pai tardou quatro
eram admitidas nos hospitais por falta de camas”, explica à Vogue. Os dias passaram e os dias e havia a possibilidade de ele ter sido infetado. Por isso “voltámos a limpar tudo, e ele
sintomas pioraram. “Estava a ser muito duro para mim. O pneumologista mandou-me então acabou por ir para o quarto onde eu estava, que seria o suposto ‘quarto COVID’ e eu voltei para
fazer o teste no dia 30 de março”, conta. O resultado adivinhava-se: positivo para COVID-19. o nosso quarto, supostamente o quarto limpo, para receber a bebé”, explica. “Confesso que é
“A preocupação com o bebé começou a instalar-se, mesmo se todos nos tentam tranquilizar uma coisa difícil de gerir. É difícil estar com um recém-nascido e ter de lembrar constantemente
dizendo que está protegido. No fundo, será que temos mesmo a certeza?”, questiona. “São toda a logística de desinfeção e não contacto e isolamento e essas coisas todas”, desabafa.
muitas perguntas e poucas respostas.” Hoje os três, mãe, pai e bebé estão em casa: negativos, felizes e, acima de tudo, juntos. l
English version
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VO
REALIZAÇÃO: ANA CARACOL. ARTWORK: JOÃO OLIVEIRA.
GUE
MODA
FOTOGRAFIA
REPORTAGEM V em acetato, Vogue.
S O N H O S
C O R - D E - R E N D E Z - V O U S
A sós, mas não sozinhos. Dos dias que se arrastam a solo, chegam as noites
que unem dois corpos num só, em devaneios emergentes de um estado de
r.e.m.. Dos dias que se arrastam a solo, chegam as noites que pressagiam um
reencontro, um recomeço, uma re-união que se quer intensa, apaixonada,
sentida. Dos dias que se arrastam a solo, chegam as noites premonitórias de
horas a fio numa constância de toque, como se o toque fossem palavras de
amor. E dessas, não ficará nenhuma por dizer. Dos dias que se arrastam a solo,
hão-de chegar as noites que amanhecem em dias contigo aqui ao lado, além do
sonho, além dos devaneios, naquele rendez-vous que hoje só a lua o adivinha.
Direção criativa de Nicola Scarlino. Fotografia de Thibault-Théodore Babin. Styling de Gaultier Desandre Navarre.
English version
Raya: cinto em cetim de seda, ALEXANDRE VAUTHIER ALTA-COSTURA. Cuecas em renda de seda, ERES.
Jacopo: camisola vintage em malha de lã, JEAN PAUL GAULTIER MAILLE.
Raya: vestido em crepe, cetim e tule de seda, BURC AKYOL.
Jacopo: vestido em renda de seda, VICTOR WEINSANTO. Raya: top em renda de seda, VICTOR WEINSANTO. Saia em veludo, ALEXANDRE VAUTHIER.
Na página ao lado, Raya: vestido em crepe, cetim e tule de seda, BURC AKYOL.
Na página ao lado, Raya: casaco em lã, vestido em licra, soutien e cuecas em algodão, e sandálias em cetim de seda e metal, tudo MUGLER.
Raya: vestido em chiffon de seda, AGANOVICH ALTA-COSTURA.
Jacopo: vestido em renda de seda, VICTOR WEINSANTO.
Na página ao lado, Jacopo: vestido em renda de seda, VICTOR WEINSANTO. Raya: top em renda de seda, VICTOR WEINSANTO. Saia em veludo, ALEXANDRE VAUTHIER.
Raya: camisa em algodão, ALEXANDRE VAUTHIER. Corset vintage em algodão, da produção. Cuecas em renda, ERES.
Raya: top em renda de seda, VICTOR WEINSANTO. Saia em veludo, ALEXANDRE VAUTHIER.
Na página ao lado, Raya: casaco em lã, vestido em licra, soutien e cuecas em algodão, e sandálias em cetim de seda e metal, tudo MUGLER.
Raya: casaco em organza e cetim de seda,
AGANOVICH ALTA-COSTURA.
Cuecas em cetim de seda, da produção.
Modelos: Raya Martigny @ Women 360 Management
e Jacopo Matricciano.
Produção: Weird Fishes Studio.
Set design: Nicola Scarlino. Editorial realizado
em exclusivo para a Vogue Portugal.
família
sem nunca ter saído à rua. “A sério? E não estás farta?” Entre
um corriqueiro ahahah, a resposta é uma qualquer variação
disto. “Não, nem por isso. Sendo-te sincera, pensava que ia
ser pior. Nunca passámos assim tanto tempo em casa, os quatro,
O que acontece à união familiar quando a casa deixa de ser só juntos, a toda a hora, todos os dias. Na minha cabeça, ia dar azo
casa? O que acontece à união familiar quando o lar é obrigado a a mais discussões. Discussões, como quem diz. Claro que temos
os nossos momentos. Ainda assim, acho que estamos bem.” Mas
ser, também, escritório e escola? O que acontece à união familiar cada caso é um caso, e este caso não passa disso mesmo – de um
quando estamos todos juntos, a toda a hora, todos os dias? A caso, no meio de tantos, parecido com uns e diferente de outros.
Vogue mergulhou na questão. Por Mónica Bozinoski. Fotografia de Karén Khachaturov. Cada um é como cada qual, e cada qual é como é. Cada família é
uma família, e cada família é como é – e, fora de expressões cliché,
cada um de nós, e cada um dos nossos agregados familiares, está a
viver este momento de forma diferente, a lidar de forma diferente,
a experienciar de forma diferente, a sentir de forma diferente.
“De uma maneira global, este período trouxe consigo um espírito
de união e solidariedade”, começa por explicar Catarina Lucas,
psicóloga e diretora técnica do Centro Catarina Lucas, à Vogue. “As pessoas voltaram-se mais para as suas famílias e para a sua
importância, todos correram para os seus países e para as suas
famílias, o que nos demonstra essa mesma importância. Todavia,
passar muito tempo juntos, associado ao facto de existirem
poucas distrações neste momento, poderá aumentar algum nível
de intolerância e irritabilidade no relacionamento com aqueles
com quem partilham casa, e é preciso não deixar que fatores
situacionais afetem globalmente a relação entre todos.” Uma
relação que, segundo um estudo publicado pela Deco Proteste
a 27 de abril, tem sofrido os efeitos dos sucessivos estados de
emergência – de acordo com o inquérito, seis em cada dez pessoas
que coabitam com outras têm passado “por algumas situações
de fricção, sobretudo devido à partilha de tarefas domésticas ou
por estarem no mesmo espaço durante todo o dia”. Para além
destes, como revela a associação, as diferenças de opinião sobre
as medidas de prevenção a adotar face à COVID-19 “são outros
rastilhos incendiários” e, nos agregados familiares com crianças,
“o acompanhamento escolar é também foco de conflito”. Ainda
assim, e “apesar das naturais tensões, 45% dos portugueses que
coabitam com outros revelam que as restrições à mobilidade
tiveram um impacto positivo no relacionamento familiar,
sobretudo em agregados que incluem casais com filhos menores.”
Como defende Neusa Patuleia, psicóloga clínica e terapeuta
familiar, “neste contexto, em que a maior parte das famílias tem de
lidar com novas rotinas e novas exigências, com ajustes constantes
em relação às suas responsabilidades profissionais, parentais e
até filiais, a maior convivência não é necessariamente sinónimo
de maior disponibilidade para a relação, e pode ser precisamente
o contrário”. Para a especialista, a gestão e conjugação do
trabalho à distância, das tarefas escolares, das atividades mais
lúdicas, da confeção das refeições e da gestão da casa, todas elas
a acontecerem num mesmo espaço que, na maioria dos casos, é
reduzido, leva a que as pessoas se atropelem umas às outras, e
atropelem os espaços e os tempos umas das outras. “Obviamente
que isto traz tensão e conflituosidade”, esclarece Neusa, referindo
que as preocupações inerentes à situação que hoje vivemos
acabam também por ter impacto na disponibilidade emocional
das pessoas. “Tudo isto acaba por fazer com que as pessoas
estejam menos disponíveis para o outro. Apesar de estarmos no
mesmo espaço, e termos maior convivência (na perspetiva de que
estamos debaixo do mesmo teto), não quer dizer que estejamos
vogue.pt 1 6 5
COMPORTAMENTO
mais disponíveis. Acho que o que acaba por acontecer agora “EU DIRIA QUE, NESTE MOMENTO, e autora, será complicado –, é importante ter blocos de tempo Valente. “Eu diria que, neste momento, é muito importante as
– obviamente que existem exceções, e claro que nem todas É MUITO IMPORTANTE AS PESSOAS “em que não somos interrompidos e em que também não pessoas dizerem aquilo que sentem e aquilo que precisam –
as famílias funcionam da mesma maneira – e daquilo que DIZEREM AQUILO QUE SENTEM saímos do estado de flow”, bem como “espaços em casa que a diferente daquilo que desejam. A separação destes dois conceitos
vemos nas redes sociais, em vários artigos e em desabafos E AQUILO QUE PRECISAM – restante família entenda como o espaço da outra pessoa; uma é muito importante, e é uma coisa que eu ensino às famílias
DIFERENTE DAQUILO QUE DESEJAM.
que as pessoas acabam por dar, é que as pessoas se sentem A SEPARAÇÃO DESTES DOIS vez que nem toda a gente tem casas grandes, pode até ser na normalmente. Isto é a primeira coisa. A segunda coisa, na questão
assoberbadas, sem tempo para estar com o outro.” Ainda assim, CONCEITOS É MUITO IMPORTANTE.” cozinha, mas tem de ser criada uma zona de trabalho, nem que das emoções, é eu tomar consciência de que estou com medo,
Neusa faz a ressalva: “Não quer dizer que as famílias não se CRISTINA VALENTE seja delimitada no chão com fita-cola”. Para além de tudo isto, e que o medo é uma reação importante no meu sistema, como
possam reinventar e encontrar soluções para fazer uma melhor é importante ter atenção às expectativas que são criadas no proteção. Neste momento, as pessoas sentem medo, mas como
gestão de tudo isto, e encontrar aqui momentos e tempos de seio familiar. “Nós estamos a transpor o mundo corporativo e não sabem identificar esta emoção como parte do seu sistema,
qualidade. Obviamente que podem. Esse é o grande desafio.” o mundo escolar para dentro de casa, de um dia para o outro, que tem uma função, que deve ser usada num sentido positivo e
Para Cristina Valente, psicóloga, autora (o seu mais recente sem qualquer tipo de treino, e é impossível termos as mesmas não negativo, manifestam-na de muitas formas.” Entre elas, refere,
livro, Coaching Emocional para Pais, foi editado pela Manuscrito expectativas”, defende Cristina, fazendo especial referência aos estão a censura, o julgamento, a crítica, a raiva e até mesmo a
em março deste ano) e mãe de dois adolescentes, “a quarentena resultados escolares dos mais jovens. “As expectativas dos pais euforia – e reconhecer que o medo tem várias manifestações, diz
é um teste, uma prova de fogo, da saúde familiar”. Como a vão ter de ser anuladas. Eu digo mesmo, não façam qualquer a psicóloga e autora, “dá-me mais tolerância para entender que se
própria explica, quando confrontadas com uma adversidade, tipo de expectativa, vivam o dia a dia e mantenham o necessário, a mim o medo me dá para a euforia, provavelmente ao meu filho
“as famílias que se entendem e que se respeitam, no sentido que é o respeito pelo espaço e pelo ritmo de aprendizagem.” dá para ficar stressado ou ter insónias”. Para Cristina Valente, é
de entender que cada um tem o seu próprio ritmo, as suas igualmente essencial olhar para aquilo que está nas nossas mãos,
próprias preferências, as suas próprias necessidades”, e que “já par com todas estas estratégias, garantir uma convivência concentrar a nossa energia naquilo que controlamos e perceber
tinham essas ferramentas, que já tinham um clima emocional mais positiva, como refere Catarina Lucas, passa também que, “quando eu entro em modo ação, o meu medo desaparece”.
saudável”, vão sentir um impacto muito menor. “Para simplificar por praticar a gratidão – e não só. “Desenvolver a empatia”, Como defende Neusa, “as relações familiares devem servir de
uma coisa muito complexa, vamos ter três tipos de família”, “ser tolerante e ter um espírito de entreajuda”, “fazer suporte e de apoio para conseguirmos lidar com tudo isto, para nos
refere. “Vamos ter as famílias que vão passar mal, porque turnos, sempre que necessário, seja para estudar com ajudarmos mutuamente a melhor gerir todas estas circunstâncias
não entendem esta flexibilidade e, não tendo as ferramentas, os miúdos, seja para as tarefas domésticas ou tantas outras e todas estas emoções associadas”. E, para isso, “é preciso uma
vão ficar por aí, a circular em problemas de confinamento, atividades ‘nossas’ e não partilhadas, ou conversar com amigos, coisas” e “permitir algum espaço individual ao outro, fazendo boa comunicação, tentarmos colocar-nos no lugar do outro e
de interação diária, de falta de tolerância. Vamos ter outras de modo a ouvir outras pessoas e outras experiências. Importa também atividades conjuntas” são alguns dos pontos que a ajustar expectativas.” “Principalmente na conjugalidade, há muito
que, já tendo treinado determinadas ferramentas internas, ainda realizar um exercício de tolerância, pois neste momento psicóloga sugere que cada um de nós tenha em mente. Tudo a ideia de que ele me conhece, ou que ela me conhece, e já devia
vão conseguir levar isto de uma forma menos pesada. Nunca precisamos muito de ser tolerantes com o outro, precisamos isto, claro, sem nunca esquecer a comunicação. “É importante saber o que eu quero e preciso. Não, não mesmo. É preciso uma
perfeita, mas menos pesada. E, depois, um terceiro e outro de fomentar a entreajuda, ser menos exigentes. Cada um, à sua potenciar a partilha de sentimentos, encontrar momentos onde comunicação clara, objetiva. Às vezes nem nós sabemos aquilo que
grupo que, embora não tendo nunca tido ferramentas ou nunca maneira, está a fazer o melhor que sabe.” Como explica Neusa haja partilha, onde haja a possibilidade de as pessoas poderem precisaríamos para ficarmos melhores, quanto mais o outro”, diz
tendo tido esta atenção específica de inteligência emocional, vai Patuleia, para evitar situações de tensão e conflito familiar, é falar sobre aquilo que estão a sentir e fazer o balanço do dia”, a psicóloga clínica e terapeuta familiar. Individualmente, em casal
aproveitar esta adversidade para crescer enquanto família.” necessário “aceitar esta situação, compreender que é natural que refere Neusa Patuleia. “Não é porque estamos todos juntos e em família, cada um de nós vai sentir de forma diferente. Seja a
existam maiores tensões e maiores conflitos, e que as pessoas que vamos abolir esta partilha de como é que foi o nosso dia. união ou a saturação. É algo que se torna ainda mais claro quando
erante este cenário, é possível que estejamos menos estejam mais assoberbadas” e “definir rotinas ajustadas a cada Apesar de nos irmos atropelando no espaço, cada um está coloco a questão a dois amigos. A primeira experiência cai: “Sinto-
unidos àqueles com quem partilhamos a cozinha, a mesa família”. Outro ponto essencial, diz a psicóloga clínica e terapeuta a viver aquilo que está a fazer, e a desenvolver sentimentos me próxima da minha mãe porque nos temos só uma à outra.
de jantar e o sofá? É possível que os nossos laços de família familiar, é estabelecer e dividir tarefas e responsabilidades. “Acho associados a tudo isso que não estão aos olhos dos outros. (...) Falamos muito, interessamo-nos muito pelo dia uma da outra,
se estejam a desvincular, mais e mais, a cada dia que que é importante que todos tenham as suas responsabilidades É muito importante as pessoas poderem ter espaço na família, e preocupamo-nos muito. Mais do que o habitual. E, do mesmo
passa? “Não lhe chamaria desunião, mas sim irritabilidade e as suas tarefas, na medida do possível. Para além de aliviar a e no meio de toda esta situação, para poderem continuar a modo, porque só nos temos uma à outra, saturamos muito uma da
e impaciência”, diz Catarina Lucas. “Passar muito tempo com tensão e não sobrecarregar um dos elementos, dá um espírito conversar sobre aquilo que sentem. Eu digo continuar, porque outra. Mais do que o habitual também.” E depois, a segunda: “Sinto
alguém trará sempre algum nível de saturação. Por isso, alguns de envolvimento de todos, porque se todos trabalhamos para o é desejável que isto aconteça sempre. Se não acontecia, então, que fomos criando uma rotina adaptada a esta situação. Temos
truques poderão ser importantes, nomeadamente reservar coletivo, se todos temos tarefas e responsabilidades inerentes neste contexto, continuar a não acontecer potencia ainda mais sempre momentos que fazemos companhia sem necessariamente
tempo para a individualidade, ter espaços onde se possa ao coletivo, todos sentimos que somos parte. Dá-nos logo uma situações de tensão e de isolamento.” A ideia da psicóloga falar muito! No início, acho que me custou mais. Mas parece que já
permanecer algum tempo sozinho, guardar algumas horas para responsabilidade acrescida de que, se isto resulta, é porque eu clínica e terapeuta familiar é também partilhada por Cristina estou tão preso neste loop de quarentena que me moldei à situação,
também faço parte. Dá um espírito de união e de pertença.” e parece que agora até estamos mais tranquilos, mentalizados de
Como explica Cristina Valente, garantir uma convivência positiva que estamos nesta situação e que temos de nos tolerar um bocado.
em família passa por “entender as necessidades do outro, do Mas claro que dia sim dia não embirramos por coisas parvas.”
seu espaço e do seu tempo, uma vez que as rotinas do dia a dia Antes da nossa conversa terminar, Neusa refere que “ter abertura
ficaram todas confinadas num espaço comum”, e adotar uma e disponibilidade é, de alguma forma, o desafio para podermos
estratégia que a psicóloga e autora chama de plug in, plug out. “Foi ultrapassar esta fase tão difícil para todos nós e subsistir enquanto
algo que aprendi com um colega e amigo americano, que sempre famílias”. Nestes desafios, diz, é importante “encontrar recursos
trabalhou a partir de casa”, refere Cristina, que também trabalha e estratégias para que todos nos possamos sentir melhor e
nesse mesmo registo há vários anos. “Ele mora em Denver e tem mais equilibrados, para que possamos levar a cabo todas as
duas casas, uma ao lado da outra. Uma é a casa da família, a outra responsabilidades que temos, mantendo a harmonia familiar,
é o escritório dele. Quando ele estava em casa, com a mulher e dentro do possível, e ajustando expectativas, sempre, porque não
com os filhos, ele estava a 100%, brincava, não atendia telefones, vamos poder ter os momentos que tínhamos, como tínhamos”, e
não falava com o trabalho, zero. E quando ia para a vivenda ao descobrir “formas de nos reinventarmos e de estarmos connosco
lado, para o escritório, estava completamente focado.” Ainda mesmos, para depois podermos estar de forma mais harmoniosa
que com a devida flexibilidade – porque sem ela, diz a psicóloga English version com os outros, e para a família poder subsistir da melhor forma.” ●
1 6 6 vogue.pt
W O R D O N
T H E S T R E E T
Diz-se por aí que a união faz a força. Do poema da autoria de Tamara Šimončíková
Heribanová à citação de J.K.Rowling, inscritos tinta sobre pele nas próximas
páginas, as frases de poder não estão só nos livros, paredes, posters e boards do
Pinterest. As citações que interessam estão espelhadas no rosto, no corpo, gravadas
na alma de cada um de nós. E são simples na mensagem, mas potentes na voz:
gritam em silêncio que somos tão fortes quanto unidos formos, tão fracos quanto
divididos nos permitirmos estar. Ou, se preferir, aquela que é tão cliché quanto
verdade – a maior nos tempos que correm: unidos jamais seremos vencidos.
Fotografia de Branislav Simoncik. Styling de Nina Ford.
English version
Romana: calças vintage em denim, TEXTILE HOUSE VINTAGE SHOP. Na página ao lado,
Jakub: tank em malha de algodão, DRIES VAN NOTEN. Colar em metal, da produção.
Filip: casaco vintage em pele e camisa vintage em algodão, ambos TEXTILE HOUSE VINTAGE SHOP. Na página ao lado, Barbora: blusão em denim, PRADA.
Tank vintage em malha de algodão, da produção. Calças vintage em lã fria, TEXTILE HOUSE VINTAGE SHOP.
Erika: blazer em lã fria, NEHERA.
Stan: casaco vintage em nylon, TEXTILE HOUSE VINTAGE SHOP. Calças em lã, NEHERA.
Simona: colar em metal, da produção. Na página ao lado, Sara: t-shirt vintage em malha de algodão, TEXTILE HOUSE VINTAGE SHOP.
Filip: casaco vintage em pele e camisa vintage em algodão, ambos TEXTILE HOUSE VINTAGE SHOP.
Na página ao lado, Simona: top vintage em malha de lã, TEXTILE HOUSE VINTAGE SHOP. Colar em ouro amarelo, da produção.
Linda: top e saia em algodão, ambos PAVOL DENDIS. Na página ao lado, Zuzana: calças vintage em denim, TEXTILE HOUSE VINTAGE SHOP.
Simona: tank em algodão e colar em ouro amarelo, da produção. Na página ao lado, Erika: bomber jacket em pele envernizada, MIU MIU.
Filip: camisa vintage em algodão, TEXTILE HOUSE VINTAGE SHOP.
Jakub: tank em malha de algodão e calças em lã fria,
ambas DRIES VAN NOTEN. Linda: casaco e calças
vintage em pele, ambos, TEXTILE HOUSE VINTAGE SHOP.
5-6-0 é o
novo 1-2-3…* …começar outra vez. E conseguir recomeçar pós-COVID-19 será, por si, uma
vitória. Entre os números crescentes de afetados pelo novo coronavírus,
muito além de uma contabilidade de infeção e mortalidade, estão também
as empresas do setor de Moda nacional que lutam para se manterem
competitivas numa altura de incertezas. Recomeçar, ou melhor, reinventar, é
um dos caminhos. Mas a superação não se faz a solo – faz-se com a ajuda dos
colegas de profissão, mas também do público. Para que a Moda que se cose a
prefixos 351 não seja um 31 em 2020 e mais além. Por Sara Andrade. Fotografia de Marc Sommer.
ilão, fevereiro último. A semana de Moda Milanesa acontece da produção, as encomendas de clientes foram canceladas ou
de forma intermitente, sob a égide de um vírus que assola suspensas. Sem canais de venda físicos, manter a produção
Itália e que tomaria lugar de primeira fila nas nossas vidas - seria um risco, face à incógnita da retoma. Ao ficarmos
ou tomámos nós a front row do desenrolar de uma restringidos às vendas online (importantes, mas ainda residuais
pandemia que está a deixar a sua marca em todas as marcas se compararmos com as vendas totais das estações anteriores),
de Moda, nacionais e internacionais. Milão, fevereiro último. a comunicação reforçou-se no digital. Mas mesmo aí temos
A semana de Moda Milanesa acontece de forma intermitente, com falta de conteúdos, que agora não podemos produzir como
desfiles que ora se anunciam à porta-fechada, ora são cancelados. habitualmente”, conta à Vogue o designer de acessórios e
A informação sobre o estado das apresentações preparadas com Presidente da APICCAPS (Associação Portuguesa dos Industriais
meses de antecedência e que significam investimento em materiais, de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos).
criatividade, recursos humanos, deslocações e marketing muda Luis Buchinho, apesar de ter conseguido apresentar a sua estação
de hora a hora, sempre sob a égide de uma notícia com laivos fria numa ModaLisboa, que, dias antes, escapou à quarentena
agravantes para os designers que veem agora o trabalho de um (in)voluntária, corrobora: “Aconteceu justamente numa época
semestre ser interrompido sem aviso prévio. Milão, fevereiro de transição. […] Deixou vendas incompletas de uma estação,
último. A semana de Moda Milanesa já quase não acontece, deixou uma parte significativa da mercadoria de verão ‘20 por
nem sequer de forma intermitente, ao ver desaparecer do seu entregar, e significou a minha loja física parada. Eu acho que
calendário nomes agendados da indústria da Moda de autor, entre o efeito mais grave desta pandemia ainda vai acontecer.”
eles também os nossos, como Alexandra Moura, que apresentaria Mas há outros que já se fazem sentir, como confirma a designer
o seu inverno 2020 naquela cidade e que viu o desfile cancelado. de jóias Juliana Bezerra, que viu uma “queda das vendas, resultado
Por cá, a situação repete-se um par de semanas depois quando, no do encerramento da nossa loja física em Lisboa. Também a
Porto, a plataforma Portugal Fashion se vê obrigada a atualizações produção foi afetada, porque todo o processo é mais lento, uma
diárias sobre o desenrolar do evento: as restrições do público vez que todos os trabalhadores e colaboradores da marca estão
ao estritamente necessário e as promessas de um evento à em isolamento. Alguns dos nossos fornecedores fecharam portas
porta fechada e com as devidas condições de segurança não são e outros estão a trabalhar a 50%, o que vem mudar drasticamente
suficientes para impedir o seu cancelamento ao segundo dia de a forma como estávamos habituados a coordenar o nosso próprio
apresentações. Luís Onofre foi um dos criadores afetados: trabalho”, explica, acrescentando que a paragem da produção
CORTESIA DE GALERIE ESTHER WOERDEHOFF.
“A obrigação de uma paragem tão repentina teve um impacto nas fábricas “na verdade, afeta bastante a nossa produção, ainda
negativo generalizado em todas as áreas da marca. Ao nível que esta seja feita internamente, no nosso atelier. Até agora
conseguimos contornar este problema através dos nossos stocks de
peças e materiais, mas a produção da nova coleção está atrasada
e as colaborações que estavam pensadas e programadas também
ficaram em standby.” Uma das piores consequências da pandemia,
como aponta Luís Onofre, é o seu fator surpresa, o “ter sido
tão abrupta e implicar mudanças diárias para as quais ninguém
tem respostas. Há um enorme efeito surpresa associado. Não
existem fórmulas exatas e de aplicação imediata. Não houve a
English version possibilidade de prevenir ou minimizar impacto. Fechar uma
vogue.pt 1 8 9
MODA NACIONAL
empresa, mesmo em lay-off, acarreta perdas consideráveis “ANTES DE FALAR SOBRE O não tem precedentes e, consequentemente, falha em oferecer a funcionar.” Hugo Costa confima: “As pessoas reinventaram
porque os encargos são altos e não há rentabilidade. Temos IMPACTO DO CONTEXTO COVID-19 soluções validadas. Marinho, da AORP, adianta que, qualquer formas de aproximação, de comunicação. Sinto que, apesar de
margem de segurança, mas ela não é infinita.” Nuno Baltazar, É IMPORTANTE LEMBRAR que seja a direção da curva económica, “aplicar-se-á a teoria distantes, as pessoas estão mais próximas umas das outras.”
tal como a dezena de nomes da Moda nacional que a Vogue QUE O SETOR DA JOALHARIA de evolução de Darwin: a sobrevivência não dos mais fortes Entrudo concorda: “[…] Tenho publicado nas redes sociais este
PORTUGUESA VINHA A REGISTAR
entrevistou e que servem de voz cem vezes mais marcas, UM DOS MELHORES MOMENTOS DA ou dos mais inteligentes, mas do que se souberem adaptar. É processo [de pesquisa durante a quarentena]. O resultado tem sido
encontra-se no mesmo barco: “Claramente a incerteza de [não SUA HISTÓRIA” NUNO MARINHO inegável que o mundo vai mudar, porque o seu impacto social interessante, pois sinto que tem havido uma grande aproximação
saber] durante quanto tempo será necessário o distanciamento é enorme. O consumidor não é só afetado a nível financeiro, das pessoas à marca e, consequentemente, as vendas têm vindo a
social será o que mais nos afetará. Sem as habituais ocasiões mas sobretudo a nível social e psicológico, alterando – de forma aumentar. É só mais um sinal de que a moda precisa de tempo e de
festivas, a procura de Moda de autor terá uma grande quebra muito significativa – o seu padrão de consumo, necessidades, um profundo slow down.” Não é a única a senti-lo. “É fundamental
e para a nossa marca será certamente um duro golpe com expectativas e relação com as marcas. E portanto, mais do que reforçar a proximidade com os clientes da marca”, garante Nuno
consequências comprometedoras”, teme o criador com marca nunca, não se trata de ganhar espaço face à concorrência, mas Baltazar. “Essa será uma das vantagens de vivermos num país
homónima. “Se considerarmos um cenário otimista,” analisa ganhar espaço na mente – e diria mais – no coração do nosso pequeno, de sermos projetos pequenos, é possível conhecer os
Alfredo Orobio, co-fundador da marca Awaytomars, “tomando consumidor (relação racional vs emocional).” E isso passa por nossos clientes de forma mais pessoal. […] Apesar das diferenças
como exemplo o modelo chinês que depois de três meses teve fazer o melhor de uma situação que não foi prevista. “O foco não temporais e de contextos, historicamente os períodos pós-guerra
a curva de contaminações controlada o que permitiu abrir deve ser no problema, mas na nossa flexibilidade e capacidade sempre foram momentos de efervescência, criativos e de grandes
fábricas e comércio, acredito que os impactos podem ser de adaptação à mudança. E as empresas serão tão mais fortes transformações na história da moda. […] Temos consciência que,
mais palpáveis e fáceis de administrar. Agora, num cenário também o retalho sente o golpe. “Não podemos avançar com quanto se souberem adaptar e, com isso, evoluir”, continua o durante um grande período, se não de forma definitiva, os hábitos
mais a longo prazo, numa perspetiva de três-seis meses, acho nenhum número exato mas não temos dúvidas que o tráfego presidente da Associação. “A criatividade foi, sem dúvida, uma de consumo vão mudar e essa será a nossa forma de assumir
complicado as marcas conseguirem sobreviver sem nenhum nas lojas será inferior e que, como tal, vamos enfrentar uma das skills mais desenvolvidas durante a quarentena. As marcas enfrentar este desafio", acrescentando que “o desenvolvimento de
tipo de fluxo de caixa.” Porque as estruturas de design nacionais recessão económica sem precedentes que vai afetar o consumo tiveram tempo para pensar, criar, experimentar, testar e gerar Moda de autor faz muito mais sentido como projeto de slow fashion.”
vivem dos dividendos angariados estação após estação, no geral.” Paulo Gonçalves, Marketing Communications Manager parcerias. […] Há sempre algo de muito estimulante nestes
coleções paradas significam interrupção de entrada de lucro da APICCAPS, consegue já contabilizar o potencial volume de períodos, que é a capacidade de reinvenção.” A aposta no online esta conversa alargada com diferentes profissionais da
a curto prazo, mas com prejuízos muito mais aterrorizantes perdas no setor do calçado: “O primeiro impacto, e imediato, é a e nas versões digitais de lojas foi potenciada pela conjuntura: indústria, o tema dos ritmos e do upcycling como forma de
a médio e longo prazo. Sem capacidade de subsistência pela quebra do consumo, que estimamos que seja de 22,5% este ano. quem já a tinha, afinou; quem não tinha, sentiu a necessidade ultrapassar os tempos vindouros foi um assunto popular
ausência de vendas e pagamento de faturas, uma próxima Ou seja, serão comercializados menos 5.100 milhões de pares de premente de instituí-la rapidamente. “A estratégia que tínhamos e consensual. “Acho que mais importante do que os
coleção pode ser inexistente - ou pior, a própria marca pode calçado em todo, apenas este ano. É verdadeiramente terrível. definida para a marca no início de 2020 está a sofrer algumas impactos na marca, que serão claros, temos de olhar para as
sucumbir. “O meu problema”, sublinha Buchinho, “é que a minha Há, seguramente, muitas empresas, em especial PME, que não alterações durante este mês, de forma a adaptar-se a esta situação consequências na indústria, no comportamento de consumo, nos
marca subsiste sazonalmente. Não tenho um capital de risco vão resistir a este período. Empresas com muita história, muito (algo) imprevista. Como exemplo, a aposta no online intensificou- modelos de produção, planeamento, logística etc. Estamos diante
que me possa aguentar durante um ano sem ela estar a vender. potencial, responsáveis por muitos postos de trabalho que, por -se e estou a trabalhar em colecções cápsula de tecidos para de um momento onde o impacto será tão grande que estimulará
A marca ou vende sazonalmente ou acaba, é muito simples. uma razão ou outra, vão sucumbir. E é pena. Mas também há diferentes propósitos: interiores, máscaras, vestuário…”, confessa uma revolução na indústria como um todo, revolução esta que
Eu não sei se daqui a duas estações, ainda estou a vender uma mensagem de esperança: temos no nosso universo marcas a designer Constança Entrudo, acrescentando que a situação a há muito se falava mas que estava a ser deixada de lado porque o
roupa. A probabilidade de isso não acontecer é gigantesca.“ com 70 e 80 anos. Marcas que resistiram a uma Grande Guerra. obrigou a olhar o seu trabalho de maneira diferente. Luís Onofre modelo que vivíamos ainda funcionava. Queríamos uma indústria
Também vão conseguir superar esta fase terrível.” As visões corrobora: “Lidar com um problema, com esta dimensão, é um mais sustentável, mas o modelo do fast-fashion ainda funcionava
mesmo que se regresse ao mercado mais ou fatalistas são largamente equilibradas por laivos de otimismo desafio em si mesmo e pode ser também a oportunidade de nos muito bem para o consumidor. Queríamos uma indústria mais
menos incólume, não se sabe muito bem se ele e aposta na batalha. O que quer que aconteça, ninguém irá ao reinventarmos. Surgem novas ideias e uma maior capacidade automatizada, mas os salário baixos em países emergentes ainda
estará preparado para voltar aos hábitos de chão sem dar luta, acreditando que, na incerteza, há espaço de adaptação de produtos e estratégias. Para mim, a ideia chave convinha para as marcas. Para mim, esse é o maior desafio e
consumo anteriores, como aponta o criador para esperar o melhor (dentro do pior): “Antes de falar sobre é dar mais acesso ao consumidor. Estar mais próximo das suas pode ser que seja a grande oportunidade na nossa indústria de
Hugo Costa: “O que realmente me preocupa o impacto do contexto COVID-19 é importante lembrar que o necessidades”. Mais do que ser usado para comunicar produto, se reinventar.”, adianta Alfredo Orobio. “Foi tempo de repensar
é em que estado ficará a nossa economia e de que forma vai setor da joalharia portuguesa vinha a registar um dos melhores o digital está a ser usado para comunicar, ponto. Acima de alguns negócios”, sublinha Paulo Gonçalves. “No final, acredito
condicionar o consumo. O poder de compra em Portugal já é momentos da sua história”, sublinha Nuno Marinho, presidente tudo, com o cliente, confirma Orobio: “O importante para as que a grande conclusão seja que teremos de ser mais inclusivos,
muito débil e uma crise destas que vai muito além de uma crise da AORP (Associação de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal). marcas agora é não se capitalizar na crise, mas valorizar o que promover um comércio mais justo, livre e equilibrado. No setor do
financeira, vai provocar muitas dificuldades. Espero que sirva “Como resultado da forte aposta na sua modernização e a crise tem mostrado importante. As relações entre pessoas calçado, mais de 85% do calçado é produzido num único continente,
para despertar os consumidores para o produto nacional.” “O internacionalização, as exportações subiram de 20 para 100 e comunidades, o senso de coletividade e ajuda ao próximo. a Ásia. Um único país, a China, assegura 65% da produção mundial
mais preocupante nesta situação é a incapacidade de previsão milhões de euros. O que nos leva a concluir duas coisas: que o Marcas que se conseguirem conectar com o seu consumidor de calçado. Não é sustentável.” O mindset parece ser unânime.
para a reativação do negócio”, acrescenta a Parfois, porque setor vê a sua trajetória de crescimento e aspirações congeladas, desta maneira serão lembradas quando a máquina começar “Acho que o que vai ter que acontecer é que as pessoas vão ter que
mas que, pelo lado positivo, nunca esteve tão bem preparado rentabilizar o que têm dentro de portas, tanto os fornecedores
para enfrentar a crise como agora. E baseio este otimismo na como os clientes, e isto eventualmente poderá passar por não
forma como as empresas se capacitaram, diversificaram os seus produzir muita coisa, nos próximos tempos - ou praticamente
negócios e mercados e sobretudo canais de comunicação, tendo nada”, Luís Buchinho lança o mote. “Haver uma rentabilização
no e-commerce um potencial aliado para colmatar a fragilidade do das coisas que estão paradas, porque elas não são propriamente
comércio tradicional.” “Todos os indicadores que possuíamos lixo, são simplesmente roupas que pertenciam a um ritmo de
levavam-nos a concluir que 2020 seria um ano de afirmação do coleções que se calhar agora, pelo menos nesta fase e por um bom
calçado português nos mercados externos. Agora é tempo de nos par de estações, vai ter que ser feito de um modo completamente
reerguermos e de nos reinventarmos.”, confirma Paulo Gonçalves. diferente daquilo a que estávamos habituados. Acho que esse
Reinventar parece ser a palavra de ordem para ultrapassar é que vai ser o grande paradigma.” Constança Entrudo alinha
tempos vindouros. Um verbo que, mais do que pensar fora da na mesma ideia: “Acredito que uma das consequências desta
caixa, é pensar em formas de adaptação a uma conjuntura que situação será a elevação dos valores em torno da sustentabilidade,
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MODA NACIONAL
setores económicos, mas não se esgota aqui: passa também pelo “AGORA TEMOS ESTE ABANÃO seus projetos muito mais vulneráveis num momento de crise. […]
consumo maior da parte do público pelo que é nacional e também QUE PODE SER MOTOR DE Paralelamente a tudo isto e não menos importante, existe um
por renovar o sentido de comunidade, mas também, MUITOS PROJETOS FELIZES, COM enorme trabalho de cada um dos designers
de Moda nacional, enquanto design e mercado: “Acredito que o IDENTIDADES INDIVIDUAIS MAS no sentido de valorização do seus projetos, quer na qualidade e
Estado tem um papel fundamental no auxílio emergencial não só COM ESSE SENTIDO DE GRUPO.” diferenciação do que apresentam, quer na forma como comunicam.
