Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
MATINHOS
2017
WANDERLEIA MAFRA DE MOURA CORREIA
MATINHOS
2017
TERMO DE APROVAÇÃO
___________________________________
Orientador: Prof. Dr. Eduardo Harder
Universidade Federal – Setor Litoral
____________________________________
Profª. Drª. Ana Elisa de Castro Freitas
Universidade Federal – Setor Litoral
_____________________________________
Prof. Ms. Antônio João Galvão de Souza
Instituto Federal – Campus Paranaguá
MATINHOS
2017
EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: RECONHECIMENTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO
E CULTURAL DA CIDADE DE PARANAGUÁ PARA UMA AÇÃO EDUCATIVA
Resumo
O presente artigo apresenta reflexões sobre o potencial a ser descoberto nas ações e
currículo pedagógico de muitas escolas no tocante à educação patrimonial, uma
prática educativa aliada à gestão do patrimônio cultural. O estudo descreve o
desenvolvimento e execução de atividade voltada à educação patrimonial em uma
instituição pública municipal de ensino localizada em Paranaguá, cidade considerada
referência para compreensão dos processos coloniais na costa atlântica do Brasil
meridional. O conjunto histórico e paisagístico da região central dessa cidade constitui
um patrimônio cultural reconhecido pelo Estado brasileiro, em estreita interface com
outros bens culturais igualmente inventariados e registrados ao longo das últimas
décadas. O estudo possui como ponto de partida a trajetória docente da autora
principal, vinculada ao quadro de professores permanentes da Secretaria Municipal
de Educação e Ensino Integral de Paranaguá (SEMEDI). A educação patrimonial
colabora no processo de aproximação das fronteiras interdisciplinares voltadas para
uma formação cidadã, com a construção de sentidos e significados que provém de
diferentes áreas do conhecimento tais como artes, linguística e literatura, história,
geografia, ciências, etc., em paralelo com a perspectiva que emerge da memória
coletiva e dos saberes populares e/ou tradicionais. Para tanto, os conceitos de bem
cultural e patrimônio cultural material e imaterial constituem o filtro de análise da
educação, os quais são temperados com uma metodologia de trabalho atenta aos
processos de transformação das práticas sociais. O trabalho conclui que a
constatação de caráter insatisfatório das práticas voltadas à educação patrimonial nas
escolas pode revelar a ausência de reconhecimento do importante papel que os
diversos atores sociais tem na gestão efetiva dos bens culturais e do papel da
educação enquanto instrumento fundamental de mediação para a cidadania ativa,
visto que o patrimônio cultural brasileiro é mais amplo e diverso que os bens
acautelados pelo Estado.
3
Resumen
1. Introdução
4
uma referência institucional no planejamento e execução de políticas públicas de
proteção dos bens culturais.
Na esfera local, as primeiras iniciativas de salvaguarda do patrimônio cultural
no estado do Paraná ocorreram já na década seguinte com a criação, em 1948, do
Conselho do Patrimônio Histórico e Artístico e a Divisão de Defesa do Patrimônio
Histórico, Artístico e Cultural. Em 1953 foi sancionada a Lei Estadual n. 1.211, que
dispõe sobre o Patrimônio Histórico, Artístico e Natural do Estado do Paraná.
Outro marcador temporal fundamental reside no processo de redemocratização
brasileira em meados da década de 1980 e os trabalhos da Assembleia Nacional
Constituinte, com a promulgação da Constituição Federal em 1988 reafirmando os
valores e princípios democráticos para a vida social e a cidadania. Em seus artigos
215 e 216, o texto constitucional enunciou os “direitos culturais”, a garantia de “acesso
às fontes da cultura nacional”, além do apoio e incentivo à “valorização e difusão das
manifestações culturais”. Em sentido complementar, desdobrou a noção de patrimônio
cultural nas dimensões material e imaterial,3 cabendo observar que essa última foi
regulamentada em escala nacional no ano de 2000, com a edição do Decreto Federal
n. 3.551 e apenas no ano de 2016 no estado do Paraná.
Há um crescente esforço da sociedade brasileira na conservação da
pluralidade de suas memórias e narrativas. Uma perspectiva cultural calcada
exclusivamente na reafirmação do ideal homogêneo de nação e de sociedade
nacional merece ser relativizada. O princípio de respeito à diversidade cultural
(BARROS, 2008) orienta o desejo de uma práxis que efetivamente contemple a
complexidade dos “diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (art. 216).
