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Custas pelos réus, sendo que o réu Tia- Para ser lida e publicada na audiência
go Masagão Filho pagará apenas a me- designada para hoje.
tade das custas referentes aos atos pra- São Paulo, 31 de julho de 1954. - An-
ticados de fls. tônio Gonçalves Gonzaga.

BENS PÚBLICOS - USUCAPIÃO - ALIENAÇÃO


- Não pode o Prefeito, por via indireta, qual seja, pela
transferência de posse, dispor de imóvel pertencente ao
patrimônio municipal, sem lei que o autorize.
TRIBUNAL DE ALÇADA DE SAO PAULO
Judite Martire de Oliveira versus Prefeitura Municipal de Ubatuba e outros
Apelação cível n.O 9.688 - Relator: Sr. Desembargador
ULISSES DÓRIA

ACÓRDÃO tuba, um têrmo de transferência da "pos-


Vistos, relatados e discutidos êstes au- se definitiva" do terreno em questão, em
tos de apelação civel n.O 9.688, da co- virtude de haver a autora ali construido
marca de Ubatuba, em que é apelante uma casa de residência e para que "possa
requerer usucapião" (fls.).
Judite Martlre de Oliveira, sendo apela- E' bem de ver que êsse ato da Prefei-
dos a Prefeitura Municipal de Ubatu- tura Municipal contraria frontalmente o
ba e outros. Acordam, em Segunda Câ- disposto no art. 67 do Código Civil, Vis-
mara Civil do Tribunal de Alçada, por to não poder o Chefe do Executivo mu-
maioria de votos, negar provimento ao nicipal alienar imóvel de propriedade do
recurso e confirmar a decisão recorrida. municípiO, em relação ao qual já havia
A autora ajuizou contra a Prefeitura se consumado o usucapião a favor da
Municipal de Ubatuba e outros, a presen- Municipalidade, que, segundo o referido
te ação de usucapião de um terreno si- têrmo, exercia "posse imemorial mansa
tuado à Avenida Guizard, com cento e e pacífica" sôbre o terreno.
cinqüenta metros de frente, fazendo fun- Conforme observa Clóvis, os "bens pú-
dos no alto do morro na cidade de Uba- blicos, em face do que prescreve o art.
tuba, na qual alega posse por mais de 67, são isentos de usucapião, porque não
trinta anos, mansa e pacífica, como su- podem sair do patrimônio da pessoa juri-
cessora da Municipalidade, e como ad- dica de direito público, senão pela forma,
quirente das benfeitorias existentes na que a lei prescreve, e o usucapião pres-
mesma área, ali feitas por Miguel Bento supõe um bem capaz de ser, livremente
de Oliveira, que ocupava o terreno, sa- alienado" (Código Civil, comentários ao
bendo-o da Prefeitura. art. 67).
Nenhuma contestação foi oferecida e, Ainda que não se aceite a tese de que
a final, o Dr. Juiz de Direito proferiu os bens patrimoniais da União, dos Es-
sentença em que concluiu pela impro- tados e dos Municipios não podem ser
cedência da ação, na qual observa que usucapidos. na espécie cumpre acentuar
a autora se diz cessionária da posse, por que, se a Municipalidade de Ubatuba era
ato da Prefeitura, e, ao mesmo tempo co- detentora de posse "imemorial" sôbre o
mo sucessora, por aquisição, das benfei- terreno, tendo, pois se operado em seu
torias. de Miguel Bento de Oliveira, por- benefício o usucapião, incorporando-se o
que resulta em incoerência. Ademais dis- imóvel ao seu patrimônio, ao seu domí-
so, não caracterizou devidamente o imó- nio, lícito não era ao Prefeito aliená-lo,
vel usucapiendo. ainda que sob a forma de "doação da pos-
A conclusão da sentença, foi, sem dú- se definitiva" a fim de ser o usucapião
vida alguma acertada, por falecer à au- requerido pela donatária.
tora o direito pretendido. Tem-se afirmado, é certo, que excluí-
Verifica-se dos autos que aos 27 de dos de prescritibilidade são, apenas, os
dezembro de 1951, lavrou-se no Livro n.O bens do domínio público do Estado, não
13, a fls. 9 v., da Prefeitura de Uba- os pertencentes ao domínio privado, isto
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é, os de uso especial e dominicais, (acór~ de 27 de dezembro de 1951, do que resul~


dão do egrégio Tribunal de Recursos - ta que, apesar da aquisição, a autora não
Revista dos Tribunais, 208/643). exerceu a posse, que continuou a ser exer~
E' verdade, porém, que o egrégio Su· cida em nome da mesma Municipalidade.