NUNO BALTAZAR
para as empresas mas para os cidadãos. É essencial que Se esse trabalho for bem feito e em rede, os portugueses vão
consigamos, principalmente, deixar aceso o desejo e poder entender o enorme valor acrescentado que têm em consumir moda
de compra dos consumidores, para que depois possamos focar em de autores nacionais. Sem paternalismos! Vão valorizar as peças
ações de consumo nacional e local. Ninguém vai consumir nada se pela sua qualidade, diferenciação e experiência.” Porque a união
não tem dinheiro ou se existe o medo da incerteza do futuro. passa também por aumentar a audiência nacional (e internacional)
Estamos a falar de itens de consumo emocional e precisamos que o no que toca a comprar Moda feita em português. “Passa muito pela
Estado aja de forma consistente para que o lado emocional não seja reeducação do consumo, para uma valorização dos produtos
abalado por muito tempo.”, defende Orobio, acrescentando que “a nacionais, e talvez apelarmos a algum associativismo entre marcas
Moda é certamente uma indústria de relevância em Portugal, e tem e designers nacionais, para nos tornarmos mais dinâmicos e
e a cultura materialista será ainda mais questionada assim se tornado cada vez mais importante parte do PIB - precisamos sim de sentir alguma frustração”, desabafa. Talvez seja este o interessantes para o público em geral. Precisamos entender que a
como o excesso de consumo e as práticas comerciais e de de um trabalho de valorização e incentivo fiscal mais sustentável e momento do vai ou racha, de fomentar essa união na indústria de maioria da população nacional não conhece mais do que um ou
produção irresponsáveis. Acredito que isto possa vir a ser uma menos volátil, mais do que um selo, precisamos de um […] Moda, até agora forte na amizade, parca na entreajuda: “É, sem dois designers/marcas nacionais. Isto é uma questão cultural”,
oportunidade para as marcas pequenas se evidenciarem e as planeamento estratégico da indústria como um todo que possa ser dúvida, uma boa altura para mudar o paradigma,” acredita Nuno defende Hugo Costa. “A questão de comprar produtos portugueses
grandes se reinventarem.” Luis Onofre também está de acordo: implementado de forma consistente e que não seja impactado pelas Baltazar. “Se isso passa por criar um selo único para a Moda é um assunto que já devia fazer parte do vocabulário do dia a dia
“Temos de ser mais pragmáticos e ir ao encontro de uma lógica mudanças de ideologia governamental.” Mas a solução não passa Nacional não sei… Mas é certamente o momento para iniciativas dos portugueses, salve quando não existem produtos portugueses
de consumo mais essencial e sustentável, mesmo no mercado de apenas pelo foro governamental: “A união e a criação de um colaborativas. No nosso estúdio estamos a desenvolver um no mercado”, confirma Miguel Vieira. “Todas as minhas criações
luxo. Reforçar a tónica na emoção do cliente que descobre uma sentido de coletivo no mundo da Moda nacional é essencial à projeto a que chamamos NUNO BALTAZAR Co.LAB*, que pretende têm inscritas a frase Fabricado em Portugal, não é made in Portugal,
coleção no momento em que a compra. […] Na Moda, vivemos recuperação dos setores. Além disso, estamos mais do que nunca alavancar vários desafios de colaboração entre diferentes designers mas sim ‘fabricado’, escrito em português.” O que é que nos falta,
um frenesim frenético que é esgotante e que precisa de ser alinhados na estratégia e na mensagem do que é a produção de Moda meus colegas, ilustradores ou outros artistas em então? “Falta só ter coragem de dar os primeiros passos. […] Agora
reorientado. As temporadas abrem muito cedo e exigem uma nacional e a sua diferenciação a nível internacional”, garante projetos multi-disciplinares. Estas iniciativas visam valorizar temos este abanão que pode ser motor de muitos projetos felizes,
constante renovação de coleções e lançamentos intermédios. Marinho, advogando que o “caminho da Moda Nacional enquanto projetos autorais, desenvolver ferramentas de comunicação com identidades individuais mas com esse sentido de grupo”,
Temos de ser mais concisos. […] Quer queiramos quer não, setor unido já vinha a ser percorrido e se há um silver lining numa conjunta e de partilha. Re-posicionar a Moda de autor no patamar encoraja Nuno Baltazar.
a emoção perde-se ao longo dos seis meses e neste momento crise é a capacidade de acelerar mudanças.” Então, numa palavra, onde deve estar. É tudo um problema de escala. Se Sentido. O sentido a seguir, o que faz sentido, o sentido
precisamos de agarrar o consumidor.” Buchinho vai mais passaremos esta crise através da união? “Acredito que da parte não conseguimos ser competitivos com marcas internacionais, económico… seja que sentido for, o que parece mais óbvio é o
longe: “O mundo tinha tanta oferta, que estava a desvalorizar das associações haja essa vontade e intenção muito clara de criar partindo de uma enorme desvantagem de capacidade de sentido de grupo, de facto. Não há uma fórmula certa na incerteza
completamente a [Moda]. Passou a ser uma coisa banal. E a sinergias entre setores, como uma espécie de ecossistema em que investimento, é o momento certo para assumirmos que a menor de um futuro de imprevistos, mas, seguramente, as que existem,
Moda não é banal. […] A Moda tem que voltar a ser especial, as forças se unem para gerar equilíbrio. Quanto mais denso e dimensão pode ser um factor diferenciador e não de não passam pela divisão da classe e muito menos pela ausência de
porque a moda deixou de ser especial. E passou a ser rápida, coeso, mais forte e imune.” remata Nuno. Se isso acontecer, dá desvantagem.” Seria então, interessante, criar um selo de Moda apoio. Idealmente, como defendem Buchinho, Onofre e Hugo Costa,
e a Moda não tem de ser rápida. Nós não somos rápidos.” resposta à preocupação de Gonçalves, da APICCAPS, que opina que nacional? “Não deixamos de ser criativos, individualistas e teríamos um grande conglomerado que pudesse trazer alguma
“andamos [marcas de Moda nacionais] muitas vezes desgarrados. egoístas”, confessa Hugo Costa. “Incluo-me nesta descrição. A margem de manobra às nossas marcas mas, não havendo, que esse
também não são de ficar de braços cruzados. Se há algo Claro que todos temos as nossas preocupações, os nossos projetos, perspetiva tão própria e individual do design de Moda, faz com que conglomerado de suporte seja feito, em parte, pelo Estado, apoiando
positivo nesta crise, é ter renovado, estabelecido ou mas acredito vivamente que nos falta, no essencial, um espírito haja alguma afastamento criativo. Mas eu adorava colaborar com este setor como aos outros; mas acima de tudo pela concentração
fomentado o espírito de equipa, mas não só: “Umas das colaborativo mais vincado. Foram dados passos no passado outros criadores nacionais, numa espécie de cruzamento de ADN entre criadores e uma maior consciencialização do consumo em
curiosidades a que assisti nas últimas semanas foi um recente. Na minha opinião, ainda não foram suficientes. Temos de marca. […] Acho que nunca é tarde para defendermos, juntos, português. Já preferimos as mercearias locais e até questionamos
reforço da capacidade de entrega e de entreajuda inter-pares. procurado, ao longo dos anos, promover uma maior aproximação as marcas/criadores, e promover junto do consumidor final, porque é que as laranjas vêm de Espanha quando as há tão boas
Vi empresários, outrora concorrentes, a colaborarem de forma entre as empresas de calçado e os nossos criadores, por exemplo. parece-me o melhor dos caminhos.” Paulo Gonçalves concorda: ali no Algarve; olhamos para códigos de barras e símbolos a
próxima e articulada. Este exercício terá, agora, de ser Mas esse trabalho fica sempre muito aquém do que seria “Considero essencial que exista um reforço da ligação entre vermelho e verde com um “P” em destaque para fazermos compras
perpetuado no tempo. O Governo tem procurado ser solução. expectável. O potencial é muito grande, mas por uma qualquer empresas e criadores. Os criadores têm um talento inato, capaz de com consciência. Procuramos frequentar mercados e lojas de
O conjunto de medidas apresentadas é, no geral, bastante razão de menor relevância acaba por ser desaproveitado. Não deixo gerar diferenciação e riqueza. As empresas têm o capital, bairro para “apoiar” os pequenos negócios, mas esquecemo-nos
interessante, ainda que porventura insuficiente. Segundo o FMI, dimensão e capacidade de resposta. Que bom que seria se fosse continuamente de tomar consciência do nosso armário. Ele até
esta será a pior recessão desde a Grande Depressão, nos anos 30 possível chegarem a uma plataforma de entendimento”, remata. pode já não ter muito espaço de sobra, mas nas nossas mentes há
do século passado. Ao nível do consumo, considerando que a “Por princípio, rejeito a ideia de ‘ajuda’ às marcas portuguesas”, ainda muito espaço para consciencializar sobre consumir Moda
situação atual não é de todo sustentável, porque cria desabafa Nuno Baltazar. “Acho um conceito pobrezinho e lusa. Não precisa de ser exclusivamente, mas precisa de ser incluída
desequilíbrios, acredito que as escolhas devem ser mais desajustado. Infelizmente, não temos uma associação de designers no nosso mindset. E no mindset do público internacional, que só lá
consistentes. O apoio à produção local – e local aqui entenda-se que possa, junto dos organismos mais adequados, defender chega com a promoção interna: ir lá para fora de cá de dentro (do
a Europa – é não só desejável, como imprescindível para medidas que permitam a sobrevivência das empresas dos designers. nosso vestuário). Acima de tudo, porque para a economia recuperar,
contribuir para o mundo mais justo, solidário e inclusivo. Que Porque somos, na grande maioria, empresários e sócios-gerentes é preciso não parar de consumir: não quer dizer de forma
este período negro sirva, também, para despertar consciências”, de microempresas, à semelhança de tantas outras no país, mas desenfreada, mas saber consumir, com consciência (nacional).
deseja Gonçalves da APICCAPS. O Governo é, então, vital para a com características próprias e que requerem medidas adequadas. Para que o 5-6-0 seja para sempre 1-2-3, comprar português. l
recuperação? Há um sim generalizado, mas não aceite como Lutamos sozinhos e isolados pela sobrevivência das nossas
uma responsabilidade inteiramente do Governo. A recuperação marcas. Trabalhamos no limbo entre o tecido económico e o *Os códigos de barras que indicam produtos nacionais
da Moda nacional passa pelo apoio transversal aos diversos Descubra todas as entrevistas na integra, em vogue.pt tecido cultural. Obviamente essa indefinição torna os designers e os começam pelo trio de algarismos 560.
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INICIATIVA
Project:
Vo g u e U N I O N
Todas as grandes missões têm nomes de código. Esta não é exceção. trabalho em conjunto. Por isso, esta iniciativa em modo
Todas as grandes missões têm grandes propósitos. Esta não é exceção. #strongertogether surge sob a égide de um ADN nacional, mas
com uma montra para o mundo – a da Vogue Portugal. Nesse sen-
Todas as grandes missões têm uma grande equipa. Esta não é exceção. tido, e para mostrar internacionalmente o que fazemos de melhor
Todas as grandes missões têm títulos que não deixam revelar a sua intenção. – principalmente quando nos unimos –, a Vogue pediu a estes 33
Esta é a exceção que confirma a regra. Por Sara Andrade. criadores para (re)imaginarem – do zero ou em modo upcycling
– uma peça que refletisse a sua identidade para fazer parte desta
s grandes empresas tecnológicas usam-nos para trabalhar coleção, com total liberdade para tipo de item e género (seja pela
em segredo lançamentos de software e produtos que não presença ou ausência dele) e que não responde a temporada, esta-
querem que a concorrência descubra. As organizações ção ou ano. Responde apenas à vontade de mostrar aquém e além
militares usam-nos para planos de defesa e ataque com fator fronteiras que aqui há identidade de Moda portuguesa. Sob este
surpresa. A polícia usa-os para deter criminosos em flagrante título UNION (que representa não só a união, mas também veicu-
antes que se apercebam da investigação em curso. Os jornalistas lando a tradução de sindicato no seu maior sentido de comunida-
usam-nos para trabalhar secretamente em artigos que denunciam de), esta iniciativa conjunta tem apenas uma regra: que a peça seja
irregularidades, fraudes, ação criminosa num uso justo do seu (no seu todo ou em detalhes) azul, qualquer azul no seu espectro
quarto poder. Aqui, o propósito deste code name é mais nobre. Pantone, do azul-esperança ao azul-prosperidade, que é tudo o
E não é secreto. Pelo contrário: a sua promoção exacerbada que os próximos tempos pedem. Azul. Porque é também uma cor
faz parte do modus operandi de uma iniciativa que se resume associada à liberdade, à intuição, à imaginação e à sensibilidade,
a um conceito básico – União. representando ainda profundidade, confiança, lealdade, estabilida-
Daí o nome de código UNION para denominar um trabalho iné- de e sabedoria. Azul. Porque provoca sensações de tranquilidade
dito conjunto na Moda Nacional. Ana Salazar, Alexandra Moura, e calma mas, nas suas tonalidades mais vibrantes, é também um
Anabela Baldaque, Awaytomars, Carlos Gil, Constança Entrudo, motor para sentimentos de dinamismo e adrenalina profunda.
Carla Pontes, David Catalán, Dino Alves, Diogo Miranda, Duarte, Azul, que na sua paleta cromática pode ser tão forte e impactante
Filipe Faísca, Gonçalo Peixoto, Hibu, Hugo Costa, Inês Torcato, como suave e calmante - e que, em muitas culturas, é ainda símbo-
João Magalhães, Katty Xiomara, Lidija Kolovrat, Luis Buchinho, lo de paz, acreditando-se que mantém longe os espíritos malignos.
Luís Carvalho, Luís Onofre, Miguel Vieira, Nuno Gama, Nuno Azul, que pode ser também um símbolo de amor – não é à toa que
Baltazar, Nycole, Olga Noronha, Pé de Chumbo, Ricardo Andrez, o ditado para as noivas é “something old, something new, something
Ricardo Preto, StoryTailors, Susana Bettencourt e Valentim borrowed, something blue” –, e em termos corporativos, diz-se
Quaresma compõem a equipa-maravilha de designers / marcas por- que é uma cor associada à inteligência, estabilidade e união.
tuguesas que responderam ao repto da Vogue Portugal para lançar O único azul que não será aqui tolerado é o azul-melancolia.
uma coleção única que se cose a sucesso fabricado em Portugal. A coleção chegará no próximo semestre, sob a etiqueta Vogue
Agregada pela revista, forjada na aliança dos nomes que batalham UNION ao lado de nomes fortes da Moda Nacional, e pretende
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S O C I E D A D E
U N I P E S S O A L
Criei uma associação. Membros: um. Eu, e aquela que vejo ao espelho, e a
criatividade que me acompanha. Eu, que me desdobro em dois, e em três, e
em quatro. Eu, que me agarro aos projetos com ideias fora da caixa e uma
resiliência indescritível. Eu, que faço malabarismo e contorcionismo para
ultrapassar estes tempos mais ou menos pandémicos e para garantir que esta
sociedade com “membros: um” é uma parceria feliz. Porque antes da união com
os outros, convém estabelecer uma união saudável, e feliz, comigo própria.
Fotografia de Noémi Ottilia Szabo. Styling de Lyla Cheng.
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SOCIEDADE
“O SENTIMENTO DE SOLIDÃO E DE VAZIO, chávena de café num bar onde parece ser a única cliente – um de reconhecida a solidão, há que a explorar: em que momentos
QUANDO PERSISTENTES, PODEM GERAR bar onde não há sinais de vida, onde o escuro da rua contrasta surge, que sensações físicas se fazem sentir em simultâneo, que
UMA ANESTESIA E IMOBILIZAÇÃO QUE com as luzes frias de um espaço gelado, suspenso no tempo. pensamentos a acompanham. Podemos ir um pouco à nossa
FAZEM COM QUE A PESSOA SE ABANDONE, Poderia ser Nighthawks (1942), obra maior do americano, onde história também: em que situações do passado, recente e distante, já
SEM CONSTRUIR ROTINAS NOS SEUS
DIAS OU CUIDAR DE SI. É COMO SE ESTA quatro “falcões da noite”, se levarmos o título à letra, são experienciei solidão? Como lidei com essa experiência na altura? A
EXPERIÊNCIA PUDESSE LEVAR A UM ‘COMA captados no balcão de um restaurante – três clientes e um solidão, tal como qualquer outro sentimento, sinaliza necessidades
INDUZIDO’ DE ALGUMAS PESSOAS COMO empregado, aparentemente juntos mas separados, iluminados psicológicas por satisfazer. Por isso, mais do que corrermos para
MECANISMO SUBCONSCIENTE pela claridade melancólica do silêncio, um silêncio que parece ações concretas, é importante compreendermos o que nos está a
DE PROTEÇÃO.” FILIPA JARDIM DA SILVA gritar, que parece extravasar, que (nos) parece tocar, a nós, que ser sinalizado, para podermos então, de forma mais personalizada,
os observamos, e a eles, que se entregam àquele vazio, àquele dar resposta ao que realmente precisamos.” E não desistir. Nunca.
abismo entre os pensamentos e a vida que estagnou não se
sabe bem onde. Poderia ser Eleven AM (1926), Cape Cod Morning s imagens são de uma Helsínquia despida de gente. As
(1950), Morning Sun (1952), e tantos outros, porque se há algo ruas estão vazias. Os cinemas, as pistas de hóquei no gelo,
comum no trabalho de Hopper é essa sensação de mudez, de as estações de metro, os anfiteatros – locais de culto da
sigilo, de… solidão. “Com as suas paisagens urbanas desertas e capital da Finlândia, unanimemente reconhecido como o
as figuras isoladas, o pintor americano capturou a solidão e a país mais feliz do mundo – estão abandonados, desprovidos
alienação da vida moderna. Mas a pandemia deu ao seu trabalho da sua razão de ser. “Para algumas pessoas, o mundo sempre
aumentam, bem como os nossos níveis inflamatórios, o que Naturalmente que é um infortúnio, mas como não podemos um novo significado aterrorizante”, escrevia um dos críticos de pareceu ser assim. Mostre aos solitários que eles não estão
pode aumentar o risco de doença cardíaca, artrite, diabetes mudar o que já aconteceu, podemos potenciar esta experiência arte do jornal The Guardian em meados de março. E relembrou- sozinhos.” A frase, e as fotografias, pertencem a uma campanha
tipo 2, deterioração cognitiva, humor deprimido e até ideação e torná-la num momento gerador de desenvolvimento pessoal.” nos uma das regras de ouro da solidão, definida por Honoré de lançada em abril pela Helsinki Missio, uma entidade finlandesa
suicida. De uma forma mais imediata, o mal-estar causado por Chegamos, pois, à quarentena: era impossível escapar-lhe. Balzac em pleno século XIX: “Solitude is fine but you need someone que, desde 1883, se dedica a prevenir a solidão e a dar apoio a
este sentimento pode impactar negativamente na qualidade Não é o admirável mundo novo que desejávamos, é apenas um to tell you that solitude is fine” (à letra, e correndo o risco de perder pessoas que se sentem sozinhas. “A solidão criada pelo estado
do sono, no apetite, na energia global e na concentração. mundo, novo. “A atual vaga de COVID-19 veio impor-nos a cadência da língua inglesa, será algo como “a solidão é uma de emergência é um problema que, momentaneamente, nos
Alguns estudos sugerem que o impacto do isolamento social um isolamento social que nos fragiliza a todos por ser algo coisa boa, mas precisamos de alguém para nos dizer isso”). une a todos. Para alguns, isso vai terminar, mas, para outros,
na saúde é idêntico ao impacto de outros fatores como a que surgiu sem aviso, fora da nossa zona de poder, contra Sendo impossível ter, em permanência, esse alguém, como não”, explicava Maria Rakkolainen, diretora da organização. “A
obesidade, o consumo de tabaco e a pressão arterial elevada.” a nossa vontade. O sentimento de conexão ajuda-nos a se lida com a solidão? É possível apagá-la? “Em vez de olharmos solidão daqueles que sofrem de solidão duradoura continua, mas
A solidão até pode ser invisível, indescritível, mas é real. superar adversidades pelo que é importante não o perder. para a solidão como o principal problema e nos apressarmos não precisa de ser assim.” Esta é uma de várias tentativas que,
Este confinamento expõe a qualidade de relação que temos a soluções remediadas, importa em primeiro lugar identificar a nível global, têm sido implementadas no sentido de alertar
é, de certa forma, indecorosa, suja. Ninguém quer assumir connosco e com os outros bem como clarifica o estilo de o sentimento de solidão quando está presente, dar-lhe nome e para os perigos de um isolamento que, só aparentemente, é
que se sente sozinho – nem aos outros, nem a si mesmo. vida que estávamos a ter”, explica Filipa. E continua: “Assim, legitimá-lo, partindo de uma perspetiva de curiosidade e empatia temporário. A implementação das medidas de distanciamento
“Crescemos a sermos pouco treinados para sabermos estar é possível encontrarmos informação desagradável que nos ao invés de culpa e julgamento. Só quando colocamos o nosso social e de quarentena, no sentido de conter a disseminação do
sozinhos na nossa companhia. Somos pouco educados agitará. Contudo, se nos fecharmos numa bolha, desligados de foco de atenção nas nossas emoções, com intenção, é possível novo coronavírus, apenas acentuam um problema que continua
para usufruir do silêncio e da tranquilidade. Como se estar nós mesmos e sem alimentarmos contactos com amigos mesmo começarmos a compreendê-las ao invés de as tentarmos extinguir a viver na sombra das sociedades modernas: a solidão. Fixemo-
sozinho fosse mau, triste, sinal de rejeição ou de não pertença. que à distância de um ecrã, corremos o risco de mergulhar com urgência. Mesmo que esse contacto nos gere desconforto, nos por um momento nessas ruas desertas. E, ao estendermos
Desenvolvemo-nos em casas onde existe tendencialmente ruído num dia a dia desprovido de significado e propósito. E assim se é importante cultivar práticas de atenção plena na nossa rotina a mão a quem, por qualquer motivo, possa já ter entrado
de fundo em permanência, seja música, seja televisão, seja confeciona a doença psicológica.” O que é que passa pela cabeça diária de forma a apropriarmo-nos, com mais consciência, daquilo nessa noite escura, lembremos o conselho de José Saramago:
telemóvel. Associamos silêncio partilhado a falta de conexão de alguém que se sente permanentemente vazio, incompreendido, que nos habita – pensamentos, emoções, sensações físicas.” E “Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo.” ●
(quando pode significar exatamente o oposto). Esta falta de sozinho? “Podem surgir pensamentos negativos geradores de isto, reforça Filipa, é algo que requer um investimento pessoal
treino dificulta o cultivo de uma experiência de autocompanhia desesperança, de uma perda de sentido para a vida. Pode surgir elevado. Porque é aqui que temos que nos confrontar, que temos * Título do 14.º romance de António Lobo Antunes que, por sua vez, faz alusão
de qualidade e por vezes a busca automática por ocuparmos os um questionamento existencial acerca do significado da nossa de nos despir, e aceitar que existe algo a melhorar. “Depois a um verso do poeta Dylan Thomas, “Do not go gentle into that good night”.
espaços à nossa volta, nem sempre com a exigência devida.” Daí vida e até ideação suicida. Estes pensamentos ruminantes e
que muitas vezes encontremos mecanismos de auto-sabotagem, negativos tenderão a dificultar a mobilização para bons níveis
que apenas distorcem a nossa noção de solidão. Vivemos de autocuidado, pelo que se estes pensamentos não forem bem
numa ilusão de companhia. Estamos, aparentemente, cada vez legendados por nós enquanto pensamentos que são, poderão
mais conectados – mas quantas vezes, na presença de outros, tornar-se verdades internas e assim nos condicionarem mais,
escapamos para mundos digitais? A nossa forma de socializar tornando o futuro num cenário incerto. O sentimento de solidão
“real e intensa”, talvez seja, afinal de contas, uma fachada. e de vazio, quando persistentes, podem gerar uma anestesia
Se assim for, a solidão é uma causa ou consequência deste e imobilização que fazem com que a pessoa se abandone, sem
paradigma? Somos nós, de certa forma, que nos colocamos construir rotinas nos seus dias ou cuidar de si. É como se esta
nessa situação? “As circunstâncias atuais são desafiantes por experiência pudesse levar a um ‘coma induzido’ de algumas
nos convidarem a um piloto automático acelerado, em que há pessoas como mecanismo subconsciente de proteção.”
sempre mais para fazer. Colecionamos gostos à velocidade Num paralelismo mais ou menos arriscado, porque é impossível
da luz, mas temos dificuldade em nos lembrarmos do último de comprovar, será esse “coma induzido” aquilo que tantos
abraço. Temos centenas e milhares de contatos nas redes artistas tentaram contar, ao longo dos séculos, do fundo da sua
sociais, seguimos e somos seguidos, mas quando a noite agonia? A solidão, se pudesse ser representada, seria um quadro
cai e algum silêncio surge, sente-se um vazio. A quarentena de Edward Hopper. Poderia ser Automat (1927), esse retrato
veio mudar o ritmo e abanar tudo e todos de forma abrupta. inesquecível e perturbador de uma mulher que olha para uma English version
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V I T A M I N A C
English version
Breaking
news! Este artigo não é sobre desastres, catástrofes ou crises. Este
artigo não é sobre coisas más, sobre coisas que nos tiram o
sono ou sobre coisas que nos causam ansiedade. Este artigo
é sobre notícias. Boas notícias. Por Mónica Bozinoski. Fotografia de Sam Johnson.
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ANÁLISE
histórias positivas e inspiradoras. “Registámos uma quantidade e que isto não é para sempre. Quando subscreves um canal como especialmente na era da Internet, em que as coisas andam tão
de tráfego incrível nas últimas seis semanas, e um crescimento o Upworthy sabes que vais receber doses diárias de positividade rápido”, defende Lucia. “Entras no Twitter e és bombardeada com
de 65% no número de seguidores”, explica Lucia Knell, diretora de e otimismo, numa altura em que todos precisamos mesmo, informação. Depois tens a cultura de cancelamento, que é horrível,
brand partnerships, por videochamada. “No início de março, o nosso mesmo disso. Agora, mais do que nunca, a marca parece estar é usar a Internet para deitar as pessoas abaixo. Penso que este
Instagram tinha cerca de 650 mil seguidores, e no último dia de a fornecer um serviço crucial.” Um serviço que não é só crucial movimento pretende reduzir o mau que existe na Internet, e
março tínhamos um milhão. Acho que o verdadeiro motivo disto para a nossa saúde mental, mas também para nos lembrar, como começar a infiltrar o feed de notícias com aquilo que há de bom.
é o facto de a Internet, especialmente agora, ser assustadora. As defende Lucia, da família que partilhamos globalmente. “Esta Espero que vejamos isso mais e mais, e que chegue também a
notícias são assustadoras. E, ainda assim, isto [pega no telemóvel] pandemia é uma experiência universal, diferente de tudo aquilo revistas, jornais e outros meios onde as pessoas consomem
é a única coisa que temos para comunicar, e é a única coisa que que eu e tu já vimos. Ninguém sabe bem o que fazer ou como informação, porque de um ponto de vista da saúde mental, nós
temos para nos sentirmos ligados ao que está a acontecer.” lidar com isto. Nós somos uma marca global, e se conseguirmos precisamos disto. Nós precisamos de notícias que não nos façam
criar um sentido partilhado de solidariedade e comunidade ao sentir constantemente deprimidos.” Mais do que isso, precisamos
úvidas restassem de que as pessoas procuram uma perspetiva mostrar os italianos a cantarem nas suas varandas, as pessoas do efeito bola de neve que estas notícias têm. “Os seres humanos,
cada vez mais otimista, as pesquisas por “boas notícias” em Portugal a fazerem aquilo que estão a fazer, o pessoal em na sua maioria, estão programados para terem compaixão, e
no Google atingiram um pico em março, e a tendência não Brooklyn a juntar-se à sua própria maneira, tu vais sentir que querem ajudar”, diz Michelle Figueroa. “O Good News Movement
metro para que Margaret McCollum, viúva de Oswald Laurence, abrandou. “Existem tantas que estão a surgir da COVID-19”, fazes parte de uma família humana. E é isso que faz com que as é uma plataforma para partilhar boas notícias, mas também é um
pudesse continuar a ouvir a voz do marido todos os dias. Como refere Lucia. “Histórias de pessoas que estão a apoiar os seus pessoas se sintam mais ligadas enquanto estão em isolamento.” veículo para conectar pessoas que precisam de ajuda a pessoas
o exemplo de Jonathan Jones, um rapaz daltónico que, aos 12 vizinhos numa altura de crise, ou a juntarem-se virtualmente e Para Michelle, este sentido de comunidade também está muito que querem ajudar. Eu sinto que as pessoas querem ajudar, mas às
anos, é surpreendido com um par de óculos EnChroma e vê cor de forma segura para ajudar os outros. Por exemplo, vizinhos presente no Good News Movement. “No mês passado fiz uma vezes não sabem bem como.” Quando pergunto a Lucia qual foi a
pela primeira vez. A reação do adolescente está documentada que se voluntariam para fazer compras para os mais idosos. Ou campanha de positividade para celebrar o facto de ter chegado melhor lição sobre a humanidade que aprendeu com o Upworthy,
num vídeo que, antes de se tornar viral e aparecer em comunidades e bairros que se estão a reunir para ajudar hospitais, a um milhão de seguidores, na qual pessoas em todo o mundo a resposta é muito semelhante à experiência de Michelle. “As
diversos canais televisivos e artigos online, foi publicado pela médicos e enfermeiros, de todas as formas que conseguirem. diziam, ‘Eu sou good news movement porque nós somos as boas pessoas querem ajudar. As pessoas querem perceber como podem
primeira vez no Instagram @goodnews_movement – uma (...) Estamos a receber imensas mensagens diretas no Instagram notícias’. É interessante: as pessoas costumam procurar por boas ajudar. Entidades como a nossa têm a responsabilidade de ajudar
plataforma que, lado a lado com Upworthy, Tank’s Good News e e-mails com histórias como, ‘Acabei de encontrar esta nota notícias na televisão ou nos jornais, mas as pessoas, em si, são as as pessoas a chegar aí, de fornecer recursos e ferramentas para
e Some Good News, para nomear apenas algumas, se dedica incrível para um estafeta’ ou ‘Deixámos estas coisas à porta de boas notícias... Independentemente do sítio onde estamos, ou das ajudar as pessoas a ajudarem.” Para além disso, defende, “é muito
inteiramente a notícias positivas. “Sou jornalista há dez anos casa, como desinfetante, para o nosso carteiro’. Estas são as circunstâncias, nós somos capazes de ser e criar boas notícias. inspirador ver o quão contagiosas as boas ações são” e o impacto
e, desde o momento em que a minha primeira peça foi para ar, histórias que estão a ressoar agora.” Histórias essas que, como Pode soar clichê, mas a mudança começa dentro de cada um de que um só exemplo pode ter em cada um de nós. “Sempre tivemos
sempre me senti atraída por histórias que mostram a bondade refere Michelle, fazem toda a diferença na nossa dieta mental. nós.” E continua: “A palavra ‘movimento’ está no título [do Good noção disto, mas especialmente agora, com a COVID-19, tem
da humanidade”, conta Michelle Figueroa, fundadora do Good “Se só consumirmos as coisas más, não nos vamos sentir bem, News Movement] porque isto é mesmo um esforço coletivo. Em sido incrível ver a reação em cadeia que acontece quando alguém
News Movement, à Vogue. “A minha primeira peça foi para um só nos vamos sentir em baixo. Se nos nutrirmos com a bondade tempos, alguém me perguntou quantas pessoas existiam na minha começa, ou quando alguma comunidade começa. As pessoas
programa chamado Primer Impacto. Era sobre uma criança que que existe no mundo, vamos sentir-nos positivos, elevados e equipa, e eu respondi um milhão. As pessoas enviam as suas costumam usar a frase ‘esperança na humanidade restaurada’
tinha uma pele tão frágil como uma borboleta (epidermólise inspirados”, defende. “Nesta altura, em que estamos confinados histórias ou as histórias dos seus vizinhos, amigos, colegas, e esta na nossa página, como se tudo estivesse perdido, mas agora que
bolhosa), cuja atitude era muito inspiradora. Eu acredito que às nossas casas, é muito fácil sentirmos ansiedade por causa de plataforma amplifica histórias dos seus bairros para o mundo. encontrei o Upworthy, voltei a acreditar na humanidade [risos].
existe muita bondade no mundo, muito mais do que maldade, e toda a incerteza, mas a minha página tem sido um conforto de que, Recebo mensagens de apoio todos os dias – pessoas que me Sabes, as pessoas estão prontas para este tipo de notícias, e acho
não existia nenhum espaço jornalístico para isso.” Há um ano juntos, conseguimos ultrapassar isto.” A opinião da fundadora do dizem ‘obrigada’ por elevar os seus espíritos ou por as inspirar que quando isto acabar, a forma como vivemos e a forma como
e meio, Figueroa preencheu essa lacuna. “Decidi encontrar- Good News Movement é partilhada por Lucia Knell. “Penso que a agir com bondade. Para mim, isso é a melhor recompensa.” pensamos sobre o valor da vida e do curto tempo que temos aqui
me com as pessoas onde elas estão. Tendo em conta que as as pessoas estão a precisar de lembretes que acalmem as suas vai mudar; e, com sorte, vamos canalizar isso em boas ações. Acho
pessoas passam, em média, quatro horas por dia nos seus ansiedades, que lhes mostrem que há uma luz no fundo do túnel, essa a magia das boas notícias: a capacidade de criar uma onda que se vai tornar claro que isso é mais importante do que nunca.” ●
telemóveis, porque não ir até aí?” O resultado não podia ser de positividade, cimentar uma comunidade global e plantar
mais positivo – uma conta de Instagram seguida por mais de empatia onde antes existia divisão. “É engraçado”, diz Lucia.
um milhão de pessoas, inteiramente dedicada a boas notícias, “Estamos sempre a dizer que temos a secção de comentários
a atos de bondade e aos heróis que, todos os dias, tornam mais amigável da Internet. Há muito apoio e ânimo. (...) Acho
o mundo melhor. E não é disso que todos precisamos? “O que as pessoas criaram um espaço sagrado na Internet, como
número de seguidores duplicou desde que o surto [do novo lhe costumo chamar, para aqueles que são puramente orientados
coronavírus] chegou aos Estados Unidos”, diz Michelle. “Estou “EM TEMPOS, ALGUÉM ME para a comunidade e que querem ajudar. É uma comunidade
a receber tantas mensagens que até o simples ato de dormir PERGUNTOU QUANTAS PESSOAS virtual, muito inclusiva, positiva, divertida e com significado.
sete horas atrasa tudo. Tenho de fazer sessões matinais para EXISTIAM NA MINHA EQUIPA, E EU Penso que os seguidores do Upworthy se sentem muito ligados
me atualizar, porque recebo mensagens de todo o mundo e RESPONDI UM MILHÃO. AS PESSOAS entre si, e muito ligados à marca.” E quando gigantes como o The
de diferentes fusos horários. Isso é uma prova de que, até ENVIAM AS SUAS HISTÓRIAS OU AS New York Times ou o The Guardian criam espaços dedicados a
HISTÓRIAS DOS SEUS VIZINHOS,
na pior das alturas, as boas notícias existem, tanto na vida boas notícias nas suas trincheiras, sabes que estás do lado certo
AMIGOS, COLEGAS, E ESTA
real como na minha caixa de entrada!” Quem também viu os PLATAFORMA AMPLIFICA HISTÓRIAS da história. “Acho que as publicações online estão a começar a
números crescer foi Upworthy, um projeto criado em 2012 DOS SEUS BAIRROS PARA perceber que isto não é uma coisa descartável, nem um projeto
com o objetivo de redirecionar a atenção das pessoas para O MUNDO.” MICHELLE FIGUEROA divertido, mas sim uma parte crucial do consumo noticioso, English version
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H I P E R L I N K
Há uma linha que não separa um ser humano do outro. Aquela que simboliza
elos de ligação. Tememos perdê-los no afastamento, mas aprendemos que só
se fortaleceram. Multiplicaram-se as videochamadas, os pontuais namoros à
janela, reconectaram-se velhas amizades porque, em tempos de COVID-19, o
tempo entre mãos é melhor quando há alguém do outro lado da linha. Dessa
linha que não separa a amizade e o amor e a proximidade. Uma linha que serve
de ligação, mesmo quando é apenas telefónica. Uma linha que é invisível aos
olhos, mas palpável no coração. E não perece perante distanciamentos sociais.
