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Primeiramente quero agradecer a Deus, e também àqueles que

oraram por nós. À minha esposa Elisa, sem a qual eu não teria
conseguido, e também aos meus cunhados, Julio e Rosana, os
quais foram muito usados por Deus para nos ajudar nesta nova
edição.
Sumário

INTRODUÇÃO
A FIGURA FEMININA E SEU PAPEL NA IGREJA
A CURA
AMOR À PRIMEIRA VISTA
O MILAGRE
A CONSTRUÇÃO DA IGREJA
O BILHETE
A VOZ SUBLIME
DECLARAÇÃO DE AMOR
O SONHO DE ANINHA
SALVANDO UMA VIDA
CARTA DE AMOR E NOIVADO
A DECISÃO
JEJUM, ORAÇÃO E CONVERSÃO
O CASAMENTO
O DESAFIO
O EPÍLOGO
INTRODUÇÃO

Esta homenagem começou em um teatro na cidade de Nova York,


porque na realidade este livro é um tributo às mulheres valorosas,
fervorosas, e por que não dizer graciosas, que passaram, que estão
e que estarão na vida das igrejas pentecostais do Brasil e de muitos
países do mundo, mais conhecidas como “A MULHER DO
PASTOR”.

Naquela tarde de domingo, em um grande teatro de Manhattan,


centro de Nova York, seria feita uma homenagem ao pastor
presidente da igreja local, e também ao presidente da convenção
estadual, ao presidente da convenção nacional, ao presidente da
rádio Christiana, e quase presidente do país. Havia centenas e
centenas de pessoas, fora o grande número de cantores, pastores e
políticos, todos prontos para oferecer o melhor em matéria de
música, oratória e outras coisas mais.

Aquela reunião durou duas horas e meia, do primeiro ao último


momento dava a impressão de ter havido um grandioso ensaio, pois
às vezes eles trocavam a maneira de se

expressar. Mas o objetivo era o mesmo: elevar ao máximo a figura


daquele já eminente pastor.

Estando eu entre aquela multidão, passei a observar que não se


tocava muito no nome de Jesus, pois somente algumas letras das
canções continham este tão precioso nome, a maioria delas só tinha
palavras como: “você vai ganhar”, “você vai vencer”, “você vai
brilhar”, etc. Deus tem me dado o dom de compor, e como sou muito
observador, passei então a usar este dom. Foi quando percebi que
aquela senhora de baixa estatura (quero dizer baixinha), de traços
bonitos, porém cansados, estava ali sentada, usando um vestido
simples, de cor branca, com algumas rendas de modestíssima
indumentária. Creio que por isso, durante muito tempo, eu fiquei
sem saber quem era ela, a não ser pela sua localização sentada,
pois ela sentou-se bem ao lado do presidente.

Nenhum dos que vieram para a grande homenagem, cantores,


pastores, inclusive políticos, lembraram-se sequer de apresentá-la
ao público. Isto foi motivo suficiente para inspirar-me a escrever uma
letra musical, pois aquele povo não sabia que atrás de um grande
homem existe sempre uma mulher, que às vezes é até maior, pois a
humildade faz um ser humano grandioso e belo. Dizem hoje que ao
lado de um grande homem tem sempre uma grande mulher, mas
naquele tempo era atrás mesmo, pois a sua posição de pastorear
sempre era na frente, atrás vinham as crianças e aquela que seria
sempre A MULHER DO PASTOR.

Quando terminou toda aquela festa, saí do teatro com a letra da


música, que diz:

“Logo de manhã já está cantando e louvando a Deus;


Quem vê não percebe que
passou a noite aos pés do Senhor;
Só os olhos demonstram que foram horas de grande clamor;
em é esta mulher? Ela não tem nome? É A MULHER DO PASTOR.
Carrega nos ombros parentes, amigos, a igreja e o lar;
Às vezes não tem um momento sequer para descansar;
Ajudando o esposo na obra tão grande, que é do Senhor; quem é
esta mulher?
Ela não tem nome?
É A MULHER DO PASTOR.
No culto da noite, quem prega hoje é a
MULHER DO PASTOR,
a vigília está na direção da MULHER DO PASTOR, círculo de
oração, ninguém melhor que
A MULHER DO PASTOR.
Quem é esta mulher? Ela não tem nome?
É A MULHER DO PASTOR.
Agora tem um nome, quem o conhece é o Senhor”.

A partir deste dia, começou a nascer a ideia deste livro com o


objetivo de termos sempre a lembrança daquela que já dorme no
Senhor. Amamos as que estão conosco e oramos pelas que ainda
virão.
A FIGURA FEMININA E SEU PAPEL NA
IGREJA

Nós conhecemos vários nomes de mulheres na Bíblia, a começar


por Eva, Sara, Raquel, Ester, Rute e Dorcas. Alguém decidiu
escrever alguma coisa sobre elas, tornando-as imortais. É só
abrirmos a Bíblia e lá encontraremos essas e outras mais. Mas no
último século, principalmente no Brasil, nasceram mulheres que
foram tão valorosas ou ainda mais. Eva foi considerada a mãe da
raça humana, Sara, a mãe do povo de Deus, mas essas valorosas
mulheres que nasceram neste século, e que através delas
nasceram tantos filhos e filhas verdadeiramente gerados com dores,
que chegaram a ser superiores a dores de parto, pois foram gerados
nas noites de vigília, madrugadas aos pés do Senhor, olhos
vermelhos de tanto chorar, verdadeiras lágrimas de sangue, não são
lembradas, às vezes nem mesmo por pessoas que as conheceram
de perto.
Este círculo das desconhecidas heroínas começou a declinar em
1980, porque até então a igreja tinha somente o pastor presidente e
a esposa, que era conhecida como “A MULHER DO PASTOR, esta
que foi mãe de grandes multidões que superlotavam as igrejas
espalhadas por este imenso continente. Falo de um grupo de
mulheres que perderam a sua identidade ao se casarem com um
pastor; vou explicar: o nome da jovem era Elisa Soares de Almeida,
mas ao casar-se com o pastor, tornou-se simplesmente A MULHER
DO PASTOR. Quando chegava à reunião com os olhos brilhando,
cheia de alegria do Espírito, sempre tendo um sorriso nos lábios,
alguém perguntava:

Quem é esta mulher? A irmã respondia:


O senhor não a conhece? Esta é A MULHER DO PASTOR. O
dirigente da reunião levantava-se para fazer a abertura e dizia:
Vamos chamar aqui a irmã... A MULHER DO PASTOR, para fazer
a oração de agradecimento por estarmos aqui nesta tarde.
Ao terminar esta reunião vinham os anúncios. Hoje à noite
teremos aqui o culto do círculo de oração, sob direção da MULHER
DO PASTOR. E assim era a vida daquelas notáveis mulheres.

O tempo passou, e hoje, ao abrirmos os jornais nos Estados


Unidos, em uma região onde há muitos imigrantes brasileiros, notei
que havia uma página dedicada a anúncios de igrejas evangélicas
brasileiras, que diziam: Venha cultuar a Deus conosco, seja qual for
o seu problema você encontrará a solução, rua tal, número tal,
pastores Felisberto Silva e Adriana Silva. Está começando a chegar
ao fim a era das heroínas desconhecidas, mas elas ainda existem
nos recantos daquele grande Brasil.
Se não falarmos sobre isso agora elas correrão o risco de caírem
para sempre no esquecimento e ficaríamos sem saber como foram
fundadas grandes igrejas, a maioria pentecostais, igrejas que têm
como fundadores os pastores Antônio, José da Costa, Cícero,
grandes homens de Deus. Todos têm nomes e sobrenomes, e antes
destes nomes tem que se colocar: pastor, reverendo, bispo ou
apóstolo, e muitas vezes doutor, mas ela continua sendo sempre A
MULHER DO PASTOR.

A intenção deste livro é resgatar a memória de algumas destas


mulheres para que as atuais saibam como tudo começou e tirem
proveito disso.
A cura

No dia vinte e quatro de agosto de 1914, nascia na Cidade de


Itabira a menina Ana de Souza Pacheco Andrade. Eram cinco e
trinta da manhã em um lar pobre financeiramente, mas rico
espiritualmente. A mãe, tomando-a nos braços, apresentou-a a
Deus, dizendo:

– “O Senhor levou o seu pai, agora Tu és o pai desta criança”.

Ela havia ficado viúva trinta e cinco dias antes do nascimento de


Aninha, que veio fazer parte de uma família com mais quatro
irmãos. Na manhã deste dia tão alegre e festivo naquela casa pelo
nascimento daquele bebê, a avó de Aninha tinha somente uma
pequena porção de bucho e um pouco de farinha para eles se
alimentarem e depois aguardarem pela providência divina, pois
todos ali serviam a Deus.

Aqueles que confiam no Senhor sabem que a resposta às suas


necessidades vem sempre de acordo com a vontade de Deus e no
Seu tempo, pois naquela manhã, enquanto todos se preparavam
para aquela simples refeição, supostamente a única do dia, eis que
às oito e trinta da manhã batem palmas à porta da humilde, mas
abençoada casa. A avó, olhando para o visitante, se assusta, pois
era nada mais nada menos que um soldado, farda de cor marrom,
usando um quepe com um emblema que ela não soube identificar,
ele, olhando-a, perguntou:

– Posso ver a menina que nasceu aqui nesta manhã? É que


venho visitá-la.

A avó não pôde responder, porque ninguém sabia que naquela


casa havia nascido um bebê. Ainda assustada e temerosa, ela
convidou aquele personagem, cujos olhos eram azuis e a estatura
alta e delgada, dizendo:
– Por favor, entre!

Chegando naquele quarto praticamente sem mobília, pois havia


somente uma cama e um caixote de madeira, o estranho
personagem sentou-se à beira da cama, e colocando seu quepe
sobre o joelho, estendeu a mão para tocar as mãos de Aninha, e
disse:

– Que belas mãos tem este bebê!

Ficando ali por alguns minutos e colocando as mãos no bolso da


jaqueta, tirou uma oferta de cento e cinquenta mil réis. Colocando-a
na mão de Aninha, retirou-se, e até hoje não se sabe de onde veio,
para onde foi e nem mesmo o seu nome.

Durante a tarde, quando a família se reunia no quintal da casa


para conversar enquanto as crianças brincavam, Aninha cantava um
hino da harpa que diz: “Pelo sangue, pelo sangue de Jesus
carmesim”, que Aninha, no seu próprio idioma, cantava assim:
“Bagoote, bagoote, baguim”. Nesta idade, correndo atrás dos irmãos
mais velhos, ela já fazia do seu lazer, na sua inocência de criança,
momentos de louvor. Assim, Aninha crescia na graça e no amor de
Deus.

Ainda desfrutando daquela oferta, a família se mudou para uma


cidade grande, chamada Santo André, no Estado de São Paulo. A
mãe de Aninha, que já era viúva, comprou uma casa, e trabalhando
de dia e também parte da noite criava os seus filhos no temor do
Senhor.

Aninha, aos cinco anos de idade, já fazia viagens evangelísticas


com a sua mãe, e de uma cidade para a outra, no trem, ela
distribuía jornais evangélicos e falava para os ouvintes daquele trem
que só Jesus salva, batiza e leva para o céu; e quando perguntava
para alguém se fumava, ela dizia: “Vou lhe dar um aviso, viciado não
entra no céu”.

Aquilo muitas vezes comovia os ouvintes, levando-os a se


distraírem, deixando de descer na estação de destino, indo parar até
duas estações adiante. Assim ia a menina cada vez mais cumprindo
a ordem do Senhor Jesus no “ide e pregai o evangelho a toda
criatura”.

Em todos os cultos sempre havia dois ou três hinos, o pastor


levantava-se e dizia para a igreja:

– Agora vamos ouvir um hino com a nossa irmã Aninha.

A igreja ficava olhando ao nível de adulto, esperando para ver


quem era a irmã Aninha, mas ela, com os seus cinco aninhos,
caminhava pelos corredores em direção ao púlpito, de repente lá
estava ela em cima de um banquinho cantando e louvando a Deus.
Nesta época, Aninha já começava a conhecer o que é sacrifício de
louvor e o significado de louvar a Deus mesmo nas dificuldades. A
família morava a mais ou menos uns trinta ou quarenta minutos da
igreja, mas nesta casa não se falava em deixar de ir aos cultos, eles
iam a todos caminhando por aquelas estradas esburacadas.
Quando não chovia, a poeira era sufocante, e quando chovia, a
lama não os deixava caminhar.

Aninha era uma menina muito inteligente, ela ouvia as pregações


e guardava os versículos e capítulos. Já naquela idade, ela viu em
uma dessas caminhadas para a igreja algo que se passou com a
sua mãe e que marcou muito a sua vida espiritual. No caminho para
a igreja o tamanco que a sua mãe usava quebrou-se, e ela,
jogando-os fora, continuou caminhando para o culto descalça. Ao
chegar à porta da igreja, sua mãe foi cumprimentada pelo pastor da
seguinte maneira:
– O que é isto? A irmã não tem vergonha de vir para a igreja
descalça?
No que aquela irmã cheia da graça respondeu:

– Não, pastor! Não tenho mesmo, porque em Êxodo 3,


versículo 5, o Senhor ordena a Moisés que tire as sandálias dos
seus pés, porque a terra em que ele pisava era santa, e eu tenho
certeza que a casa do Senhor é santa.

Aquilo marcou profundamente a vida daquela criança. Seu


primeiro ano de escola foi um verdadeiro sucesso, os professores se
admiravam com a desenvoltura da menina, que mesmo não se
preocupando muito com as lições que levava para fazer em casa
porque tinha outras coisas para fazer na rotina, o fato é que ela
trazia as aulas gravadas na memória, pois quando chegava o
momento das provas ela sempre tirava boas notas, aumentando
assim a admiração dos seus professores.

Mas um dia, aos dez anos de idade, a família foi visitar a casa de
uma tia, em um bairro próximo de casa. Ao chegarem ali, avistaram
do outro lado da rua uma grande erosão, que naquela época era
conhecida pelo nome de barroca. Neste dia, Aninha foi para o fundo
brincar na água que ali corria, e seu irmão, que era mais velho que
ela, brincava na parte de cima. Em certo momento, ele deu um
salto, caindo exatamente em cima da perna esquerda de Aninha,
que a partir daquele instante não pôde mais caminhar. Em cima do
seu joelho formou-se uma bola do tamanho de uma laranja. Mesmo
que não pudesse mais caminhar, a sua mãe não permitia que ela
perdesse cultos, para tanto, tinha que carregá-la em seus braços, de
casa para a igreja e da igreja para casa, às vezes conseguia uma
carona, mas nem sempre isto acontecia. Dia nublado, reunião de
família

– Vamos decidir hoje quem levará Aninha ao médico, pois


assim ela não pode ficar.
Já falaram que se não cuidassem da sua perna ela poderia perdê-
la, isto era tão real que ela só se movia arrastando-se por toda parte
da casa, pois ela era muito hiperativa. Então na noite daquele dia,
reunidos em torno daquela mesa com muitos bolinhos e pães de
queijo regados a café, ficou decidido que a mãe dela a levaria para
o médico pela manhã do outro dia.

Na manhã seguinte Aninha despertou-se louvando a Deus. Sua


mãe não entendia o motivo de tanta alegria, mas orando, começou a
prepará-la para saírem. Para isto deu-lhe um banho e um saboroso
desjejum, composto de pão francês, manteiga e café com leite. Já
alimentada, levou-a para o quarto e colocou-lhe a sua melhor roupa,
porque afinal de contas, ela iria ao médico. Os familiares
apreensivos, orando e pedindo por misericórdia, diziam:

– Senhor, por favor, cure a Aninha. Desejamos vê-la


caminhando e pulando de novo.

Estas eram as orações da sua tia, da sua mãe e de seus irmãos.


Foi quando num momento de grande inspiração e fé que Aninha,
olhando nos olhos da sua mãe, falou em um tom que pode parecer
jocoso, mas não era, porque ela sabia exatamente o que estava
dizendo:

– Onde estão os crentes desta casa? Estão a ponto de


decidirem me levar para as mãos dos homens! Não sabem,
porventura, que existe o médico dos médicos, e que Ele com uma
só palavra curou o servo do centurião? Que estendendo suas mãos
curou um paralítico? Portanto, ao invés de me levar para o médico,
a senhora me leve para a casa do homem de Deus, o presbítero
Antônio Mendes, porque eu tenho certeza que se ele orar por mim e
me ungir eu serei curada. A mãe, com lágrimas nos olhos, disse-lhe:

– Minha filha, eu admiro muito a sua fé, mas nós já temos o


médico marcado, portanto, vamos orar para que Deus unja as mãos
dele, ele te dará o remédio e você vai ficar curada. Aninha
respondeu:

– Em Marcos, capítulo 16, versículo 18, Jesus disse que


poríamos as mãos sobre os enfermos e eles seriam curados, mas
como sou uma filha obediente, mesmo contra a minha vontade, eu
vou concordar.

Na cidade onde elas moravam havia uma linha férrea que


praticamente dividia a cidade ao meio. Elas estavam do lado de cá,
onde ficava a casa do presbítero, e o consultório do médico era do
outro lado. Para ir onde estava o médico tinham que atravessar uma
cancela. Nas imediações desta cancela neste dia havia um grande
tumulto, uma multidão que não dava nem para caminhar, o que não
permitia que elas atravessassem para o outro lado. Depois de algum
tempo, elas desistiram, porque Aninha com sua voz doce, porém
determinada, disse à sua mãe:

– Que tal voltarmos e ao invés de ficarmos aqui, neste calor,


nós poderíamos ir para a casa do Presbítero Antônio, onde eu creio
que ele oraria e ungiria a minha perna e eu ficaria curada.

A mãe respondeu-lhe:

– Minha filha, para irmos à casa dele teremos que pegar ônibus, e
a mamãe não tem dinheiro para pagar o bilhete, e para irmos a pé
fica um pouco distante, querida.

E ela respondeu:

– Até com os nossos inimigos, ao invés de andarmos uma


milha, deveríamos andar duas, portanto, façamos o seguinte: A
senhora me carrega uma milha no colo e a outra a senhora me
segura, que eu vou pulando.
Sua mãe, com lágrimas nos olhos, concordou. E aí começou o que
se poderia chamar de aventura. O presbítero Antônio morava a uns
três quilômetros dali, o que significa andar uns quarenta minutos,
mas aquelas duas, nas condições em que estavam, gastariam muito
mais.

Depois desta caminhada, cansadas, cobertas de poeira,


verdadeiramente exaustas, finalmente chegaram à casa do
Presbítero Antônio. Quando a filha dele viu aquelas duas criaturas
no portão, veio correndo gritando:
– É a irmã Ermelinda com a sua filha, aquela que não pode
andar.

A irmã Clara convidou-as para entrar e imediatamente fizeram


uma oração de agradecimento pela chegada daquelas irmãs. Após
a oração, ela ofereceu-lhes água, que elas tomaram com avidez,
pois a sede era intensa. A irmã Clara perguntou-lhes:

– Qual o motivo da visita em um dia tão quente? E pelo que


vejo vocês vieram a pé.

– Sim, viemos caminhando, porque a minha filha, como ela


mesma diz, crê nas orações de um justo, que pode muito em seus
efeitos. Estamos aqui para que o irmão Antônio ore para Deus curar
esta perna, ungindo-a como está nas Escrituras.

Neste exato momento, saindo de uma das dependências daquela


casa, entrava na sala o amado, respeitado e sério Antônio Mendes,
que olhando para elas perguntou:

– O que posso fazer pelas irmãs?

– Viemos aqui para que o irmão ore por nós, principalmente


pela Aninha, porque cremos que Deus vai eliminar este tumor da
sua perna, pois ela não pode caminhar. Ele então foi até o seu
quarto, trazendo dali um vidro de azeite, se pôs a orar, uma oração
simples, objetiva e sem muito alvoroço. Terminada a oração, elas
tomaram mais água, se despediram do casal e voltaram para casa.
No caminho, a mãe observou um melhor comportamento da menina,
era como se ela não sentisse mais dores, começou até a cantar.

Finalmente chegaram à casa, isto já passando das cinco horas, e


elas só haviam tomado o café da manhã e a água. A irmã Ermelinda
foi preparar o jantar, pois à noite haveria culto em casa. Aninha foi
para o banho, jantou e logo depois foi ao culto. Sua mãe estava na
cozinha, quando ouviu um barulho de alguém correndo pela sala.
Ela dizia:

– Mamãe, mamãe, veja o que aconteceu! A minha perna está


curada!

Como aqueles leprosos, ela foi sendo curada enquanto voltavam


para casa. A mãe, dizendo glórias a Deus e Aleluia, foi verificar o
milagre e viu que ficou uma minúscula marca, para que ela, no
decorrer da sua vida, olhasse para ela e lembrasse que naquele
lugar foi curado um tumor, do tamanho de uma laranja, que a
impedia de caminhar. Ficando provado que, de acordo com a fé de
Aninha e a determinação da sua mãe, Jesus havia ouvido a oração
do Presbítero Antônio Mendes.

A vida de Aninha continuava no mesmo ritmo. De dia escola, à


tarde ajudando a sua mãe, porque além de obediente ela era muito
prendada. Já cursando a quarta série escolar, sua mãe levou-a a
uma viagem ao estado do Paraná, em uma cidade onde morava a
sua tinha Inhá. Ela não queria que Aninha passasse de ano, pois
dizia que era muito cedo e que eles não tinham recursos para enviá-
la para o colégio. Isto era por volta do mês de março daquele ano.
Ficaram por lá durante quatro meses.

Voltando então para São Paulo, Aninha foi novamente para a


escola, onde diziam que ela estava ali somente para assistir as
aulas de final de ano. Ela não teria chance de passar para outra
série, mas para a surpresa de todos, quando chegaram as provas
Aninha toda feliz e contente recebeu o resultado dizendo que havia
alcançado a nota de setenta e cinco, e que, portanto, ela receberia o
diploma daquele ano. Todos ficaram admirados, pois ela era assim
mesmo, crente fervorosa, menina inteligente, cheia da graça, porque
era também de muita oração, vivia na plenitude do Espírito.

Continuou sua caminhada evangelizando e estudando, porque


queria ser advogada. Mesmo não indo para o colégio neste ano ela
não parou de se informar, lendo e acompanhando alguns colegas
que haviam seguido os estudos.

Uma prova de que o Senhor acampa ao redor daqueles que o


temem e os livra aconteceu em uma noite quando a família,
voltando da igreja, reuniu-se, como era de costume, para tomar café
e para conversar sobre culto, porque naquela época os crentes não
costumavam esquecer-se da mensagem pregada, na verdade era
uma alegria desfrutar, deglutir a mensagem, espiritualmente falando.
Porque a fé vem pelo ouvir, e ouvir a Palavra de Deus.

Após a oração de joelhos, cada um dirigiu-se para sua cama; eram


três mulheres e três meninos que viviam naquela casa. Nenhum
deles percebeu que havia um homem embaixo de uma das camas.
Às duas horas e alguns minutos da madrugada ouviu-se um grito,
era Lica dizendo:

– Mamãe, é mão de homem!

Pois o tarado já mergulhava a sua mão por debaixo da coberta,


indo em busca do seu corpo. Ao ouvir aquele grito, a mãe levantou-
se, indo em direção àquele homem, e com uma ousadia de quem
serve verdadeiramente a Deus, começou a dizer-lhe:

– Eu te conheço, e Deus te conhece também, se não quiseres


que algo de mal te aconteça, saia imediatamente desta casa,
procure uma igreja e entregue sua vida para Jesus. Não pense que
vou entregá-lo para a polícia, porque o soldado que você vê aqui
do meu lado é o anjo do Senhor.

O homem levantou-se dali trêmulo e apavorado, dirigiu-se para a


porta de saída daquela humilde casa, quase chorando. Enquanto
isso, aquela mulher de Deus, acompanhada de suas filhas, ia atrás
dele dizendo:

– O sangue de Jesus tem poder.


Depois de repetir por algumas vezes, elas o acompanharam até o
portão, colocando-o praticamente na rua. Elas nunca mais tiveram
esta classe de problema, porque este incidente não passou de uma
prova de fé. Aquela casa tinha ao seu redor muros de fogo e o Leão
da tribo de Judá, que a protegia. Neste ambiente fervoroso e cheio
da graça crescia a personagem da nossa história.
Amor à primeira vista

Domingo, vinte e quatro de agosto de mil novecentos e trinta:


aniversário de Aninha, dezesseis anos. Ela foi festejar logo pela
manhã na escola dominical da sua igreja. Ela nem podia imaginar
que naquele dia o seu presente de aniversário seria diferente, e
para sempre. Entrando na igreja naquela manhã, Aninha percebeu
que havia algo diferente. O pastor se reunia com alguns
cooperadores, enquanto que alguns oravam de joelhos no púlpito. A
irmã Amélia, chegando perto dela, disse:

– Aninha, creio que o coral vai cantar nesta manhã, pois ao


invés da escola dominical, vamos ter um culto evangelístico,
porque ontem à noite chegou um pastor de nome Eustáquio, e ele
é evangelista.

Começaram então os preparativos para aquele culto, porque


receberiam um pastor, filho de pastor presidente de outro estado,
com uma carta de recomendação que dizia: “É jovem, mas é um
grande homem de Deus. Tem o dom da palavra e da revelação”.
Esta carta nem precisou ser lida, porque quando o jovem pastor
abriu os lábios para fazer a oração da abertura do culto a igreja se
encheu da glória de Deus e de um mover tremendo que abalava até
as estruturas do templo.

O pastor Sebastião convidou a igreja para louvar com o hino da


harpa nº 243, a banda tocava com um som tão sublime e
maravilhoso que parecia até angelical. Logo em seguida chegou a
vez do coral louvar a Deus.

Aninha não podia conter-se, cantava e chorava ao mesmo tempo,


tamanha era a alegria que sentia neste dia tão importante. Ao
terminar aquele culto, depois de uma mensagem que veio através
daquele jovem pregador, algumas almas foram salvas, desviados
voltaram para Jesus, pessoas foram curadas.

Ao chegar o momento do almoço, a nossa jovem correu para a


cozinha, e para ela era sempre uma honra trabalhar ali, ao lado da
irmã Clara, da irmã Helena e da irmã Jovita, que era uma coluna na
igreja com setenta e oito anos, líder de oração, muito querida por
todos, cujas orações eram sempre ouvidas por Deus.

O domingo transcorria num ambiente de verdadeira festa


espiritual, mas eis que no momento em que Aninha servia o almoço
para os pastores, ao chegar naquela mesa com a panela cheia de
frango com quiabo, seu olhar cruzou com o olhar do pastor
Eustáquio; o jovem abriu um sorriso, que quase a fez tropeçar e cair
com a panela que levava nas mãos.

Um pouco trêmula e com o rosto ruborizado, deixou sobre a mesa


aquele saboroso frango e voltou para a cozinha, sem saber o que
fazer com as emoções, transpirando por todos os poros, abraçou a
irmã Jovita e disse:

– Por favor, me segure, pois acho que vou cair. A senhora não
vai acreditar no que aconteceu: o pastor que pregou me olhou de
uma maneira que me fez quase cair, eu fiquei tão sem jeito que
voltei correndo para cá. Ele não é muito bonito, mas parece que é
sério e muito inteligente, e a senhora sabe que depois daquela
pregação tenho certeza que é um homem conhecedor da Bíblia e de
oração. A irmã Jovita, com aquele olhar meigo, cheio de amor e
ternura, disse:

– Não se preocupe, minha filha, peça para sua mãe deixar


você passar lá em casa logo após a aula. É que eu fui membra da
igreja onde o pai dele é pastor, convivi com eles por mais de vinte e
cinco anos, conheço o Eustaquinho desde que nasceu, mas quero
te avisar, vá lá com bastante tempo, porque a infância e a
adolescência dele foram cheias de realizações espirituais e alguns
milagres. Naquele domingo, Aninha ficou na igreja até as cinco
horas da tarde, ajudando a colocar as coisas em ordem na grande
sala onde foi servido o almoço.

Correndo para sua casa e contando os minutos, foi somente tomar


banho e trocar de roupa; esta menina que nunca foi vaidosa, apesar
de linda, ao abrir o seu guarda-roupas ficou em dúvida sobre qual
vestido usaria à noite. Sem perceber, ela queria mostrar-se bela
naquele dia que se tornou tão importante, e ela nem sabia por quê.
“O que será que está acontecendo comigo? Será que tem a ver com
aquele sorriso honesto e ao mesmo tempo de menino que tem
aquele pastor. Ora, ele é filho de pastor presidente, mesmo que eu
colocasse um vestido de gala ele nem me notaria”. Finalmente
decidiu colocar um vestido amarelinho que lhe caía muito bem, pois
ela tinha uma cor morena clara, que com aqueles olhos grandes e
escuros a cor do vestido realçava muito, destacando assim a beleza
da menina, que não era só exterior, mas muito mais interior, porque
a bondade que havia naquele coração e a meiguice faziam com que
ela fosse notada no meio das outras. Isso quer dizer que naquela
noite de domingo estava começando a se formar uma grande
mulher de Deus.

Aninha preparou um hino especial para aquele culto; chegando um


pouco mais cedo, foi fazer o que ela gostava. No cantinho destinado
ao coral, ela dobrou o seu joelho e orou, pedindo a Deus um culto
alegre, uma mensagem do céu e que seu hino subisse como louvor,
tocando as almas daquele povo ali na congregação.

Início do culto, oração, leitura da Palavra, hinos da harpa cantados


pelos irmãos, dos quais muitos estavam cansados porque tinham
percorrido grande distância a cavalo, a pé, carroça, às vezes oito ou
dez quilômetros, mas isto não lhes tirava a disposição de louvar a
Deus acompanhados por aquela banda composta por vinte e três
membros de jovens consagrados e dedicados à obra do Senhor.
Durante todo esse período que antecipava o momento de Aninha
louvar a Deus com o seu hino, ela sentia dores no estômago e até
na espinha, mas finalmente chegou a sua vez. O maestro já havia
dito que estava bom e que ela poderia cantar tranquilamente. Ela
não sabia explicar por que aquela noite estava diferente, o violão fez
a entrada da música e ela, sem perceber, começou a cantar em um
tom mais alto. Esta música tinha uma parte na qual havia um agudo
que em ré maior se tornava muito alto, que ela talvez não
conseguisse alcançar, mas qual não foi a surpresa que, ao chegar
aquele momento, ela não só cantou o agudo de uma maneira tão
espiritual, como também viu aquele povo se levantar dando glória a
Deus e aleluia.

Se alguém olhasse naquele momento para o pastor Eustáquio


veria que os seus olhos estavam brilhando ao ver aquela figura
maravilhosa, que tremia naquele vestidinho amarelo, e havia
lágrimas em seus olhos. Foi realmente uma noite cheia de alegria,
novidades e emoções. O pastor Eustáquio voltaria para Paraná,
onde vivia, mais precisamente na cidade de Londrina, e Aninha
voltaria à sua rotina, escola, trabalho no lar e igreja.

Ao chegar em casa naquela noite, depois de um culto glorioso, ela


sentia-se alegre, feliz e contente, mas não conseguia concordar com
a sua mente, que lhe dizia que parte daquela alegria era
consequência do sorriso que ela recebeu na hora do almoço e
daquele olhar umedecido pousado sobre ela no momento em que
louvava a Deus. Ela dizia para os seus botões: “Sou muito jovem
ainda, quero ser advogada e talvez aos vinte cinco anos eu possa
pensar em Eustáquio”.