premo Tribunal Federal, em decisão re- Medeou, entre a compra da casa, rea-
cente, proclamou que "nada obstava a lizada a '1.0 de dezembro de 1938, e o ato
que o Estado de São Paulo admitisse o municipal, o prazo de apenas treze anos
usucapião de terras de sua propriedade e alguns dias, constando da prova teste-
até que os decretos ns. 19.924, de 27 de munhal que Miguel Bento de Oliveira
abril de 1931, e 22.785, de 31 de maio de e sua mulher eram ocupantes do terre-
1933, excluíssem êsse meio de aquisição" :'10, pertencente à Municipalidade, que
dando, assim, validade e novas energias sôbre o mesmo exercia posse imemorial.
aos dois diplomas (Revista dos Tribu-
nais, 215/476). Não exerceu Miguel Bento de Oliveira
ocupação do terreno com animus dom!-
1l:sse venerando pronunciamento do ni, porque sabia que o terreno era pró~
Tribunal Excelso, não está isolado, pois, prio municipal.
no mesmo sentido podem ser indicados
Em acórdão da lavra do íntegro De-
outros acórdãos, mais ou menos recen- sembargador Silos Cintra, foi expres-
tes: "E' possível o usucapião de bens samente declarado que: "Adquire-se
públicos na vigência do Código Civil, o domínio de um imóvel pelo usucapião,
desde que consumado anteriormente à nos têrmos do art. 550 do Código Civil,
vigência do Decreto n.O 22.785, de 1933, quando, por trinta anos ininterruptos,
(Revista Forense, 95/51, in Repertório de
se mantém sôbre êle posse sem oposito-
Jurisprudência, de J. G. ROdrigues de
Alkmin, pág. 306); Os bens públicos eram res e com ânimo de proprietário. Não
suscetíveis de usucapião até 1931 (Revis- constitui, portanto, posse ad 1Lsucapio-
ta Forense 106/473, no mesmo Repertó· nem a daquele que detém a coisa, sa-
rio, pág. 307); "E' possível o usucapião bendo que não lhe pertence (Revista dos
dos bens públicos na vigência do Código Tribunais, 175/223).
Civil, desde que consumado anteriormen- Acresce, finalmente, que somente em
te à vigência do Decreto n.O 22.785, de face de lei municipal expressa, que o au-
1933" (Revista Forense 121/123, no mes~ torizasse, poderia o Prefeito alienar bem
mo Repertório, pág. 309). imóvel do Município.
Além dêsses, outros julgados existem,
do mesmo Excelso Pretório, no sentido de A Lei Orgânica dos Municípios (Lei n.o
que, na vigência do Código Civil os bens 1, de 18 de setembro de 1947) atribuiu ao
públicos não estão sujeitos a usucaplao Prefeito o encargo de "promover o tom-
(Repertório, de Alckmin, págs. 306 e 309,
bamento dos bens do município, e gerir
ns. 827, 830 e 840). o patrimônio municipal" (art. 52, n."
XI), ao mesmo tempo que prescreveu no
E' necessário que fique assinalado, no art. 38, § 2.°, que "somente pelo voto de,
caso em discussão, que a maioria da tur- no mínimo, dois terços dos vereadores
ma jUlgadora considerou ilícita e irre- presentes, consideram-se aprovadas as
gular a forma pela qual a Prefeitura proposições sôbre:... lU - venda, hipo~
transferiu a "posse definitiva" do terre- teca ou permuta de bens imóveis."
no à autora, sem entrar, propriamente.
na discussão da tese da prescritibilidade Não pode, assim, o Prefeito, por via
dos bens públicos, trazida à discussão sO- indireta, qual seja, pela transferência de
mente como refôrço do seu pronuncia- "posse" sôbre bem imóvel, dispor de imó-
mento. vel pertencente ao patrimônio munici-
pal, sem lei que o autorize.
Segundo decorre do documento de fls.,
a autora teria adquirido a Miguel Bento Isto pôsto, e, ainda porque o terreno
de Oliveira, e sua mulher, uma casa de não foi regUlarmente descrito, como
madeira, por êles construída no terreno observou o magistrado, confirmam a sen-
da Municipalidade, estando o referido tença apelada, pelas suas conclusões.
