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Hermenêutica

PROFESSOR: PR. FELIPE PRESTES


As duas naturezas da Bíblia
AULA 1
Controvérsias

 Muitas interpretações diferentes


 Estudo mais sério da teologia
 Desnecessário
 Barreira para a espiritualidade.
 Bíblia
 Um texto antigo
 Distante de nós
 Escrito em outras línguas
 Precisa ser interpretado
 Não existe leitura e entendimento sem interpretação
 Mesmo de maneira inconsciente.
A Bíblia como um livro humano
A hermenêutica e seu papel de transpor os
distanciamentos

 Distanciamento temporal
 Dois milênios de diferença
 Mudanças
 Forma de encarar o mundo
 Aspectos culturais e linguísticos

 Distanciamento contextual
 Propósitos que já se perderam no passado
 Exemplos: Cartas paulinas escritas para problemas de igrejas locais;
1 João escrita em um contexto de ensinos gnósticos; Jonas (Israelitas x
Ninivitas)
A Bíblia como um livro humano
A hermenêutica e seu papel de transpor os
distanciamentos

 Distanciamento cultural
 O mundo dos escritores não existe mais
 Características, cosmovisões, costumes, tradições e crenças
 Os escritores foram influenciados por sua própria cultura
 A forma de escrever
 A maneira de expressar conceitos e ilustrar verdades

 Distanciamento linguístico
 Grego, Hebraico e Aramaico já não existem
 Cada língua tem sua forma de expressar conceitos
 Ex: paralelismo hebraico (Salmos e Profetas)
A Bíblia como um livro humano
A hermenêutica e seu papel de transpor os
distanciamentos

 Distanciamento autoral
 Os autores já morreram
 Paulo: “foi-me posto um espinho na carne” (2 Co 12:7)
 Pedro: “Cristo foi e pregou aos espíritos em prisão” (1Pe 3:19)

 Interpretação
A Bíblia como um livro divino
A hermenêutica e seu papel de transpor os
distanciamentos

 Distanciamento natural
 Deus: criador dos céus e da terra e de todas as coisas
 Nós: criaturas, limitados, finitos
 Somos limitados para entender as coisas de Deus
 Não será necessário somente as ferramentas de interpretação, mas
também o Espírito Santo
 Distanciamento espiritual
 Pecadores tentando entender um Deus puro e santo
 Regeneração e conversão
 Disto também falamos, não em palavras ensinadas pela sabedoria
humana, mas ensinadas pelo Espírito, conferindo coisas espirituais com
espirituais. Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de
Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se
discernem espiritualmente. (1Co 2:13-14 ARA)
A Bíblia como um livro divino
A hermenêutica e seu papel de transpor os
distanciamentos

 Distanciamento moral
 Nosso coração pecador tentando inserir motivações incompatíveis com a
Escritura
 Manipulação da Escritura para defender e dar autoridade a pontos de
vista.
 Escravidão: A Bíblia para defender e para abolir
 Apesar de ter sido escrita por homens, a Bíblia é Palavra de Deus
 A Bíblia é verdadeira em tudo que afirma
 2 Tm 3:16
 A ausência de erros se refere aos autógrafos
 Os copistas cometeram erros
 Não temos os autógrafos
 Baixa crítica e manuscritologia bíblica
A Bíblia como um livro divino
A hermenêutica e seu papel de transpor os
distanciamentos

 Linguagem de acomodação
 Autores se expressaram nos termos e dentro do conhecimento
disponível naquela época.
 “O sol se põe” (Josué); morcego como ave (Levítico)
 Não sabemos tudo
 Ainda há dificuldades a serem explicadas
 Evangelhos, 1 e 2 Crônicas, 1 e 2 Reis
 Podemos aguardar por mais informações para nos ajudar nas
soluções

 Traduções não são inerrantes


Conclusões

 Não é fácil, mas não podemos desanimar


 Humildade
 Oração por graça e iluminação
Hermenêutica

PROFESSOR: PR. FELIPE PRESTES


Alexandrinos e antioquianos
AULA 2
Introdução

 Era apostólica: após a morte dos apóstolos (do 2º ao 4º século)


 Igreja liderada por pastores e bispos muito influentes em sua
época: “Pais da Igreja”
 Debates teológicos sobre questões doutrinárias
 Duas linhas de interpretação:
 Alexandria – mais alegórica
 Antioquia – em reação à Alexandria, mais voltada ao sentido literal
do texto bíblico.
A escola de Alexandria

