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Sumário
Sobre o Livro............................................................................................................................................... 4
Quem é quem?...........................................................................................................................................7
Os Gênios do Parque............................................................................................................................. 15
O Peixe de Ouro.......................................................................................................................................18
A Raposa Rute.......................................................................................................................................... 23
A Filha da Árvore.................................................................................................................................... 26
A Cadeira Musical.................................................................................................................................... 31
Flora e o Violino....................................................................................................................................... 37
Pog e os Passarinhos...........................................................................................................................50
A Floresta de Lata..................................................................................................................................83
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O Jardim Curioso....................................................................................................................................85
O Buraco no Jardim..............................................................................................................................88
Maria Sapeca.............................................................................................................................................98
A Imagem de Lola.................................................................................................................................122
A Lição da Paciência...........................................................................................................................144
Biscoito....................................................................................................................................................... 147
Lúcio e as Estrelas.................................................................................................................................157
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Sobre o Livro
Querido(a) aluno(a),
Com carinho,
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A Bola e os Seus Amigos
— Podes sim.
Sou bola boa. Redonda.
Não tenhas medo de mim.
(António Torrado)
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Quem é quem?
(Max Bolliger)
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A História da Menina e das Ameixas do Senhor Ferreira
— E depois?
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— De maneira nenhuma! — exclamou o Sr. Ferreira.
Eram cada vez mais, pois o Sr. Ferreira não só colhia como também
sacudia os ramos e fizera cair muitas. De seguida, ele desceu da escada com
dois baldes cheios e despejou-os num cesto. Um destes já estava quase
cheio também.
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— Muito obrigada! — gritou-lhe a D.ª Ana.
(Rolf Krenzer)
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Diogo e Diego Discutem
A partir desse dia, cada um olhava o outro com inveja. Quando Diego
pensava no ninho soberbo de Diogo, com uma cobertura mole de penas de
avestruz, tinha vontade de amuar até ao raiar do sol. Quando Diogo pensava
na cama de rede que Diego tinha fabricado, tinha vontade de lhe morder o
nariz até fazer sangue.
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Nessa mesma noite, Diego pensou no guarda-comida de Diogo e
Diogo pensou no guarda-roupa de Diego. Quanto mais o tempo passava,
mais eles pensavam no que não tinham: uma colecção de conchas de noz,
um bocado de vaso encontrado num campo, uma espiga de milho para de-
corar a casa… A menor quinquilharia punha-os verdes de inveja. Tudo o que
um deles tinha, o outro também queria ter. Chegavam a brigar duramente
para arrancar das mãos do outro uma casca de noz ou um pedacinho de
castanha.
— Já ninguém se entende!
Toda esta barulheira acabou por chegar aos ouvidos da Grande Co-
ruja, que se deslocou pessoalmente para avaliar a disputa.
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— O dele é maior do que o meu!
— Daqui a pouco quem tem ciúmes de vocês sou eu. Vocês têm tan-
tas coisas. E, no entanto, não estão contentes. Isso é pena!
Os dois amigos que são como irmãos têm cada um a impressão de ser
menos mimado. Diga ao seu filho que o coração das mães é elástico e que con-
segue dar a mesma quantidade de amor a uma, duas, três, dez ou doze crianças.
A Grande Coruja propõe uma solução: oferecer-se coisas diferentes, ajudar-
-se mutuamente, tirar partido daquilo que o outro faz. Quando se é irmão
ou irmã, ou irmãos, o melhor a fazer é emprestar coisas mutuamente, aju-
dar-se e amar-se. Pergunte-lhe se não acha que, quando estamos em guer-
ra, perdemos sempre.
(Autor Desconhecido)
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Os Gênios do Parque
O Paulo tivera uma nota má na escola e era o pior aluno da sua turma. Ele queria
muito ter boas notas, mas não conseguia aprender o suficiente para isso. Preferia brincar,
ver televisão ou simplesmente sonhar olhando para as nuvens.
Ao voltar para casa, o Paulo encontrou um lindo esquilo que lhe pediu se partia
uma noz grande. O Paulo partiu a noz com o pé e entregou-a ao esquilo que lhe disse:
O Paulo agradeceu ao esquilo, voltou para casa e, bem sentado na sua secretária,
leu três vezes a lição. No dia seguinte leu a lição na escola sem dificuldade e a professora
deu-lhe uma boa nota.
No dia seguinte, o Paulo viu uma rã cheia de areia no caminho. Pegou nela e
pousou-a delicadamente sobre uma grande folha de nenúfar no lago do parque.
O Paulo voltou depressa para casa e leu três vezes o texto. No dia seguinte, o
Paulo teve a melhor nota da turma e recebeu ainda felicitações por parte da professora.
Alguns dias mais tarde, um pequeno pintarroxo pediu ao Paulo que colocasse no
seu ninho um pedaço de pão demasiado pesado para ele. O Paulo assim fez.
Como das outras vezes, o Paulo obedeceu ao pássaro e leu três vezes a sua lição
e, como de costume, obteve uma boa nota.
Nos dias seguintes, o Paulo continuou a atravessar o parque sempre que voltava
para casa, mas não encontrou mais nenhum génio. Apesar de tudo, para lhes agradar,
continuou a ler, todas as noites, três vezes as suas lições e no fim do mês era já o melhor
aluno da sua turma. A professora apresentou-o aos outros como exemplo de aluno apli-
cado e explicou a todos que é preciso ler as lições todos os dias para ter bons resultados.
(Mireille Saver)
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Uma Ideia Toda Azul
Um dia o Rei teve uma ideia. Era a primeira da vida toda, e tão maravilhado ficou
com aquela ideia azul, que não quis saber de contar aos ministros. Desceu com ela para
o jardim, correu com ela nos gramados, brincou com ela de esconder entre outros pen-
samentos, encontrando-a sempre com igual alegria, linda ideia dele toda azul.
Foi acordar tateando a coroa e procurando a ideia, para perceber o perigo. Sozi-
nha no seu sono, solta e tão bonita, a ideia poderia ter chamado a atenção de alguém.
Bastaria esse alguém pegá-la e levar. É tão fácil roubar uma ideia: Quem jamais
saberia que já tinha dono? Com a ideia escondida debaixo do manto, o Rei voltou para
o castelo. Esperou a noite. Quando todos os olhos se fecharam, saiu dos seus aposentos,
atravessou salões, desceu escadas, subiu degraus, até chegar ao Corredor das Salas do
Tempo.
Portas fechadas, e o silêncio. Que sala escolher? Diante de cada porta o Rei para-
va, pensava, e seguia adiante. Até chegar à Sala do Sono.
Só os ministros viam a velhice do Rei. Quando a cabeça ficou toda branca, disse-
ram-lhe que já podia descansar, e o libertaram do manto. Posta a coroa sobre a almofada,
o Rei logo levou a mão à corrente. Ninguém mais se ocupa de mim — dizia atravessando
salões e descendo escadas a caminho das Salas do Tempo — ninguém mais me olha.
Agora posso buscar minha linda ideia e guardá-la só para mim.
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fora, o tempo todo parado na Sala do Sono. Seus olhos não viam na ideia a mesma graça.
Brincar não queria, nem rir. Que fazer com ela? Nunca mais saberiam estar juntos como
naquele dia.
Sentado na beira da cama o Rei chorou suas duas últimas lágrimas, as que tinha
guardado para a maior tristeza.
(Marina Colasanti)
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O Peixe de Ouro
Era uma vez um pescador que vivia com a mulher numa velha caba-
na à beira-mar. Todos os dias partia no seu barco, feliz por reencontrar as
ondas coroadas de espuma, por sentir o sol acariciar-lhe a face e o vento
soprar-lhe docemente nos cabelos. Por vezes, maravilhado com um pôr-
-do-sol, quedava-se, extasiado pela beleza do mundo, e esquecia-se até de
lançar as redes.
— Ao menos, podias ter-lhe pedido pão! Há muitos dias que não te-
mos pão. Volta lá e pede-lhe pão bem fresco.
— Peixe, peixinho de ouro, vem cá! Vira a cabeça pra mim, minha mu-
lher quer assim!
