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Acórdãos STA Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo

Processo: 0136/14.0BEALM

Data do Acordão: 02-12-2020

Tribunal: 2 SECÇÃO

Relator: PAULA CADILHE RIBEIRO

Descritores: IVA
AUTOLIQUIDAÇÃO
ERRO DE DIREITO
PRAZO
PEDIDO DE REVISÃO
REVISÃO OFICIOSA

Sumário: I - A inclusão do valor dos descontos na matéria


tributável do IVA constitui um erro de direito.
II - A correção da autoliquidação efetuada com base
nesse erro de direito pode ser objeto de pedido de
revisão oficiosa ao abrigo do disposto nos artigos
98.º n.º 2 do CIVA e 78.º da LGT, não tendo
aplicação o prazo de dois anos previsto no n.º 6 do
artigo 78.º do CIVA.

Nº Convencional: JSTA000P26833
Nº do Documento: SA2202012020136/14
Data de Entrada: 24-09-2019
Recorrente: AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1: A................., S.A.
Votação: UNANIMIDADE

Aditamento:

Texto Integral
Texto Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo
Integral
: Tribunal Administrativo

1- Relatório
1.1 A Administração Tributária e Aduaneira (AT) recorre para
este Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida no
Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou
parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida
por A………………… S.A., e, em consequência, anulou, “a
decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa”, das
autoliquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA),
dos períodos compreendidos entre outubro de 2007 e setembro
de 2009.