 Raízes históricas:
 Heráclito – huponóia (além das palavras)  sentido mais profundo
para interpretar as obras de Homero, e não levar literalmente os
erros dos deuses.
 Platão: o mundo em que vivemos é apenas uma representação do
que existe no mundo perfeito das realidades imateriais, o “mundo
das ideias”.
 Filo: judeu grandemente influenciado por Platão, tentava sintetizar
as ideias platônicas com o ensino do Antigo Testamento.
A escola de Alexandria
 Surgimento da escola catequética de Alexandria
 O Evangelho floresceu na cidade
 Professor catequista: Barnabé
 Comentário em Gn 14.14 sobre 318 homens
 “Notai que ele menciona em primeiro lugar os dezoito e depois, fazendo
distinção, os trezentos. Dezoito se escreve: I que vale dez, e H, que representa
8. Tens aí: IH (sous) = Jesus. E como a cruz em forma de T devia trazer a graça,
ele menciona também trezentos (=T). Portanto, ele designa claramente Jesus
pelas duas primeiras letras e a cruz pela terceira (Barnabé 9.7-8)
A escola de Alexandria
 Principais representantes da escola de Alexandria
 Clemente de Alexandria (150-215 d.C.)
 Usava a interpretação alegórica para descobrir o sentido oculto das
passagens bíblicas e harmonizar os dois testamentos.
 Alegoria
 Revelava aos verdadeiros discípulos (crentes, espirituais)
 Escondia dos que não eram discípulos (incrédulos, carnais)
 Parábola do filho pródigo  Um significado para cada detalhe
 Orígenes (185-253 d.C.)
 Deve-se entender a Bíblia a partir da perspectiva platônica.
 A Bíblia contém segredos que só a mente espiritual pode compreender.
 Sentido literal é valioso, mas pode obscurecer o sentido primário, que é o
espiritual.
 Literal  iniciantes; Espiritual  Maduros na fé
 Ex: Gn 24:15-17 (Rebeca tirar água do poço e encontrar os servos de
Abraão significa que temos que ir aos poços da Escritura diariamente
para encontrarmos a Cristo.
 Tentavam “defender” a Bíblia de ataques
A escola de Antioquia
 Luciano de Antioquia (240-312 d.C.)
 Deu origem a uma tradição de estudos bíblicos que ficou
conhecida pela erudição e conhecimento das línguas originais.
 Morreu martirizado por torturas e fome por não querer comer
carne sacrificada aos deuses romanos.
 Fundou a escola em Antioquia em oposição à Alexandria
 Abordagem literal das Escrituras
 Precursora da exegese da Reforma
 Grande expoente:
 João Crisóstomo (boca de ouro)
A escola de Antioquia
 Princípios de interpretação
 Sensibilidade e atenção ao sentido literal do texto
 Busca pela intenção autoral
 Theoria
 Os profetas já sabiam das implicações dos seus escritos
 Historicidade dos relatos
 Intenção autoral
 Análise dos significados dentro de seus contextos
 Cristo presente no AT, mas não em cada palavra, evento, número ou
personagem.
 Influência e fracasso
 Aspectos positivos: descobrir a intenção autoral; faziam justiça o caráter
histórico da Escritura
 Aspectos negativos: às vezes seus seguidores eram inconsistentes e
caíam na alegoria; muitos seguidores foram considerados hereges.
Conclusão
 Tendência da igreja atual
 Alexandria ou antioquia?
 Cuidado com a ideia de somente alguns peritos podem alcançar
o sentido espiritual e mais profundo do texto.
 Antioquia hoje
 Para evitar subjetividade demais, devemos nos ater ao texto das
Escrituras no seu sentido simples e evidente
 Evitar o perigo de se preocupar tanto com o que o texto quis dizer
no passado e se esquecer do que ele está nos dizendo hoje.
Hermenêutica

PROFESSOR: PR. FELIPE PRESTES


Os pais latinos
AULA 3
Introdução

 Pais da igreja que viveram nos séculos 4º e 5º cujas obras foram


escritas em latim.
 Autores com trabalhos relevantes para a interpretação bíblica:
 Tertuliano (155-após 220 d.C.)
 Jerônimo (c. 347-420 d.C.)
 Agostinho (354-430 d.C.)
Principais características
hermenêuticas
 Preferência pela interpretação literal
 Atentos geralmente ao sentido natural do texto
 Tertuliano não alegorizou Gênesis 1 e 2
 Jerônimo deixou o método de Orígenes pelo literal
 Agostinho considera os dias da criação em Gênesis como literais
 Contexto histórico
 Alegoristas desprezavam o contexto histórico e cultural
 Jerônimo defende a historicidade de Daniel
 Agostinho traça uma linha histórica de Caim e Abel até o fim do mundo
 Intenção do autor
A intenção autoral