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— Acha que eu deveria ter-te feito um pedido quando estavas preso
na minha rede. Queria que nos desses pão.
— Devias ter-lhe pedido uma casa. Olha para esta cabana miserável,
quase não se aguenta de pé! Na verdade, o que nos faz falta é uma boa casa.
Vai ter com o peixe de ouro e pede-lhe uma.
— Peixe, peixinho de ouro, vem cá! Vira a cabeça p’ra mim, minha
mulher quer assim!
— Peixe, peixinho de ouro, vem cá! Vira a cabeça p’ra mim, minha
mulher quer assim!
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nos faça rei e rainha.
— Mas eu quero ser rainha. Vai depressa dizer-lhe que quero governar
o país.
— Peixe, peixinho de ouro, vem cá! Vira a cabeça p’ra mim, minha
mulher quer assim!
— Peixe, peixinho de ouro, vem cá! Vira a cabeça p’ra mim, minha
mulher quer assim!
— Não chores — disse o pescador. — Não eras mais feliz quando eras
rainha. A maior felicidade consiste em estar-se contente com o que se tem.
E partiu, feliz, para pescar o alimento de todos os dias no mar límpido e tran-
quilo.
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A Raposa Rute
A sua casa estava situada num vale perto de uma montanha, onde
havia animais de toda a espécie: coelhos, perdizes, aves coloridas, lobos e
raposas.
— Não podes andar bem, mas podes fazer outras coisas, não podes?
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— Gostava muito de aprender a ler e a escrever, para poder criar histó-
rias que distraíssem os meus conhecidos e amigos. Assim, não precisava de
me mover muito. Eles traziam-me comida e eu contava-lhes uma história.
E continuou:
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Os irmãos da raposa, quando ouviram falar num animal que conta-
va lindas histórias, também foram ao Cantinho da Fantasia e não queriam
acreditar que a irmã que tinham abandonado era a autora de tanto sucesso.
— Era uma vez uma raposa diferente dos seus irmãos porque não
conseguia mexer-se como eles e acompanhá-los nas suas caminhadas. Em
vez de a apoiar, eles deixaram-na sozinha no bosque…
(Teresa Cavaco)
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A Filha da Árvore
E pensou nisso com tanta força que, uma bela manhã, um dos seus
ouriços desprendeu-se bruscamente.
“Mas o sol há-de dar-lhe uma linda cor!”, disse a árvore, que até bri-
lhava de contente. Passou a chamar-se Florina.
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— Come tudo como deve ser!
Empurravam-na.
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Florina começou a tremer.
Levou Florina para o quarto das águas furtadas, deitou-a numa cama
fofinha, aconchegou-lhe a roupa, deu-lhe um beijo e não disse mais nada
porque a menina já tinha adormecido.
— Admirável, não?
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— Qualquer pessoa pode fazer isso! — replicou Florina.
A velha senhora embrulhou-o num xaile, mas Gil tinha uma pata par-
tida e continuava desmaiado.
— Deve haver alguma coisa que se possa fazer por ele! — soluçou
Florina. — O meu pai deve saber…
— Um chá! Um chá de uma das minhas folhas faz sempre bem quan-
do se está mal disposto!
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Mal bebeu a primeira colher de chá, Gil sentiu-se logo muito melhor.
Dia após dia, o macaco recuperava a sua boa disposição e Florina es-
perava pela chegada da Primavera.
— Como um cepo.
(Magali Bonniol)
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A Cadeira Musical
Era uma vez uma cadeira que sabia música. Uma pessoa sentava-se
nela e a cadeira começava a tocar.
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Logo aconteceu que o menino se foi sentar na cadeira avariada. E
não é que ela, sem mais quê nem porquê, ao leve peso do garoto, começou
a tocar?
E logo ali ficou combinado que o menino, sempre que quisesse, podia
vir visitar a senhora. E a cadeira. As duas teriam muito prazer em recebê-lo.
(António Torrado)
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A História da Gata Sapinha
A ternura é assim como uma daquelas fadas das histórias que ouvi-
mos contar e ficamos a pensar se existe. Daquelas que com um toque de
varinha mágica tudo mudam. Mas a ternura existe mesmo, é uma fada real.
Se quiséssemos desenhá-la, teríamos de desenhar uma rapariga pequena,
porque a ternura dá muita importância às coisas pequeninas que só se vêem
se uma pessoa estiver com muita atenção. Se não, não se vê nada. Por isso,
ela tem os olhos muito abertos, os ouvidos à escuta e na boca um sorriso.
Ternura.
Tudo isto para vos contar esta história. É que foi com certeza a pensar
na ternura, nessa pequena fada tão importante na nossa vida, que o Miguel,
um dia de manhã, no quarto dos pais (ele costumava todos os dias ir até lá
um bocadinho), disse para a mãe:
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O Miguel morava no terceiro andar de um prédio alto, um desses pré-
dios de cimento, e tinha mais cinco irmãos além de outros quatro que não
moravam ali. Era muita gente, mas davam-se todos muito bem. O que é, é
que o Miguel era o mais pequeno, tinha só nove anos, e fazia uma grande di-
ferença dos outros que tinham 16… 17… 19… 21… E por isso, com essa gente
de muitos mais anos, nem sempre era fácil conversar. Mas com um bichinho
de pêlo, pequeno como ele…, pensava o Miguel.
— Não vais trazer isso aqui para casa, pois não? Já tenho muito que
limpar e o gato ainda daria mais trabalho.
Que é que quer a gata?, pensou ele. Levantou-se e viu que a água,
inundando o corredor, entrava já pela frincha da porta do quarto e correu a
fechar a torneira. Foi o que valeu.
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A Sapinha era uma heroína.
Era verdade.
Era de novo a ternura, aquela fada real de que vos falei no princípio
desta história, aqui sob a forma dum gato cor de mel e papo branco e de
um menino que queria ter um bichinho de pêlo só para si, mas que aparece
muitas vezes na nossa vida, sob outras formas se nós quisermos. E ainda
bem, porque a ternura faz muita falta.
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Flora e o Violino
Por isso, Flora enfiou à pressa alguma roupa na mochila, depois pe-
gou no ursinho e não esqueceu a caixa com o violino. E com os pais, fugiu
para longe da sua aldeia.
Sente-se perdida…
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— Não é de cá! De onde é que tu vens?
Esta manhã, Flora trouxe o seu violino. Depois das aulas vai à escola
de música. Ao verem a caixa, os meninos voltam a troçar dela.
Todos se riem. Todos, menos Flora. Até fica cada vez mais triste mas
ninguém se dá conta.
— Tocar violino…
Nesta escola ouve-se música por todo o lado, por detrás de cada por-
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ta. António reconhece o som de um piano, de um trompete e de uma flauta.
Flora toca bastante bem tanto a solo, como em duo com o professor.
António escuta-os sem se mexer.
As crianças aplaudem.
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— Yupiii! — gritam os meninos. Agora todos querem ser amigos de
Flora. Mas ela só tem um amigo: António. Ele acompanha-a todas as sema-
nas à aula de música.
— Uhm… As mais fáceis? Oh, e daí não, as difíceis também! Vou tra-
balhar todos os dias e fazer muitos progressos!
E depois?
Ora bem, Flora e António continuaram a tocar juntos.
PARA PRAZER DELES!
Viva a música!
(Gerda Muller)
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O Gato que Chora
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Ratos!… Ratos por todo o lado!… No chão, em cima da cama, do guar-
da-vestidos, e da mesa de cabeceira…
(Pierre Coran)
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Os Amigos Não Se Abandonam
E pôs-se a caminho.
A cabeça estava com muita pressa para chegar a casa e nem olhou
para Antónia.
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— Ando à procura da minha gata. Pode ajudar-me? — pediu Antónia.
— Aqui não está nenhuma gata, lamento. Mas vou estar atento e, se
a vir, digo-te.
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— 1232. Estou a cortar cristais — explicou o talhador de cristais. —
1233 cristaizinhos de gelo. Todos diferentes. Nenhum é igual ao outro.
E continuava a contar.
E depois espirrou.
— A tua gata não está no céu. Vê antes na Terra. Tu vais voltar a en-
contrar a tua amiga, li nas estrelas — consolou-a.