A patrimonialização dos bens culturais encontra tradução na ideia de herança
e/ou legado às presentes e futuras gerações. Nesse sentido, os processos
administrativos de inventário, registro, vigilância, desapropriação e tombamento nas
hipóteses de patrimônio material podem contemplar ações de preservação que
incluem desde edificações públicas e/ou particulares, espaços destinados às
manifestações artístico-culturais, conjuntos urbanos, sítios de valor arqueológico tais
como os sambaquis do litoral brasileiro ou mesmo de valor histórico, artístico,
5
ecológico e científico, além das formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver
etc.
Nesse sentido o presente estudo visa a colaborar no plano de “valorização da
diversidade étnica e regional” (art. 215), ao voltar sua atenção para a cidade de
Paranaguá, localizada na baía de mesmo nome, com seu porto, suas paisagens e
população. Ao eleger a educação patrimonial como fio condutor, o trabalho buscará
contribuir com o ensaio de possíveis ações intersetoriais que aproximem políticas
públicas e práticas pedagógicas voltadas à arte, educação, cultura e cidadania.
Para tanto, é preciso rememorar que o processo histórico da região tem origem
colonial em meados do século XVI (VIANA, 1976: 11), com os primeiros registros e
relatos da presença europeia e africana, entrelaçados aos Mbyà Guarani, nossos
“antigos naturais da terra” na expressão da historiografia nacional. A fundação da Vila
de Nossa Senhora do Rocio de Paranaguá constituiu, por sua posição geopolítica, um
lugar-referência no cenário colonial português, referendado por sua elevação à
condição de Vila já em 1648. O porto de Paranaguá, inicialmente um ancoradouro
localizado na ilha da Cotinga, depois na região central da cidade e, por fim, deslocado
para a denominada “Enseada do Gato”, sempre constituiu uma referência local e
regional, no centro de um território que articula o mar e a cidade.
O percurso metodológico do presente estudo transpassa e dialoga com a
memória local, o patrimônio cultural e o potencial da educação patrimonial, em
articulação com as políticas públicas e a cidadania. As inquietações e indagações que
originam o trabalho estão relacionadas à ação docente da autora ao longo dos anos
na rede pública municipal de Paranaguá e a busca de compreensão dos potenciais
da educação patrimonial, em uma proposta pedagógica que visa ao reconhecimento
dos direitos culturais e, efetivo acesso ao patrimônio cultural material e imaterial local.
O “projeto de aprendizagem” que fundamenta o presente estudo procurou
vivenciar o Projeto Político Pedagógico do Setor Litoral da Universidade Federal do
Paraná (UFPR), com sua proposta de “conhecer e compreender, compreender e
propor, propor e agir” (UFPR LITORAL, 2008). O exercício de docência da autora
possibilitou, ainda, alinhavar um diagnóstico inicial que apontasse para as atuais
limitações das políticas de educação patrimonial na cidade de Paranaguá e o potencial
emancipador da cidadania cultural.
6
Essas verificações ocorrem após a conclusão em 2009 do processo de
tombamento do “Conjunto Histórico e Paisagístico de Paranaguá”4 pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A ação inscreveu nos Livros do
Tombo Histórico e Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico o Centro Histórico
de Paranaguá, com seus referenciais urbanísticos, arquitetônicos, sociais e culturais.
Antes disso, um conjunto de bens culturais localizados no Centro Histórico da
cidade já havia sido tombado individualmente pelo estado do Paraná, tais como a
Casa Elfrida Lobo, a Estação Ferroviária, a Fonte Velha, o Antigo Colégio dos
Jesuítas, as Igrejas de São Benedito, de Nossa Senhora do Santíssimo Rosário
(Matriz) e da Ordem 3ª de São Francisco das Chagas, o Prédio da Alfândega, entre
outros. (PARANÁ, 2006)
No entanto, as ações da administração pública no campo da proteção e
promoção do patrimônio cultural local ainda buscam uma natureza programática, na
qual um plano de salvaguarda dos bens culturais possibilite iniciativas tópicas e
também uma atuação de perfil sistêmico. Há uma percepção de que um envolvimento
sincrônico das esferas públicas governamentais e das instituições da sociedade civil
poderiam potencializar um conjunto de ações de forma continuada e permanente.