Realização e ilustração de Nuno da Costa.
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Ser solidário?
doença. Agora pensemos em todos os romances clássicos que
lemos e em todos os filmes de época que vimos. Mais os manuais
de história que explorámos com avidez. Não é por acaso que a
Idade Média também é apelidada de Dark Ages. Assim, será fácil de
É indiferente!
imaginar tudo aquilo com que Thomas Hobbes se deparou para
ter chegado à sua linha de pensamento. Mas será que as diferenças
são assim tão díspares quando, afinal, uma sociedade dita
“evoluída” se depara com uma pandemia? Ou o medo é um fator
capaz de acentuar o que de pior temos, seja em que época for?
Nada como uma boa e duradoura pandemia para levarmos a cabo um Evoluímos? Ou continuamos a ser o lobo do nosso semelhante?
exaustivo estudo sociológico. No princípio, era o verbo. E que bonito ele era. Não querendo assustar ninguém, a coisa está negra. Somos
Frases motivacionais às janelas e bilhetinhos nos halls dos prédios a oferecer avisados praticamente todos os dias de que, mesmo que
tenhamos a sorte de não ter uma segunda vaga do vírus (o que
ajuda. Depois, veio o isolamento. E o reconhecimento de uma ameaça real – é duvidável) de que vem aí aquela que talvez seja a maior crise
que rapidamente deixou de ser um vírus invisível para passar a ser alguém desde o pós-Segunda Grande Guerra. Ou mesmo antes dessa.
Porque bem vistas as coisas, os aliados contaram, em 1946,
que podia estar contaminado. E o homem, esse animal social, consegue com um Plano Marshall que reergueu os seus países por forma
por vezes ser o mais territorial dos lobos. Por Nuno Miguel Dias. Fotografia de Ilenia Tesoro. a tornarem-se novamente potências económicas e até houve
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REFLEXÃO
vários pontos, recados nos átrios dos prédios (“Se alguém SOPHIE, UMA AUXILIAR DE ENFERMAGEM
precisar de coisas do supermercado ou da farmácia eu ofereço- DE TOULOUSE, FRANÇA, TINHA DEBAIXO DA
-me”) e frases motivacionais sobre arco-íris coladas às janelas. PORTA DE SUA CASA UMA FOLHA A4 ONDE
Mas também descobrimos o TikTok e achámos que os nossos SE PODIA LER, EM CALIGRAFIA DESTINADA
A NÃO SER RECONHECIDA: “CONHECENDO
“amigos” das redes sociais queriam ver as nossas figuras, A TUA PROFISSÃO, SERIA POSSÍVEL, PARA
o que não foi assim completamente positivo. Mais valia o GARANTIR A NOSSA SEGURANÇA, QUE NÃO
enriquecimento pessoal, como ler aqueles 34 livros que estavam TOQUES NAS PORTAS DAS ZONAS COMUNS
na prateleira há mais de dez anos, ou ver aquela série que nunca OU QUE, NOS PRÓXIMOS DIAS, FIQUES
pudemos por falta de disponibilidade. Que agora é tanta. ALOJADA NUM OUTRO SÍTIO? NÃO LEVES
A MAL, MAS EU E OS OUTROS VIZINHOS
IRÍAMOS SENTIR-NOS MAIS SEGUROS”.
então que o otimismo dá lugar ao ceticismo e
a esperança num futuro auspicioso se torna,
lentamente, desalento, melancolia e derrotismo,
mesmo para quem não é obrigado a estar em
teletrabalho enquanto os filhos transformam
a casa num caos muito pouco habitável. A solidão torna-se
patente. A depressão iminente, espreitando ao mais pequeno
nada. Até a classe política dá um mau exemplo. Os partidos
da oposição passam de argumentos como “Agora é tempo
outras disponibilidades que possibilitaram a criação de Israel. de união e não de oposição” para alegações que recordam (principalmente na farmácia), não espelham preocupação vizinhos iríamos sentir-nos mais seguros”. Miriam Armero,
Agora façamos um exercício muito simples. Quantos filmes o facto de não podermos ir aos funerais dos nossos entes com o seu bem-estar. Atestam preconceito, que já existia. empregada num supermercado em Múrcia, Espanha, estava em
sobre pandemias que obrigavam humanos a procurar refúgio queridos. Entretanto, estamos de olhos postos nas notícias, “Velhos” nos supermercados a contar moedas pretas, a casa a um domingo. Foi o filho de dez anos que passou pelo hall de
vimos (as películas e séries televisivas sobre zombies estão que nos atiram com percentagens de mortos, recuperados, provocarem filas intermináveis no Multibanco, a terem prioridade entrada, viu um bilhete por baixo da porta e o leu à mãe, antes de
incluídas, de forma metafórica), tentando atenuar o choque contagiados e curados. É isso ou as possíveis datas para novos nos autocarros, até a “obstruir o caminho” na calçada. O começar a chorar copiosamente: “Somos seus vizinhos e queremos
com recurso a pensamentos como “Oh, isto nunca acontecerá, Estados de Emergência ou de Calamidade. Aqui e ali, o que de preconceito com os idosos é uma realidade. A COVID-19 é só pedir-lhe que, pelo bem de todos, procure outra casa enquanto isto
é só um filme”? E quantos cenários pós-apocalípticos nos mais negro existe no ser humano revela-se, pontualmente. uma desculpa. São vistos como potenciais transmissores da dura, é que reparámos que trabalha num supermercado, e vivemos
foram apresentados, o desespero pela procura de víveres Uma mulher de 33 anos, que reside em Volta Redonda, uma doença – o que é de uma ignorância atroz. E como se combate muitas pessoas aqui, não queremos correr mais riscos". Há quem
e por abrigo dos outros humanos que, num desespero cidade no Estado do Rio, Brasil, chega a casa para ver pintada, a ignorância? Com cultura. São muitas as partilhas de excertos tenha, nos arredores de Paris, encontrado bilhetes na sua viatura:
igual, desprezam a vida e são capazes do pior? Agora já se na fachada, a frase “Casa de contaminados por Coronavírus”, de Ensaio Sobre a Cegueira para estabelecer um paralelismo entre “Agradecemos que não estacione o seu carro junto dos nossos".
torna mais plausível? Na verdade, quando o homem, o ser como se não chegasse perder metade da família para a doença. o romance de Saramago e os dias da pandemia que vivemos. Nos EUA, conhecidos por serem sempre os mais excessivos
mais adaptável do planeta, é confrontado com situações Mais a norte, uma idosa caminha pela rua enquanto quem está É assaz patriótico. Mas incompleto. Em Diário da Guerra aos nestas situações, e mesmo antes do seu presidente ter sugerido
extremas, nomeadamente a sua própria sobrevivência ou a a filmar grita “Vai pra casa, véia”. Essa é uma realidade comum Porcos, de Adolfo Bioy Casares, retrata-se uma Buenos Aires a ingestão de lixívia para prevenir o contágio, Theresa Greene,
da sua descendência, surge a sua verdadeira natureza. Mas a Portugal. Foram inúmeras as publicações nas redes sociais a fictícia, onde os idosos são perseguidos e espancados por médica num hospital de Miami, perdeu a guarda da filha de quatro
amenizemos este discurso com a mesma certeza que temos dar conta que, em relação a quem “furava” o isolamento social, bandos de jovens. Pretendia o escritor argentino curar sobre anos por estar a trabalhar em pleno combate ao novo coronavírus.
praticamente desde que nascemos ou, pelo menos, desde que “Os velhos são os piores”. E não, não sejamos hipócritas, a problemática colocada pelo capitalismo (“Para que servem Em Portugal, e até à data da redação deste artigo, não eram
temos noção de viver em sociedade: há maldade, mas também “queixas” sobre idosos, muitas vezes sem ninguém que os ajude os idosos?”) e que periga, concretamente, o status quo do conhecidos quaisquer casos semelhantes. Sendo que, logo em
há, sem quaisquer dúvidas, o bem. Depende da índole. As e com as mesmas necessidades de adquirir bens essenciais Estado Social, mas que também coloca um problema moral janeiro, quando ainda muito pouco se sabia sobre a doença,
iniciativas de solidariedade multiplicaram-se e continuam a muito mais complexo. E que pode estar a vir à tona por estes jovens chineses de Macau a estudar no nosso país se queixaram
multiplicar-se, muito para lá das instituições costumeiras. dias, a par das mil e uma outras teorias da conspiração. ao Plataforma (órgão de comunicação social eletrónico para os
Recuemos um pouco. Primeiro, estivemos obrigados ao PALOP) de discriminação. Inversamente, alguns portugueses a
distanciamento social. Depois, ao confinamento. Com cada queles que deveriam ser louvados acima de todos (e foram, residir na China queixaram-se à agência Lusa de discriminação
um de nós recolhido na sua casa, tudo tínhamos para que nas primeiras semanas, mas depois cansa, não é?) pelo seu por parte dos chineses. Esta é, aliás, uma realidade comum
pudéssemos ensandecer à nossa vontade. No recato do esforço, dedicação e entrega, ou seja, o pessoal médico, a todos os cidadãos estrangeiros, considerados agora os
nosso lar, tudo deveria ter sido mais resguardado. Mas as ou todos os que trabalham num hospital, das limpezas à principais transmissores e insistentemente ignorados por
redes sociais… Pois. As redes sociais. Subitamente, os nossos cirurgia, também são, incrivelmente, alvo de preconceito. Pequim, situação para a qual Human Rights Watch já chamou
amigos tornaram-se todos cozinheiros de mão cheia, com Sucediam-se, em meados de abril, relatos de enfermeiros e a atenção. Ainda no extremo-oriente, quase nos antípodas, em
empratamentos à El Bulli. E ratos de ginásio com burpees médicos franceses e espanhóis que davam conta de pedidos de Timor-Leste, uma professora escreveu uma carta à FenProf
impossíveis e séries de flexões à Rocky Balboa. E padeiros vizinhos para mudarem de casa. Os “recados” deixados nos carros queixando-se de uma situação insustentável para os portugueses
detentores dos mais profundos segredos transmitidos pelos ou colados à porta de casa eram assustadoramente ameaçadores. ali residentes desde a chegada da COVID-19. O repatriamento
avós. Chegou a faltar fermento nos hipermercados. E papel Silvana Bonino, enfermeira de Barcelona, encontrou o seu carro teve mesmo de ser feito e foi-o, curiosamente, num avião
higiénico, que guardei para último por razões óbvias. Depois vandalizado, com “Ratazana Contagiosa” escrito a spray. Sophie, fretado pela companhia de cruzeiros que atracou um navio
romantizámos. Batemos palminhas às janelas a horas certas. uma auxiliar de enfermagem de Toulouse, França, tinha debaixo em Lisboa em pleno Estado de Emergência e que foi, por isso,
Demos concertos na varanda, até que a polícia proibiu o José da porta de sua casa uma folha A4 onde se podia ler, em caligrafia alvo do preconceito de muitos portugueses, que reproduziram
Malhoa de o fazer, mesmo que turbinasse a coisa com a filha. destinada a não ser reconhecida: “Conhecendo a tua profissão, nas redes sociais amplas críticas àquela “fonte de contágio”
Publicámos fotos das nossas videochamadas com amigos e seria possível, para garantir a nossa segurança, que não toques atracada na capital. Tudo isto pode muito bem não ser o pior
família. Cedo se tornou óbvio que somos capazes do mais nas portas das zonas comuns ou que, nos próximos dias, fiques da humanidade, sempre latente, até que o medo o faz disparar.
romântico altruísmo, com caixas solidárias distribuídas em English version alojada num outro sítio? Não leves a mal, mas eu e os outros Mas depende sempre do conceito que temos de covardia. l
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C L O R O - F I L E S
English version
Sandra: casaco em cetim e organza de seda com aplicação de pérolas, DRIES VAN NOTEN. Top em algodão, CALIDA. Saia em algodão, JIL SANDER.
Sandra: top em lã com aplicação de cristais e vestido em chiffon de seda, ambos MIU MIU. Anel em ródio, ATELIER SWAROVSKI. Sapatos em pele, COS.
Laura: top e saia em chiffon de seda, pulseiras em metal e cristais, sandálias em cetim de seda e cristais, tudo CHANEL.
Na página ao lado, Laura: vestido em algodão, ERDEM. Botas em camurça, CHRISTIAN DIOR.
Laura: camisola em malha de lã, saia em linho e carteira em pele, tudo PRADA. Chapéu em algodão, SPATZ HUTDESIGN PASSAU. Sandra: top em sarja de algodão
e saia em linho, colar em pérolas e seda, e carteira em pele, tudo MIU MIU. Chapéu em algodão, SPATZ HUTDESIGN PASSAU. Na página ao lado, Laura: vestido
em crepe de seda, anel em metal e sandálias em algodão e ráfia, tudo CHRISTIAN DIOR. Chapéu em palha e algodão, SPATZ HUTDESIGN PASSAU.
Sandra: top em algodão e crepe de seda, e saia em crepe de seda, ambos DRIES VAN NOTEN. Chapéu em palha, SPATZ HUTDESIGN
PASSAU. Sandálias em pele, ERDEM. Na página ao lado, Laura: camisa em chiffon de seda, saia em lã bordada a lantejoulas, carteira em
algodão, ráfia e pele, e sandálias em pele e metal, tudo PRADA. Sandra: vestido em chiffon de seda e sapatos em pele e metal, ambos PRADA.
Laura: blazer e calças em jacquard de seda, TORY BURCH. Chapéu em feltro de lã, SPATZ HUTDESIGN PASSAU. Anéis em ouro e cristais,
OLE LYNGGAARD. Botas em camurça, DRIES VAN NOTEN. Na página ao lado, Sandra e Laura: camisas em linho, ambas WEEKEND MAX MARA.
Stylist: Miriam Diaz @ Nina Klein Agency. Modelos: Sandra Martens e Laura Schellenberg @ A Management. Cabelos e maquilhagem: Alexander Hofmann
@ Uschi Rabe. Produção: Winteler Production. Assistente de fotografia: Luca Weber. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal. Veja o fashion film, aqui.
FUTURO
O dia depois
de amanhã
No futuro, todas as pessoas usarão máscara e caminharão com
dois metros de distância umas das outras. Não era bem assim
que idealizávamos a profecia mas, bem vistas as coisas, também
não era bem assim que idealizávamos os primeiros meses
deste 2020. E aqui estamos. Por Ana Murcho. Fotografia de Michael Wolf Estate.
um exercício simples, que qualquer um de nós pode fazer. que, habituado ao rebuliço do dia a dia, a cidades com milhares
Imaginemo-nos, por instantes, de volta a 31 de dezembro de habitantes que convivem numa desarmonia mais que perfeita,
de 2019, a poucos minutos da meia-noite. Daí a nada poderia conceber as principais avenidas das principais metrópoles
estamos a brindar com champanhe e a engolir 12 passas, dominadas por um ruidoso silêncio? Ninguém. Escolas fechadas,
correspondentes a 12 desejos para um novo ano, e de repente parques e jardins fechados, centros comerciais fechados, hotéis
somos interrompidos pelo génio da lâmpada, que por acaso fechados, aeroportos fechados, fronteiras fechadas. Milhões de
também é o génio das passas, que nos avisa de algo importante: pessoas desempregadas. Bolsas de pequenos e grandes países
“Tem em consideração que, daqui a meses, poderás não ter a com quebras históricas. Preços impensáveis, de tão baixos, para
vida que tens agora. Poderás ser forçado a afastar-te dos teus o barril do petróleo, esse ouro negro que raramente é afetado
entes queridos, tal será o receio de os contaminares. Poderás pelas oscilações dos outros setores. E um número incontável
não estar horas a fio em filas de trânsito para o trabalho, porque, de doentes que vive entre o limiar da vida e da morte à custa de
durante meses, deixarão de existir filas de trânsito. Poderás não um vírus invisível do qual se sabe pouco, quase nada, apenas
ter forma de sair à rua sem primeiro te desinfetares, dos pés à que é transmitido a partir daquilo que temos de mais humano: o
cabeça, com álcool-gel. Poderás não ter acesso às tuas distrações toque, a respiração, isso a que chamamos de “estarmos juntos.”
favoritas – o restaurante da esquina, o cinema do costume, o A normalidade tem muito que se lhe diga. Charles Addams, o
quiosque de quinta-feira à tarde. Se tudo isso acontecer, como cartoonista por detrás da famosa Família Addams, é autor de uma
prevejo que aconteça, que desejos irás pedir? Quais serão os das melhores frases sobre o tema: “Normal is an illusion. What is
teus propósitos para 2020?” De volta a essa noite, e na presença normal for the spider is chaos for the fly.” Por outras palavras, o que
dessa figura impositiva, o mais provável seria lançarmos uma para mim é normal, para si, que me está a ler, poderá ser, ou
gargalhada cínica, acompanhada de um encolher de ombros. “Já parecer, o mais completo absurdo. Já a Wikipedia sugere que a
bebi demais. Agora até já vejo quem me indique o caminho do normalidade é “um estado padrão, normal, que é considerado
apocalipse.” Não nos culpemos por esse pensamento. Quem é correto, sob algum ponto de vista. É o oposto da anormalidade.”
que, no seu perfeito juízo, poderia acreditar que o mundo ia ficar Até aqui tudo… normal. E acrescenta: “A normalidade muitas
suspenso durante semanas a fio, qual filme de zombies? Quem é vezes dá-se por conta de uma maioria em comum, sendo anormal no risco, independentemente do risco existir. Mas nós vamos percecionados dessa forma, e passarem a ser percebidos como
aquele que contraria esta maioria. A normalidade também se habituar-nos a esse risco e à sua existência. Isso vai acontecer, algo normal, o que vai acontecer é que vamos deixar de pensar
dá por um resultado padrão ao realizar uma operação com alta tenho a certeza absoluta. Mesmo que isso implique diferenças no sobre isso. São os momentos especiais, no bom e no mau sentido,
probabilidade de se repetir.” Ora é precisamente aqui que os nosso quotidiano, nós vamos assumi-las como sendo algo normal. que muitas vezes nos fazem ter de parar para pensar na nossa
recentes acontecimentos – propagação descontrolada de um vírus É nesse sentido que estamos a viver uma crise agora: aquilo vida. [...] Quando deixarmos de viver nesta interrupção, por
desconhecido, elevado número de óbitos, imposição de medidas que nos disseram que devia acontecer não está a acontecer.” As muito diferente que seja a rotina, ela vai levar-nos outra vez
de distanciamento social, confinamento, declaração de estado de palavras são de Tiago Correia, Professor Associado na Unidade a comportamentos mais automatizados, menos refletidos, e
emergência – entram em cena. Nada disto era suposto acontecer, de Saúde Pública Internacional e Bioestatística e Investigador portanto vamos entrar novamente numa cadeia… vamos chamar-
quanto mais repetir-se. É como se estivéssemos preparados para Sénior do Global Health and Tropical Medicine, ambos do -lhe ‘normal’, em que acordamos de uma certa forma, vamos
tudo, menos para uma coisa assim. Será possível voltar atrás? Será Instituto de Higiene e Medicina Tropical – Universidade NOVA para o trabalho de uma certa forma, trabalhamos de uma certa
possível recuperar o “antigo normal”? Ou estaremos perante uma de Lisboa (IHMT-UNL), que está habituado a pensar fenómenos forma, temos atividades de lazer de uma certa forma… Quando
nova normalidade? “Depende do que se descobrir sobre este vírus. do género. Para ele, esta epidemia simboliza, acima de tudo, um voltarmos a ter liberdade para fazermos o que habitualmente
Sabe-se pouco sobre ele. Não consigo dizer se o antigo normal momento de disrupção. É por isso que não conseguimos evitar fazemos, por muito que seja diferente, vamos deixar de parar
vai voltar. Vai haver um normal. Vai haver uma realidade que nós questionar-nos sobre o que irá acontecer depois. “Nós somos para pensar sobre isto. Neste momento estamos com esta
vamos reconhecer como sendo normal. Não sei se vai ser igual ou obrigados a pensar porque estamos a viver num momento de consciência, porque isto está a mexer com aquilo que dávamos
diferente daquela que tínhamos antes – ou da que temos agora. crise, de ruptura, de disrupção. Mas a partir do momento em por adquirido. Quando aprendermos a viver com novas rotinas,
Vai haver um momento em que saímos à rua sem pensarmos que essa crise, essa ruptura, essa disrupção, deixarem de ser acredito que este estado de hiperconsciência se vá atenuar.”
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FUTURO
oão Luís Lisboa é Professor Catedrático de dos comportamentos. O mais importante será o que se retira “MAIS DO QUE HAVER UMA reproduzem e agudizam desequilíbrios e desigualdades, lógicas que
História e Teoria das Ideias do Departamento do peso da cooperação e do que são bens públicos a cultivar.” VIGILÂNCIA INSTITUCIONAL, PODE constituem chão fértil para o alastrar de calamidades deste tipo.
de Filosofia da Faculdade de Ciências Sociais Nos últimos dias de março, o jornal inglês The Guardian HAVER ALÉM DISSO UMA OUTRA Lembremo-nos que a crise de 2008 levou à orientação de incentivo
e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. publicou um extenso artigo de análise onde questionava o COISA, QUE É ESSA VIGILÂNCIA do investimento público, para imediatamente a seguir se passar a
regresso à normalidade após a atual pandemia. Intitulado We INSTITUCIONAL SER LEGITIMADA
A sua posição sobre a antiga, e a atual, impor, pelo contrário, medidas violentas de austeridade à escala
PELAS PESSOAS. AS PESSOAS
normalidade, é mais pragmática. “Não sei se a normalidade Can’t Go Back To Normal: How Will Coronavirus Change The World?, ACHAREM QUE ISSO DEVE global.” E se austeridade é um fantasma do passado que parece
parecia semiperfeita. Nem penso que seja justo falar de uma o texto juntava as opiniões de vários peritos, ou especialistas, ACONTECER PARA UMA ‘PROTEÇÃO cada vez mais palpável, há quem se preste a fazer futurologia
normalidade errada. O problema da ideia de vida normal é que em crises, e desconstruia a ideia de que seria possível voltarmos COLETIVA’. ESSA É UMA QUESTÃO com questões mais prosaicas: a Internet está cheia de sites que
não existe nenhum modelo em torno do qual possa haver um a algo parecido com aquilo que tínhamos há três meses, QUE AS NOVAS TECNOLOGIAS, propõem soluções práticas para o “novo normal”: cubículos de
acordo pacífico. O quotidiano do trabalho e do lazer? A luta quando vivíamos de um lado para o outro sem pensarmos nas ASSOCIADAS AO MEDO, E AO vidro em restaurantes, praias e espaços públicos, aposta nas
pela sobrevivência? A vida das telenovelas e dos concursos consequências de dar um passo maior que a perna – porque DESCONHECIDO, TRAZEM.” bicicletas em detrimento dos transportes públicos, implantação de
TIAGO CORREIA
televisivos? As sequências de foodies nas redes sociais? O não tínhamos de manter qualquer distância de segurança face sinais luminosos no chão, que delimitam a distância de segurança
stress dos espetáculos desportivos? O normal das doenças e a quem caminhava à nossa frente. “Num mundo totalmente entre pessoas (uma realidade em Singapura), extinção dos saltos
da violência que agora não tem espaço mediático? Tudo isto racional, poderíamos assumir que uma pandemia internacional altos (medida cuja urgência não conseguimos descortinar até
representa pequenas normalidades, tantas rotinas, umas levaria a um maior internacionalismo”, começava por dizer o ao fecho desta edição). Mas e os concertos? E as idas ao teatro
mais leves do que outras. Por retorno à normalidade pode historiador americano Mike Davis, cronista habituado a estudar e à ópera? E a dança? As exposições? O que será da cultura, e da
entender-se apenas a ausência (o fim? a pausa?) da emergência os desastres provocados pela globalização. Davis, que em 2005 arte? Continuarão a ser o escape privilegiado da vida quotidiana?
sanitária, como a paz pode ser a ausência da guerra ou a escreveu um livro sobre a gripe das aves, considerava que as Lançamos a pergunta ao Professor Catedrático: “Nem escape, nem
saúde pode ser o intervalo entre momentos de aflição de pandemias são um exemplo perfeito do tipo de catásfrofes às supérfluo, mas necessidade imperiosa de expressão. Numa situação
um corpo desequilibrado. Esse ‘normal’ que se anuncia, mas quais o capitalismo global é particularmente vulnerável – mas que concreta, uma pessoa pode pensar se com as poucas moedas que
que mal se adivinha, será, por muitas razões, diferente do o mindset capitalista, na sua incapacidade de pensar em termos tem no bolso, compra pão ou um jornal. Mas ao nível social global,
normal anterior. As diferenças, ainda por definir, resultarão além do lucro, não consegue atingir. “Num mundo racional, a questão não se coloca do mesmo modo. O desenvolvimento
de ondas de choque deste período ‘anormal’, ainda por muito estaríamos a aumentar a produção de suprimentos essenciais equilibrado a que esta aflição apela impõe as várias dimensões da
tempo. E também da tensão e da força entre formas diferentes básicos – kits de teste, máscaras, ventiladores – não apenas para coletiva’. Acho que isso já acontece em certas realidades. Essa nossa humanidade e não uma existência mutilada. Implica tempo
de entender o que há que reformar e corrigir.” As relações o nosso próprio uso, mas também para os países mais pobres. é uma questão que as novas tecnologias, associadas ao medo, e para viver um património em construção, a palavra que faz pensar
interpessoais, acredita, serão amplamente afetadas pelo surto Porque é tudo uma batalha. Mas não é necessariamente um mundo ao desconhecido, trazem – essa necessidade de controlo quase como a comida que exalta os sabores, o riso como os afectos.”
do novo coronavírus. “O receio de aproximação será pesado e a racional. [...] O que significará mais mortes e mais sofrimento absoluto. As tecnologias das quais dependemos podem ser
solidão que se vai arrastar tem consequências que não podem em todo o mundo.” Mais de um mês após a saída deste texto, ferramentas de controlo de todos os momentos da nossa vida. É or esta altura, já se sabe, nenhum de nós poderia ter imaginado
ser ignoradas. Durante quanto tempo os avós vão continuar a profecia de Davis confirma-se. As atitudes isolacionistas de por isso que digo que quanto mais soubermos sobre esta doença, o guião destes primeiros meses. Mesmo que trocássemos de
a ser defendidos contra si próprios e contra os netos? Um muitos países contrariam a ideia de que este novo coronavírus, e quanto mais depressa tivermos, eventualmente, a cura, mais desejos, seria impossível mudar o rumo que estava traçado
ano é uma eternidade para alguém que já passou dos 80. Os do qual ainda pouco sabemos, não transformou o planeta num depressa conseguimos combater, e deslegitimar, todas estas para o mundo. Ou será que havia uma passa mágica, que
portugueses não se vão tornar ‘nórdicos’ e distantes, mas gigantesco palco solidário, nem semeou nas mentes capitalistas ferramentas que certos setores da sociedade quererão legitimar”, dava acesso a um “final mais feliz” - e que nos escapou? Tiago
as relações pessoais vão manter alguma estranheza. Uns a necessidade de união. Por isso mesmo, Peter C. Baker, autor da explica o investigador do Global Health and Tropical Medicine. O Correia afirma-o com todas as letras: “Isto vai voltar a acontecer.
dirão que é o resultado da disciplina auto-imposta, outros peça, acabaria por concluir que “a tarefa, hoje, não é combater medo. Será ele o maior efeito colateral desta pandemia? De acordo É bom que as pessoas se preparem. Uma epidemia associada a
que é a inércia de medos. [...] O desejo do abraço ainda o vírus de forma a voltarmos a viver como se nada fosse, com Tiago Correia, sim. “Em qualquer pandemia, é. Uso uma vez síndromes respiratórias estava bem descrita na literatura. Nada
contido vai acompanhar o cuidado com algumas normas de porque continuar como se nada fosse seria um desastre.” mais a analogia da Sida. O medo, a desinformação. Antigamente disto é uma surpresa.” Facto. Nas últimas semanas, têm sido
higiene, mãos, sapatos, espirros... As relações de trabalho Um desastre que estava mais ou menos escrito nas cartas, e que argumentava-se que era por falta de educação ou por falta de partilhados até à exaustão uma série de livros que, aparentemente,
vão prolongar protocolos de prudência e nalguns casos potencia certos extremismos que, nos últimos anos, têm tentado meios de comunicação social, hoje em dia percebemos que não toda a gente leu, mas que ninguém levou demasiado a peito porque
tentar-se-á continuar formas de trabalho remoto e manter sabotar a vida das sociedades democráticas. Como a radicalização é só isso. Os media podem ser um veículo de desinformação. o que é que se vai fazer perante cenários apocalípticos como
procedimentos digitais como adquiridos. Mas isso é da ordem do outro, a xenofobia, o racismo. “Era algo que já existia. Estamos Associado ao medo devemos ter qualidade acrescida na qualidade os apresentados n’A Peste, de Albert Camus (1947), n’A Dança Da
a lidar com algo que é desconhecido, e o desconhecido causa de informação, há uma série de novos riscos que associam Morte, de Stephen King (1978) ou no Ensaio Sobre A Cegueira, de José
medo. Basta pensar no que aconteceu nos anos 80 com o HIV. o medo para efeitos negativos. São riscos muito reais.” Saramago (1998), ligar para o FBI? O investigador continua: “É por
Foram precisas muitas décadas para combater todas as formas Em 2008, precisamente numa altura de colapso da economia isso que digo que as epidemias não têm uma origem biológica. As
de discriminação e de abuso. Mas este vírus não veio criar essa mundial, tornou-se famosa uma frase proferida pelo chefe de epidemias têm uma origem política. E económica. Hoje em dia,
necessidade, veio só reforçar essa necessidade de termos muita gabinete de Barack Obama, pouco depois deste ser eleito: “You com o grau de conhecimento que temos, uma epidemia só surge
atenção com todas as formas de exploração, de humilhação, never let a serious crisis go to waste.” Será que não há lições a retirar porque alguma coisa não foi feita quando devia ter sido feita. E
de negação do outro”, defende Tiago Correia. João Luís Lisboa desta crise? Algumas, de acordo com João Luís Lisboa. “Haverá não é depois de o contágio estar tão propagado – e a nossa vida
concorda. “Esse risco existe porque é fácil deixar crescer um olhar lições para vários gostos. Umas dirão que o planeta não pode depende tanto de mobilidade, de bens, de pessoas – não é depois
mesquinho sobre os vizinhos e há quem procure cavalgar essa ser tão interdependente. Outras, pelo contrário, reforçarão de haver um certo grau de contágio, que se consegue parar isto.
onda. Os estranhos seriam as comunidades asiáticas, mas também perspetivas de cooperação. Pensar uma crise como oportunidade É como se fosse um comboio em alta velocidade, e tentássemos
espanhóis e italianos, como se ouviu aquando dos primeiros começa por ser uma estratégia de sobrevivência. O problema é pará-lo com as mãos. Não acontece. As epidemias não se gerem, as
casos de contágio, nos inícios de março.” Ou o controlo da nossa que esta crise pode proporcionar oportunidades contraditórias, epidemias evitam-se. Previnem-se.” Eis-nos de volta ao grau zero
liberdade. “Há claramente esse risco. Mais do que haver uma conflituais, no sentido de reforçar situações de poder arbitrário de normalidade, aquele de que necessitamos para dar o passo em
vigilância institucional, pode haver além disso uma outra coisa, ou de as contrariar. As mudanças serão as que houver força social frente para uma nova normalidade. Só sabemos que nada sabemos.
que é essa vigilância institucional ser legitimada pelas pessoas. para impor. Poder-se-ão mudar as prioridades, parar a ortodoxia A partir daqui, espera-se, tudo correrá melhor. Está encontrada
English version As pessoas acharem que isso deve acontecer para uma ‘proteção do desmantelamento de serviços públicos, inverter as lógicas que a décima terceira passa. Este é o dia depois de amanhã. l
vogue.pt 2 6 7
TO BE CONTINUED
Em-pa-ti-a
Entraram de rompante no nosso dia a dia e, de
um momento para o outro, passaram a ser as
palavras mais repetidas do nosso vocabulário.