Após o banho e leitura bíblica, deitou-se. As visões que costumam


acontecer a nós, seres racionais, antes de mergulharmos em um
profundo sono aconteciam com ela quase que todas as noites.
Desta vez, viu-se caminhando por um jardim rodeado de árvores
frondosas à beira de um lago cristalino. Ela, com aquele vestidinho
da noite do culto, passeava de mãos dadas com um jovem, que não
era outro senão o pastor Eustáquio de Albuquerque Lins. E lá foi
Aninha, mergulhando em um sono sereno e tranquilo, porque a sua
alma conseguia ver tudo aquilo sem ansiedade e com muita pureza,
assim é a alma de uma jovem cristã.

Segunda-feira às seis e quinze da manhã, o sol já brilhava,


Dengoso já latia, indo em direção à cozinha, colocando-se aos pés
de Aninha enquanto ela tomava o café da manhã, todos sentados à
mesa, após a oração de agradecimento, começaram a comer o mais
gostoso cuscuz já feito naquela redondeza, quando Josué, um dos
seus irmãos, disse em tom de brincadeira:

– Será que a minha irmãzinha está apaixonada? Pois sempre


come como uma leoa e nesta manhã nem tocou no cuscuz.

A mãe, assustada, perguntou-lhe:

– O que houve, minha filha? O café não está bom? Tem


alguma coisa errada?

– Não, não, mãe! Apenas não estou com fome, com licença
que já estou atrasada.

E levantando-se, se despediu da mãe como de costume.

– A bênção, mãe.

E olhando para o irmão, disse:

– Tchau, linguarudo, você me paga.

Quando chegou à escola, sua amiguinha Maria Lucia


cumprimentou-a:

– Oi, querida! Que culto, hein? Maravilhoso!

Pois ela também era crente e congregava na mesma igreja.


– Eu nunca tinha ouvido você cantar como cantou ontem,
muito lindo, mas também com um pregador daquele era de se
esperar mesmo que você cantasse com tanta inspiração. Deixa eu
te contar uma coisa, mas isto fica só entre nós. Todas as vezes que
eu olhava em direção àquele pastor, sabe o que eu via? Um jovem
homem de Deus, mas tremendamente admirado com a sua beleza.
Eu pensei até que o pastor fosse chamar a atenção dele, nem sei
como ele conseguiu pregar, mas deu para perceber que além de
servo, ele é um jovem muito sério, será do tipo que vai chamar a
esposa de irmã e pedir licença para tudo.

Mas Aninha nem estava prestando muita atenção na amiga,


porque o seu pensamento estava ocupado com a visão que tivera
naquela noite. Para ela as aulas começaram a ficar mais longas, o
relógio parecia marcar as horas tão lentamente que poderia apontar
duas da tarde, mas nunca marcava onze. Foi quando ela se deu
conta de que estava ansiosa para passar na casa da irmã Jovita e
sentar-se ao seu lado para ficar ali por muito tempo ouvindo tudo
que ela sabia a respeito do jovem pastor. Finalmente onze horas, o
sinal anunciando o final das aulas naquele dia.

Travava-se de uma verdadeira batalha naquela mente jovem e


pura, ela não conseguia entender o motivo daquela ansiedade a
respeito dele, pois na igreja, com tanta vigilância de mãe, pastores,
diáconos, presbíteros e diaconisas, o namoro entre dois jovens era
da seguinte maneira: primeiro ele perguntava para a moça: “Quer
namorar comigo?”. Isto era feito invariavelmente entre algumas
pessoas, porque ficar a sós como uma jovem naquela época,
principalmente crente, nem pensar. Se eu disser que sim, ele terá
que ir de imediato falar com a minha mãe, se ela concordar vai nos
levar ao pastor.

Entre namoro e noivado, no máximo em seis meses eu vou estar


casada. Ah! Eu não quero isso para mim. Eu quero ser advogada; e
quando ela disse a si mesmo: “Eu vou é para casa e esquecer tudo
isso, ela já estava no portão da irmã Jovita. Bem, já que estou aqui,
vou entrar, tomar água, oraremos juntas e vou transferir a nossa
conversa para outro dia. Assim ela fez, entrou, foi direto para a
cozinha, onde foi recebida com muita alegria, como de costume. A
bondosa irmã logo lhe perguntou:

– A menina veio para ouvir a história do pastor? Ela


respondeu:

– Não, não, só passei aqui para tomar água e fazermos uma


oração, já estou indo para casa, volto outro dia.

– Quando quiser, meu amor, estarei sempre à disposição.

E conversando, as duas chegaram à sala, quando Aninha


deparou-se com um quadro que retratava uma família composta de
um casal e três filhos: dois meninos e uma menina. Pergunta ela:

– Quem é esta família?

A irmã Jovita respondeu:

– Este menorzinho é o Eustáquio. O pastor Sebastião e sua


esposa, cujo nome ninguém lembrava, e todos a conheciam como A
MULHER DO PASTOR. Evandro, Eustáquio e Cilena eram os filhos.

– Nossa! A senhora tinha tanta intimidade assim com eles a


ponto de ter fotos da família?

– Sim, minha filha, carreguei todos estes meninos no meu colo,


o Evandro, que é o primeiro, eu fui ama de leite dele. Se você não
estivesse com tanta pressa lhe contaria a história deste maravilhoso
pastor e sua família. Claro que isto incluiria as peraltices do
Eustáquio, que nós chamávamos carinhosamente de Quinho, mas
isso só foi permitido até o seu primeiro dia de aula na escola, pois
neste dia, antes de sair, aquele garoto nos chamou para uma
verdadeira reunião familiar, e naquela sala, cheio de autoridade, nos
disse:
– A partir de hoje ninguém mais aqui nesta casa vai me
chamar de Quinho, porque não quero que este apelido chegue à
minha escola, pois o meu nome é Eustáquio. Aninha, acomodando-
se num canto, chamou aquela mulher para sentar ao seu lado e
disse:

– Sabe de uma coisa? Já que estou aqui, e por ter avisado a


mamãe que estou com a senhora nesta tarde, acho melhor ajudar-
lhe a fazer o almoço e a senhora me conta algumas coisas sobre
esta família.

– Sim, minha filha, com todo prazer, vamos então preparar o


almoço.

Elas foram para a beirada de um fogão à lenha, e embaixo deste


fogão estava uma lata de vinte quilos de banha com saborosos
pedaços de carne de porco. Quando o feijão e o arroz ficaram
prontos e a couve refogada, irmã Jovita jogou uns pedaços daquela
carne em uma frigideira, isto fez o cheiro do tempero invadir toda
aquela casa. A jovem se deliciava com aqueles momentos
maravilhosos, apesar de não poder explicar por que ela tinha
vontade de comer, mas não tinha fome, não conseguia definir
aquela dorzinha na boca do estômago. Será que estou ansiosa?
Mas não estou esperando nada e tudo está transcorrendo normal! O
que ela não sabia é que no seu subconsciente havia uma enorme
vontade de ouvir a história de Eustáquio.

Sentaram–se, e após a oração de agradecimento, começaram a


comer, em um dado momento a irmã Jovita falou:

– Bem, agora, enquanto nós comemos, vou falar um pouco a


respeito da família do pastor Sebastião, e falarei principalmente do
Eustáquio, porque vi como você ficou admirada com a sua pessoa,
sua maneira de agir e a pregação.

Aninha respondeu:
– Ora, minha querida, nem tanto assim, mas já que estamos
aqui, por que não ouvir um pouquinho? Quando a senhora conta
coisas do seu passado e dos seus conhecidos é muito gostoso de
ouvir. Conhecidos é o que não lhe falta!
Tens e muitos.

– É, minha filha, esta é a experiência que só vem com o


tempo. Já vi muitas coisas com estes olhos e já ouvi muitas coisas
com estes ouvidos, mas como aprendi desde menina a não falar
tudo que sei e nem crer em tudo que ouço, consegui pela graça de
Deus chegar até aqui, mantendo o meu círculo de amizades
saudável.

– Bem, vamos conversar, quando eu conheci o Sr. Sebastião,


pai do Eustáquio, ele era simplesmente um humilde farmacêutico na
cidade de São Jerônimo da Serra, no interior do Paraná, cidade
muito pequena, vida muito pobre. Ele era casadinho de novo, com
uma bela jovem, filha de um pequeno fazendeiro, cujo nome era
Isabela Medeiros da Fonseca. Os dois eram crentes, e Sebastião já
era evangelista, parece que o ministério estava somente esperando
eles se casarem para que ele fosse ungido a pastor.

Foi uma linda festa neste dia, um maravilhoso culto. O pastor


presidente da convenção do Paraná, emocionado, disse: “Hoje
estamos ungindo como pastor neste ministério um verdadeiro
homem de Deus”, mas já se via naquele casal um trabalho
incansável daquela jovem esposa.

Em um culto de terça-feira, chamado culto de doutrina, um


pequeno grupo reunia-se em uma noite que parecia mais fria do que
as outras. Eram mais ou menos umas vinte pessoas, que ficaram
admiradas quando de repente ouviram que chegava um carro, mais
precisamente um jipe, e nele vinha o pastor Epaminondas, que
trazia para aquele jovem casal uma notícia que transformaria suas
vidas e o seu futuro.
Quando terminou o culto após a bênção apostólica, o pastor
Epaminondas chamou o pastor Sebastião e disse: “Tenho algo muito
importante para dizer-lhe, para estarmos aqui numa noite como
esta, fria e chuvosa e tão distante de Londrina é porque o assunto
que nos traz aqui é realmente importante. O pastor Evaristo está se
sentindo cansado com o trabalho da igreja em Arapongas, está
tendo alguns problemas particulares, por isso decidimos transferi-lo
para a cidade de Umuarama. Nós gostaríamos que o irmão
aceitasse mudar-se para Arapongas, porque vamos empossá-lo
naquela igreja no próximo domingo.

Sei que o pastor tem um pequeno negócio aqui, que é esta


farmácia, mas também tem amor à obra, por isso decidimos chamá-
lo; como vocês não tem filhos ainda não será problema o fato de a
igreja ser pequena, e, portanto, não pode se comprometer com
muita coisa. Vocês são jovens e cheios da graça, tenho certeza que
realizarão um bom trabalho naquela igreja. Arapongas é uma cidade
distante, que fica a uns quarenta minutos de Londrina.

O pastor Sebastião, ao chegar à sua casa naquela noite,


sentando-se ao lado da esposa, disse:

– “Meu amor, nós vamos nos mudar para Arapongas, e isto já


está decidido pelo ministério da igreja, sei que já oraram sobre este
assunto e nós estaremos indo pela fé”.

Isabela conhecia muito bem a epístola de Pedro, na qual ele diz:


“Mulheres, sede submissas aos vossos maridos”; e com sorriso nos
lábios ela disse:

– Se Cristo conosco vai, então, meu marido, nós iremos.

Eles teriam quatro dias para vender a farmácia e se preparar para


a viagem de Jerônimo até Arapongas, eram três horas e meia de
carro e quase sete horas de ônibus, o que parecia impossível
concretizar. Porém, na sexta-feira o filho de um fazendeiro vizinho,
que estudava medicina em Curitiba, voltava para casa disposto a
abrir um consultório médico, e ao saber através do seu pai que o
farmacêutico queria vendar a farmácia, no sábado pela manhã ele
foi até lá. Ali chegando, ele viu que naquele prédio havia espaço
para a instalação de um consultório, não teve dúvidas, assim foi
comprada a farmácia do jovem pastor.

À noite, ao chegar em casa, Sebastião reuniu-se com quase todos


os seus irmãos de São Jerônimo da Serra, e o que poderia ter sido
um culto de lágrimas de despedida tornou-se um culto de ações de
graças pela certeza de que aquele casal seria tremendamente
usado nas mãos de Deus. No domingo pela manhã, mais
precisamente às seis horas, lá estava a postos o irmão Epitácio,
com sua bela caminhonete Ford, e dizia:

– Vamos, vamos! Não temos tempo a perder, temos que estar


em Arapongas antes da hora do almoço e eu tenho por costume
almoçar às onze horas.

Pela manhã, no café, eles comeram mandioca cozida, um


delicioso bolo de fubá e leite de cabra, após o café eles oraram, e
olhando para aqueles que ficariam, disseram:

– Estaremos sempre juntos nas orações, tenho certeza que


não vos esquecerei.

Assim foi a despedida de Sebastião e Isabela daqueles queridos


irmãos. Verdadeiramente chegaram antes das onze horas da
manhã, faltavam somente dez minutos quando Isabela viu a
pequena igreja e a casa onde eles morariam, e sentindo um aperto
no seu coração, disse ao seu esposo:

– Não se esqueça de que por tudo devemos dar graças.

Desceram na porta da igreja, onde o diácono Dionizio já os


esperava, e todos alegres entraram para a igreja e dobraram os
seus joelhos, e numa fervente oração, entregaram suas vidas ao
trabalho do Senhor naquele lugar, trabalho que todos sabiam que
seria muito duro, porque a cidade era dominada por ricos
fazendeiros conhecidos como coronéis e os seus ferozes capatazes,
homens duros e cruéis, que não titubeavam em agredir ou até
matar, isto era o que os esperava.

Naquela cidade havia uma igreja católica, uma prefeitura e uma


delegacia, o prefeito era sacristão, o delegado era beato e o filho do
sargento, coroinha.

Esta foi a cidade para a qual aquele casal foi enviado, mas
desprezando todas as possibilidades de fracasso, começaram o
trabalho do Senhor ali, calçados no evangelho da paz, vestidos com
a couraça da justiça e com o capacete da salvação, tomaram a
espada da palavra, e mantendo alto o escudo da fé, saíram por
aquela cidade enfrentando adversidades constantes, tais como:
“Aqui na praça pública não se pode pregar, culto ao ar livre é
proibido pelo delegado”.

Eles então começaram a evangelizar de casa em casa, onde eram


muitas vezes atacados verbalmente e até agredidos fisicamente, e
ainda mordidos por cães. Nesta época, o pastor Sebastião não tinha
muito tempo para estar no gabinete, pois nem mesmo havia um,
mas ele e a sua esposa oravam em casa pela manhã. Este era o
culto no lar, e Isabela, a dedicada esposa que já havia feito seus
afazeres domésticos, neste culto entregava-se completamente ao
louvor e à adoração, cantava hinos da harpa cristã.

O pastor lia um texto e os dois meditavam sobre o que Deus havia


falado naquela manhã. Logo depois, saíam juntos para evangelizar
pela cidade, mesmo enfrentando toda a luta acima citada. Eles não
desanimavam, e assim passou o primeiro mês. A igreja que só tinha
dois membros e cinco crianças não crescia, mas eles continuavam
orando, jejuando e combatendo o bom combate.
O milagre

Um dia, em uma dessas saídas pela cidade, o pastor Sebastião


encontrou-se com o sargento Ambrósio saindo da catedral
desesperado, pois o seu filho Toninho, depois de uma forte febre
que o acometeu naquela noite, foi dado como morto. A família
esperava somente pelo médico, que não estava na cidade, para que
ele desse o diagnóstico da causa da morte daquela criança. Ao ver
o pastor, ele correu em sua direção chorando copiosamente e disse-
lhe:

– O senhor bem sabe que não gosto do senhor, nem da sua


religião, pois assim me foi ensinado pelos meus pais, professores e
até meus superiores, e que na realidade eu nem sei o porquê, mas
eu já ouvi a seu respeito, pois investiguei a sua vida em São
Jerônimo da Serra, sei que o senhor tinha uma farmácia e sei
também que o senhor orava por todos que ali chegavam, mesmo
antes de vender os remédios. Muitas vezes tinha que pedir
permissão porque as pessoas não acreditavam, mas em muitos
casos eles nem levavam os remédios para casa, pois eram
curados no mesmo instante. Sabendo de tudo isto, esta
madrugada, vendo o meu filho queimando em febre às portas da
morte, eu não tive coragem de chamá-lo para ir à minha casa, mas
agora que ele já está morto, ainda assim o senhor acha que o seu
Deus pode ressuscitá-lo? Neste momento o pastor colocou a mão
sobre o ombro de Ambrósio, e com muito amor e respeito, ao ver
aquela dor tão grande nos olhos daquele homem, disse:

– Meu amigo, Cristo pode todas as coisas.

Enquanto caminhavam para a casa do sargento, o pastor lhe


falava sobre o filho da viúva de Naim, que já estava sendo levado
para o cemitério quando as duas multidões se encontraram, uma
que acompanhava Jesus e a outra que acompanhava o enterro. Ao
ouvir aquela história, aquele homem, que era um policial durão,
começou a chorar.

Enquanto isto, Isabela entrou para o quarto, e com a boca no pó


clamava ao Senhor, pedindo que não desamparasse o seu esposo
em nenhum momento, porque aquela cidade era perigosa. Naquele
momento, ela sentiu como se uma mão pousasse sobre o seu
ombro e uma voz meiga lhe dizia: “Eu prometi estar com vocês
todos os dias, até a consumação dos séculos”.

Enquanto isso o pastor chegava a uma casa onde uma mãe


desesperada, debruçada sobre o corpo do seu filho, chorava
copiosamente. Ao entrarem ali, o pastor percebeu que dois
coronéis, pois assim eram chamados os fazendeiros,

estavam sentados em um canto da sala, e ao verem o pai da


criança acompanhado de um pastor dos crentes, chamaram-no de
lado e disseram:

– O que foi que você fez chamando este homem aqui? Não me
diga que agora você também é crente!

Ao que ele respondeu:

– Não, não, coronel, mas eu tenho ouvido falar tantas coisas


dessa gente que até resolvi arriscar, afinal de contas, não custa
nada, mas como o senhor vê, aqui em casa hoje é só um milagre, e
se esse milagre não acontecer eu irei pessoalmente fechar aquela
igreja e os senhores nunca mais verão este pastor por aqui, nem a
sua família.

Neste exato momento, do outro lado da cidade, a jovem esposa do


pastor sentia uma alegria tão grande que ela mesma não sabia
explicar, que tinha começado no momento em que ela, com a sua
boca no pó, clamava em favor do seu marido.
Naquela hora estava acontecendo algo maravilhoso com ele,
então ficou glorificando e agradecendo a grande bênção que ela não
via, mas pela fé estava recebendo. Nesta festa espiritual que estava
desfrutando tão intensamente a ponto de transmitir ao seu esposo, o
pastor, ao ouvir o que aquele sargento dissera aos coronéis, ao
invés de amedrontar-se, fraquejar ou mesmo desistir, sentiu como
se uma fornalha estivesse acesa dentro do seu interior, e forte como
um leão, olhou para aquele homem e disse:

– Saiba que a igreja que você disse que fecharia se não


acontecesse o milagre, ela não é minha, mas sim do filho de Deus,
Jesus, o Senhor, que morrendo na cruz entregou Sua vida para
salvação da minha alma e também da sua e de todos os que nele
creem, e é este Jesus que vai ressuscitar o seu filho.

Pastor Sebastião não sabia de onde veio tanta ousadia, mas de


uma coisa ele tinha certeza: que não vinha dele mesmo. Neste
momento, alertada por uma vizinha, a irmã Isabela foi ao encontro
do seu esposo. Ao chegar à casa, vendo todo aquele alvoroço,
orando em espírito, dirigiu-se ao quarto onde estava o menino
morto, e vendo o seu marido de joelhos clamando por misericórdia,
lançou-se sobre o corpo do garoto e exclamou:

– Espírito de morte, nós te repreendemos em nome de Jesus!


E neste mesmo momento o menino saltou na cama, dizendo:

– Mamãe, mamãe, estou com fome.

O pai e a mãe daquela criança, pulando de alegria, disseram ao


pastor:

– Sua mulher é uma santa, verdadeiramente ela é diferente.

A partir daquele instante, nunca mais a chamaram pelo seu nome,


pois ficou conhecida por todos os lugares por onde andasse como A
MULHER DO PASTOR.
Ao saírem daquele quarto, onde havia acontecido tamanho
milagre, foram para a sala onde estavam os vizinhos e também os
dois fazendeiros e disseram:

– O nosso filho está vivo, a mulher do pastor chegou, orou e ele


reviveu.

O sargento e toda sua família e o menino que era coroinha,


entregaram suas vidas para Cristo e tornaram-se membros ativos da
igreja. O sargento Ambrósio, que havia dito que fecharia a igreja,
junto com a sua esposa tornou-se evangelista, ganhando muitas
almas para Jesus com o seu testemunho.
A construção da igreja

A primeira oferta desta família foi toda a madeira para a


ampliação do templo e mil telhas. Em menos de três meses a igreja
que tinha dois membros e cinco crianças já contava com cento e
oitenta e cinco congregados, os quais foram sendo batizados
gradativamente. Este crescimento se deu devido ao trabalho
incansável do pastor Sebastião e da sua amada esposa. Muitos
milagres de cura e restauração de vidas aconteceram naquele lugar.
Isto não quer dizer que as dificuldades acabaram, mas eles eram
verdadeiros servos de Deus.

Pouco tempo depois nascia Evandro, o primogênito, que lhes


trouxe muita alegria; depois veio o segundo filho, o pastor
Eustáquio, este jovem que você viu chegar no dia de ontem; depois
nasceu Cilena, a filha querida, que desfrutando da herança do pai,
foi para a escola de medicina, transformando-se na muito querida
Doutora Cilena. Alguns anos depois, o pastor Sebastião substituiu o
pastor Evaristo na convenção, transferindo-se para a cidade de
Londrina.

– E então, Aninha, gostou? Esta é um pouco da história da


família Lins, que eu sei muito bem o porquê do seu interesse, e
antes que você continue dando vazão a este sonho, eu quero
avisar-te que a mãe do pastor Eustáquio foi registrada com o belo
nome de Isabela Medeiros Fonseca, e depois que se casou passou
a chamar-se Isabela Medeiros Lins, mas após o milagre que
aconteceu no começo daquele trabalho em Arapongas ela ficou
conhecida como A MULHER DO PASTOR. Então veja bem que ao
casar-se com um pastor a primeira coisa que você vai abdicar-se é
do seu nome. Quando você estiver chegando em algum lugar, as
pessoas vão perguntar: Quem é esta mulher? É A MULHER DO
PASTOR.

Sem perceberem, aquelas duas permaneceram juntas naquele dia


até as seis horas da tarde, quando Aninha exclamou:

– Vamos orar para eu ir embora, falei para mamãe que iria


passar por aqui, mas não pensei que fosse demorar tanto.

Elas oraram, Aninha se despediu dando um forte abraço naquela


irmã, ela levaria mais ou menos uns quinze minutos para chegar em
casa, mas nem percebeu, porque os seus pensamentos estavam
voltados para a família tão abençoada do pastor Sebastião, mas
sem dúvida nenhuma concentrada no filho do meio, seu semblante
sóbrio, sorriso simples e a forte maneira de se expressar, formando
assim um quadro colorido em sua mente.

Ela, espantada, perguntou-se: O que está acontecendo comigo?


Eu ouvi a mamãe dizer que quando conheceu o papai

queria saber tudo a respeito dele e da sua família, pensando nele


constantemente, e então descobriu que estava apaixonada. Será
que isto está acontecendo comigo também? Nem pensar, sou muito
jovem e quero ser advogada. Neste momento, como não poderia
deixar de ser, aquela mente fértil recebeu um toque como se viera
do lado de fora, alguém falando: “Menina, não se esqueça que a sua
mãe casou-se aos quatorze anos”, e ela, apressando os passos e
quase correndo, pois queria logo chegar em casa, estava sentindo
uma vontade enorme de falar com a sua mãe. Ao abrir o portão nem
deu atenção para o cachorrinho, que a esperava todo feliz, pois os
dois se davam muito bem. Correndo até a cozinha, abraçando a sua
mãe, disse:

– Eu tenho um nó na minha garganta, uma dorzinha no meu


estômago e na minha cabeça um turbilhão, por isso eu gostaria de
saber da senhora se isto é amor.

– Como, minha filha? Por que este pensamento? Tem alguém


te provocando tudo isso? Não se esqueça que você é muito jovem
ainda.

– Olha quem diz que sou jovem! Uma senhora que se casou
muito velha, aos quatorze anos.

– Menina, se seu pai ouvisse isso não iria gostar.

– Está bem, mamãe, eu estava brincando, mas na realidade o


que acontece é que desde ontem, mesmo não querendo, estou
sempre me lembrando do culto, e consequentemente do pastor
Eustáquio de Albuquerque Lins. A senhora já ouviu um nome
desses?

– Não, minha filha, mas é um nome bem forte.

– Pois é, como a senhora sabe, depois da aula eu passei na


casa da irmã Jovita, e ela, que acompanhou esta família por mais de
vinte anos, contou-me algumas coisas a respeito deles que me
deixaram fascinada, e ainda mais enquanto ela me falava da mãe
dele, que mesmo na idade que tem continua trabalhando como uma
leoa na obra. A senhora sabia que ela ainda dirige culto de vigília e
círculos de oração? A igreja deles hoje tem mais de mil e duzentos
membros, e ela visita oitenta e seis congregações uma vez por ano.

– Ouvindo isto eu fiquei pensando: Como eu sou serva, se já


estiver decidido no céu que eu vou me casar com o pastor, terei que
manter uma vida de oração, consagrando-me para ter a mesma
força dela. Ah, mãe! A senhora sabia que o nome dela é Isabela
Medeiros Lins?

– Não, minha filha, pois nós só a conhecemos como a


MULHER DO PASTOR. Bem, vamos falar a respeito do que está te
atingindo, porque senão esta noite é capaz que você nem durma.
– Mãe, quando uma jovem conhece um rapaz e observa que
ele fica todo entusiasmado com ela através do olhar, do sorriso, e
esta jovem é uma moreninha muito bonita, com um vestidinho
amarelinho, será que é porque está acontecendo alguma coisa no
mundo espiritual? Será que é por isso que tenho me lembrado do
culto de ontem, das coisas que aconteceram e do pastor Eustáquio?
Será que estou amando?

– Se for, está muito rápido minha filha. Se for só existe uma


maneira de resolvermos, vamos orar.

E foi o que ela fez naquela noite. Ela não conseguia dormir,
rolando na cama, que apesar de ser macia, fazia com que ela
sentisse dores pelo corpo, porque o seu coraçãozinho estava
agitado, pois só tinha dezesseis anos. Levantou-se, e pondo-se de
joelhos começou a orar, orou quinze, trinta minutos, uma hora e
quando voltou a deitar-se já haviam se passado duas horas.

Com os olhos molhados de lágrimas, mas o coração sereno, ela


alegrou-se, pois percebeu que havia recebido uma resposta à sua
ansiedade, que a perturbara muito. E não é que logo em seguida ela
dormiu! Um sono calmo e tranquilo, sonhou que estava entrando em
uma igreja toda ornamentada e que estava vestida de noiva, mas o
interessante é que ela não conseguia identificar o noivo.
Caminhando na igreja em um trajeto tremendamente longo, ao
chegar pouco além da metade daquele corredor cheio de flores e
laços de fitas coloridas, ela viu quando um jovem que estava perto
do púlpito voltou-se em sua direção, e com um sorriso estendeu-lhe
o braço, foi aí que ela o identificou. Oh, que maravilha, ela pensou
em seu sonho. é o pastor Eustáquio, a partir de hoje vou ter a
alegria de ouvi-lo pregar e estar sempre em oração por ele e
também pela igreja que ele irá pastorear. Não há nada que a oração
não vença, pois ela move o coração de Deus. Neste momento,
sentindo um cheiro agradável que vinha da cozinha e ouvindo o seu
nome ser chamado com muito carinho, pois era isso que sempre
acontecia todas as manhãs, abrindo um sorriso como uma flor que
desabrocha, ela correu para sua mãe dizendo:

– Eu vou tomar muito cuidado, mas digo que o sonho que tive
nesta noite me deixou muito feliz.

– Já sei, minha filha, quem estava no seu sonho era o filho do


pastor Sebastião, certo? Mas vamos fazer uma coisa, hoje é terça-
feira, se ele der sinal de vida com relação a você até quinta-feira é
porque está escrito que vocês vão se unir através do amor.

– Oh! Mãe, a senhora é maravilhosa, não sei o que seria de


mim sem esta mamãezinha.

E terminando de tomar o café, foi preparar-se para ir à escola,


como sempre, acompanhada do seu cachorrinho até o meio do
caminho. Ela sabia que algo se movia dentro do seu ser, uma
sensação de paz e alegria, uma linda manhã.
O bilhete

Quando chegou à escola naquela manhã, cumprimentou as suas


colegas com abraços e beijos, e logo vinha Maria Lúcia caminhando
em sua direção. Ao se abraçarem, ela perguntou para Aninha:

– Sabe onde eu estive neste final de semana?


– Não, onde?
– Em Londrina.
– É mesmo? Você foi ao culto?
– Fui, claro! Você acha que eu deixaria de ir ao culto.
– Ah! Que maravilha! Como eu gostaria de estar com você,
mas me fala, quem pregou? Você gostou do culto? Aquela igreja
é muito grande, não é mesmo?

Maria Lúcia lhe responde:

– Foi uma bênção, o culto terminou quase às dez horas, mas


eu saí de lá às onze e quinze, você crê? Quem pregou foi o
pastor Sebastião. Terminando o culto, fomos para aquela famosa
sala, onde estava sendo servida uma sopa, minha amiga, que
delícia! E o povo comia mesmo, como você sabe crente não
bebe, mas come muito. Enquanto eu me deliciava com aquela
sopa quentinha, olhei para o outro lado da sala e vi um jovem
sério, discreto, com sorriso nos lábios conversando com os
irmãos, quando de repente ele olhou em minha direção e fez um
sinal para eu esperar um pouco. Logo depois ele veio falar
comigo, trazia um papel em suas mãos e me perguntou:

– Conhece uma jovem na sua igreja chamada Aninha? Uma


moreninha linda, que no domingo estava com vestidinho
amarelo?

– Claro que sim, pastor! Nós estudamos na mesma escola.


– Oh! Então você vai vê-la depois de amanhã?

– Vou sim.

– Poderia entregar-lhe um bilhete e dizer-lhe que é importante,


que vem de um jovem que desde domingo passado não
consegue esquecê-la.

Aninha ficou pasma, e chamando sua amiga para o lado, disse:

– Quero lhe contar uma coisa extremamente profunda: Esta


noite eu tive um sonho com ele.

E após contar o sonho, disse-lhe:

– Sabe o que aconteceu? Eu e a minha mãe colocamos um


novelo na eira, tal como fez Gideão no capítulo seis de Juízes. Nós
falamos: Se ele entrar em contato conosco até quinta-feira é porque
vai acontecer alguma coisa. E agora, minha amiga, você me entrega
este bilhete! Acho melhor você me ajudar em oração, pois me sinto
muito jovem e cheia de sonhos, mas se tiver que assumir este
compromisso de ser A MULHER DO PASTOR eu creio que com
todos esses pensamentos que têm invadido a minha mente nestes
dias, e principalmente à noite, eu vou conseguir. Você sabe que
quando eu começo a orar na hora em que vou dormir sempre peço
por todos em minha casa, cito todos os nomes, incluindo o nome do
pastor e de sua família. Tenho feito isso desde os meus cinco anos
de idade, mas agora, assim que dobro os meus joelhos em oração
para logo depois entrar na intercessão, eu sinto como se algo dentro
de mim, no meu coração, na minha mente, me impulsionasse a orar
por ele, e neste momento eu me derramo perante esse Deus
maravilhoso, que é o meu pai, e eu, como serva, digo: “Eis-me aqui,
Senhor, faça em mim a Sua vontade”. Porque na realidade eu sinto
uma grande alegria ao lembrar-me do pastor Eustáquio. Sua amiga
então, com um sorriso maroto em seus lábios, disse:
– Já está assim? Quem diria! A menininha tão quietinha, foi só
aparecer um galã e já se apaixonou.