1.2. A Recorrente conclui da seguinte forma as suas alegações


de recurso:
“1. Na sequência da Douta Sentença proferida no âmbito do
processo identificado, entendeu o Tribunal a quo, julgar
parcialmente procedente a presente impugnação judicial e, em
consequência, anular, “a decisão de indeferimento do pedido de
revisão oficiosa”, com fundamento de a mesma padecer “de erro
sobre os pressupostos de direito, ao considerar aplicável ao
caso a disposição prevista no n.º 6 do artigo 78.º do Código do
IVA, e, com esse fundamento, afastar a apreciação substancial
do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Impugnante.”;
2. Para decidir como decidiu, tendo presente os factos dados
como provados, aplicando o direito, o douto tribunal a quo
entendeu que: “(…), ao caso da Impugnante é, sem dúvida,
aplicável o disposto no artigo 78.º da LGT, contrariamente à
posição preconizada pela AT na decisão impugnada.”;
3. Dado que, o n.º 6 do artigo 78.º do CIVA não é aplicável ao
caso concreto, pois não estamos perante um erro material ou de
cálculo relacionado com os registos contabilístico, mas sim face
a um erro de interpretação das normas de incidência objetiva e
de apuramento da base tributável do IVA que, segundo alega a
Impugnante, terão provocado a liquidação do IVA num valor
superior ao devido. E sendo assim, como cremos que é, o
disposto no n.º 6 do artigo 78.º do CIVA não pode servir de
fundamento para impedir a apreciação do pedido de revisão
oficiosa apresentado pela Impugnante.”;
4. Com todo o respeito, que é muito, não podemos concordar
com a decisão proferida pelo tribunal recorrido, por a mesma
padecer de vício de violação de lei (artigos 78.º, n.º 6 e 98.º, n.º
2 do Código do IVA e artigo 78.º, n.º 2 da LGT, vigentes à data
dos fatos) e de errónea aplicação do direito aos factos, não
devendo ser mantida.
5. Considerando o n.º 2 do artigo 78.º da LGT como erro
imputável aos serviços o erro na autoliquidação, tal disposição
deve ser interpretada apenas em sentido formal, ou seja, a de
permitir a possibilidade de recurso ao mecanismo de revisão
oficiosa, apenas nos casos em que a liquidação é efetuada pelo
próprio contribuinte, como sucede nos casos de autoliquidação,
mas somente no caso de a autoliquidação ser fruto de um erro
imputável aos serviços (por, por exemplo se basear em
instruções genéricas da Administração).
6. Por não estarmos perante um erro material ou de calculo, mas
sim perante um erro de interpretação das normas de incidência
objetiva e de apuramento da base tributável do IVA, um erro de
direito, ou seja, um erro de interpretação e aplicação de normas
legais aplicáveis, sem qualquer intervenção da Administração
Fiscal, não nos parece que o mesmo possa ser imputável aos
serviços e dessa forma permitir, só por si, a revisão oficiosa,
como defende o tribunal recorrido;
7. Tanto assim é que o legislador optou por distinguir, dentro do
n.º 1 do artigo 78. ° da LGT, uma parte que regula a revogação
provocada por iniciativa do contribuinte, com fundamento em
ilegalidade geradora de invalidade e uma parte que regula a
possibilidade de a Administração poder revogar o ato em razão
de erro imputável ao serviço - que não a ilegalidade, com
ressalva do erro na autoliquidação que, para o efeito, é
equiparado aos daquela primeira espécie - artigo 78.°, n.º 2 in
fine;
8. Ou seja, nos casos de erro de direito, numa autoliquidação, o
mesmo só pode ser imputável apenas e só ao contribuinte, não
integrando o conceito de “erro imputável aos serviços”, no qual
não se pode integrar “qualquer ilegalidade”, sob pena de não se
encontrar qualquer racionalidade da norma.
9. A errada interpretação das normas aplicadas, ou aplicáveis,
são ilegalidades que não se enquadram no conceito de “erro”,
como ignorância ou imperfeito conhecimento das regras do
Direito, ou das circunstâncias de facto, revelada pela declaração,
e não na vontade de quem emitiu o ato.
10. Logo, o erro previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, só pode
ser o “erro material” ou o “erro obstáculo” que pode ser corrigido
a todo o tempo, ou no prazo de quatro anos, conforme o imposto
tenha ou não sido pago, não se enquadrando no mesmo o erro
de direito na autoliquidação imputável ao contribuinte.
11. Assim, só se pode concluir que, consistindo o objeto dos
presentes autos um indeferimento de um pedido de
regularização a favor da Impugnante de imposto (IVA) a mais
liquidado em vendas efetuadas a consumidores finais, terá o
mesmo de ser analisado de acordo com as normas legais
específicas consignadas no artigo 78.º do Código do IVA, não
lhe sendo aplicável o artigo 78.º da LGT, por não estamos
perante um “erro imputável aos serviços”, no qual não se pode
integrar “qualquer ilegalidade”, como seja um erro de direito
numa autoliquidação, que apenas pode ser imputável ao
contribuinte.
12. Por assim não o entender, a sentença não se pode manter,
tendo presente os inalienáveis princípios da legalidade e do
interesse público, consagrados constitucionalmente
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as
Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por
totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora
recorrida, revogada e substituída por douto acórdão que julgue
improcedente a presente impugnação judicial.”

1.3. A Recorrida contra-alegou, concluindo do seguinte modo:


1.4. A Magistrada do Ministério Público junto do Supremo
Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido da
procedência do recurso, assim fundamentando:
“3 – Da análise da matéria controvertida entendemos que o
presente recurso deverá improceder.
A douta decisão recorrida mostra-se, quanto a nós, correcta. Fez
correcta análise e interpretação dos factos e correcta se mostra
a sua subsunção jurídica, mostrando-se devidamente
fundamentada e apoiada em pertinente jurisprudência e doutrina
que a propósito cita, não sendo passível de quaisquer censuras.
Reiteramos, aqui para todos os efeitos legais, o teor do parecer
do Mº Pº proferido na 1ª instância a que se adere.”

1.5. A questão a decidir neste recurso, delimitada pelas


conclusões das alegações de recurso, é saber se a sentença
recorrida padece de erro de julgamento ao ter anulado a decisão
de indeferimento do pedido de revisão oficiosa formulado ao
abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária
(LGT), o que passa por responder a duas outras questões, saber
se a inclusão do valor dos descontos na matéria tributável do
IVA constitui um erro material ou de direito, e se a correção da
autoliquidação efetuada com base nesse erro apenas pode ter
lugar ao abrigo do n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA, no
prazo de dois anos.