Pandemia. Vírus. Confinamento. Medo. Contágio.
Distanciamento. Morte. Antes que os motores de
busca escolham estes vocábulos como os mais
populares de 2020, a Vogue adianta-se e propõe
um conceito mais humano, e mais unificador,
para ficar na memória deste ano que ainda
vai a meio: o conceito de empatia. Está escrito
em todas as paredes de todas as ruas por onde
não temos andado. Amor com Amor se ganha.
Um artigo para continuar a ler em Vogue.pt.
FOTOGRAFIA: ISTOCK.
“What the world needs is a group hug.” Porque é que a empatia é tão importante, agora.
2 6 8 vogue.pt
D R E A M I N G A L O N E I S O N L Y A D R E A M
FOTOGRAFIA: BRANISLAV SIMONCIK. MODELOS: KAMILA FILIPCIKOVA
E MICHAL SEFRANEK. TRENCH COATS NEHERA.
DREAMING TOGETHER IS A NEW BEGINNING
IMAGINATION TAKES
IMAGINATION TAKES FLIGHT
FLIGHT
SUMÁRIO
VOZES
73 ESCOTILHA
Matilde Campilho, o sol,
FIXAS a sombra e Jonas.
4 EDITORIAL
O diretor, José Santana,
discorre sobre esta ocasião única ESPECIAIS
e provavelmente irrepetível em 77 ICONIC QUIZ
que GQ Portugal e Vogue Portugal Dez protagonistas de capa da
são publicadas em conjunto. GQ respondem a um questionário
durante o confinamento.
68 MUSTFOLLOW
Alessio Albi juntou distância 98 ESTADO DO RETÂNGULO
e criatividade para criar Pandemia da Covid-19: a saga
um novo género de fotografia. continua e Paulo Narigão Reis
dispõe-se, uma vez mais, a
documentar minuciosamente
CULTO esta epopeia dramática.
18 CURIOSIDADES 104 REFLEXÃO
Veja o que descobrimos Diego Armés acha que vem aí
nos recantos mais bizarros o Futebol 4.0 e apresenta algumas
da Amazon. possibilidades para o que o futuro
26 PROFECIAS reserva ao chamado desporto-rei.
Reunimos as teorias mais 126 LIBERDADE
curiosas de quem acha que Não é só no confinamento que
o novo coronavírus é conspiração. o novo coronavírus nos pode
limitar a liberdade. Rui Catalão
fala-nos sobre a galopante
ESTILO vigilância asiática e em como
46 SHOPPING ela poderá chegar cá, mais
Ficar em casa não é sinónimo tarde ou mais cedo.
de pijama. Aposte nas nossas 130 UNIÃO EUROPEIA
sugestões que vão do casual A cada crise que o atinge, o
cool ao sporty chic. Velho Continente mostra as suas
22
fragilidades. Haverá futuro para
uma Europa sólida e unida?
IN & OUT
60 VINHOS
Estar em casa não tem de Culto CORPO
significar estar longe de Cidades 134 SAÚDE
bons vinhos. Saiba onde com História Dormir em tempos de covid pode
comprar e o que escolher. não ser tarefa fácil. Falámos com
duas psicólogas sobre stress e
ansiedade e de como as mudanças
na rotina nos podem deixar
em maus lençóis.
50
138 GROOMING
Os homens, confinados por
esse mundo fora, uniram-se
77
em torno de um ritual. Na falta
Estilo de barbearias e cabeleireiros,
Acessórios haja aparadores.
MOTORES
144 CLÁSSICO
Nota-se muito que estamos
cheios de saudades de andar
A ilustração de de cabelos ao vento?
José Santana para Especiais
uma edição única. Iconic quiz
S
obre esta pandemia, num futuro próximo, todos tiraremos ilações acerca do que poderia ou não ter
sido feito de maneira diferente. Mas há um sentimento que ficou impresso bem fundo em nós, o de que
estamos todos ligados. Uma das frases mais ouvidas durante este longo período é “juntos somos mais
fortes”, mas as frases de pouco servem se não se tornarem ações. Com este pensamento fizemos esta
edição. A revista que tem nas mãos é algo de único: pela primeira vez nas suas histórias, Vogue e GQ unem-se e,
juntas, tornam-se uma – mantendo cada uma a sua individualidade, a sua independência, não se diluindo, cada
uma com a sua identidade própria. Mas juntas, como um testemunho histórico destes tempos.
Sinto orgulho que esta peça única no mundo Vogue e GQ, juntas, seja portuguesa, não por um nacionalismo
bacoco, mas por dar o exemplo de Portugal para o mundo. Não por Portugal ser melhor do que qualquer outro
país, mas por todos sermos exemplos uns para os outros. Porque, afinal de contas, estamos todos ligados. l
*“Nenhum de nós, incluindo eu, alguma vez faz grandes coisas. Mas todos podemos fazer pequenas coisas,
com muito amor, e juntos podemos fazer algo maravilhoso” – Madre Teresa de Calcutá
José Santana
Diretor GQ Portugal
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REDAÇÃO
Chefe de Redação: Diego Armés, diego.armes@gq.light-house.pt
Redação: Ana Saldanha, ana.saldanha@gq.light-house.pt
Editora de Grooming: Joana Moreira, joana.moreira@vogue.light-house.pt
Colaboradores: José Machado, Paulo Narigão Reis, Rui Catalão, Matilde Campilho, Bruno Vieira Amaral, José Couto Nogueira,
Luís Pedro Nunes, Tony Parsons (texto)
Assistente de Redação: Paula Bento, paula.bento@gq.light-house.pt
Revisão: Manuela Gonzaga
Tradução de texto: Érica Cunha Alves
MODA
Editora de Moda: Maria Falé, maria.fale@gq.light-house.pt
Casting: Dominika Svetikova
Produção de Moda: Helena Silva (Snowberry Production)
Colaboradores: Maria Comparetto (grooming), Angel Macias, Emily Tighe (styling)
ARTE
Diretora de Arte: Ânia Figueiredo, ania.figueiredo@gq.light-house.pt
Designer: Inês Ferreira, ines.ferreira@gq.light-house.pt
FOTOGRAFIA e VÍDEO
Diretor de Fotografia: Branislav Simoncik, branislav.simoncik@gq.light-house.pt
Diretor de Vídeo: Ismael de Jesus
Edição de vídeo: Catarina Almeida
Colaboradores: Edgar Berg, Kosmas Pavlos (fotografia)
Foi descoberto pela W Model Management influência na maneira como foi construindo EDGAR BERG DEPARTAMENTO DE ASSINATURAS assinaturas@light-house.pt | 218 294 102 - gqportugal.pt/assine
enquanto passava férias com amigos em o seu percurso. A sua entrada na indústria Instalou-se em Paris e é lá que vive, mas Impressão: Lidergraf Sustainable printing
Barcelona. Nessa época, o modelo britânico da moda deu-se pela porta grande, com Edgar Berg nasceu, em 1987, na então Rua do Galhano, 15, 4480-089 Vila do Conde.
ainda não sonhava fazer carreira na moda, um estágio na Condé Nast International. Alemanha Ocidental, num tempo em que o Email: lidergraf@lidergraf.pt | tel. 252 103 300
longe disso: era no râguebi que imaginava Macias mantém-se na big apple até hoje país estava dividido em dois. Inicialmente, Distribuição: VASP – Soc. de Transportes e Distribuição, Lda.
o seu futuro e já jogava numa equipa depois de se ter estabelecido para trabalhar o principal interesse de Berg não era a MLP: Media Logistics Park – Quinta do Grajal
Venda Seca – 2739-511 Agualva-Cacém
semiprofissional. Durante algum tempo, quer com streetwear quer com marcas fotografia: estudou Design e Comunicação Email: geral@vasp.pt
conseguiu conciliar as duas funções, de luxo, seja em editoriais, ou em produções e começou por trabalhar numa agência de
Distribuição de Assinaturas: Lidergraf Sustainable printing
mas a moda tornou-se um assunto publicitárias. publicidade parisiense. Terá sido, segundo Email: lidergraf@lidergraf.pt
demasiado sério, pelo que teve de optar – e o próprio, a beleza da Cidade Luz a inspirá-
hoje aqui está. É representado por agências -lo e a fazê-lo apaixonar-se pela fotografia LIGHT HOUSE – EDITORA, LDA.
das principais cidades e realizou trabalhos enquanto arte. Não demorou até que Administração: José Santana, Sofia Lucas
para grandes marcas, tanto de moda deixasse o seu day-time job e se dedicasse a Conselho Editorial: Branislav Simoncik, José Santana, Sofia Lucas
Detentores do Capital: Branislav Simoncik (12,5%), Jan Kralicek (12,5%),
como streetwear. Fotografou com Bruce 100% à fotografia como freelancer. José Santana (25%), Sofia Lucas (25%), Pure Lisbon Hospitality, Lda. (25%)
Weber e protagonizou campanhas para
Diretora de Novos Projetos: Sara Andrade (sara.andrade@light-house.pt)
a Ralph Lauren e Tommy Hilfiger, entre Diretor Financeiro: Patrícia Pão Duro, patricia.paoduro@light-house.pt
outras. Neste número, Elliott é a estrela
Informática: Pedro Cargaleiro – Micropastilha
da produção Ceci n’est pas une pipe.
Sede Redação e Publicidade: Rua Rodrigues Sampaio, 18, 2.º Andar, 1150-280 Lisboa
Email: geral@gq.light-house.pt | Tel. 218 294 102
Sede Editor: Rua Rodrigues Sampaio, 18, 2.º Andar, 1150-280 Lisboa
RADAR
CULTURAL
Foi o primeiro setor a congelar:
suspenderam-se concertos, espetáculos,
estreias e lançamentos. Mas o que
seria do isolamento se não tivéssemos
os livros, os filmes, os discos?
Por Ana Saldanha e Diego Armés.
ARTE
MUNDO À JANELA
Para a maioria de nós, pode ser recente a ideia
de janela como lugar de refúgio. Mas para o
célebre e multifacetado artista plástico David
Hockney foi em 2009 que o olhar para o
mundo lá fora ganhou outro sentido. Este
livro combina as suas obras digitais, feitas em
iPhone e iPad entre 2009 e 2012, diretamente
da janela de sua casa em Yorkshire. As
paisagens que pintou replicam os reflexos e as
vistas, a quietude e o movimento, os coloridos
nasceres do sol, os céus lilases da manhã e
as noites quentes de verão. Impresso em
grande formato, as 120 ilustrações à janela de
Hockney são um espelho perfeito dos tempos
que atravessamos. Disponível em quatro art
editions, cada uma com 250 cópias e com um
desenho assinado pelo artista.
CINEMA
MÚSICA REVEZO
FILIPE SAMBADO
Sony Music
“Em clausura”, Vicente Alves Um nome que já não é estranho às páginas da GQ. “É um músico
do Ó falou-nos dos filmes Falámos com Hélio bastante versátil, certeiro nas suas intenções e com uma escrita
que lhe têm feito companhia. Morais, baterista de muito cuidada e inteligente. Em discos anteriores já lá estava tudo
O realizador de Florbela Linda Martini e de isso, mas é em Revezo que a produção se equipara à escrita das
deixa três sugestões. canções. Tudo está no sítio certo”, conta Hélio. Sobre o cantor
PAUS, que resolveu
acrescenta que “é dos melhores escritores de canções, atualmente”
sair de trás da bateria e sobre o álbum: “Tudo está no sítio certo. Soa a objeto próprio,
e avançar para o centro identitário e obrigatório na discografia de cada casa.”
J'accuse – O Oficial e o Espião do palco. O artista
“É um belíssimo filme, artilhado e
viu o lançamento do
construído com uma precisão tremenda
seu álbum adiado ESTREITE
– atores e reconstituição histórica com
em consequência da JOSYARA E GIOVANI CIDREIRA
rigor e realismo sobre um tema que levanta
Joia Moderna
tantas questões como a própria vida do covid-19, mas enquanto “A primeira vez que vi a Josyara foi em maio de 2019, e fiquei
realizador”, explica. Roman Polanski foi explica Vicente. “Não sendo documentário MURAIS não chega impressionado com a forma como toca guitarra e canta”, conta.
condenado por abuso sexual em 1977 nem ficção, é um objeto único que nos leva Hélio dá-nos música Já com Giovani, foi o algoritmo que fez com que lhe caísse no colo.
e a estreia e premiação do filme pela para um universo impossível de caracterizar
na mesma. “É comum desiludirmo-nos quando artistas que admiramos se
academia francesa foi altamente polémica. ou explicar. Mas recomendo vivamente, juntam num só disco.” Mas Estreite não foi o caso, garante Morais.
“Como no caso Dreyfuss, que vacila entre porque a realidade acaba sempre por E acrescenta: “É um disco atual, sem esquecer raízes. E espelha
a verdade e a mentira, aqui somos sujeitos ultrapassar a ficção. E aqui a realidade bem o clima de partilha musical que fervilha no Brasil.”
a uma mesma questão: ver a obra ou não é inacreditável.”
ver a obra, tendo em conta a conduta
do realizador? Julgar o autor ou julgar
o cinema? Eu vi e recomendo.” Hitler vs. Picasso:
A Obsessão Nazi pela Arte
“Um fresco de estórias da História
L I T E R AT U R A
Tiger King: Morte, sobre o mundo da arte durante a Segunda
Caos e Loucura Guerra Mundial e como ainda hoje se
É a série documental do momento. Recém- tenta resgatar do passado sangrento
-estreada na Netflix (mesmo a tempo uma herança que nos pode definir para Desafiámos
do binge-watching de isolamento), tem o futuro. Entre o Holocausto e a Arte
Valério Romão
oito episódios e conta a história de Joe como superior criação da humanidade
Exotic, “um homem com um ego maior ficamos nós, tentando sobreviver a tudo para quatro escolhas
que a savana africana e que mistura crime, isto. Impressionante.” literárias que
tigres, casamentos gay, homicídio, drogas, incluíssem edições
música country, fogo posto, eleições recentes e livros
governamentais e finalmente cadeia”, marcantes. O escritor
português, que ganhou ELIETE O MANUAL DOS INSTRUÇÕES CÁ VAI LISBOA
o prémio de Homem DULCE MARIA INQUISIDORES PARA USO POSTERIOR ALFACE
do Ano (Literatura) CARDOSO ANTÓNIO AO NAUFRÁGIO Fenda
em 2018 e cujo mais Tinta da China LOBO ANTUNES JOSÉ LUIZ TAVARES Livro incontornável
recente romance, “A minha primeira Dom Quixote Imprensa Nacional da obra de Alface
T E AT R O escolha é o Eliete” – é “Do mestre”, diz Valério Casa da Moeda (1949-2007), Cá Vai
Cair Para Dentro, teve
assim que Valério, sem Romão, escusando-se a A terceira escolha de Lisboa é um festim
reedição da Abysmo hesitar, nomeia o livro, dizer o nome mais que Valério Romão recai sobre de palavras loucas,
em fevereiro, escolheu que conta a história de sabido do segundo autor a obra poética do escritor personagens inverosímeis
A B R I R A P O R TA A O E S P E TÁ C U L O o seguinte: Eliete, uma mulher a escolhido. Possivelmente, cabo-verdiano distinguido, e situações improváveis,
Até 18 de maio, todas as segundas-feiras são dia de ir ao teatro. No dia 4 de meio da vida, vulnerável a opus magnum de Lobo em 2018, com o Prémio tais como haver uma
maio, o programa tem D. Carlos, de Teixeira de Pascoaes; 11 de maio é dia do a qualquer brisa, quanto Antunes, pelo menos Imprensa Nacional/Vasco marcha LGBT com a
clássico shakespeariano Macbeth e, para fechar, o ciclo de espetáculos despede- mais a um vendaval. no que respeita aos Graça Moura. pretensão de representar
-se com Woyzeck, de Georg Büchner. A iniciativa é do Teatro Experimental de É nesse mundo da romances centrados em Alfama nos Santos
Cascais e é no seu canal de YouTube que serão disponibilizadas as produções, protagonista que a realidades do pós-25 de Populares de Lisboa.
às 21h30h – e, porque estes espetáculos desculpam atrasos, pode vê-los narrativa se expande. Abril e com reminiscências
até uma hora depois da sua exibição. da ditadura.
ESCOLHAS CULTO
Sempre quis ser atriz, mas a grande oportunidade de atingir o estrelato demorou um pouco.
Foi em 2017 que começou a brilhar internacionalmente como Tóquio em La Casa de Papel.
A propósito da estreia da temporada 4, conversámos um pouco com Úrsula Corberó.
Por Diego Armés.
E
A verdade é que mudou bastante. Antes,
todo o trabalho que tinha era passado em
Espanha e sonhava sempre ter tempo para Inspiraste-te em alguém – real ou fictí-
viajar. Agora é ao contrário, há dois anos cio, tanto faz – para compor a persona-
que não paro de viajar em trabalho e passo gem da Tóquio?
muito pouco tempo em casa. E as pessoas Gosto de imaginar que animais seriam as
reconhecem o meu trabalho onde quer que personagens que interpreto. Com a Tóquio
eu vá. É lindo. escolhi a serpente, porque é imprevisível
Estreou a 3 de abril, na Netflix, a 4.ª tem- e não podes confiar nela. E, se baixas a
porada de La Casa de Papel. Depois de vá- Como é que conseguiste o papel? guarda, ela hipnotiza-te [risos]. Em rela-
rias peripécias, desfechos, twists, truques Fiz um casting. Tinha acabado de chegar ção à caracterização, tinha como referên-
e reviravoltas de argumento, o grupo de de Miami e o jet lag não me tinha deixado cia a Mathilda (Natalie Portman, em Léon,
inteligentes e eficientes assaltantes com dormir. Saí da prova sem saber muito bem o Profissional) e Mallory Knox (Juliette Le-
nomes de cidades reunidos em torno e sob o que tinha feito. E, mais ou menos um mês wis, em Assassinos Natos).
o comando de El Professor, regressou com depois, ligaram-me e disseram-me que me
a promessa de muita emoção e até caos. tinham escolhido. Foi uma alegria imensa Como vês a equipa de ladrões de La Casa
O estrondoso sucesso da série espanho- porque o pouco que eu sabia sobre a per- de Papel? Eles são os maus da fita?
la fez com que os seus seguidores pedissem sonagem é que me parecia uma bomba. É muito relativo. Todas as personagens
mais e mais episódios. A Netflix fez-lhes a são boas e más em La Casa de Papel. São
vontade – e, acreditando no que adianta o Depois de quatro anos a trabalhar num sobreviventes e na vida uma pessoa pre-
jornal madrileno Marca, há mais duas tem- projeto como La Casa de Papel, que mo- fere ser má a pôr-se em risco ou morrer. O
poradas prontas para serem filmadas que mentos destacarias como mais positivos que este grupo tem, apesar disto, são cora-
só a pandemia de covid-19 impediu que não e gratificantes? ções nobres.
avançassem de imediato. [Trabalhar em] La Casa de Papel foi uma
A pretexto da estreia da 4.ª temporada aprendizagem enorme para mim. É curioso Como descreverias a personalidade da
ÚRSULA
de La Casa de Papel, aproveitámos para porque enquanto estamos a gravar é tudo tua personagem?
conversar com uma das suas estrelas, a muito efémero e intenso, a maioria das ce- A Tóquio é uma pessoa com muitas ca-
atriz catalã Úrsula Corberó, que dá vida a nas são muito complicadas… Não apenas rências. E isso leva-a a ser visceral, forte,
Tóquio, um dos elementos mais populares ao nível de interpretação, mas também ao sensível, raivosa, vulnerável, teimosa e ro-
do gangue de El Professor. nível técnico. Mas recordo mesmo os mo- mântica.
mentos mais críticos como algo positivo.
Como te tornaste atriz? Era o teu sonho? Ao nível pessoal, fico com os meus colegas De que é que gostas menos na Tóquio?
Quando tinha 5 anos dizia à minha mãe e toda a equipa. Com quem tive a sorte de A verdade é que quanto mais a Tóquio se
E O PAPEL
que queria ser artista. Insisti tanto que trabalhar, criar, viajar e conviver. Adoro- engana, mais emocionante é para mim in-
ela teve de procurar, sem saber muito bem -os. terpretá-la. Com base nisso, gosto de tudo
onde, até que encontrou uma agência de nela [risos].
publicidade em Barcelona. Estive vários E quais os momentos mais difíceis?
anos a fazer publicidade, combinando com Todos [risos]. Não existem dias fáceis em Identificas-te com a Tóquio ou são mu-
os estudos em escolas de canto, dança e La Casa de Papel. lheres totalmente diferentes?
interpretação aos fins de semana. Aos 10 Posso identificar-me com algumas coisas,
anos saiu a minha primeira série [N. do R.: eu também me considero visceral. Mas ela
Espejo Roto, em castelhano; Mirall Trencat, é tudo em grande escala [risos]. l
em catalão] e aos 17 mudei-me para Madrid
para gravar uma série que foi um boom
adolescente. E aqui fiquei até agora.
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English
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O
holandeses. Com medo de perder o territó- de 1674.
s primeiros nova-iorquinos de rio, a Holanda enviou reforços e no dia 29 Sob o controlo do grande Império Britâ-
que há registo foram os Lena- de agosto de 1645 assinou-se um tratado de nico, o território prosperou, a população
pes, um grupo de tribos indíge- paz entre os governantes e os nativos. cresceu rapidamente e o número de casas
nas também conhecidas como A colónia tornou-se autónoma em 1652 passou de 384 para 983. Quanto aos Lena-
NOVA
Índios de Delaware, muito antes de se sa- e, no início do ano seguinte, Nova Ames- pes, em meados de 1700 eram apenas 200.
U
ber que aquela terra seria a Nova Iorque terdão passou a ser uma cidade. No fim de
centro do mundo e centro de tudo. 1660, o território era habitado por cerca de ma parte da população escrava
IORQUE,
Com o século XVI veio a ocupação euro- 1.500 europeus – metade holandeses – e 375 foi libertada quando os holan-
peia feita, primeiro, pelo italiano Giovanni africanos, sendo 300 escravos. A herança deses entregaram o território,
da Verrazzano, que era comandante do na- holandesa ficou marcada na cidade até mas os britânicos continuaram
vio francês La Dauphine, em 1524. Já antes hoje, especialmente nos nomes de alguns a importar mão de obra escrava de África
DE
Iorque), mas como se encontraram com os cos, os operários. No fim do século, e com
Lenapes, continuaram o caminho. O co- as reformas éticas da era do Iluminismo, a
mandante chamou àquela terra Nouvelle-
PONTUALIDADE população escrava passou a corresponder
CIMENTO
-Angoulême, em honra do seu Rei Francis- a menos de 25% da população.
co I, conde de Angoulême (Angolema). Esta B R I TÂ N I C A Com as luzes veio também o crescente
foi a passagem mais relevante das décadas Depois do italiano, do francês e dos holan- descontentamento com a ocupação britâni-
que se seguiram, sendo a zona apenas um deses, em 1664 foi a vez de um navio inglês ca. A Lei do Selo, por exemplo, determina-
ponto de passagem ocasional de vendedo- atracar em Nova Amesterdão: quatro fra- va que qualquer documento que circulasse,
res e exploradores. gatas inglesas chegaram à baía da cidade e incluindo jornais e livros, tinha que ser
Conheça a história da cidade A colonização europeia voltou a marcar exigiram que os holandeses se rendessem. autorizado e carimbado pelo governo de
a história da cidade em setembro de 1609, O golpe foi ordenado por James, duque de Londres. Em 1765 foi organizado, em Nova
que é um marco incontornável quando o inglês Henry Hudson – pela Com- Iorque, irmão do Rei Carlos II, de Inglater- Iorque, o primeiro Congresso Continental,
de tudo o que se passa no mundo: panhia Holandesa das Índias Orientais ra, com o objetivo de instigar uma segunda que reuniu os representantes eleitos de
da economia à cultura pop. – passou pela Upper Bay. Tal como Cristó- guerra anglo-holandesa. Duas semanas várias colónias britânicas da América do
Por Ana Saldanha. vão Colombo, também este navegador pro- depois, Stuyvesant, o último dirigente de Norte, que se começavam a unir contra as
Fotografia de Inês Ferreira. curava no Oeste uma caminho para a Ásia. Nova Amesterdão rendeu-se e a cidade foi medidas e sanções inglesas.
A terra captou a atenção de Hudson pela anexada pelos ingleses, terminando os 50 Depois de perder a Batalha de Brooklyn e
abundante população de castores (cujas anos de história holandesa, e batizada com a Batalha do Forte de Washington, o gene-
peles eram tendência da moda europeia). o nome que mantém até hoje: Nova Iorque. ral George Washington, um dos principais
A importância dos castores na fundação de Apesar da rendição do oficial, o conflito rostos da revolução americana, regressou
Nova Iorque viria a ser eternizada na insíg- arrastou-se até 1667 e até acabou com uma a Manhattan com as notícias de que Nova
nia de Nova Iorque, que está no centro da vitória holandesa, mas a colónia continuou Iorque continuava sobre a alçada britânica.
bandeira da cidade. sob a alçada dos ingleses. Em 1672 inicia-se No entanto, a cidade tornou-se o centro da
Os primeiros postos de comércio de pe- a terceira guerra entre os dois reinos e os resistência durante todo o conflito – assim
les surgiram em 1614, onde hoje fica Albany holandeses conseguem recuperar a cidade como o foco da espionagem e dos serviços
e, no mesmo ano, aquele pedaço de territó- no ano seguinte (tempo em que se chamou secretos americanos.
rio surge nos mapas como Nova Amester- Nova Laranja), antes de a voltarem a ceder Durante o conflito américo-britânico, os
dão. Porém, só dez anos depois se come- prisioneiros de guerra eram mantidos em
çam a instalar algumas famílias na região, prisões-navio na baía de Wallabout e diz-
nomeadamente no que hoje é a Governors -se que morreram mais americanos nesses
Island. Um par de anos depois, começou a barcos por negligência do que nas bata-
construção do Fort Amsterdam, que viria
a ser sede administrativa da ocupação ho-
landesa e, mais tarde, da britânica. A SENHORA LIBERDADE
Na recém-criada cidade eram frequentes A Liberdade Iluminando o Mundo é o nome oficial da escultura neoclássica da autoria do
os ataques ingleses e, por isso, a Compa- francês Frédéric Auguste Bartholdi e construída por Gustave Eiffel. A estátua foi oferecida
nhia Holandesa das Índias Orientais im- aos Estados Unidos pelo povo francês e representa a deusa romana Libertas, que carrega
portou escravos de África para construir as uma tocha e uma tabula ansata (tábua que invoca a lei) sobre a qual está inscrita a data
muralhas que protegeriam o território. Em da Declaração da Independência dos Estados Unidos (4 de julho de 1776). O monumento
meados de 1638, quem dirigia o território fica no porto de Nova Iorque e é um ícone de liberdade e um símbolo de boas-vindas aos
era Willem Kieft e após cinco anos no poder imigrantes que chegam à cidade.
mil habitantes, em 1900, para 1,3 milhões A cidade centro da economia também foi,
em 1930 – a Grande Depressão que se viria nos anos 60 e 70, palco de protestos raciais,
a abater sobre a cidade, e sobre o mundo, greves e motins. Grupos de ativistas como
trataria de abrandar o crescimento. os Black Panthers e os Young Lords organi-
As décadas entre 1890 e 1930 foram a zaram manifestações para exigir melhores
lhas. A ocupação britânica terminou no dia época dos arranha-céus e das atrações condições e serviços para as zonas mais
25 de novembro de 1783, dia em que George para turista ver, transformando os subúr- pobres da cidade.
Washington regressou, vitorioso, à cidade. bios em dormitórios para quem trabalhava O ano 1977 ficou também marcado na his-
Em 1789, Nova Iorque tornou-se a primei- nas grandes cidades. Por esta altura, Nova tória da cidade como o que foi atingido por
ra capital dos Estados Unidos da América Iorque era o centro do país, dominando a duas crises: o apagão de Nova Iorque (que
sob a nova Constituição dos Estados Uni- comunicação, o comércio, a indústria, as deixou a cidade às escuras nos dias 13 e 14
dos. O primeiro edifício do capitólio foi o finanças, a cultura e o elitismo. Em termos de julho) e os crimes de Son of Sam, o as-
Federal Hall, que fica na Wall Street, e foi económicos, a cidade também era the place sassino em série que matou seis pessoas e
lá que George Washington, tomou posse to be, já que, em 1920, das 300 grandes cor- feriu outras sete.
como primeiro Presidente dos Estados Uni- porações americanas, mais de um quarto Os anos 80 marcaram o renascimento
dos da América. Nova Iorque foi também tinha a sede em Nova Iorque. da Wall Street e a recuperação da cidade
a casa do primeiro Supremo Tribunal dos E se o provérbio diz que quanto mais alto como centro financeiro do mundo. Contu-
EUA e da assinatura da Declaração dos Di- se sobe, maior é a queda, a crise económi- do, a taxa de desemprego e a da criminali-
reitos dos Estados Unidos. A cidade mante- ca atingiu fortemente a grande metrópole. dade continuaram a subir, atingindo o pico
ve-se como capital até 1790. A Grande Depressão atingiu o mundo nos nos anos 90.
anos 30 e teve início nos Estados Unidos Mas a história de Nova Iorque não se
como consequência de uma grande queda conta só com eventos distantes, quadros
THE BIG APPLE na bolsa de valores de Nova Iorque. O crash de museus e trajes de época. Há cicatrizes
O século XIX trouxe a transformação da da bolsa aconteceu na famosa quinta-feira recentes que lhe mudaram para sempre o
cidade, impulsionada pela imigração e pelo negra, no dia 24 de outubro de 1929, mas ADN. O dia 11 de setembro de 2001 ama-
desenvolvimento urbanístico do Commis- a recessão já se fazia sentir desde julho nheceu negro quanto, às 8:46h o Voo 11 da
sioners’ Plan de 1811, um plano de expansão desse ano. Milhares de acionistas perde- American Airlines atingiu a Torre Norte
da cidade que ligou Manhattan à entrada ram as suas fortunas da noite para o dia, do World Trade Center e, logo a seguir, às
do Canal de Erie (que fazia a ligação do a deflação e a queda nas taxas de venda 9:03h o Voo 175 da United Airlines atingiu a
porto Atlântico aos mercados agrícolas do dos produtos obrigaram ao encerramento Torre Sul. Este ataque foi parte de um se-
Centro-Oeste americano e ao Canadá). de inúmeras empresas e fábricas, fazendo questro terrorista de quatro aviões comer-
Em 1835, a cidade de Nova Iorque já tinha disparar a taxa de desemprego e o endivi- ciais de passageiros – dois encaminharam-
ultrapassado Filadélfia e era então a maior damento. O colapso económico teve con- -se para Nova Iorque, um terceiro para o
cidade dos Estados Unidos. Em 1842 a ci- sequências em todo o mundo e fizeram-se Pentágono, em Washington, D.C., e o quar-
dade teve o seu próprio abastecimento de sentir durante vários anos. to acabou por cair num campo na Pensilvâ-
água pela primeira vez e, em 1850, um gran- Os veteranos da Segunda Guerra Mun- nia quando os seus passageiros tentaram
de fluxo de imigrantes irlandeses passou a dial e os imigrantes europeus impulsiona- retomar o controlo da aeronave. Nenhum
constituir um quarto da população da cida- ram o boom económico do pós-guerra, vol- dos voos teve sobreviventes. Em Nova Ior-
de, vindo à procura de refúgio da Grande tando a fazer mexer a máquina económica que, as duas torres que albergavam, maio-
Fome Irlandesa (1845-1850). Foi também do país. E Nova Iorque voltou a surgir das ritariamente, escritórios, colapsaram duas
entre as décadas de 40 e 50 que se estabe- cinzas como cidade-líder, com a Wall Street horas depois do embate, destruindo tam-
leceram algumas instituições do governo a recuperar do percalço de 29. Simultanea- bém edifícios vizinhos. Os quatro ataques
como a Polícia de Nova Iorque e escolas mente, o Bronx passou de zona de classe fizeram 3 mil vítimas, 2606 em Nova Iorque,
públicas, para dar resposta às exigências média para uma das zonas mais pobres da a grande maioria civis.
da população. cidade, com grandes taxas de criminalida- O buraco que se abriu no coração da ci-
Em 1898, a Nova Iorque de hoje consolidou- de e pobreza que só se começaram a inver- dade deu lugar a uma nova torre de escri-
-se ao passar a incluir Brooklyn (que até ter a partir de 1980. tórios, construída em 2006 (o World Trade
essa altura era uma cidade independente), Center 7), à torre One World Trade Center,
Manhattan e as zonas periféricas. O muni- que, com os seus 542 metros, é o mais alto
cípio de Brooklyn passou a estar ligado a arranha-céus do hemisfério ocidental, e ao
Manhattan pela Ponte de Brooklyn. Em 1914 Memorial & Museu Nacional do 11 de Se-
foi criado o município de Bronx, passando English tembro, inaugurado em 2011 para assinalar
a cidade a ter 5 zonas distintas: Bronx, version os 10 anos da tragédia. l
Brooklyn, Manhattan, Queens e Staten Is-
land. De todas, destacou-se o crescimento
do Bronx, cuja população aumentou de 200 COVID-19
À data, os Estados Unidos são o país mais afetado pelo novo Coronavírus, sendo
que a cidade de Nova Iorque é onde se concentram um quarto dos casos de todo
o país. Só no estado de Nova Iorque estão 35% dos infetados e as perspetivas
apontam para que o número continue a aumentar.