Essa dinâmica inerente ao reconhecimento do patrimônio cultural local deve
contemplar também iniciativas permanentes no campo da educação patrimonial.
Nesse sentido, o presente trabalho visa a apresentar uma experiência pedagógica, a
qual permite extrair elementos para instaurar um processo contínuo e permanente de
formação de professores e de confecção de material didático que contemple a
pluralidade de bens culturais, dos saberes e conhecimentos tradicionais e suas
paisagens culturais etc.
Enfim, ao narrar uma experiência de educação patrimonial, busca-se contribuir
com a proteção e promoção do instigante patrimônio cultural de Paranaguá, bem
como estabelecer possíveis fundamentos para o diálogo sobre a importância de se
preservar tais bens culturais, resultando em um processo de valorização da memória
e da história local.
4IPHAN. Ata da 62ª Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural – IPHAN. Mimeo,
2009.
7
Conhecer o lugar em que vivemos, os saberes de suas gentes, a história e a
cultura a eles relacionadas, tudo isso é primordial para o reconhecimento, a
valorização, a preservação e a disseminação da importância dos bens culturais de
uma coletividade. Ter acesso a esses conhecimentos é o primeiro passo para a
construção da identidade e a plena cidadania.
Nesse sentido, a educação patrimonial possibilita um diálogo transversal de
conhecimentos, entre a identidade e o sentimento de pertencimento a um lugar, entre
a memória coletiva e as narrativas que forjam nosso tempo e conferem sentido à vida
social. São registros de vivências de tempos específicos, mas que transcendem
temporalidades demarcadas, pois podem ser ressignificadas conforme se consolidam
novos olhares ou a moralidade inerente a cada sociedade. Paulo Freire afirma que a
consciência é “essa misteriosa e contraditória capacidade que tem o homem de
distanciar-se das coisas para fazê-las presentes, imediatamente presentes” (FREIRE,
1987: 14).
No presente caso, conscientizar quer significar a possibilidade de usufruir e
entender que esse patrimônio cultural também nos pertence. Assim como a
consciência de que somos partícipes, cidadãos cuja identidade social também remete
ao lugar em que vivemos. Consideradas essas premissas, somos responsáveis em
conjunto pela preservação e valorização do patrimônio. Foi com essa preocupação de
preservação do patrimônio é que pensamos um trabalho mais significativo, para que
o estudante se reconheça, enquanto futuro cidadão que pode mudar a realidade da
sua cidade.
A presente artigo entrecruza em um primeiro plano a trajetória e experiência
docente à perspectiva (e cotejo) de natureza bibliográfica, subentendendo-se nesse
sentido que também é qualitativa e investigativa, com uma investigação analítica
sobre categorias tais como: bens culturais, patrimônio cultural material e imaterial,
educação patrimonial, instrumentos administrativos de promoção e proteção do
patrimônio cultural, o acervo de bens culturais reconhecidos no local e, no âmbito
pedagógico, compreender e analisar o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola
em que a autora leciona.
Em um segundo momento do trabalho a práxis docente possibilitou a
formulação e aplicação de uma proposta metodológica voltada à educação
patrimonial, com estudantes do 4º ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal
Luiz Vaz de Camões, em Paranaguá. A metodologia proposta pôde ser aplicada ao
8
ensino da disciplina de Artes, no entanto, sua natureza é interdisciplinar, com a
articulação de outros campos do conhecimento tais como história, geografia, ciências,
língua portuguesa, matemática, entre outras.
Foram apresentadas aos estudantes as diferentes expressões do patrimônio
cultural da cidade de Paranaguá, com enfoque no patrimônio arquitetônico,
reconhecido como presença e lugar de uma memória coletiva e carreando resquícios
de épocas passadas, em que a sociedade se organizava de maneira diferente do
tempo presente.
Os trabalhos foram iniciados com a apresentação coletiva a partir de uma roda
de conversa, trazendo questões e vivências do cotidiano dos estudantes para a
contextualização do conteúdo programático escolhido, além de diversas imagens
sobre patrimônio cultural e paisagístico, seus significados e a importância da
preservação dos bens patrimoniais em sua interação com a cultura local.
A apresentação de fotografias e imagens relacionadas ao patrimônio cultural
local, tais como imóveis antigos, museus, ruas, praças, obras de arte de artistas da
região e que representassem também os saberes e conhecimentos tradicionais, as
técnicas locais, a pluralidade de modos de viver, falar, trabalhar, revelou-se uma
estratégia pedagógica importante, antecedendo um novo momento para os trabalhos
propostos, com atividades práticas através de saída de campo.