Aninha então lhe disse:

– Deixe-me levar este bilhete para casa, pois a minha mãe vai
ficar muito feliz.

– OK, querida, tchau. Estou indo.

E ela, caminhando alegre, cantando, apressava seus passos para


chegar logo em casa, e segurando o bilhete em suas mãos,
começou a ler aquelas palavras, que eram como brasas queimando
suas mãos, seus olhos e fazendo arder seu coração, o que a fazia
caminhar distraída, com pensamentos distantes, que nem percebeu
um toco no meio do caminho. Quando tropeçou nele ela caiu de
joelhos, soltando assim o bilhete que o vento começou a soprar,
levando-o para longe dela.

Quanto mais ela corria atrás daquele bilhete tão valioso, que tinha
sido o novelo na eira, mais ansiosa para alcançá-lo ela ficava.
Correndo por aquele descampado cheio de pedras e tocos de
árvores, pois haviam feito uma queimada há poucos dias, ela não
desistia. A sua saia azul marinho e sua blusa branca estavam
totalmente sujas, provocado pela poeira daquele campo.

Em vinte minutos ela estava cansada e chorando. O bilhete


continuava voando, mas ela não desistiu, correndo atrás daquele
verdadeiro tesouro. Trinta minutos depois lá estava ela, sentada em
uma pedra à beira de um riacho, chorando copiosamente.
Finalmente segurou aquele bilhete em suas mãos, que apesar de ter
voado por tanto tempo, não tinha dano algum. E então ela volta
correndo para sua casa. Ao chegar, não olhou para os lados, nem
cumprimentou o seu fiel amigo Dengoso; indo direto para o seu
quarto se jogou sobre a cama, totalmente exausta. Ela chorava, ria,
cantava, era só alegria. Depois de alguns minutos foi até a sua mãe,
que assustada, perguntou-lhe:

– Por onde andavas? O que aconteceu com a tua roupa?

Ela, mostrando-lhe o bilhete, respondeu:

– Olha, aqui está o culpado de toda esta aventura.

E lendo o bilhete para sua mãe, notou que ela começou a chorar e
dizer:

– Senhor, que seja feita a Tua vontade, porque a minha filha, que
é a Tua serva, será usada na Tua obra.

E entrando para o quarto, puseram-se de joelhos agradecendo a


Deus por aquela resposta que elas esperavam que fosse demorar
alguns dias, mas que chegou em quarenta e oito horas.

Naquela semana o tempo parecia ter parado, porque no domingo


vindouro haveria um congresso de jovens na cidade de Jandaia do
Sul, no qual o preletor seria o jovem pastor Eustáquio de
Albuquerque, e elas não perderiam aquele congresso de jeito
nenhum, ao contrário disso, começaram a se preparar para a
viagem, porque a cidade de Jandaia do Sul ficava a setecentos
quilômetros de São Paulo, e Aninha já se sentia sentada naquele
ônibus durante toda a noite, indo para aquela igreja onde seria
realizado o congresso.

Ela estava um pouco pensativa, pois o congresso começaria na


sexta-feira, com duração de três dias, e elas teriam somente trinta e
seis horas para arrumarem as malas e estarem prontas para a tão
esperada viagem. Neste momento, no coraçãozinho puro de Aninha
nasceu uma pergunta: “Senhor, será que todo esse entusiasmo vem
simplesmente pelo fato de ver o pastor Eustáquio? Se for assim eu
prefiro não ir, mas se for para adorar ao Senhor, cantando hinos de
louvor e vendo almas sendo salvas, enfermos sendo curados e
alegria no lugar de tristeza nos corações abatidos, eu quero ir.
Quanto a ver o pastor, encontrar-me com ele e talvez até
conversarmos, está em Suas mãos”.

Foram então para rodoviária, compraram duas passagens, que


justamente naquele dia estavam em promoção, e até nisto viram
que as coisas estavam se encaminhando muito bem. Começaram
então os preparativos para aquela inesperada viagem. Tudo porque
naquele maravilhoso bilhete estava escrito: “Irmã Aninha, é com
muito prazer que eu, como coordenador do congresso da mocidade
na cidade de Jandaia do Sul, decidi por sugestão do pastor
Eustáquio convidá-la para este evento, pois ele disse-me
discretamente que só um anjo pode louvar assim como a irmã.
Portanto, o convite é para que estejas conosco, louvando a Deus
por três noites, ou seja, sexta, sábado e domingo”.

Aninha não tinha mais dúvida de que com esta resposta nas mãos
tudo transcorreria de maneira extremamente maravilhosa, pois o
seu futuro estava nas mãos daquele que tudo pode. Preocupação
com hospedagem não havia, porque a prima Maria, filha da tia Inhá,
morava na cidade e elas estavam felizes, porque durante aqueles
dias dariam uma corridinha até a cidade de São João de Ivaí, onde
morava o casal de tios Epitácio e Inhá. Agora ela teria somente que
escolher os hinos, tirando o tom dos mesmos com o irmão Belizário
no violão, para assim chegar prontinha.

Quinta-feira às vinte horas na rodoviária de São Paulo, uma


rodoviária sem muito conforto, rústica e antiga, e por que não dizer
até sombria. Lá estavam as duas servas, mãe e filha, com um
sorriso estampado no rosto e sentindo-se como se estivessem em
casa, pois elas estavam firmadas na orientação que nos dá o
apóstolo Pedro, que diz: “Lançando-se sobre Ele toda a vossa
ansiedade, porque Ele tem cuidado de vós”; e assim embarcaram
em um ônibus que não era muito bonito, mas elas tinham a certeza
de que as levaria até aquela grande festa.
Aninha começou a ler o livro de Cantares. A mãe orava e de vez
em quando elas comentavam a respeito de como as coisas estavam
acontecendo. Era tão grande a paz que elas sentiam que por volta
das duas da manhã, tendo reclinado os bancos, dormiram
profundamente, acordando somente com a voz aguda do motorista,
que dizia: “Jandaia do Sul”. Um pouco acanhadas e despenteadas,
elas olharam uma para outra e disseram:

– Até aqui nos ajudou o Senhor, e é por isso que estamos


alegres.

Indo em direção da saída daquela humilde rodoviária, que só tinha


dois banquinhos e uma bilheteria de madeira, viram aquelas duas
senhoras que corriam em direção a elas de braços abertos; era sua
prima Maria com a sua mãe. Após os cumprimentos, dirigiram-se a
uma charrete que estava estacionada do lado de fora. Até o belo
cavalo da família parecia estar alegre com as visitantes. O trajeto
para casa era de uns quinze minutos, que foi feito com as quatro
cantando e comentando entre si o misterioso motivo daquela visita.

– Bem, estamos aqui para o congresso da mocidade, disse


Aninha. Vocês não sabiam disso?

Tinha Inhá, do alto da sua sabedoria, disse:

– Claro que sabíamos, minha filha, só não sabia que vocês


viriam somente para o congresso, estou achando vocês muito
crentes, será que não tem algum mistério nesta vinda de vocês para
cá?

– Não senhora, não tem não, eu fui convidada para ser a


cantora do evento.

Maria disse:
– Que bênção! Só que agora vai aumentar o meu trabalho de
divulgação, vou ter que chamar as minhas amigas e hoje mesmo
vou à igreja Batista do bairro de cima para convidar principalmente a
coordenadora Angélica, ela é uma menina muito boazinha, por isso
faço questão que vocês se conheçam. Quem sabe apareçam alguns
convites e vocês resolvam se mudarem para cá?

E rindo sobre esta possibilidade, finalmente chegaram. A casa era


simples, típica do interior, três quartos, uma sala, a cozinha bem
grande, com um fogão à lenha, local que invariavelmente se tornava
ponto de conversa entre a família após o jantar. Foram descansar,
porque à noite Aninha teria que chegar mais cedo no culto para
ensaiar os dois hinos que ela louvaria naquela noite. Depois de
algumas horas de sono, cheia de entusiasmo e vislumbrando que
algo de bom estava para acontecer, Aninha saiu caminhando por
entre as árvores e logo estava compondo um hino, que faria parte
do seu repertório, pois alguns deles são cantados até os dias de
hoje. Depois da breve caminhada, trazendo no seu coração o novo
hino, sentou-se e começou a escrever. Quando Maria passou ao
seu lado, Aninha perguntou:

– Que horas são?

– São três e quinze.

– Puxa! Como é cedo, gostaria que fossem sete horas, assim


eu já teria ensaiado e estaria sentada no meu cantinho esperando o
momento de louvar.

Ao que a prima respondeu:

– Posso saber o motivo de tanta pressa? Estou com a


impressão de que tem mais coisas envolvidas nesta viagem.

Aninha disse:
– Senta aqui, você sabe que é a minha priminha querida, e,
portanto, eu não vou esconder nadinha de você.

Começou então a relatar tudo que aconteceu desde a primeira vez


que viu o pastor Eustáquio.

– Este daqui de Londrina? Perguntou Maria.

– Este mesmo, sim senhora. Ele esteve na cidade de Santo


André quinze dias atrás e foi uma bênção, pregou sobre: “Ande na
minha presença e seja fiel”, que está em Gênesis 17, versículo 1. Ali
aconteceu que trocamos alguns olhares discretos, cheguei a pensar
que fosse sem importância.

E relatando a sua prima a conversa que havia tido com a sua mãe,
contou-lhe a respeito do famoso bilhete, que na verdade era um
convite para que ela viesse a Jandaia do Sul e participasse daquele
congresso. Maria então lhe disse:

– Não me diga que um simples convite teria feito vocês


decidirem fazer uma viagem tão rápida. Isto está me cheirando a
amor. Eu conheço bem este pastor, nós vamos de vez em quando à
igreja sede porque tem um culto mensal da mocidade que é uma
bênção, é uma verdadeira festa. O melhor disso é que todos os
meses neste culto vidas de jovens são alcançadas. No culto do mês
passado veio um pregador do Estado do Ceará, chamado
Wellington, que trouxe uma mensagem sobre Samuel tão profunda
e tão poderosa que oito jovens se renderam aos pés do Senhor.
Pois é! Então vamos nos preparar, porque se você vai ensaiar
temos que sair daqui às cinco e meia, e eu sei que hoje você vai
gastar muito tempo para se arrumar, vai cantar, não é?

– Nada disso, eu sempre fui muito bem arrumada para a casa


do Senhor, respondeu a jovem.
E dirigindo-se para o quarto foi preparar-se para a grande noite.
Sua mãe estava muito feliz com o que estava acontecendo naquela
viagem, pois revia a sua família e iria para o culto, tudo isso ao
mesmo tempo. Agora só estava esperando os próximos
acontecimentos.
A voz sublime

Já eram quase seis horas da tarde, mas como sempre


acontece quando os jovens se preparam para saírem, houve um
pequeno atraso, mas finalmente saíram; ao chegarem ao templo,
foram direto para a sala de ensaio, onde o maestro Erivelton estava
esperando por Aninha para passarem os dois hinos que ela cantaria
naquela noite.

Irmão Erivelton havia formado uma orquestra naquela igreja, que


era muito boa de ser ouvida, uma verdadeira bênção, formada de
quatro violinos, um violoncelo, dois pistões, um trombone, três
clarinetas e um saxofone. Esta orquestra era da igreja sede de
Londrina. Ao saber disso, a jovem ficou muito entusiasmada e um
pouco apreensiva, pois estes músicos eram considerados os
melhores no meio evangélico. Começou o ensaio; o maestro ficou
entusiasmado com a voz de Aninha, uma voz verdadeiramente
angelical, afinadíssima, forte, e o melhor de tudo, ungida.

Quando ela cantava, mesmo para ele que estava acostumado a


ouvir tantos cantores e músicos, percebeu que, ainda que fosse
somente um ensaio, aquela menina tinha um comportamento tão
sublime no louvor e na adoração que ele se viu de repente perante
algo que no mundo físico não se pode explicar, porque enquanto
aquela jovem cantava um doce manto de paz e de alegria descia
sobre todos naquela sala.

Finalmente, tudo pronto. Foram para o culto. Sentada pertinho da


sua mãe, Aninha sentia naquele momento uma emoção que ela
mesma não conseguia definir, chegava a ser estranho aquele
sentimento, mas orando no seu interior ela esperava o grande
momento. Ao ver sentado no púlpito ao lado do pastor daquela
igreja, o jovem pastor Eustáquio, ela decidiu não sentir nada, e disse
a si mesma:
– Não quero sentir nada, quero somente louvar, desfrutar da
mensagem e não pensar em mais nada.

Mas quando os seus olhares se cruzaram, uma dor fininha no


centro das suas costas começou a importuná-la. O que será isso?
Pensou ela. Será que são os meus nervos? E ao ver chegar o
momento em que ela seria chamada para louvar a dor aumentou,
mas finalmente chegou a hora de cantar o primeiro hino. Tirando de
dentro de si o que os vencedores conseguem, ela dirigiu-se para o
púlpito, saudando discretamente a igreja, pois ela era muito
cuidadosa nesta parte porque já havia visto cantores que faziam
verdadeiras pregações antes de cantar.

Ela deu sinal para orquestra, esperou a introdução, mas a dor


estava tão forte na espinha que ela começou a cantar transmitindo
uma emoção que o maestro Erivelton, com tanta experiência no
meio musical, nunca tinha visto.

De repente, ele observa que do lado direito da igreja, já bem perto


da saída, alguém estava chorando, logo em seguida, em outro ponto
um soluço. O maestro volta-se para púlpito, onde estavam onze
homens, entre pastores, presbíteros e evangelistas; todos
choravam. A comoção era de uma magnitude que a igreja ficou
totalmente tomada por aquele quebrantamento. Como Deus não
rejeita um coração quebrantado, o milagre começou a acontecer.
Uma senhora cega, de setenta e nove anos, levantou-se, dirigiu-se
ao púlpito e começou a gritar:

– Eu não enxergava, e após ouvir este hino senti algo


queimando os meus olhos. Percebi que eram as minhas lágrimas e
nem dei importância, mas olhando para frente percebi que estava
vendo esta menina, pensei que fosse minha imaginação, porque a
voz dela penetrou profundamente em meu coração, só que não era
imaginação, porque logo comecei a enxergar os bancos, a
orquestra, os pastores... Então decidi levantar e caminhar. A irmã
que costuma me trazer para a igreja, quando me viu levantar, gritou:

– O que é isso, irmã Amélia? Para onde a senhora vai? Segura


minha mão! E eu respondi:

– Obrigada, minha querida, mas agora vou segurar na sua


mão somente para agradecer e cumprimentar, porque estou curada.

O que aconteceu naquela igreja foi algo tremendamente


maravilhoso, havia um brilho intenso que tremia exatamente como
acontece em um campo ao meio-dia com um sol escaldante, onde
podemos perceber que o brilho treme. A impressão que se tinha
naquele momento é que o céu tinha descido ou a igreja tinha
subido, era um mover constante de pessoas testemunhando que
sentiam dores, mas já estavam livres, até um cidadão que usava
uma muleta e que não era crente, jogando a muleta para longe,
gritava:

– Eu quero aceitar esse Cristo.

Nisto já eram quase nove e meia, e os cultos nesta época tinham


horário bem rígido para terminar, sendo sempre às nove horas, a
não ser em casos como o que acontecera ali na primeira noite de
congresso na igreja de Jandaia do Sul. Foi quando o pastor se
levantou para falar à congregação:

– Irmãos, esta noite...

Foi somente o que ele conseguiu falar, porque a glória flutuava


naquele lugar, movendo-se de um lado para o outro da igreja,
manifestando-se de maneira mais poderosa ainda. Havia pessoas
de joelhos perante o altar dizendo: “As portas do céu estão abertas”.
Era tão grande a alegria naquela noite e o mover espiritual era tão
sobrenatural que o pastor Eustáquio nem pregou, e quando as
últimas pessoas saíram da igreja já passava de meia noite, ou seja,
quase uma vigília, mas eles foram para suas casas cantando e
louvando a Deus.

Nesta noite, Aninha nem conseguiu falar com o pastor, mas foram
para casa felizes e contentes, porque foi verdadeiramente uma
maravilha. Apesar de ser muito tarde, Maria chamou sua prima para
a cozinha, e enquanto preparavam um café, disse:

– Nós iremos dormir muito tarde hoje porque eu quero saber


TIM TIM por TIM TIM a história do filho do nosso pastor presidente,
interferindo para que a irmã Aninha, que congrega na cidade de
Santo André, viesse como convidada a cantar no congresso em
Jandaia do Sul. Conte tudo, não esconda nada.

Aninha respondeu:

– Mas eu já te contei tudo, a única coisa que eu poderia ter


escondido de você é o mesmo que está escondido dentro de mim.
O que aconteceu nesta noite me fez sentir que verdadeiramente
estava nos planos de Deus a minha vinda a este lugar, e com
relação aos meus sentimentos, minha querida priminha, se os
sintomas de estar amando são pensar constantemente na pessoa,
sonhar com ela, e em qualquer oportunidade falar o nome dela, aí,
minha querida, acho mesmo que estou amando, porque é
justamente isso que tenho feito nestes últimos dias. Não consigo
ficar nenhum momento sem pensar nele, e consequentemente orar
por ele. Portanto, vamos esperar para ver o que vai acontecer nos
próximos dois dias.

Mãe e filha haviam decidido que no sábado antes do almoço


visitariam o restante da família na cidade de São João do Ivaí, que
distava uma hora e trinta minutos de Jandaia do Sul. Isto mostra que
seria uma visita muito rápida em função do compromisso que elas
teriam à noite.
Chegaram à casa dos seus parentes por volta das onze horas,
onde um delicioso almoço as esperava, porque naquele tempo
servia-se o almoço mais cedo. Após o agradecimento começaram a
conversar, porque enquanto comiam, o seu tio Epitácio, que não era
muito falante, naquela manhã se tornou um tagarela. Talvez seja
pelo fato de ter ouvido o que se passou no culto da noite anterior e
também para saber o motivo daquela viagem tão repentina e curta,
pois seriam somente cinco dias.

Ele encheu a menina de perguntas, que respondia a todas com


muita boa vontade e alegria, porque além de serva ela era uma
menina que todos diziam ser um doce, tendo sempre uma palavra
de ânimo e ajuda nos seus lábios, acostumada a lançar as suas
ansiedades aos pés do Senhor, na confiança de que Ele sempre
cuida daqueles que Nele confiam. A menina tinha um senso de
humor maravilhoso, ainda bem que seus dentinhos eram lindos, pois
ela estava sempre sorrindo.

Depois daquele delicioso almoço com feijão, arroz, frango com


quiabo e polenta, logo já estavam se preparando para retornarem,
porque anteviam que um culto maravilhoso aconteceria. O ônibus
saiu quinze para as três, mas o tio Epitácio com os outros primos
teriam que sair antes, pois eles iriam de charrete; a viagem duraria
três horas e meia. Às quinze para as três em ponto elas
embarcaram alegres e conversando a respeito do almoço, da rápida
visita. A irmã Ermelinda disse:

– Nós prometemos e voltaremos para passar no mínimo um


mês com vocês.

Chegaram por volta das quatro e meia e foram logo preparar-se


para o culto. Aninha, ao chegar à igreja, foi direto para a sala de
ensaio, onde encontrou o maestro Erivelton de joelhos orando e ela
ouviu o que ele dizia:
– Senhor, que o nosso louvor nesta noite seja mais puro, mais
perfeito que o de ontem, porque se o Senhor operou de uma
maneira tão maravilhosa durante o louvor, temos certeza que
teremos unção dobrada e continuaremos vendo a sua glória. Use
essa jovem que foi convidada para operar conosco neste congresso,
e não permitas que ela vacile um só instante, que o Senhor possa
guiá-la com os seus olhos.

Ao ouvir estas palavras, Aninha se comoveu e juntou-se a ele na


oração, e com uma voz que parecia um pouco diferente, ao invés de
orar, ela se pôs a cantar mais um hino na dimensão espiritual,
porque ao levantar-se o ambiente estava cheio de paz e júbilo, algo
fora do comum. Estava tão bom que o ensaio não demorou mais
que quinze minutos.
O maestro disse:

– Você está mais do que pronta.

Quando começou aquele culto e quando a banda tocou o primeiro


hino já se podia sentir a presença de Deus naquele lugar, portanto,
grandes coisas aconteceriam. O jovem pastor Eustáquio estava
programado para ser o preletor do encerramento, portanto, após os
louvores da igreja, o pastor levantou-se e disse:

– Agora vamos ouvir a irmã Aninha louvando a Deus com dois


hinos.

A jovem levantou-se, pegou o microfone, somente cumprimentou a


igreja e começou a cantar. Como era uma noite de sábado, a igreja
estava totalmente lotada, tomada por irmãos que vinham de muito
longe. O segundo hino que Aninha cantou chamava-se “Volta para
Jesus”. O poder foi tão grande que as pessoas choravam perante a
glória que ali se manifestava. O preletor desta noite era um jovem
pastor missionário de nome Josué, que se dirigindo à igreja,
cumprimentando na paz do Senhor, disse:
– Eu recebi o convite há quinze dias para estar com os irmãos
aqui, e após aceitá-lo comecei a buscar em oração e na leitura da
Bíblia a mensagem que eu traria esta noite. Quero confessar que
até ontem eu não havia encontrado ainda, e quando eu senti que
poderia cair em desespero, porque verdadeiramente não subia ao
meu coração aquela certeza que sempre acontece quando o
pregador sente que é esta a mensagem, fui orar, e ao chegar aqui
ainda sem saber o que haveria de pregar, eu ouvi claramente: “Não
te preocupes que hei de falar ao meu povo”. Então, com toda
confiança, sentei-me entre esses homens de Deus e disse para
minha alma: “Por que te perturbas em mim? Deus vai nos usar
nesta noite, pois nunca ficou envergonhado aquele que confia Nele”,
e ao ouvir o hino “Volta para Jesus”, cantado pela jovem, fui levado
ao salmo 51, versículo 17, que diz: “Um coração contrito não
rejeitará, oh! Deus”. E durante trinta e cinco minutos o missionário
Josué pregou uma mensagem vinda do céu; os frutos foram treze
almas que se renderam aos pés do Senhor. Quando uma alma se
rende aos pés do Senhor, há festa no céu, mas também acontece
numa igreja como esta, tão fervorosa. E foi mais uma noite longa,
dormindo tarde, regozijando-se com as maravilhas daquele culto.

A prima Maria não cabia dentro de si de tanta alegria, e também


de admiração pela voz de sua prima Aninha, seu comportamento de
jovem cheia da graça. Porém entre todos os sentimentos havia um
que ela não queria dar o nome, mas que na realidade era
curiosidade, então antes de irem deitar-se, ali mesmo na cozinha,
ela disse à sua prima:

– E então, como foi?

Aninha, compreendendo a pergunta, respondeu:

– Não aconteceu nada, meu amor! Quando terminou o culto eu


já estava saindo e ouvi quando alguém me chamava com uma voz
grave, parecendo um locutor, dizendo: “Irmã Aninha, posso falar
com você?” E quando virei, o que vi fez o meu coração disparar, as
pernas tremerem, a boca ficou seca como a de alguém viajando em
sol escaldante, fiquei sem saber se corria, se chorava ou se gritava
pela minha mãe.

Vou te dizer uma coisa, ainda bem que as luzes da igreja não
eram tão fortes, porque eu tenho certeza que com estes meus
cabelos negros, este meu rosto redondinho e os meus olhos
fechadinhos eu estava parecendo uma japonesa, eu estava tão
amarelinha, da cor de um vestidinho que tenho.

– Ah! O vestidinho amarelo, eu me lembro dele, pois com esta


cor de pele e com toda essa cabeleira é você quem enfeita aquele
vestido, apesar dele ser lindo.

– Pois é, eu estava daquela cor. Criei coragem e disse-


lhe:Claro que sim, o que posso fazer pelo pastor? Ele então me
respondeu:

– Quero dizer-lhe que a sua voz, além de bela, tem uma unção
inexplicável, espero que não me entendas mal, mas da forma que te
ouvi nesta noite serei capaz de ouvi-la por toda a minha vida, mas
vamos ao que vim te pedir, reconhecendo que a irmã é uma jovem
de oração e que tens uma vida íntegra, alguém na cidade de Santo
André já havia me falado disso, eu gostaria que a irmã a partir de
agora começasse a orar não somente pelo louvor, mas também pela
mensagem de amanhã, para que Deus venha pela Sua grandeza
operar milagres e maravilhas.

– Oh! Claro que sim, o pastor acaba de fazer-me aceitar um


compromisso que não esquecerei, pode contar com as minhas
orações.

Me despedi e fui em direção à porta, mas cadê a porta? Eu não


encontrava porque por alguns segundos eu me senti como se
estivesse em outro lugar. Você acredita que durante este pouco
espaço de tempo eu cheguei a ver lagos com águas cristalinas e
flores que se moviam, formando três letras, um E, um E pequeno no
meio e um A maiúsculo? Foi aí que dei mão à palmatória e vi que
verdadeiramente estou amando.

– Muito bem, já que tudo tem um preço e eu matei a sua


curiosidade, vamos aproveitando que já é madrugada, pois já são
quase duas horas. Que tal colocarmos o nosso joelho em terra e
começarmos a orar pelo culto, pelo pastor Eustáquio, na certeza
absoluta de que será um domingo inesquecível?
Declaração de amor

Como haveria trabalho durante todo o dia naquele domingo, a


cidade estava agitada, porque os crentes evangelizando de casa em
casa, com muita oração, tinham como objetivo ver aquele templo
tomado pelo povo. As duas dobraram os seus joelhos, oraram, e
depois de uns quarenta e cinco minutos, elas se recolheram, porque
o dia prometia ser bem movimentado. Foi só colocar a cabeça no
travesseiro e Aninha pegar no sono. Logo estava sonhando, um
sonho que a deixou muito preocupada: ela se viu em um campo
travando uma batalha onde havia crianças e adultos extremamente
magros e desnutridos, a fome naquele lugar parecia ser o maior
castigo.

Quando acordou pela manhã, ainda meio apreensiva com aquele


sonho, ela apressou-se em contar para a sua mãe, que como
mulher que confia realmente no Senhor e tal qual Daniel tinha o
espírito de excelência, abraçou-se à filha e disse: Oh, que
maravilha, minha filha, você está sendo chamada para o campo
missionário. És uma escolhida para levar pão aos famintos e água
aos sedentos, mas te digo que não é este pão natural e nem a água
da cisterna, mas sim a água da Palavra e o pão da vida, que é
Cristo. Prepara-te, porque a jornada é longa e o caminho é
espinhoso.

Aninha abriu a boca e cantou para sua mãe naquela manhã um


hino maravilhoso, que diz: “Se lá para o deserto o Senhor me quer
mandar, levando sua palavra de graça, amor e paz, irei com o meu
Senhor aonde quer que eu for, confiando na graça do meu Salvador.
Se Cristo comigo vai, eu irei, e não temerei, com gozo irei, comigo
vai. É grato servir a Jesus levando a cruz, se Cristo comigo vai, eu
irei”.
O ambiente naquele quarto ficou tão cheio da glória que as duas
se abraçaram, chorando copiosamente.

– Bem, está na hora de nos aprontarmos para ir à igreja.


Enxugaram as lágrimas e tomaram um agradável cafezinho, que
naquela manhã estava uma delícia, pois vinha acompanhado de
queijo de leite de cabra, bolo de fubá, mandioca cozida e um
delicioso pão feito pela tia Inhá. Ao terminarem aquele pequeno
almoço, como dizem os portugueses, levantaram-se e foram para a
igreja, pois o trabalho começaria às dez horas da manhã, e os
crentes daquela época, além de fervorosos, eram de uma
pontualidade britânica, isso sem falar do pastor da igreja, que em
todos os cultos estava sempre ajoelhado quinze minutos antes da
abertura do trabalho.

Aninha chegou e foi direto procurar o maestro Erivelton para


ensaiarem um hino que ela cantaria na noite daquele domingo, e
como ela ainda não o havia ensaiado, o maestro, pegando o violão,
convidou-a a sentar-se em um canto da sala e a iniciar o ensaio
daquela linda canção. Se podia sentir uma presença sobrenatural
naquele ensaio, eles estavam tão concentrados nas músicas que
não perceberam que alguém silenciosamente entrou naquela sala e,
sentando em banco, ficou ouvindo aquela voz, que para ele era
mais angelical que humana. Com um nó na garganta, ele ficou por
ali durante uns vinte minutos, e da mesma maneira que entrou, ele
saiu em silêncio, foi diretamente para o gabinete pastoral e,
dobrando seus joelhos, disse:

– “Senhor, a minha concentração neste dia está totalmente


voltada ao Seu trabalho e à mensagem desta noite”.

Foi quando ele ouviu nitidamente: “E também à minha serva que


te dei como esposa”. Pastor Eustáquio sentiu que a terra
desaparecia debaixo de seus joelhos, e chorando muito, mas um
pouco envergonhado, pois homem não chora, porém se for homem
de Deus chora sim, porque tem um coração quebrantado, ele
praticamente escondia seu rosto sobre o joelho, e com a boca no pó
ele dizia: “Só o Senhor é Deus”.

O pastor da igreja, entrando naquele momento, não suportando a


glória que estava naquele lugar, caiu também de joelhos e começou
a glorificar.

Alguns minutos depois, se levantaram e foram dar início ao


trabalho naquela manhã, que seria um estudo sobre os milagres de
Jesus, o qual seria dado pelo pastor Dirceu Batista, um homem de
Deus, conhecedor da Palavra. Abriram o trabalho com dois hinos
que não estavam na programação, mas quando viram Aninha
sentada com a sua Bíblia na mão, convidaram-na para que viesse
louvar a Deus com um hino. Novamente sentiu-se algo maravilhoso
naquele ambiente sublime. O pastor Dirceu começou a ensinar a
respeito dos milagres de Jesus. Falou do cego de Jericó, do
paralítico no tanque de Betesda, falou da viúva de Naim, e para
cada um desses milagres ele trazia um profundo ensinamento.

Quando terminou o estudo daquela manhã, enquanto aguardavam


pelo almoço, cujo cardápio incluía até bezerros, cabritos e perus, os
grupos se reuniam embaixo das árvores, naqueles bancos rústicos,
e mesmo naquele lindo gramado eles com suas Bíblias e cadernos
revisavam e se alegravam com a aula daquela manhã. Mas isso não
durou mais que cinquenta e cinco minutos, pois o grito mais
esperado ecoou naquele quintal: “O almoço está pronto, vinde e
comei”.

Levantaram formando uma enorme fila de cento e oitenta e cinco


pessoas. Isto significa que havia um grande interesse do povo de
Deus pela Palavra do Senhor, pois a igreja em si tinha somente
oitenta e cinco membros. Entre os outros cem que estavam ali
naquela ocasião alguns haviam saído de suas casas às quatro
horas da manhã, pois vinham de cidades distantes, não somente
para atender ao convite, mas também porque queriam desfrutar da
comunhão da oração e do partir do pão, mas o objetivo principal era
desfrutar das bênçãos que com certeza eles receberiam naquela
festa, tais como a cura de enfermidades e a solução de problemas
para aqueles crentes. O fato é que estavam juntos louvando a Deus,
ouvindo a sua Palavra, estudando a Bíblia e vendo as maravilhas
que aconteciam naturalmente, porque onde há poder, tudo é
possível. Além disso, era uma grande alegria saber que os seus
nomes estavam escritos no Livro da Vida; era um ambiente de muita
comunhão.