ORÁCULOS
MAIS OU MENOS We’re not ready
for a virus
É fácil encolher os ombros a autores de ficção
científica e a médiuns, mas o caso muda de
Para qualquer evento que figura quando quem fala de uma próxima
abane o que temos como epidemia e de como a humanidade não estaria
certo, surgem as respetivas pronta para lidar com ela é um nome sonante
como Bill Gates. Especialmente quando a
teorias. Será que a pandemia mensagem nos chega em tom de aviso e
do novo coronavírus estava não de adivinhação do futuro. Numa TED e frequentem espaços públicos, infetando
escrita nos astros? Estes Talk de 2015, no rescaldo do surto de ébola outros sem saber. Gates faz ainda a simulação
(que matou cerca de 11 mil pessoas), Gates de um vírus que se espalha pelo ar (como o da
senhores dizem que sim falava de uma próxima epidemia e de como gripe espanhola de 1918), em que prevê mais
e as conspirações surgem o mundo se deveria preparar. Ao contrário de 30 milhões de mortes. Talvez devêssemos ter
no terreno mais fértil que do que aconteceu com o ébola – que afetou estado mais atentos à palestra do empresário
maioritariamente zonas rurais do continente e ao plano de prevenção que apresentou, que
existe nos tempos de hoje: africano e que tinha um período de incubação passava por fortalecer os sistemas de saúde,
a Internet. de, em média, 5 a 10 dias –, Bill Gates alerta preparar equipas para resposta rápida a surtos
para o facto de o próximo vírus poder não epidémicos e desenvolver a pesquisa na área
Por Ana Saldanha.
mostrar sintomas durante muito tempo, das vacinas e dos diagnósticos. Não podemos
fazendo com que as pessoas viagem dizer que ninguém nos avisou.
Veteranos Escritos
animados nas estrelas
Chega a parecer que a série de animação Mas Koontz não foi o único a pôr a
The Simpsons tem um episódio para profecia no papel. Também Sylvia Browne,
cada acontecimento, tal é a frequência autora e médium, previu algo semelhante
com que acusam os seus criadores de à epidemia com que convivemos hoje.
prever o futuro. Neste caso, o episódio O livro chama-se End of Days: Predictions
em discussão chama-se Marge in Chains and Prophecies about the End of the
(temporada 4, episódio 21) e foi para o World – figas para que o título não
ar em 1993, mas imagens que mostravam seja presságio – e numa das suas
A história repete-se para lidar com ela. No seu livro de 2018 (Flu
Hunter: Unlocking the Secrets of a Virus),
o pivô de telejornal Kent Brockman
a anunciar um Coronavírus foram
passagens pode ler-se algo como: “Perto
de 2020, uma doença grave semelhante
Fora previsões proféticas, seria mesmo
o virologista especialista em gripes Robert manipuladas, não havendo nenhuma a uma pneumonia vai espalhar-se
possível prever o que se avizinhava? Se nos G. Webster escreveu que o aparecimento menção a este vírus na série. O episódio pelo globo, atacando os pulmões e
guiarmos pela máxima de que a história é de uma pandemia não só seria possível em questão fala de uma gripe, a que os brônquios e resistindo a todos os
cíclica, talvez 100 anos sejam pausa suficiente como seria apenas uma questão de tempo chamam Osaka flu, oriunda do Japão tratamentos conhecidos.”
entre gripes pandémicas – apontando a até que aparecesse e que “a natureza vai e não da China, que chega aos Estados Talvez o facto de Browne ter sido, em
última como a gripe espanhola de 1918. Ou voltar a desafiar a humanidade com um vírus Unidos (mais precisamente a Springfield, 1992, condenada por fraude não ajude
pelo menos para nos esquecermos de que equivalente ao da Influenza em 1918”. No terra natal dos bonecos amarelos) dentro no seu caso, mas se analisarmos a sua
poderá voltar a acontecer. Mas a memória ano anterior, o antigo diretor do escritório de caixas de espremedores topo de gama. citação podemos encontrar algumas
curta não afeta todos. Entre 2005 e 2019, de Assistência a Desastres Estrangeiros dos A propagação dá-se quando um dos inconsistências entre a doença descrita
um infecciologista, um virologista, os EUA alertava, num artigo no Politico, para trabalhadores da fábrica japonesa tosse e o novo coronavírus. A primeira é que
Serviços Secretos americanos, o ex-diretor a falta de preparação do Presidente Donald para dentro da caixa onde está a embalar não se trata de uma doença semelhante
do Escritório de Assistência a Desastres Trump para lidar com a eventual crise de o pequeno eletrodoméstico. Mais uma à pneumonia (ainda, numa fase mais
Estrangeiros dos EUA, a antiga diretora de saúde mundial dado não se tratar de uma vez, a profecia é apenas coincidência e até agravada, possa afetar os pulmões). Sylvia
um departamento do Conselho de Segurança questão de “se” mas sim de “quando”. Bill Oakley, um dos escritores da série, prevê ainda que “mais desconcertante
Nacional americano e o Serviço de Saúde de já veio explicar que a Osaka flu é que a própria doença será o modo como
Massachusetts fizeram previsões e lançaram referência à gripe de Hong Kong de 68. ela desaparecerá tão rápido quanto
avisos e alertas sobre uma pandemia iminente surgiu, atacará novamente dez anos
mais tarde e depois desaparecerá por
e as consequências da falta de preparação
completo”. Ora, fiquemos atentos e
voltaremos a falar disto daqui a dez anos.
Fake XVI news
E não há como fugir a uma boa teoria de
WhatsApp. Nesta, Nostradamus (médico
alquimista do século XVI que ficou conhecido
pelas suas capacidades como vidente), previu que
“no ano dos gémeos surgirá uma rainha desde o
oriente que estenderá a sua praga vinda dos seres
da noite à terra das sete colinas”. A mensagem
que circulou pelas redes sociais fazia uma série
de ligações entre o excerto e a situação atual: ano
dos gémeos seria 20 20, rainha (coroa – corona)
do Oriente (China), a praga seria o vírus, e por
aí fora. Acontece que nem estes versos alguma
vez existiram na obra de Nostradamus, nem
O profeta Koontz sequer a palavra “praga” consta nenhuma das
A premonição que mais vezes vi partilhada pela Internet fora é da autoria de Dean Koontz, autor suas escrituras. Mas já não é a primeira vez
de The Eyes of Darkness, um livro de ficção científica publicado em 1981. Acontece que o que que o escritor é apontado como profeta e em
deveria ser apenas uma história sobre uma mãe que procura saber se o filho, que teria morrido um 2016 até foram recicladas as mesmas previsões
ano antes, ainda está vivo está a ser apontada como profecia. Porquê? Porque o livro menciona dadas para 2015, ano em que aconteceria uma
uma arma biológica, altamente letal, criada na China. Está a ligar os pontos? Olhe que há mais. grande guerra mundial, o colapso da economia
A tal arma chama-se Wuhan-400, que é precisamente o nome da cidade que foi o centro da mundial e a unificação de todas as línguas do
pandemia da covid-19. No entanto, no livro de Koontz a doença tem uma taxa de mortalidade de mundo). Acontece que, como as centúrias
100% e um período de incubação de apenas quatro horas. Parece-lhe previsão ou coincidência? (as tais profecias de Nostradamus) não têm
English Talvez a resposta surja quando souber que, originalmente, o nome da arma biológica do livro especificações de datas nas suas previsões,
version americano era Gorki-400 e teria sido criada pelos russos, só passando a Wuhan-400 em 2008. podem ser coladas ao ano mais conveniente. l
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vida de hoje – e esta ideia nunca fez tanto
sentido como nos dias que correm. Estar em
teletrabalho exige alguma disciplina, mas
mais do que nunca dispensa o fato. Manter
a rotina é crucial para estar sempre ligado,
mas também é importante desligarmo-nos
do trabalho e aproveitar o merecido des-
canso. Para que tal aconteça, o conforto é
fundamental. O que começou como um dia
da semana em que os trabalhadores eram
incentivados a adotar um estilo mais infor-
mal – a famosa casual friday – alastrou-se
a todos os outros dias. Mas vestir-se para
o trabalho, e agora para o teletrabalho, não
tem de dar trabalho. A marca especializada
em calças chino há mais de 30 anos continua
com os olhos postos numa mentalidade mo-
derna que quer incentivar os homens a criar
as suas próprias regras.
Durante o ano passado, a marca aliou-se
à We Are Testers para desenvolver um es-
tudo sobre o código de vestuário no traba-
lho na Europa que revelou que as novas ge-
rações preferem um vestuário de trabalho
Em parceria com a We Are Testers, a Dockers quis saber mais sobre o dress code de trabalho da nova geração.
FEEL GOOD,
LO O K G O O D
Nascida em 1986 em São Francisco, Califór-
nia, a Dockers esteve na linha da frente do
movimento informal. Nos anos 90, enviaram
o manual A Guide to Casual Business Wear a Calças Smart 360 Flex Chino, €99.
25 mil empresas americanas, convidando
T-shirt Dockers Logo, os seus colaboradores a deixar o fato no
€24, calças Supreme armário e a entrar na onda da casual fri-
Flex Jogger, €99. day. Mas mudam-se os tempos e mudam-se
as vontades e, se mudar a sexta-feira não
chega, a Dockers de hoje oferece uma gama
de chinos e vestuário confortável, versátil e
inovador. À prova de todas as ocasiões. ●
A I N OVAÇ ÃO
SUPREME S M A R T 3 6 0 F L E X TM
F L E X TM Flexibilidade nos 4 sentidos, bolsos de
Flexibilidade a outro nível, conforto segurança ocultos, cós interior elástico,
Superior, recuperação máxima recuperação máxima sem vincos. Camisa Alpha Icon, €59.
ESTILO PERSONALIDADE
DIGA LÁ,
ANA MURCHO
Desde que foi estagiária de jornalismo no Público, em 2003, até que se tornou chefe
de redação da Vogue Portugal, em 2019, viveu uma vida recheada que inclui, por exemplo, duas
temporadas em Los Angeles a escrever um livro. Ana Murcho revela um pouco mais sobre si. YOU CAN BUY HERE. VOGUE.PT/ SHOP
WE ARE WORLDWIDE
Uma boa memória dos tempos pré-confinamento.
Liberdade. Ruas cheias de vida. Abraços sem medo. Fins de tarde
infinitos. Barulho – o silêncio tem sido muito ruidoso.
Um hobby a
que tenhas
aderido durante
o confinamento.
Sesta.
O teu perfume.
Eaudemoiselle,
Givenchy.
Um relógio para
Três filmes para esqueceres
a palavra covid. Scarface
(1983), When Harry Met Sally
O realizador com
mais filmes no teu
Top 10. São dois:
não perderes a
noção do tempo.
Tank, Cartier.
M A K I N G C U L T U R E G L O B A L
Alfred Hitchcock O U R R E A D E R S K E E P I N C R E A S I N G E V E R Y D A Y . T H A N K Y O U .
(1989), Volver (2006).
e Woody Allen.
V I N H O S A O D O M I C Í L I O
Existe nesta era de confinamento uma ótima oportunidade para encomendar bons vinhos online e experimentá-los em casa. E fazer tudo com tempo.
U
que, hoje, diante deste novo paradigma de vinhos do Yeatman Hotel,
ma coisa é uma coisa, outra de consumo, passaram a vender – ou re- enviou-nos as suas escolhas
coisa é outra coisa: estamos fe- forçaram essa forma de venda – também
pessoais. São vinhos que
chados em casa? Sim. Estamos à distância. Desta vez, e por uma questão
impedidos de ir comprar bons de abertura de possibilidades e variedade merecem atenção.
vinhos às garrafeiras? Mais ou menos. Di- de escolha, experimentámos encomendar
gamos que sim, fisicamente não podemos apenas a lojas de vinhos (mas não esque-
ir à loja contemplar longas prateleiras re- cemos os produtores e as suas sugestões). ESTA DO LÍ QU I DO
cheadas de bons vinhos. No entanto, não Começámos com cinco lojas: Garrafei- Esta garrafeira foi a que apresentou dois Yeatman Wine Shop
estamos impedidos de, de certo modo, os ra Nacional, Estado Líquido, PMC, Vinha. elementos imbatíveis: a rapidez na entrega
contemplar online e encomendar sem a me- pt e Cave Lusa. Destas, escolhemos duas (menos de 48 horas) e os melhores preços Tinto:
nor a dificuldade. Ou seja, a loja pode vir baseando a escolha em princípios muito nas gamas baixas – que serão os vinhos Gloria Reynolds Cathedral 2004 | Alentejo
até nós. simples: informação disponibilizada, visibi- mais procurados para consumo regular Já foi o tempo em que quando pensávamos
Este método de aquisição de vinhos, lidade e clareza dos preços, e facilidade da nesta época de confinamento. O seu ponto em Alentejo e na Casta Alicante Bouschet, só
revelado em modo massivo pelas novas escolha, devendo o buscar um vinho ser tão mais fraco será o leque de escolhas reduzi- nos vinha à memoria vinhos tintos de Inverno,
necessidades geradas pelo confinamento, intuitivo e acessível quanto possível. do em alguns segmentos – a título de exem- superextraídos e encorpados. Este Gloria
pode até ter vindo para ficar. É que com- Aplicados estes critérios, Estado Líqui- plo, só tem disponíveis seis vinhos tintos Reynolds Cathedral é um desses mith busters
prar à distância propõe algumas vantagens do e Vinha.pt destacaram-se das demais algarvios. No entanto, nas regiões de maior que demonstram o estado atual da região
em relação à compra tradicional. O que se com as suas ótimas listagens de vinhos e representação, como o Alentejo e o Douro, num vinho muitíssimo bem feito. A evolução
perde em proximidade e possibilidade de possibilidades muito intuitivas de seleção, a escolha é muito vasta. Portes grátis em Tormes do tempo, moldou-o num nariz de uma
manuseamento – mas para que serve ma- permitindo conjugar preços e origens com compras superiores a €50. complexidade incrível e sempre que agitamos
nusear uma garrafa, afinal de contas? –, grande facilidade. Isto não significa que as o copo, este vinho surpreende com mais
ganha-se em tempo para pensar e fazer outras lojas online não tenham qualidade, Vinho em destaque: uma nota. Hoje tem notas de cereja, madeira
contas sem se sentir a pressão das pessoas como é evidente. Simplesmente, estas duas Catarina Branco 2019. muito bem integrada, menta, especiarias.
em redor. Acresce que, comprando online, apresentaram uma extraordinária facilida- Uma curiosa combinação da autoria Elegante, com corpo médio, acidez e fim de
é muito mais fácil consultar as característi- de de navegação e de acesso. da Quinta da Bacalhôa, em que Chardonnay, PRODU TOR E S Kompassus boca prolongado. Este é um grande tinto do
cas dos vinhos e até críticas de entendidos. Arinto e Fernão Pires compõem o blend depois LIMA SMITH (D O URO ) Reserva Branco Alentejo.
Certifique-se apenas de que essas críticas de estagiarem em separado. O resultado Dificilmente encontrará melhor exemplo
são idóneas. Sites e aplicações como o Vi- é um branco mineral e floral, aromático de compra direta ao produtor. A Lima Smith Rosé:
vino serão barómetros fiáveis, mas acon- e fresco. €5,58 tem loja física, mas não online, pelo que as LAVRAD O RES Atlantis Reserva Rosé | Madeira
selha-se leitura dos comentários para se encomendas para entrega têm de ser feitas D E FEITO RIA (D O URO ) Com a primavera, apetece viajar. Este vinho
perceber o grau de seriedade da avaliação por email (info@limasmith.com). “Somos Associada à Vinicom e à Adegga, a Lavradores leva-nos até à ilha da Madeira. É um Rosé de
e de experiência do avaliador. Consultar V I N H A .P T artesanais, o pessoal tem de mandar email”, destaca a Três Bagos Reserva (caixas de Tinta Negra Mole da Madeira Wine Company.
publicações de referência e da especialida- Possivelmente, a loja mais fácil de navegar diz Tony Smith com boa disposição. Smith seis: branco €42,40; tinto €54,90); o Três É um rosé aromático e descomplicado com
de será sempre uma mais-valia. que visitámos. Aqui, tudo é intuitivo e fácil destaca também que os preços para estas Bagos Sauvignon Blanc (€57,30 – caixa uma excelente relação qualidade-preço. No
de encontrar e filtrar. Acresce que os filtros encomendas têm um desconto de 10% sobre de seis); o típico tinto do Douro Quinta nariz tem notas florais e de frutos vermelhos: de
incluem os estilos e as características dos os preços da loja física, onde já praticam da Costa das Aguaneiras (€118,50 romã, morango e cereja. Na boca uma acidez
vinhos – complexos, frutados, encorpados, preços abaixo do PVP – “e ainda oferecemos o caixa de seis); e os elegantes Meruge, branco salina bem vincada, boa estrutura e persistência.
etc. –, o que é uma ótima ferramenta à dis- envio dentro de Portugal Continental e tinto (€118,50 as caixas de seis É um vinho excelente para sushi ou thai.
posição do comprador. Como pontos fracos, a partir de uma caixa de seis vinhos”, em ambos os casos). Portes grátis em
apresenta alguns preços um pouco acima podendo ser um sortido de vinhos. Destaque compras superiores a €50. Branco:
da média nas gamas mais baixas. A comu- para os vinhos Tormes (vinho verde, €4), Dentro do estilo
nicação direta também não é especialmen- Covela Avesso Reserva e casta preferido (Riesling):
te feliz – o contacto telefónico foi algo rude (€11,70), Boavista Reserva Tinto PRO D UTO RES DA BAIRRADA Nikolaihof Wachau Rarität 2000,
e pouco claro em relação ao tempo da en- (€40,50) e, por fim, o Tecedeiras Porto A Região da Bairrada tem os seus vinhos Wachau - Áustria
trega. É possível pagar com MB Way, o que – Tawny Reserva (€13,50). disponíveis com entrega gratuita para Já confessei várias vezes que Riesling é uma
a torna a loja mais prática de todas. Portes encomendas acima dos €50. O Kompassus das “minhas” castas. Pela versátil capacidade
grátis em compras superiores a €50. Reserva Branco (€11,50), o Aliança de iniciar e terminar uma refeição.
Catarina Reserva Tinto 2018 (€4,99) ou o Colinas Neste Nikolaihof Wachau Rarität do ano 2000,
Branco 2019 Vinho em destaque: Reserva Tinto 2011 (€14,20) merecem hoje, gosto particularmente da forma como
Dory tinto colheita 2017. Lima Smith destaque. exprime a casta, a evolução no nariz, a estrutura
É o pastor alemão dos vinhos de Lisboa e acidez interminável. Esta referência faz
– sem exuberâncias, apresenta características parte da pequena percentagem de vinhos
extraordinárias em todas as vertentes internacionais que temos disponíveis na
Dory tinto e revela-se um companheiro leal no dia a dia garrafeira do The Yeatman e está disponível
colheita 2017 em confinamento. €4,99 Lavradores de Feitoria Produtores da Bairrada na nossa loja online. ●
Bairro do Avillez
Toda a variedade – sopas,
vegetarianos, mariscos,
Eleven carnes – do chef Avillez
Uma das cozinhas disponível de segunda a
mais sofisticadas de sábado, das 12h às 21h. Faz Figura
Lisboa, com assinatura O serviço de entregas Um dos grandes
de Joachim Koerper. é gratuito para pedidos clássicos lisboetas
Disponível de segunda acima dos €100 em mantém boa parte
a sábado, das 12h às Lisboa e “de Algés dos seus pratos
21h, e com entrega a Cascais”. emblemáticos para
grátis (dentro de entrega ao domicílio
Lisboa) para pedidos de terça a sábado
acima dos €35. (horas de almoço
e de jantar).
CÓDIGOS GASTRONÓMICOS
Eat chic. Lá porque os restaurantes estarão fechados pelo menos até finais
de maio, isso não significa que tenhamos de abdicar daquela pequena
extravagância gastronómica. Escolha a assinatura no seu menu e aguarde
– o seu confinamento está prestes a melhorar.
Talho da Esquina
Carnes de fazer
crescer água na boca Almeja
segundo as melhores O Almeja começou
receitas de Vítor também a trabalhar
Sobral – dica: siga as com takeaway e
sugestões do chef. El Argento entregas no Porto
Todas as entregas As empanadas e a (gratuitas acima de Yakuza
são gratuitas (todos tradição argentina €35) de quarta a O chef Olivier casa as
os pedidos devem disponíveis para sábado, das 19h tradições do Oriente
ser superiores a €5; entrega no Porto às 21h30. com os trejeitos
de quarta a domingo, (grátis acima de €35), do Ocidente para
das 12h às 22h). com promoções muito chegar a bom porto
apetitosas. O melhor com sushi, sashimi,
mesmo é espreitar makizushi, gunkans e
e escolher. tempuras.
SEM BARREIRAS
A criatividade é livre, mesmo entre quatro paredes.
E estes gadgets ajudam-no a deitar mãos à obra. Por Ana Saldanha.
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VOZES
#MUSTFOLLOW
Com o mundo em confinamento e Itália a passar por
um dos momentos mais negros da sua história, o fotógrafo
Alessio Albi usou a distância para se reinventar.
Por Ana Saldanha.
um enorme interesse, sem dúvida. Claro que
existem, e é bom que existam, os detratores
E como funcionam as sessões? A maior do método, que não o consideram fotografia
@alessioalbi diferença é a presença física: não conseguimos “legítima”.
770 mil seguidores sentir o ambiente e o aspeto humano faz
falta, assim como os pequenos detalhes que Achas que este tipo de trabalho se vai
Como surgiu a ideia de fazer shootings captamos no set. Também não conseguimos manter, no futuro? Vai acontecer porque
online? Começou quando Itália ficou em mover a câmara com a mesma facilidade. Mas se o caminho está traçado. Espero voltar para
quarentena, no dia 9 de março. Eu precisava olharmos para o telemóvel como uma câmara a fotografia “normal” em breve, claro. Mas
LUÍS PEDRO NUNES • BRUNO VIEIRA AMARAL • TONY PARSONS
de me manter criativo e ocupado durante estes num tripé que alguém mexe por nós (o que já para os criativos por aí: esqueçam os métodos
tempos difíceis e solitários. Acho que a nossa acontece em fotografia comercial), é parecido. tradicionais e saiam da zona de conforto. MATILDE CAMPILHO • DIEGO ARMÉS • JOSÉ COUTO NOGUEIRA
saúde mental depende muito de como usamos Mesmo que não fiquem satisfeitos com
o nosso tempo e manter-me produtivo foi Como é que este trabalho foi recebido os resultados, trabalhar as nossas skills
a melhor estratégia. nas redes sociais? Em geral foi bom, houve é um exercício incrível. l
A
tis, mas pedem o cartão de crédito e nisso Assim nasceu o nosso ódio.
lguém terá de me explicar por que kinky) também lembraram a necessidade sou um cobardolas). Mas o que “explodiu” Antecipo-me à expectativa do leitor. Não cálice de ouro e o ódio era o pano embebido por uma reação mútua que se produzira à
diabo os vírus tendem a ser mo- de lavar os sex toys com sabão. Nada de mesmo foi parafernália porno ao vivo houve redenção. Não houve segundas im- em vinagre com que eu lhe puxava o lustre. margem da nossa vontade e que nos domi-
ralistas. Quando nos anos 90 o rimming, avisaram. Não percebo o porquê e em direto, face to face, o live streaming, pressões que nos salvassem daquele pri- Não queria desperdiçar o cálice que o acaso nava por completo. É raro sentirmo-nos o
vírus da sida se espalhou pela intimidade de ser tão específico. Mas lá estava com as cam girls, ‘tás a ver? Uma delas dizia meiro encontro. Não nos descobrimos e me depusera nas mãos e, ao mesmo tempo, alvo de todas as energias vitais de alguém.
os humanos passaram a ter medo do sexo. uma língua e um pêssego no tuíte oficial. a uma revista brasileira que as fantasias nunca nos perdoámos. Até ao último dia em queria que ela soubesse que eu sabia. Até É raro que o ódio que alguém sente por nós
Pânico. Foi um horror. Pensei que, nos Tenham atenção, portanto. dos clientes passavam por usar gel desin- que nos vimos, só houve ódio, ódio e ódio. que, após um longo estudo, lhe disse, quase – ainda para mais um ódio límpido, ilógico,
anos finais que a Natureza me irá propor- Ora, houve um tempo em que os huma- fetante e vestir a fantasia de enfermeira. Em certas ocasiões, confesso que o ódio à beira das lágrimas, embriagado de malícia gratuito – flua na nossa direção como uma
cionar apetites e capacidades, teria direi- nos recorriam à masturbação fazendo uso Num artigo que até li da Psychology To- dava a impressão de ter recuado, como se e tesão, que a tinha visto naquele domingo a onda pura capaz de nos cobrir e desequili-
to a VIHs “mitigados” e crises económicas da imaginação. Que loucura. Hoje, se au- day explica-se a necessidade de erotizar o prometesse extinguir-se e desaparecer na entrar na igreja. Ah, o terror puro naqueles brar, lavando todos os nossos pecados e, no
esquecidas. E apareceu um vírus. Três menta o pedido sanitário nacionalista de medo, mas não vou divagar. Matéria inte- indiferença que quase todos os seres hu- olhos, a vergonha transformada subitamen- fim, restituindo a nossa dignidade por nos
meses bastaram para lixar tudo. Ora, este uso da mão para autoalívio, é óbvio que ressante, contudo. manos nos merecem, mas logo se reacendia te em raiva, o ódio acumulado ao longo de sabermos os destinatários imerecidos de
faz mais do que não querer que as pessoas isso irá equivaler a um aumento do con- De volta ao Departamento de Saúde de e, como que para compensar a acalmia das meses e até aí destilado em pequenas do- uma força tão avassaladora.
forniquem, se beijem e lambuzem, comam sumo de pornografia. Desculpem estar a Nova Iorque, na sua diretiva covid-19 re- tréguas breves, regressava mais acutilante, ses a transbordar finalmente, sem baias e “Porquê eu?”, cheguei a perguntar-me
e chupem. Não. Este vírus exige “distan- escrever evidências ululantes. Estive a lembra que a masturbação é um excelente esfaimado. Nesses dias, o ódio dela tinha sem decoro: “Filho da puta!” E nunca ouvi quando aquela aversão me atingia em cheio.
ciamento social”. Coisa para dois metros. analisar os dados que simpaticamente o mecanismo de alívio de stress e que ajuda fome de mim e eu, sem o admitir, procurava- da boca de uma mulher palavras tão ver- Naquele momento, soube. Aquele ódio caí-
E o sexo, pela sua natureza carnal, exige Porn Hub disponibiliza e a verdade é que a lidar com os problemas quotidianos. Em -a para o sentir. Éramos um pântano cujas dadeiras, tão semelhantes ao sentimento, à ra sobre mim como um raio cai sobre uma
o contrário de distanciamento social. E o Portugal aumentou o seu consumo de por- moderação. Para além de melhorar o siste- águas mortas tínhamos de agitar de vez em descarga cerebral, que a animava. árvore, como um rio transborda do leito e
que resta? A masturbação, está bom de no em mais de 36% nos finais de março. ma imunitário. Mesmo assim acho que isto quando para enchermos os pulmões, com Raras vezes o amor me ofereceu com- galga as margens, como uma massa de neve
ver. O único sexo possível que envolve Brutalidade. Mas talvez assim se com- vai pelo mau caminho. náusea e fervor, das suas emanações pútri- pensações tão intensas porque, a verda- se desprende do cimo de uma montanha e
apenas um e não se pega nada a ninguém. preenda porque os portugueses não ade- Tenho aqui uma GQ inglesa que ensina das, do perfume do nosso ódio. Quem nun- de é esta, não menos do que um casal de desliza pela encosta e arrasa tudo no seu
Caso se desinfete, alertam. riram à moda de bater palmas nas janelas como fazer sexo pelo FaceTime. Acho que ca desejou respirar uma aragem fétida só amantes, estávamos unidos pela química, caminho. Sem razões, da mesma maneira
Não digo isto por dizer. As autoridades à noite. É que é precisamente entre as 21 é mesmo uma questão geracional dado que para ter o prazer de regressar ao ar puro? que o amor, uma ou duas vezes na vida,
de saúde irlandesas foram contundentes e as 2h da manhã que está parte da popu- não me estou a ver... enfim... Somos alerta- Odiando e sendo odiados, vivíamos. nos escolhe e nos abençoa, também somos
em recomendar a todos a masturbação e o lação a ver um filme de badalhoquice. E dos para uma série de detalhes que não Eu vivia não muito longe de um templo da escolhidos e abençoados por um ódio cego
sexting. “Há que considerar uma pausa na me parecem despicientes. O background Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últi- e fortuito. Nunca mais vi aquela rapariga.
interação cara a cara, mas poderá fazer deve estar minimamente arrumado e não mos Dias, uma igreja mórmon. Num domin- Soube, por um contacto em comum, que ti-
uso de chats, videochamadas, mas sempre esquecer que se quer mostrar a melhor go em que ia de autocarro para os barcos, nha ido viver para os Estados Unidos, pre-
com a devida higienização dos teclados.” versão erótica de si deverá ter em conta a vi a minha odiosa colega, casta e decente, English sumo que para o estado do Utah. Espero
A entidade de saúde da cidade de Nova iluminação e que não apareça na imagem com aquela roupa de uma doentia e esforça- version que seja feliz. Espero que ainda me odeie. l
Iorque foi no mesmo sentido, pedindo aos algo indesejado ou que não vão surgir no- da modéstia que eu conhecia de outras reli-
cidadãos que se abstivessem de sexo e
HOUVE UM tificações às pizzas durante esse momento giões, a entrar para o templo, acompanhada
optassem pela sua forma mais genérica: TEMPO EM QUE mágico. Aconselham vivamente um tripé por familiares e amigos. Julguei desvendar
a masturbação. Mas Nova Iorque é Nova porque as duas mãos vão ser necessárias assim o mistério de ela não nos acompa-
Iorque e para além de práticas que des- OS HUMANOS (?). Os conselhos seguintes passam por nhar nas saídas à noite, de não participar
crevem com texto e emojis (algumas bem explicar como “ser o show”, não ter medo em jantares de turma e de nunca a ter visto
RECORRIAM À de grandes planos e para desembestar o nas festas da faculdade. E apoderou-se de
NUNCA OUVI DA BOCA DE
MASTURBAÇÃO ator porno que há em cada um de nós. mim uma felicidade maligna, como se tives- U M A M U L H E R PA L AV R A S T Ã O
Mas se a próxima década é para ser a se espreitado pelo buraco da fechadura,
FA Z E N D O U S O “era da masturbação” ou coisa do género como se lhe tivesse violado a intimidade. VERDADEIRAS, TÃO SEMELHANTES
DA IMAGINAÇÃO. devido aos impactos virais psicológicos Quando, dias depois, nos reencontrámos,
o meu coração batia de maldade. Quis adiar
AO SENTIMENTO, À DESCARGA
English nas comunidades não contem mais comigo
version QUE LOUCURA para o sexo. Estou out. l ao máximo a revelação. O segredo era um C E R E B R A L , Q U E A A N I M A VA
70 GQPORTUGAL.PT MAIO / JUNHO 2020 MAIO / JUNHO 2020 GQPORTUGAL.PT 71
English
version
MAN THINGS
E ESCOTILHA
se baseasse na qualidade pela qual o ani- m dias como os dos últimos meses,
mal é famoso. Nunca é ‘Ele é leal como um atar um sapato a meio do dia pode
TONY PARSONS cão’... Estas criaturas nunca fizeram nada muito bem contar como triunfo. Só
MATILDE CAMPILHO
de bom no universo trumpiano.” “Donald para situar – se é que é preciso – estamos
não era fã de cães”, confirmou a ex-mulher no começo de 2020 e o nosso filme sofreu
O MELHOR Ivana nas memórias que escreveu no livro
Raising Trump, lembrando a hostilidade
uma reviravolta. Panos enrolados ao rosto,
mãos lavadas, uma atenção peculiar à rou- O SOL
AMIGO DO que tinha para com o seu poodle, Chappy,
que “ladrava de forma territorial para ele”.
pa que vem da rua. Mudou tudo, e parece
mesmo que foi num segundo. Não foi. Até IMPERIAL
HOMEM? PARA Ivana nunca entendeu a hostilidade de
Trump com os cães. “Como é possível não
porque um vírus, se por um lado leva tempo
a esculpir-se a si mesmo, por outro lado está
TRUMP, NÃO amar um cão que se comporta toda a vida
como se tivesse ganho a lotaria só porque
de alguma maneira sempre latente aqui na
Terra. Mas prosseguimos com os triunfos:
viu o dono entrar pela porta de casa?”, ouvir alguém mexer a sopa, do lado de lá da
questionava-se Ivana. nossa casa, conta também como um. Anda
O preconceito que Trump demonstra tudo tão silencioso que pode mesmo acon-
Q
com os cães soa antiamericano, porque o tecer ouvir-se girar a colher numa panela
uando Abu Bakr al-Baghdadi quando al-Baghdadi detonou o seu colete pedigree do FDOTUS (Primeiro Cão dos em outra casa. No leque das conquistas com paciência que descobriu que afinal o que sombra se move o nosso medo, parar
morreu no buraco onde se escon- suicida. Mas Trump há muito tempo que Estados Unidos) é tão longo quanto a pró- dos tempos recentes já contei coisas tão cavalo tinha era medo da própria sombra. de revirar o corpo aí, e aceitar os pontos
dia na Síria após um ataque das usa o melhor amigo do homem como sím- pria história americana. George Washin- simples como: respirar dez vezes sem va- Quanto mais medo tinha, mais se remexia. cardeais.