documento datado de 1938. São Paulo, 13 de junho de 1955 - Ed-
Todavia, o têrmo de transferência da gar de Moura Bittencourt. Presidente ~
posse da Municipalidade, traz a data Ulisses Dória, Relator designado - Sal-
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vador Delfino - J. C. Ferreira de Oli- quivocamente demonstrado pela apelan-
veira, vencido, de acôrdo com a seguin- te, quer pela clareza da inicial quer
te declaração de voto: pela sua prova documental, quer' ainda
Fiquei vencido, porque votei no sen- pela prova testemunhal. A posse não
tido d!l prover integralmente a apelação, é apenas o contato físico do possuidor
para Julgar procedente o pedido e orde- com tôdas as partes da coisa mas tam-
nar a transcrição do imóvel usucapiendo bém o fato dêle poder dispor 'dela, quan-
em nome da autora. Assim se justifica, do lhe aprouver. lt a disponibilidade do
ao meu ver, porque a apelante alegou e dominio que caracteriza a posse, na sábia
provou a sua posse trintenária sôbre o lição de Ihering, seguida pelo nosso Có-
terreno, objeto da ação. Possui êste 150 digo Civil e jurisprudência dos tribunais.
ms. de frente para a atual Avenida Fe- Por isso um terreno em aberto, despro-
lix Guizard, antiga estrada do Perequê, vido de cêrcas divisórias, também pode
fazendo fundos com o alto de um morro, ser objeto de usucapião, desde que per-
onde confina com propriedade de Raul feitamente individuado e com confron-
Guizard, também seu confrontante dos tações conhecidas e respeitadas pelOS
dois lados. Tal posse da autora provém vizinhos, como é o caso do terreno usu-
da aquisição de uma casa existente no capiendo. Tanto assim que a ação não
terreno, feita ao pescador Miguel Bento foi contestada e a apelaçáa foi apoiada
de Oliveira no ano de 1938, conforme pelo Dr. Representante do Ministério
documento de fls., e depoimento de fls. Público de primeira instância, secundado
Não importa que a Prefeitura Municipal pela ilustrada Procuradoria Geral da
de Ubatuba fôsse anteriormente a pos- Justiça. E se o juiz teve dúvidas em
suidora do terreI?-0' por muitos anos, por- reconhecer a posse ad usucapionem logo
quanto a autora obteve a transferência ao início da ação, a despeito de provas
da posse da Prefeitura, aliás centenária, tão seguras e convincentes não deveria
através do documento de fls. que se dar pela improcedência de: pedido, vis-
apresenta extreme de vícios e apto para to como, nessa hipótese, deveria obser-
porduzir efeitos jurídicos. Destarte, a var o parágrafo único do art. 456 do
transmissão de posse da Prefeitura para Código de Processo Civil, segundo o qual
a apelante convalidou a SUa anterior o juiz, depois de proferir o despacho sa-
ocupação do terreno e tornou-a sua neador, marcará audiência de instrução
sucessora, a título singular, daquela posse e julgamento, seguindO o processo o cur-
imemorial com animus domini, capaz de so ordinário. Daí a insubsistência da
gerar o usucapião, nos precisos têrmos decisão, também sob o prisma proces-
da lei. sual.
Nem se pretenda que se trate de terre-
Por igual, não se justifica - data ve-
no em aberto e sem delimitação, inapto
para conduzir ao usucapião. A área pos- nia - a conclusão do venerando acór-
suída pela apelante é perfeitamente de- dão que nula foi a transmissão da posse
limitada pela propriedade do doutor Raul definitiva sôbre o terreno, efetuada pela
Guizard, sucessor de Antônio de Barros Prefeitura de Ubatuba em favor da au-
Andrade e de Arlindo Fazzolino sendo tora, através do têrmo de fls., sob o ar-
mencionado no titulo o doutor Guizard, gumento de que êsse ato violou, simul-
como confinante o marido da apelante, tâneamente, o art. 67 do Código Civil
Teodorico de Oliveira, como se vê de fls. e o art. 38, § 2.°, da Lei Orgânica dos
Nessas condições, se no terreno há um
casebre pertencente à apelante e ocupa- Municipios (Lei n.o 1, de 18 de setembro
do por um seu inquilino; se as divisas do de 1947).
terreno são respeitadas pelos vizinhos e Primeiramente, porque a sucessão na
permitem a sua delimitação exata, óbvio
é que o fato de se achar o terreno em posse nada tem que ver com a sucessão
aberto jamais deveria constituir óbice, no domínio, como irrefutàvelmente já o
para o reconhecimento do usucapião. mostrou o brilhante jurista Jair Lins
O que se faz mister na ação de usuca- (Revista Forense, 47/273). Nem pode-
pião é a localização e delimitação da área ria se entender diversamente, poiS a pos-
usucapienda, para que se possa identi- se como simples fato que é, embora ge-
ficá-la e, conseqüentemente, constituir rador de direito, não pode ser incluida
objeto de transcrição. E isto ficou ine- na categoria de bem imóvel. Só o são,
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de acôrdo com o art. 44, n.O I, do Código é o motivo jurídico pelo qual o possuidor
Civil, os direitos reais expressamente começou a deter a coisa e a havê-la co-
enumerados no art. 674 do referido esta- mo própria; e justo é o título quando
tuto. oferece uma veemente aparência de legi-
Em segundo lugar, porque a transmis- Umidade.