Terminado o almoço, alguns preferiram ir descansar debaixo das


árvores, estendendo as suas mantas e colocando as selas dos seus
cavalos como travesseiro; e ali dormiam o sono dos justos. A igreja
tinha um grande pomar, e os mais jovens preferiram ir para lá,
deliciando-se das jabuticabas, laranjas, mexericas e outras frutas.
Foi uma tarde maravilhosa. Mas onde está Aninha? A jovem havia
ido para a casa pastoral, e entrando em uma pequena sala,
colocando-se de joelhos, se pôs a interceder pela mensagem
daquela noite. Ao levantar-se daquela oração, com os olhos
banhados de lágrimas e o coração saltando de alegria, ela saiu para
ver quem a chamava, e para sua surpresa lá estava o jovem pastor.
Um pouco envergonhada pelos seus olhos ainda estarem
vermelhos, ela disse:

– Em que posso te servir, pastor? Ele respondeu-lhe:

– Irmã, após o culto de hoje à noite eu gostaria de falar com a


senhora sua mãe, pois desejo corresponder-me com você. E
enquanto isso estaremos orando, porque tenho pensado em ti
constantemente, o som da tua voz cantando estes belos hinos não
saem dos meus ouvidos, fazendo vibrar as cordas do meu coração.

E virando-se rapidamente um tanto ruborizado, dirigiu-se para o


templo, alegre pelo fato de não ter dado tempo para Aninha dizer
não; ele acreditava piamente no sim. Aninha correu para a cozinha
da igreja, onde estava a sua mãe, e jogando-se em seus braços
disse toda eufórica:
– Mãe, ele falou comigo!

A mãe, olhando para os olhos da sua bela filha, sussurrou aos


seus ouvidos:

– Minha filha, é assim que Deus faz, com esse seu rosto
resplandecente posso crer que o que ele disse para você é coisa
muito séria e boa de ouvir.

– É verdade, mamãe. Ele disse que pensa muito em mim, que


a minha voz mexe com o coração dele, e sabe o que mais? Depois
do culto ele quer falar com a senhora para pedir permissão para se
corresponder comigo. Tenho certeza que depois de todas essas
provas a senhora, que é uma mulher fiel, inteligente e boazinha vai
dizer que sim. É o que espero, porque já começo a ver as longas
cartas que escreveremos um para o outro.

A mãe, segurando-lhe as mãos, disse:

– Sei, filha, que cumprirás perfeitamente com os seus deveres


como “A MULHER DO PASTOR”.

Aninha não sabia por que, mas lembrou-se da irmã Isabela, que
depois de casada passou a ser conhecida como “A MULHER DO
PASTOR”, mas foi um pensamento rápido, pois já estava quase na
hora do culto e o irmão Erivelton a esperava para darem mais uma
passadinha no hino que ela cantaria à noite. Terminando, o maestro
disse-lhe:

– Ensaiar com você é muito fácil. Por acaso você estuda


música? Se não estuda deverias, pois, o seu talento é muito grande.

A jovem agradeceu dizendo:

– Vou pensar no assunto.


Dirigiu-se para o seu lugar, pondo-se a orar porque ela sentia, não
pelo fato de ter conversado com pastor Eustáquio, mas pela unção
que pairava no ambiente, que aquela noite seria diferente, algo
impactante aconteceria.

O coral cantou o hino “Oh mestre! O mar se revolta”. Logo em


seguida, o pastor chamou-a para cantar, e ela, entoando o hino
“Princípio e Fim”, sentiu por um momento que aquele povo sentado
na igreja parecia um grande coral, todos vestidos de branco
louvavam o Senhor com ela numa mesma voz.

Logo em seguida, o pastor levantou-se para fazer a apresentação


do preletor da noite, dizendo:

– Hoje estamos tendo o privilégio de receber o pastor Eustáquio


de Albuquerque Lins, que poderia ter como credencial ser o filho do
nosso pastor presidente, mas para mim, que o conheço, sei que sua
credencial é de servo de Deus, jovem íntegro, e que esta noite nos
trará uma mensagem direto do trono de Deus.

Naquela noite a igreja estava lotada, tinha mais de quinhentas


pessoas, tinha gente do lado de fora assistindo o culto pela janela.
Pastor Eustáquio levantou-se, cumprimentou a igreja, e por alguns
segundos lembrou-se do apóstolo Paulo, quando este disse: “Todas
as vezes que tenho que me levantar perante vós, sinto os meus
joelhos tremerem”; e isto estava acontecendo com nosso jovem
pastor, pois os seus joelhos também tremiam muito diante daquele
grande público.

Neste momento ele sentiu-se um Eustaquinho, chegando até a


sorrir por dentro. Alçou sua voz em uma oração fervorosa, e abrindo
sua Bíblia, convidou a igreja para acompanhá-lo na leitura do
Evangelho segundo escreveu João, no capítulo cinco, versículo
primeiro, que nos relata a cura de um paralítico que estava à beira
do tanque de Betesda esperando alguém que o ajudasse a saltar
para dentro daquela água, que era movida por um anjo do Senhor,
pois todo aquele que caísse primeiro naquelas águas sairia curado.

O título da mensagem foi: “Levante e salte”. Pastor Eustáquio


discorria sobre este texto de uma maneira eloquente e eficaz; ele
explicava para a igreja através daquela mensagem que Jesus está
pronto para estender as mãos e dizer: “Levanta-te! Aquele homem
já poderia ter saltado nas águas se ele tivesse uma fé do tamanho
do grão de mostarda”, e olhando para aquele grande público ele
disse:

– A mensagem para o seu coração esta noite é: “Levante e


salte em nome de Jesus”. Foi quando ele ouviu um ruído no meio
daquela multidão, e um homem que corria empurrando uma cadeira
de rodas, chegando ao púlpito gritou:

– Levantei-me e saltei, por isso estou aqui. Há dezesseis anos


fiquei nesta cadeira de rodas por ter sofrido uma lesão na espinha
dorsal, mas esta noite enquanto ouvia a mensagem eu senti como
se uma espada penetrasse em minhas costas, sentia como se
estivessem tirando nervos de dentro dos meus ossos, quando eu
ouvi o pastor dizer: “Levante-se e salte”. Eu obedeci e agora estou
aqui, sem palavras. Caindo de joelhos, chorava, era um choro
intenso, mas de alegria.

O que se passou naquela noite com aquele povo foi algo que
entrou para o inesquecível. Ao término do culto o jovem pastor,
totalmente molhado, pois transpirara muito, tinha os cabelos
despenteados, gravata torta, olhos vermelhos, e cheio da graça,
saiu à procura das duas irmãs, mãe e filha, até que as encontrou em
frente da igreja como se estivessem esperando por alguém. Ele,
todo sorridente, mas ainda um pouco tímido, pois assim era o seu
jeito, dirigiu-se à mãe e, cumprimentando-a, disse:
– Olha, querida irmã, eu não tenho muito jeito para o que vou fazer
agora, pois esta é a primeira vez que faço isso, mas a verdade é
que quero pedir-lhe permissão para corresponder-me com a sua
filha. Faremos isso através de carta, porque me parece que através
de pensamento nós já o estamos fazendo. Penso em sua filha
constantemente e ela pensa em mim também, acredito que ela
tenha comentado com a senhora, porque vejo que vocês, além de
mãe e filha são boas amigas.

A mãe, olhando para ele, disse:

– Meu filho, eu sei que você é um pastor, mas a partir do instante


que você me pede para se corresponder com a minha filha eu posso
tratá-lo como filho também. Vou dizer-lhe que mesmo que eu
quisesse desaprovar, não dando a minha permissão, eu não poderia
impedir aquilo que Deus já aprovou.

Despediram-se, e ele não cabia dentro de si de tanta alegria; deu


um pequeno salto, batendo os calcanhares, e assobiou um hino. O
que Aninha queria mesmo naquele momento era encontrar a sua
prima Maria para puxá-la para a cozinha e dizer para ela, com
aquele enorme sorriso nos lábios:

- Hoje você pode me perguntar o que aconteceu, pois tenho muito


para te contar. Primeiro aquela voz me dizendo que gosta muito de
me ouvir cantar, e sabe mais o que ele falou? Que a minha voz faz
vibrar as cordas do seu coração, e que ele pensa em mim
constantemente. E aí mais nada, porque eu quase desmaiei. Só
pude ouvir bem distante aquela voz dizendo: “Preciso falar com a
sua mãe”. Foi muita bênção para uma noite só! E antes que eu me
sentasse em um daqueles bancos e não me levantasse mais, corri e
contei tudo para mamãe. Pensei que ela fosse ficar assustada ou
surpresa, mas ao invés disso, ela segurou as minhas mãos, e com
aquela carinha que você já conhece, me disse coisas lindas, nos
abraçamos e entramos para o templo.
Ah! Mas o melhor veio depois do culto, você viu como foi quando
ele chegou perto de nós todo desarrumado e despenteado com
aquela gravata torta? Eu só não ri porque ele estava muito sério e
eu muito emocionada, eu não sei se foi a timidez, ou talvez até o
medo, quem sabe? Mas ele foi direto ao assunto, falou com a
mamãe de uma maneira que você tinha que ver; e aconteceu o que
poderíamos chamar de bálsamo: mamãe olhando para ele o
chamou de filho, foi então que senti que verdadeiramente ele tinha
sido aprovado, agora é só esperar pela sua primeira carta.

– Ora, ora! Quem diria – disse Maria. Vou ter um primo pastor,
já estou até vendo a cara das minhas amigas quando eu disser que
tenho um primo pastor na família.

Oraram e foram dormir, pois segunda-feira elas voltariam para


casa. Prepararam as malas, pois Santo André estava muito longe,
podia-se até perceber o ambiente de alegria que havia naquele
momento, apesar do frio, porque o Paraná na época do inverno é
muito frio. No entanto, a casa estava quente, porque havia hinos
para todo lado.

Maria havia se casado mais ou menos um ano atrás, depois do


almoço chamou sua prima para caminharem juntas, ela queria,
portanto, transmitir a Aninha um pouco da sua experiência de
senhora casada, então começou a dizer:

– Querida, no começo, entre namoro e noivado, a troca de


correspondência, tudo isto é muito bonito, mas já não estamos mais
sendo casadas pelos nossos pais, temos livre-arbítrio, portanto
espere pela primeira carta e só responda se você tiver certeza que o
ama, não deixe nada para consertar depois do casamento, mas
somente para acrescentar, porque na vida de duas pessoas que se
amam, mesmo que haja alguma dificuldade, elas serão sempre
superadas pela força do amor, portanto, se você está segura a
respeito dos seus sentimentos, responda a carta deste jovem e
sejam felizes, como você sabe, crente não namora muito tempo,
então prepare-se.

Aninha agradeceu e disse-lhe:

– Como as suas palavras penetram em minha alma, querida


prima; como é bom ouvi-la neste momento de decisão. A partir de
hoje no mínimo de quinze em quinze dias eu vou escrever para você
também, porque para o pastor Eustáquio eu escreverei toda
semana.

E assim continuaram caminhando e nem perceberam que eram


quase três horas da tarde quando decidiram voltar para casa.
Apesar de a rodoviária ser bem perto da casa, a mãe de Aninha,
como boa mineira, não tinha por costume perder o trem, quanto
mais um ônibus de volta para casa, pois já sentia saudades dos
outros filhos que ficaram. Na verdade, ela amava os seus afazeres,
cuidando dos seus filhos, orando por eles a cada instante, e isto a
mantinha saudável e bonita.
O sonho de Aninha

Chegou a hora de embarcarem. A prima e a sua mãe


acompanharam-nas até a rodoviária e despediram-se em lágrimas,
pois a alegria daquele dia era imensa pelas bênçãos recebidas e
pelo balanço daquele congresso, que além das curas, registrou vinte
e sete decisões, e uma dessas foi a do sogro de Maria.

Embarcaram exatamente às oito horas da noite e Aninha,


fechando os olhos, logo adormeceu. Sua mãe, olhando-a com muito
carinho, colocou um travesseiro embaixo da sua cabeça e um
cobertor para aquecê-la, porque realmente fazia muito frio. Aninha
não somente mergulhou em um sono profundo, como voltou a um
velho e conhecido sonho: crianças famintas e desnutridas que ela
procurava de todas as maneiras alimentar, só que desta vez ela
observou que algumas delas morriam. Por volta das onze e meia ela
acordou a sua mãe, que percebeu que Aninha chorava
silenciosamente.

– O que é isto, minha filha? Este choro não parece ser de alegria,
parece mais ser de tristeza.

E a jovem, recostando nos ombros da sua mãe, começou a relatar


o sonho, dizendo:

– Mamãe, não é a primeira vez que tenho este sonho, só que


desta vez eu vi algo diferente. Algumas das crianças morriam, e isto
me deixava muito triste, porque estas visões são tão nítidas que
parece que vou passar por isto.

– Minha filha, não se esqueça que você tem somente


dezesseis anos, e na sua idade as perspectivas de futuro te levam
muitas vezes a não compreender certas coisas, mas neste momento
a única orientação que tenho para você é que leia o Salmo trinta e
sete, versículo cinco, que diz: “Entrega o teu caminho ao Senhor e
confia nele, e Ele o fará”, portanto, mesmo que eu usasse toda
minha experiência, não encontraria melhor maneira de orientá-la.

A jovem, olhando para fora, disse:

– Mãe, chegamos! Como foi rápido desta vez.

– Não é que tenha sido rápido, minha filha, é que os teus


pensamentos estão longe daqui. Você se lembra daquela praça na
cidade de Londrina, onde tem um chafariz, uns banquinhos brancos
e árvores frondosas? Tenho certeza que foi lá que estes
pensamentos que invadem esta cabecinha ficaram presos, e por
isso você nem notou que já estamos em São Paulo. Cuidado, minha
filha, amar também causa dor.

Saindo da estação rodoviária, as duas embarcaram para a cidade


de Santo André. Ao chegarem em casa, foi uma tremenda alegria.
Dengoso saiu correndo ao seu encontro, e saltando sobre elas, só
faltou dizer que estava com saudades. O restante da família
também veio encontrá-las. O mais velho, chamado Pedro, com
aquele olhar matreiro, perguntou-lhe:

– E aí, maninha, trouxe um cunhado na mala? A mãe


imediatamente lhe repreendeu, dizendo:

– Respeite sua irmã, menino, cunhado é coisa muito séria.

– Está bem, está bem, mamãe!

Entraram para casa, indo diretamente para a cozinha, onde todos


perguntavam ao mesmo tempo. Queriam saber como foi o
congresso e quais foram os preletores. Mariana, a irmã mais velha,
dando uma puxadinha na blusa, indagou-lhe:

– Tinha algum solteiro bonito? Aninha respondeu:


– Tinha sim! Não sei se bonito, mas tem sorriso bonito e era
um verdadeiro homem de Deus, depois te conto tudo.

Logo em seguida foram desfazer as malas. Havia alguns


presentinhos que a tia Inhá mandou, e também algumas frutas.
Enquanto faziam isso, Aninha viu algo no fundo da mala em que
estava escrito: “Não se esqueça de mim, porque eu nunca me
esquecerei de você. Do seu admirador, pastor Eustáquio”. Ela
pegou aquele papel meio que envergonhada, e correndo para o seu
quarto, começou a perguntar-se: “Como este papel veio parar aqui
na mala se ele nunca se aproximou dela?”. Foi como se ela ouvisse
uma voz suave dizendo: “Ele não se aproximou da mala, mas Maria
sim”. Ah! Esta menina! Só podia ser ela! Quando voltarmos a nos
encontrar ela vai ver só. Ainda emocionada, abriu o bilhete na mesa
do quarto e escreveu: “Podes ter certeza de que nunca te
esquecerei”.

Naquela noite, mesmo cansadas, foram dormir muito tarde. O


relato de tudo que acontecera naqueles dias foi feito de maneira
detalhada, pois ela fazia questão de que assim fosse. Já eram duas
horas da manhã quando foram dormir, e Aninha voltou novamente a
sonhar. Na manhã seguinte, preocupada com aqueles sonhos
constantes, levantou-se, pois tinha que voltar às aulas.

Dia um pouco nublado, dirigiu-se para a escola, ansiosa para


encontrar a sua querida amiga Maria Lúcia e contar-lhe tudo, desde
as maravilhas no âmbito espiritual até as alegrias no sentimental.
Após o abraço e os beijinhos na face, as duas se retiraram para o
refeitório, onde Aninha começou a relatar tudo que havia se
passado, falando que o pastor Eustáquio viria a Santo André nos
próximos meses. Ela não sabia quando, mas tinha certeza de que
ele viria, porque coração não se engana.
Você sabe que ele pegou as minhas mãos uma só vez? E assim
mesmo foi só para me cumprimentar, mas sinto este contato
como se ele nunca tivesse soltado a minha mão. Maria Lúcia
levantou-se, e indo em direção à sala de aula, cantarolou: É o
amor, é amor...

– Você está apaixonada, te pegaram.

Aquele dia foi extremamente diferente para Aninha, concentração


na aula? Nem pensar, foi quando ela disse para os seus botões: “Foi
muito bonito, mas preciso me concentrar se quiser ser uma
advogada”.
Salvando uma vida

Voltando da aula naquele dia, ela sentia como se estivesse


vivendo em outro mundo, um mundo de paz, alegria e muita música.
Estava feliz. Dengoso veio encontrá-la, teve vontade de abraçá-lo,
mas ele saiu latindo todo contente, e assim chegaram em casa. Ao
entrar, abraçando sua mãe, disse:

– Mãe, estou muito feliz!


– Acho bom mesmo – disse a mãe. Porque logo mais à noite
após o culto teremos que falar com o pastor Antônio, você sabe
que ele é assim, meio durão, mas te tem como filha.
– Sei sim, tanto que também o trato como pai, e é por isso que
só de pensar em falar com ele começo a sentir aquela dor na boca
do estômago.

Foram cuidar dos seus afazeres, quando alguém chegou por volta
das três e meia da tarde e disse:
– Eu vim aqui chamar vocês para irem à casa da irmã
Esmeralda, porque o Ricardinho está passando muito mal.
Ricardinho era uma criança de três anos de idade, gostava muito
de Aninha, e quando chamava por ela dizia: Aná. Elas saíram
correndo em direção àquela casa que ficava a três quarteirões, e
quando lá chegaram, cansadas, depararam-se com um quadro
sombrio. Ricardinho, no colo da sua mãe, estava totalmente roxo e
com os olhos como se fossem saltar das órbitas. Então irmã
Ermelinda, dando um salto, segurou aquela criança pelas pernas,
deu um tapa nas costas e disse:

– Sai, em nome de Jesus!

E uma moeda de dez tostões caiu rolando pela sala; Ricardinho


voltou a chorar, a mãe, segurando o filho, olhava para aquelas
irmãs, e chorando muito perguntou:

– Como foi que a senhora descobriu que ele estava engasgado


se nem eu mesma sabia?

Ermelinda, também emocionada, rindo e chorando ao mesmo


tempo, disse:

– Não me pergunte, porque a única coisa que posso dizer é


que quando eu vi o menino naquela situação me veio um impulso de
fazer aquilo, e aí está o resultado. Agora dê um banho bem quente
nele e vá se aprontar para ir à igreja hoje à noite e contar este
testemunho. Ao chegarem, irmã Esmeralda, chamando o diácono
Onofre, disse-lhe:

– Preciso de uma oportunidade para dar um testemunho.

E chegando a hora, muito emocionada, começou a relatar o que


tinha acontecido naquela tarde; e para provar que a bênção havia
sido completa, Ricardinho se solta das mãos de Aninha e corre para
sua mãe, ficando agarradinho ao seu vestido. A igreja nesta noite
não tinha muitas pessoas, mas aqueles que estavam ali se
encheram de alegria e começaram a cantar um hino que diz: “Cristo
cura sim”. A certa altura, o pastor Antônio levantou-se e disse:

– Irmãos, continuem a cantar, porque eu estou ouvindo como


uma voz de muitas águas que não consigo explicar, é maravilhoso!

Aquele culto não teve tempo para mensagem porque a igreja ficou
em louvor e adoração. Após o término e as despedidas, Aninha e a
sua mãe dirigiram-se ao gabinete do pastor Antônio, que olhando
para as duas com aquele olhar pastoral, perguntou-lhes:

– O que aconteceu, irmãs? Mais uma bênção para contar?

– Sim, pastor, o senhor se lembra do pastor Eustáquio? Aquele


que veio aqui pregar há alguns dias?
– Lembro sim, ele é filho de um amigo meu.

– Pois é, como o senhor sabe, pois foi com a sua autorização


que Aninha foi cantar no congresso de Jandaia do Sul, o qual teve
como preletor do domingo o pastor Eustáquio, depois do que
aconteceu naqueles três dias maravilhosos ele veio falar comigo,
pedindo para se corresponder com Aninha, por isso queremos
receber a sua bênção e aprovação.

Pastor Antônio, com um sorriso nos lábios e um semblante aberto,


o que não lhe era peculiar, disse:

– Esta bênção, irmãs, se é que “maravilha” tem tamanho, é


maior ou igual ao que aconteceu com a irmã Esmeralda e o seu
filhinho Ricardinho. Agora, Aninha, eu quero aconselhar-te a
procurar a minha esposa para você receber a orientação de quem
conhece as responsabilidades que cercam a posição de ser “A
MULHER DO PASTOR”.

E impondo suas mãos sobre as duas, elevou sua voz em oração e


as despediu, dizendo:

- Estarei sempre cuidando de vocês, me deixe saber o que está


acontecendo com toda franqueza, em todo tempo.

Como não poderia falar com a irmã Izabel (nome que quase
ninguém sabia, porque era somente conhecida como A MULHER
DO PASTOR) porque já era muito tarde, as duas voltaram para casa
alegres por tudo que tinha acontecido naquele dia. Elas estavam
vibrando com a aprovação do homem de Deus e comentando sobre
a decisão que ele tomou quando soube do pedido feito pelo filho do
seu amigo Sebastião. Aninha falou:

– Mãe, o que será que aconteceu? A senhora observou como


ele falou com a gente? Uma voz mansa e pausada na qual eu pude
ver certa emoção, fiquei até temerosa achando que fosse a minha
imaginação, mas depois que ele pediu para irmos falar com a
esposa dele vi que realmente estamos no caminho certo.

– Filha, vamos orar, pois a jornada é muito grande e vocês


estão muito distantes um do outro, mas para o amor não há
distância.
CARTA DE AMOR E NOIVADO

No outro dia, logo pela manhã antes de sair para a escola, Aninha
percebeu que havia um pequeno pedaço de papel com o timbre dos
correios e telégrafos, no que, ao ver o que estava escrito, voltou
correndo para dentro de casa, e entrando no quarto da sua mãe,
disse quase gritando:

– Olha aqui, a senhora falou que estávamos muito distantes?


Veja o que ele me disse logo pela manhã, pois naquele telegrama
estava escrito: “Tenho certeza, te amo, te amo.” – A senhora já viu
coisa mais linda que esta?

No início da outra semana, terça-feira pela manhã, lá estava o que


Aninha tanto esperava: a primeira carta vinda do pastor Eustáquio.
Como ela já estava um pouco atrasada, ela só gritou para sua mãe:

– Chegou uma carta! E a senhora sabe de quem é? Assim que


eu voltar vamos ler juntas.

Correndo, saiu em direção à escola. Sem saber onde colocar


aquela preciosidade e numa ânsia de saber o conteúdo, Aninha,
quase que voando para a escola, chegou doze minutos antes.
Pensou em chamar Maria Lúcia, mas depois desistiu, e sentada no
cantinho da sala abriu aquilo que já considerava como um tesouro e
começou a ler.

Havia duas páginas escritas que falavam um pouco dele, seus


sonhos e seus ideais como homem de Deus, mas depois ele
mergulhava nas profundezas do romântico, e aquele jovem, tão
sério e tímido, começou a citar algumas frases de Cantares de
Salomão, porque na realidade as histórias de amor que ele conhecia
giravam em torno de Abraão e Sara, de Isaque e Rebeca, e a
famosa história de Jacó.

Nesta carta ele escreve, ao encerrá-la, que houve um homem que


trabalhou quatorze anos pela mulher amada e que por mim ele seria
capaz de trabalhar cento e quarenta. Aninha não sabia se gritava,
se corria ou pulava, com o coração palpitando, ela guardou aquela
carta, pois queria muito lê-la com a sua mãe. Naquele dia as aulas
pareciam ter se tornado mais longas; na hora do recreio, Aninha se
colocou debaixo de uma árvore e voltou a ler a carta. No final da
aula, dando uma desculpa para sua amiga, pois neste dia não tinha
tempo nem para conversar com ela, saiu voando para sua casa. Ao
encontrar-se com sua mãe, balançou a carta junto dela e disse:

– As coisas mais bonitas que uma moça gostaria de ouvir


estão escritas aqui nesta folha.

E as duas então começaram a comer aquelas letras, em um dado


momento, a mãe emocionada abraçou a filha e disse:

– Prepara-te, porque agora já temos a certeza de que você se


casará com este jovem. Isto somente não acontecerá se Deus
decidir o contrário, mas por tudo que vem acontecendo eu creio que
é melhor você seguir o conselho do pastor e ir conversar com a
mulher dele.

Aninha assim fez. Naquela mesma tarde ela foi procurar a mulher
do pastor, e ao chegar, percebeu que havia certo movimento, pois
aconteceria naquele dia uma reunião de pastores, que logo após o
almoço começaram a se retirar. Aninha aproveitou a ocasião, e indo
para a cozinha, começou a lavar toda a louça com alegria e boa
vontade. Enquanto as duas trabalhavam juntas na arrumação
daquela casa, que por sinal era enorme, pois a sala de jantar de
casa de pastor é sempre muito grande, as duas se puseram a
conversar a respeito dos últimos acontecimentos, os quais incluíam
tudo que se passou no congresso de Jandaia do Sul e também o
interesse do pastor Eustáquio em corresponder-se com ela.

Irmã Izabel já sabia por que o pastor Antônio havia chegado todo
contente na noite anterior, esfregando as mãos e cantarolando. Ela
imaginou que havia acontecido algo de muito bom quando ele lhe
disse:

– Minha “véia”, sabe o que está acontecendo na nossa igreja?


A filha da irmã Ermelinda veio junto com a sua mãe depois do culto
pedir permissão para se corresponder com o pastor Eustáquio, o
filho do Sebastião, da cidade de Londrina, aquele jovem que esteve
pregando na nossa igreja.

Foi assim que eu fiquei sabendo – disse irmã Izabel. O pastor


estava muito contente e eu fiquei feliz também, minha filha, por isso
vou fazer um chá, e enquanto o tomamos, vou te contar tudo, sem
esconder nada, para que você saiba o que é ser “A MULHER DO
PASTOR”.

Então começou a contar-lhe que ainda jovem, aos dezenove anos,


ela se casou com o pastor Antônio e foram pastorear uma igreja no
interior de São Paulo. O início foi extremamente difícil, passando às
vezes até por necessidades, mas amando muito a obra de Cristo.
Porém, junto com seu marido, com muitas madrugadas de oração e
jejum, conseguiram em menos de três anos fazer daquela pequena
igreja uma grande congregação.

– Quero te contar um segredinho: o meu nome é Isabela


Medeiros Rodrigues, mas nos cinco anos que ficamos naquela
cidade, nem os irmãos, vizinhos, inclusive os comerciantes nunca
souberam o meu nome, porque todos me chamavam “A MULHER
DO PASTOR”. Quando o açougueiro mandava entregar a carne na
minha casa, ele dizia para o menino: “Entregue isto na casa da
MULHER DO PASTOR”, todas as freguesas tinham nome, menos
eu. Então, minha filha, se prepare, porque uma das primeiras coisas
que vão lhe acontecer quando você se casar com o pastor é perder
a sua identidade assim que vocês mudarem para uma pequena
cidade, porque é a primeira coisa que acontece com um casal de
pastores. Ninguém te chamará de Ana e nem mesmo perguntará o
seu nome, porque você será conhecida simplesmente como “A
MULHER DO PASTOR”. Portanto, sejas fiel até o fim, existe uma
pedra branca na qual está escrito o seu novo nome, e ninguém
poderá trocá-lo. E assim, Aninha voltou para casa guardando todas
aquelas palavras.

O mês transcorreu cheio de cartas e bilhetes entre os dois. No


início de setembro o pastor Eustáquio veio à cidade de Santo André
a convite do pastor Samuel da igreja na cidade de Mauá. Como
estas cidades são vizinhas, ele ficaria hospedado em Santo André.
O evento seria no sábado e domingo, mas ele veio na quinta-feira
porque queria aproveitar o ensejo para conversar com o pastor
Antônio e acertarem definitivamente esta questão do namoro com
Aninha. Entre crentes, após terem recebido as confirmações, a
primeira de Deus, a segunda da mãe da jovem, e depois dos seus
superiores, o próximo passo é o altar.

Foi um final de semana cheio de graça, os dois conseguiram se


encontrar algumas vezes, sempre sob vigilância, quando não era a
mãe, eram os cunhados, que também aprenderam a gostar e a
respeitar o pastor Eustáquio.

Ele voltou para o Paraná, mais precisamente para Londrina, com o


coração apertado de saudades. No outro dia, sentando-se ao lado
do seu pai, começou a relatar tudo que havia se passado naquele
final de semana. O pai, muito concentrado, ouvia o seu filho.
Terminando o seu relato, o pastor Eustáquio transpirava e podia-se
ver isto claramente no seu interior. Acontecia o que poderia chamar-
se de batalha no campo do amor. A distância entre os dois era
grande, a dificuldade de se encontrar era muito maior, porque ele,
como filho do pastor presidente do Paraná, tinha por obrigação estar
viajando constantemente para visitar as igrejas por todo o estado. O
pai dele, ao vê-lo naquela condição, disse em um tom amoroso:

– Meu filho, se o pastor Antônio aprovou é sinal de que a


jovem é crente e de boa família, portanto vamos orar, e se for de
Deus vai acontecer. Vamos esperar a sua mãe, que está chegando
da igreja, vinda do círculo de oração; tenho certeza que ela ficará
muito contente, porque ouço ela orar pedindo para Deus preparar
uma esposa para você que seja uma serva de Deus.

Naquela noite Eustáquio ouviu, para sua felicidade, a aprovação


vinda também da sua mãe. Após uma fervorosa oração, começou a
planejar a sua próxima ida a Santo André, que deveria ser no dia
vinte e seis de outubro. Depois de passar algum tempo trocando
cartas, que chegaram a queimar a mão do pobre carteiro, o jovem
pastor se preparava para ir ao encontro do seu grande amor,
levando em seu coração o tão almejado presente que ele daria, mas
que devido às medidas só seria comprado em São Paulo.

Naqueles dias que antecederam a viagem, ele foi muito usado por
Deus nas pregações de todas as igrejas que visitou. Vinte e seis de
outubro, às oito da noite, embarcava naquele ônibus em direção a
São Paulo um homem cheio da graça, do conhecimento e muito
amor. Amor esse dedicado àquela jovem, cuja voz nunca mais saiu
da sua memória. Ao chegar à rodoviária após uma longa noite sem
dormir, lá estava o pastor Antônio esperando com um abraço de
bem-vindo e com aquele ar paterno.

Enquanto viajavam para Santo André, ele dizia para Eustáquio:

– Vocês estão tão distantes, como pode ter acontecido isto,


meu filho?