forças especiais americanas, Do- bolo de todo o tipo de maldade. gton teve Sweet Lips, Scentwell e Vulcan cilar; fritar um ovo, dando graças por ele, e E quanto mais o fazia, mais a sombra se Alexandre morreu imperial, da Grécia
nald Trump teve o prazer de informar que Trump observou que o senador republi- (foxhound americanos), Abraham Lincoln sem temer a hora morta que vem depois da alterava. Assustado, Bucéfalo não parava ao Egito, mas nunca esqueceu as lições
o líder do Estado Islâmico “tinha morrido cano Marco Rubio “suava como um cão” teve Fido (um rafeiro). John F. Kennedy ti- refeição – pior que a hora morta é o corpo quieto. Alexandre por essa altura já sabia primárias de Bucéfalo. Aprendemos muito
como um cão”. Isto é, envolvido por amor e num debate de 2016. Comparou a ex-asses- nha Gaullie (poodle francês), Charlie (ter- morto, e nisso ninguém quer pensar ago- que o movimento eterno não ajuda ao foco, com os homens e com as suas armaduras,
tristeza, Sr. Presidente? Quer dizer rodea- sora da Casa Branca Omarosa Manigault rier galês), Clipper (pastor-alemão), Shan- ra. Mais conquistas: dedicar sete passos à e foi então que devagar pegou na cara do com as máscaras que cada um usa para en-
do de seres humanos que sentem que aca- Newman a um cão quando ela publicou non (cocker spaniel), Wolf (lébrel irlandês) imitação de um sapateado de Fred Astaire; cavalo e lhe virou o nariz para o sol. Bucé- frentar o inimigo ou para comprar pão. Mas
baram de lhes arrancar os seus corações? o seu livro Unhinged: An Insider’s Account e Pushinka (um rafeiro oferecido pelo an- ouvir rir a minha mãe por telefone; contar falo sossegou, e Alexandre encostou o cor- aprendemos muito mais com o sol, com os
Nem por isso. Se alguém tinha alguma of the Trump White House. Trump também tigo primeiro-ministro da União Soviética pelo mesmo telefone uma história equestre po ao corpo dele. A partir desse momento raios diários que incidem sobre os nossos
dúvida sobre como um cão morre, Trump chamou a atenção para o facto de o can- Nikita Khrushchev). O presente de Natal ao meu sobrinho, piscando-lhe o olho como os dois cresceram juntos, rei e animal, tra- corpos e sobre os corpos dos animais. Ale-
desenvolveu a ideia com gosto: al-Baghda- didato republicano Mitt Romney “se ter de Ronald Reagan para a mulher Nancy, quem diz ainda veremos juntos como cor- vando batalhas, dormindo à chuva, comen- xandre teve Bucéfalo por companheiro, e
di “choramingou, chorou e gritou como um engasgado como um cão” contra Obama em 1985, foi o lendário Rex – um cavalier re o cavalo. Outra conquista é a da água, do pedaços de pão quando possível, aque- eu, que nunca desejei conquistar nenhum
cobarde”, disse rindo. Mas não é assim que nas eleições de 2012. Em vários momentos, king charles spaniel. Bill Clinton teve Buddy mas a essa eu vou chamar-lhe bênção. Dou cendo-se ao fogo sempre que o cansaço os país para além do meu próprio quarto, te-
um cão morre, Senhor Presidente. Exis- David Gregory, da NBC, Glenn Beck, da (um labrador retriever cor de chocolate). graças pela água que corre na torneira e vencia. Alexandre, eventualmente, morreu nho Jonas comigo. Jonas é cão, não é cava-
tem quase 90 milhões de cães nos Estados Fox News, e os diretores de comunicação George W. Bush tinha Spot “Spotty” Fet- que não só me permite lavar as mãos, como de febre. Mas com certeza na última hora lo. Respira agora tranquilo como respiram
Unidos e todos os seus donos terão estre- de Ted Cruz foram todos, Trump fez notar cher (um springer spaniel inglês), Barney e ainda me oferece o benefício de um banho. fez por virar o nariz para o sol. Num mi- a maioria dos animais terrestres, imunes à
mecido ao ouvir o seu Presidente fazer tal com desdém, “demitidos como cães”. Miss Beazley (dois terrier escoceses). Ba- No banho, despidos, ainda somos tão pu- nuto somos o mestre domador, no minuto peste, à política e ao desastre. Um animal
comparação. Pessoalmente, quando o meu Na mente minúscula de Trump, os cães rack Obama teve Sunny e Bo (cães-d’água ros. Puros é que damos cabo do medo. O seguinte, de cabeça baixa, o discípulo. selvagem só quer saber do sol e da água,
cão deixar este mundo, rezo para que ele são criaturas venais e traiçoeiras. A Va- portugueses). Há quase 120 anos que os medo é coisa da sombra, e debaixo de água Voltando ao nosso século: descobrir ser o e não me venham falar agora em bichos
morra nos meus braços a olhar-me nos nity Fair sugere que: “Para o Presidente, jardins da Casa Branca não estavam as- estamos quase sempre ao sol. Há milhões discípulo também conta agora como vitória domésticos. Nenhum animal – nem cavalo,
olhos, em paz e sem dor, sabendo que será os cães são capazes de muitas coisas, ne- sim, livres de cães. de mulheres e homens agora sem água e – o mundo, tão vasto, faz de nós o que ele nem cão, nem homem – é feito para ficar
lamentado para o resto da minha vida. nhuma das quais particularmente pareci- Quando eu e minha filha levámos o nos- sem sol, sem a possibilidade de esfregar a quer, e muitas vezes o que podemos fazer entre quatro paredes. Alexandre inaugu-
Matar o líder do Estado Islâmico deve- da com um cão. Pedir esmola, por exemplo. so cão ao veterinário para as suas pri- escultura horrível que se nos aloja entre os é só virar a cara para a luz. Descobrir em rou Alexandria com o sol nas costas, Jo-
ria ter sido o maior triunfo do governo de Ser deixado por alguém. Sentir-se ingra- meiras vacinas, as pessoas à nossa frente dedos, e então talvez seja a hora de aceitar nas e eu inauguraremos com certeza uma
Trump, mas com as suas manifestações to... Trump nunca fez uma comparação que tinham um cão doente cerca de dez anos que somos os sortudos. Somos como reis cidade invisível. Será limpa de doenças,
grosseiras e anticaninas, Trump conse- mais velho que o nosso cachorrinho, e por acompanhados por cavalos. governada pela biblioteca e iluminada por
guiu sobrepor a repulsa à vitória. Inevita- isso no outro extremo da vida desespera- Quando mostraram Bucéfalo a Alexan- um farol. Eventualmente será uma cidade
velmente, este comportamento de Trump damente curta de um cão. Quando saíram dre, alertaram-no para o facto de ser um substituída por outra, mas ninguém nos
foi comparado ao anúncio solene e conti- sem o cão, choravam de dor inconsolável, cavalo indomável. O jovem Alexandre tirou arrancará – nem a Jonas, nem a mim – a
do de Barack Obama quando Osama Bin TRUMP HÁ MUITO segurando a coleira de que ele nunca mais tempo para observar o animal, contou mais English aprendizagem que retirámos da sua cons-
Laden foi morto em 2011. Trump não tinha precisaria. de dez respirações até se aproximar, e foi version trução. E assim que tudo isto passar, por-
nada a ver com Obama. A violência exul- TEMPO QUE USA Todos os donos de cães têm medo de es- que passará, voltaremos a ignorar o gesto
tante do seu discurso fez com que ele se tar naquela posição e todos sabemos que de atar um sapato ou de ir buscar a bola.
parecesse mais com um terrorista. A sua
O MELHOR AMIGO esse dia vai chegar. O único conforto é sa- Quem diz ignorar, diz habitar. Quando tudo
citação de escárnio “morreu como um cão” DO HOMEM COMO ber que os nossos cães morrerão rodeados isto passar, acredito, regressaremos à ma-
foi particularmente mal-encarada porque de pessoas que sentirão a sua falta para gia dos mínimos gestos – que serão outros,
as forças especiais tinham perseguido al- SÍMBOLO DE sempre, e sabendo que no fim das suas O MEDO É COISA DA SOMBRA, porque também nós seremos outros. Até lá,
-Baghdadi com a ajuda de uma unidade TODO O TIPO curtas vidas, tão cheias de amor e sorri- E D E BA I XO D E Á G UA E STA M O S resta-nos voltar o nariz para ponto certo,
K-9. Um dos cães – um pastor-belga-ma- sos, eles morreram como um cão, Senhor agradecer a água, e fazer por remexer a
linois chamado Conan – tinha sido ferido DE MALDADE Presidente. l Q UA S E S E M P R E AO S O L colher longe da sombra. l
O
andam agora a dar cabo das hortas às pes- tureza sabe revidar, ou o modelo capitalista
povo diz que estar vivo é o contrá- Na sua origem, a questão não é filosófi- soas da Lourinhã. ficou esgotado, ou o astral mal aspectado. Contudo, apresentado este quadro bem real estavam a passar para o digital, só faltava
rio de estar morto, mas eu acho ca – não é de ontologia que se trata aqui. Em vez disso, deixo que o meu pensa- Daí que se deduza que uma efeméride tão dum mundo que está disposto a suicidar-se este empurrãozinho; e as revistas, excep-
que o povo não está a dizer toda a As questões que este ser incomum, que é mento se confunda assistindo ao duelo açambarcante não possa deixar de provo- alegremente a troco de produtos de que não tuando aquelas cujo tema e beleza depende
verdade. Estar vivo podia ser, com grande o vírus, suscita são de ordem biológica: é virtualmente irresolúvel entre: aqueles a car uma mudança global. precisa, algumas mudanças parecem inevi- do papel, (como esta e a Vogue, por exem-
legitimidade, o contrário de não estar vivo. ou não é um ser vivo? No entanto, nenhum quem basta o facto de o vírus possuir um Mas não se pode confundir aquilo que táveis – naturais, digamos assim... Não se- plo), também se tornarão exclusivamente
Porém, nem esta configuração dos fatores indivíduo no pleno domínio das suas facul- genoma embrulhado em proteínas para que sonhamos com as realidades da vida. Um rão gigantescas, mas antes evoluções mais digitais. Quer dizer, nenhuma tendência é
é inquestionável. Basta pensarmos no ex- dades cognitivas e racionais é imune à pres- o possam considerar vivo; e os outros, mais mundo melhor – seja lá o que for “melhor” ou menos previsíveis, aceleradas pelas limi- absoluta; no tempo da música no smartpho-
traordinário caso do novel coronavírus – são metafísica que a questão exerce – não rigorosos, mais exigentes, para quem a in- – é um conceito utópico que sempre vem tações que a pandemia impôs. Por exemplo, ne não desapareceram os concertos presen-
mais cientificamente conhecido como vírus espantará se, diante da possibilidade de o capacidade de o vírus se reproduzir sem à tona quando acontece uma catástrofe. a forma de trabalhar. O teletrabalho, que ciais nem os sintetizadores acabaram com
da síndrome respiratória aguda grave 2 – vírus não fazer parte do mundo dos vivos, recorrer a célula alheia mais não é do que a Mas é melhor ter algum tino e pensar, em era uma modernice mal aceite, passou a ser os pianistas; mas serão nichos apenas para
para concluirmos que não estar vivo está um de nós desenhar com o dedo um círcu- prova cabal de que se trata de um ser, sim, primeiro lugar, naquilo que nunca muda: inevitável durante o confinamento e agora os aficionados.
longe de ser o oposto de estar vivo. lo e disser baixinho, como Galileu disse, e mas não vivo. a natureza humana. Os sobreviventes da percebe-se as suas vantagens: menos espa- Os cruzeiros de férias em meganavios,
A pandemia de covid-19 tem tido a ines- pur si muove. Mas nem precisamos de mer- Aos poucos, vou tomando o meu partido. catástrofe, sentindo-se especiais pela sorte ço de escritório, mais flexibilidade nas ta- provavelmente também desaparecem. Os
perada virtude de nos despertar, tanto en- gulhar tão fundo na agitação intelectual, Não me parece justo que a impossibilidade que tiveram, logo tratam de comemorar em refas. É possível fazer reuniões com várias maiores frequentadores pertencem a gru-
quanto indivíduos como enquanto coletivo, podemos começar pela inquietação mais de se reproduzir exclusivamente pelos seus grande estilo, cometendo com satisfação os pessoas, observar e transferir documentos, pos de risco que passam a ver com des-
para uma série de realidades às quais não simples e rude: como diabo vamos matar próprios meios deva excluir uma entidade, excessos de que se viram privados durante partilhar ficheiros. Vencidos os renitentes, confiança ficarem confinados, mesmo num
English version
C A T A R I N A
Quando foi a última vez que O futuro pós-covid-19. O que é que
choraste e porquê? o teu “eu” pessimista vê nesse futuro?
A ver o filme sobre a vida de Gandhi. E o teu “eu” otimista?
Qual é a melhor pergunta a fazer O meu “eu” pessimista diz que esta
F E R N A N D A
senão, fico em brasa! Tudo muda, não é? Muita coisa, aparentemente, mas de que A minha família. Todos os que amo.
Há alguma coisa que gostes passado algum tempo, pouco, presumo, Qual é o destino da tua primeira
de fazer e que seja tradicionalmente todos se esquecerão. Mas a verdade é que viagem pós covid-19? Vou passar o 70.º
considerada masculina? não precisamos de muito para sermos aniversário da minha mãe na Madeira,
J O A N A
que seja tradicionalmente considerada todos mais conscientes, vamos ter uma
masculina? noção muito melhor do que afinal é
O meu desporto, o bodyboard, foi importante e essencial, vamos aprender
e ainda é considerado uma atividade que precisamos de menos do que
masculina, mas vejo essa noção um pouco
antiquada a desparecer lentamente.
Outra muito simples, uma mulher pedir
pensávamos para sermos felizes e, acima
de tudo, cuidar melhor uns dos outros e do
nosso planeta. Acredito que vamos todos
S C H E N K E R
uma cerveja: parecia-me estranho reavaliar as nossas atitudes e hábitos.
e agora é algo faço com naturalidade. Qual é a primeira pessoa que queres
Uma coisa que a sociedade faça abraçar? A grande estrela do bodyboard nacional foi capa da GQ 148 de julho/agosto de 2017.
agora que daqui a uns anos vai ser O primeiro abraço vai para a minha mãe!
considerada ridícula? Qual é o destino da tua primeira
Pode até ser num futuro ainda distante, viagem pós covid-19?
mas acredito que uma dessas coisas será A primeira viagem será muito
a maneira como tratamos os animais, provavelmente para a primeira competição
assim que for possível voltar à minha
vida normal de atleta. Mas confesso
que durante a quarentena estive a sonhar
com a Namíbia, talvez seja um bom
destino pós-covid-19. ●
L U K E E V A N S
O ator britânico foi capa do número duplo
de dezembro de 2017/janeiro de 2018.
J O A N A Tiktok.
R I B E I R O
A atriz foi a estrela da edição 155 da GQ.
B E R N A R D O
S I L V A
O futebolista da Seleção Portuguesa foi protagonista
da capa de abril de 2019.
O C E A N A
B A S Í L I O
A atriz protagonizou a célebre capa do peito masculino,
na edição 166 de maio de 2019.
S H A R O N
não considerávamos nada segundo Fala-me um pouco de ti. agora do que dantes, e que as pessoas
o género. Eu ajudava-o da mesma maneira Se nascesses agora que nome terão ganho alguma compaixão
que ajudava a minha mãe. Éramos pobres gostavas de ter? e alguma maturidade. Pelo menos,
e não tínhamos pessoas a vir “dar uma Eu gosto do nome que tenho. algumas pessoas. Isso dar-me-á a
S T O N E
ajuda”, pelo que tínhamos de ser nós a oportunidade de me relacionar com
fazer literalmente tudo, de desmontar os o mundo com uma maior normalidade,
motores dos carros para os consertar, o que me deixará extremamente grata.
a construir casas e a cuidar do jardim. O futuro pós-covid-19. O que é que
o teu “eu” pessimista vê nesse futuro?
Não, Sharon Stone ainda não fez a sua capa icónica E o teu “eu” otimista?
para a GQ Portugal. Ainda. Não sou nenhum dos dois, sou uma
pessoa lógica. Como existem muitos
comportamentos ilógicos neste preciso
momento, fico à espera de algumas
parcerias globais mais sensatas de modo
a que possamos, todos nós neste planeta,
começar a entender quão profundamente
estamos ligados e quanto precisamos
de trabalhar em conjunto pela nossa
segurança e pela segurança
da nossa casa, o próprio planeta.
Qual é a primeira pessoa que queres
abraçar? E qual é o destino da tua
primeira viagem pós-covid-19?
Bom, neste momento gostava mesmo
de um abraço da minha mãe, da minha
irmã, do meu cunhado, meu irmãozinho,
e da família dele, claro. Os meus amigos
mais próximos, muitos deles, vivem
fora dos Estados Unidos, e eu sinto tanto
a falta deles, do conforto que me dão.
Quero ir vê-los, olhá-los nos olhos
e sentir que estão bem. ●
Procurem
de deslocações para fora do concelho de
residência no período da Páscoa, entre 9
Um vírus para
dinho” e clarificar as regras de circulação, ao fim do mês.
avisando que abril vai ser um mês “perigo- A certeza de que não há fim à vista vai
síssimo”, no que à propagação da covid-19
diz respeito. Entre várias medidas, o pri-
meiro-ministro anuncia que está a ser pre-
sendo confirmada com os cancelamentos
de espetáculos, festivais e outros eventos.
O Rock in Rio Lisboa é adiado por um ano
quase todos
parada uma solução assente na Televisão e, apesar de junho ainda estar longe, as Uma das narrativas predominantes desta
Digital Terrestre para assegurar as aulas festas populares são canceladas. Este ano, pandemia é que o corona é um vírus de-
até ao fim do ano letivo. não haverá Santo António nem São João, mocrático, que afeta pobres e ricos, anóni-
não há marchas nem arraiais, e o nosso mos e poderosos, não escolhe quem infeta
mundo torna-se ainda mais triste. pela carteira ou pelo status social. Somos
A contenção da crise de saúde pública todos iguais. Talvez assim pareça, mas a
leva, naturalmente, à inevitável crise eco- resposta está, provavelmente, nas palavras
nómica. O País está praticamente parado, de George Orwell: somos todos iguais, mas
numa espécie de coma induzido sem que uns são mais iguais do que outros. Como
se saiba quando haverá ordem para reani- mostram as fugas dos ricos e poderosos
mação. A 4 de abril, Marcelo anuncia que para as suas quintas e ranchos afastados
vai reunir-se com representantes da banca da “populaça”, para as suas ilhas e superia-
e espera ver o setor financeiro a “entrar tes, com testes pagos para quem os serve,
numa corrida contrarrelógio” contra a não vá o diabo tecê-las.
pandemia e “retribuir aos portugueses” os
milhares de milhões de euros em ajudas do
Estado português que foi recebendo. En-
tretanto, já são 32 mil as empresas-candi-
N
ção Zoom para educação online é suspenso década de 1930. Jair Bolsonaro. Os Presidentes norte-ame- dade onde o vírus foi detetado pela primei-
depois de ser sequestrada por hackers, que No nosso retângulo, a expansão da Co- ricano e brasileiro – com ênfase no segun- ra vez em dezembro de 2019. “Quanto à ori-
invadem uma aula com imagens obscenas. vid-19 vai sendo minimamente contida e do – exibem durante a crise a sua completa gem do vírus em Wuhan, ouvimos muitos
E, por falar em crime, no caso organiza- começam a aparecer nos jornais interna- falta de competência, de sentido de estado, cientistas que o estudaram e temos a cer-
do, Itália começa, de repente, a assistir a cionais os elogios e as análises à situação de empatia com as vítimas. Trump, já se teza de que é de origem natural”, afirmou
um ressurgimento da máfia. Humanitário, portuguesa e a como, ao contrário do vizi- sabe desde março, minimizou durante mui- o diretor dos programas de emergência da
Temos más
mas ainda assim uma ressurgimento. Isto nho espanhol, conseguiu prevenir a catás- to tempo o perigo e o impacto do coronaví- OMS, Michael Ryan, acrescentando: “O im-
porque os mafiosi decidem colocar-se na trofe. Apesar de não atingir as proporções rus nos Estados Unidos, que rapidamente portante é que determinemos o hospedeiro
notícias,
linha da frente da assistência a quem mais de outros países europeus como Espanha, No Reino Unido, é anunciado o maior en- ultrapassaram todas as outras nações do natural deste vírus.”
precisa e começam a distribuir alimentos Itália, França e Reino Unido, a realidade saio clínico do mundo para o tratamento mundo em termos de contágio e mortes: a No Brasil, a ignorância e a incompetên-
pelos residentes das mais empobrecidas
províncias do Sul – Campânia, Calábria,
não é assim tão benigna. Portugal está in-
cluído no top 20 mundial em termos de infe-
de pacientes com Covid-19, através do re-
crutamento de mais de 5 mil pacientes em
4 de maio, os EUA tinham 1.199.122 infeta-
dos e 69.035 mortos, aproximadamente um
cia de Jair Bolsonaro são ainda mais fla-
grantes. Se Trump lá foi ajeitando o seu boas notícias
Sicília e Apúlia –, ainda assim menos mas-
sacradas pela doença do que o mais abas-
tado Norte do país. Como disse o mafioso
ções e de vítimas mortais, situação que só
começará a melhorar nos últimos dias do
mês de abril.
165 hospitais do NHS, à frente de estudos
semelhantes nos EUA e na Europa. “Este é
de longe o maior estudo do mundo”, afirma
terço do total global. Só o estado de Nova
Iorque contava mais infetados do que qual-
quer país do mundo, incluindo Espanha e
discurso perante os factos, por mais que
isso lhe tivesse custado, Bolsonaro fez do
desafio ao bom senso a sua política prin-
e más notícias
Clemenza em O Padrinho: “Leave the gun. O Governo começa, entretanto, a prepa- Peter Horby, professor de Doenças Infec- Itália, os outros ocupantes deste indesejá- cipal, tratando a Covid-19 como uma “sim- Enquanto isso, um relatório do Programa
Take the cannolis.” rar o futuro imediato, a tentativa de regres- ciosas e Saúde Global da Universidade de vel pódio. ples gripe” e promovendo descaradamente Mundial de Alimentos da ONU alertou
so a alguma normalidade. O primeiro-minis- Oxford. comportamentos perigosos, não se coibin- que o número de pessoas que enfrentam
tro anuncia a 9 de abril que, até ao 9.º ano, Se no mundo cristão a Páscoa está pres- do de andar pelas ruas e até de participar insegurança alimentar está em risco de
todo o terceiro período será lecionado em tes a ficar para trás, o islão prepara-se para em comícios. O seu crescente isolamento, duplicar, saltando para 265 milhões, devido
ensino à distância, com avaliação mas sem o Ramadão. A 17 de abril, o grande mufti da agravado depois da saída de Sérgio Moro, às perturbações causadas pela Covid-19,
provas de aferição nem exames, mantendo- Arábia Saudita diz que as orações duran- o poderoso ministro da Justiça, deixa ante- incluindo o encerramento de fronteiras. E
-se os apoios às famílias com filhos menores te o Ramadão e o subsequente festival Eid ver que Bolsonaro não deverá resistir, pelo nem a maior economia mundial escapa: a
de 12 anos. António Costa acrescenta que al-Fitr devem ser feitas em casa. Entre- menos politicamente, à pandemia. 23 de abril, o número de cidadãos norte-
no ensino secundário ainda poderá haver tanto, a Turquia supera o Irão como país -americanos que solicitaram subsídio de
aulas presenciais no terceiro período, e com maior número de infeções no Médio desemprego atingiu um recorde de 26 mi-
que o calendário de exames será adiado, Oriente, com um aumento de 86.306 casos, lhões.
só abrangendo os exames específicos para falhando assim a tentativa de Erdogan de, O grupo de aproveitadores da Covid-19 Nem tudo são más notícias: a pandemia
acesso ao Ensino Superior. Assim, na rea- pelo menos, tentar conter, se não a doença, deve reduzir em 6% as emissões de dióxido
bertura das aulas presenciais dos 11.º e 12.º pelo menos a informação. inclui também uma subclasse, os de carbono este ano, diz o chefe da Orga-
anos, alunos e professores usarão máscara
de proteção, ao mesmo tempo que os docen-
“idiotas-em-chefe”, onde os destaques são, nização Meteorológica Mundial, na que se-
ria a maior queda anual desde a II Guerra
tes e funcionários de grupos de risco estão obviamente, Donald Trump e Jair Bolsonaro Mundial.
100 GQPORTUGAL.PT MAIO / JUNHO 2020 MAIO / JUNHO 2020 GQPORTUGAL.PT 101
ESTADO DO RETÂNGULO
de amanhã
nomia global está diretamente ligado, no
mínimo, ao controlo da doença. Sem vacina
ou tratamento e com muitas dúvidas quan-
Em Portugal, o estado de emergência to à eficácia e à moralidade da adoção da
terminou no primeiro fim de semana de imunidade de grupo, a pandemia está longe
maio, “despromovido” para estado de ca- de ter acabado.
lamidade. Muitas proibições passaram a A projeção mais otimista para que surja
sugestões. O comércio, embora de forma uma vacina é que ela comece a estar dis-
A 25 de Abril, dia da Liberdade em Portu- condicionada, reabriu, dos cabeleireiros ponível no próximo outono. Outras estima-
gal, o número confirmado de mortes em às livrarias, passando por outras lojas de tivas respeitáveis sugerem daqui a um ou
todo o mundo atinge outro marco sombrio bairro abaixo dos 200 metros quadrados. dois anos, constituindo um ciclo de desen-
ao exceder as 200 mil. No mesmo dia, a As grandes superfícies ficaram para de- volvimento de dois anos uma velocidade
OMS alerta contra os países que querem pois, assim como os cafés e restaurantes, sem precedentes para qualquer vacina.
promover os chamados “passaportes de um dos setores mais afetados pela pande- Embora os cientistas estejam bastante oti-
imunidade” para aqueles que recuperam da mia e cujo futuro continua pleno de incer- mistas, nunca nenhuma vacina foi desen-
doença, dizendo que não há provas cientí- tezas, a maior das quais como restaurar a volvida para um coronavírus e, mesmo em
ficas que certifiquem que essas pessoas confiança das pessoas numa atividade tão caso de sucesso, é necessário adicionar um
desenvolvam imunidade contra possíveis social como almoçar ou jantar fora. pouco mais de tempo para a implantação e
infeções no futuro. O uso de máscaras ou viseiras em trans- administração.
Q
Um dia depois, um anúncio importante. portes públicos e em supermercados pas-
A cidade chinesa de Wuhan, onde começou sou a ser obrigatório desde 3 de maio, uma
a epidemia global, garante que já não há medida de proteção que se estende tam-
casos remanescentes da infeção nos seus bém a estabelecimentos de ensino e cre-
hospitais, depois de todos os doentes com ches, quando reabrirem, para funcionários
Covid-19 terem recebido alta. docentes e não docentes e alunos maiores
Com o fim de abril, o alívio do grande de 6 anos.
confinamento, como já entrou para a his- Para breve está também o regresso da
tória, começou a verificar-se um pouco por bola. O plano de desconfinamento abriu Quanto ao cenário de tratamento é mais
todo o mundo, da Austrália e Nova Zelân- a porta ao regresso, a partir de 30 e 31 de sombrio, até porque os medicamentos em
dia a Espanha e Itália, passando pelo Irão. maio, da I Liga, suspensa a 12 de março teste estão a ser reaproveitados e não fo-
Mas é preciso cautela. Na Alemanha, os após 24 jornadas de competição. De fora ram projetados para combater especifica-
primeiros sinais de que a transmissão do ficou, para já, a II Liga. A retoma do futebol mente a Covid. Um em particular, o Remde-
novo coronavírus voltou a aparecer eram fica, no entanto, dependente da avaliação sivir, parece ser uma promessa real, mas,
visíveis nos dados oficiais, que registaram quinzenal da evolução da pandemia em em geral, é difícil apostar com confiança
um ligeiro aumento no R0 – a taxa de trans- Portugal. em medicamentos reaproveitados para
missão – depois de o Governo de Berlim ter No dia do regresso a alguma normalida- poderem ser as tais curas milagrosas que
afrouxado as medidas de contenção. As no- de, o Presidente da República fez questão mudam drasticamente a forma clínica da
tícias chegaram no dia em que a economia de lembrar que a crise ainda não acabou. doença e o seu tratamento. Os tratamen-
norte-americana sofreu o maior impacto “Ainda temos de vencer a pandemia. O tos sorológicos também prometem, mas os
desde o auge da Grande Recessão, com surto não desapareceu por milagre”, disse testes estão apenas nos estágios iniciais.
o PIB a contrair 4,8% no primeiro trimes- Marcelo Rebelo Sousa nos Açores, lem- E, quanto aos medicamentos que prova-
tre do ano e o número de desempregados brando ainda o “papel fundamental” da velmente podem curar a doença, eles são,
registados a chegar aos 30 milhões. Des- União Europeia na resposta à Covid-19: para já, apenas hipóteses de laboratório.
te lado do Atlântico, a economia da Zona “Não está em causa uma crise de um Esta- Resta a imunidade de grupo, que requer
Euro encolheu 3,8% no primeiro trimestre. do ou de um pequeno número de estados, que 60 a 80% da população possua anticor-
mas uma crise de todo o mundo e, dentro pos. Para já, não existe uma imagem clara
MOMENTOS
Aparentemente poupado ao pior está o
continente africano. Dos mais de 3,5 mi- do mundo, uma crise europeia.” A União da propagação da doença, que pode ir de
lhões de casos registados globalmente, tem, portanto, de ser “rápida a decidir” e 1%, a percentagem de portugueses que,
África não chega, no início de maio, aos deve ainda compreender que tem de “deci- calcula-se, estão por esta altura imunes à A 4 de abril, Os Belenenses Mário Centeno O dia 20 de abril A 22 de abril Também a 22 de A 1 de maio,
50 mil casos confirmados. Mas a realidade dir em grande”, exigiu o Presidente. doença, aos 3% da Holanda, onde as fracas Portugal SAD é o aponta, a 13 de fica marcado começa a ser abril é noticiado Portugal
pode ser muito pior se tivermos em conta medidas de contenção permitiram a difu- ultrapassa primeiro abril, para uma por um facto feita uma que investigadores ultrapassa as
as carências dos serviços de saúde pública são da doença. os 10 mil clube da I Liga queda de 6,5% inédito: pela pergunta franceses mil mortes,
da região. E o impacto económico pode ser A segunda parte deste relato feito para infetados portuguesa do PIB anual primeira vez na que fica duas descobrem que num total de
ainda mais grave do que a própria pande- memória futura termina aqui. As próximas pelo novo de futebol a por cada 30 história, o barril semanas sem fumadores têm mais de 25 mil
mia, como avisa a Chatham House. semanas vão mostrar se as tentativas de coronavírus. avançar para dias úteis em de petróleo resposta: o risco menor de infetados.
regresso à normalidade resultaram de fac- lay-off a 6 de que a economia vale menos que é feito de contrair doença
English to ou se, pelo contrário, nos fizeram voltar abril. esteja que zero. Kim Jong-un? e começam a testar
version à estaca zero. l paralisada. pensos de nicotina.
102 GQPORTUGAL.PT MAIO / JUNHO 2020 MAIO / JUNHO 2020 GQPORTUGAL.PT 103
REFLEXÃO
futebol, e carimbar, sob os auspícios das desporto que apaixonava os miúdos e vicia-
mais altas instâncias da União Europeia, va os graúdos, que o jogavam à saída das
FUTEBOL 4.0
a sua propensão corporate, globalizada e fábricas em número cada vez maior.
O
globalizante de indústria financeira, subs- O crescimento do desporto foi razoavel-
tituindo assim a versão 2.0 do desporto-rei, mente circunscrito à Grã-Bretanha até fi-
em que as emoções das massas e as pai- nais do século XIX, quando outros países
FUTEBOL 4.0
xões clubísticas eram combustível e motor, começaram a descobrir essa curiosa moda-
respetivamente, de um desporto que era lidade – mas os britânicos continuavam a
mais dado às interpretações artísticas do ser os donos do jogo. Foi após a I Grande
que ao rigor dos números e que parecia Guerra que o futebol ganhou uma dimen-
talhado muito mais para deslumbrar indí- são mais global, tendo a qualidade do jogo
genas do que para elaborar rigorosos rela- e dos seus praticantes também aumentado
tórios e contas. nos países emergentes para o fenómeno.
Pois bem, essa terceira era, a do futebol Entretanto, em 1904 foi fundada a mais
corporate, enfrenta agora o mesmo drama importante instituição do universo futebo-
que ocorreu entre 1990 e 1995, encontran- lístico, quando elementos representantes
do-se, ela própria e com toda a sua mo- da Bélgica, dos Países Baixos, da Alema-
O dia 15 de dezembro de 1995, data histórica dernidade, e todos os seus business plans nha, Suécia, Suíça, Dinamarca e de Fran-
104 GQPORTUGAL.PT MAIO / JUNHO 2020 MAIO / JUNHO 2020 GQPORTUGAL.PT 105
REFLEXÃO
das leis do jogo, deixando de parte o seu A TESE DA NOVA ERA O panorama para os apaixonados pelo fu- Assim, nem sequer é absurdo imaginar um
espírito – o melhor exemplo é o caso dos A 27 de abril, a UEFA anunciou no seu site tebol romântico (salve a redundância) não futebolista num futuro próximo a obedecer
foras de jogo, que passaram a ser assinala- oficial que iria distribuir 236,5 milhões de é animador. Rui Malheiro, um dos mais a uma lógica de likes por parte dos adep-
dos (e a anular golos) por questões quase euros pelas associações-membro para as respeitados analistas e comentadores de tos na transmissão do jogo online para ser
burocráticas quando a lei foi criada para ajudar a fazer frente aos efeitos do confi- futebol em Portugal, confesso apreciador substituído ao minuto xis, por exemplo. Tal-
impedir que elementos da equipa atacante namento ditado pela pandemia do corona- da “segunda era” do desporto-rei, quando vez esse cenário seja mais provável do que
se plantassem na pequena área da equipa Os sintomas manifestaram-se poucas vírus. Pode parecer muito dinheiro – daria, posto diante desta realidade e da incógnita voltar a ver um Wembley, um San Siro ou um
defensiva. A introdução da tecnologia des- semanas após a paragem com grandes por exemplo, para pagar a cláusula de res- que é o futuro do futebol, começa por mos- Camp Nou cheio de adeptos outra vez.
ta forma deixou de parte principalmente os colossos, como o Barcelona ou o Bayern cisão que Neymar tinha no Barcelona (222 trar algum otimismo quanto a um regresso
adeptos no estádio que, sob o pretexto cego Munique, a porem em prática acordos de milhões de euros) e ainda sobrava algum –, a esse tempo dourado. “Em futebol jogado
da justiça acima de tudo o resto, passaram redução salarial. O gigante catalão passou, mas qualquer equipa das que chegam habi- creio que vai passar muito pelos jogadores,
a ser frequentemente privados de festejar pouco depois, grande parte dos seus fun- tualmente às meias-finais da Liga dos Cam- pela forma como vão reagir a estas sema-
Foi durante esta era do futebol popular e os golos ou obrigados a festejá-los, já sem cionários para um regime de lay-off. Outros peões tem um orçamento anual com, pelo nas.” Malheiro mostra alguma esperança
diante de multidões de mais 50 mil pessoas fervor, vários minutos mais tarde, tudo isto clubes lhes seguiram o exemplo, inclusive menos, o dobro desse valor. Os 236 milhões nos jogadores e na sua determinação em
– às vezes, muito mais de 50 mil! – que ger- numa lógica profundamente voltada para por cá, onde, entre os “três grandes”, o de euros que a UEFA retira do seu progra- entrar em campo diante de adeptos, por-
minaram génios e ídolos como Di Stéfano, o espetáculo televisivo e nada preocupada Sporting foi o primeiro a avançar com me- ma de apoios HatTrick para distribuir pelas que “futebol sem adeptos não é futebol”.