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Pog e os Passarinhos
Era um dia igual aos outros. O gato Pog estava sentado, quieto como
uma estátua, a ver os passarinhos voar.
Este agitou as asas e aterrou junto dele. Pog olhou-o fixamente: nun-
ca tinha visto um pássaro tão corajoso.
E estava feliz.
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— Vamos caçá-lo! Vai ser divertido — propôs Peg.
— Não, não vou. Adoro pássaros e quero que cantem para mim — dis-
se Pog.
Finalmente, o passarinho veio ter com ele. Pog ficou hirto, sem se
atrever a mexer.
— Achas que ela também pode cantar para mim? — perguntou Peg.
— Talvez, mas tens de ficar quieto como uma estátua — disse Pog.
Peg tentou.
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— Desculpa — disse Peg.
— Só caçaremos ratos!
(Jane Simmons)
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Uma Mãe Como o Vento
Na escola, quando Lucas fica todo vaidoso por ter desenhado uma
raposa, que nem sequer tem o focinho aguçado, o Luís não hesita e diz-lhe
as-palavras-quatro-verdades:
— Desculpa, Lucas!
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E fizeram as pazes.
Mas naquela manhã, Luís não diz nada. Não fala com Lucas porque
Lucas não está. O lugar ao lado do Luís está vazio. Lucas não veio às aulas.
Luís sabe porque é que Lucas não está. Há já muito tempo que a mãe
de Lucas estava doente. O doutor Coelho tentou tudo mas não foi capaz de
a curar e a mãe do Coelho Lucas morreu naquela noite.
Recorda que ela fazia bolos de avelãs de propósito para ele, quando ia
brincar com Lucas a casa dele.
Sofre pelo seu amigo Lucas. Luís gostava muito da mãe do Lucas.
Olha para a neve que cai. Acha que é magia, aquela neve a vir do céu,
uma verdadeira arte de magia.
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Luís queria tanto que um mágico também fizesse magia para a mãe
de Lucas…
— Vejo que estás triste pelo Lucas e pela mãe. Fala comigo, meu Co-
elhinho querido.
Então é a mãe que fala com carinho e diz ao Luís palavras misteriosas:
— Sabes, Luís, uma mãe coelho não abandona assim o seu coelhinho.
— Antes por vezes o Lucas estava na escola e a mãe em casa. Eles não
se viam, não podiam tocar-se. No entanto, isso não impedia que gostassem
um do outro.
— Sabes, a mãe do Lucas não se vê, mas não é por isso que ela deixa
de estar presente…
Luís diz para si que, quando se está triste, faz bem um beijo verdadei-
ro. Ele gostava de poder emprestar a sua mãe ao Lucas para ele ter menos
desgosto, mas claro que não seria a mesma coisa.
Fala alto, faz-se engraçado. E quando já não tem mais histórias para
contar, pára. O Luís não sabe o que dizer. E durante todo o dia, procura, pro-
cura palavras para fazer bem ao seu amigo. Palavras para curar o seu desgos-
to. Ficam ao lado um do outro, o Luís e o Lucas, mas não falam. E depois, à
tarde, no meio da neve, não vão pelo caminho do costume, por aquele onde
há barulho e gritos. Não estão com muita vontade. Seguem um caminho
silencioso. E é ali, no silêncio do Inverno, que ouvem o vento, o vento que
sopra suavemente nas árvores. O vento acaricia-lhes as faces e é ele que
sugere uma boa ideia ao Luís. Então, o Luís fala ao Lucas e diz-lhe:
— O vento, sabes, é como a tua mãe. Às vezes canta, outras vezes está
zangado. Outras vezes também, é meigo. A tua mãe, agora, é como o vento.
Não a vemos, mas sentimos que ela está aqui.
O Luís e o Lucas ficaram amigos. Para toda a vida. E que palavras eles
disseram um ao outro! Palavras bonitas, palavras fortes, palavras divertidas.
Mas as palavras do Luís, essas, Lucas nunca as esqueceu.
(Agnès Bertron)
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O Ratinho das Amoras
Mas, do que gostava mais nela, era o enorme arbusto de amoras que
tinha no jardim, e que todos os anos dava uma colheita abundante de belos
frutos maduros e sumarentos.
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— Essas amoras têm um aspecto apetitosíssimo — disse ela.
— Então é mais que certo que vais ficar doente — respondeu a Coe-
lha, virando-lhe as costas.
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PIMBA! E mais outra, PIMBA!
O Ratinho olhou para cima para ver de onde tinham vindo as bolotas.
E quem acham vocês que ele viu no alto do velho carvalho?
Nessa tarde convidou todos os amigos para a festa das amoras. Tra-
balhou todo o dia a prepará-la.
(Matthew Grimsdale)
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A Menina Por Detrás da Janela
Era uma vez, num país cinzento e frio, um Rei que adorava uma me-
nina.
A menina era tão bonita que o Rei se apaixonara por ela. Como a que-
ria sempre junto de si, lançou-lhe um feitiço e transformou-a em boneca.
Oferecia-lhe colares e travessões em veludo para os cabelos e, todas as noi-
tes, passava longas horas com ela. Deitava-a a seu lado e acariciava-a com
tanta paixão que a boneca quase asfixiava.
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ção. Embora muda, tentou mimar a sua história. O rapaz não compreendeu
tudo, mas adivinhou o sofrimento e compreendeu o seu pedido mais insis-
tente: a boneca queria uma boca. Como iria ele encontrar tal coisa?
— Por favor, as minhas pernas são de algodão e são tão frágeis que
gostaria de ter umas bem mais fortes para correr!
Cheia de frio e sem saber para onde ir, aninhou-se contra a casca
mirrada e grosseira de um velho carvalho. Tentou dormir, semicoberta por
um tapete de folhas mortas. Decerto iria morrer ali! O vento lançava os seus
dedos gélidos sobre ela e entrava-lhe na pele como se fossem agulhas de
neve, que a matariam antes do dia raiar.
(Joly Gut)
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A Menina Que Deixou de Sorrir
Chamo-me Lisa. A minha melhor amiga é a Paulina. Ela sabe todos os meus
segredos. Menos um. Um segredo horrível que não posso contar a ninguém.
Divido este segredo com um adulto. Ele vê muitas vezes televisão comigo. Quer
ser sempre ele a dar-me banho. Compra-me bombons, brinquedos, e dá-me dinheiro
para eu ficar calada. Esse adulto não se cansa de repetir que, se a minha mãe souber do
nosso segredo, vai deixar de gostar de mim e vai dizer que sou uma mentirosa e que
depois eu vou para a cadeia.
Por isso, não digo nada. Já quase não falo. Já não rio, já não sorrio (deixei de rir,
deixei de sorrir?). A minha mãe pergunta-me muitas vezes:
Eu não respondo. Tenho medo que o meu horrível segredo saia da minha boca.
Baixo a cabeça e aperto os dentes com força. O segredo invade o meu corpo todo.
Tapa-me os ouvidos, já não oiço música. Turva-me os olhos, já não leio os meus livros.
Enche-me o coração, já não brinco a nada.
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— Ela… ela está a fugir…
Tenho tanto medo que as palavras recusem sair da minha boca. Mas a professo-
ra Marta pergunta ainda:
Falei demasiado. Fujo para a outra ponta do recreio e atiro-me contra a grade.
Queria desaparecer. A professora Marta vem ter comigo.
Não respondo. Desato aos soluços. A professora Marta debruça-se sobre mim e
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aperta-me nos braços. As lágrimas correm-me pela cara.
— Não, Lisa. Dentro de ti (no teu coração) há um sol que ninguém consegue
roubar.
Repito para mim: não tenho culpa de nada… não tenho culpa de nada… não
tenho culpa de nada.
Vou falar, vou falar, vou falar, até que se parta em mil pedacinhos.(Escrito
por Merari Tavares)
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O Gato das Botas
Era uma vez um velho lenhador que tinha três filhos. Meses antes de
morrer, reuniu em sua pequena sala os seus herdeiros e dividiu os seus bens
com cada um deles.
O rapaz levou um grande susto, quando se deu conta de que seu gato
havia acabado de falar.