– Ora, pastor, o senhor mesmo foi usado para que isto


acontecesse. No dia em que me convidaste para pregar na sua
igreja começava a ser traçado nas regiões celestiais o desvendar de
todo esse mistério. Portanto, a sua participação é real, e com
relação ao fato de eu ter me interessado por ela teve muito a ver
com aquela voz. Quando ela começou a cantar o primeiro hino eu
senti como se algo entrasse no meu coração e fizesse vibrar todo
meu ser.

Pastor Antônio deu-lhe uma tapinha no ombro e disse:

– Jovem, conheço o nome dessa vibração, ela chama-se amor,


portanto, espero que você a trate com muito carinho, porque esta
menina é como filha. E assim chegaram a Santo André. Na casa
pastoral, onde havia certo movimento, estavam alguns jovens da
igreja que foram para lá para recebê-los.

Após um banho e um pouco de conversa entre eles, recebendo o


agradável convite para almoçarem, dirigiram-se todos para a mesa
que estava posta com um delicioso frango com polenta e quiabo.
Terminando o almoço, o pastor Eustáquio, chamando A MULHER
DO PASTOR, disse-lhe:

– Será que a senhora junto com o pastor poderiam ir à casa da


irmã Ermelinda comigo? Eu preciso falar com ela ainda hoje.

A bondosa irmã disse-lhe:

– Não se preocupe, eu vou convencê-lo a ir lá.

O que não foi muito difícil, pois o pastor Antônio estava muito
entusiasmado com todos aqueles acontecimentos. Chegando à
casa da irmã Ermelinda, após dirigirem uma oração a Deus, pastor
Eustáquio pediu permissão para falar. Olhando para Aninha, que
estava sentada do outro lado da sala, chamou-a e disse:

– Nós temos tocado neste assunto com muito carinho através


das cartas, mas hoje, perante essas duas pessoas maravilhosas, eu
quero falar é com a senhora irmã Ermelinda e pedir-lhe a mão da
sua filha em casamento.
Irmã Ermelinda disse:

– Além de gostar quando você me cita em suas cartas,


chamando-me de sogrinha, lembre-se que na primeira vez que falei
com você te chamei de meu filho, portanto, a minha resposta é sim,
eu abençoo vocês para que tenham um casamento feliz e próspero,
primeiramente no espiritual, e que nada lhes falte.

E dirigindo-se ao pastor Antônio disse:

– Sei que teremos a sua bênção também, portanto, ore para


que tudo isso se cumpra debaixo da direção de Deus.
Após a oração o jovem casal se dirigiu para o quintal, e sentados à
beira da cisterna ficaram por alguns minutos olhando um para o
outro, sem dizer uma só palavra, até que Eustáquio disse:

– Minha querida, como eu já te falei por carta, quero sair daqui


com a medida do seu dedinho, porque vou hoje mesmo comprar as
alianças de noivado. Eu quero voltar para casa comprometido, e
isso acontecerá no dia trinta e um de outubro, pois vou sabendo que
não deixarei aqui somente uma parte do meu coração, mas sim todo
ele.

Após a despedida, Aninha entrou para dentro de casa e Eustáquio


foi para São Paulo comprar as alianças. Estavam todos na
expectativa do que iria acontecer naquela noite. Os pais de
Eustáquio não vieram para São Paulo devido aos compromissos em
Londrina, mas mandaram uma carta para o pastor Antônio
delegando a ele toda autoridade sobre aquele noivado.

Quando Eustáquio voltou trazendo as alianças, foi diretamente


para o quarto onde estava hospedado, dobrou os seus joelhos sobre
aquela caixinha e passou momentos maravilhosos de intensos
agradecimentos. Irmã Ermelinda corria de um lado para o outro, pois
mesmo com toda dificuldade financeira, como justa, ela nunca teve
falta de pão. Por isso estava preparando um delicioso jantar para
aqueles que estavam participando da alegria de Aninha, que
naquele momento estava procurando seu melhor vestido, que
apesar de simples, era muito bonito.

Assim que separou a roupa e o calçado para aquele momento tão


especial, foi para a cozinha ajudar a sua mãe. As duas trabalhavam
cantando e nem perceberam como as horas passaram, mas
finalmente chegou a hora do jantar. Foram preparar-se. Às oito
horas em ponto lá estava o pastor Antônio e a sua esposa e o
pastor Eustáquio.

A casa já estava cheia de tios e tias: Tia Mariana, tia Maria, tio
Raimundo e também os primos, era uma verdadeira festa.
Sentaram-se ao redor daquela mesa, e Eustáquio, quando viu todo
aquele povo, não percebeu, mas ficou vermelho como um tomate
maduro e dizia dentro de si:

- Estou acostumado a falar perante centenas de pessoas, mas


aqui não tenho certeza se vou conseguir, me ajuda, Senhor, me
ajuda, Senhor! O jantar transcorreu num clima de muita alegria.
Aninha, sentada entre sua mãe e a MULHER DO PASTOR, recebia
muito apoio, ouvindo de um lado:

– Não se preocupe, vai dar tudo certo. E do outro lado a sua


mãe dizia:

– Pare com essa tremedeira, minha filha.

Aninha continuava desfrutando daquele ambiente cheio de


emoções.

Terminaram o jantar, serviram um delicioso doce de mamão,


aquele doce verde e branco porque tinha coco, uma delícia! Foi
neste momento que o pastor Antônio levantou-se e disse:

– Queridos irmãos, esse jantar aqui não é somente para


confraternização e nem também uma visita pastoral daquelas que
coincidem com o horário do jantar, hoje é diferente, temos um
objetivo maior, eu creio que aqui todos conhecem o pastor
Eustáquio, que neste momento vai nos falar algo importante.

O jovem, que não esperava por essa atitude do pastor Antônio,


totalmente ruborizado levantou-se, e como que num verdadeiro
milagre perdeu toda sua inibição e foi logo dizendo:

- Queridos, fui convidado por este amado pastor para pregar aqui
nesta abençoada igreja, no convite ele me dizia: “Meu querido
irmão, venha trazer uma mensagem da parte de Deus para
abençoar a nossa igreja”, mas me parece que depois de ouvir essa
jovem cantar senti que algo havia acontecido. Se eu abençoei a
igreja foi pela graça, mas o grande abençoado naquela noite fui eu,
por isso, com a aprovação de Deus e dos pastores Sebastião, meu
pai, e meu amigo Pastor Antônio, tomei a decisão de vir até esta
casa e com a aprovação da irmã Ermelinda dirigir-me a você,
Aninha, para dizer-te:

– Queres casar-se comigo?

Ela, levantando aqueles lindos olhos, disse numa voz meiga e


suave:

– Sim, pastor Eustáquio, eu aceito.

Colocando as mãos nos bolsos e tirando as alianças, pediu ao


pastor Antônio que orasse sobre elas, e indo em direção a Aninha,
colocando a aliança na sua mão direita, falou:

– Este é o sinal do nosso compromisso, minha querida, o qual


tenho certeza de que só Cristo poderá quebrar quando levar um de
nós dois.

Foi uma mistura de emoções, uns choravam, outros cantavam,


alguns sorriam. Eustáquio aproveitou-se daquele momento para
delicadamente segurar a mão da sua noiva. Já passava de meia-
noite quando eles se despediram. Beijar? Só em pensamento.
A decisão

Eustáquio voltou para sua casa, prosseguindo no trabalho de


pastor auxiliar do seu pai e de evangelista.

Aninha, por sua vez, ficou pensando como é difícil realizar sonhos
que não são os de Deus, porque ao invés de advogada ilustre ela
acabara de ser escolhida para ser um instrumento útil, um vaso de
honra na obra do Senhor, mas para tal, ela teria simplesmente de
começar como “A MULHER DO PASTOR”. Então foi pedir a opinião
da sua mãe, no sentido de saber como poderia agir. A mãe, crente e
muito decidida, disse-lhe:

– Ora, é muito simples! Amanhã cedo iremos juntas para a


escola e pediremos o seu desligamento, porque para uma mulher
casada e com as obrigações que terá que sustentar você já
estudou o suficiente. Saiba, minha filha, que “MULHER DE
PASTOR” não precisa estudar muito, o que precisa é orar, jejuar e
estar sempre pronta para servir. Aninha respondeu:

– Se é assim que Deus quer, assim será feito.

Naquela mesma noite as duas começaram a pensar uma viagem


de no mínimo duas semanas para a casa da prima Maria, em
Jandaia do Sul.

– Minha filha, saiba que eu não poderei ir com você desta vez,
mas o Senhor irá contigo, te guardando e dirigindo todos os teus
passos. Mas como uma jovem não deve se encontrar a sós com o
seu noivo, o Valcir irá com você, tenho certeza que com o cuidado
que ele tem fico com peninha do pastor Eustáquio, pois ele vai ter
que pedir licença até para sorrir.

Com a decisão tomada acerca da viagem, foram dormir. Pela


manhã dirigiram-se para a escola, onde encontraram a professora
Leni logo na entrada, a qual, olhando para a mãe da menina, disse:

– Bom dia! Que fazes aqui? Aconteceu alguma coisa?

Essa professora tinha uma admiração muito grande por Aninha,


porque logo percebeu que algo estava se passando. A irmã
Ermelinda respondeu:

– Professora, verdadeiramente está acontecendo algo que nem


sei como contar-lhe, tenho certeza que a senhora vai ficar muito
triste. Aninha vai deixar a escola.

– Como? Essa menina inteligente tem um futuro brilhante pela


frente! Ela não pode parar de estudar. Não vai me dizer que é para
trabalhar!

– Não, não, disse Ermelinda.

A professora perguntou à Aninha:

– Você tem certeza que é isso mesmo o que queres? Tão


jovem! Aninha lhe respondeu:

– Tenho sim, senhora.

E dirigindo-se para a secretaria, pediu o seu desligamento.


Em menos de cinco minutos a escola já estava sabendo do
acontecido. Maria Lúcia com mais algumas coleguinhas dirigiram-se
à secretaria pedindo para que a moça ficasse até a hora do recreio,
porque todas as suas colegas da escola queriam se despedir e
saber o motivo daquela decisão.

Aninha, olhando para sua mãe e vendo que ela concordava em


esperar, foi para a sala da diretora, Sra. Amélia, que também ficou
surpresa com aquela decisão. Após a reunião com as amigas na
hora do recreio, Aninha voltou para casa. No caminho, não
conseguia controlar as lágrimas, até o Dengoso parecia triste por
vê-la neste estado, ele não pulou, não latiu, simplesmente a
acompanhou.

Naquela casa não se falava em outra coisa, a viagem ficou


marcada para a segunda-feira seguinte porque Aninha tinha um
compromisso de cantar na igreja Assembleia de Deus em
Camilópolis, que foi verdadeiramente uma bênção. Voltaram
rapidamente para casa, porque no outro dia pela manhã ela viajaria.
A viagem desta vez seria durante o dia, estavam tão agitados que
até o Valcir levantou sem precisar ser chamado.

Chegando a Jandaia do Sul, a prima Maria estava esperando por


eles, e entre abraços e beijinhos foram para sua casa. Já eram
quase dez horas da noite quando terminou o jantar. Depois de
comerem, as duas sentaram-se na varanda para apreciar uma bela
lua cheia, que brilhava naquele lindo céu azul. Maria foi direto ao
assunto:

– Prima, como você se sente sabendo que vai ser a MULHER


DO PASTOR? Você já parou para pensar o tamanho da
responsabilidade e o que está sendo preparado para ti? Você crê
que o ama para passar por tudo isso? Porque o que eu vejo na
mulher do nosso pastor é uma vida que não é fácil. Você é jovem,
inteligente e muito bonita, poderia escolher um caminho mais fácil e
suave que te levasse a ser uma advogada, se casar com um doutor,
ter dois filhos e pronto.

Aninha respondeu:

– Paulo escreveu na primeira carta aos Coríntios, capítulo seis,


versículo vinte e sete: “Nós não somos de nós mesmos”, por isso
estou seguindo a ordem do meu mestre.

Foram dormir, pois estavam cansados da viagem. Valcir já estava


dormindo, e novamente ela sonhou que estava alimentando
crianças. Naquela manhã, ao levantar-se, comentou sobre o sonho
com a sua prima, que muito espiritual, deu-lhe logo a sua
interpretação, dizendo:

– Não se preocupe, isso significa que a igreja que o seu


marido vai pastorear terá um departamento infantil com muitas
crianças e você será a coordenadora deste departamento, que no
momento das refeições estará distribuindo os alimentos. Gostou?

– Não, querida prima, não é isso que eu sinto. O que eu sinto é


que nós vamos para um lugar onde nunca ouviram falar do
evangelho; o pão que eu vou distribuir é a Palavra de Deus.

– Epa! Será que o amor deixa a gente crente assim?

– Por favor, querida, não brinque assim, porque isso é muito


mais sério do que você pode imaginar, me ajude em oração.

Logo depois saíram para dar um passeio a cavalo, sempre


acompanhadas daquele rapazinho sério, que quase não falava, mas
prestava muita atenção. Foram até onde havia um laranjal, alguns
pés de mamão e outras frutas, e ali, enquanto saboreavam as
delícias daquele pomar, Aninha disse:

– Você sabe, parece mentira que estou aqui, a quarenta


minutos da cidade onde mora o meu amado, tão perto, mas só vou
vê-lo no final de semana.

– Não se preocupe, nunca se sabe, pois, a vida é cheia de


surpresas.

Parecia até que a irmã que interpretava sonhos também fazia


previsão do futuro. Voltando para casa, almoçaram, e logo depois
Aninha foi descansar um pouco, porque precisava ensaiar um hino
para cantar à noite na igreja.
Ao chegar ao templo, foi diretamente orar. Dobrando seus joelhos,
começou a agradecer pela viagem e a pedir unção no momento em
que ela fosse louvar a Deus. Queria se policiar, porque ela não
sabia o motivo de estar sempre olhando para a porta, chegou até a
dizer para si mesma: “Fica quieta, Aninha, você vai ver no final de
semana”. E abrindo e fechando a Bíblia, nem percebeu que o pastor
já havia chamado para o início do culto. Nesta noite, pouco antes do
início daquele culto, começou um tremendo temporal. Nas ruas de
terra só se poderia viajar de jipe. Chegou o momento em que o
pastor convidou Aninha para cantar. Enquanto ela louvava com
aquela voz maravilhosa, notou que alguém entrava na igreja e se
assentava no último banco, mas de onde ela estava não dava para
identificar quem era, porque a luminosidade da igreja era pouca.
Voltando a sentar-se, notou que um diácono da igreja passou pelo
corredor, e indo em direção ao púlpito, falou algo ao ouvido do
pastor, que se levantando disse:

– Hoje nós temos uma visita inesperada. E em seguida


chamou:

– Pastor Eustáquio, venha para o púlpito, meu filho!

O jovem respondeu:

– Amado, estou muito molhado, pois chove demais.

– Pode vir! Tenho certeza que até o final do culto a sua roupa
vai ficar totalmente seca.

Então o jovem levantou-se e foi. Quando passou perto de Aninha,


cumprimentou-a com um sorriso e dirigiu-se um pouco
envergonhado para frente, porque ele estava mesmo muito
molhado, cabelo despenteado, mas os olhos brilhavam. Foi um culto
abençoado. Depois da oração final, elas se levantaram juntas com o
Valcir, indo para a porta da igreja.
Agora vamos ficar aqui um pouco porque ele vai vir falar comigo, e
você não saia de perto de mim. Foi quando aconteceu algo
estranho, Valcir falou:

– Não se preocupe, minha irmãzinha, eu estou aqui e prometi


à mamãe que não sairia de perto de você de jeito nenhum.

Eustáquio veio um pouco apressado, porque os cultos de terça-


feira naquela igreja tinham sempre muita gente. Mas finalmente ele
chegou, e estendendo a sua mão, cumprimentou a jovem de uma
maneira que parecia nem ter visto Maria e Valcir.

Como aquele cumprimento estava demorando um pouco,


Eustáquio sentiu logo que lhe puxaram o paletó, e virando, disse:

– A paz do senhor, irmã! ...Ah, é você, Valcir? Não tinha te


visto. Logo se despediram após confirmarem que se veriam no outro
dia, porque Eustáquio já estava decidido que voltaria para Londrina
depois do almoço e Maria não perdeu a oportunidade de convidá-lo
para almoçar na sua casa.

O almoço costumava ser ao meio dia, mas às onze horas da


manhã o jovem já estava lá batendo no portão. Aninha foi recebê-lo,
e sentados na varanda, sob o olhar discreto do Valcir, eles
começaram a conversar, fazendo planos para o futuro. Ao vê-los
conversando assim, podia-se perceber que havia certa áurea de
entendimento e muito amor entre os dois, o conhecido e famoso
amor à primeira vista.

O almoço chegou muito mais rápido do que eles esperavam.


Maria, pedindo desculpas por interrompê-los, disse:

– Vamos entrar, porque a “bóia” já está pronta.

Logo após o almoço, aproveitando algum tempo que ainda lhes


restava, foram sentar-se debaixo de uma mui formosa tamareira. Ali
continuaram a falar sobre eles mesmos, começando a se
conhecerem. Ele acabou chegando em casa à noite, e do portão
gritou para sua mãe, que o esperava: Ela é a minha futura esposa!
E só digo que a mereço porque Deus não faz confusão, e este é um
presente que Ele me deu.

A mãe, abraçando-o emocionada, disse:

– Ó E eu os abençoo, meu filho. Saiba que isto é realmente


resposta de oração, minha e do seu pai. Pedimos sempre a Deus
para dar a você uma jovem crente e de boa família, que fosse
também uma excelente nora, só não sabíamos que viria com uma
voz tão linda – disse sorrindo. Entraram, e ele foi direto para o
banho. Logo depois do jantar, sentou na sala com o seu pai e foi
logo lhe dizendo:

– O senhor sabe que nós crentes não namoramos muito


tempo, e como eu já estou noivo creio que devemos falar sobre o
casamento. Eu gostaria que o senhor e a mamãe fossem a Santo
André para falar com a irmã Ermelinda, e assim marcarem a data do
nosso casamento. Esta data eu já tenho em meu coração, pois será
muito importante para mim, e o senhor sabe: será no dia vinte e um
de dezembro, porque foi nesta data que fui separado para o
diaconato.

O pai então lhe disse:

– Assim será, meu filho, pois estou muito feliz por você. Esta
jovem realmente tem um belo testemunho, eu e a sua mãe vamos
nos preparar e na próxima semana iremos falar com a sua futura
sogra.

Neste momento, a MULHER DO PASTOR, entrando na sala,


disse:

– E então, quando a menina vai chegar, sexta ou sábado?


– Ela vai chegar na sexta-feira, mamãe, porque na quinta-feira
ela tem compromisso na igreja de Arapongas e eu não quero
perder, afinal, Arapongas não é tão longe.

– Ah! Sim! – Disse a mãe. E eu vou aproveitar para ir com


você, pois faz muito tempo que não vejo a MULHER DO PASTOR
de Arapongas.

Enquanto isso, Aninha comentava com a sua prima:

– Como será a casa dele? Será que é muito grande? Conheces


a irmã dele? Espero que além de cunhada seja também minha
amiga.

– Ora, não se preocupe, bobinha, ela é um doce, vocês vão se


entender muito bem, e além disso ela toca muito bem a viola. Ela
passou uns dias compondo muitos hinos, tenho certeza de que te
sentirás muito bem naquela casa, eles são muito amáveis.

Finalmente chegou a quinta-feira, e à noite eles se dirigiram para o


culto. Aninha falou para Valcir:

– Nós vamos chegar muito tarde, se você não quiser, não


precisa ir. Ele, olhando muito sério para ela, disse:

– O que vou dizer para mamãe quando voltarmos para casa?

– Muito bem, então vamos.

Chegaram a Arapongas por volta das seis e meia, indo direto para
a igreja, mas que grande surpresa, encontrou o maestro Erivelton, e
como não poderia deixar de ser, foram logo ensaiar. A partir daquele
momento já se podia notar que algo diferente aconteceria naquele
culto, pois o ensaio terminou com glória a Deus e aleluia e com
muitas lágrimas de alegria espiritual. E foi realmente o que
aconteceu, o último crente a sair do culto foi o irmão Evilazio, que
era o porteiro da igreja, e já passava de meia noite. Foi um
tremendo trabalho, cheio de emoções.

Na volta para casa tínhamos alguém com um semblante fechado,


como se estivesse aborrecido, e com o ar cansado disse:

– Eu quero dormir. Sua irmã respondeu:

– Quem mandou você vir? Eu bem que te avisei.

Ao chegar em casa, a mesma conversa de todas as noites.

– Você vai morar em São Paulo ou no Paraná?

– Por enquanto no Paraná, o trabalho dele é aqui.

– Seremos vizinhas, minha querida, nem que for de cidade.

E sorrindo foram dormir. Naquela noite Aninha teve um sonho em


que estava em uma carroça junto com Eustáquio e duas crianças,
chovia muito, eles entraram em um lamaçal e não conseguiam sair.
Foi quando em um dado momento um raio cortou os céus, matando
um animal e atingindo também uma das crianças. Ela acordou muito
assustada e foi orar, pedindo a Deus interpretação para aquele
sonho. Quando levantou-se foi contar para sua prima o sonho que
tivera. Um pouco apreensiva, foi tomar café e preparar-se para um
novo dia, porque à tarde ela estaria indo para Londrina. Finalmente
conheceria a família do seu amado.

O ônibus sairia às quatro horas da tarde, e duas horas depois ela


estaria se encontrando com aquelas pessoas tão especiais. Ao
chegar a Londrina, lá estava o pastor Eustáquio e sua irmã, que
muito contente correu em sua direção, cumprimentando-a
efusivamente, o que a deixou mais tranquila. Valcir, meio
desconsertado, somente observava.
A chegada àquela casa foi realmente emocionante, Aninha foi
recebida como filha, serva de Deus, cantora evangélica e noiva.

Cilena, que era exímia violonista, não cabia dentro de si de tanta


alegria, pois iria desfrutar da presença de uma das cantoras
evangélicas da época, e isso faria com que as duas, trabalhando
juntas, compusessem belos hinos. E assim foi.

A mãe de Eustáquio desdobrava-se no sentido de oferecer a


Aninha dias inesquecíveis naquela bela cidade de Londrina. Pastor
Sebastião se encarregava do culto doméstico, nos quais escalava
sempre a irmã Aninha para cantar um hino. Hinos estes que muitas
vezes, além do louvor e adoração, produziam uma verdadeira
manifestação da glória de Deus nos lugares por onde ela cantava.

O programa do primeiro sábado de Aninha na casa do pastor


Eustáquio foi elaborado pelo pai dele no jantar de sexta-feira,
quando ao terminar, ele disse:

– Amanhã iremos à fazenda Beira Alta, vamos visitar um amigo


que faz alguns anos que tento ganhar para Jesus, mas ele é um
alemão de cabeça dura, dizendo-se ateu. Já veio algumas vezes à
igreja porque a sua filhinha de treze anos lhe importunava a vir, pelo
fato de que ela ama a obra. O nome desse meu amigo é coronel
Ozório, nem eu mesmo sei por que ele tem esse nome tão
brasileiro, porque de acordo com as informações os seus pais
chegaram ao Brasil, mais precisamente no Paraná, quando ele tinha
sete anos. É trabalhador, honesto, bem casado e pai de cinco filhos,
dos quais Ednéia é a caçula.

Após esse anúncio do programa de sábado, Aninha não soube


explicar o porquê, só sabia que imediatamente sentiu algo mover-se
dentro do seu ser, como uma onda de ternura e de preocupação
com aquela visita que eles fariam. Ela não conseguiu explicar a si
mesma o motivo daquele sentimento, por isso decidiu prolongar um
pouco mais o seu momento de oração naquela noite antes de deitar-
se, oração esta em que ela repetiu várias vezes o pedido de “revela-
me, Senhor, pois eu quero saber o motivo deste sentimento”. Nesta
noite ela teve um sonho, estava chegando a uma casa grande de
fazenda, mas antes da porta tinha um lamaçal em que havia muitos
porcos, e alguns destes eram muito grandes. Ela se viu de repente
com uma espada na mão com a qual feria estes animais, e cada um
deles, quando feridos, simplesmente desaparecia.

Até que ela conseguiu chegar à porta da casa, e entrando, foi


recebida por um homem de estatura mediana, olhos azuis e cabelos
longos. Ao cumprimentá-lo, Aninha acordou transpirando e
extremamente cansada, dobrou os seus joelhos e voltou a orar,
porque havia sido revelado através daquele sonho que aquele
sábado seria de muita luta no campo espiritual, mas dizendo: “O
Senhor é a minha rocha, minha fortaleza, socorro bem presente”,
ela voltou a dormir, acordando na manhã seguinte bem alegre e
disposta.
JEJUM, ORAÇÃO E CONVERSÃO

Convidaram-na para o café da manhã. Aninha simplesmente disse


não, e assim, após uma oração matinal naquela sala, que mais
parecia um santuário, partiram em direção à fazenda do Sr. Ozório,
que distava dezessete quilômetros de Londrina. As estradas
empoeiradas do Paraná não são muito confortáveis para se viajar,
principalmente para os motoristas. Não se sabe bem se pela
companhia de Aninha ou se realmente lhe era natural, pastor
Eustáquio demonstrou ser um exímio motorista, pois os dezessete
quilômetros foram percorridos em trinta e dois minutos.

Um pouco antes de chegarem, Aninha já lançava olhares distantes


em direção à fazenda procurando ver o lamaçal e os porcos, mas ao
contrário disto o que ela viu foi uma cerca de madeira de lei toda
pintada de branco com um grande portão bem cuidado. Ao entrar
por aquele portão, Aninha se maravilhou. O que ela viu foi um jardim
com rosas, orquídeas e girassóis, perto da varanda um lago com
chafariz e peixes lindos e dourados que ali nadavam.

Lembrando-se do sonho, Aninha disse:

– Então o lamaçal e os porcos estão lá dentro.

Ao chegarem, foram recebidos pelo fazendeiro, que quando


cumprimentou Aninha sentiu-se um pouco desconfortável. Aninha,
olhando para ele, viu que era o mesmo homem que ela havia visto
no sonho. Dona Rosária, esposa do Sr. Ozório, muito alegre e
humilde, apesar de grande fazendeira, abraçando Aninha disse-lhe:

– Você veio a esta casa no dia de hoje para ser uma bênção.

Aninha sentiu um arrepio, porque parecia ouvir barulho de porcos


na lama. Sentaram-se, e após os cumprimentos, puseram-se a
conversar ao redor de uma mesa. Pr. Sebastião começou a relatar o
que havia acontecido entre Aninha e seu filho, como se
conheceram, uma conversa extremamente informal de amigos, mas,
como não podia deixar de ser, dirigindo-se ao dono da casa, falou-
lhe alegremente:

– Se você a ouvir cantar, vai se converter. Aí todos sorriram e


seu Ozório disse:

– Bem, eu quero ouvi-la, mas antes vamos tomar um café e


dar uma volta para que ela conheça alguma coisa aqui da fazenda.

Dona Rosária de imediato começou a servir um café que parecia


ter medo de vir sozinho, pois era acompanhado de bolo de fubá,
mandioca e ovos fritos. Uma delícia! Neste momento todos ficaram
surpresos quando Aninha declinou, dizendo:

– Esta mesa está verdadeiramente linda, mas eu vou deixar


para mais tarde, obrigada.

As pessoas presentes não entenderam nada daquilo. Dona


Rosária ficou um pouco preocupada, pensando que fizera algo que
Aninha não gostava. Sr. Ozório ficou vermelho, como que
decepcionado. Foi quando então “A MULHER DO PASTOR”,
levantando-se, chamou-os para um lado e explicou a respeito do
jejum. Ela tinha certeza de que era por alguma causa grande. O
casal, compreendendo, voltou ao normal. Conversando, terminaram
aquele gostoso café da manhã.

Havia chovido na noite anterior, mas o sol brilhava naquela


manhã, trazendo aquele aroma de terra molhada. A grama no
quintal estava verde, as flores lindas, e eles saíram para
conhecerem um pouco daquela fazenda. Houve um momento em
que Aninha, não se contendo de curiosidade, perguntou à Sra.
Rosária:

– Vocês não têm chiqueiro? Não criam porcos?


– Sim, nós temos, mas fica bem distante daqui, porque quem
toma conta deles é o caseiro.

Continuaram caminhando, entraram por um pomar muito lindo


com frutas de todas as espécies, não dava para experimentar
todas, mas aquelas que eles degustaram eram deliciosas. Ao
saírem daquele pomar chegaram a um campo extremamente
verdejante, que se perdia de vista, um verdadeiro espetáculo! Foi
quando Aninha viu bem distante que alguém galopava em um
belo cavalo de cor castanha, de seis pés e meio e bem fogosos.
Aninha se perguntou:

– Quem será? Deve ser algum vaqueiro.

Foi quando ela percebeu que era uma menina que montava
aquele cavalo. Sentando-se em uma pedra, Aninha esperou que a
nossa amazona chegasse até perto dela. Para sua surpresa, ela
notou que não a conhecia. A menina, muito tímida, descendo do
cavalo dirigiu-se para Aninha, e cumprimentando-a, disse:

– Você deve fazer parte das pessoas que vieram visitar a


fazenda hoje.

– Sim, sim! Disse Aninha estarrecida e quase sem poder falar,


pois a menina que a cumprimentou tímida e triste tinha um tumor do
lado direito da face que cobria os seus olhos e já estava tomando
conta de parte da cabeça, a qual já não tinha mais cabelo.

A menina, após estas poucas palavras, quis retirar-se de imediato,


pois ela já não quis tomar café com os outros por sentir vergonha do
seu estado. Aninha, quase num grito, disse:

– Por favor, fique! Eu preciso muito conversar com você, eu


quero que você saiba que não vim aqui nesta fazenda somente
para passear e desfrutar dessa beleza, mas eu tenho certeza
absoluta de que há um propósito de salvação e cura, pois sinto
isso dentro de mim. E colocando as mãos em torno dos ombros
da menina, dando-lhe um abraço, perguntou:

– Como é o teu nome?

– Eu me chamo Ednéia, sou a filha caçula nesta casa.

– Oh! Que bom, a mais nova é sempre mais paparicada.


Qual é a tua idade?

– Tenho treze anos, respondeu a jovem.

– Você vai à escola? Perguntou Aninha.

– Não! O único lugar que eu vou é na igreja, assim mesmo


quando meu pai me leva, mas isso não acontece mais vezes
porque o meu pai não acredita. Ah! E tem outra coisa, só vou
porque minha mãe cobre a minha cabeça com um véu, porque eu
me sinto muito acanhada com esse problema que tenho, esta é a
primeira vez em toda minha vida que converso com alguém sem
me sentir mal, não sei explicar, mas ao seu lado parece até que
não tenho problema. E convidando Aninha para subir na garupa
do cavalo, disse-lhe:

– Esta é a maneira mais rápida de chegarmos em casa, não


tenha medo, o Imperador é um cavalo muito manso, fácil de lidar.

Aninha concordou e as duas voltaram com Imperador trotando


suavemente, como se sentisse que tinha em seus lombos duas
verdadeiras pérolas. Ao descerem nos fundos da casa, Ednéia
disse:

– Venha, quero mostrar-lhe o meu quarto.

Quarto esse que para chegar a ele as pessoas tinham que passar
por uma sala na qual havia algumas imagens que dona Rosária
conservava, pois elas tinham vindo de um recanto remoto da
Alemanha. Algumas pinturas espalhadas pela parede mostravam
uma espécie de rituais, que nem mesmo dona Rosária sabia
explicar. Quando Aninha entrou naquela sala, sentiu um cheiro
terrível de chiqueiro e ouvia barulho de porcos, vindo de imediato à
sua mente o sonho que ela tinha tido na noite anterior.