são de posse, como simples situação de Daí a conclusão dêsse notável jurista
fato que é, não está sujeita a formalida- de que o título, para ser justo, na acepção
des sacramentais, salvo lei especial a res- possessória e para o efeito do usucapião,
peito, corno adverte Pontes de Miranda não precisa conter a legitimidade in-
(Tratado de Direito Privado, edição 1955, trínseca e extrínseca; basta que ofe-
voI. X, § 1.086, pág. 178). reça a legitimidade ideal ou aparente
Em terceiro lugar, porque a sucessão, (cf. Pedro Nunes, Do Usucapião, pág.
ainda que a título singular, é mais que 29). Não diverge dêsse entendimento o
acessão de posse, como diz o citado mes- insigne Lafayette ROdrigues Pereira (Di-
tre, porquanto, na sucessão, as posses reito das Coisas, § 68), para quem justo
ficam com~ se só uma fôssem e uma só título se diz todo ato jurídico, próprio
as pessoas dos sucessores e sucedidos em tese para transferir o domínio, mas
(Tratado de Direito Privado, voI. XI, § que, em conseqüência de obstáculo ocor-
1.195, pág. 133). rente na hipótese, deixa de produzir o
Ora, a posse pode aceder à posse de dito efeito. E a prescrição é precisa-
outrem, juntar-se a ela, de conformidade mente chamada para desfazer a dificul-
com a segunda parte do art. 496, elucida dade e operar a transmissão. E acres-
Pontes de Miranda, independentemente centa Lafayette: "Pode o obstáculo pro-
da validade do título, se se tratar de usu- vir ou de não ser o transmitente senhor
capião trintenário, fundado no art. 550 da coisa (a non domino), ou de não
do Código Civil, como é o caso dos au- ter o pOder legal de aliená-la, ou de
tos. Nessa hipótese, não se distingue a êrro no modo de aquisição". Por aí se
natureza da posse. Justa ou injusta, evidencia que, ainda que se concluísse
qualquer delas dará a final o domínio. que o Sr. Prefeito não tinha poderes
Basta que se possua como dono, embora suficientes para abrir mão da posse da
conheça o possuidor que não é seu o Prefeitura sôbre o terreno usucapiendo,
domínio, pOis a lei prescinde da boa-fé. forçoso seria convir que a transferência
O título que é anulável não influirá, efetuada pelo documento de fls., foi
em regra, no usucapião, pois a validação absolutamente hábil para gerar o usuca-
pode decorrer ou da lei, como no caso pião invocado pela apelante. Até mes-
de prescrição, ou da vontade do preju- mo em se tratando de usucapião breve,
dicado. Mas nem isso ocorre na espécie, diz Pontes de Miranda, o título anu-
uma vez que a transmissão de posse, cons- lável não obsta o seu reconhecimento,
tante do documento de fls., emana de porque, enquanto não se lhe decreta a
instrumento público, como o são as cer- anulação, produz efeitos (Tratado de
tidões tiradas dos livros das repartições Direito Privado, voI. XI, § 1.197, pág.
públicas (cf. Pedro Nunes, Do Usucapião, 141) .
pág. 31). Demais, o ato de transferên- Daí o meu desacôrdo com a maioria
cia de posse se compreende dentro do vencedora, por entender que a transmis-
poder discricionário cometido às auto- são de posse, constante do têrmo de fls.,
ridades executivas, ou seja, dentro da feita por quem tinha poderes bastantes
competência legal do Sr. Prefeito Mu- para o ato, não infringiu oS arts. 67 do
nicipal de Ubatuba, por não importar Código Civil e 38, § 2.°, da Lei Orgânica
em venda ou transferência de bens pú- dos Municípios, visto como a posse é si-
blicos dominicais, pertencentes ao Mu- tuação de fato e não bem imóvel e, por-
nicípio. Tanto mais que não se trata tanto, a sua transferência não está su-
de terreno devoluta ou de marinha. De jeita às formalidades legais que impe-
resto, cumpre lembrar que título é a cau- ram para venda ou cessão de bens pll-
sa da posse, como expõe Câmara Leal; blicos patrimoniais.

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