— Não, meu amo! Isso é real! Confie em mim! Eu ainda o farei o ho-
mem mais rico do mundo!
Ao ouvir aquelas palavras, como não tinha muito que perder, o jovem
resolveu atender ao pedido do seu animal e lhe comprou as botas, o chapéu
e o saco, conforme pedido, e lhes entregou. Cuidadosamente, o gato calçou
as botas, colocou o saco nas costas e pôs o chapéu na cabeça. Agora, ele
não era mais um animal qualquer. Ele havia se tornado o Gato de Botas.
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Muito astuto, o bichano foi até um bosque ali perto e armou uma ar-
madilha com o saco que ganhou de seu amo. Minutos depois, havia caçado
um coelho branco.
No dia seguinte, o gato presenteou o rei mais uma vez, levando dessa
vez um trio de codornas, também oferecidos em nome de seu amo.
— Se não disserem para todos que passarem aqui que esse canavial é
do Marquês de Carabrás, suas terras serão tomadas pelo rei!
E assim, a cada resposta que o rei recebia das pessoas que ele conver-
sava e perguntava sobre as terras, mais ele ficava impressionado.
(Gilles Tibo)
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A Cadeira Que Quis Ser Trono
Esta cadeira não tinha os pés bem assentes no chão. Era uma cadeira
um pouco desequilibrada, como vão apreciar.
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— É que eu também tive ambições, quando era nova. Quis ser mesa
de banquetes, imaginem! Só me via vestida com uma grande toalha de linho
e rendas, enfeitada de castiçais de prata, coberta de travessas finas e talhe-
res reluzentes… Sonhei com este banquete mil vezes, mas nunca me deram
nenhum.
Um dia, passou por ali um vistoso cortejo de cavaleiros. Era o rei que
ia à caça, em companhia dos seus fidalgos. O séquito atravessou a galope
a única rua da aldeia. As mulheres, os homens e as crianças, que nunca ti-
nham visto cavalos tão bonitos nem cavaleiros tão bem vestidos, vieram às
janelas e disseram adeus com lenços.
Das portas abertas das casas vinha um cheirinho apetitoso a pão de-
senfornado. Sua Majestade tentou-se pelo cheiro e, fazendo um gesto, man-
dou parar a comitiva. O estribeiro-mor ajudou-o a descer do cavalo, o que
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ainda foi difícil, e amparou-o até à soleira de uma porta, precisamente a
porta da casa onde se passa esta história.
— Coitados, a culpa não foi deles — disse o rei, referindo-se aos velhi-
nhos. — Dêem-lhes dinheiro para uma cadeira nova. Ai!
(António Torrado)
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A Maçã Verde
Este é o meu segundo dia na minha nova escola, no meu novo país.
Hoje não vai haver aulas porque vamos para o exterior. Mas os outros
dias não serão como este. Amanhã voltarei para a aula em que irei aprender
a falar Inglês.
O meu pai tinha-me explicado que aqui nem sempre éramos bem-
-recebidos.
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meus colegas, mas a minha “dupatta” (écharpe comprida e larga) cobre a
minha cabeça e os meus ombros. E eu não tenho visto mais ninguém usar
“dupatta”, embora no meu país todas as raparigas e mulheres a usem.
A rapariga que está sentada junto a mim sorri e aponta para si mesma.
Há três cães que surgem e que correm à nossa frente. Penso que
pertencem aqui e que sabem o caminho. Uma vez tive um cão chamado
Haddis.
Sei que devo apanhar apenas uma, como fizeram os outros alunos.
Eu digo que sim.
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Queria tanto dizer-lhe:
Afastei-me dos restantes colegas. Junto a mim está uma árvore, mais
pequena do que as outras, que não parece enquadrar-se. É pequena e está
sozinha, como eu. Algumas maçãs totalmente verdes pendem nos seus ra-
mos. Colho uma. Cabe perfeitamente na minha mão.
— Ei!
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Os meus colegas começam a empurrar o manípulo. As maçãs pica-
das são espremidas.
Eu deixo-me ficar para trás, sem ter a certeza se devo estar junto dos
outros. Empurrar o manípulo deve ser difícil. Eles inclinam-se sobre ele e
gemem.
A Ana chama por mim e acena-me para ir para junto dela. Um rapaz
abre espaço no manípulo, entre eles. Fico muito contente.
Deve ser o que estamos a beber. E digo uma palavra para mim pró-
pria: Ma-çã.
Eu assinto.
O feno faz-me cócegas nos braços e faz a Ana espirrar. Cheira a sol
seco.
— Ma-çã — digo.
(Eve Buntin)
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A Cor dos Telhados
— Manuela, queres dizer aos teus colegas onde fica a tua aldeia?
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— Vamos lá ver, meninos! Quem sabe o que é a ardósia?
— Então, Manuela! Vai para a tua mesa e lembra-te que aqui, os telha-
dos são vermelhos, e que é de vermelho que deves pintá-los.
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atentos aos filhos e também não se aperceberam da sua tristeza, achando
que ela estava a crescer e que era por isso que já não brincava tanto.
Ainda bem que Manuela aprendera a ler na sua aldeia, porque os li-
vros tinham-se transformado na sua tábua de salvação. Submergia-se nas
aventuras que lia, e sentia, como os protagonistas, tudo o que se passava
com eles. E muitas vezes sorria ao imaginar certas cenas…
— Manuela! Pára de ler que o jantar está na mesa! — dizia a mãe qua-
se todos os dias.
— Acho muito bem, filha, mas agora come, que já é muito tarde e tens
de deitar-te.
Por vezes, sonhava que tinha muitas amigas a quem lia contos ou
que, montada num grande pássaro dourado, percorria lugares maravilhosos.
Outras vezes, sonhava que falava com os castanheiros da sua aldeia, ou que
era a heroína de uma história fantástica e que salvava muitas pessoas…
81
Pouco a pouco, Manuela começou de novo a pintar com todas as co-
res do seu estojo: telhados pretos e telhados vermelhos, árvores com folhas
verdes e árvores de folhas amarelas, jardins com flores de todas as cores,
janelas brancas com cortinas e casas com chaminé.
(B. I.)
82
A Floresta de Lata
Era uma vez um lugar amplo, varrido pelo vento, perto de nenhures e
quase esquecido, que estava cheio de coisas que ninguém queria.
Certo dia, algo chamou a sua atenção e uma ideia ganhou forma na
sua cabeça.
Não era a floresta dos seus sonhos, mas era, ainda assim, uma floresta.
Era uma vez uma floresta, perto de nenhures e quase esquecida, que
agora estava cheia de coisas que todos queriam.
84
O Jardim Curioso
Era uma vez uma cidade sem jardins, sem árvores, sem verde de es-
pécie nenhuma. A maioria das pessoas passavam o tempo dentro de casa.
Como se pode imaginar, era um lugar muito desolado.
Foi numa manhã assim que o Jorge fez diversas descobertas surpre-
endentes. Andava a passear ao pé da velha linha férrea, como fazia de tem-
pos a tempos, quando deparou com umas escadas escuras que conduziam
lá acima à linha.
Mas quando olhou mais de perto, tornouse claro que as plantas esta-
vam a morrer. Precisavam de um jardineiro.
O Jorge podia não ser um jardineiro, mas sabia que era capaz de aju-
dar. Por isso voltou à linha férrea logo no dia seguinte e pôs-se a trabalhar.
85
A maioria dos jardins ficam sempre no mesmo sítio. Mas este não era
um jardim vulgar. Com quilómetros de linha férrea pela frente, o jardim co-
meçava a sentir-se irrequieto.
86
ma misteriosa e repentina.
Muitos anos mais tarde, a cidade inteira tinha florescido. Mas, de entre
todos os jardins, o Jorge preferia o jardim onde tudo começara.
87
O Buraco no Jardim
88
Então, um dia começou a chover, e o buraco ficou molhado. Choveu
durante muito tempo e no fundo do buraco formou-se uma poça.
— Ainda é pouco — disse Oliver. — Para já, ele não pode nadar aqui
dentro.
— O elefantezinho.
O vento atirou folhas para a poça, que cobriram a água. Oliver repa-
rou nisso quando desceu ao buraco e depois subiu com os sapatos cheios
de água.