Em busca de novas percepções e significados em espaços que ampliam a
noção de sala de aula, a apreciação do patrimônio cultural pelos estudantes ocorreu
através de saída de campo realizadas no Centro Histórico de Paranaguá, organizados
para propiciar um contato concreto com a educação patrimonial.
Ao trazer à tona contextos históricos diferenciados e realizar possíveis
comparativos entre a sociedade colonial e a atual, em que, por exemplo, um
determinado imóvel tombado como patrimônio arquitetônico e que antes abrigava uma
família ou constituía sede da administração local e que nos dias de hoje e o que
representa na construção da identidade individual do aluno, sempre enfatizando as
questões sociais. Mais do que “conhecer para preservar”, a intenção do trabalho, foi
de inserir o sujeito para que ele usufrua de um patrimônio que lhe pertence.
A aproximação metodológica com o reconhecimento etnográfico revelou-se
essencial para o reconhecimento do espaço e tempo no presente e no passado pelos
estudantes, transportando-os para um contexto pedagógico que une conhecimento e
vivência com a educação patrimonial. Assim, a prática aplicada possibilitou um olhar
9
mais amplo no que se refere aos bens patrimoniais da cidade de Paranaguá, tornando
a relação entre ensino e aprendizagem mais significativa.
No princípio, em um momento anterior à execução da atividade planejada,
houve a necessidade de transmitir e pactuar coletivamente o projeto de educação
patrimonial, com a apresentação da proposta para as demais professoras e
estudantes. Foi elaborado um roteiro de visitações e a autorização para os pais e
responsáveis para a saída de campo.
Além disso, houve a previsão de uso de imagens para fins acadêmicos, pois
foi proposta a utilização da fotografia para o registro das atividades tanto em sala de
aula quanto para a saída de campo, momento em que as imagens e as percepções
individuais permitiram aflorar o que se denominou metodologicamente de
“reconhecimento etnográfico”.
Com o roteiro de visitações estabelecido, houve a previsão de saída da escola
às 7:30 horas da manhã, com um breve intervalo para o lanche às 10 horas. O roteiro
buscou contemplar os seguintes bens culturais a serem visitados: a) Casa Elfrida
Lobo/Conservatório Waltel Branco; b) Casa da Cultura Monsenhor Celso (com a
apreciação da exposição de arte “Bicicletas”) e c) Casa Brasílio Itiberê. Após as
visitações, uma parada para lanchar ao ar livre na praça pública em frente à Casa da
Cultura Monsenhor Celso, no Centro Histórico de Paranaguá.
10
Casa Elfrida Lobo/Conservatório Waltel Branco. Localizada na Rua Dr. Leocádio, no cruzamento com a Rua Fernando Simas.
Fonte: Espirais do Tempo (PARANÁ, 2006)
Casa da Cultura Monsenhor Celso, onde moraram os irmãos Brasílio Itiberê e Monsenhor Celso. Localizada no Largo Monsenhor
Celso. Fonte: Coordenadoria de Patrimônio Cultural, Secretaria de Estado da Cultura do Paraná.
11
Casa Brasílio Itiberê. Sobrado Colonial localizado no Largo Monsenhor Celso. Fonte: Coordenadoria de Patrimônio Cultural,
Secretaria de Estado da Cultura do Paraná. Fotografia de Carlos Roberto Zanello de Aguiar (Macaxeira).
12
Atividade de educação patrimonial em sala de aula. Fotografias: Acervo da autora.
5 Nos termos do catálogo “Assim vivem os Homens: cultura popular. Guia da Exposição”, elaborado
pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR (2016/2017), o Boi-de-Mamão “acontece em várias
partes do Brasil, mas com nomes diferentes. No nordeste é o bumba-meu-boi, no norte o boi-bumbá e,
no sul, (Paraná e Santa Catarina), o boi-de-mamão. O nome remete às origens do folguedo, quando
então a cabeça do boi era representada por um mamão verde. Trata-se de uma encenação que mistura
teatro, música, dividida em vários atos e com muitos personagens, entre eles, o vaqueiro, o boi, o
carneiro, o médico, o Barão, a Bernunça e a Maricota (ou Mariola). Tanto no Paraná como em Santa
Catarina essa é uma festa que ocorre no litoral, entre o Natal e o Carnaval. (...)”. (MAE/UFPR, 2016)
13
população e as práticas culturais cotidianas de outrora foram se dissipando com o
passar dos anos.