“Permite-me selecionar um único


sentido que seja verdadeiro, certo
e bom, que Tu inspires, apesar de
que muitos sentidos se ofereçam
e eu possa selecioná-los; que seja
a fé da minha confissão, que eu
lute pra dizer da forma correta e
proveitosa aquilo que o Teu
ministro sentiu.”
(Agostinho – Confissões)
Principais características
hermenêuticas
 Alegorias ocasionais
 Agostinho em Gn 22:
 “Pois quando Abraão o viu, ele estava preso pelos chifres entre os
arbustos. O que ele, então, representa, senão Jesus, o qual, antes de
ser oferecido na cruz, foi coroado com espinhos pelos judeus?”

 Escritura com Escritura


 Passagens mais obscuras devem ser entendidas a partir de
passagens mais claras.
 Unidade da Escritura
 Regra de fé da Igreja
Conclusão

 Agostinho: o mais influente nas ideias e na hermenêutica


 Infelizmente, o que é conhecido de Agostinho é a sua crença no
sentido espiritual.
 Os pais latinos, influenciados pela escola de Antioquia,
prepararam caminho para os reformadores.
Os intérpretes da Idade Média
AULA 3
Introdução

 Período entre o século V ao século XVI


 Intensa atividade hermenêutica na Idade Média
 Prevalece o sistema da escola de Alexandria
 Houve um núcleo que antecipou os princípios dos
reformadores.
Características da interpretação
bíblica na Idade Média

 Uso da quadriga:
 João Cassiano
 Tentativa de justificar biblicamente inovações, costumes e doutrinas
que surgiam na igreja, fazendo uso inadequado das Escrituras
 Quatro sentidos da Escritura
 Histórico ou literal: sentido evidente e óbvio do texto
 Alegórico o cristológico: sentido mais profundo, geralmente apontando
para Cristo
 Tropológico ou moral: sentido que determina as obrigações do cristão
 Anagógico ou escatológico: sentido que apontava para as coisas
vindouras que o cristão deveria esperar
Características da interpretação na
Idade Média
 Apoio às inovações da Igreja Medieval
 Justificar inovações litúrgicas com base na alegorização do AT
 Justificar os dogmas eclesiásticos
 Ressurreição da filha de Jairo a poucas pessoas provaria a confissão
privada a um sacerdote.
 Justificar o surgimento das ordens monásticas
 Aplicações práticas (ainda seguindo o método de Orígenes)
 Papa Gregório (preleções com exposições literal, alegórica e moral.
 Ênfase na obscuridade das Escrituras
 Proteção da hierarquia
 Bíblia como livro fechado que só os bispos e monges podiam desvendar
 Gregório sobre os filhos e as filhas de Jó
 7 filhos (7 representa os apóstolos, pois é composto de 3 e 4, cuja
multiplicação resulta em 12; os números 3 e 4 indicam que a Trindade deve
ser pregada nos 4 cantos da terra)
 3 filhas (3 santos de Ezequiel 14:14 – Noé, Daniel e Jó)
 O uso das línguas originais na atualidade
Presença de uma tradição
hermenêutica gramático-histórica

“Devemos buscar a verdade e não a


eloquência na leitura das Santas Escrituras;
e cada parte dela deve ser lida no espírito
em que foi escrita... Nossa curiosidade
frequentemente prejudica nossa leitura das
Escrituras, quando queremos compreender
e ponderar aquilo que simplesmente
deveríamos ler e seguir adiante. Portanto, é
proveitoso que leiamos com humildade,
simplicidade e fé. Procure e ouça
atentamente às palavras dos santos.”
Thomás à Kempis – Imitação de Cristo
Presença de uma tradição hermenêutica
gramático-histórica
 Surgimento das escolas de teologia
 método quaestio (fazer perguntas ao texto para alcançar o significado
pretendido pelo autor
 Influência de Rashi
 Rabino erudito escritor de comentários sobre o AT
 Brevidade e simplicidade
 Não procurava sentidos obscuros no texto
 Publicação de obras a favor da interpretação literal
 Aristóteles traduzido do árabe – realidade, e não ideias
 Surgimento de ordens mendicantes
 Francisco de Assis – voto de pobreza baseado na interpretação literal dos
Evangelhos
 Tradução das Escrituras para outras línguas
 João Wycliffe – tradução da Vulgata para o inglês
 Huerguenses na Espanha
 Retorno à Bíblia através das línguas originais; análise textual das Escrituras;
rejeitavam o “sentido espiritual” do método alegórico
Conclusão