— Possivelmente…
89
Nevou e o buraco ficou coberto de neve. No começo da primavera,
já havia mais água no lago. E para que não voltasse a secar tão depressa, o
avô dava de vez em quando uma ajuda com a mangueira. O lago agradeceu.
Ainda estava pequeno, mas aguentou.
Não era lá muito bonito. Mais parecia uma grande poça suja. A pisci-
na azul cristalina do vizinho sorria, ao lado. O lago de Oliver era escuro. No
cimo, boiavam folhas meio apodrecidas e pequenas algas escuras.
90
mam-se em rãs.
— Se estivermos com sorte, ainda vamos ter rãs no nosso lago — disse
o avô.
(Friedl Hofbauer)
91
Como Se Faz Cor de Laranja
flores amarelas,
árvores doiradas,
montanhas verdes…
92
O Menino entrou numa loja e perguntou por cor de laranja.
O Menino saiu da loja e foi bater à porta do Sábio (convém avisar que
era um falso sábio, um tolo a fingir de sábio…).
O Menino saiu de casa do Pintor e foi ter com o Poeta (muito mau
poeta, aliás), que estava no jardim a rebuscar rimas para os seus versos. Mal
lhe perguntou como se fazia cor de laranja, o Poeta começou a declamar:
93
Sumarenta palavra que alimenta
O Menino fugiu do mau poeta e não foi ter com mais ninguém. Sen-
tou-se num banco do jardim e descansou. Seria assim tão difícil conseguir
fazer cor de laranja? Lá em casa, a folha de papel esperava em cima da mesa,
e as algas alaranjadas continuavam a ondular nos olhos do Menino.
94
— Olha bem para a terra dos canteiros. É, de facto, preta?
— Diz!
— …parece vermelha.
— Ora vês que não é difícil fazer cor de laranja. Junta o amarelo do sol
ao vermelho da terra, o som do pandeiro ao som do clarim… Vai depressa
acabar de pintar.
(António Torrado)
95
A Chover e a Fazer Sol
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E Alice no meio das flores
Por entre fadas caminha.
97
Maria Sapeca
O Sol deixou cair um raio, dois raios, pela madrugada. Sobre a terra
húmida cheia de ervas verdes.
E a flor nasceu.
Era Maria Sá, filha de Rosa Sá (quase Rosa Chá) e de Sancho Sá.
E viu a flor que a madrugada ali poisara pela ponta de um dos seus
raios.
Do alto de uma árvore, cantou um pássaro, que por sinal era um lindo
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sabiá:
— Maria Sá peca!
99
Maria Sá, filha de Rosa Sá (quase Rosa Chá) e Sancho Sá, via a peque-
nina flor como um rosado esplendor. Da cor das suas faces rosadas e dos
seus lábios vermelhos.
— Porque peco eu, sabes, Lago da Solidão? Porque diz isso o sabiá?
Sabes?
Maria Sá ficou mais triste ainda. Mas sentiu qualquer coisa num pé.
Uma formiguinha preta subia-lhe pela sandália de couro, fazia-lhe cócegas
no pé.
100
— Vou eu responder-te, Maria Sá. Na minha humildade de formiga
que tudo vai vendo, escutando. Silenciosa.
“Sobe à montanha, verás mais flores, árvores, casas, sol, estrelas, pás-
saros, nuvens. E, sobretudo, todos os homens que andam pelo mundo. Que
esperam um sorriso do teu rosto. E, se lhes sorrires, não serás mais triste
nem desanimada. Vês que sei, Maria Sá?”
Maria Sá, filha de Rosa Sá (quase Rosa Chá) e Sancho Sá, olhou-a re-
conhecidamente.
E começou a andar.
101
— Bom dia, Maria Sá!
Maria Sá nunca mais olhou o seu rosto triste nas águas do Lago da
Solidão. O cabelo negro de risca ao meio emoldurava um rosto de alegria.
Uma beleza.
Flor de alegria.
Flor que não é filha de Rosa Sá (quase Rosa Chá) nem de Sancho Sá.
Florzinha espelhada. Alegria mesmo. E filha de ninguém.
102
A Menina Que Se Enfeitava Demais
— Aree, estas argolas de oiro haviam de ficar tão bem nas tuas orelhas
delicadas. Temos de tas comprar!
— Aree, aquela pulseira de prata havia de ficar tão bem no teu braço
fino. Temos de ta comprar!
— Aree, aquele anel de rubis havia de ficar tão bem nos teus dedos
esguios. Temos de to comprar!
— Oh, Aree, que bem há-de ficar-te esta cor! Temos de te comprar
esta seda!
103
— Assim, posso exibir dois dos meus vestidos de seda! Só que este
fúcsia é o mais alegre de todos. Penso que o vou usar também.
E a escolha continuou:
Aree pôs todas as jóias que possuía. As amigas chegaram pouco tem-
po depois.
— Aree! Pareces…
Nem sabiam o que dizer. Aree saiu de casa aos tropeções, carregada
de sedas, anéis, pulseiras e brincos. Mal podia andar. Mas sentia-se orgulho-
sa.
104
— Vejam só as minhas belas roupas. Vejam só o meu oiro e as minhas
jóias. Vou de certeza ser… a rapariga mais bela do baile!
Parecia tão pateta que as amigas fizeram um esforço para não se ri-
rem.
— Esperem por mim! Esperem por mim! Não consigo subir a colina!
— Esperem por mim! Esperem por mim! Não consigo subir a colina!
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Durante o dia todo, Aree arrastou-se pela colina acima debaixo de um
sol escaldante. Chegou ao cume à noitinha. Parou, demasiado exausta para
dar mais um passo, enfiada naquelas roupas tão pesadas.
— Pai, mãe, vesti coisas a mais! Não preciso destas roupas todas!
106
Aventura Com Asas
Não me recordo muito bem em que ano isto aconteceu. Mas sei que
trazia vestido um casaco vermelho com botões de metal amarelo a que eu
chamava «o meu casaco à marinheiro», um gorro branco com riscas azuis,
um cachecol igual ao gorro e luvas. Luvas ou LUVA? O mais certo era ser
LUVA porque eu perdia sempre uma delas, precisamente a da mão direita.
— Não as tires, que ficas cheia de frieiras! Olha que está muito frio!
— Para que será tanto trapo? Onde é que já se viu uma criança ser
feliz com as mãos tapadas?
Se foi isso, não mete medo, pensei. Quando tive o sarampo houve um
e fartei-me de rir: as chávenas do guarda-louça todas a fazerem tlim-tlim,
as tampas das terrinas a levantarem-se e a baixarem-se sem ninguém lhes
tocar, as salvas de prata a rolarem para cá e para lá, a cama a tremer como
se eu estivesse com frio e a minha avó a andar, feita tontinha, aos zigueza-
gues, sem conseguir equilibrar-se, como se tivesse bebido o vinho do Porto
da garrafeira.
— Não sei — disse ela, olhando muitas vezes lá para fora e depois para
nós.
Mas por tudo isto, que só aconteceria vinte minutos depois se o céu
não tivesse escurecido e as janelas não tivessem tilintado, esse espaço li-
vre era festa, era alegria e, sem que o imaginasse, transformou-se na maior
aventura da minha vida de criança.
Vou contá-la.
Quando a minha Mãe souber que tem uma filha ave, vai ser lindo, vai.
110
bém era muito esquisito… A ribeira quase não tinha água e mesmo quando
ia cheia, mal dava para tapar as pedras e molhar as patinhas das rãs…
Continuei a voar.
E outra comentava:
— Sim, sim — dizia outro. — Mas não se aproximem dele, que não é
para brincadeiras quando se trata da sua menina…
111
— E então agora, como temos medo do cão, a criança vai ficar ali
pendurada como um figo maduro? À espera de quê?
Seria amor?
112
lhor que tudo e, de certeza, nunca mais me voltaria a acontecer.
Parecia que, de repente, tudo ganhara asas e nunca mais haveria nada
que fosse firme, vertical, seguro, equilibrado.