Para a conclusão prática dessa parte dos trabalhos foram disponibilizados para os estudantes imagens de desenhos de igrejas
em estilo barroco para colorir. Fotografias: Acervo da autora.
6
A Casa Elfrida Lobo foi construída no final do século XIX e serviu de residência a uma das mais
tradicionais famílias parnanguaras. Retrata a majestosa arquitetura de sua época, através da beleza
de sua fachada, suas portas-janela em arco, seus balcões ornados de belos gradis de ferro gusa e seu
primoroso jardim. Nela viveu Dona Elfrida Lobo, conhecida como “Dona Elfridinha”, professora de
francês de várias gerações. Foi uma das damas mais tradicionais e ativas da cidade. Em homenagem
à sua memória, a casa leva seu nome. Fonte: Prefeitura Municipal de Paranaguá.
http://www.paranagua.pr.gov.br. Acesso em 19/12/2016.
14
anos.
Visita à Casa Elfrida Lobo. Fotografia: Acervo da autora Sala Interna da Casa Elfrida Lobo. Fotografia: Acervo da autora
Jardins da Casa Elfrida Lobo. Fotografia: Acervo da autora Corredor da casa Elfrida Lobo. Fotografia: Acervo da autora
15
O caráter interdisciplinar dessa atividade de educação patrimonial apresentou
outras dimensões do conhecimento inerentes ao processo epistemológico. Na escolha
do repertório de bens culturais locais foram importantes também o reconhecimento
das Casas da Cultura Monsenhor Celso e da Música Brasílio Itiberê.
Uma diretriz que orientou a atividade está relacionada com a ampliação da
noção de cultura e a não reiteração de perspectivas de pensamento que pudessem
reduzir o potencial inerente à sua concepção. Pensar o papel institucional de uma
Casa de Cultura em nossos dias permitiu resgatar as análises do sociólogo Zygmunt
Bauman. Seu pensamento revelou-se fundamental para afastar possíveis
estereótipos e relativismos. Para esse autor, a noção de cultura pode estar arraigada
no senso comum, de forma irrefletida, ao estar imbricada ao denominado
“conhecimento erudito”. Tal perspectiva pode ser transmitida através de instituições
como a escola, família ou mesmo nas relações sociais.
Nós reprovamos uma pessoa que não tenha conseguido corresponder aos padrões
do grupo pela ‘falta de cultura’. Enfatizamos repetidas vezes a ‘transmissão da
cultura’ como principal função das instituições educacionais. Tendemos a classificar
aqueles com quem travamos contato segundo seu nível cultural. Se o distinguimos
como uma ‘pessoa culta’, em geral queremos dizer que ele é muito instruído,
educado, cortês, requintado, acima de seu estado ‘natural’, nobre. Presumimos
tacitamente a existência de outros que não possuem nenhum desses atributos. Uma
‘pessoa que tem cultura’ é o antônimo de ‘alguém inculto’ (BAUMAN, 2012, pág. 90)
16
Casa da Cultura Monsenhor Celso Casa da Cultura Monsenhor Celso/Fotografias: Acervo da autora.
Casa da Música Brasílio Itiberê Casa da Música Brasílio Itiberê/Fotografia: Acervo da autora
3. Conclusões
17
Uma perspectiva constitucional de respeito ao patrimônio cultural deve relevar
singularidades e peculiaridades étnicas, históricas, linguísticas, de gênero etc. Nesse
sentido, caberia refletir por qual razão muitos currículos escolares e, por
consequência, as práticas pedagógicas desenvolvidas no cotidiano das instituições,
ainda não contemplam a educação patrimonial em diálogo aberto aos conhecimentos
e saberes próprios da região, o litoral do Paraná.
A constatação de persistência de rotinas institucionais centradas na quase
obrigação de muitas escolas em contemplar temas considerados “cívicos”, tais como
datas comemorativas de aniversário da cidade, em detrimento de uma autonomia que
possa contemplar uma liberdade de decisão fundada no planejamento pedagógico
local, enfraquece um ideal de defesa e promoção dos bens culturais em estreita
relação com a diversidade cultural.