2- Fundamentação de facto
Nos termos do disposto nos artigos 663.º, n.º 6, e 679.º do
Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 281.º
do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT),
remete-se para a matéria de facto constante da decisão
recorrida.
3- Fundamentação de Direito
A ora Recorrida apresentou em 26/06/2012, ao abrigo do
disposto no artigo 78.º da LGT, pedido de revisão oficiosa das
autoliquidações de IVA efetuadas no período de outubro de 2007
a setembro de 2009, por entender que liquidou e entregou
imposto superior ao devido, no montante de €55.383,85, na
medida em que liquidou IVA sobre as vendas sem considerar o
valor dos respetivos descontos concedidos (não considerou os
descontos concedidos aos seus clientes no momento de
apresentação dos talões e/ou cartões).
A AT indeferiu o pedido por entender que não se aplicava ao
caso - regularização a favor do sujeito passivo de imposto (IVA)
a mais liquidado em vendas efetuadas a consumidores finais - o
n.º 2 do artigo 78.º da LGT, mas antes as normas específicas do
Código do IVA, designadamente no artigo 78.º do CIVA. E que a
regularização pretendida, após a emissão do talão da venda
para o consumidor final, enquadrando-se num procedimento
efetuado internamente nos registos contabilísticos, e sem
qualquer interferência na esfera de terceiros, integrava-se no
conceito de erros materiais ou de cálculo, tal como definido no
ponto 9.3 do Ofício-circulado n.º 30.002/2005, estando
ultrapassado o prazo de dois anos previsto no artigo 78.º do
Código do IVA para a correção.
Interposta impugnação judicial contra o indeferimento do pedido
de revisão oficiosa, o Tribunal a quo deu razão à Impugnante e
anulou a decisão.
A AT não se conformou como decidido e interpôs o presente
recurso no qual imputa à sentença recorrida erro de julgamento
de direito por ter considerado ser aplicável à situação dos autos
o disposto no artigo 78.º, n.º 2 da LGT e por ter afastado a
aplicação do disposto no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA,
no entendimento de que se está face a um erro de interpretação
das normas de incidência normativa e de apuramento da base
tributável do IVA, que na alegação da Impugnante teria
provocado a liquidação de imposto num valor superior ao devido,
e não, como decidiu a AT, um erro material ou de cálculo
relacionado com os registos contabilísticos. Na tese da
recorrente a sentença recorrida violou o disposto nos artigos
78.º, n.º 6 e 98.º, n.º 2 do Código do IVA e artigo 78.º, n.º 2 da
LGT, vigentes à data dos factos.

A questão que se coloca no presente recurso foi apreciada e


decidida no recente acórdão deste Supremo Tribunal
Administrativo, de 18/11/2020, proferido no processo
1783/13.3BEBRG, com enquadramento factual idêntico, cuja
fundamentação se adota atento o disposto no artigo 8.º, n.º 3 do
Código Civil, e que se transcreve na parte que para aqui releva:

“Para cabal enquadramento da realidade em equação, importa


notar que a decisão recorrida ponderou que no período
compreendido entre Outubro de 2007 e Setembro de 2009, a ora
Recorrida efectuou descontos em talão nas vendas que efectuou
junto dos consumidores finais, tendo liquidado IVA sobre o valor
total da factura antes de descontos, pelo que em parte esse
imposto era por esta suportado, referindo também que no âmbito
de informação vinculativa a AT considerou que “o valor
acumulado em cartão de desconto/talão configura um desconto,
nos termos da alínea b) do nº6 do artigo 16º do Código do IVA e,
por consequência, o referido montante, aquando da sua
utilização, deve ser excluído do valor tributável dos artigos
vendidos” e ainda que em 28/02/2012, a ora Recorrida
apresentou pedido de revisão do ato tributário relativo às
autoliquidações de IVA do período compreendido entre Outubro
de 2007 e Setembro de 2009, no âmbito do qual peticionou a
devolução do montante de € 83.761,64 euros, acrescidos dos
juros indemnizatórios devidos, pedido este que foi indeferido,
com o fundamento de já ter sido ultrapassado o prazo de
rectificação da facturação previsto no artigo 78º do CIVA.