Puskas ou Pelé, Eusébio, Cruijff ou Becken- com o fenómeno in loco. didas de cautela e contenção orçamental. suas 55 associações representa um encai- Mas reconhece que “a terceira era do fu-
bauer, entre muitos, muitos outros. Na fase Foi num passado recente desta era do O pior, porém, chegou a seguir, com a xe de 4,3 milhões de euros por associação, tebol é marcada por um total desrespeito
final desta época dourada, e com o declínio futebol pós-moderno que uma nova ideia suspensão também dos pagamentos dos segundo a própria confederação europeia pelos adeptos, preterindo-os em relação ao
da era personificado pelos grupos de hoo- – que já não é tão nova assim – começou contratos de transmissão televisiva e ain- de futebol. Peaners, como diria Jorge Jesus, dinheiro que as televisões proporcionam.
ligans e pelo rasto que iam deixando, os a ganhar formas e contornos: a realização da das receitas publicitárias, com grandes portanto. Mas pode ser que um dia se faça uma revo-
adeptos tiveram ainda direito à última ge- de uma Super Liga Europeia, uma espécie patrocinadores a retirarem-se da equação Com orçamentos tão ambiciosos quanto lução no futebol em direto na televisão. Os DANOS COLATERAIS
ração de ídolos populares encabeçada por de primeira divisão da Europa que reunis- – a Altice, por exemplo, suspendeu os seus pesados para cumprir, os clubes da primei- jogadores têm a palavra deliberativa”. Malheiro assume que haverá “um rombo
Diego Maradona (o Mundial do México 86 se as principais equipas do continente num contratos alegando, com toda a simplicida- ra linha da Europa precisam de dinheiro a No entanto, mesmo o espírito dos jogado- brutal” ao nível financeiro e adverte para
será um dos pontos mais altos da história ambiente fechado e exclusivo. No fundo, de, que não faz sentido patrocinar futebol sério e esse não virá de fundos de auxílio res foi mudando ao longo do tempo. Ao con- um risco real, um dano colateral quase ine-
do futebol) e puderam assistir a jogos em uma espécie de NBA do futebol em que a se não há futebol. Mais claro que isto é im- nem de bolsas de incentivo. Dinheiro a sério trário de outrora, quando eram versões ci- vitável desta crise. “Por muitos milhões que
gigantescas arenas que comportavam mais nata da nata pudesse entreter, ao mais alto possível. só tem três origens no futebol: publicidade, vilizadas dos gladiadores que procuravam os colossos possam perder, estamos no fu-
E
de 100 mil adeptos. nível e com os mais caros e qualificados direitos televisivos e transferências milio- aclamação nos coliseus, os futebolistas de tebol moderno, quem vai ficar a saque são
executantes à face da Terra, as massas no chegamos então ao ponto do im- nárias. Uma quarta origem será a conquista hoje medem a sua popularidade também – os clubes pequenos e médios. Acredito que
conforto dos seus sofás. Tudo isto sob uma passe: com toda a indústria fute- de competições de grande monta, como a ou principalmente – pelo número de segui- possa haver uma pilhagem de jogadores
imensa chuva de milhões e milhões de eu- bolística paralisada – falamos de Liga dos Campeões ou a Premier League dores nas redes sociais, que determinará, que rescindem contratos por justa causa,
ros em patrocínios, publicidades, prémios uma indústria de muitos milhares inglesa, mas essas só podem ser ganhas em grande medida, o seu valor monetário a e uma queda brutal, pela sobrevivência, de
de jogo e contratos de transmissões televi- de milhões de euros que envolve direta- por uma equipa de cada vez, não alimentam uma série de níveis – sim, os jogadores não valores de mercado.” A extinção de muitas
sivas. Uma chuva de milhões e milhões de mente, empregando, muitos milhares de todo um sistema (por mais que as participa- valem só por aquilo que jogam; também equipas pequenas e médias poderá ser mais
euros que iria cavar um fosso ainda mais pessoas e movimenta muitos milhões de ções nessas provas e noutras de nível eleva- vale muito a quantidade de jerseys que ven- uma das consequências desta pandemia.
profundo que aquele que já existe entre os consumidores –, que solução resta àque- do garantam, só por si, encaixes financeiros dem ou de contratos de canais de televisão Por outro lado, a formação de uma supe-
clubes milionários e todos os outros, um les que empataram neste negócio quanti- razoavelmente avultados). que ajudam a vender. relite pode levar a que clubes que não in-
fosso que impediria virtualmente que qual- dade tão grande de dinheiro? As soluções Ora, as transmissões televisivas só exis- tegrem o grupo dos hiper-ricos se juntem,
quer equipa de fora dessa superelite pudes- de poupança parecem esgotadas, pelo que tem se houver jogos e as publicidades só se mantendo-se à parte dessa tal elite, numa
se, alguma vez, disputar seriamente uma urge reativar a entrada de receitas. Mas cumprem se houver competições. Com tan- espécie de associação paralela às institui-
competição contra essa seleção de eleitos. como, se o mundo continua parado e as to dinheiro em jogo e estando tudo congela- ções convencionais (o modelo resultou, por
MUDANÇA E é com esta ideia da constituição de pessoas fechadas em casa? Como, se não do por causa da pandemia, não tarda que a exemplo, no basebol, nos Estados Unidos,
DE PARADIGMA uma superelite, cada vez mais frequen- se vislumbra um fim para a prática do dis- ordem seja “joguem, dê por onde der”. Não onde a modalidade é disputada, ao mesmo
Iniciada a terceira era, o tal período cor- temente, em cima da mesa que entra em tanciamento social? Como, se as previsões vai admirar que essa ordem seja dada não nível, sob regência de duas associações
porate, as mudanças na essência do jogo cena um sujeito sem convite: o novo co-
ronavírus. A introdução deste elemento
mais otimistas para a descoberta de uma levando, uma vez mais, em conta o público Nada foi adequado distintas e concorrentes).
Rui Malheiro concorda com a ideia de
àqueles que ainda
fizeram-se sentir a praticamente todos os vacina apontam para cerca de um ano de que vai – ou que costumava ir – ao estádio.
níveis – no calendário de jogos europeus, surpresa e o subsequente lockdown levou espera? Como, se ainda não existe um anti- O adepto de estádio é o elo mais fraco desta que o futebol não morrerá enquanto hou-
no acesso às competições internacionais,
na concentração de grandes jogadores in-
à suspensão temporária das competições
futebolísticas em todos os níveis, regional,
viral eficazmente testado e disponível para
combater este maldito vírus?
cadeia, porque é o menos lucrativo e o mais
fácil de dispensar. Tudo foi pensado nos mi-
acompanham as ver uma bola e quatro pedras para pôr no
chão, assinalando as balizas. “A única coi-
variavelmente nas fileiras de uma pequena nacional e continental. Os primeiros prejuí- lhões que veem pela TV e pelas plataformas suas equipas de sa que temo é que não voltem os espaços
perto. O adepto
elite de clubes super-ricos, na repetição zos começaram a fazer-se sentir logo após online, nada foi adequado àqueles que ain- para o futebol selvagem e que a morte de
quase exaustiva e sempre previsível de o encerramento dos recintos desportivos da acompanham as suas equipas de perto. alguns clubes possa fazer com que em es-
vencedores das competições internacio-
nais, na transformação da ida ao estádio
ao público – porém, isso não passou de um
aperitivo em forma de acepipe que se en-
O adepto do estádio pode muito bem ficar
em casa confinado enquanto o futebol se
do estádio pode tádios floresçam mais centros comerciais”,
diz, antes de terminar com uma mensagem
num hábito de consumo burguês e repleto gole dum trago: quando as competições pa- joga lá fora. The show must go on. muito bem ficar de esperança: “Mas é como na canção: há
de conforto, por aí fora –, a lista é imensa.
A própria introdução de tecnologias de au-
raram, o progresso dos prejuízos foi mais
rápido do que se poderia esperar num ne- em casa confinado sempre alguém que resiste, há sempre al-
guém que diz não.” “Pode estar aí a génese
xílio à arbitragem, como o caso do vídeo-
-árbitro, teve em conta apenas uma busca
gócio em que os números do dinheiro cos-
tumam ter sempre mais de sete algarismos
enquanto o futebol da quinta era, o regresso à fase dois.” No
coração de um adepto fervoroso, a espe-
se joga lá fora
English
quase quixotesca pelo rigor na aplicação em quase todas as circunstâncias. version rança é a última a morrer. l
106 GQPORTUGAL.PT MAIO / JUNHO 2020 MAIO / JUNHO 2020 GQPORTUGAL.PT 107
HOMEM NO LUGAR
A Balsa da
Medusa (1819),
de Théodore
E
Géricault
O Interior (1899), Sempre que ouvimos falar em violência do-
de Vilhelm Hammershoi. méstica, a imagem imediata que nos ocor-
re é a das mulheres enquanto vítimas e a
dos homens no papel de agressores. Mas
os estudos sobre conflitos familiares que
têm vindo a ser feitos nas últimas décadas, suas vítimas sofrem ferimentos mais gra-
em vários países e em contextos sociais di- ves e necessitam em maior número de as-
ferentes, apontam para o mesmo padrão: sistência hospitalar. Isto já para não falar
em metade dos casos a violência é recí- na maior aberração de todas: quase 90%
“Estou habituado a viajar por territórios proca. Mesmo entre casais onde só há um das vítimas mortais de violência doméstica
desconhecidos, mas desta vez iniciei uma agressor, os homens não são em maior nú- são mulheres.
jornada por um pintor misterioso que me mero do que as mulheres. Estes dados con- As mulheres podem ser especialistas no
vem assombrando desde há muitos anos.” tradizem a perceção pública do fenómeno. “efeito de serrote”, no constante remoer de
Michael Palin tornou-se famoso com os Como explicar semelhante incoerência? pequenas embirrações, pressionando os
Monty Python e os documentários de via- Segundo a investigadora Mary Roth parceiros para comportamentos que são
gem que fez para a televisão foram igual- Walsh, quando as mulheres se envolvem contrários ao seu modo de ser, que os me-
mente populares. Menos conhecido é The numa relação onde há troca de agressões norizam e chegam a agredir o seu sentido
Mystery of Hammershøi, o documentário aumenta a probabilidade de a violência de masculinidade. Mas os homens também
que dedicou a um pintor dinamarquês. Du- persistir e até aumentar para níveis de se- tendem a ser “convexos” nas suas rela-
rante muito tempo, o seu fascínio por Ham- veridade. Já nas relações onde só há um ções. Isto é: têm uma grande dificuldade
mershøi concentrou-se no único quadro agressor, a probabilidade é tenderem a pa- em absorver provocações, em se deixarem
que dele conhecia, Interior, que descobriu rar. As agressões entre parceiros servem moldar pela crítica e a aprenderem estra-
na Tate Gallery, em Londres. ainda de modelo de comportamento às tégias de negociação.
O quadro é uma sequência de charadas: crianças que testemunham esses atos. Como resultado desta “convexidade”,
a mesa bloqueia a serventia de ambas as “Embora a taxa de agressão das mu- quando se sentem constantemente pres-
portas e a mulher de costas, no canto da lheres aos seus companheiros seja se- sionados pelas companheiras perdem mais
sala, envolve-se numa tarefa misteriosa melhante à dos homens, os danos físicos, facilmente o controlo, assim como a noção
com os braços recolhidos à frente do peito. financeiros e emocionais que elas sofrem das consequências. Em calão de rua: “dá-
A luz que ilumina o pescoço, e revela a in- são maiores. É por essa razão que as mu- -lhes uma branca”; “entram no dark side”.
crível brancura da sua pele, contrasta com lheres são as vítimas predominantes neste A explosão que se dá nesse estado torna-
uma atmosfera pardacenta, claustrofóbica. tipo de relações, e que os serviços de apoio -se imprevisível. Quando voltam a si, o mal
Quase depressiva. O ponto de vista dra- às vítimas de violência, à sua prevenção e está feito. Observam-no como espectado-
matiza uma segunda personagem no inte- controlo devem continuar a ser dirigidos res. Os mais inconscientes nem admitem
rior da sala, que é o observador e pintor do prioritariamente aos casos de agressão assumir o que acabaram de fazer: mais
quadro. A distância que os separa inten- masculina”, explicou ainda Mary Roth facilmente se desculpam com a causa dos
sifica a natureza da relação: Hammershøi Walsh, no seu livro Women, Man and Gen- seus atos; com um segundo eu incontrolá-
explora a vida conjugal no contexto do- der: Ongoing Debates. vel que tomou posse deles.
méstico, mas não esclarece se assistimos a Onde os estudos não são conclusivos é Mas será mesmo incontrolável? Volte-
um momento de desejo, de desentendimen- no impacto que as “agressões inofensivas” mos ao mistério de Hammershøi e à lumi-
REBELDE
to ou de outra coisa mais sinistra. podem ter sobre a “justificação moral” que nosidade daquele pescoço que tanto fasci-
A vida íntima, confinada no espaço está implícita nos homens, quando par- nou Michael Palin. A sua brancura pontua
doméstico, em que se partilham rotinas, tem para atos que causam danos graves uma atmosfera de outro modo sinistra, e
neuroses e psicoses, pode ser assustado- às suas companheiras. Se este padrão de tanto ilumina o desejo amoroso como o im-
ra. Para quem habita a mesma casa, pode comportamento, em que a vítima começa pulso criminoso. Os crimes domésticos são
ser tão destrutiva como uma guerra civil. por ser a agressora, fosse confirmado, isso certamente fruto das paixões, mas quando
Nos últimos meses, famílias inteiras por implicaria uma parte da responsabilidade a reserva amorosa já se esgotou e mesmo
esse mundo fora viram-se confinadas às das mulheres nos maus tratos de que são assim não saímos de casa (nem que seja
SEM CAUSA
suas casas, sob a ameaça pandémica do alvo. Mas esta partilha de responsabilida- para a varanda), é porque nos tornámos
coronavírus, e as queixas de abuso domés- de, mesmo a verificar-se, não isenta os ho- prisioneiros das nossas frustrações e im-
tico dispararam. O efeito corrosivo das mens de terem um sentido de proporciona- pulsos. Um criminoso é sempre alguém a
relações, condenadas a uma intimidade à lidade. Quando são eles os agressores, as vingar-se de quem lhe apontou uma impo-
força, renovaram assim a atualidade dos tência. Julgava-se um rebelde dos capri-
quadros de Hammershøi. O que parecia chos femininos e não passa de um cobarde
ser uma imersão muito subtil (e misterio- fechado em casa. l
sa, para empregar o termo de Michael Pa-
lin) no modo de vida puritano de um casal
burguês do séc. XIX torna-se subitamente
claro como água. Tal é o impacto do afas-
Qual é a margem de rebeldia que sobra a um homem fechado em casa com a sua família? tamento social e da prisão domiciliária em English
Por Rui Catalão. que estamos a viver. version
108 GQPORTUGAL.PT MAIO / JUNHO 2020 MAIO / JUNHO 2020 GQPORTUGAL.PT 109
A COMPORTAMENTO
f
Carmo, endocrinologista e professora da
Faculdade de Medicina de Lisboa. A es-
pecialista contou-nos ainda que a revista
Não, não é de si, há dietas na Internet
internet que não fazem mesmo sentido científica Lancet publicou, em 2019, uma
nenhum. E falámos com três especialistas para perceber porquê. proposta chamada EAT, que seria uma
dieta universal e sustentável para a saúde
MANIA
e para o ambiente. No entanto, na mesma
revista, um grupo de economistas da saúde
a
e alimentação refutou a proposta, que não
seria sustentável para um número muito
alargado da população mundial. “As contas
não foram feitas para a população portu-
guesa, mas ponho a hipótese de que cer-
ca de 20% da nossa população não possa
Foi no YouTube que tropecei no tema – não adquirir vegetais, fruta e peixe na quanti-
que ele me seja estranho, porque atire a dade que é recomendada naquele projeto”,
primeira pedra quem nunca caiu pela toca acrescenta Isabel.
das dietas que prometem meeeesmo resul- “Tenho de ser radical nesta resposta
tados e que consistem em meia cenoura e porque, como médica e nutróloga, conside-
três talos de aipo por dia. Mas foi Abbey ro a existência de uma dieta universal um
Sharp, uma dietista cujo canal consiste em dos principais mitos que devemos quebrar
vídeos seus a reagir e a comentar dietas e em torno da nutrição. A partir dos novos
regimes alimentares, que me fez perceber a conhecimentos e estudos que a ciência A especialista em nutrição Patrícia Almei-
quantidade de “dietas” que foram surgindo da nutrição nos traz, tanto nutrigenética da Nunes reforça que há princípios dos
nos últimos tempos (e quão pouco saudá- quanto nutrigenómica (conceitos muito quais podemos partir para criar uma die-
veis parecem ser). A grande maioria dos novos que explicam como os alimentos po- ta equilibrada que poderá funcionar para
vídeos escrutinados pela médica são de dem ativar ou silenciar alguns dos nossos todos, mas que mesmo essas devem ser
canais com bastantes seguidores e cujos genes), observamos, por exemplo, como um adaptadas: “Existem orientações nutricio-
DAS
conselhos alimentares, que muitas vezes tipo de dieta pode favorecer a expressão nais gerais de como ter um plano alimentar
estão bastante errados, chegam a milhares de genes que nos predispõem a distúrbios saudável, como a roda dos alimentos ou as
de pessoas. metabólicos, como a resistência à insulina pirâmides alimentares. Contudo, mesmo
Em menos de 10 minutos de pesquisa no ou a obesidade, e como, ao mesmo tempo, essas representações, podem ser segmen-
YouTube conseguimos arranjar uma mão a nossa genética determinará como assimi- tadas por idades, para a dieta mediterrâ-
cheia de dietas: crudivorismo (dieta crua lamos ou metabolizamos alguns nutrientes nica ou mesmo para a dieta vegetariana.”
ou raw), dieta do paleolítico, keto, sem glú- de uma maneira muito pessoal e única”, ex- Fica então claro que cada caso é um caso
ten, carnívora, jejum intermitente. A lista plica Nádia Falco, médica e especialista em e cada regime alimentar deve ser adapta-
continua e chega a níveis absurdos como Nutrologia Clínica e Medicina Integrativa do a vários fatores. “Devemos ter atenção
crudívoro até ao meio-dia ou carnívoro cru na Clínica Médica do Porto. a vários fatores, entre eles destaco dados
(sim, leu bem). antropométricos (peso atual, peso a atin-
O cenário parece ser regra e não se fica gir e altura), a idade, a atividade física e
pelo YouTube. Pela Internet fora não faltam a profissional, os hábitos alimentares e a
planos alimentares de braços dados com história clínica – por exemplo, se tem algu-
promessas irrealistas e elaborados quase ma patologia. Um plano alimentar, e neste
sempre por pessoas que não têm formação caso para a perda de peso, deve ser sempre
em nutrição e que usam como base a máxi- personalizado, para que os objetivos sejam
ma “se resultou para mim, vai resultar para alcançados e mantidos”, explica Patrícia.
todos”.
O tema fomenta debate, há estudos que
Por Ana Saldanha. apontam benefícios e falhas a quase todos
os regimes alimentares da moda, mas há
quase um consenso generalizado quan- “CONSIDERO A EXISTÊNCIA
do falamos de dietas em modo one size fits
all. “Não existe uma dieta universal para
DE UMA DIETA UNIVER SAL
recomendar. Cada pessoa deve ter um re- U M D O S P R I N C I PA I S M I T O S
gime alimentar adequado a si, à sua idade
QUE DEVEMOS QUEBRAR
EM TORNO DA NUTRIÇÃO”
NÁD IA FALCO
110 GQPORTUGAL.PT MAIO / JUNHO 2020 MAIO / JUNHO 2020 GQPORTUGAL.PT 111
COMPORTAMENTO
da dieta
cem e produz-se mais norepinefrina (a hor- OUVIR
mona responsável por queimar gorduras) e O ESTÔMAG
lis. Peixes e mariscos, os que estavam à a taxa metabólica sobe entre 3,6 e 14%. Há O
Primeiro, voltemos aos básicos. Sabemos beira-mar. E as plantas que colhiam eram estudos que revelam ainda que o jejum in-
tão pouco sobre dietas que até a palavra antepassados longínquos das plantas co- termitente fomenta a perda de gordura em
“dieta” é usada de forma errada. E Ná- mestíveis que conhecemos, que foram de- detrimento da perda de massa muscular, ao
dia Falco explica: “quando dizemos ‘die- senvolvidas no neolítico”, explica Isabel. 100 milhões de americanos comem sem glú- contrário do que acontece em dietas de res- O futuro passará por deixar de
ta’, estamos a referir-nos ao conjunto de ten. E em Portugal também são muitos. Só trição calórica. lado a popular diet culture para dar
substâncias alimentares que compõem o Dieta crua: Tem por base o consumo de há uma coisa boa: os verdadeiros doentes Os três métodos mais conhecidos para lugar às dietas personalizadas, que
comportamento nutricional dos seres vi- frutos, verduras, legumes, oleaginosas, celíacos têm onde ir comprar facilmente jejum intermitente são o 16/8, em que as se focam mais na saúde do que no
vos. O conceito vem do grego diaita, que cereais e sementes germinadas, tudo cru, os seus produtos, o que dantes estava re- refeições se fazem ao longo de oito horas número da balança. É aqui que surge
significa ‘modo de vida’. A dieta é, portan- e restringe o consumo de alimentos de servado a poucas empresas”, conta Isabel. e jejum durante as restantes 16 (e este é o o conceito “comer intuitivamente”,
to, um hábito, e constitui um modo de vida. Sob esta lógica, podemos já descartar as origem animal (ainda que seja permitido Mas as opiniões dividem-se. “Infelizmente método mais comum e consensual); o co- que está a ganhar os adeptos que
O termo é frequentemente usado para nos dietas, perdão, os regimes alimentares o consumo de ovos, laticínios não pasteu- ainda não temos testes serológicos que mer-parar-comer, que consiste num jejum têm criticado a cultura das dietas. Na
referirmos a regimes especiais de perda de mencionados no início do artigo, já que rizados, carnes e peixes crus). Um dos confirmem o diagnóstico de intolerância, de 24 horas uma ou duas vezes por semana primeira pessoa, Jessica Knoll conta
peso ou combate a certas doenças, embora estes “não têm em consideração a indivi- argumentos defendidos pelos crudívoros mas é verdade que vejo cada vez mais pes- e, por fim, o jejum 5:2, em que se consomem (no artigo do The New York Times
esses casos representem modificações da dualidade, a disponibilidade de alimentos, é que o ser humano é a única espécie que soas que respondem muito bem quando re- entre 500 e 600 calorias em dois dias não Smash the Wellness Industry) a sua
dieta, e não a própria dieta.” a cultura, os fatores emocionais e sociais, cozinha os alimentos. “As pessoas que têm movem o glúten da dieta. Há uma enorme consecutivos e se mantém um regime ali- viagem pelos distúrbios alimentares,
E também sabemos pouco sobre que que são muito importantes, não estão fo- hábitos crudívoros são tão poucas que melhoria nos sintomas leves que naturali- mentar normal nos restantes cinco dias – jejuns, contagem de calorias e as
alimentos fazem bem ou mal. E a ciência cadas na saúde da microbiota, na saúde em todos os inquéritos alimentares nunca zamos totalmente, como dores de cabeça, esta opção acaba por se aproximar mais de recaídas que se seguiram a todas
aponta cada vez mais para um caminho que digestiva e na composição genética da pes- chegam a ser em número suficiente para inchaço abdominal, pernas cansadas e in- uma dieta de restrição calórica do que de as dietas. Para Knoll, a resposta foi
deve ser o mais personalizado possível. Em soa”, explica Nádia. se chegar a qualquer conclusão, na com- chadas, falta de concentração ou acne… Se um jejum. comer intuitivamente. “A filosofia
março do ano passado o The New York Ti- paração com os outros. Mas pode-se dizer considerarmos que 80% do nosso sistema “A nossa formação clássica é que as re- que nos encoraja a voltar ao estado
mes fez uma experiência com o cardiologis- que a descoberta do fogo e a sua aplicação imunológico está no intestino, entendere- feições devem ser polifracionadas e que o de sabedoria inata que tínhamos em
ta Eric Topol (que está documentada no ar- aos alimentos foi uma grande descober- mos a importância dos alimentos que inge- jejum leva à produção de corpos cetónicos bebés – sobre quando parar de comer,
tigo The A.I. Diet). Durante duas semanas, ta do género humano. Porque o fogo mata rimos”, acrescenta Nádia Falco. (acetona), que são prejudiciais ao organis- o que sabe bem e como é que a
Comer ou
especialistas registaram os alimentos inge- parasitas e bactérias e amolece os alimen- mo. Mas investigações mais recentes têm comida nos faz sentir”, explica.
ridos, o nível de açúcar no sangue, os pa- tos tornando-os mais comestíveis”, explica chegado à conclusão dos benefícios do je- “Pessoalmente, e tendo em conta
drões de sono, os hábitos de exercício físico Isabel. E Nádia e Patrícia acrescentam que jum. De facto, durante um jejum prolongado as evidências sobre o assunto, acho
não comer
e a microbiota intestinal (que é o conjunto a dieta pode não ser indicada para quem a gordura do corpo vai ser ‘queimada’ para que é um ‘estado ideal’ que devemos
Jejum sim,
de espécies de microrganismos que vivem tenha problemas digestivos, dado que esta ser consumida como energia. Mas o que alcançar. Mas também sei, pela
no trato digestivo) e, no fim da experiência, dieta consiste num consumo muito elevado também tem sido revelado é que isto obri- experiência com os meus pacientes e
analisaram os dados com um algoritmo de Para tirar todas as teimas, falemos de algu- de fibra. ga o organismo a consumir uma espécie de por todas as variáveis que influenciam
jejum não
inteligência artificial que elaborou uma es- mas dietas da moda: detritos celulares, ‘lixo’ a eliminar. Para se o processo de ‘nutrir’ que, primeiro,
pécie da pauta de avaliação de tudo o que Dieta sem glúten: Apesar de os dados aplicar este regime pode praticar-se aquilo é preciso fazer uma reeducação
o médico comeu e a forma como a comida Dieta do Paleolítico: Nasceu do livro do apontarem para apenas 1 a 3% dos portu- que é mais simples e recomendável em pes- do nosso paladar, das motivações
ingerida se relacionou com o seu corpo e cientista americano Loren Cordain e, como gueses serem intolerantes ao glúten (que é Aqui deixa de importar o que se come para soas saudáveis: 12 horas de jejum – das 20 inconscientes, do relacionamento
com o seu estilo de vida (avaliando, por o nome indica, baseia-se nos hábitos ali- um conjunto de proteínas insolúveis que se passar a ser importante quando se come. ou 21 horas da véspera até às 8 ou 9 horas emocional com a comida e trabalhar
exemplo, os picos de glicémia). Os resulta- mentares dos caçadores-recoletores da encontram em cereais como a aveia, trigo, Ou melhor, quando não se come. O jejum é do dia seguinte. Mas também há quem faça a comunicação com os sinais do
dos do cardiologista acabaram por dar A época pré-agrícola. Este regime exclui os centeio e cevada), os rótulos “sem glúten” uma prática ancestral, quase sempre feito 16 horas e suporte bem ficar assim até ao nosso corpo. Não vamos começar
(a nota mais alta) a alimentos como cheese- cereais (dado que os solos não eram culti- nas prateleiras dos supermercados come- com motivações religiosas. Mas nos tem- almoço. Recomenda-se que não faça exer- a ‘sentir’ o que nossas células
cake e notas mais baixas a flocos de aveia vados), o leite e derivados (os animais não çaram a chamar a atenção e rapidamente pos modernos o jejum intermitente surgiu cício de manhã porque pode entrar em hi- precisam se vivermos completamente
e a alguns frutos e vegetais – que conside- tinham sido domesticados) e os hidratos de surgiram os mitos de que o glúten faz mal à em estudos que o ligam a perda de peso e poglicemia e é perigoso”, explica Isabel. ● desconectados do que está a
raríamos como alimentos saudáveis. “Não carbono e privilegia alimentos não proces- saúde ou engorda. “A conclusão a que têm melhorias gerais na saúde (e até há quem acontecer connosco”, explica Nádia
há uma dieta universal”, foi a conclusão do sados, o mais próximos da sua forma natu- chegado os especialistas, nomeadamente diga que pode fazer com que vivamos mais Mas como não existe uma dieta
cardiologista. ral possível. “Pode ter algumas ideias-cha- de Gastrenterologia, é que só devem reti- tempo). universal, também as opiniões
ve interessantes, mas a analisar em cada rar da alimentação os alimentos com glúten “O jejum intermitente refere-se ao facto são singulares. “Se comêssemos
caso em concreto e sempre tendo em vista as pessoas que têm intolerância ao glúten. de não consumir alimentos por, pelo menos, instintivamente era uma desgraça…
o objetivo da dieta”, afirma Patrícia. “O ‘pa- Mas a moda da pseudointolerância ao glú- 16 horas, para esgotar toda a reserva de gli- Porque o ser humano, instintivamente,
leolítico’ não é paleolítico. Há alguns estu- ten pegou de tal maneira que se calcula que cogénio no fígado e, assim, colocar as célu- quer alimentos hipercalóricos, foi
dos sérios que investigaram os dentes e os las no que chamamos de ‘stresse biológico assim que sobreviveu como espécie.
ossos dos humanos dessa época, os restos positivo’, que ativará muitos mecanismos Tudo quanto é doce e/ou gorduroso
de animais presentes no mesmo espaço e celulares de ‘limpeza’ extremamente bené- sabe-lhe bem. E muitas pessoas não
também a impressão genética das plantas ficos”, explica Nádia. gostam de vegetais nem de fruta.
que os rodeavam e o que se pode dizer é Devemos comer com gosto, mas
que não comiam carne dos nossos animais pensar um pouco”, conclui Isabel.
de pastoreio atual (vacas, ovelhas, porcos). English
Comiam auroques, mamutes, alguns java- version
112 GQPORTUGAL.PT MAIO / JUNHO 2020 MAIO / JUNHO 2020 GQPORTUGAL.PT 113
MODA
Casaco em nylon, Balenciaga. Leggings em poliéster, óculos de sol em acetato, ambos da produção. Luvas em látex, Elissa Poppy. Chapéu em lã, Euro Accessories.
Ceci pas pipe
n'est une
114 GQPORTUGAL.PT MAIO / JUNHO 2020 MAIO / JUNHO 2020 GQPORTUGAL.PT 115
116 GQPORTUGAL.PT MAIO / JUNHO 2020
MODA
Blazer em algodão, Paul Smith. Chapéu em lã, Euro Accessories. Chapéus de chuva, da produção.
MAIO / JUNHO 2020 GQPORTUGAL.PT 117
Na página ao lado, túnica em poliéster, Jil Sander. Top em nylon, Marcelo Burlon. Chapéu em lã, Euro Accessories. Luvas em látex, Elissa Poppy.
118 GQPORTUGAL.PT MAIO / JUNHO 2020
MODA
Casaco em lã e algodão, Lanvin. Calças em algodão, MSGM. Chapéu em lã, Euro Accessories. Botas em borracha, Hunter.
Na página ao lado, à esquerda: colete e calças em algodão, ambos Ami Alexandre Mattiussi. Camisola em algodão, River Island. Chapéu
em lã, Euro Accessories. Ténis em nylon, Jimmy Choo. Chapéu de chuva, da produção. À direita: macacão em algodão, Dickies. Top em
algodão, Marcelo Burlon. Chapéu em lã, Euro Accessories. Botas em borracha, Hunter. Chapéu de chuva, da produção.
MAIO / JUNHO 2020 GQPORTUGAL.PT 119
120 GQPORTUGAL.PT MAIO / JUNHO 2020
Poncho em nylon, Canada Goose. Leggings em poliéster e chapéus de chuva, ambos da produção.
Chapéu em lã, Euro Accessories. Botas em borracha, Hunter. Luvas em látex, Elissa Poppy.
Na página ao lado, blazer em algodão, Paul Smith. T-shirt em algodão, Barbour. Calças em algodão, Marcelo
Burlon. Chapéu em lã, Bowler Hat. Macacões em algodão, Dickies. Chapéus de chuva, da produção.
MODA
Na página ao lado, casaco em camurça, Berluti. Chapéu em lã, Euro Accessories. Luvas em látex, Elissa Poppy.
MODELO: ELLIOTT REEDER @SUPA. GROOMING: MARIA COMPARETTO @THE ONLY.AGENCY, COM PRODUTOS
CHANEL BEAUTY. ASSISTENTE DE FOTOGRAFIA: DAN KNOTT. ASSISTENTES DE STYLING: POOPY NORTON, CAMILLE
TYBERGHEIN E MAHATMA KHANDI. IMAGEM DIGITAL: DIENACHBARIN.AT
A GQ AGRADECE A RUBY @THE ONLY AGENCY, WILL KENNY @SUPA, DYLAN OWUSU @NEVS, JACK PRICE @SUPA
E DILLON CLARKE @NEVS POR TODAS AS FACILIDADES CONCEDIDAS.
olá
poderá afetar o nosso futuro? Que assun-
to discreto é esse, que não se deixa ver
Big
em tempos de pandemia? A resposta pode
estar no relatório de um pequeno instituto
Brother,
da Universidade de Gotemburgo, que todos
Qual foi o
os anos faz um levantamento do estado da
liberdade no mundo. O Varieties of Demo-
N
cracy (V-Dem) anunciou que este ano, pela
acontecimento primeira vez desde o início do século, mais
de metade da população mundial vive ago-
o país que outrora foi o farol da
democracia e da prosperidade,
teve maiores
Unidos, Índia, Brasil ou Turquia têm vindo envenenamento da vida política, a guer-
a ser fragilizadas por tendências autocrá- rilha entre instituições, o ódio entre ricos
ticas. Em apenas dois anos, os atentados à e pobres, entre etnias e religiões. Há uma
consequências liberdade de expressão quase dobraram e desconfiança no sistema, sem que nin-
até já liberdade
os casos de repressão social atingem já 37 guém saiba muito bem quem o domina, se
128 GQPORTUGAL.PT MAIO / JUNHO 2020 MAIO / JUNHO 2020 GQPORTUGAL.PT 129
A UNIÃO EUROPEIA
E
EUR OPA
EM MO DO DE
L Â N DI A
S O BRE V I V Ê NCI A
A
E se noutras alturas, como na crise da dí-
A pandemia pôs a nu muitos problemas da União vida grega, solidariedade não era propria-
SU ÉC I
Europeia, a começar pela falta de solidariedade mente a palavra a vir logo à cabeça (antes
entre as suas nações e pela divisão entre os frugais austeridade, cuja semelhança acaba na ter-
minação), desta vez não estamos a falar de
do Norte e os estouvados do Sul. As decisões que
FI N
contas públicas mal-amanhadas, mas sim
vierem a ser tomadas ditarão o futuro do, apesar “Esse discurso é repugnante de um vírus mortal que não escolhe ape-
de tudo, último refúgio da sanidade global. no quadro de uma União nas os países que gastam todo o dinheiro
em vinho. E António Costa, normalmente rus, mas também porque o “europeísmo”
Por Paulo Narigão Reis. Europeia. E a expressão é o político contido e calculista, não poupou foi enfraquecido pelas outras crises da dé-
ESTÓ mesmo essa: repugnante.” palavras para expressar a indignação para cada passada. “O espírito comunitário da
classificar o que considerou como “absolu- Europa está mais fraco hoje do que há dez
NIA Foi no fim de março que ta inconsciência e mesquinhez recorrente” anos”, disse Letta, para quem o maior pe-
António Costa se atirou que “mina completamente aquilo que é rigo para a UE é o vírus Trump. “Se todos
LE TÓ
o espírito da UE e que é uma ameaça ao adotassem a estratégia de ‘Itália primeiro’,
ao ministro das Finanças
D NIA futuro da UE”. “Se a União Europeia quer ‘Bélgica primeiro’ ou ‘Alemanha primeiro’,
I holandês e se tornou um sobreviver, é inaceitável que qualquer res- iríamos afundar-nos completamente”, con-
LIT UÂ
D AAN
N ponsável político, seja de que país for, pos- siderou Letta, que foi primeiro-ministro de
A herói instantâneo para os
M A RC
A
NIA sa dar uma resposta dessa natureza peran- Itália entre abril de 2013 e fevereiro de 2014.