Clamando pelo sangue de Cristo, ela atravessou aquela sala em


direção ao quarto da menina. Chegando ali, ela convidou Ednéia a
dobrar os seus joelhos e a fazerem uma oração que durou uns vinte
minutos e na qual ela pedia orientação a Deus sobre o que fazer
naquela circunstância, pois sentia que algo grande estava para
acontecer. Tudo isto aconteceu bem na manhã daquele sábado,
pois eram apenas doze horas quando Aninha, chamando o pastor
Sebastião, disse-lhe:

– A luta está travada, mas fiquem à vontade. Quanto a mim,


vou entrar naquele quarto com Ednéia e fazer como Jó, só
sairemos de lá abençoadas. Por favor, explique isso aos donos da
casa, não permita que ninguém venha até nós e nem atravesse
esta sala.

E fechando a porta da sala, foi perto de Ednéia e começou a orar.


A menina não entendia o que estava se passando, mas mantinha-se
segura e tranquila. Após algum tempo de oração, Aninha, sentindo
que tinha uma espada em sua mão, dirigiu-se para a sala e
começou um processo de limpeza, cantando um hino que diz:

– Pelo sangue, pelo sangue carmesim.

Depois de uma hora e meia, o povo lá fora já havia almoçado, e


preocupados, perguntaram:

– Quanto tempo essas meninas vão ficar aí dentro sem


comer? Aninha não havia comido nada até então. Enquanto isso ela
continuava a sua batalha, orando e louvando. Foi quando uma luz
entrou naquela sala, inundando aquele ambiente de uma glória
inexplicável, tomando conta do quarto de Ednéia. Aninha, entrando
no quarto, abraçou-se àquela menina, ajoelharam-se e começaram
a agradecer. Agradeceram pela luz, agradeceram pela família e
começaram um processo de agradecimento pela cura de Ednéia
durante este momento de louvor, adoração e agradecimentos.

Na sala principal acontecia algo totalmente inesperado. O


fazendeiro, que era um homem muito branco, de repente começou a
ficar vermelho e com os olhos lacrimejantes. Então perguntou ao
pastor Sebastião:

– O que devo fazer? Estou sentindo algo que eu nunca havia


sentido antes, não consigo uma explicação, parece que tem algo em
meu peito que vai saltar, me explique, por favor.

O pastor Sebastião, colocando a mão na sua cabeça, disse:

– Sr. Osório, este é o grande momento da sua vida, entregue-a


a Jesus Cristo e será salvo, você e toda sua família.

Naquele momento Ozório disse:

– Sim, eu quero, eu não aguento mais, eu quero conhecer este


Deus. O Pastor Sebastião lhe disse:

– Então faça comigo esta oração: “Senhor Jesus, neste dia eu


quero entregar-lhe a minha vida para que o Senhor seja o meu rei, o
meu salvador e o meu redentor. Meus pecados são muitos, mas de
acordo com a palavra deste pastor o Senhor pode perdoar todos
eles, eu creio e aceito a Sua direção para o resto da minha vida e eu
oro em nome de Jesus”.

Neste momento aquele homem caiu por terra chorando, enquanto


que seus filhos, abraçados a ele, diziam:

- Nós também queremos aceitar este Jesus!


Enquanto isso, dona Rosária, que estava sentada em um canto
dando a impressão de que não estava entendendo o que estava se
passando, levantando-se foi até a dispensa, e pegando um saco de
estopa destes que cabem sessenta quilos dirigiu-se à misteriosa
sala e começou a recolher tudo que havia de estranho ali dentro:
imagens, flores, desmanchando um altar que havia na sala,
instrumentos para certos rituais. Enchendo aquele saco, levando-o
para fora, disse:

– A partir deste dia, nesta casa queremos Jesus Cristo, louvor e


adoração somente para Ele.

Enquanto aconteciam todas estas coisas entre a família, Aninha,


afastando-se um pouquinho de Ednéia e olhando-a nos olhos,
começou a passar a mão sobre aquela parte onde não havia mais
cabelo e sobre aquele tumor, que tomava conta de mais da metade
do seu rosto, tirando-lhe inclusive a visão de um olho. Começou a
declarar a restauração completa daquela jovem, por dentro, devido
a todos os complexos provocados pela doença, e por fora, porque
ela tinha certeza de que aquele sofrimento tinha chegado ao fim.

Foi quando ela viu que aquela luz brilhou mais intensamente sobre
o rosto da jovem, e sentindo em suas mãos que aqueles cabelos
cresciam, ela viu aquele tumor desaparecer e seu rosto lindo ficar
com uma pele brilhante e sedosa. As duas gritando glória a Deus e
aleluia, pulando e saltando de alegria, passaram por aquela sala
que antes era misteriosa e que agora tinha um aroma que parecia
que todas as janelas estavam abertas e o jardim havia se mudado
para dentro dela. Este foi o ambiente que elas atravessaram quando
foram para a sala principal onde estava a família reunida orando.
Uns oravam, outros cantavam, uns choravam, outros sorriam, era
um ambiente de muita festa naquela sala, quando elas entraram e
foram vistas pelos demais, “A MULHER DO PASTOR’’, que havia
visto Ednéia nascer, ao vê-la linda daquela maneira com aquele
brilho intenso nos olhos caiu ao solo como que arrebatada e lá ficou.
O pastor Sebastião e a família que pensaram naquela manhã:
“Bem, após esta visita voltaremos para casa e iremos jantar no
boiadeiro”, que era considerado um dos maiores restaurantes de
Londrina, chegaram em casa de madrugada, e a festa na casa do
fazendeiro Ozório foi muito grande. Ao chegarem em casa, após o
banho, cada um foi para os seus aposentos. Pastor Eustáquio, que
não se aguentava de tanta alegria, colocando a boca no pó disse:

– Senhor, o que foi que o Senhor me deu? Sou eu por ventura


merecedor de tudo isso? Ajuda-me a cuidar da Tua serva e que eu
possa sempre tê-la como um vaso de honra.

E naquela mesma posição, ele, como que fora de si, num


ambiente totalmente maravilhoso, adormeceu. Para sua surpresa,
sonhou durante todo o período em que dormiu com a festa do seu
casamento com Aninha. Domingo prometia ser mais um dia de
festa. O ambiente era mantido por uma nuvem de glória, a unção
que se sentia era quase que visível. “A MULHER DO PASTOR”,
mesmo tendo ido dormir pela madrugada, às sete horas da manhã
já estava colocando a lenha no fogão, porque temos certeza de que
pela sua mente passava a determinação de fazer o melhor café para
aquele povo. Irmã Geralda, que costumava ajudá-la aos domingos,
também já estava em seu posto.

Depois de fazerem as orações matinais, cada um em seu quarto, a


família foi se reunindo em torno daquela mesa e Pastor Sebastião
elevou sua voz em oração, que começava com o “Pai nosso que
estais no céu...”. O ambiente realmente era muito alegre e não
paravam de comentar sobre o grande milagre da noite anterior. Por
volta das onze horas chegou o maestro Erivelton com a sua esposa,
e ouvindo eles o que aconteceu se alegraram muito, e disse ele
para Aninha:

– Tenho certeza de que esta noite você vai louvar como nunca,
eu sinto algo diferente neste lugar.
Logo em seguida os dois saíram para o canto da sala e
começaram a ensaiar, e naquele ambiente extremamente espiritual
Aninha cantava: “há um vaso transbordando, e é o meu...”.

Pastor Eustáquio só teve oportunidade de estar a sós com Aninha


sentados em uma varanda porque um jovem que tocava acordeão
na orquestra da igreja, chegando à casa pastoral, logo chamou a
atenção de Valcir pelo seu jeito de tocar e pela alegria que
transmitia. Curioso pelo segredo do acordeão e pedindo sempre
para o jovem tocar mais um hino, ele desgrudou do seu trabalho de
guardião de Aninha, que com muita alegria desfrutava da
companhia do seu amado, fazendo planos para o futuro. Pastor
Eustáquio aproveitou para contar detalhes do sonho que ele havia
tido na noite anterior, quando praticamente dormiu de joelhos na
beira da sua cama. E ela, com aquele sorriso deslumbrante que
parecia iluminar a varanda, disse-lhe:

– Tenho certeza de que assim será. Ele disse:

– Se andarmos na presença dele e formos fiéis, ele satisfará


os desejos do nosso coração.

Aproveitando aqueles momentos, porque após o almoço não


haveria mais oportunidade, eles colocaram todos os projetos em dia.
Veio então o almoço, e logo em seguida um pequeno descanso, não
para a “MULHER DO PASTOR”, que além do trabalho do lar, teria
ainda o ensaio com as irmãs do círculo de oração. Quando
perguntavam para ela:

– A senhora não se cansa? Ela dizia:

– O meu descanso não é aqui. E tem outra coisa, tudo que


fazemos com amor e alegria não nos cansa, o pagamento por este
trabalho nem o presidente recebe igual.
Pastor Sebastião, após um breve descanso, dirigiu-se para o seu
gabinete, abrindo a sua Bíblia em segunda Reis, capítulo cinco,
começou a compilar o sermão daquela noite, que seria sobre a
menina escrava na casa de Naamã, a qual foi usada para a cura de
sua lepra. Isto baseado no que acontecera na noite anterior, quando
aquela menina, que em poucos meses seria sua nora, foi usada
grandemente na cura de Ednéia e na salvação de toda sua família.

Os outros, ao saírem dos seus respectivos descansos, foram cada


um cuidar dos seus afazeres. Aninha e sua cunhada foram dar uma
volta pela cidade, não por muito tempo, pois elas teriam que se
preparar física e espiritualmente para o culto à noite, mas mesmo
assim Aninha se divertiu conhecendo a praça principal de Londrina,
onde havia um coreto muito grande, que quando a jovem chegou
perto não conseguiu vencer o seu impulso. Subindo nele, olhou em
direção a sua cunhada e começou a louvar a Deus, cantando um
hino maravilhoso que dizia: “Não temerei”. Antes que a jovem
terminasse este hino, já havia um grupo ao redor do coreto
admirando-a e aplaudindo. Quando terminou, dirigindo-se àquele
grupo disse:

– Não é a mim que vocês devem aplaudir, mas a Jesus Cristo,


que me deu esta voz, e ao morrer na cruz me libertou, perdoando os
meus pecados, e este mesmo Jesus pode fazer o mesmo por vocês
nesta tarde, para que junto comigo façamos parte do coral celestial
que cantará o hino ao Cordeiro no Reino dos Céus.

E fazendo um apelo, viu com muita alegria que seis pessoas


levantavam suas mãos, entregando suas vidas a Jesus.

Aninha então convidou todo aquele povo para estar na igreja à


noite, porque ela estaria louvando a Deus com alguns hinos.
Retirou-se sem se preocupar depois de ter abraçado aquelas almas,
porque sabia que todo aquele povo conhecia a igreja Assembleia de
Deus em Londrina. As duas jovens voltaram para casa apressadas
porque ficaram mais tempo do que o esperado, mas muito felizes
pela colheita. Cilena então comentou:

– Você com este seu jeitinho de acanhada nem se parece com


aquela que eu vi no coreto esta tarde, verdadeiramente
desembaraçada para falar do evangelho. Meu irmão é um rapaz
agraciado, pois como pastor e tendo uma esposa como você não
haverá igreja que não cresça debaixo da direção de Deus e tendo
vocês como pastores!

Aninha riu e agradeceu, dizendo:

– A Ele toda honra, toda glória e todo louvor.

E assim chegaram em casa, mas qual não foi a surpresa ao


encontrar no portão um rapaz com um aspecto muito sério, parecia
bravo. Era o Valcir, que olhando para elas perguntou-lhes:

– Por que vocês não me levaram? Mamãe não vai gostar


quando souber disso.

– Não se preocupe, meu querido, ela vai amar quando eu


contar-lhe o que aconteceu.
E assim entraram e foram preparar-se para o culto da noite, que
tinham certeza que seria diferente. O pastor Eustáquio veio ao seu
encontro, e ao ver o seu semblante tão feliz, perguntou-lhe:

– O que foi que aconteceu com as irmãs para estarem tão


contentes? E Aninha, contando-lhe o que se passou naquele coreto,
disse-lhe:
– Pode ter certeza de que teremos muitas visitas esta noite e a
operação do espírito de Deus vai ser muito grande.

O jovem foi em sua direção como se fosse abraçá-la, mas logo


recuou, porque estas coisas de abraços e beijinhos naquela época
eram só depois do casamento, principalmente com um filho de
pastor. Os dois riram timidamente e Aninha falou:

– Não se apresse, meu amor, falta pouco tempo.

E assim entraram. Aninha foi logo para o seu quarto, e dobrando


os seus joelhos, começou uma oração de agradecimentos por tudo
quanto Deus estava fazendo, mas principalmente pela salvação
daquelas almas, enquanto dizia no seu coração: “Tenho certeza
absoluta de que todas elas virão ao culto nesta noite e receberão a
oração do pastor”. Na abertura do culto neste domingo, pastor
Sebastião levantou-se, e abrindo a Bíblia, disse:

– Vamos ouvir aqui a direção do espírito de Deus para o


andamento do culto desta noite, porque nesta tarde eu senti que
algo diferente vai acontecer entre nós, sinto um mover maravilhoso
neste lugar, e se você tiver alguma dúvida, nesta noite ela será
dissipada.

Ele leu o Salmo cem: “Louvai o Senhor com um cântico novo”. A


igreja cantou o hino de número vinte e seis da harpa cristã, que se
chama “Quão glorioso”, e logo começou um movimento diferente.
Havia pessoas que choravam, outras que glorificavam.
Após terminarem com os hinos devocionais, o pastor chamou o
irmão Abelardo para louvar a Deus com o seu bandolim, quando ele
começou a dedilhar aquelas cordas o som parecia vir de uma
orquestra celestial, e foi neste ambiente de muita glória que o pastor
Eustáquio, depois de receber a ordem de seu pai para apresentar a
convidada da noite que tinha vindo de São Paulo, a irmã Aninha,
sentiu que os seus joelhos tremiam e sua boca estava seca de tão
grande emoção. Fez a apresentação e Aninha levantou-se em
direção ao púlpito, dando glórias a Deus e dizendo:

– Só o Senhor é Deus.

Ao saudar a igreja notou que bem na ala da frente do lado direito


estavam sentadas as seis pessoas que aceitaram Jesus naquela
tarde; e ao lado delas, mais algumas pessoas que também tinham
ouvido os louvores de Aninha naquele coreto. A emoção para ela foi
muito grande, chegou a sentir uma profunda dor na sua espinha,
mas abriu a sua boca e começou a cantar. Neste instante os
milagres também começaram a acontecer. Quando ela terminou o
seu primeiro hino, o pastor pediu o segundo, e foi aí que algo que
nunca havia acontecido nas Assembleias de Deus ocorreu: uma
jovem cantar oito hinos! Durante esse tempo de louvor e adoração,
apesar de não ter feito nenhum convite formal ou nem mesmo um
apelo para que os fiéis se aproximassem, pois estas duas coisas
estavam inseridas nas letras dos hinos, as pessoas que não eram
evangélicas começaram a vir para frente do púlpito, e dobrando os
seus joelhos clamavam por perdão pelos seus pecados, declarando
Jesus como salvador das suas almas.

Sem sequer um resquício de cansaço, Aninha chegou ao sétimo


hino, cujo nome é: “Volta-te para Jesus”. Neste momento aconteceu
um verdadeiro alvoroço naquele templo, as paredes pareciam
tremular, a impressão que se tinha é que o teto havia sido removido
e o céu tinha descido até aquele lugar; praticamente toda igreja se
moveu, algumas indo para frente, outras dobrando os seus joelhos,
porque não havia mais espaço na frente do púlpito.
Naquela noite havia um cidadão que há mais de vinte e cinco anos
se locomovia em uma cadeira de rodas, e mesmo naquela falta de
espaço, ele, olhando para Aninha, disse:

- Deus está contigo.

Neste momento, levantando-se daquela cadeira e movendo-se


entre aquela multidão, foi em direção ao altar, subindo aquela
escada, saltava e gritava:

– Só o Senhor pode fazer isto, o mesmo Jesus que curou o


paralítico de Betesda me curou agora.

E dizendo isso, ficou cheio da glória de Deus.

O culto nesta noite terminou por volta das onze horas e trinta
minutos, e mesmo assim dezenove pessoas foram para o escritório
dar seus nomes e endereços, pois seriam visitados durante a
semana. A despedida nesta noite foi muito rápida, porque todos
estavam cansados. Aninha ao chegar em casa nem parou para
conversar à beira do fogão, indo direto para a cama pelo fato de que
viajaria naquela segunda-feira à noite. Disse a si mesma:

– Vou dormir até as onze horas.

Mas qual não foi a sua surpresa quando às seis horas da manhã
um grupo de irmãos, entre os quais estavam alguns dos novos
convertidos, fizeram um verdadeiro desfile em direção à casa do
pastor Sebastião. Ao chegarem naquele grande quintal dizendo que
eles estavam ali para se despedirem daquela irmã tão abençoada,
fizeram um verdadeiro culto em ação de graças, que só terminou
quando Aninha, ainda com a carinha de sono, mas muito alegre,
veio e participou daquele momento tão especial. Pastor Eustáquio,
levantando-se, foi até o grupo trazendo a sua Bíblia e fez uma
verdadeira pregação sobre a mulher virtuosa. Logo em seguida,
despediram-se de Aninha. Muitos abraços, muitas lágrimas, e todos
em uma só voz disseram: “até breve”.

O casal entrou para tomarem o café da manhã e havia certo


embargo na voz de Eustáquio quando ele disse:

– Já estou sentindo falta de você, espero ansiosamente a hora


de estarmos juntos, primeiro perante Deus, depois perante o pastor
Antônio e o meu pai, dizendo sim quando eles perguntarem se te
aceito como esposa para te amar e estar com você nas alegrias,
nas tristezas e até mesmo nos momentos que te mostrares
aborrecida.

Depois dessa declaração o que viria a seguir seria a volta de


Aninha para São Paulo e o início dos preparativos para o
casamento. Quando Aninha chegou em casa naquela manhã de
terça-feira ficou extremamente surpresa ao ver a sua mãe
acompanhada de várias coleguinhas da sua escola e da igreja. Ela
esperava uma avalanche de perguntas, mas nada disso aconteceu,
a pergunta que veio foi uma só:

– Como foi lá? Conta-nos tudo, não escondas nada, como foi a
recepção?

– OK. Podem parar! – respondeu Aninha. Vou fazer um relato


no qual vou incluir desde o primeiro momento que entrei naquela
casa abençoada até viajar de volta para vocês.

Dengoso parecia perceber o ambiente, pois com aqueles olhinhos


que pareciam estar cheios de saudades não fez como antes, não
pulou, não saltou, mas acomodou-se entre os pés de Aninha e
parecia ouvir o seu relato. Relato este que durou mais de uma hora.
Depois disso entraram, começando aí a chuva de sugestões para o
casamento, como deveria ser a festa e quem deveria fazer o
vestido. Foi quando Regininha gritou:
– Não se esqueçam, o bolo quem irá fazer é a minha mãe!

No que Aninha concordou, pois conhecia muito bem o trabalho da


irmã Ofélia, que era uma excelente confeiteira, nisso ouviu-se uma
voz no canto da sala que dizia:

– Mãe, eu quero falar com a senhora, desde que a gente


chegou a senhora ainda não teve tempo para mim, eu também
quero falar como foi a minha viagem.

A sala já estava cheia de alegria, mas ao ouvirem aquela


reclamação vinda do Valcir, Aninha e as suas colegas não se
contiveram, foi uma gargalhada só. A irmã Ermelinda, muito séria,
disse:

– O que é isso, meninas! Vamos ouvir o relatório do Valcir. Venha


aqui meu filho, conte para nós como foi a sua viagem.

O rapaz totalmente ruborizado, do alto dos seus onze anos de


idade, disse em tom de voz muito sério:

– Eu não vou falar nada perante essas meninas, eu quero falar é


com a senhora.

A mãe carinhosamente chamou-o para a cozinha, onde ela iria


preparar o almoço e assim saber tudo que tinha acontecido naquela
viagem; ficou sabendo que o casal não teve oportunidade de ficar a
sós nenhum instante, pois ele havia cumprido com a sua obrigação
como um bom soldado, que também havia gostado muito do Paraná
e não se importaria de morar com Aninha quando ela se casasse. A
mãe abraçando-o disse-lhe:

– Você teria coragem de deixar a mamãe aqui em São Paulo?


Tão longe!
– É! Acho que não, mas nas minhas férias, todas elas eu quero
ir para lá.

– Isso mesmo, meu filho, é assim que se fala, porque você é o


homem da casa.

E sorrindo, continuou fazendo o almoço para aquele grupo


tagarela que se encontrava naquela sala.
O casamento

O tempo transcorria de uma maneira interessante, às vezes muito


lento, outras vezes muito rápido, mas tudo girava em torno do
casamento, que seria no mês de dezembro. Nesta época não se
fazia convites com belas declarações. Os convites eram feitos para
os amigos e através dos amigos. Havia o mesmo movimento, tanto
em São Paulo, como no Paraná, ao ponto de pensarem em levar a
cerimônia do casamento para o Paraná, mas quando se ventilou
isso, o pastor Antônio veio correndo falar com a Irmã Ermelinda.

– Eu não creio que isso seja aconselhável, pois Aninha nasceu


aqui, nós praticamente a criamos, eu sei que a irmã não tem muito
espaço aqui, mas quero que saiba que a sala de oração da igreja
neste dia estará disponível para se tornar um salão de festas. Como
a irmã sabe, nós temos uma cozinha muito boa, portanto eu creio
que este é o lugar adequado para esta grande festa.

E dando um sorrisinho que não era peculiar, disse:

– Se os irmãos do Paraná quiserem festa terão que vir aqui.

E assim ficou decidido que o casamento seria em Santo André. O


casal continuava se correspondendo, era carta pra lá, carta pra cá.
Mês de dezembro chegando, coração de Aninha apertado com
tantas emoções e pastor Eustáquio pregando cinco dias por
semana; era muita bênção.

O casamento marcado para o dia vinte e um de dezembro era o


fato mais comentado nos estados do Paraná e São Paulo. Pastor
Eustáquio chegou no dia quinze porque teria que provar o terno. No
dia dezenove, quinta-feira, às oito da noite, estacionavam na frente
da igreja dois ônibus e vários carros. Era a caravana que
acompanhava o pastor Eustáquio neste grande passo que ele daria
dois dias depois. Muito louvor, muita adoração, tal como Isaque
fazia quando ganhava uma bênção ao achar um poço com água e
ali levantava um altar e oferecia um sacrifício.

Este povo, ao invés de ir para os seus alojamentos, entrou para a


igreja e ofereceu um grande culto ao Senhor, que terminou por volta
das onze horas. Para sentir a dimensão deste acontecimento, nesta
mesma noite foi servido um jantar para mais de cento e cinquenta
pessoas. E assim começava antecipadamente a festa do casamento
de Aninha e pastor Eustáquio.

Finalmente o grande dia, logo pela manhã a casa já estava cheia


de jovens muito alegres, que olhavam para Aninha e pensavam:
“Quando será o meu dia?”, porque realmente estava escrito que
aquele dia seria maravilhoso e abençoado.

Onze horas da manhã do dia vinte e um de dezembro, os noivos


com seus respectivos padrinhos foram para o cartório no Bairro de
Utinga, e ali, perante aquele juiz de paz, os jovens assinaram um
compromisso perante a lei dos homens e que seria honrado por
toda vida. Houve sorrisos, lágrimas e muita comunhão. O juiz, um
homem muito sério e compenetrado, olhando para pastor Eustáquio
disse:

– Meu filho, cuide bem da sua esposa, porque você acaba de


ganhar uma verdadeira pérola, eu sinto que dela emana algo muito
maravilhoso, mas não sei explicar.

A saída daquele cartório foi uma verdadeira festa. Todos se


transportaram de alguma maneira: a cavalo, carro, bicicleta,
charrete, etc., porém todos tinham algo em comum: a vontade de
chegar logo ao lugar em que seria servido o almoço. Foram
momentos inesquecíveis, mas que não poderiam se comparar com
a cerimônia religiosa naquela igreja, que apesar de grande, não
comportaria o número de convidados e curiosos.
A tarde transcorria num grande movimento de expectativa e
cuidados com os noivos. O senhor Thomaz Silva era um escritor de
grande sucesso para aquela época, e como era muito amigo da
igreja e se emocionava quando ouvia aquela jovem cantar, ofereceu
uma carruagem que ele tinha guardada em seu sítio. Ela foi
construída na Espanha, mais precisamente em Barcelona. A
carruagem seria puxada por dois belos cavalos brancos que
levariam Aninha da sua casa para a igreja. Finalmente chegou o dia
e a hora do cerimonial. Aquela humilde jovem chegava à igreja
como uma verdadeira princesa. Foi um total alvoroço no momento
de colocarem as alianças. Aninha cantou um belo hino chamado
“Presente de Deus”, cuja letra é muito linda:

“Manhã, luminosa manhã, você veio a mim, como linda canção, e


quando olhei os olhos teus percebi que tu eras um presente de
Deus”.

Neste momento aquele povo se encheu de alegria, onde se ouvia


muitos glórias a Deus e aleluia. Então o pastor Antônio e o pastor
Sebastião levantaram suas mãos, oraram abençoando o casal e ao
mesmo tempo Aninha e Eustáquio marido e mulher. Irmão Nequinho
era presbítero daquela igreja e muito amigo da irmã Ermelinda, por
este motivo ofereceu ao casal uma casa que ele tinha em
Caraguatatuba para que os dois desfrutassem a lua-de-mel. Após a
grande festa daquela noite, por volta da uma hora da manhã, o
casal de pombinhos despediu-se dos convidados e saiu em direção
a sua primeira noite como marido e mulher.

Eustáquio, que era motorista muito cuidadoso e ainda mais com a


sua amada ao seu lado, procurava evitar a todo custo o desejo
impetuoso de pisar naquele acelerador, fazendo com que aquele
carro voasse. Então, para aliviar um pouco aquela emoção que
estava sentindo, assoviava um hino totalmente desafinado, porque
na realidade ele era um pregador, e não um cantor. Quem realmente
cantava estava cochilando ao som daquela melodia. A Rodovia dos
Tamoios estava vazia àquela hora, portanto se tornou fácil, em
menos de três horas o casal chegava naquela casa preparada para
eles desfrutarem a sua lua-de-mel por uma semana. O que não se
sabe agora, mas saberemos algum tempo depois, era o que havia
se passado na cabecinha desses dois durante essas quase quatro
horas de viagem.

Eustáquio, jovem criado na igreja e filho de pastor um pouco


rígido, desconhecia totalmente o assunto relação sexual, porque
quando perguntou ao seu pai certa vez recebeu como resposta:

– O que é isto, meu filho? Isso é coisa natural, isso não é assunto
para estarmos conversando, principalmente entre crentes.

Por esta razão, viajava o jovem em direção a um mundo


totalmente misterioso para ele; a única coisa que tinha certeza é que
aquela princesinha seria sua para sempre e que deveria ser tratada
como o vaso mais frágil, com todo amor e carinho. Era do que ele
entendia, e nesta total ignorância dos fatos relacionados entre
homem e mulher ele chegou a ter momentos de aflição, pensando
como fazer com ela na hora em que fossem se deitar.

Ele tinha muito medo de se comportar como brusco e afoito.


Sentada ao seu lado, Aninha, que parecia dormir, estava tendo a
mesma luta anterior, porque aos seus dezesseis anos de idade nem
comentários ela tinha ouvido a respeito, portanto, vida conjugal para
ela era um verdadeiro tabu.

Os pombinhos estão em casa inocentemente e Aninha convida


Eustáquio para irem à praia para ver o sol nascer, e ele,
gentilmente, mesmo com o coração cheio de desejo de beijá-la, de
abraçá-la e fazer o que todo casal faz, aceitou o convite e foram.
Por volta das oito horas eles voltaram para casa, e entre sorrisos,
abraços e curiosidade foram tomar o café da manhã.

A casa era simples, mas muito bonita e bem construída. Tinha


dois quartos bem grandes e uma sala bem arejada, aliás, toda casa
era bem arejada, pois era rodeada de grandes janelas,
principalmente a do quarto de casal, chamado assim porque tinha
um banheiro dentro dele.

Finalmente chegou o momento de irem se deitar. O que havia sido


programado para uma noite de núpcias se transformou em um dia
de núpcias. Entraram para o quarto sem o famoso carregar no colo,
mas Aninha entrou primeiro, e mesmo sem perceber, escolheu uma
camisola de algodão, que para o calor de Caraguatatuba não era
muito confortável. Ela entrou correndo no banheiro e fechando a
porta tomou um longo banho, porque não conseguia decifrar o que
para ela era um mistério: como seria aquele primeiro dia de
casados.

Enquanto isso, Eustáquio, sentado em uma cadeira naquele


quarto, vestindo uma calça azul e uma camisa branca, com as mãos
cruzadas sobre os joelhos, procurava sufocar aquele desejo que se
aflorava ao pensar que a bela menina que estava tomando banho
era a sua esposa.

Finalmente Aninha saiu do banheiro e a visão não era das mais


deslumbrantes, pois só o rosto lindo aparecia, porque a camisola de
algodão cobria todo seu corpinho. Eustáquio olhando para ela disse:

– Bem, querida, agora é a minha vez.

E tomando um pijama xadrez, entrou para o banheiro e tomou


também um longo banho, pensando no que seria aquele seu
primeiro dia de casado.

Quando saiu do banheiro, Aninha já havia preparado um chá, que


tomaram juntos meio acanhados, logo depois dobraram os seus
joelhos, oraram e foram se deitar, porque estavam realmente
cansados.
Quando Eustáquio tentou tocá-la pela primeira vez, Aninha se
assustou e encolheu-se mais para o canto da cama, mas Eustáquio,
no auge do seu desejo, e como tinha aprendido que o marido tem
certos direitos, abraçando-a um pouco apertado, pois estava sem
noção da força que estava usando, deu-lhe o seu primeiro beijo na
boca.

Porém as bocas se mantiveram fechadas, e levantando sua


camisola, tocou em suas partes íntimas, mas com uma certa
brutalidade em função da sua falta de experiência. Aninha, que só
havia aprendido que a mulher deve ser submissa, deixou que tudo
acontecesse de acordo com a vontade do seu marido, o que na
realidade não foi uma experiência muito agradável para ela, porque
o que sentiu foi uma incômoda dor. Neste primeiro relacionamento e
nesta primeira semana de lua-de-mel houve noites em que ela
procurou até evitar, mas isso era quase impossível, porque o
marido, no alto da sua juventude, estava sempre pronto, desejando-
a, apesar de que a relação só acontecia à noite após se deitarem.

A semana não foi assim tão agradável como Aninha esperava.


Principalmente à noite ela não entendia como amando tanto o seu
marido e sendo amada por ele aquele ato tinha que ser tão
doloroso. Chegou o sábado e eles voltaram para Santo André. Ao
chegarem, ela, abraçando a sua mãe, disse-lhe baixinho:

– Preciso muito conversar com a senhora.