113
Mina Não Queria Crescer
Aos cinco anos, Mina era uma minúscula fada, do tamanho do teu
dedo mindinho. Mina ainda falava à bebé: dizia “Au-au” para cão, “fafá” para
fada, “vavá” para varinha e “quelo” em vez de quero. Às vezes também ficava
vermelha de cólera, fazia beicinho, dobrava as asas e recusava-se a fazer
fosse o que fosse. Em conclusão: tinha ficado uma fada-bebé!
— É normal, é uma criança — dizia o rei seu pai, que tinha sido sempre
muito compreensivo para com Mina, a ponto de, por vezes, se rir dos seus
amuos e dos pequenos defeitos de pronúncia.
Mina gostava tanto da sua chupeta que a limpava com um pano to-
das as manhãs, como fazem as fadas grandes às suas varinhas. Lidava com
a sua tetina como Aladino com a sua lâmpada mágica ou como outras pes-
soas fazem com a galinha dos ovos de ouro. Como se fosse um verdadeiro
tesouro!
Mas nada resultava. Mina não largava a chupeta e dizia “dada” e “féfé”
114
e “nana”. As pessoas chegavam a perguntar-se se aquele objeto de plástico a
impediria de falar como uma fada de cinco anos.
— Bom dia, Mina — disse a fada Sininho. — Sabes que hoje venho en-
tregar-te a varinha mágica?
— Oh, não é possível! Uma destas! É a primeira vez que ouço tal coi-
sa! — diz a fada-madrinha a sorrir. — Tenho a certeza de que, se dissesses às
meninas do país dos homens para escolherem entre uma varinha mágica e
115
uma chupeta, elas não hesitariam um segundo… “Uma chupeta nem sequer
é mágica. Enquanto uma varinha… com ela posso conseguir fazer imensas
coisas!” Seria isto o que as meninas pensariam imediatamente.
— Coisas maravilhosas!
E por artes mágicas, a fada Sininho fez aparecer diante dela o Grande
Livro das Grandes Obras das Fadas, onde estavam registados os actos mais
mágicos:
116
— Então, o que é que escolhes? Queres continuar com a chupeta de
fada-bebé ou receber uma magnífica varinha de condão?
E foi assim que Mina recebeu da Academia das Fadas uma magnífica
varinha de condão cor-de-rosa e branca, que ela contemplava de olhos a
brilhar.
Podes acreditar que, a partir daquele dia, não voltou a ter saudades da
chupeta, porque se deu conta de que não era difícil decidir, de uma vez por
todas, deitá-la fora e… crescer a sério!
(Sophie Carquain)
117
O aniversário de Nina
— Ah! Achei!
A campanhia tocou:
— Dim-dom!
118
Ao abrir a porta, Nina já deu aquele sorrisão e cumprimentou:
Se eu falar que não, vai adiantar alguma coisa? — pensou Nina em-
burrada e sem resposta.
Dona Elefanta, que estava por perto, não sabia onde colocar a cara de
tanta vergonha. Pediu desculpas pela filha e chamou-a no canto:
— Boa noite, dona Minhoca, que bom que a senhora veio e trouxe
toda a família… Você tem alguma “coisinha” pra me entregar?
— Ah! Claro, Nina o seu presente! Você não vai acreditar, estava vin-
do para a festa e acabei esquecendo seu presente bem em cima da cama.
Desculpe!
119
A campanhia tocou novamente:
— Já tô indo, já tô indo!
— Querida, a sua festa está tão linda, veio toda a bicharada, qual o
motivo de tanta tristeza, posso saber?
— Pois eu acho que a sua festa linda daqui a pouco vai acabar; por
isso, se você não aproveitar, vai ficar também sem nenhum momento legal
para lembrar! Tire essa tristeza da cara, levante essa poupança do sofá, e vá
brincar com seus convidados.
A mãe chegou tão de mansinho na porta que ela quase não perce-
beu.
(Rúbia Mesquita)
121
A Imagem de Lola
O espelho, ora se mostrava seu amigo, ora seu inimigo. Havia alturas
em que ela se achava muito gorda, com as suas bochechas e a barriguinha
a sair-lhe das calças de ganga, sobretudo desde o dia em que, na aula de
ginástica, o Nicolau grande lhe dissera:
Seria bonita, seria feia? Na verdade, não sabia. Olhava para o nariz
e achava-o abatatado, e os joelhos metiam um pouco para dentro. Depois,
virava-se:
Nada lhe escapava. Sabia de cor que o seu perfil mais bonito era o do
lado direito. Que com esta saia ou estas calças se via menos a barriga, mas
se notava mais as pernas, que eram um pouco gordas. E perguntava-se:
E suspirava:
Um dia em que Lola se virava, sorria, dizia mal de si própria, fazia tre-
jeitos, levantava os cabelos com uma mão, apertava o nariz com a outra, eis
que de repente, incrível!… deixou de ver a sua imagem no espelho. Já não
estava lá nada! Franziu os olhos, olhou por detrás dela, apalpou os braços,
os ombros, para ver se continuava a existir… E, de repente, ouviu um enor-
me suspiro! Quando se virou, adivinha quem ela viu por detrás dela… A sua
imagem, de mãos nas ancas, que a observava com um ar furioso!
A imagem continuava:
E continuava a resmungar:
124
Lola, atónita, regressou à sala.
Lola achava-se muito mais bonita, já não tinha o nariz metido no seu
umbigo, sentia confiança na sua amiga imagem! “Decididamente”, pensou
ela uma manhã, quando olhava de relance para o espelho, “vivemos muito
melhor connosco próprios quando nos vemos de relance.” E piscou o olho
ao espelho.
(Sophie Carquain)
125
Uma Margarida Diferente
Até que um dia, algo inesperado aconteceu. Não sei como, nem por-
que, simplesmente aconteceu sem ninguém explicar. É que ali, bem no meio
de todas essas margaridas brancas, outra margarida nasceu.
No início achou que esta era a forma que elas recebiam as flores que
chegavam, e meio desajeitada com a situação, sem saber o que dizer, ape-
nas sorriu.
— Calma, gente, vai ver que ela nasceu com aquela doença, a febre
amarela. Daqui a uns dias ela melhora, volta à cor normal! Por isso, acho
melhor ninguém se aproximar, pode ser uma doença grave.
126
As margaridas na mesma hora se afastaram, não queriam ser conta-
minadas.
— Já sei — disse outra. — Quem sabe, quando ela estava para nascer,
algum bicho fez cocô em cima dela, por isso ela está assim, meio amarelada.
Eca!
— Ela pode ter queimado no sol, torrado e ficado desse jeito, meio
desbotada — falou mais outra.
Até que uma noite, teve uma idéia. Perguntou a um passarinho que
voava por ali, se existia alguma maneira de ela ficar como as outras, bran-
quinha, branquinha.
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Quando as margaridas acordaram, levaram o maior susto! A margari-
da amarela tinha se transformado em branca!
— Tá vendo, eu bem que disse que com o tempo ela iria clarear, era
só uma doença passageira! — disse uma margarida branca.
No entanto, você já deve ter ouvido falar que mentira tem perna curta
e, por isso, não dura para sempre. Aconteceu que um dia uma tempestade
forte caiu no jardim. Era água que não acabava mais. O vento soprava com
força, as margaridas se seguravam uma nas outras para não serem levadas. E
o vento ventava e levava para o alto pedaços de folhas, galhos, flores caídas
no chão… e levou também a cor branca da margarida amarela.
A margarida amarela ficou tão feliz, por ser aceita como era, que seus
128
olhos derramaram lágrimas de tanta felicidade, e ela tentava despistar.
(Rúbia Mesquita)
129
Casa de Vó
É onde até o limão é doce e qualquer doce fica muito mais doce.
E dentro?
Nem se fala…
130
Até a guerra de travesseiros vem, mas significa paz e alegria.
Com toalha bem lavável, sem enfeites caros e novos, resistentes, isso
sim.
Se escuta sempre:
Dinheiro de Vó rende…
132
As estórias de Vó, as brincadeiras e as cantigas de ninar, só ela conhe-
ce, mais ninguém.