IR L
OL
a viver”, proclamou o primeiro-ministro do Jacques Delors, que liderou a Comissão
PA A IX
A E
L Ó
B Wopke Hoekstra, o ministro holandês, ti- português. E, nos últimos dias de março e Europeia entre 1985 e 1995 e foi um dos artí-
GIBÉ L
vera o desplante de, em plena videoconfe- início de abril, parecia mesmo que, de re- fices da moderna UE, deixou o aviso de que
M A RE NI A
C rência com os seus homólogos europeus, pente, a sobrevivência da União Europeia a falta de solidariedade representa “um pe-
A sugerir que a Comissão Europeia devia estava de facto em risco. rigo mortal para a União Europeia”.
investigar a Espanha e outros países que Enrico Letta, ex-primeiro-ministro da O pessimismo não poupou mesmo o
LUXEMBURGO afirmassem não ter margem orçamental Itália, a par de Espanha o país europeu vice-presidente da Comissão Europeia.
FRAN
P
NHA CH .
para lidar com a crise provocada pela pan- mais atingido pela pandemia da covid-19, “A União Europeia como a conhecemos
EC A U IA
demia de covid-19, ainda para mais tendo veio dizer que a UE enfrenta um “risco não vai sobreviver a isto”, advertiu Franz
VÁQ
ÇA
em conta que a Zona Euro está a crescer mortal” por causa da pandemia global. Timmermans, enquanto o ministro das Fi-
ÁUSA
ES LO há sete anos consecutivos. “Enfrentamos uma crise diferente das cri- nanças polaco lembrou que a crise não é
R IA
A sensação de déjà vu era óbvia. Afinal,
TRI
ses anteriores”, afirmou ao jornal britânico exclusiva dos países da Zona Euro. “É de
G
R OMÉ
tinha sido há exatamente três anos que
HUN
The Guardian, em parte, considerou, por extrema importância que todos participe-
ES
A outro ministro das Finanças dos Países causa da progressão imprevisível do ví- mos no processo de enfrentar as conse-
ÉNI
LO V
I
ES
Baixos, Jeroen Dijsselbloem de seu nome, quências económicas da pandemia no es-
NIA
O ÁCI A
acusara os europeus do Sul de gastarem o pírito da solidariedade europeia”, escreveu
CR
P T
seu dinheiro em “copos e mulheres” para Tadeusz Koscinski a 1 de abril numa carta
AL
depois, ainda por cima, “pedirem que os aos seus congéneres europeus.
A
T UG
L
cusou pedir desculpas pelas suas, no míni-
POR
R IA
I
mo, pouco ponderadas declarações, desta
vez Hoekstra fez o devido ato de contrição.
“Não estivemos bem. Não demonstrei sufi-
“NÃO ESTIVEMOS BEM. NÃO
A
A
aliás, um dos problemas da Europa, pelo que todos juntos possamos sair desta crise
menos em tempos mais recentes, com os o mais rápido possível, mais fortes e mais
países do Norte, autoproclamados como unidos”, sublinhou.
mais responsáveis e de contas certas, a A resposta das altas instâncias euro- a Comissão Europeia a apresentar uma
queixarem-se invariavelmente dos ociosos Foi precisamente um holandês, o jornalis- peias demorou duas semanas a chegar, proposta para lançar um fundo de recu-
mediterrânicos que, com a céltica Irlanda ta e escritor Geert Mak, que, em 2005, fez pela voz da presidente da Comissão Eu- peração vinculado ao futuro orçamento
metida pelo meio, até tiveram direito a um esta descrição desencantada da Europa e ropeia. “É verdade que ninguém estava comunitário para assim relançar a econo-
acrónimo pejorativo, PIIGS (Portugal, Ir- do projeto europeu: “Não há um povo eu- verdadeiramente preparado para isto”, dis- mia europeia. Na mesma cimeira, foi ainda
landa, Itália, Grécia e Espanha – no caso, ropeu único. Não existe uma comunidade se Ursula von der Leyen. “Mas também é aprovado o pacote de emergência de res-
Spain). abrangente de cultura e tradição entre, verdade que demasiados não estavam lá a posta à crise que tinha sido acordado duas
digamos, Varsóvia, Amsterdão, Berlim e tempo quando Itália precisava de uma mão semanas antes pelo Eurogrupo liderado
Belgrado. De facto, existem pelo menos amiga no início de tudo”, assumiu a políti- por Mário Centeno, no montante global
quatro comunidades: a protestante do ca alemã, fazendo um mea culpa oficial: “A de 540 mil milhões de euros, que se espera
O POL Í CI A
fíceis e até promover a irresponsabilidade Norte, a católica latina, a ortodoxa grega A pandemia só veio aumentar a desconfian- Europa, como um todo, oferece um sentido operacional já em junho.
fiscal – dos outros, dos países do Sul, é e a otomana muçulmana. Não existe um ça, e o cansaço, dos europeus em relação a pedido de desculpas a Itália.” O dito pacote de emergência é constituí-
claro… Com a oposição mais verbal a vir idioma único – há mais de 20. Não existem uma UE que muitos veem como crescente- “A Europa será forjada em crises”, disse do por três redes de segurança: uma linha
MA U E O
dos holandeses, transformados em “polícia verdadeiros partidos políticos europeus. mente inútil. Olhe-se para Itália. Ainda an- um dia Jean Monnet, um dos pais funda- de crédito do Mecanismo Europeu de Esta-
mau”, a chanceler alemã, Angela Merkel, lá E o mais importante de tudo: ao contrário tes do coronavírus, os italianos passaram dores da União Europeia. E o continente bilidade, através da qual os Estados-mem-
foi dizendo que faltava consenso na Europa dos Estados Unidos, a Europa ainda não de uma das nações que mais acreditavam nunca viveu, com toda a certeza, uma crise bros podem requerer até 2% do respetivo
QU A RTETO a 27 para optar por uma solução tão radical. tem uma história comum.” no projeto europeu para uma das mais como a atual. A grande questão é, agora PIB para despesas direta ou indiretamen-
A Alemanha tem, no entanto, tentado eurocéticas, e a crise só exacerbou esses mais do que nunca, se os países europeus te relacionadas com cuidados de saúde,
manter-se à margem das posições mais ra- sentimentos. Numa sondagem realizada no estão preparados para partilhar o fardo tratamentos e prevenção da Covid-19, um
FRUG A L
Mesmo perante uma pandemia que a todos
dicais tomadas pelo chamado “frugal four”,
o quarteto frugal, formado por Áustria, Di-
namarca, Países Baixos e Suécia, que, em
fevereiro, foi instrumental para que não É PR ECIS O
início de março, 88% dos italianos disseram
sentir que a Europa não estava a apoiar
devidamente Itália e 67% disseram mesmo
que consideravam a UE uma desvantagem.
desta crise. E ir além da receita prescrita
até agora: a ajuda aos Estados-membros
será feita sob a forma de empréstimos,
mesmo que seja através de instrumentos
fundo de garantia pan-europeu do Banco
Europeu de Investimento para empresas
em dificuldades, e o programa Sure para
salvaguardar postos de trabalho através
aflige, o estigma de malcomportado não
deixa de perseguir os estados europeus do
Sul quando se trata, como agora, de finan-
houvesse acordo quanto ao orçamento
europeu para os próximos sete anos, com
o ponto da discórdia a estar em quem vai
UM E os italianos tinham todas os motivos
para se sentirem abandonados. Foram os
primeiros europeus a sentir, com toda a
de emergência como o Mecanismo Europeu
de Estabilidade, o máximo que a Alemanha
e restantes membros do grupo dos frugais
de esquemas de desemprego temporário.
Quanto ao tal fundo de recuperação, fal-
ta saber o tamanho. Para já, tudo aponta
ciar a recuperação da economia ferida qua-
se mortalmente pelo coronavírus. “A Euro-
pa tem de encontrar uma resposta”, foi o
pedido/exigência do desesperado primei-
pagar os 75 mil milhões que desapareceram
com a saída do Reino Unido e na recusa
dos “frugais”, num braço de ferro com os
“amigos da coesão” (onde se inclui Portu-
PL A N O
Apesar de todas as divisões, as notícias
força, o embate da pandemia e a falta de
resposta da UE. “Se somos uma União,
está na hora de o provarmos”, escreveu o
primeiro-ministro Giuseppe Conte numa
estavam, até agora, dispostos a ir.
O Governo alemão continua a rejeitar a
emissão de títulos de dívida comuns, mas
admite que a resposta à crise deve ser
para que ande à volta dos 1,5 biliões de eu-
ros, número que agrada aos países do Sul,
incluindo Portugal. “Já sabemos que não
será uma fisga. Agora, estamos a discutir
ro-ministro italiano, Giuseppe Conte, que gal), em atribuir ao orçamento um valor su- sobre a morte da União Europeia são exa- carta aberta adequadamente publicada no comum, seguindo o que lhe diz a opinião se é uma pressão de ar ou uma bazuca”,
colocou na mesa a emissão de títulos de perior a 1% do PIB total da União Europeia. geradas. Num mundo onde existem Trump, jornal alemão Die Zeit no primeiro dia de pública. A maioria dos alemães querem re- disse António Costa após a cimeira. E fal-
dívida comum, imediata e apropriadamente E embora a intransigência dos “frugais” Bolsonaro, Erdogan ou Duterte, o Velho abril. “Precisamos de uma estratégia de forçar a solidariedade europeia, mas 64% ta saber como será financiado o fundo de
apelidados de coronabonds, destinados ao tivesse o apoio declarado da Alemanha, por Continente talvez seja ainda o último re- recuperação económica. Todos os Estados opõem-se aos coronabonds. recuperação. Os coronabonds parecem
salvamento dos países da Zona Euro. Por- esta altura o “polícia bom” – já ninguém se fúgio da sanidade global, descontando na- europeus devem dar agora o seu contri- “A Alemanha só ficará bem se também a estar definitivamente postos de lado, gran-
tugal foi um dos nove países dos 19 da Zona lembra de Wolfgang Schäuble –, a atitude turalmente Viktor Orbán. Mas a verdade é buto, sem exceção”, afirmou o líder italia- Europa ficar bem”, proclamou Angela Mer- de parte do dinheiro deverá ser reunido
Euro que, a 25 de março, pediram formal- holandesa irritou não só as outras nações que pode estar num momento de ou vai ou no, para quem a “solidariedade deve ser kel, defendendo que o seu país tem de estar através de emissão de dívida por parte da
mente a emissão dos coronabonds. Houve, como o próprio amigo germânico. Segundo racha, onde a sua sobrevivência como um expressa num plano comum que garanta, preparado para aumentar a contribuição Comissão Europeia. E, claro, como será
naturalmente, quem torcesse de imediato o conta o diário holandês Volkskrant, o pri- bloco não só económico como também cul- pela transparência e pelo rigor de todos os para o orçamento europeu. A chanceler fez distribuído o fundo. Os frugais continuam
nariz. Reúnam-se alguns dos suspeitos do meiro-ministro Mark Rutte tirou os outros tural e social depende de dar o passo em participantes, que não ficamos apenas por a promessa após a cimeira de 23 de abril, a defender os empréstimos, os outros pre-
costume: Países Baixos, Áustria, Finlândia líderes europeus do sério ao aparecer na frente, sob pena de ver as suas populações uma união de transferências”. em que os líderes europeus instruíram ferem subvenções, até para não agravarem
e, claro, Alemanha, opostos ao mero con- cimeira com uma biografia de Chopin de- rebelarem-se contra uma união que não O governante italiano não escondeu o as dívidas públicas e comprometer o futuro
ceito da coisa. E a moral para justificar a baixo do braço, com a justificação de “que consegue ter um plano comum – nem se- alvo das suas palavras. “Devemos exa- com a receita que, esta sim, matará a União
recusa? A mutualização da dívida serviria mais é que há para fazer?”. Segundo relata quer uma só voz – contra um inimigo como minar os instrumentos apropriados para Europeia: a imposição de mais austeridade.
para punir quem poupou para os dias di- o mesmo jornal, Angela Merkel ficou fu- o novo coronavírus. A aceleração do cami- uma situação sem precedentes. Isso sem A Europa ainda não está livre da pandemia
riosa com o comportamento “infantil” de nho para o federalismo democrático será e não se sabe que Europa sairá desta cri-
Rutte. talvez o passo lógico, mas que estará con- se. Mas, para sobreviver unida, terá de ser
O crescente isolamento dos Países Bai- denado ao fracasso se continuar a faltar a muito diferente. Até porque, como bem o
xos – nome pelo qual, desde janeiro, os solidariedade entre os Estados. sabia Jean Monnet, “não há futuro para os
holandeses querem que o seu país seja J ACQ U E S D E LO R S ( . . . ) povos da Europa a não ser em união”. l
chamado – no seio da UE tem semelhan- D E I X O U O AV I S O D E Q U E A F A LTA
ças óbvias com o Reino Unido: o braço de
ferro com as outras nações, o discurso in- D E S O L I D A R I E D A D E R E P R E S E N TA
terno destinado a alimentar os eurocéticos,
a conversa crescente sobre um possível
“ U M P E R I G O M O R TA L P A R A
English
“Nexit”. A UNIÃO EUROPEIA” version
132 GQPORTUGAL.PT MAIO / JUNHO 2020 MAIO / JUNHO 2020 GQPORTUGAL.PT 133
CORPO
SAÚDE • GROOMING • SHOPPING
OS MONSTROS
DEBAIXO
DA CAMA
Assombram-nos à noite, entre os lençóis,
e aparecem quando o stress, a rotina (ou a falta
dela) e a ansiedade se deitam connosco.
Por Ana Saldanha.
E
m teoria, sabemos como deve
ser. Devemos dormir, pelo me-
nos, oito horas. Devemos deixar
os aparelhos eletrónicos fora do
quarto e deixar de os usar uma hora antes
de ir dormir. Devemos ter bons hábitos de
sono e rotinas saudáveis. Mas o que faze-
mos quando nos arrancam a nossa rotina?
Quando os dias são todos iguais, quando
não podemos não trazer o trabalho para
casa porque a sala é o escritório e quan-
do a preocupação e a incerteza nos tomam
conta das ideias – de dia e de noite?
Se a insónia é um problema específico
que não afeta toda a gente (e que vamos ex-
plicar mais à frente), certos estudos reve-
lam que estamos todos a dormir menos do
que alguma vez se dormiu. Dados compila-
dos por Charles Czeisler, chefe do Departa-
mento de Sono e Distúrbios Circadianos no
Brigham and Women’s Hospital, revelaram
que, nas últimas cinco décadas, as nossas
horas de sono em dias úteis diminuíram
uma hora e meia, passando de, em média,
oito horas e meia para menos de sete por
noite. Mais: 31% das pessoas cujos hábitos
de sono foram analisados dormem menos
de seis horas por noite e 69% têm um sono
insuficiente. E parece que os números não
se ficam pelos adultos, já que Lisa Matric-
ciani, investigadora na área do sono na
Universidade da Austrália Meridional, ob-
servou que, entre 1905 e 2008, as crianças
perderam um minuto de sono por ano.
134 GQPORTUGAL.PT MAIO / JUNHO 2020 MAIO / JUNHO 2020 GQPORTUGAL.PT 135
CORPO SAÚDE
acordados. Quando passamos por uma O SONO tentar aproveitar ao máximo a luz do dia
fase difícil, uma situação que nos deixa
apreensivos, é normal que haja um impac- É QUE PAGA (abrir as persianas e os cortinados man-
tendo a casa bem iluminada de luz natural
to no sono. Quanto resolvemos a situação, Ainda que o stresse seja um fator deter- ou mesmo realizando atividades à janela,
N
normalmente, resolvemos o sono”, contam minante na qualidade do sono, muitos como ler). Se mantivermos uma rotina diá-
o nosso dia a dia é a rotina que as colaboradoras da APS. Por outro lado, distúrbios no sono são genéticos e podem ria tão próxima quanto possível da normal,
nos faz deixar o sono para se- “uma insónia caracteriza-se por frequen- estar relacionados com a melatonina (que o padrão de sono estará salvaguardado.”
gundo plano, como explicam tes dificuldades em adormecer, manter- é a hormona que, basicamente, nos manda lista em terapia cognitivo-comportamental
Mariana Miller Mendes e Ana -se a dormir ou acordar demasiado cedo, adormecer) – quer seja a falta dela ou a fal- para a insónia, pois será este que delineará
Allen Gomes, psicólogas da Associação com implicações na nossa vida durante o ta dos seus recetores. um plano de intervenção para restaurar o SÓ MAIS
Portuguesa do Sono (APS): “Com um dia a
dia cada vez mais ocupado, continuamos a
dia, durante um longo período. Deixamos
de conseguir dormir, não porque algo nos
Se a dificuldade em adormecer não de-
riva do stresse nem é genética, pode estar
padrão de sono e combater a insónia”, ex-
plicam as psicólogas. 5 MINUTOS…
querer tudo, sem ter tempo para tudo, e o preocupa, mas porque a própria dificulda- relacionada com a higiene do sono. “Exis- Mas o timing deste artigo não foi escolhi- Dormi mal, e agora? Podemos dormir de
que acaba por ficar para trás é o sono. O de em dormir nos preocupa – porque os tem várias regras de higiene de sono que do aleatoriamente. Quisemos falar sobre dia as horas que ficaram em falta à noite?
problema é que a falta de sono tem conse- efeitos que essas noites tiveram nos assus- devem ser praticadas por todos nós e que o sono numa altura em que pode ser mais “O conceito de repor o sono é ilusório. As
quências. Os estudos mostram que, para a taram e porque tentamos desesperadamen- ajudam a manter um padrão de sono sau- difícil dormir descansado (e esclarecer que sestas não repõem o sono perdido, porém,
maioria das pessoas, dormir por norma me- te dormir e quanto mais queremos e tenta- dável. Em primeiro lugar, a medicação que é normal que aconteça). Mariana e Ana podem ajudar na melhoria de humor, alerta
nos de 6 horas por noite não é suficiente e mos, menos conseguimos”, acrescentam. DEITAR CEDO não for receitada por um profissional de explicam: “Não só existe um clima de an- e desempenho. Esporadicamente podemos
D
que o sono insuficiente tem consequências
a curto e longo prazo, especialmente nas á-se um efeito bola de neve en- E CEDO ERGUER saúde especialista no sono deve ser evi-
tada. Deve evitar-se fazer sestas, comer e
siedade generalizada e medo do presente
e do futuro, como nos foi pedido que alte-
fazê-lo, mas com regra”, explicam as espe-
cialistas.
áreas que afetam o nosso desempenho.” tre querer dormir, ficar ansioso beber em grandes quantidades ao fim do remos todas as nossas rotinas e pratique- Porém, atenção, em caso de insónia, as
Noites mal dormidas serão sinónimo de e stressado por não conseguir Cientistas e investigadores da dia e consumir cafeína e nicotina à noite. mos isolamento social. O ser humano é um sestas não são boa ideia: “Uma pessoa com
dificuldades na concentração, diminuição dormir e é esse mesmo stres- área do sono perceberam que os É particularmente importante estabelecer ser social e esta vertente humana tem uma insónia não consegue dormir a sesta pela
do tempo de reação, da criatividade, da se que dificulta o processo de adormecer. ciclos de adormecer e acordar uma rotina de deitar: baixar a luminosida- grande importância na nossa regulação ansiedade que desperta o simples facto de
capacidade de resolução de problemas e “Quando nos deitamos ansiosos, o proces- estão intimamente ligados à luz e de ou ativar o modo noturno nos ecrãs e emocional e no combate à ansiedade. Para tentar dormir o que, por sua vez, aumen-
da produtividade em geral. O que não dei- so de adormecer complica-se e, com o tem- à escuridão: vamos dormir à noite, evitá-los uma hora antes de se deitar, não além da influência da ansiedade, o padrão ta a frustração. Por outro lado, aquilo que
xa de ser curioso dado que a pressão para po passado na cama, chega a frustração quando está escuro, e acordamos ler ou trabalhar no quarto e evitar ativida- de sono é regulado, não só por mecanismos muitas vezes acontece quando temos uma
ser produtivo e o excesso de trabalho são de querer dormir e não conseguir. Por sua de dia, quando há luz. A exposição des estimulantes que impliquem forte ativi- no nosso organismo, como pelo ciclo luz- insónia é que o nosso sono fica fragmen-
algumas das causas para deixar o dormir vez, a falta de sono afeta o nosso humor, à luz estimula uma reação nervosa dade cerebral. O exercício físico é benéfico, -escuro (dia-noite), pelas rotinas, pela ati- tado – dormimos em ‘pequenas doses’ que
para segundo plano. E talvez até tenha sido torna-nos mais sensíveis e tem um efeito da retina e comunica com uma área mas longe da hora de dormir. Todas estas vidade física. Isto significa que, tendo tudo nunca chegam a ser restabelecedoras – e
por isso que o filósofo britânico Bertrand na ansiedade. Um padrão de sono não se do cérebro chamada hipotálamo. ‘regras’ devem ser seguidas por todos sido alterado, o nosso padrão de sono pode quanto mais o fazemos, mais perpetuamos
Russell escreveu que “os homens que são altera numa noite, daí ser possível ultra- É nesta zona que existe o núcleo para promover um bom padrão de sono, ter dificuldades em se regular.” o problema que estamos a tentar resolver”,
infelizes, como os que dormem mal, estão passar períodos passageiros de noites mal supraquiasmático (NSQ), que dá mas quando a insónia está instalada estas E se o sono é um espelho dos humores acrescentam.
sempre muito orgulhosos disso”. dormidas, mas com o tempo, se não se agir, sinais a outras partes do corpo que medidas não chegam. Neste caso, deve ser do dia, Mariana Miller Mendes e Ana Al- E esqueça aquele cochilo no sofá a meio
“Quando nos deitamos para dormir, todo a ansiedade e a falta de sono podem vir a controlam as hormonas, consultado um profissional de Medicina do len Gomes partilham algumas estratégias da tarde que o faz acordar sem saber bem
o nosso corpo se prepara: a temperatura alterar o nosso padrão de sono”, explicam a temperatura corporal e outras Sono, mais especificamente, um especia- para nos aproximarmos da normalidade em que dia da semana está, porque “se for
corporal baixa, o batimento cardíaco fica Mariana e Ana. E é claro que uma altera- funções que nos fazem sentir possível (e, no caminho, enganar o sono): absolutamente necessário, as sestas de-
mais lento, a respiração mais profunda e o ção no padrão de sono – que por norma é sonolentos ou despertos. “É importante que tentemos manter uma vem ser feitas a seguir ao almoço, nunca a
cérebro começa progressivamente a acal- constante e regular – não é consequência O NSQ é uma espécie de relógio rotina – manter os horários das refeições, partir do meio da tarde e não devem ultra-
mar”, explicam as psicólogas. E este é o de um par de noites mal dormidas, mas sim e quando, de manhã, é exposto a hora de acordar e de se deitar, vestir-se passar os 20-30 minutos.” ●
melhor dos cenários, o que não inclui andar de um problema instalado que começa a ter à luz começa o serviço de despertar: com outra roupa (mesmo que seja uma
às voltas nos lençóis pela madrugada fora. sérias consequências de dia e de noite. aumenta a temperatura do corpo, mais confortável, não ficar de pijama!), ten-
Mas nem toda a noite mal dormida é uma liberta hormonas estimulantes, English tar arranjar espaço em casa e durante o dia
insónia e há que saber identificar quando como o cortisol e retarda a version para dedicar a um pequeno exercício físico,
a dificuldade em adormecer é uma conse- produção de melatonina (que
quência de uma preocupação e de stresse será produzida mais tarde,
ou razão para procurar ajuda de um médi- quando começar a escurecer).
co. “É normal termos noites mal dormidas. A melatonina começar a ser
O sono é uma necessidade básica que é “encomendada” pelo NSQ perto das
influenciada pelas restantes que passamos 21 horas, normalmente, e continua
em grande concentração no
sangue durante cerca de 12 horas.
Durante o dia esta hormona é quase
indetetável – e é por isso conhecida
“O SONO É UMA NECESSIDADE como hormona-Drácula.
BÁSICA QUE É INFLUENCIADA Óleo Perfumado Brisa de almofada Loção corporal Gel de duche de lavanda,
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PA S S A M O S AC O R D A D O S ”
136 GQPORTUGAL.PT MAIO / JUNHO 2020 MAIO / JUNHO 2020 GQPORTUGAL.PT 137
GROOMING CORPO
N
diu tomar medidas. Com uma máquina da
ão foi para poupar champô, nem Philips e um pente de 9 milímetros tratou
para imitar Jason Statham. A do assunto. “Sempre tive uma relação boa
razão pela qual tem visto nas com o cabelo, nunca foi uma coisa que me
redes sociais transformações prendesse muito, sempre gostei de variar”, CORTAR PARA LIBERTAR
radicais – a sério, e não truques à la João confessando que se tivesse produtos de co- “Mais vale rapar a cabeça” é agora o mot-
Manzarra e uma impressionante equipa de loração em casa, provavelmente também to de muitos homens que perceberam que
efeitos especiais – tem menos a ver com já teria navegado pelo mundo da cor. No tão cedo não vão ser avistados por além do
sustentabilidade ou vaidade, e mais a ver entanto, apesar de não ter receio de expe- seu círculo familiar (ou próximo). Mas não
com estado de espírito. Com os barbeiros rimentações, assume que rapar o cabelo foi o estado de pandemia o primeiro evento
fechados e na impossibilidade de manter é uma experiência diferente. “A sensação que levou à corrida às máquinas. Cláudio
cortes de cabelo que exigem perícia e en- depois de cortar o cabelo é sempre estra- Pacheco, hairstylist, explica como rapar o
genho, muitos foram os homens que não nhamente libertadora. Quando tens um cabelo está muitas vezes associado a mo-
se atreveram a pegar na tesoura. Outros, cabelo comprido tens sempre um trabalho mentos de mudança – sejam eles mais ou
agarraram-se à máquina. extra, independentemente de seres homem menos globais. “Quando rapamos ou fa-
Jorge Páramos, 41 anos, é data scientist ou mulher, no caso dos homens é mais faci- zemos uma mudança de visual, e normal-
e estava em teletrabalho há precisamente litado, claro, mas ainda assim, no meu caso, mente nos homens está associado a rapar
duas semanas quando decidiu fazer algu- é sempre um trabalho extra porque tenho o cabelo, acho que a sensação de liberdade
ma coisa em relação ao cabelo. “Estava a de secar e pôr produtos. Quando deixas de é inexplicável. (…) Quando acabas de rapar
ficar demasiado longo”, conta à GQ. Não ter de fazer isso é bastante libertador. O é como se fizesses um restart, a tua vida vai
queria propriamente rapá-lo, mas acabou próprio momento de rapar o cabelo, o mo- começar outra vez e vamos tomar novas
por acontecer: “Queria cortar com pente mento em que pegas na máquina e começas decisões. É mesmo um reborn. Hoje come-
10, mas sem querer inclinei a máquina, fiz a passar pela cabeça é libertador”, diz. çou qualquer coisa de novo”, explica. Nos
muita força contra a pele numa passagem clientes que recebe no Chiado Studio, em
e desbravou uma autoestrada na cabeça… Lisboa, em ausência de pandemias, isto ve-
A partir daí tirei o pente e rapei todo [o ca- rifica-se “quando há uma separação, sem-
belo].” Admite que, não fossem as circuns- pre que há uma mudança na vida de uma
tâncias, teria ido ao barbeiro e não o teria pessoa, acho que as pessoas se sentem na
cortado tão curto. Ainda assim, achou o necessidade de mudar alguma coisa”. l
processo divertido: “Nunca tinha cortado o
meu próprio cabelo nem usado o cabelo tão
curto, foi uma experiência curiosa.”
Com apenas 21 anos, o estudante Luís
Gonçalves estava há praticamente um mês
em casa quando, motivado pelo clima de
pandemia, mas também pela curiosidade
de se ver sem cabelo, se aventurou. “Usei M ÁQU IN AS PARA
um aparador de barba típico, sem pente al- T IRAR T U D O A LIM P O
gum, e depois uma gilete”, explica. Muitos
fios caídos depois, o resultado foi revela-
dor. “Senti-me muito bem, melhor do que
JOGO DO RAPA
estava à espera. E o facto de estarmos fe-
chados em casa e ninguém nos ver, dá-nos
a sensação de que realmente não interessa
a nossa aparência e o que importa é o nos-
so conforto”, conclui.
Se há algo que tem unido homens por esse mundo fora é a decisão
de rapar o cabelo. Em Portugal, o fenómeno não passou ao lado.
Fomos descobrir as motivações de quem, confinado, encontrou neste
Aparador de cabelo HC5050, €59,90, Braun.
gesto uma estranha sensação de liberdade. Aparador de cabelo HC450, €69,90,
English Remington. Aparador de cabelo Titanium
Por Joana Moreira. version E976E, €49,90, Babyliss.
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CORPO PERFUME
DESTINO: PRAIA
( ME S M O SEM SA IR DE CA SA )
E
ste verão a experiência de ir à
praia será inevitavelmente dife-
rente. Podemos discutir questões
de lotação, número de metros de WELCOME TO L.A.
distância, horários controlados ou até o Este novo lançamento cimenta também a
simples respeito pelo próximo, mas de uma um calor que envolvesse uma coolness”, relação da Louis Vuitton com o artista Alex
coisa estamos seguros: o ato tão simples de explica, em comunicado. “Um pôr do sol é Israel, que já havia vestido algumas das co-
partir para visitar o areal terá, nos próxi- simultaneamente efémero e perpétuo, um lónias anteriores da marca (Sun Song, Cac-
mos meses, contornos atípicos. momento que é único e eternamente reno- tus Garden e Afternoon Swim). Desta vez, o
Foi sem pensar em quanto sentimos a vado. O mesmo acontece com um perfume, artista de multimédia de Los Angeles ador-
falta do pôr do sol nostálgico que Jacques indescritível e sempre verdadeiro”, acres- nou não só a garrafa com um cor-de-rosa
Cavallier Belletrud criou a novíssima co- centa. que se mescla de forma perfeita num azul,
lónia da Louis Vuitton. E, apesar disso, California Dream é o nome da nova co- como também assina a embalagem com re-
curiosamente é nela que encontramos o lónia de perfume da marca, que chega às ferências visuais à sua reconhecida obra
Enquanto sonhamos com o regresso ao areal, os pés na areia e aquele conforto desse momento preciso, já que foi lojas a 28 de maio, e que tem tangerina, Sky Backdrop.
ele que inspirou o perfumista francês nesta almíscar, benjoeiro e pera na sua consti- Na incerteza de saber quando podere-
pôr do sol indescritível, a Louis Vuitton lança o aroma capaz de nos transportar criação. “O meu ponto de partida foi criar tuição. Para os fãs de cítricos ou para os mos observar o pôr do sol de perto, resta-
para esse momento – nem que seja na nossa imaginação. que têm um fraquinho por almíscar, este é, -nos apurar assim (outros) sentidos. l
nada mais nada menos, o pôr do sol olfati-
vo perfeito que complementa os dias mais
quentes que se avizinham.
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MOTORES
CLÁSSICOS • HISTÓRIA • DESIGN
ALFA ROMEO
GIULIETTA
SPIDER
Quando os filmes não nos fizerem
sonhar, o que o fará? E, se é para sonhar
com carros belos, não o façamos por
menos: queremos os cabriolés mais cool
e cheios de estilo do cinema.
Daniel Day-Lewis conduz aqui um Alfa
Romeo Giulietta Spider. Ao seu lado
segue Nicole Kidman. A foto foi tirada
nos Cinecitta Studios, em Roma, durante
a rodagem de Nine, o remake assinado
por Rob Marshall do clássico 8½ de
Federico Fellini.
No filme original, de 1963, Marcello
Mastroianni conduzia e Claudia
Cardinale seguia à pendura. O
automóvel, esse, era também um
Giulietta Spider, que a Alfa Romeo
produziu entre 1954 e 1963.
CABELOS AO VENTO
Era bom, não era? Fazíamo-nos à estrada, óculos escuros no rosto, o ar na cara,
a sentir os elementos e a respirar a liberdade. Enquanto as circunstâncias não o permitem,
sonhemos um pouco. Imaginemos um futuro mais risonho a bordo de um cabriolet icónico,
como aqueles que vemos no cinema. Por Diego Armés.
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MOTORES CLÁSSICOS
PUBLISHED BY CONDÉ NAST 3.1 PHILLIP LIM – consultar www.31philliplim.com. A.P.C. – consultar www.apc.fr.
A-COLD-WALL – consultar www.a-cold.wall.com. ACNE STUDIOS – consultar www.
Chief Executive Officer Roger Lynch
acnestudios.com. ADIDAS – consultar www.adidas.pt. ALBAM – consultar www.al-
Chief Operating Officer & President, International Wolfgang Blau
Global Chief Revenue Officer & President, U.S. Revenue Pamela Drucker Mann
bamclothing.com. ALEXANDER MCQUEEN – consultar www.alexandermcqueen.com.
U.S. Artistic Director and Global Content Advisor Anna Wintour ALICE MADE THIS – consultar www.mrporter.com. ALYX – consultar www.alyxstudio.
Chief of Staff Samantha Morgan com. AMI ALEXANDRE MATTIUSSI – consultar www.amiparis.com. ANN DEMEULE-
Chief Data Officer Karthic Bala MEESTER – consultar www.anndemeulemeester.com. BARBOUR – Lisboa: R. Dom
Chief Client Officer Jamie Jouning Pedro V 99 ou consultar www.barbour.com. BALENCIAGA – ver Fashion Clinic. www.
balenciaga.com. BALLY – ver Fátima Mendes ou consultar www.bally.com. BERLUTI –
FERRARI 250 CONDÉ NAST ENTERTAINMENT consultar www.berluti.com. BOTTEGA VENETA – consultar www.bottegaveneta.com.
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270 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020
D R E A M I N G A L O N E I S O N L Y A D R E A M