Em termos de análise, a decisão recorrida, louvando-se na


doutrina do acórdão do STA de 12/07/2006, proc. 0402/06, e em
doutrina aí apontada, entendeu que “o erro de onde deriva a
liquidação de IVA em excesso relaciona-se com uma errada
interpretação, por parte da impugnante, do disposto no artigo
16º, nº6, alínea b) onde expressamente se consagra a exclusão
do valor tributável dos descontos, abatimentos e bónus
concedidos”, “pelo que o lapso incorrido pela impugnante não se
enquadra no denominado erro material ou de cálculo, (…) mas,
diversamente, no denominado erro de direito, (…) por isso, ao
pedido de revisão oficiosa de atos tributários …seria aplicável o
prazo de quatro anos…”, o que conduziu à procedência parcial
da impugnação.
Neste domínio, é sabido que o artigo 78º do CIVA prevê as
regularizações a favor do sujeito passivo em determinados
casos, designadamente nas situações em que, após o registo
referido no artigo 45º, houver lugar a concessão de descontos,
como ocorreu no caso retratado nos autos.
Por sua vez dispõe o nº 6 do mesmo artigo 78º que “A correcção
de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os
artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no
artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas
b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar
imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada
no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à
dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito
nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando
resulte imposto a favor do Estado”.
Pois bem, no caso concreto dos autos, como já ficou enunciado,
a situação configurada respeita aos descontos efetuados no
âmbito de acções de promoção por um sujeito retalhista aos
seus clientes (consumidores finais), seja em cartão, seja em
talões. Nestes casos, o valor do IVA está incluído no valor do
preço, pelo que se este beneficia de desconto, que é activado
posteriormente ao acto de venda do produto, o benefício obtido
pelo consumidor final compreende redução do preço do bem, no
qual está incluído o correspondente valor do imposto, sendo que
a ora Recorrida nas declarações periódicas que apresentou no
período compreendido entre Outubro de 2007 e Setembro de
2009 não considerou a falta de cobrança do valor do imposto
nos descontos e promoções do produtos vendidos, suportando
dessa forma o encargo daí resultante (por declarar um valor
superior do imposto liquidado ao efectivamente realizado e
nessa medida se reflectir no seu direito de dedução do imposto
suportado a montante).
Tal significa que o sujeito passivo considerou que o valor do
desconto no preço final do produto vendido estava sujeito a
tributação e teria que suportar esse encargo (situação que
diverge daqueles casos em que o desconto é feito sobre o valor
do bem, o que ocorre normalmente entre sujeitos passivos, pois
nestes casos o IVA já não incide sobre o valor descontado),
verificando-se que, nesta parte, as partes estão de acordo no
que concerne à existência de erro na inclusão do valor dos
descontos na matéria tributável do IVA, tendo a AT reconhecido
isso mesmo na informação vinculativa que prestou a outros
sujeitos passivos da mesma cadeia de supermercados.
Neste ponto, revela-se pertinente a consideração da distinção
entre erro de direito e erro de facto, sendo que neste último
domínio, Afonso Arnaldo e Tiago Albuquerque Dias (“Afinal qual
o prazo para deduzir IVA? Regras de Caducidade e
(In)segurança Jurídica”, in AA. VV., Sérgio Vasques (coord.),
Cadernos IVA 2014, Coimbra, Almedina, 2014, p. 44), citados na
decisão recorrida, defendem que “os erros a que se refere o
número 6 do artigo 78.º do Código do IVA se reconduzem às
situações em que o sujeito passivo se equivoca na
materialização do acto de dedução ou liquidação,
nomeadamente, por lapso na transcrição de valores ou por
razões aritméticas, i.e., em ambas as situações erros menores e
evidentes”, ou seja, “estarão abrangidos por estes conceitos de
erro (tipicamente) as situações em que o sujeito passivo se
engana a efectuar uma operação aritmética, nomeadamente,
quando pretende apurar o imposto dedutível contido numa