 Hermenêutica alegórica sem controle e decadência da


igreja
 Decadência da igreja evangélica brasileira
 Falta de uma interpretação clara e direta da Escritura
 Sentidos disponíveis somente aos mais “espirituais”
Hermenêutica

PROFESSOR: PR. FELIPE PRESTES


Os reformadores
AULA 4
Introdução
 Reforma e Interpretação
 Movimento hermenêutico
 Domínio da interpretação alegórica é quebrado
 Retorno aos princípios da escola de Antioquia
 A Bíblia na Reforma
 Rejeição da hierarquia da igreja como autoridade máxima em
questões religiosas
 Bíblia como juiz em questões controversas
 Bíblia como central na fé e na prática da Igreja
 Harmonização de passagens difíceis
 Ênfase na inspiração, veracidade e infalibilidade
 Doutrinas que pautavam a conclusão dos reformadores
 Olhar não crítico, mas submisso
Sentido Literal
“O que eles [os sofistas] deveriam fazer é vir
ao texto vazios, derivar suas ideias da
Escritura Sagrada, e então prestar atenção
cuidadosa às palavras, comparar o que
precede com o que vem em seguida, e se
esforçar para agarrar o sentido autêntico
de uma passagem em particular, em vez
de ler as suas próprias noções nas palavras
e passagens da Escritura, que eles
geralmente arrancam do seu contexto.
(Martinho Lutero – Comentário aos Gálatas)
Características da interpretação dos
reformadores

 Ênfase no sentido literal, gramático-histórico do texto


 Sentido óbvio, claro e simples de cada passagem
 Observação cuidadosa da gramática e do contexto
 Existe um só sentido: o literal
 Rejeitaram a alegorese
Rejeição à alegorese

“A alegoria de um sofista é sempre retorcida; ela


rasteja e se curva como uma cobra, que nunca
se endireita ,quer caminhe, quer se arraste, quer
fique parada; somente quando morre é que uma
cobra fica direita... Quando eu era um monge,
era muito versado em significados espirituais e
alegorias. Mais tarde, porém, quando cheguei ao
conhecimento de Cristo através da carta aos
Romanos, vi que todas as alegorias são vãs,
exceto aquelas que Cristo usou... Jerônimo e
Orígenes, Deus os perdoe, são os responsáveis
pela alegoria ser tão estimada [na Igreja]. Tudo o
que Orígenes escreveu não vale uma única
palavra de Cristo. Quanto a mim, já abandonei
essas bobagens, e minha melhor arte é pregar a
Escritura em seu sentido único.”
(Martinho Lutero)
Características da interpretação dos
reformadores
 A necessidade da iluminação do Espírito Santo
 Natureza divina das Escrituras
 Para Lutero e Calvino, ninguém poderia interpretar corretamente as
Escrituras sem a ação iluminadora do Espírito Sato por meio da própria
Palavra.
 No manual de culto, oração pela iluminação do Espírito
 A necessidade de estudar as Escrituras
 A Bíblia, como livro humano, necessita ser estudada
 Culturas, línguas e épocas distantes
 Escritura com Escritura
 Única regra infalível de interpretação das Escrituras é a própria Escritura
 Sentido não determinado por tradição, decisão eclesiástica,
argumento filosófico, intuição espiritual
 Análise de palavras e argumentos em outros textos da Escritura.
 Ex: uso de “carne” nas epístolas paulinas
Depois de o crucificarem,
repartiram entre si as suas vestes,
tirando a sorte. (Mt 27:35)

“O evangelista nos apresenta Cristo despido de


suas roupas para transmitirmos o fato de que, pela
sua nudez, somos cobertos com as riquezas que
nos adornam diante de Deus. O Filho foi
desnudado pela vontade de Deus, para nos vestir
da sua justiça e da abundância de toda riqueza.
Assim, onde antes nossos trapos e imundícias nos
tornavam indignos do céu, agora podemos
aparecer, com os anjos de Deus, na sua presença,
com ousadia e em temor. O próprio Cristo permitiu
que os soldados rasgassem a sua túnica que não
tinha costura, como animais dilaceram sua presa,
para nos enriquecer com as riquezas da sua
vitória.”
(João Calvino)
Características da interpretação dos
reformadores

 Intenção do autor humano


 Tendo sido o texto inspirado por Deus, achar a intenção de
sentido do autor é achar a intenção de sentido de Deus.
 Ferramentas utilizadas
 Conhecimento da língua que o autor usou
 Usos gramaticais
 Conhecimento das circunstâncias contextuais
 Uso de outras obras
 Comentários
 Obras dos pais apostólicos e obras contemporâneas
 Senso crítico
Características da interpretação dos
reformadores

