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CÓDIGO DA VINCI

Este é um tema que não abordaria em circunstâncias normais, seja por respeito a idiossincrasias
seja porque temas religiosos são sempre espinhosos. Meu querido pai, que já se foi - mas de
alguma forma revive cada vez que faço valer um de seus ensinamentos,- me dizia sem cessar
que não devemos ceder aos respeitos humanos. Ele tinha toda a razão: eu era cheio de
respeitos humanos e demorei anos para entender o que isto significava. Só quando o fiz é que
tive mais clareza a respeito da diferença entre tolerância e omissão, entre prudência e covardia.

O livro que dá nome a este texto foi um sucesso editorial, maior aliás que o filme que originou.
Ambos esmeram-se em criar uma desconfiança acerca da Igreja e sobretudo da Prelazia
pessoal criada por José Maria Escrivá, o Opus Dei (Obra de Deus) que tem se espalhado pelo
mundo. Dan Brown retoma o tema segundo o qual Jesus Cristo teve irmãos consanguíneos e
casou-se com Maria Madalena. Implicitamente acusa a Igreja de falsear a verdade e de
esconder este segredo a sete chaves. Brown não foi original no mote. O filme A Última Tentação
de Cristo já sugerira que Jesus ter-se-ia visto em apuros na hora de cumprir sua missão
salvífica. Porque teria que escolher entre sacrificar-se como o Cordeiro ou constituir com Maria
Madalena uma família. Bem, o papel aceita tudo, até mesmo que eu neste momento revogue
solenemente a lei da gravidade ou atribua a César o que Sócrates disse. Romancear histórias é
uma liberalidade sem maiores consequências, desde que não se o faça em detrimento da
ciência ou da religião. Ainda assim deve-se romancear com responsabilidade, sem a
desonestidade de escrever tendo como alvo o escândalo e a partir deste o lucro fácil.

A questão interessa a toda a cristandade porquanto Dan Brown contesta a divindade de Cristo,
colocando-o como um mero homem, sem a dualidade do Deus feito homem. Brown traz de volta
a polêmica do arianismo. Ário sustentava que Jesus era apenas homem, não era eterno e nem
compunha a Trindade. Ocorre que desde as origens a Igreja responde a pergunta “E vós, quem
dizeis que eu sou?” com as palavras de Pedro “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo” (Mt 16, 16).
O Concílio de Nicéia combateu a heresia e enunciou o Credo que sublinha a divindade de Cristo:
“Cremos em um só Deus, Pai Onipotente, criador de todos os seres visíveis e invisíveis, e
em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho de Deus, unigênito do Pai, isto é, da substância do
Pai, Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado mas não
criado, consubstancial ao Pai: por meio dele, todas as coisas foram criadas no céu e na
terra e que, por nós e para a nossa salvação, desceu do Céu, encarnou-se e se fez
homem...”. Apenas para esclarecer, Nicéia ficava na atual Turquia e o Concílio deu-se no ano
325. Brown está portanto quase dois milênios ultrapassado mas isto não lhe importa. Seu
neoarianismo e a horda de inocentes que arrastou lhe renderam abastada conta bancária.

Quanto ao Opus Dei, sugiro ás pessoas que se instruam melhor a respeito. Conheço alguns
integrantes e tenho respeito por eles. Os padres do Opus Dei têm formação de primeira linha e
boa cultura. Devem ser profissionais liberais antes de se consagrarem sacerdotes e todos eles
devem em algum tempo doutorar-se na Universidade Gregoriana de Roma. O Opus Dei é mais
uma das inspirações de Deus para a sua Igreja - como o foram os Franciscanos, os Beneditinos
e os Jesuítas,- e por isto mesmo gera tanta contrariedade nas hostes do anjo decaído, sempre
infeliz devido à capacidade da Igreja de renovar-se. Não é fácil ser Igreja - esta peregrina com
dois milênios que está acima das fronteiras de raça, classe e nação, como manifestou-se Bento
XVI,- mas bem pior é a tarefa de quem a combate porque trava uma batalha desde já perdida.

No último dia de Pentecostes, Bento XVI manifestou que o Espírito Santo a criou como "a Igreja
de todos os povos" e que esta "abraça o mundo inteiro". Bento XVI ressaltou ainda, com grande
sabedoria, que a Igreja "não deriva da vontade humana, da reflexão, da habilidade do homem ou
de sua capacidade de organização, já que, se fosse assim, teria se extinguido há muito tempo,
como ocorre com todas as coisas humanas”. Talvez isto a muitos desconsole mas a Igreja
caminha impertérrita como um sinal das coisas de Deus e o fará até o fim dos tempos. Não se
revoga livros e tampouco deve-se persegui-los. Tal atitude talvez até amplificasse sua influência,
o que seria um tiro no próprio pé. O tal Código Da Vinci não merece senão a contestação do zelo
apostólico para mitigar os estragos que possa causar no coração de pessoas menos preparadas,
na alma de pessoas inocentes ou de adultos infantilizados.

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