factura (com IVA incluído) de serviços de um fornecedor (erro de
cálculo), ou, ainda que efectuando correctamente o cálculo,
comete lapso na inscrição do montante do imposto a deduzir na
declaração periódica (erro material)”, o que significa que estão,
pois, abrangidas pelo erro de facto “as situações em que o
sujeito passivo efectua uma incorrecta representação da
realidade factual (a qual determina a sua subsunção a uma
norma incorrecta)”, mais referindo que “O erro de facto que não
origine um consequente erro de direito, não terá qualquer
relevância para estes efeitos, porquanto o mesmo não terá
qualquer influência no quantum do imposto a deduzir ou a
liquidar”.
Por contraposição, o erro de direito verifica-se nas “situações em
que, não obstante a correta representação da realidade factual,
o sujeito passivo se equivoca na determinação da norma
aplicável”, ou seja, em que se verifica um erro de
enquadramento, por o sujeito passivo ter feito uma incorrecta
interpretação da situação fática ou uma errada aplicação do
direito e, consequentemente, liquida ou deduz imposto a mais ou
a menos.
Assim sendo, e voltando ao caso em análise, e ponderando os
dados postos em evidência, tal como se aponta no parecer
subscrito pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público, resulta
claro que estamos perante erro de direito, como aliás parece
reconhecer a própria Recorrente, na medida em que a questão
da inclusão do valor do desconto na matéria tributável do IVA
contende com a interpretação de normas jurídicas e o quadro
jurídico aplicável, pelo que não restam dúvidas que estamos
perante erro de direito e não perante erro material (situação
seria diversa se a situação não oferecesse dúvidas e a falta de
dedução do imposto se devesse a falha ocasional dos serviços
de contabilidade do sujeito passivo no preenchimento das
declarações), impondo-se aqui sublinhar que, como ficou dito, só
o erro material (erro no registo ou declaração) está abrangido
pela previsão do nº 6 do artigo 78º do CIVA (O nº6 do artigo 78º
do CIVA “refere-se expressamente ao erro material ou de
cálculo, como o erro na soma, a inscrição, na transcrição das
facturas para o registo ou dos registos para as declarações,
incluindo ainda a duplicação, a omissão; excluindo, assim, o erro
de direito resultante de uma aplicação indevida de normas” -
Patrícia Noiret Cunha, Imposto Sobre o Valor Acrescentado,
Anotações ao CIVA, ISG, 2004, pág.461).
Além disso, como bem refere a Autoridade Tributária e
Aduaneira, tal como apontado na decisão recorrida, na resposta
ao pedido de informação vinculativa solicitado por várias
empresas do Grupo B……………….. [alínea E)] a opção por
excluir do valor tributável os descontos, abatimentos e bónus
concedidos resulta, não só da legislação nacional, mas também
do entendimento da União Europeia consubstanciada na decisão
do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) no processo
C-126/88, de 27 de março de 1990 (Caso Boots Company, PLC)
onde entendeu que a expressão “descontos e abatimentos
concedidos ao adquirente ou ao destinatário, no momento que a
operação se realiza”, constante do artigo 11.º A) 3 b) da Sexta
Diretiva abrange a diferença entre o preço normal de venda ao
público dos bens fornecidos e o montante de dinheiro
efetivamente recebido pelo retalhista por aqueles bens no
momento em que este aceita do cliente um voucher (ou talão de
desconto), dado ao cliente numa compra anterior efetuada ao
preço normal de venda ao público”. Esta temática veio ainda a
ser discutida e clarificada pelo TJUE nos Acórdãos relativos aos
processos C-566/07, C-489/09 e C-588/10, o que evidencia bem
a complexidade da matéria e as dúvidas que se suscitam quanto
à sua interpretação.
Sobre esta matéria, cabe ainda ter presente o Ac. deste Tribunal
de 28-06-2017, Proc. nº 01427/14, www.dgsi.pt, no qual, perante
situação similar, ainda que relativa ao apuramento do “pro-rata”,
se deixou exarado:
“…
É de concluir que a Autoridade Tributária e Aduaneira, através
da Direção de Serviços do Imposto sobre o valor
Acrescentado (O aresto refere-se ao ofício circulado nº 30.082/2005 de
17/11, em cujo ponto 9.3 se adoptou o seguinte entendimento:
«Regularizações previstas no nº 6 do artº 71º Trata-se da correcção de
erros materiais ou de cálculo efectuados nos registos ou nas
declarações periódicas. Consideram-se erros materiais ou de cálculo
aqueles que resultam de erros internos da empresa e não têm qualquer
interferência na esfera de terceiros. Normalmente consistem em erros na
transcrição das facturas para os registos ou dos registos para a
declaração periódica, não compreendendo os que estão assinalados no
ponto 8 do presente ofício-circulado. A regularização deste tipo de erros
é facultativa se for a favor do sujeito passivo e só pode ser efectuada no
prazo de dois anos».), separou, nitidamente, o que considerou
serem erros materiais ou de cálculo circunscrevendo-os,
basicamente, a operações mecânicas (erros de transcrição ou
de registo na declaração periódica) das não mecânicas, ou seja,
das que implicam interpretação da lei para a utilização dos
métodos de dedução do IVA (designadamente alteração do
método de dedução do imposto nos sujeitos passivos mistos, ou
apuramento pro rata).
(…)
Como já se referiu a situação em apreciação não se enquadra
no denominado erro material ou de cálculo mas diversamente no
denominado erro de direito como sustenta o impugnante. Por
isso o prazo para formular o pedido de revisão, em sede de IVA,
a que se referem os presentes autos era de quatro anos e não
de dois pelo que o presente recurso merece provimento. Do
exposto resulta que procede a argumentação do recorrente
quando sustenta que o prazo aplicável para reclamar da
dedução do imposto entregue em excesso é o previsto no artigo
98.º, n.º 2 do CIVA, ou seja, quatro anos e não o prazo de dois
anos, previsto no artigo 78.º, n.º 6 do mesmo diploma, dado que
este se circunscreve à correcção de erros materiais ou de
cálculo”.
Em suma, tendo presente que a AT nem sequer chegou a
apreciar a legalidade da liquidação, indeferindo ab initio o pedido
formulado, com base na sua extemporaneidade e na
impossibilidade de, in casu, o sujeito passivo poder lançar mão
do pedido de revisão oficiosa do ato tributário e bem assim que o
erro de onde deriva a liquidação de IVA em excesso relaciona-se
com uma errada interpretação, por parte da ora Recorrida do
disposto no artigo 16.º, n.º 6, alínea b) onde expressamente se
consagra a exclusão do valor tributável dos descontos,
abatimentos e bónus concedidos, pois que o lapso em apreço
não se enquadra no denominado erro material ou de cálculo
(nomeadamente, erro na inscrição do montante de imposto ou
falha numa operação aritmética), mas diversamente, como se
referiu, no denominado erro de direito (de facto, não restam
dúvidas de que a ora Recorrida fez uma errada aplicação do
direito, nomeadamente, em sede do IVA, na determinação do
valor tributável nas operações em que aplicava descontos em
talões de vendas junto de consumidores finais), temos que
concluir que será sempre aplicável o limite máximo para
reembolso liquidado e entregue em excesso previsto no n.º 2 do
artigo 98.º do Código do IVA como se entendeu no Ac. deste
Tribunal de 28-06-2017, Proc. nº 01427/14, acima apontado,
assiste ao sujeito passivo o prazo de 4 anos para a revisão do
ato tributário (auto-liquidação), pelo que a decisão da AT de
indeferir o pedido de revisão não podia manter-se, tal como se
entendeu na sentença recorrida, motivo pelo qual se impõe a
sua confirmação, ainda que com a especificidade de a anulação
da decisão de recurso hierárquico abranger a anulação da
decisão de indeferimento do pedido de revisão, por ser este o
objecto mediato da impugnação judicial apresentada pela ora
Recorrida.”
Nada havendo a acrescentar ao que distintamente ficou
explanado no acórdão citado, ao recurso terá de ser negado
provimento.

4- Decisão
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso
Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nega-se
provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 02 de dezembro de 2020. - Paula Fernanda Cadilhe


Ribeiro (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes -
Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.

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