 Linguagem figurada
 O movimento do sol em torno da terra (Js 10:13; Sl 19:6)
 Erasmo de Roterdã
 Alvo: simplificar o Cristianismo, exaltar a razão e enfatizar a
moralidade em vez do ritualismo
 Elaborou um sistema para alcançar o sentido literal do texto
 Preparou uma versão do NT Grego
Conclusão

 Base para o surgimento da interpretação gramático-histórica


 Método utilizado em grande parte pelo protestantismo
ortodoxo posterior.
 Deus não permitiu que sua igreja ficasse indefinidamente sem
a verdade.
 Equilíbrio:
 O que a Bíblia significou no passado (exegese)
 O que significa para nós hoje (aplicação)
Hermenêutica

PROFESSOR: PR. FELIPE PRESTES


Escolásticos e puritanos
AULA 5
Entendendo a hermenêutica da Pós-
Reforma

 As controvérsias internas
 Sistematização do ensino bíblico (confissões e tratados)
 Controvérsias inevitáveis
 Sem mais a autoridade final da igreja e o exame livre da Escritura

 A Contrarreforma
 Sistematizar a doutrina era uma questão de sobrevivência
 Respostas claras e prontas para os membros
 Confissões, catecismos e tratados eram a resposta mais rápida
 Necessidade de catequese
 Preocupação em harmonizar e sintetizar o ensino das Escrituras
de forma racional para que fosse bem compreendido e
ensinado.
Entendendo a hermenêutica da Pós-
Reforma

 Preservação da doutrina reformada


 Organizar cuidadosamente a doutrina protestante
 Sistematicamente
 Manual doutrinário e confessional

 Papa de papel
 Crítica à autoridade das Escrituras
 “Bibliolatria”
 Autoridade final: tradição e o papa; líderes de seitas; experiência
Os puritanos

 Viveram a parte final da pós reforma


 Apelido “puritanos” dado por inimigos
 Não era uma denominação, mas um movimento das igrejas
na Inglaterra.
 Maior pureza na Igreja, no Estado e na sociedade.
 Igreja da Inglaterra  Entre Roma e Genebra
Alto apreço pelas Escrituras

“Pense, a cada linha


que você lê, que Deus
lhe está falando.”
(Thomas Watson)
Características da interpretação dos
Puritanos
 Alto apreço pelas Escrituras
 Escritura com Escritura
 Entender uma passagem à luz de outras que tratem sobre o mesmo
assunto.
 “Quando você ler as Escrituras, observe com as coisas são
apresentadas. Atente para o fluxo do discurso e compare uma
Escritura com outra. Pois a Escritura, pela harmonia das suas
diferentes partes, lança uma grande luz sobre si própria.”
(Jonathan Edwards)
 Princípio regulador: tudo na vida, na igreja e no Estado sob a
autoridade da Escritura
 Predominância do sentido natural
 A Bíblia é sobre Cristo
 Necessidade de conversão e iluminação do Espírito Santo
 “Antes e depois de ler as Escrituras, ore fervorosamente para que o
Espírito que a inspirou exponha o seu sentido a você e o guie na
verdade.” (Richard Baxter)
Características da interpretação dos
Puritanos

 Intenção autoral
 O sentido de uma passagem é o literal, natural, óbvio e a intenção
do autor.
 Intenção do autor, intenção do Espírito
 Desejo de aplicar as Escrituras
 Preocupação pastoral e prática
 “Nosso alvo com a exposição dessa doutrina é orientar, instruir e
apaziguar as consciências dos homens, e não uma mera
curiosidade intelectual ou desejo polêmico. (John Bunyan)
Características da interpretação dos
Puritanos
 Alguns problemas com a interpretação puritana
 Controle da exegese pela dogmática
 Identificação absoluta entre Israel e Igreja
 Nova Inglaterra (atual EUA) como Canaã

 Inconsistência
 Expor doutrinas bíblicas que não estão no texto
 Algum uso da alegoria
 Sobre o Salmo 19:1  “Não devemos entender os céus literalmente,
apesar destes, como trabalhos manuais de Deus, declararem a glória
das suas perfeições, especialmente a sabedoria dele e o seu poder.
Essas coisas mostram que há um Deus, e que ele é um Deus glorioso.
Mas devemos entender essa passagem como se referindo a três
coisas (ou todas elas). (1) Às igrejas evangélicas, frequentemente
representadas pelo reino do céu, no Novo Testamento; (2) Aos
membros delas (...); (3) Aos apóstolos e primeiros pregadores da
palavra.”
(John Gill)
Características da interpretação dos
Puritanos