133
O Tio Vasculho
Havia uma única espécie de lixo que o não indignava: as folhas secas
do Outono. O Tio Vasculho tinha por elas uma verdadeira paixão. Eram tão
lindas! As folhas das olaias, redondas e doiradas, pareciam-lhe montes de
libras enormes. As dos plátanos, cor de cobre, essas eram como estrelas ca-
ídas por engano no empedrado dos passeios ou no alcatrão da rua. E havia
muitas outras, miudinhas ou largas, vermelhas ou amarelo-canário, cor de
mel ou cor de pinhão…
134
O Tio Vasculho varria-as também, já se sabe, porque o seu trabalho
era varrer e porque as ruas querem-se limpas, mas não o fazia com a fúria
que empregava para varrer as coisas sujas. Varria-as com amor, juntando-
-as cuidadosamente como quem junta um tesouro precioso. Era para ele o
momento melhor do ano, esse tempo do outono quando caíam as folhas. E
o Tio Vasculho sentia-se poeta, mesmo sem saber fazer versos. (Porque ser
poeta é só isto: admirar e amar as coisas lindas que há no mundo à nossa
volta.) E por isso, apesar de velho e trôpego, o Tio Vasculho era feliz. Até que
um dia…
136
Oficina dos Brinquedos
Começa num sótão de uma velha casa a história que vamos contar.
De uma mala entreaberta sai uma vozinha queixosa:
— O cuco do relógio sabe. Deem-lhe corda que ele diz — lembra ou-
tra voz mais esperta.
— Nada disso. É ela que não se conforma e não acredita que já nin-
guém a quer. Quem precisa de uma boneca velha?
138
A boneca limpa as lágrimas e levanta os olhos para o ursinho:
Digamos já, para encurtar a história, que aquele sótão, há pouco triste
e sonolento, se transformou numa animada oficina de brinquedos.
Na manhã seguinte:
— Deixa lá isso, agora! Repara que estes brinquedos estão como no-
vos. Parece que o tempo não passou por eles.
(António Torrado)
140
Como Maria Derrotou o Crocodilo
— Uuaah!
Maria queria ir ter com o pai e com a mãe mas, para isso, tinha de sair
da cama e, de certeza que o crocodilo a apanhava.
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— Com esperteza! — disse o pai, que foi buscar uma grande caixa de
sapatos e deitou lá para dentro todos os pedaços do crocodilo, grandes e
pequenos.
(Elisabeth Zöller)
143
A Lição da Paciência
— Podes assim ver como é importante ser paciente. Três vezes ouvis-
te o meu conselho, já não conseguindo dissimular o enfado. À quarta vez
não conseguiste controlar a fúria. O que acontecerá quando, no desempe-
nho do teu cargo, tiveres de ser verdadeiramente paciente?
(J. J. Letria)
144
A Vassoura Nova
Era uma vez uma vassoura que andava a estudar para aspirador. Mas
sem grandes resultados, deixem-me que lhes diga.
Ela revoltava-se:
Um dia, foi preciso uma vassoura para uma peça de teatro – uma
história, que metia feiticeiras, daquelas de lenço e nariz de cavalete (de pa-
pelão, já se vê…). Eram bruxas à antiga, que cavalgavam vassouras e voavam
no palco (a fingir, já se sabe…).
“Se a minha avó aqui estivesse, havia de gostar”, pensava, muito orgu-
145
lhosa, a vassoura.
Era pena, mas não estava. Por sinal que, lá em casa, tinha-se avariado
o aspirador e quem, agora, fazia toda a lida da casa era a vassoura velha.
— Não estou nada. Agora sou uma atriz em férias, fique sabendo.
(António Torrado)
146
Biscoito
O Biscoito pôs-se a andar antes que o castor lhe ralhasse. “Não tenho
tido muita sorte” pensou o Biscoito. Depois, lembrou-se de outro anúncio
do jornal. PROCURA-SE: EMPREGADO PARA RESTAURANTE NOVO. TEM DE
TER BOA APARÊNCIA E BOAS MANEIRAS. ESSENCIAL O CONHECIMENTO
DE INGLÊS. “Perfeito!”, pensou o Biscoito.
Ele tinha tido Inglês na escola. Vestiu outra roupa para ficar super
apresentável e foi para o restaurante.
“Parece que as pessoas que contratam gatos só querem que eles per-
sigam ratos”, pensou o Biscoito. “Mas eu não quero perseguir ratos — afinal,
eles nunca me fizeram mal!” Nesse momento, viu um anúncio numa mon-
tra. LOJA DE QUEIJOS RATOS & COMPANHIA — PROCURA-SE ASSISTENTE
(Becky Bloom)
149
A Cerejeira Da Lua
Como se toda a gente não soubesse que a Lua deixou de ser inacessí-
vel. Botas memoráveis pisaram-lhe a superfície desolada. Satélites zumbem
à sua volta. Telescópios potentíssimos perscrutam-lhe todos os socalcos,
rugas e verrugas.
Aliás, pouco importa. Ela que nos ignore. Que dirija a atenção para
a distância azul da noite. Que recorde outros tempos, antigas glórias. Que
sonhe. Deixem-na sonhar.
O imperador suspira:
– E descobriste-os?
152
O imperador Meng Uóng, de pálpebras apertadas, sente, num arrepio,
que os pés, calçados com finas babuchas escarlates debruadas a pérolas,
se soltam do solo e divagam no vazio como se os tivesse suspensos de um
baloiço.
Vão longe? Vão perto? Por onde voga o bordão a que sábio e impera-
dor se fincam como náufragos que rodopiassem no turbilhão de uma tem-
pestade silenciosa? O imperador pergunta e não quer achar resposta.
Ah! eis a Lua! A seu lado, Tien-O-Tzê recupera só para ele a vara de
cerejeira e enterra-a no musgo esbranquiçado do solo lunar, fofo e macio,
que dá a cada passo uma cadência de dança.
155
Mas o imperador duvida:
Quem quiser ver a cerejeira, que olhe para a lua na noite que precede
o décimo quinto dia do oitavo mês lunar, segundo o calendário chinês.
(António Torrado)
156
Lúcio e as Estrelas
Diz uma lenda que, na Terra de Cristal, vivia um povo que falava com
as estrelas. Os anciãos ensinavam as crianças desde pequeninas a comu-
nicar com elas, não por palavras, mas através do pensamento. Mesmo que
gritassem, os habitantes das estrelas não podiam ser ouvidos, por ficarem
muito distantes; mas os pensamentos, esses chegavam, porque para o pen-
samento não há distância.
Lúcio sentia-se um tanto nervoso: nessa noite teria a sua grande festa
e iria escolher a sua estrela. Ia ter de mostrar que aprendera tudo o que os
anciãos lhe ensinaram.
— Ainda tens tempo para pensar nisso. No primeiro dia, deves apenas
apresentar-te, dizer o teu nome e como és. Aconselho-te a não falares mui-
to. Eles têm de familiarizar-se contigo aos poucos.
— E se não responderem?
Lúcio ficou pensativo: via toda a aldeia ali reunida a olhar para o céu
à espera do brilho azulado e este sem aparecer… O professor, que ouvia os
seus pensamentos, sorriu e disse-‑lhe:
— Lúcio, confia em ti. Se duvidares de ti, essa dúvida vai provocar uma
grande debilidade na tua mente e, assim fracos, os teus pensamentos não
chegarão à tua estrela. Porém, se tiveres confiança e não duvidares das tuas
capacidades, o teu pensamento será potente como a luz de um grande foco
e chegará sem qualquer impedimento à tua estrela.
Lúcio compreendeu que essa noite tão especial iria provar se ele re-
almente confiava em si próprio!
— Muito bem, Lúcio. Deves saber que essa estrela pertence ao siste-
158
ma de Arcturus. Já podes enviar a tua mensagem, quando quiseres.
E Lúcio assim fez. Foi então que começou a sentir um grande calor
no peito… De repente, as pessoas que olhavam para o céu soltaram uma
grande exclamação. Lúcio abriu os olhos e viu, fascinado, a sua estrela ir-
radiar uma linda luz azulada e dentro da sua cabeça ouvia: Somos os teus
amigos de Arcturus. Estamos contentes por te conhecer. A partir de hoje ire-
mos ensinar-te o que nós aprendemos, para que, quando chegar a ocasião,
tu o ensines aos habitantes da Terra de Cristal. Todos aplaudiram Lúcio, que
permanecia calado, enquanto escutava os seus novos amigos das estrelas.