Mas como sempre, este assunto parecia ser tabu. À noite havia
culto dos jovens e o novo casal não tinha intenção nenhuma de
perdê-lo. O culto foi uma bênção, pastor Eustáquio deu uma palavra
e Aninha cantou. Nesta mesma noite ela começou a dar conta de
que estava perdendo sua identidade, pois uma irmã que estava
visitando a igreja ficou tão encantada com a voz daquela jovem que
perguntou a sua companheira de banco: Como é o nome dela? A
irmã respondeu: “Ela é “A Mulher do Pastor” Eustáquio”.
Terminou o culto, voltaram para casa, e a impressão que se tinha
é que o culto ia continuar, tamanha era a alegria que invadia o lar da
irmã Ermelinda. Preparam a cama do casal, mas como a casa era
pequena e havia muita gente, eles tiveram que dormir bem
quietinhos, mesmo com o pastor Eustáquio desejando-a, porém ela
se sentiu muito aliviada por não fazer nada.

No domingo pela manhã todos foram para a escola dominical.


Aninha não esperava que ali começasse a solução dos seus
problemas de relacionamento, como também abrir-se-ia o lindo
caminho da felicidade, pois naquela igreja havia um casal conhecido
pelo seu sobrenome, Duvalie. Ela Marryzet e ele Jean, que estavam
naquela igreja há mais ou menos trinta anos. Eles eram franceses,
nascidos na cidade de Lyon. Irmão Jean era presbítero e Marryzet
auxiliar no círculo de oração. Eram dois membros ativos naquela
igreja. Eles amavam Aninha como filha.

Marryzet lembrava-se dela em todas as orações, portanto, a


afinidade entre elas era muito grande, o que fez com que Marryzet,
ao colocar os olhos sobre ela, notasse que havia algo que não ia
bem. Abraçando-a, disse-lhe:

- Ao terminar a escola dominical certamente vocês irão para a


casa da tua mãe almoçarem, mas por favor estejam na minha casa
às duas horas, pois tenho um assunto importante para tratar com
você.

Aninha ficou um pouco intrigada, mas como foi a sua amiga que
lhe falou assim, em um tom como se estivesse dando-lhe uma
ordem, ela humildemente disse:

– Sim, eu irei. Estarei lá cinco minutos antes das duas horas.

Neste exato momento o presbítero Jean chamava o Pr. Eustáquio


para o lado, e como se tivesse combinado com Marryzet, falou-lhe
da mesma forma:
– Meu querido, após o almoço eu estarei te esperando em
minha casa, temos muito que conversar hoje como servos de Deus
que vocês são, você e sua esposa. Eu sinto que vai acontecer um
milagre entre vocês, sinto isso dentro de mim.

O jovem casal dirigiu-se para casa da irmã Ermelinda, e no


caminho, Aninha, que apesar das dificuldades tinha um espírito
alegre, comentou sorrindo:

– Amor, eu tive um convite meio estranho da irmã Marryzet, ela


disse que quer me ver depois do almoço na casa dela, e o
interessante é que ela nem tocou no seu nome.
Pastor Eustáquio que não conhecia muito bem aqueles dois disse
para sua esposa em tom muito sério:

– Ela não precisaria lembra-se muito de mim, porque naquele


mesmo momento o seu esposo fazia o mesmo convite,
acrescentando que vai acontecer um milagre entre nós dois.

O almoço transcorreu calmo, sereno e alegre, mas Aninha não


tirava do pensamento o encontro que teria com aquela mulher tão
amada e Eustáquio também pensava no milagre que aconteceria.

Que milagre pode ser este? Após descansarem um pouco foram


em direção ao misterioso encontro. Ao chegarem, foram recebidos
com abraços, e a primeira coisa que fizeram foi uma oração de
agradecimento a Deus por aquele momento. Irmã Marryzet serviu
um chá de flores que ela mesma tinha plantado, e logo em seguida
convidou Aninha para passear por aquele jardim, que não era
pequeno.

Depois de caminharem por alguns minutos, as duas sentaram-se à


sombra de uma árvore, e Marryzet, segurando as mãos de Aninha,
disse-lhe carinhosamente:
– Minha filha, o que vou lhe dizer me veio durante a aula
dominical, eu me vi no lugar da sua mãe, pois ela é que deveria
fazer o que vou fazer agora.

E daí em diante Marryzet, que havia vivido na França até os vinte


e sete anos, além de serva de Deus também era pedagoga, e
começou a perguntar-lhe com delicada firmeza:

– Aninha, como foi a sua primeira noite com o seu marido? Eu


sinto que você deve me contar com detalhes, pois sei que alguma
coisa se passa com você. Apesar de continuar cantando
maravilhosamente, vejo nos seus olhos um pouco de tristeza e
algumas perguntas no ar, portanto diga-me até o que você acha que
não tem importância.

E segurando as mãos dela, disse:

– Comece pela viagem, depois me fale sobre a casa, então me


diga tudo que se passou com vocês nestes dias que ficaram juntos,
pois eu agora, além da irmã em Cristo que te ama muito, estou
também no lugar de mãe.

E olhando-a nos olhos falou:

– Pode começar.

Aninha ficou assustada, acanhada, não sabia o que dizer, então


com certa dificuldade disse:

– Você quer mesmo saber tudo? Sim, muito bem, então eu vou
falar.

E tomando coragem, começou a relatar desde a viagem até a


chegada em Caraguatatuba. Falou sobre a ida na praia, o nascer do
sol e a volta para casa para começarem o que seria a lua-de-mel.
– Na realidade eu não sabia nada sobre aquilo, e me parece
que ele também nada sabia. Coloquei uma camisola! Você tinha que
ver. E morrendo de medo, curiosidade e incerteza, fui deitar ao lado
daquele homem que eu tanto amo, mas não sabia o que fazer, foi
quando ele me abraçou e me beijou.

Marryzete interrompeu, indagando:

– E você gostou do beijo?

– Eu não, não senti nada! Ele encostou os seus lábios nos


meus e esfregou com um pouco de força, o que me fez sentir uma
pequena dor nos lábios.

– Bem, minha querida, vai começar por aí, isto significa que
vocês se beijaram com as bocas fechadas.

Aninha, toda ruborizada, não sabia se conter de tanta vergonha.


Marryzet, pegando a Bíblia, abriu em Cantares de Salomão, capítulo
quatro, versículo onze, lendo para Aninha o que o noivo disse a sua
amada “...em baixo da sua língua tinha sabor de leite e mel...”,
perguntou-lhe:

– Como você acha que este amado descobriu estes sabores?


Pois é, foi debaixo da língua da sua amada, porque este, minha
filha, é o verdadeiro beijo apaixonado. Talvez vocês não consigam
fazer da primeira vez, mas continuem, porque com todo esse amor
que vocês têm um pelo outro isso vai trazer uma mudança a esta
relação.

Enquanto as duas conversavam no jardim, presbítero Jean, com


todo respeito e carinho, também conversava com Pr. Eustáquio, a
quem muito admirava, pois o amava como um filho. Quando os
quatro terminaram o que haviam planejado para aquela reunião,
reuniram-se na sala, e como sempre as mulheres são mais
desenvoltas do que os homens em certos assuntos, Aninha,
lançando um cúmplice olhar para o esposo, dirigiu um sorriso que
parecia ser maroto, o que fez o pobre ruborizar-se e quase cair.
Bem, fizeram então uma oração de despedida, pois o culto daquela
noite prometia ser maravilhoso.

A amada irmã, ao despedir-se de Aninha, sussurrou em seu


ouvido:

– Não se esqueça o que te falei, e faça tudo com ordem e


decência. Enquanto isso, Jean se despedia de pastor Eustáquio,
dizendo-lhe:

– Bem, meu querido pastor, lembre-se que o que Salomão


escreveu em Provérbios cinco, versículos dezoito e dezenove é para
ler e meditar.

O casal saiu dali para ir se preparar para o culto, sentiam-se como


se uma áurea de mistério houvesse se rompido. Voltaram para a
casa da irmã Ermelinda, conversando como se nada houvesse
acontecido. Pareciam estar temerosos em tocar no assunto ao
ponto de não perguntarem um para o outro o que cada um
conversou individualmente com aquele casal.

O culto foi uma bênção, quando Aninha foi chamada para cantar,
notou-se que ela estava diferente, não havia mais aquela nuvem de
tristeza e a sua voz melodiosa e ungida movia o coração dos
irmãos. Oito almas se renderam aos pés do Senhor naquela noite.

Terminando o trabalho daquela noite, eles ficaram mais um pouco,


tomaram um cafezinho, mas não foi por muito tempo, pois estavam
ansiosos para ficarem a sós, porque tinham muito que falar nesta
noite.

Ao chegarem, Aninha foi imediatamente para o chuveiro, que


naquela época era muito diferente e complicado. Enquanto isso,
pastor Eustáquio andava de um lado para o outro, extremamente
ansioso para colocar em prática tudo que aprendera com o
presbítero Jean, sem sequer imaginar que a sua jovem esposa
estava pensando da mesma maneira, curiosíssima para saber como
seria na prática aquilo que havia aprendido sobre o versículo onze
do capítulo quatro de Cantares. E assim, ao sair do banho já
encontrou o seu apressado esposo indo para o banheiro. Enquanto
isso, Aninha preparou um chá com torradas e esperou
impacientemente. Quando Eustáquio chegou na cozinha, os dois
disseram em uma só voz:

– Quero te falar.

E então abraçando-se riram. Depois do chá foram orar e Aninha


mantinha-se dentro daquela camisola que praticamente a
deformava. Eustáquio, com aquele pijama que mais parecia
uniforme de presídio, perguntou-lhe:

– Onde você gostaria que lêssemos? Ela imediatamente


respondeu:

– Cantares 4:11. Então ele respondeu:

– Só que depois leremos Provérbios 5:18 e 19.

– Ora, ora! Onde aprendemos isso? Foi nesta tarde? Você em


Provérbios e eu em Cantares!

Depois de conversarem, meditarem e se abraçarem, numa prova


de que a mulher é sábia desde a sua juventude, Aninha disse:
– Querido, espere um pouco, me lembrei de uma coisa.

E indo para o canto do quarto, onde havia alguns presentes que


permaneciam embrulhados, lembrou-se que em um pacote de cor
rosa havia um presente dado pela “MULHER DO PASTOR”, pois ela
sabia o que continha ali. E abrindo com muito carinho, escondeu-se
um pouco mais e vestiu-se com aquela linda camisola de seda, não
muito longa para aquele tempo e nem muito larga, pois chegava a
delinear seu corpo.

Eustáquio, ao ver toda aquela beleza surgindo daquele canto,


disse emocionado:

– Amor, como eu sou grato por tê-la como minha esposa!


Quero abraçar-te e beijar-te, mas vou mostrar-lhe que sou um
marido controlado, e indo em direção a uma cômoda, abriu a
gaveta, tirou um pijama de calça curta com camisa de seda, voltou
para o lado da esposa e disse-lhe:

– Tenho certeza que se eu fosse escrever hoje o capítulo

4 de Cantares eu não teria dificuldades, porque creio que


encontrarei leite e mel embaixo da sua língua.

E abraçando-a, beijaram-se apaixonadamente. Levaram alguns


minutos, não se sabe quanto para chegar ao clímax. A mudança foi
fantástica, não havia casal mais feliz do que eles na face da terra.

Segunda-feira começaram os preparativos, pois iriam para o


Paraná, onde os esperava uma pequena, mas linda casinha, que
naquela terça-feira estaria cheia de pessoas esperando por eles
com uma bela recepção. Então se despediram de alguns irmãos e
do pastor Antônio, acompanhado da sua esposa e da irmã
Ermelinda. Reuniram-se com os jovens e fizeram uma fervorosa
oração em favor da vida do casal. Entre lágrimas e sorrisos eles
partiram, pois pretendiam chegar antes das seis horas na cidade de
Londrina.

E assim foi feito. Foram direto para casa do Pr. Sebastião, todos
estavam felizes com a chegada deles. Houve cumprimentos e
oração. Em seguida foram descansar um pouco porque à noite eles
teriam compromisso.
Terça-feira nas Assembleias de Deus, em todas que havia naquele
tempo, era o dia do já famoso culto de doutrina. Isso significa que
neste culto a leitura bíblica já vinha preparada abaixo de muita
oração, porque o temor dos pastores era muito grande, procurando
trazer sempre uma mensagem vinda do trono de Deus, que além da
orientação, servia como meio de acertarem algumas coisas com
referência ao cumprimento da doutrina e ao procedimento cristão, o
que significa que quando alguém tropeçava a terça-feira era o dia do
tratamento, que de acordo com o tropeço poderia dar suspensão de
trinta dias a seis meses ou até a exclusão, portanto, era um culto em
que as pessoas enchiam as igrejas com quase cinquenta por cento
de curiosos para saber os acontecimentos. Mas como foi mostrado
a Elias, sete mil não haviam dobrado seus joelhos a Baal; nestes
cultos havia os verdadeiros fiéis, que após jejuarem e orarem,
chegavam à igreja cheios da graça, o que transformava estes cultos
de visões, profecias e revelações. Era um trabalho que trazia muita
alegria e também temor, mas naquela noite a reunião se
transformou em um culto de ação de graças. Foi tão lindo e
maravilhoso que deu-se a cura do irmão Ednaldo, que há quinze
anos não conseguia caminhar direito. O irmão Ednaldo tinha a perna
direita um pouco mais curta, e apesar de não ser um crente
fervoroso a ponto de sentar-se em todos os cultos, estando perto da
porta de saída atravessou a igreja correndo, e jogando-se perante o
púlpito, gritou:

– Estou curado, estou curado! Já posso caminhar!

Terminando o culto, foram para sua casa. Era uma casinha de


madeira pintada de bege clarinho com alguns detalhes que a
deixavam um encanto, bom para apaixonados morarem. Chegaram
muito alegres e foram logo dobrando os joelhos e fazendo uma
oração de agradecimento por tudo que estava acontecendo.

A semana passou rápido, pois recebiam visitas a toda hora e


Aninha já começava a sentir o que era ser “A MULHER DO
PASTOR”. Às vezes nos momentos mais íntimos lá estava alguém
batendo no portão, muitas vezes alguém trazendo uma galinha,
outras vezes uma cesta de frutas, mas sempre havia pessoas os
visitando.

Nesta primeira semana Aninha já percebeu que a sua identidade


estava desaparecendo, pois quando se dirigiam a ela só a
chamavam de senhora, e também quando perguntavam por ela na
igreja, em alguma festa ou pela cidade, mesmo as pessoas que a
conheciam e até sabiam o seu nome, diziam: Esta é “A MULHER
DO PASTOR”.

Foi uma semana cheia de festa, alegria e muito amor. A impressão


que ficava é que este paraíso terrestre nunca terminaria, pois eles
decidiram estudar profundamente o livro de Cantares de Salomão.
Isto veio mudar completamente a vida daquele casal, pois se
tornaram mais alegres e, consequentemente, produtivos.

A vida espiritual teve um crescimento maravilhoso, pois havia mais


disposição para orarem, jejuarem e fazerem trabalhar os talentos
que Deus havia lhes dado. No profundo estudo desse lindo e
romântico livro não havia somente a simbologia da igreja com
Cristo, como eles haviam aprendido, descobriram que havia um
ensinamento profundo sobre como um casal pode e deve agir entre
eles no seu relacionamento para serem felizes. Eustáquio passou a
admirar e
a elogiar o belo corpo da sua esposa. Aninha passou a demonstrar
o seu amor e admiração de várias maneiras pelo marido que Deus
lhe deu. Não somente com palavras, mas também com atos. Havia
um clima de respeito e admiração um pelo outro naquela casa. O
estudo bíblico fazia parte do seu cotidiano, mas eles acabaram
mesmo se tornando verdadeiros conhecedores e intérpretes de
Cantares.

Eustáquio sugeriu inclusive que escrevessem uma apostila,


porque sabia que muitos casais de pastores naquela época nunca
haviam lido o livro de Cantares, e talvez até hoje, para tomarem os
seus exemplos e viverem uma vida mais feliz. Muitos desses
pastores cantavam, oravam, pregavam, tinham uma vida espiritual,
mas no lar era uma vida monótona, e no leito só para procriação.
Porém com Aninha e Eustáquio não era assim.

Decidido então a escrever a apostila, iniciando o que


chamaríamos de um excelente trabalho, todas as noites o casal com
a Bíblia e alguns poucos livros, porque na época não havia muitos,
conseguiram fazer um trabalho estupendo, no qual só o testemunho
do que havia acontecido na vida sentimental deles era motivo para
se estudar aquela apostila. Mas isto só chegaria às mãos do público
se passasse pelo crivo do pastor presidente. E assim, terminando
aquele trabalho, levaram para o pastor Sebastião, que era o
presidente da igreja e da convenção do Paraná.

Pastor Sebastião fazia parte da maioria dos pastores que tinham


como costume pensar que cara feia era sinal de santidade. Era bem
taciturno, que para arrancar-lhe um sorriso só mesmo no púlpito. Na
época em que os pastores ocupavam o braço que seria para
abraçar a esposa como está escrito em Cantares, capítulo oito
versículo três: “A sua mão esquerda esteja debaixo da minha
cabeça e a sua direita me abraça”, eles carregavam sempre a Bíblia
embaixo do braço, caminhavam sempre à frente das esposas, que
muitas vezes vinham com um filho no colo e os outros ao redor. Este
procedimento durou décadas e décadas, e quem sabe até os dias
de hoje, pois eu, no ano 1996, conheci um pastor na cidade de Nova
York que dava a impressão que dormia de terno e gravata, um
brasileiro muito sério, que pelo fato de ter a Bíblia somente embaixo
do braço, e não como guia espiritual, causou uma amarga e triste
separação conjugal.

Finalmente chegou o dia do encontro com o pastor presidente. A


apostila estava pronta, foi feita com muito capricho. Eustáquio
estava um pouco apreensivo, pois este assunto era tabu, não podia
nem pensar em levar Aninha, porque o trabalho da mulher nesta
época era ser mãe e esposa. Entrando no gabinete, Eustáquio
cumprimentou o seu pai com a paz do Senhor, e ouviu:

– Espero que seja um assunto interessante, pois estou muito


ocupado.

Aquilo foi como um balde de água fria na euforia do jovem pastor,


que sem perda de tempo entregou a apostila para seu pai, pedindo
a ele para orar, estudá-la e dar a sua opinião.

O jovem casal havia feito nesta apostila um estudo minucioso


sobre o relacionamento matrimonial, começando desde a época em
que o homem dava carta de divórcio simplesmente pelo fato da
mulher ter errado alguma coisa na cozinha, abordando com
profundidade a posição da mulher no casamento, que muitas vezes
era somente conformismo, submissão e muito pouco prazer.

Pastor Sebastião prometeu que leria com muito carinho, e quando


estivesse pronto, lhe daria uma resposta.

Eustáquio voltou para casa todo contente na esperança de que o


pastor presidente aprovasse o seu trabalho, porque ele tinha certeza
que serviria de salvação para muitos casamentos, trazendo a alegria
que só o amor e a compreensão podem dar. Chegando em casa,
comentou com Aninha, que muito alegre, logo disse:
– Vamos orar.

Depois disso continuaram fazendo o trabalho do Senhor com


muita dedicação. Eustáquio fazia conferências e visitava as igrejas
dentro e fora do estado. Aninha o acompanhava cantando e
louvando a Deus, mas a sua vida de oração estava cada vez
melhor. Passou a primeira semana e o pastor presidente nem tocou
no assunto da apostila. Segunda semana e nada de apostila.
Quando eles se encontravam, o pai falava de campanha, de
abertura de igrejas, comentava sobre o crescimento da igreja e mais
nada.

Eustáquio pensava:

– O que estará acontecendo com ele para que um assunto tão


importante não seja lembrado?

E no início da terceira semana, um pouco antes do culto de


doutrina, Eustáquio pediu licença e tocou no assunto. O pastor
Sebastião, com aquele ar de surpresa, disse:
– Ah, meu filho, eu ia mesmo falar-lhe sobre isso. Não
podemos usar essa apostila como orientação matrimonial baseada
no livro de Cantares, nem mesmo entre os pastores, porque isto é
simbologia entre Cristo e a igreja e nós não podemos levar para o
relacionamento entre casais que às vezes não são muito crentes.

Eustáquio pensou: — “Ou o meu pai não entende a mensagem de


Cantares e nem o que o apóstolo Paulo escreveu aos Efésios no
capítulo cinco a partir do versículo vinte e dois, ou...”, e pensando
assim, perguntou ao seu pai:

– Posso levar a apostila para o presbítero Jean dar sua


opinião?

– Pode sim, meu filho.


Esse francês às vezes parece não ser muito convertido. Se
conversão for esconder uma verdade como essa de tantos casais
que existem no ministério e também na igreja eu prefiro as ideias do
meu irmão Jean, porque foi através da sua mente aberta que ele foi
tremendamente usado para transformar um relacionamento frio e
sem graça em algo maravilhoso e belo; e se eu e minha esposa
temos uma vida conjugal sadia agradecemos a ele e a sua esposa
Marryzet.

Toda essa conversa Eustáquio tratava com os seus próprios


botões, porque naquela época não se discutia com o presidente,
muito menos com o pai, era somente obedecer. E pegando a
apostila saiu apressado em direção à casa do presbítero Eráclito,
nascido na Inglaterra e professor de filosofia. O presbítero veio
recebê-lo no portão, notou logo que algo estava perturbando-o.
Levou-o para a varanda, sentou-se e disse:

– Sente-se, meu filho, fique à vontade. Conte-me tudo que se


passou naquele gabinete.

Depois de ouvir o relato de Eustáquio, ele falou:

– Vamos esperar, meu filho, um dia levantar-se-ão homens e


mulheres que não serão tão religiosos, nem tão zelotes, mas serão
cheios da graça e do poder para entenderem que os pensamentos
de Deus para conosco são de paz, e não de guerra, e um casal que
não tem comunhão em todos os sentidos, mesmo se suportando,
não vive em paz. Oraram e Eustáquio foi para casa, já sentindo falta
do sorriso, do abraço e do beijo apaixonado da esposa. Ao chegar
contou logo para ela o que havia acontecido no gabinete, e Aninha
disse:

– Você sabe que eu estava orando quando senti que isto


aconteceria? Sente-se aqui, meu querido, vamos nos alegrar porque
para nós foi revelado esse mistério.
Na realidade, no tempo de Aninha a relação conjugal era um
verdadeiro tabu, principalmente entre os crentes, porque era
ensinado que até pensar em relação sexual era pecado, até entre
casais. Mesmo assim eles procuravam de uma maneira ou de outra
falar na apostila, principalmente quando algum casal na igreja
estava passando por problemas. A vida continuava calma, serena e
tranquila para aquele casal. Muito trabalho nas campanhas de
evangelização, mas o futuro chegaria mais rápido do que eles
imaginavam.
O desafio

Dia vinte e cinco de janeiro de mil novecentos e trinta e um, dia de


São Paulo, portanto, feriado na cidade. Eles decidiram ir visitar a
Irmã Ermelinda e aproveitaram para descansar. Assim sendo,
naquele domingo Eustáquio não pregaria, somente Aninha iria
cantar. Depois de toda alegria com a chegada do casal, que até o
Dengoso fez festa, chegou a hora daquele culto que seria decisivo
na vida deles.

Aninha cantou. Foi uma bênção, mas na hora da pregação veio a


grande surpresa. O missionário Daniel, um dos fundadores das
Assembleias de Deus no Brasil, traria a palavra, o que foi feito com
muito fervor e conhecimento bíblico, pois falou o capítulo seis de
Isaías. O nome da mensagem foi: “A quem enviarei?”. Em um dos
momentos da pregação ele disse:

– Você que tem o dom da palavra e você que tem o dom do


louvor, vivem confortavelmente em uma casinha bem arrumada,
cercados de carinho, quero que saibam que neste país existem
milhares de pessoas necessitando ouvir a Palavra de Deus, pois
eles estão caminhando para o inferno, tendo aqui uma vida
totalmente infeliz.

Neste momento Aninha, que estava sentada em um cantinho,


começou a chorar copiosamente. E aquele jovem tão sério de nome
Eustáquio fazia o mesmo ali naquele púlpito. O motivo de tudo isso
foi que aquela mensagem foi pregada para eles, pois eles não o
conheciam e nem o missionário os conhecia. Foi um verdadeiro
manto de mistério.

Na segunda-feira eles voltariam para o Paraná e Eustáquio estava


ansioso para chegar, assim como a sua esposa. Eram duas horas
da manhã quando chegaram à cidade de Londrina. Eles foram para
a casa do pastor Sebastião, que os recebeu um pouco assustado,
pois os esperava somente pela manhã. Ao entrarem naquela sala,
os dois se abraçaram e Eustáquio disse:

– Pai, diga-me em que cidade deste Estado eu posso servir


melhor o meu mestre, pois eu quero ser um verdadeiro ganhador de
almas.

O pai, emocionado, disse:

– Meu filho, isso vem do alto, passei todo o final de semana


pensando em te enviar para Foz do Iguaçu, pois é uma cidade que
está crescendo muito e precisa de um casal brilhante como vocês.
Sei que você é um servo de Deus, íntegro e consagrado. Portanto
essa cidade estará em boas mãos. Não te posso dizer que será
fácil, meu filho, pois é uma cidade fronteiriça, com muitas pessoas
ricas, entre comerciantes, fazendeiros e contrabandistas.

Naquela época já havia, por incrível que pareça, o contrabando.


Sentaram-se em silêncio por alguns minutos, regozijando-se com a
mensagem tão direta que haviam recebido e com a confirmação que
foi dada ao seu pai naqueles dias. Depois oraram e foram
descansar.

Aninha não cabia dentro de si de tanta alegria, pois iria realizar o


sonho de ser “A MULHER DO PASTOR”. Começaram a se preparar
para a mudança, que seria em fevereiro, mais precisamente no dia
catorze. No dia nove pela manhã, Aninha, achegando-se toda
carinhosa para o seu marido, falou ao seu ouvido:

– Amor, aquilo que nós chamamos de “costume das mulheres”


não aconteceu comigo este mês. Este era o nome dado ao período
menstrual da mulher, porque naquela época falar a palavra
menstruação também era pecado. Já a palavra costume não era,
porque estava escrito na Bíblia. Assim era a vida daquelas
pessoas, eram proibidas de se desenvolverem. Bem, menstruação
ou costume. Eustáquio, olhando nos olhos de Aninha, perguntou-
lhe:

– Isto é o que eu estou pensando?

– Tenho certeza que sim, meu amor.

Os dois foram correndo para a casa da irmã Isabela, mãe de


Eustáquio, para contarem o que estava acontecendo e saber quais
cuidados deveriam ser tomados no caso de ser confirmada a
gravidez. A notícia deixou a mãe de Eustáquio muito feliz, que rindo,
disse:

- Não se preocupem, meus filhos, isto é a coisa mais natural do


mundo, pois foi criado e ordenado por Deus, portanto agora é orar
muito e se alimentar bem. Então, Sr. Eustáquio, trate de trabalhar
mais, pelo que vejo a família vai crescer e eu estou gostando muito
dessa ideia de ser avó.

Finalmente chegou o dia catorze, a mudança estava preparada, e


após uma reunião de família que incluiu oração e muita
recomendação eles partiram. Saíram por volta das dez da manhã,
porque eles teriam que viajar entre seis e sete horas para chegarem
a Foz do Iguaçu.

Ao chegarem à cidade eles notaram como era diferente de


Londrina. Uma cidade pequena, tendo uma rua central e só. A igreja
ficava no alto de um morro. A casa onde eles iriam morar ficava na
mesma rua, um pouco mais abaixo, isto significa que teriam que
caminhar todos os dias da casa para a igreja e da igreja para casa.
Entraram naquela casinha de aspecto humilde, com piso de terra
batida, nem vermelhão tinha; com dois quartos, sala, cozinha e
banheiro, tudo precisando de alguns reparos. O casal dobrou os
joelhos e agradeceu a Deus. Neste momento, Aninha sentiu que
começava o seu ministério de ser A MULHER DO PASTOR.
Naquela noite caiu uma forte tempestade sobre a cidade de Foz
do Iguaçu, e dentro da casa havia algumas goteiras que não
deixavam eles dormirem. Levantaram-se e colocaram algumas
panelas e bacias para aparar a água, pois as goteiras eram muitas.
Foram orar, a oração sempre foi o refúgio de ambos, e durante
aquela madrugada não foi diferente.

Aninha teve uma visão em que eles entravam em uma grande


igreja, cujas portas eram de madeira de lei com um verniz brilhante
que transformava a entrada em algo celestial. Dentro havia muitas
luzes e um púlpito de marfim, os bancos eram de puro cedro, as
cadeiras na plataforma eram cobertas por um veludo azul. Ela ouviu
uma voz que dizia:

– Se continuares buscando a minha face, andando como tens


andado em retidão nos meus caminhos, este será o templo que vos
darei; e também muitas congregações, centenas de almas se
chegarão a mim através de vocês. Somente creiam.

Na primeira manhã em Foz do Iguaçu ninguém poderia imaginar


que aquela mulher tinha passado a noite aos pés do Senhor, pois
trazia somente os olhos vermelhos, mas nos lábios um novo cântico
que dizia: “Ao que vencer farei coluna no meu templo, uma coroa
preparada já está, pois em breve chegará o momento, sua igreja
Jesus Cristo vem buscar”. E alegres como se estivessem em um
palácio, passaram aquela manhã louvando a Deus com belos hinos
e palavras de gratidão. E assim começaram a nova vida naquela
cidade, consertando um pouco do que havia de quebrado na
humilde casa.

À tarde foram fazer a vistoria no templo, que tinha doze metros de


comprimento por cinco metros de largura. E qual não foi a tristeza
ao verem as janelas quebradas, as portas sem trancas e que não
tinha luz, porque fazia um mês que os irmãos não se reuniam ali
devido às ameaças do padre Gregório, que havia substituído o
antigo padre. Padre Gregório chegou naquela paróquia dizendo:
– Nesta cidade só tem lugar para uma igreja, não podemos
permitir que as aleluias continuem aqui. Vamos fechar esta igrejinha
para sempre.

Começou a influenciar os jovens da cidade, principalmente os


filhos dos coronéis, como eram chamados os grandes fazendeiros,
incitando-os a agirem com violência contra os poucos crentes que
havia. Eram seis membros e cinco congregados, a igreja estava
naquele estado porque o padre, à frente de um grupo de jovens, foi
em um dia de culto e fez um tremendo alvoroço, quebraram janelas,
a porta, cadeiras do púlpito e obrigaram os irmãos a saírem da
igreja. Irmão Belarmino, que era o dirigente, disse a eles que não
sairiam, o padre, dando-lhe um tapa na face, ordenou aos rapazes
que o agredissem, e foi o que eles fizeram, deixando o irmão
Belarmino muito ferido. Satisfeitos com tanta maldade, Gregório
com seus comparsas foram embora, não antes de ameaçarem,
dizendo:

– Da próxima vez vamos tocar fogo se vocês persistirem em se


reunirem outra vez, por isso é melhor fecharem, pois alguém pode
sair ferido – disseram zombeteiramente.

Na tarde da sua primeira visita à igreja que iriam pastorear o casal


ouviu este relato vindo do pobre dirigente, que ainda ferido, tinha
dificuldades para falar. Depois de escutarem todas as barbaridades
que o grupo fizera encabeçado pelo padre, os três dobraram os
seus joelhos perante o altar e pastor Eustáquio orou em segunda
Crônicas capítulo vinte, versículo doze, dizendo:

– Ah! Deus nosso, porventura, não os julgarás? Porque em


nós não há força perante esta grande multidão que vem contra nós,
e não sabemos nós o que faremos; porém os nossos olhos estão
postos em ti.