Por ironia, a título de exemplo, na cidade de Paranaguá por muito tempo
houve uma coincidência do aniversário da cidade no dia 29 de julho com as férias
escolares de meio de ano, resultando na alteração para a primeira quinzena de julho
deste recesso escolar. Diante dessa mudança no calendário, muitas escolas
começaram a trabalhar com maior afinco essa questão, no entanto, de maneira pouco
aprofundada.
Por outro lado, se as datas comemorativas constituem apenas uma pequena
dimensão da cultura local, a qual deveria articular um leque de conhecimentos em que
o momento cívico possa ser conjugado com uma perspectiva sociopolítica plural e
ampla e refletir os caminhos da democracia e da cidadania, observa-se que muitas
vezes tais datas comemorativas sequer são contempladas, resultando em uma
sensação de lacuna pedagógica ainda maior.
Em sentido complementar, um legado de caráter generalista e oficial remete
a uma espécie de encenação da vida nacional em datas comemorativas tais como o
“dia do índio”, da “consciência negra”, entre outras. No entanto, tais passagens da
memória e identidade nacionais são inscritas no cotidiano da escola de maneira pouco
aprofundada e dialógica com a realidade atual de povos indígenas, pessoas negras,
e comunidades quilombolas. E assim são forjados uma desatenção e um desinteresse
pelos bens culturais, portanto, pelo patrimônio cultural em sentido inscrito pelos artigos
215 e 216 da Constituição Federal. E o resultado muitas vezes revela que estudantes
chegam ao final da sua trajetória escolar sem reconhecer os elementos da memória
coletiva que também lhe pertencem.
18
Essa conjuntura escolar resulta em uma cidadania de baixa intensidade e no
esvaziamento da autoestima, as quais são orientadas igualmente pelo
reconhecimento do lugar no qual a vida se mantém e se reproduz. A ausência de
valorização dos aspectos positivos e também negativos da própria cidade não permite
estabelecer um juízo sobre os caminhos e destinos da urbanidade local. Trata-se
aparentemente de uma espécie de suspensão dos juízos, no entanto, reveladora de
uma indiferença que não permite captar, por exemplo, os sentidos e complexos
significados da cidade, do que pode proporcionar em termos de uma vida melhor.
O desconhecimento da história, da memória coletiva e da cultura local podem
resultar em dificuldades para o processo de formação da cidadania e no florescimento
de ações sociais voltadas ao lugar em que se vive. A educação patrimonial não
constitui por si mesma um caminho pedagógico que fomente a consciência crítica
capaz de transformar e melhorar a vida social. A educação precisa ser compreendida
em toda sua complexidade e sua tessitura exige um olhar interdisciplinar, no qual os
bens culturais e o patrimônio histórico e artístico possam contribuir no diálogo
paradigmático que busca aproximar conhecimentos, respeitar a memória e a
diversidade cultural, compreender o meio ambiente natural e cultural em que vivemos.
Uma perspectiva cíclica e alinhada com as inquietações inerentes ao
processo de construção do conhecimento cujas centelhas são permanentemente
reavivadas na proposta metodológica de um projeto de aprendizagem que encontra
na presente síntese um campo fértil para novas indagações, permite expor as
preocupações da autora que ainda buscam respostas.
Nesse sentido, surgem algumas perguntas: a escola compreendida como
lugar de saberes que são historicamente construídos e sistematizados propicia aos
seus estudantes um processo que resulte em uma maior consciência cultural e ao
sentimento de pertencimento do lugar onde se vive? Portanto, (a escola) cumpre o
seu papel institucional voltado a colaborar para a formação indispensável para o
exercício da cidadania? Para a emergência de um sujeito de direitos culturais? Por
consequência, qual a importância e o efetivo potencial da educação patrimonial?
As práticas de educação patrimonial apresentadas no presente estudo
possibilitaram o ensaio para futuros projetos em que arte e cultura possam de fato
dialogar com a realidade das escolas de uma cidade em que os bens culturais são
oficialmente reconhecidos e cuja fruição e gestão coletiva seja plena.
19
A cidadania ativa constitui um dos elementos que mobilizam o ideal
democrático contemporâneo para além de papeis subalternos ou passivos, no qual
todas as pessoas possuem direitos e deveres na constituição da vida comum. Tal
perspectiva pode ser compreendida concomitantemente em suas dimensões
individual e/ou coletiva.