 Continuação dos reformadores


 Preservada na vasta literatura por eles produzida
 Confissão de Westminster
 Influenciou não só as igrejas reformadas na Escócia, mas as
principais igrejas presbiterianas no mundo
 Começa com a Escritura
Conclusão

 Forte ênfase na pureza da igreja de acordo com as


Escrituras somente
 Autoridade somente na Escritura
 Sentido claro
 Pretendido pelo autor
 Sola Scriptura
 Evitaria líderes que se acham porta-vozes de Deus
 Busca pela iluminação do Espírito não garante unanimidade
na interpretação
 Apego aos pontos fundamentais
 Tolerância na interpretação dos pontos secundários
Hermenêutica

PROFESSOR: PR. FELIPE PRESTES


A interpretação das Escrituras na
modernidade
AULA 6
Introdução

 Iluminismo (séc. 18) x Religião


 Deus deve ficar de fora do conhecimento humano.
 Visão mecanicista do mundo
 Sem espaço para o Deus que intervém
 Deísmo
 Liberalismo teológico
Impacto do Iluminismo na
interpretação da Bíblia

 Exclusão de dois conceitos


 Deus se revela ao homem
 Deus intervém e atua sobrenaturalmente na História humana.
 Rejeição dos relatos miraculosos
 Explicados como fenômenos naturais
 Tais relatos foram fabricados pelo povo de Israel e da Igreja
 Atribuíram esses fatos a Deus
 Distinção entre fé e história
 Milagres registrados  criação da fé, e não fatos históricos
 “É somente dessa forma indireta que sua Pessoa - que ele livremente
ofereceu na causa de sua vocação histórica e pelos ideais pelos quais
viveu – continuou a viver, à medida que seus ideais foram aceitos.
Quando, na crença de seus seguidores, ele reviveu e continuou a viver
na comunidade cristã, era o Filho de Deus que havia conquistado e
vencido a grande antítese. (Bruno Bauer)
Impacto do Iluminismo na
interpretação da Bíblia

 Erros nas Escrituras


 Reação contra o dogmatismo
 Sem o dogma da inerrância  interpretação “neutra”
 Contra a doutrina da inspiração
 Impedia o tratamento crítico da Bíblia como um livro humano.
 Interpretação correta
 Abordagem não religiosa
 Um livro cheio de erros e contradições
 A revelação está contida nas Escrituras, mas não está em todas as
Escrituras
 Bíblia somente como testemunha de uma época
 Dogmas e decretos obscureceram o significado real da Bíblia
Exegese controlada pela razão

“Nenhum dos milagres, dos quais as antigas


histórias estão repletas, aconteceu sob
condições científicas. A observação, que nunca
foi contradita sequer uma vez, nos ensina que
milagres nunca acontecem, a não ser em
épocas e lugares nos quais as pessoas
acreditam neles. Nenhum milagre jamais
ocorreu diante de um homem capaz de testar
seu caráter miraculoso. As pessoas comuns e os
leigos não estão preparados para fazer isto.
Requer grande precaução e longos hábitos de
pesquisa científica.”
(Ernest Renan)
Impacto do Iluminismo na
interpretação da Bíblia

 Exegese controlada pela razão


 Mito
 Maneira pela qual a raça humana, em tempos primitivos, articulava
aquilo que não conseguia compreender.”
 Alta crítica
 “Criticar” os eventos bíblicos
 “Limpá-lo” dos acréscimos mitológicos
 “Tão logo um grande homem morre, as lendas se ocupam da sua vida.”
(David Strauss)

 Separação dos dois Testamentos


 Não se poderia usar o NT para interpretar o AT (sem pressupostos)
Impacto do Iluminismo na
interpretação da Bíblia

 Influência da dialética de Hegel


 Visão da História sem Deus
 O fluxo da História não era mais levado por Deus, mas pela
dialética.