Depois desta oração, decidiram fazer uma vigília para se


preparem, pois no outro dia falariam com o tal padre.
Na manhã do dia seguinte os dois estavam com os olhos
vermelhos, mas sentiam uma paz inexplicável. Ficaram em jejum,
pois esta casta de demônios só se expulsa com jejum e oração,
apesar de que teriam a devida audiência depois das onze horas,
pois o mandão não recebia ninguém antes deste horário. Vigiando e
orando, eles esperavam ansiosamente o momento de falar com
aquele mensageiro do mal.

Às onze horas e cinco minutos eles chegaram à casa, que parecia


mal-assombrada. Madeira escura com janelas grandes, embaixo de
umas seis ou sete bem pequenas em cima. Na frente havia uma
grande árvore que cobria toda visão da medonha casa. Não se
ouvia nenhum ruído, somente o ladrar de um cão que eles
conheceriam muito em breve. Bateram palmas umas duas vezes
quando apareceu aquele homem baixo, bem gordo e totalmente
calvo, vestindo uma capa preta. Foi logo perguntando com uma cara
de dar nojo:

– Quem são vocês? E o que desejam aqui a uma hora dessas


da manhã? Sejam rápidos, pois não tenho muito tempo.

E sentando-se na varanda, não se deu o trabalho de os convidar


para sentar, mas isso não teve nenhum efeito negativo sobre o
ânimo dos dois, pois eles estavam cheios de paz. Pastor Eustáquio
com a voz calma e serena, porém firme e com autoridade, dirigiu-se
àquela figura dizendo:

– Eu sou o pastor da igreja, esta é a minha esposa.

– Muita bonita a sua esposa, isso é um perigo, mas digam-me


que igreja tem um casal tão jovem como pastores e onde é?

Pastor Eustáquio respondeu:

– O senhor sabe muito bem onde é, pois estivestes lá com os


seus seguidores agredindo nosso povo, quebrando janelas e portas.
– Ah! Você chama aquilo de igreja? Muito bem, vou te explicar
por que fiz isto: Primeiro, nesta cidade vai ter uma igreja e vai ser a
minha, não posso correr o risco de perder ninguém para vocês, já
pensaste se perco um fazendeiro destes para vocês? Eu tenho atrás
desta casa vinte e oito alqueires de terra que pretendo encher de
gado e cavalos manga larga, então não quero correr risco. O pastor
conhece um coronel de nome Maxwell? Ele é inglês, uma das
melhores ovelhas do meu pasto, tem lã para o ano inteiro, você já
pensou se eu perco uma dessas ovelhas para você? O prejuízo
seria muito grande e a nossa conversa se encerra aqui. Ponham-se
daqui para fora, eu não quero nunca mais olhar para vocês, não
pretendo vê-los nem de longe.

O casal levantou e humildemente dirigiram-se para a porta da


saída, enquanto o padre Gregório disfarçadamente dirigia-se para
os fundos. Aninha e Eustáquio ainda não haviam chegado ao portão
daquele sítio, quando ouviram o ladrar de alguns cães, e voltando-
se, perceberam que dois cachorros grandes e ferozes vinham atrás
deles, pois o padre Gregório havia soltado aquelas feras, dizendo:

– Quero ver quem vai salvar vocês agora!


Aninha colocou-se de joelhos e orou. Eustáquio voltando-se para
os dois cães repreendeu o extinto de ferocidade deles, disse em voz
calma, porém segura:

– Voltem para casa os dois agora!

E os cães que estavam olhando o jovem pastor dentro dos olhos


calaram-se. E colocando os rabos entre as pernas voltaram para a
casa grande. Havia neste momento quatro vizinhos do vigário que
viram tudo, mas não acreditaram. E quando o casal saiu portão
afora, aqueles vizinhos os rodearam pedindo para que lhes
explicassem como foi que aquilo aconteceu.

– A explicação é muito simples, disse o pastor, vou lhes mostrar:


E abrindo a sua Bíblia, leu no Salmo trinta e quatro, versículo sete:

– O anjo do Senhor acampa ao redor daqueles que o temem e


os livra.

Sentando-se o grupo embaixo de uma árvore, passaram mais de


uma hora aprendendo da Palavra de Deus. E assim renderam-se,
confessando os seus pecados e declarando Cristo como seu
salvador, isto quer dizer que no dia da grande batalha contra as
forças do mal a igreja recebeu mais quatro pessoas que em um
futuro bem próximo seriam seus membros.

Dali mesmo eles foram para a igreja para dar início à reforma que
tão humildemente ela estava precisando. Naquele mesmo dia,
enquanto trabalhava arduamente, Aninha compunha um
maravilhoso hino que dizia: “Estou sentindo que o Senhor está
querendo que eu vá à seara trabalhar, por isso os irmãos continuem
a orar para o Senhor me abençoar”.

Dois dias depois desses acontecimentos, Ednéia, que era filha do


fazendeiro Maxwell, uma menina linda com treze anos de idade,
cabelos longos e olhos azuis, chegava junto com o seu irmão
Edmilson, e com voz chorosa disse:

– A benção, pai! O fazendeiro assustado, olhando para sua


filha, perguntou-lhe:

– O que foi que aconteceu? Brigou na escola?

– Não, pai. E com lágrimas nos olhos correu para o quarto,


deixando Edmilson com o pai. E o garoto foi logo falando:

– Pai, o que aconteceu foi que quando nós estávamos


voltando da escola encontramos o padre Gregório no portão da casa
grande e ele nos convidou para arrumar uns papéis e limpar a
sacristia, mas quando chegamos lá dentro ele me mandou para um
quarto para tirar poeira de uns livros e a Edi ele levou para o seu
gabinete. Eu não fiquei nem cinco minutos naquele lugar, quando
senti uma coisa estranha, como se fosse uma dor no estômago e
medo, então voltei para o gabinete, e quando cheguei vi que o padre
estava abraçando a Edi enquanto ela chorava e dizia não. Quando
ele me viu veio em minha direção e disse:

– Olha aqui, menino, se você disser alguma coisa a respeito


disso eu vou dizer que é mentira e você vai receber um tremendo
castigo, porque não se pode falar mal de padre.

Neste momento o fazendeiro deu um grito que nasceu lá no


âmago, chamando por seu capataz:

– Ermenegildo.

O capataz, pulando dentro da sala, disse:

– Pronto, patrão!

– Pegue dois capangas, vá até a casa do padre e traga ele


aqui, leve a carroça, porque eu não quero que ninguém veja.

O capataz, chamando os dois fortes capangas, dirigiu-se


imediatamente para a casa do padre, onde o encontraram dormindo
tranquilamente, como se estivesse com a consciência totalmente em
paz. Eles o acordaram com um safanão, dizendo em tom
zombeteiro:

– Acorda, santo padre, o patrão quer ver você.

E assim voltaram para a casa da fazenda, trazendo o padre que


chorava muito, dizendo:

– O que vocês vão fazer comigo? Vocês sabem muito bem quem
sou eu, vou excomungar vocês e as suas famílias. Se me fizerem
mal vocês nunca mais vão ter paz e nem saúde.
O capanga Tião se afastou um pouco, demonstrando um certo
medo, mas Rosemiro, um caboclo criado em uma fazenda indígena,
dando-lhe um tapa no rosto, disse:

– Eu não acredito em nada disso, por isso eu não tenho medo.

E levaram o padre para falar com o fazendeiro. Ao chegarem lá, o


fazendeiro já tinha em suas mãos um chicote, cujas pontas eram
feitas de pequenas bolas de chumbo, e sem nenhuma interrogação
começou a açoitá-lo impiedosamente. Quando foram levá-lo de volta
à sua casa, o padre, que havia sido atingido três ou quatro vezes
nos olhos, sangrava abundantemente, não sabendo ele que estava
cego para sempre, pois as duas córneas tinham sido atingidas
violentamente. Sendo assim, de acordo com o que ele mesmo
disse, ele nunca mais poria os seus olhos sobre o jovem casal de
pastores evangélicos. No outro dia, Maxwell procurou o pastor
Eustáquio e disse-lhe:

– Pastor, eu estou aqui para o senhor orar por mim, pois esta noite
eu quase matei um padre e a minha cabeça está muito confusa,
principalmente com esse negócio de religião.

O pastor, colocando a mão sobre a cabeça do fazendeiro, orou


dizendo:

– Senhor, por favor, me dê uma palavra de sabedoria para este


homem tão forte materialmente e tão frágil espiritualmente, nos dê
esta vitória por amor do seu nome.

E abrindo a sua Bíblia, leu João 3:16, que diz: “E Deus amou o
mundo de tal maneira, que deu seu filho unigênito para que todos
que nele creem não pereçam, mas tenham a vida eterna”. E
explicando-lhe este versículo, disse:

– “Todos os seus pecados, culpas e qualquer maldição que possa


ter sido lançado sobre você foram perdoados na cruz, basta
somente crer”.

E continuando, leu João 8:32, que diz: “E conhecereis a verdade e


a verdade vos libertará”. Neste momento aquele homem forte com
lágrimas nos olhos disse:

– Pastor, eu quero conhecer esta verdade, mesmo com tudo


que tenho, e o senhor sabe que não é pouco, eu nunca fui livre.

Ali mesmo o pastor disse:

– Levante as mãos e ore comigo assim: Senhor Jesus, eu


quero entregar a ti a minha vida, pedindo perdão pelos meus
pecados, e dizer que a partir de hoje eu vou servi-lo de todo meu
coração e com tudo que eu tenho.

O pastor, abraçando-o, ficou com ele ali por mais de duas horas.
Na saída o fazendeiro parou e disse:

– Pastor, esta igreja está precisando de uma reforma.

Isto significa que as portas já estavam se abrindo sobre a igreja


pentecostal de Foz do Iguaçu.

No outro dia o padre foi levado para Curitiba, de onde nunca mais
voltou. Toda a família do fazendeiro entregou suas vidas para Jesus,
inclusive o capataz e os dois capangas, isto quer dizer que na
semana em que eles foram maltratados e perseguidos pelo amor do
evangelho ficou provado que depois da tempestade vem a bonança,
pois a igreja depois desta grande luta passou de onze para vinte e
oito congregados.

Então era hora de muita oração, muito trabalho, tal como visitas,
discipulado, etc., mas vamos voltar um pouco ao desfecho da
história do padre Gregório.
Quando correu a notícia do que havia acontecido com a filha do
fazendeiro, um grupo de mais ou menos cinquenta pessoas, dirigiu-
se à casa paroquial e com muita fúria começaram a destruir tudo.
Deixaram aquela casa bem pior do que fora feito com a igreja, até
os cachorros, que eram tão bravos desapareceram, ninguém nunca
mais ouviu falar.

Quanto mais Aninha aumentava as horas de oração e jejum, mais


as lutas se tornavam intensas, mas as vitórias eram maiores. Oito
meses depois de terem se mudado nasceu o primeiro filho do casal,
um belo menino chamado José, que se tornou o xodó daquele povo.
Aninha era líder do círculo de oração, um grupo fervoroso que se
reunia quatro vezes por semana. Culto de vigília, ela sempre estava
nas madrugadas e trazia todos aos pés do Senhor: parentes, a
igreja e o lar.

Na manhã daquele sábado Aninha encontrava-se muito alegre,


pois sua mãe, que ela não via há quase um ano, estaria chegando
no domingo pela manhã junto com o inseparável Valcir. Finalmente
mataria as saudades. Seria o primeiro encontro entre avó e netinho,
foi uma grande festa. A vida seguia seu curso, e quanto mais a
igreja crescia, mais trabalho para a MULHER DO PASTOR, pois
agora, além das madrugadas aos pés do Senhor, ela também tinha
que visitar as congregações do campo. O casal visitava algumas
igrejas enquanto a família era pequena, onde Aninha sempre
cantava, louvando a Deus com a sua maravilhosa voz. Mas havia
sempre um pequeno problema para os pastores, presbíteros e
dirigentes das referidas igrejas. No momento de anunciá-la, diziam:

– Agora vamos ouvir a nossa irmã... A MULHER DO PASTOR


Eustáquio.

Mas a prova definitiva que sua identidade seria sempre a de


MULHER DO PASTOR foi no dia em que foram visitar os pais em
Londrina. O pastor Sebastião levantou-se, e com aquela voz grave
disse:
– Agora vamos ouvir dois hinos pela nossa irmã, A MULHER
DO PASTOR Eustáquio, meu filho, portanto, minha querida nora.

A vida deles tornava-se cada vez mais agitada, pois o crescimento


da igreja trazia muitas alegrias, mas muito trabalho também. Aninha
costumava visitar todas as quartas-feiras uma das congregações,
pois já havia oito. Uma delas ficava em um lugar chamado Água
Rica, lugar tremendamente perigoso porque era dominado por duas
famílias: os Lunardeles e os Velásquez. Em uma dessas quartas-
feiras, quando a MULHER DO PASTOR se dirigia para a igreja de
Água Rica acompanhada das irmãs Eulália e Abelarda, ao entrarem
em um matagal por uma trilha extremamente difícil elas ouviram um
tiro.

A Irmã Eulália, levando a mão ao rosto, caiu para trás clamando


por Deus. O cavalo da charrete que as carregava disparou, e
quando conseguiram pará-lo, estavam em uma terra de arroz, terra
que, como todos sabem, parece um lamaçal. Assim é o arrozal. Elas
estavam totalmente sujas quando foram socorridas por dois homens
mal-encarados que as levaram para a casa da fazenda dos
Velásquez. No caminho eles perguntaram:

– O que três mulheres iguais as senhoras fazem aqui em um


lugar como este?

Aninha antes de responder pediu licença e foi verificar o ferimento


da Irmã Eulália, que graças a Deus não passava de superficial. E
voltando-se para os dois homens começou a explicar-lhes a razão
de estarem ali, começou então a falar-lhes do plano de salvação,
mostrando-lhes que perdão dos pecados, paz e alegria só
encontramos em Jesus. A convicção e segurança com que ela
falava, demonstrando vir de dentro dela com grande poder,
começou a tocar os corações daqueles duros homens, que eram
inclusive matadores, e quando chegaram à casa, os dois homens
chorando disseram:
– Dona Ana, a senhora poderia orar por nós? Pois queremos
entregar a nossa vida para este Jesus que a senhora nos falou.

E ali mesmo aquelas cinco pessoas fizeram um verdadeiro culto,


Aninha cantou e somente naquela noite ela foi chamada pelo nome,
e não de MULHER DO PASTOR.

As irmãs voltaram para suas casas, deixando ali dois homens


totalmente transformados. No sábado haveria culto de vigília, o qual
estaria sob a direção da MULHER DO PASTOR. Não foi surpresa,
pois naquela noite, antes mesmo de começar o culto, lá estavam os
dois irmãos, aqueles homens que nunca tinham um sorriso nos
lábios estavam com um semblante alegre e radiante, como o de
alguém que encontrou uma grande riqueza.

Naquela noite o culto desenrolava-se em um ambiente de uma


espiritualidade tão impressionante que podiam sentir como se uma
nuvem pairasse dentro daquele templo e muitas vezes descia,
chegando a tocar nas pessoas. Em um desses momentos os dois
homens levantaram-se, e abraçando-se como duas crianças, riam,
choravam e glorificavam o nome do Senhor.

O culto naquela vigília terminou às seis horas da manhã. Pastor


Eustáquio convidou os dois irmãos, cujos nomes eram Paulo e
Agustino, a ficarem naquele domingo com eles para assistirem a
escola dominical, almoçarem e ficarem para o culto à noite, pois
queria muito conversar com eles, e assim foi feito.

O fruto deste final de semana foi que a congregação de Água


Rica, que antes tinha onze pessoas, vinte e um dias depois estava
com trinta e duas, pois os dois irmãos transformaram-se em
verdadeiros evangelistas, o que para eles não foi muito difícil,
porque todas as pessoas que conheciam aqueles homens, ao
verem a modificação que acontecera em suas vidas, ficavam
curiosas, querendo saber o que aconteceu. E foi assim que aquela
congregação começou a crescer e naquelas fazendas também
houve mudança, pois onde há evangelho de Cristo há vida
abundante.

Na fazenda dos Velásquez as mudanças começaram antes


mesmo deles perceberem, pois no casarão, onde havia reunião à
noite com baralho, cachaça e muitos palavrões, agora havia uma
conversa calma, com muita alegria, oração e hinos.

Numa destas noites, o fazendeiro, que já andava meio


desconfiado de que alguma coisa diferente estava acontecendo
entre os seus homens, decidiu ir até o casarão e ficou espreitando,
ouvindo o que estava acontecendo lá dentro, foi quando ele ouviu
“glórias a Deus, aleluia”.

Quinho, um escurinho que havia crescido na fazenda, abriu seus


lábios e começou a cantar um hino, cuja letra era:

“Oh, por que Jesus me ama? Eu não posso te explicar, mas a ti


também te chama, pois deseja te salvar. Como é maravilhoso
pertencer ao meu Jesus, ter a graça e o repouso e ficar ao pé da
cruz. Já cansado do pecado, fui aos pés do salvador e ali caiu o
fardo de tristeza e de dor”.

Belarmino Velásquez sentou-se, sentindo algo estranho ao ouvir


aquela melodiosa voz e as palavras daquela canção, que lhe
penetravam no profundo da alma. Ele não conseguia explicar como
foi que aquelas lágrimas caíram dos seus olhos, mas quando se deu
conta, ele estava dentro do casarão entre um grupo de alegres
homens, e quase gritando, disse:

– Preciso de uma explicação para saber o que está


acontecendo comigo agora? Eu nunca ouvi o Quinho cantar e nem
sabia que ele tinha uma voz tão bonita; e as palavras dessa moda
me fizeram ficar desse jeito. Olhem como eu estou chorando,
pareço um menino que foi pego fazendo coisa errada.
Agustino, chegando para perto dele, colocando a mão sobre os
seus ombros, coisa que nunca tinha feito antes, disse:

– Patrão, isso não é moda não, isto é um hino. E as letras tem


um poder muito grande, porque foram letras como esta e orações
que mudaram a nossa vida, assim como está mu dando a do senhor
neste momento. A resposta para sua pergunta está aqui e agora, é
só a gente se ajoelhar, orar e pronto. O senhor declara Jesus Cristo
como seu salvador, pede perdão pelos seus pecados e tudo será
resolvido. O senhor verá as mudanças na sua vida. Aquele
fazendeiro duro que mandava matar os inimigos ajoelhou-se, e
chorando, disse:

– Será que o Senhor pode perdoar tantos pecados que eu tenho?


Eu tenho mais pecados do que gado no campo.

Depois ele confessou que naquela hora ouviu nitidamente uma


voz que disse: “Todos os seus pecados estão perdoados”.

A partir daí os dias se tornaram mais alegres naquela fazenda,


mais produtivos, e eles decidiram todas as noites orar pelos seus
vizinhos, que também eram seus inimigos, em obediência à Palavra
do Senhor (orai pelos vossos inimigos).

Dez dias depois, em um domingo pela manhã, o senhor


Belarmino, que agora era o irmão Belarmino, reuniu os seus
empregados e o seu capataz, e pegando uma carroça, colocaram
todas as armas e foram em direção à fazenda dos Lunardeles. Não
se sabe como, mas ninguém parou aqueles homens, eles foram
para a casa grande, e chegando lá, chamaram pelo fazendeiro, que
não acreditando no que via, disse asperamente:

– Que é que vocês estão querendo aqui? Eles responderam:

– Nós só viemos conversar e deixar uma lembrança com o


senhor, disse Belarmino. Nesta carroça que o senhor está vendo
aqui estão todas as nossas armas, e eu vim deixá-las para o senhor.
A carroça, as armas e o cavalo, porque a riqueza que eu encontrei é
maior que tudo isso, e a nossa peia termina aqui. Sou um homem
novo, com o coração novo, com uma vida nova, por isso venho dizer
que se o senhor quiser a partir de hoje vai ter um bom vizinho, um
amigo e também um irmão em Cristo. O fazendeiro, não acreditando
muito no que via, disse com desdém:

– Não vai me dizer que você agora é dos aleluia. Se é assim


que você quer, deixe isso aí e vá embora.

E assim eles voltaram para casa cantando e louvando a Deus. O


fazendeiro verificou que verdadeiramente naquela carroça havia
armas que davam para fazer uma guerra entre eles. E rindo, disse:

– Sabe que o cavalo não é tão mau assim, o bicho é bom! E


entrou para casa como se nada tivesse acontecido.

Na terça-feira pela manhã, enquanto Abelardo Lunardel ia para o


curral, uma serpente da família dos urutus cruzeiro picou-lhe a mão
esquerda, provocando-lhe de imediato uma espécie de paralisia e a
certeza de que não teria mais de vinte e quatro horas de vida.
Quando ele chegou em casa trazido pelos seus capangas, a filhinha
do Everaldo, que já frequentava a congregação de Água Rica,
correndo para a patroa disse:

– Se preocupe não, sinhá, chame a MULHER DO PASTOR


que ela vai orar pelo senhor e ele vai ficar bom.

A mulher olhou para ela com um certo ar de incredulidade.


Mandando atrelar uma charrete, chamou a menina e disse:

– Vamos lá então.

Quando chegaram à casa do pastor Eustáquio, eles estavam


fazendo um trabalho no pequeno pomar e a menina gritou:
– Tá vendo aquela mulher de cabelo preto comprido? É A
MULHER DO PASTOR.

Chegando ali, contaram logo o que estava acontecendo, e no


mesmo pé, voltaram acompanhadas pelo casal. Ao chegarem,
perceberam que o médico saía trazendo um olhar sombrio e triste,
pois ele era amigo do fazendeiro. Mas não foi surpresa quando
entraram no quarto onde estava deitado o senhor Abelardo em uma
cama com dois cobertores, pois dizia estar com muito frio, mas no
momento em que ele colocou os olhos sobre o casal, perguntou:

– Quem é esta dona?

A filhinha de Everaldo, que não saia de perto da MULHER DO


PASTOR, disse logo:

– Está é A MULHER DO PASTOR, sinhozinho.

E como que tirando de dentro de si uma força que todos


pensavam que não teria mais, ele sentou-se e disse:

– A senhora veio aqui para rezar por mim? A jovem senhora


respondeu:

– Não senhor, eu vim aqui para dizer-lhe que deves entregar a


sua vida para Jesus, pois só ele pode salvá-la.

E o homem, voltando a recolher-se debaixo dos cobertores, disse:


Então faça o favor. Pastor Eustáquio, chegando para perto dele,
colocou a mão sobre sua cabeça e começou a orar, Aninha dobrou
os seus joelhos, e pondo o seu rosto em terra, dizia somente:
misericórdia, misericórdia! Esta oração durou uns quinze minutos
mais ou menos, e quando disseram amém, o homem sentou-se na
cama, e chamando a sua esposa, disse: Vá buscar as crianças que
eu quero falar com vocês, e pegando na mão do pastor e da sua
esposa pediu a eles que sentassem na cama, ao lado dele. A sua
esposa vinha com as crianças, que já não eram tão crianças assim,
pois a caçula tinha treze anos. Reunir a toda turma demorou um
pouco, pois eram onze filhos.

Quando todos estavam reunidos naquele quarto, ele disse:

– Eu quero que vocês sigam os conselhos desse pastor, porque


enquanto eles oravam por mim eu senti que estava saindo de um
buraco negro e muito feio. Então eu começava a caminhar por um
lugar que parecia ser uma plantação de trigo, cujas pontas amarelas
brilhavam muito debaixo de um sol que não era quente, mas tinha
uma luz diferente desse nosso sol. Então eu vi como se um homem
me desse a mão para entrar em uma grande sala e cantamos um
hino. Quando terminou eu voltei aqui para falar com vocês.

Eles ficaram por ali por mais algum tempo. Foi servido um café
com broa de milho e mandioca cozida. Quando eram mais ou
menos dez e meia da noite, fizeram uma oração de despedida e o
pastor Eustáquio, perguntou ao fazendeiro se queria aceitar Jesus,
e ele respondeu que sim. Terminando a oração de entrega e feita a
despedida, o casal voltou para a cidade. Os irmãos se retiraram
cada um para as suas casas naquela noite.

O homem fazendeiro rico, mas que nunca havia conhecido paz e


alegria, depois das orações, quando aceitou Jesus confessando
seus pecados, dormiu profundamente, e assim partiu para a
eternidade.
O epílogo

A congregação de Água Rica cresceu tanto que em menos de


quatro meses construíram uma grande igreja no patrimônio São
João, e Deus era com eles. Mas assim como crescia o trabalho, a
família Lins também aumentava, a segunda criança nascia linda,
trazendo todas as características da mãe: cabelos e olhos. Uma
linda menina que levou o nome de Maria, depois chegou Eustáquio
Filho e o caçula Josué.

O trabalho no campo se tornou muito grande, primeiramente com


a intervenção de Deus e também com o esforço sem medidas do
abençoado casal. Ele na Palavra, ela nas orações de madrugada,
no louvor e no aconselhamento, pois com quase todos os problemas
que surgiam na igreja logo diziam: “Vamos falar com a MULHER DO
PASTOR”.

Aninha ficava muito tempo sem ver a sua mãe, chegando a fazer
anos. Até que a irmã Ermelinda decidiu ir morar com ela, pois as
crianças já se tornavam adolescentes e sua filha precisava de ajuda;
agora eram duas aos pés do Senhor. O tempo corria, a igreja ia
crescendo e congregações sendo abertas. Irmã Ermelinda se
esmerava no cuidado com os netos e a MULHER DO PASTOR
ajudava o esposo nesta obra tão grande que é do Senhor.

No ano de mil novecentos e cinquenta e nove, irmã Ermelinda, já


avançada em dias, preparava-se para sua partida ao encontro do
Mestre. Espiritualmente e fisicamente ela estava prontíssima, pois
tinha sua roupinha preparada. Ela dizia:

– Vai ser uma longa viagem que não vou necessitar desta roupa,
mas para sair desta casa vou precisar cobrir este corpo cansado.

E assim, em uma manhã nublada do mês de junho, ela, chamando


sua filha, disse-lhe:
– Donita, pois era assim que ela chamava Aninha, por favor,
chame os meninos e a menina, porque quero eles aqui hoje neste
dia tão glorioso da minha ida para o céu, e também pegue a minha
roupa, pois vou sair desta casa bem arrumadinha.

Aninha sobressaltou-se e disse:

– Oh! Mamãe, a senhora deve ter tido algum sonho para dizer
isso, mas não é hoje ainda.

A grisalha senhora respondeu com voz firme:

– É hoje sim, minha filha, pode preparar tudo e todos, porque já


estou pronta.

E com lágrimas nos olhos, Aninha foi buscar a roupinha da sua


mãe, isso por volta das onze horas da manhã. Ela foi logo entrar em
contato com os familiares, pois embora não querendo crer, ela
também sentiu que havia chegado a hora da sua querida mãe partir
para o paraíso. Por volta das duas e meia da tarde estavam todos
reunidos, faltando somente o neto caçula. Exatamente às três horas,
a nossa querida irmã chamou a sua neta mais velha e disse:

– Lica, traga a Bíblia aqui, minha querida. Quero ouvir o que Deus
quer falar comigo agora.

A jovem pegando a Bíblia levou-a para sua avó, abriu-a e a avó,


levando o dedinho trêmulo, disse:

– Pode ler aqui.

E lá estava escrito, evangelho segundo São João, capítulo


dezessete, versículo um, que diz: “Pai, é chegada a hora, glorifique
o seu filho para que seu filho glorifique a ti”. E naquele momento,
acenando para todos ali no quarto, ela partiu ao encontro de Cristo.
Aninha ficou muito desolada, pois nos últimos anos sua mãe se
tornara companheira inseparável nas madrugadas com Deus.
O velório foi muito concorrido, pois os vizinhos chegavam para
trazer o seu último adeus para aquela que foi um exemplo de mulher
cristã, mãe, avó e esposa. Às dez horas da noite, quando a casa
estava cheia, pastor Eustáquio, muito triste, pois amava aquela
sogra, pegou a sua Bíblia e abriu em primeira aos Coríntios quinze,
versículo cinquenta e quatro, que diz: “E quando isto que é
corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se
revestir da imortalidade, então cumprir-se-á a palavra que está
escrita – tragada foi a morte na vitória”. E apontando para aquele
corpinho tão frágil, inerte pela morte, como se a morte tivesse
vencido, disse:

– O espírito dessa mulher já está no paraíso.

E durante quinze minutos com voz pausada e às vezes


embargada pela emoção, falou sobre o plano de salvação. Aí
podemos ver que até na sua morte aquela evangelista indomável e
valente cooperou para a decisão de oito pessoas para Cristo, das
quais em poucos meses, seis se batizaram nas águas. Dois dias
depois de todo aquele acontecimento, Aninha estava parada de
frente para a cama que fora da sua mãe, e olhando para cima,
disse:

– E agora, Pai? Vou ficar só novamente nas minhas


madrugadas de oração?

Foi quando sua filha disse:


– Não, mamãe, você não está só, eu estarei ao seu lado em
todos os momentos, principalmente nas madrugadas.

A vida da nossa irmã continuava sendo muito vitoriosa, porque


havia muita luta, e sem luta não há vitória. Os anos se passavam, a
igreja crescia, pastor Eustáquio cada vez mais envolvido na obra às
vezes não tinha tempo nem para a família, portanto era ela a coluna
daquela igreja, um verdadeiro sustentáculo. Seu filho José sempre
foi interessado pela lavoura. Casou-se, tornou-se fazendeiro, mas
sempre fiel a Deus, tendo uma bela família cristã. Eustáquio Filho
puxou sua mãe, pois se tornou um músico e finalmente maestro da
banda.

Aninha de vez em quando ia a Santo André visitar alguns parentes


que tinha por lá e aproveitava para visitar a igreja onde ela havia
crescido. E mesmo com a passar dos anos a sua voz era a mesma,
por isso era convidada a cantar em todas as igrejas por onde ela
passava. Quando nasceu o quarto filho de Lica, Aninha, tomando
seu neto nos braços, disse:

– Hoje posso falar como o apóstolo Paulo deixou escrito em


segunda Timóteo quatro, versículo sete: “Combati o bom combate,
acabei a carreira, guardei a fé e agora só me resta a coroa da
justiça, que o justo Juiz me dará naquele dia”.

Transcorria o ano de 1979, mais precisamente no mês de julho.


Em uma manhã Aninha levantou-se dizendo que estava sentindo
muita dor do lado direito. Chamaram o doutor, mas este achou
melhor levá-la para o hospital, mas não se pôde fazer mais nada,
pois era chegado o momento dela ser levada ao descanso eterno
para esperar a pedra branca na qual ela teria um novo nome
conhecido somente pelo Senhor. No dia seguinte voltaram com o
seu corpo para a igreja, onde seria feito o funeral e já havia mais de
oitocentas pessoas esperando ali para o último adeus, até nas
escadarias havia flores.

Ao ver aquela grande multidão, um senhor que passava pela


cidade, curioso, foi verificar o que estava acontecendo, e chegando
perto de um homem de cabelos grisalhos, com seus setenta anos,
que não era outro senão o irmão Evaristo, membro daquela igreja
há muitos anos, perguntou-lhe ao ver as flores:

– Quem morreu?
A resposta foi imediata:

– Foi A MULHER DO PASTOR.

No outro dia deixavam aquele corpo em um túmulo, em cuja placa


estava escrito: “Mãe, amiga e companheira – Aninha Lins. A
MULHER DO PASTOR”.

FIM
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