O reconhecimento do patrimônio cultural não apenas relacionado à construção
da identidade nacional, mas, isto sim, na tomada de consciência e valorização da
memória plural e diversa que compõem as várias perspectivas da história, são
fundamentais para a compreensão de quem somos e do potencial de uma educação
para a cidadania.
Ao caminhar entre ruas e alamedas, vislumbrar os rios, mares e ilhas, os barcos
e canoas, cantigas e músicas, os estudantes poderão seguramente se reposicionar
em seus elos sociais e da compreensão de si e de seu lugar identitário em nosso
mundo. Eis os caminhos que se almeja percorrer na correlação entre educação
patrimonial e cidadania.
Referências Bibliográficas
20
MAE/UFPR. Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR. Assim vivem os Homens:
cultura popular. Guia da Exposição. Paranaguá, 2016.
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Cultura é patrimônio: um guia. Rio de Janeiro: FGV, 2008.
PACHECO, Ricardo de Aguiar. Educação, memória e patrimônio: ações educativas
em museu e o ensino. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 30, nº 60, p. 143-
154, 2010.
PARANÁ. Espirais do tempo: bens tombados do Paraná. Curitiba: Secretaria de
Estado da Cultura, 2006.
PELEGRINI, Sandra de Cássia Araújo. Patrimônio histórico e cultural. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 42.ed. Campinas: Autores Associados,
2012.
______. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11.ed. Campinas:
Autores Associados, 2012.
SOARES, André Luis Ramos; KLAMT, Sérgio Célio (Org.) Educação patrimonial:
teoria e prática. Santa Maria: UFSM, 2008, p. 11-21.
UFPR LITORAL. Projeto Político Pedagógico do Setor Litoral da Universidade
Federal do Paraná. Matinhos: UFPR Litoral, 2008.
VIANA, Manoel. Paranaguá na história e na tradição. Paranaguá: Conselho
Municipal de Cultura, 1976.
21
Anexo 1
Roteiro
22
Anexo 2
Srs. pais, viemos por meio deste solicitar a autorização para que seu filho participe do
projeto de Trabalho de Conclusão de Curso “Educação Patrimonial:
Reconhecimento o Patrimônio Histórico e Cultural da Cidade de Paranaguá para
uma Ação Educativa” da professora Wanderleia Mafra de Moura Correia, lotada
nesta instituição “Escola Municipal Luiz Vaz de Camões”. Serão feitas saídas de
campo (passeios pelo Centro Histórico de Paranaguá) para o reconhecimento do
Patrimônio Histórico e Cultural da nossa cidade. Pedimos a sua autorização para a
saída de seu filho(a) da escola bem como uso de sua imagem para fins acadêmicos,
pois serão tiradas fotografias para o registro dos trabalhos. As crianças sairão
acompanhadas pelas professoras da turma.
A Direção.
Sim autorizo meu filho (a) para que participe dos trabalhos.
______________________________________________
Assinatura dos pais ou responsáveis
23
Anexo 3
“Paranaguá é, a partir das 11h30 de hoje, dia 3 de dezembro de 2009, a mais nova
cidade Paranaense a ter seu centro histórico tombado como patrimônio nacional. A
decisão acaba de ser tomada pelo Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que está reunido na cidade de São João del-
Rei, em Minas Gerais. De acordo com o superintendente do Iphan no Paraná, José
La Pastina Filho, esse é um reconhecimento à importância da primeira cidade do
estado do Paraná para a grandeza do país. O plano diretor do município, em 1967, já
considerava a região como área de proteção rigorosa. O tombamento estadual
ocorreu em 1990. Segundo La Pastina, no centro histórico há três monumentos
tombados pelo Iphan, que agora pretende sua chancela a todo o conjunto
arquitetônico e urbanístico. A área a ser reconhecida e protegida como patrimônio
nacional pelo Iphan abarca todo o núcleo mais antigo da cidade, indo desde a Igreja
de São Benedito, na Rua Conselheiro Sinimbu até a Rua Visconde de Nácar. Engloba
importantes exemplares da arquitetura colonial brasileira, como a Igreja Matriz de
Nossa Senhora do Rosário, o Colégio dos Jesuítas, a Igreja da Ordem 3ª de São
Francisco das Chagas, além da antiga Rua da Praia. É proposta ainda uma poligonal
de entorno, como uma transição entre a área a ser tombada e o restante da cidade, e
onde situam-se outros exemplares arquitetônicos significativos para a história da
cidade”.
Fonte: http://portal.iphan.gov.br
24