 Cristianismo de Pedro (legalista) – Cristianismo de Paulo (mais aberto)


 Igreja Católica incipiente no séc. 2º
Principais metodologias críticas

 Tarefa metodológica da hermenêutica


 Elaborar um método com que se pudesse, sem pressupostos,
com a razão e a ciência como ferramentas, alcançar o
verdadeiro sentido do texto.
 Método histórico-crítico
 Crítica das fontes
 Propósito: identificar e isolar as supostas fontes escritas usadas
pelos arquivistas, colecionadores ou editores para compor o
texto bíblico que temos hoje e estudar essas fontes.
 Hipótese documentária: Graff-Wellhausen
 4 fontes por trás da composição do pentateuco
 Produzidas em épocas diferentes por diferentes autores
 Javista (J); Eloísta (E); Deuteronomista (D); Sacerdotal (P)
 Evangelhos sinóticos
 Documento Q (Quelle)
Principais metodologias críticas

 Crítica da forma
 Propósito: chegar ao estado oral pelo qual o texto passou antes
de chegar a uma forma escrita e reconstruir o ambiente vivencial
(Sitz im Leben) em que essas fontes foram produzidas para
chegar ao significado do texto.
 Crítica da redação
 Propósito: descobrir a “teologia” dos redatores, os princípios
teológicos que controlaram sua redação das fontes e das
tradições, alcançando a forma final que hoje temos.
Crítica da forma

“Um fato histórico que envolva a


ressurreição de mortos é altamente
inconcebível.”
“Quem é esse homem Jesus? É um
homem como nós, e não uma
figura mítica; ele não tem
radiância messiânica... é um
homem que renovou e radicalizou
o protesto dos grandes profetas do
Antigo Testamento contra o
legalismo e o culto falso d Deus, e
que foi entregue pelos judeus aos
romanos para ser crucificado.
Tudo o mais é incerto e lendário.”
(Rudolf Bultmann)
O Cristianismo liberal

 Movimento teológico e hermenêutico: liberalismo


 Cristianismo  religião natural, sem sobrenaturais
 Principais pontos:
 A Bíblia não é infalível nem inspirada. Ela conta o que aqueles
homens criam.
 Os credos e confissões não são importantes para o Cristianismo.
 Cristianismo diferente das outras religiões quantitativamente, mas
não qualitativamente.
 Existe uma centelha divina em cada pessoa. Todo homem é bom.
Só precisa de encorajamento para fazer o que é certo
 Jesus Cristo é Salvador somente na ideia de ser exemplo perfeito
para o homem.
 O caráter de Deus é de puro amor, sem padrões morais. O pecado
não afasta as pessoas de Deus.
Conclusão

 Deus quem deu a razão ao homem.


 Ela está corrompida pelo pecado.
 A simples análise racional não pode trazer o verdadeiro
conhecimento de Deus ao homem
 O método racionalista se provou não tão científico assim
 A falta de pressupostos já é um pressuposto.
 Não é possível ler a Bíblia sem a influência do que cremos
 Precisamos crer na Bíblia para chegarmos ao conhecimento de
Deus.
 Caráter divino da Bíblia
 Humildade para crer no que ela afirma.
Hermenêutica

PROFESSOR: PR. FELIPE PRESTES


A interpretação e a pós-
modernidade
AULA 7
Introdução

 Nascimento por volta de 1970 e 1980


 Veio para tomar o lugar do período moderno.
 A hermenêutica bíblica acompanha o movimento da história.
Características da pós-modernidade

 Pluralidade da verdade
 Toda verdade é relativa e depende do contexto social e cultural
em que as pessoas vivem.
 A morte da razão
 Não se pode alcançar a verdade através da análise racional.
 O abandono da neutralidade
 A defesa do inclusivismo
 Visões diferentes e opostas cederão espaço umas às outras
 O conceito do “politicamente correto”
 Todos devem respeitar a opinião de todos
 Respeitar significa entender cada opinião tão verdadeira quanto,
mesmo que sejam contrastantes.
 Proselitismo é politicamente incorreto
O impacto na interpretação cristã

 Sincronia  o que importa é o texto e seus efeitos hoje


 Pluralidade de interpretação  não existe significado único
 Epistemologia  preocupação com a natureza do entendimento
 Perda do sentido original  somente sentidos
 A morte do autor
 Retorno à alegorese  múltiplos sentidos
 Deslocamento do sentido

Reforma e Método Histórico- Novas


Ortodoxia Crítico Hermenêuticas
protestantes (Modernidade) (Pós-modernidade)
A dicotomia liberal pós-moderna

 Muitos intérpretes pós-modernos seguem o método histórico-


crítico.
 Leonardo Boff usa do método histórico-crítico para reconstruir o
Jesus Histórico, mas usa a filosofia pós-moderna para fazer de
Jesus paradigma de libertação para as massas oprimidas da
América Latina.