(B. I.)
159
O Bastão do Poder
Ao ouvir tal, a anciã deu uma estrondosa gargalhada que quase a fez
cair ao chão.
— Não — respondeu ela — só te disse que está mais perto do que pa-
rece.
161
Tinha a impressão de passar mais que uma vez pelos mesmos caminhos.
Após o susto inicial, deu-se conta de que era um corvo. Tinha pousa-
do no seu peito e observava-o com uns olhos bem próximos um do outro.
— Tu, passaroco. Fora daqui! A não ser que queiras mostrar-me onde
se esconde o bastão do poder!
Escondi-o no punho da espada, não por ela ter algum valor, mas por-
que quero que entendas que o importante está sempre contigo. O bastão do
poder encontrá-lo-ás sempre dentro de ti, se agires com justiça, humildade
e generosidade, pois não há maior conquista do que a conquista de ti mes-
mo. Não precisas de mais nada para governar. Vemo-nos no outro mundo,
Teu Pai
Dr. Eduard Estivill; Montse Domènech
163
Branca, A Ratinha Que Não Queria Adormecer
Branca detestava a noite, que era má e não lhe trazia sono. Toda a
gente dormia sempre, exceto ela. A sua cabeça continuava às voltas, às vol-
tas, como um pequeno hamster na sua roda.
164
Mas a porta que estava aberta era a que estava dentro da sua cabeça,
deixando passar todas os seus medos. Era assim que Branca vigiava sempre
a casa, a cidade, e o mundo inteiro!
Era por isso que a ratinha gostava tanto de convidar uma amiguinha
para casa, apenas para não estar só. Junto da amiga, a roda do pensamento
deixava de girar.
- Tap-tap-tap…
- Não tenhas medo de nada. Como sou o Rei da Noite, estou aqui
para te ajudar.
- Ouvi dizer retomou o mocho que tinhas alguns problemas para dor-
mir. É verdade?
- Vamos ver essa magia disse o mocho, que tirou um pequeno instru-
mento luminoso da sua asa, como os que são utilizados pelos médicos dos
ratos.
- Hum, hum - disso o mocho - acho que os teus ouvidos são perfei-
tamente normais… Mas, o que vejo através dos teus ouvidos, do outro lado,
é uma pequena luz, aí, no interior do cérebro. Uma pequena lampadazinha
vigilante que nunca se apaga! Uma pequena lâmpada que se mantém acesa
a ouvir tudo.
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- Como é que podes dormir com isso na cabeça? Eu não posso fazer
nada por ti.
- Nada. Essa pequena luzinha está colocada fora do meu alcance. Está
muito longe na tua cabeça. Mas tu podes fazer alguma coisa.
- Boa noite.
E se uma amiga refila, ela repete: “Boa noite” e apaga a pequena luzi-
nha interior, como se faz com a luz de cabeceira ou com o telemóvel. Nesse
momento, sente-se sempre invadida por um imenso bem-estar.
É ela que decide quando acende e quando apaga a sua pequena lu-
zinha…
Sophie Carquain
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Ninguém Gosta da Lua
Choramingou tanto, tanto, que acabou por acordar a Noite, que dor-
mia.
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A Noite ouvia atentamente. — Também a mim me veem sempre a
dormir. Diz-se “Nasce o dia” e “Cai a noite”, como se eu caísse em cima do
mundo. Mas não é verdade! Sou muitíssimo útil. Sem mim, as pessoas esgo-
tariam as forças a correr ao longo do dia, sem parar nem um segundo. Gra-
ças a mim (e a Noite inchou o peito), as pessoas recuperam energia durante
a noite e podem tornar a brincar no dia seguinte!
Sophie Carquain
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Quando nos Empurram
Carolina está fora de si. Começa a berrar e quer atirar-se para o chão.
A Professora Marina leva-a então para o lado. Ao fim de algum tempo, Caro-
lina acaba por acalmar-se.
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propósito?
— Talvez, mas, pensando bem, não! — diz António, que viu o que
aconteceu.
— Mas nem era preciso — diz Ana — porque o empurrão foi sem que-
rer.
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— Desculpa — murmura Lídia, olhando para Carolina.
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André e o Novo Colega
— Eh, olhem, para mim a imitar o Henrique sou o Henrique! Mas não
repara onde põe os pés e cai pelas escadas abaixo.
Uma semana depois, André volta para a escola. Tem uma perna par-
tida, um pulso torcido. E precisa que o ajudem a levar os livros... Demora
muito a chegar a qualquer sítio e, ao meio-dia, Tina teve que levar-lhe o al-
moço à hora de comer, Tina tem que levar-lhe a comida. André come muito
devagar…
Até Henrique acaba primeiro! Henrique desafia André para uma cor-
rida e ganha…
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— Quem me dera ter uma cadeira de rodas! — diz André.
Como se sente feliz! Ao almoço, André come tão depressa que Hen-
rique nem pode falar com ele.
Nancy Carlson
André y el niño nuevo
Madrid: Espasa Calpe, 1991
(Tradução e adaptação)
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A História de Uma Gota de Água
Muito assustada por estar num mundo novo, ao assomar por cima de
uma folha viu que outras gotas de água como ela a acompanhavam, todas a
querer sair quanto antes e a empurrar-se. Juntas formavam um fiozinho de
água que deslizou serpenteando, saltando de rocha em rocha por entre as
árvores de um bosque.
A gota de água não disse nada, mas achou que ser manancial não era
assim tão mau: as flores até lhe agradeciam…
Já não era uma gota de água, já não era uma nascente, agora era um
rio. Não sabia muito bem ainda o que significava ser rio, mas sentiu uma for-
ça que antes não tinha, e que a empurrava para a frente, embora sem saber
bem para onde.
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O rio agora fluía com suavidade por um formoso vale cheio de flores,
vacas e ovelhas a pastar em silêncio, e a gota de água ficou extasiada diante
daquela paisagem tão bonita.
A gota de água sentiu-se muito feliz por ser um rio e que as flores,
as árvores e o gado estivessem tão gratos… E lá continuou o seu caminho,
abandonando aquele formoso vale. Ao fim de algum tempo, viu-se num
lugar rodeado de casas, de carros, de ruídos de gente e buzinas: estava a
passar por uma cidade e isso era também novidade para ela. Viu pontes por
onde passavam pessoas e admirou-se muito por o rio aí correr mais deva-
gar, mas com muita força.
— Obrigado por nos deixares apanhar alguns dos peixes que levas.
Pelo menos hoje podemos comer.
A gota de água voltou a sentir-se grata e contente com o que lhe di-
ziam. Ao longo do caminho, às vezes tinha tido medo, sobretudo quando o
rio começou a ir tão depressa que até saltava por cima de enormes pedras;
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noutros momentos sentiu tranquilidade, quando o rio formava remansos ou
se alargava. Depois de muito, muito tempo, viu diante dos seus olhos uma
coisa surpreendente: milhares e milhares de gotas de água como ela junta-
vam-se aí, as margens do rio tinham desaparecido e já não sabia onde esta-
va. Confusa por desconhecer o que era aquilo, ouviu a voz de uma criança:
E gostou muito de ser mar, por tudo ser muito variado e divertido:
havia muitos peixes diferentes, algas e plantas aquáticas de cores vistosas.
Um dia de verão, quando já se tinha acostumado a ser uma gota de água do
mar, começou a ficar nervosa. Pelo horizonte abeiravam-se muitas nuvens
e uma delas perguntou-lhe:
— Bem, já sei o que é ser nascente, rio e mar. Vou experimentar agora
ser nuvem, a ver se gosto…
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— Em neve? Isso o que é? — A gota de água começou a ficar inquieta.
Tal como dissera a nuvem, pela primeira vez na vida sentiu-se a voar…
e gostou. O vento pousou-a suavemente no cimo de uma montanha onde
ouviu alguém a dizer:
— Quem és tu?
A gota de água sentiu-se muito bem sendo neve e a ver tanta gente
divertir-se. Até que a primavera chegou.
Begoña Ibarrola
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