Conclusão
 A Bíblia pressupõe a objetividade da verdade.
 Na ideia pós-moderna, haveria uma pregação como uma opinião,
mas nunca a verdade divina.
 Cada um poderia interpretar a Escritura como quisesse.
 Não haveria verdade
 “Essa é a sua opinião”
Vertentes formadoras dos
intérpretes pós-modernos
AULA 7
A vertente teológico-psicológica:
Schleiermacher (1768-1834)

 Teólogo alemão e filólogo clássico, considerado o pai do


liberalismo protestante.
 Tarefa do intérprete: “entender uma declaração a princípio
tão bem quanto possível e depois melhor que o próprio autor.”
 Compreensão por empatia: “o leitor procura entender o autor
de forma imediata, a ponto de um se transforar no outro.”
 O foco sai da hermenêutica para a autocompreensão do
leitor.
 Religião:
 “sentimento e gosto pelo infinito”
 Consistia primariamente de emoções
A vertente exegética: Rudolf Bultmann
(1884-1976)

 Rejeitava o conceito de veracidade e inerrância das Escrituras


 Deus ainda fala conosco não por verdades históricas ou
proposicionais, mas por meio de um encontro existencial no
texto.
 O Jesus real da História foi transformado em mito por seus
discípulos
 Processo hermenêutico
 Demitologização
 Apresentação da mensagem de modo relevante ao homem
moderno, que não crê em milagres
 Uso da filosofia existencialista
 Processo de interpretar o ser
A vertente teológica: Karl Barth (1886-1968)

 Teólogo suíço aclamado por alguns como maior teólogo do


séc. 20
 Cria na “inspiração verbal”  A Bíblia testemunha de Jesus, o
Verbo
 Não cria na “inspiração literal”  não acreditava que a Bíbila
era a Palavra de Deus
 Não importa se as histórias da Bíblia são verdadeiras ou não. O
que importa é a sua relação conosco hoje.
 Assim, tentou resgatar o cristianismo dizendo que esse não
depende da história.
 “A Bíblia se torna a Palavra de Deus na medida em que Deus a
deixa ser sua palavra, na medida em que Deus fala por meio
dela.”
 Influência aos teólogos pós-modernos na indiferença quanto à
historicidade dos fatos bíblicos.
A vertente linguística: Ferdinand Saussure
(1857-1913)

 Linguista suíço conhecido como pai da linguística


 Curso de Linguística Geral
 Estruturalismo na linguística
 Aborda a realidade como um sistema em que os elementos
constituintes mantêm entre si relações estruturais em vez de estudar
esses elementos isoladamente, em si mesmos.
 O trabalho do linguista e do intérprete é com as estruturas da
linguagem à qual os textos pertencem.
A vertente linguística: Jacques Derrida
(1930-2004)
 Filósofo francês  pai do desconstrucionismo
 Reação crítica ao conceito ocidental de categorizar fenômenos um sobre o outro. Sua
filosofia se pretende a desconstruir essa polarização, descontruir o texto.
 “Desconstruir a posição significa, primeiramente, em um dado momento, inverter a
hierarquia.”
 Prioridade do texto sobre a fala
 Logocentrismo  assumir presença de sentido na linguagem
 Arbitrariedade dos signos
 Linguagem: sistema fechado de signos sem qualquer relação direta com a realidade
externa à qual se referem
 Textos são radicalmente ambíguos, impenetráveis e sem autor
 Textos são fluidos, sempre em movimento, sem sentido fixo ou determinado, mantendo
apenas uma tênue e mutante relação com a realidade objetiva.
 Deslizamento entre signo e significado
 Ausência de referente histórico
 O texto é quem cria a realidade
 “Não há nada fora do texto”
 Linguagem escorregadia  sentido oculto e evasivo
 Morte do autor
Os intérpretes da Bíblia na pós-
modernidade

 Sincrônicos x Diacrônicos
 Estruturalismo
 Significado somente no texto
 Crítica da narrativa (nova crítica literária)
 Forma
 Hermenêutica reader-response
 Leitores ideológicos
 Teologia da libertação
 Hermenêuticas femininas
 Desconstrucionismo
 Busca peneirar o texto para denunciar sua arrogante pretensão de
referir-se à realidade.
 Hermenêutica da suspeita
 Paul Ricoeur
 Suspeita é fundamental para chegar à compreensão do propósito do
texto.
Conclusão

 Pontos positivos
 Corretivo necessário para as pretensões da exegese racionalista de
chegar à verdade através da análise racional “neutra” do texto
bíblico. Ninguém lê a Bíblia sem pressupostos e pré-compreensões
 Sensibilidade com o ambiente e a situação do leitor. Percepção de
como isso afeta o entendimento do leitor.
 Pontos negativos
 Influência nos cursos universitários (Letras, Filosofia, História,
Sociologia)
 Jovens universitários que sofrem o impacto da pós-modernidade
relativista.
 Precisamos nos inteirar desses movimentos para poder
responder a eles.

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