Você está na página 1de 3

A psicanálise em seu aspecto clínico é uma prática terapêutica sustentada numa teoria.

O fundamento primevo desta prática é o abandono da sugestão hipnótica: o terapeuta não


exerce função ou produz sentido de comando. A sugestão hipnótica nos primórdios da
psicanálise serviu para revelar ou confirmar a etiologia emocional dos sintomas na histeria. Foi
também observado que a sugestão tinha a capacidade de mover o sintoma ou mesmo de
fazê-lo desaparecer. Ao menos temporariamente. Freud percebeu que o Indivíduo também
fantasia em estado hipnótico. Que mesmo sob hipnose a mente ainda podia resistir voltar-se ao
trauma. Na hipnose a resistência como chave não é evidente. A recusa de Freud a qualquer
técnica de sugestão deve-se a uma contradição com sua proposta. O indivíduo que resiste já
sofre de comandos internos. A lógica freudiana implica na fundamentação psicanalítica e a
prática sobre esse fundamento será uma prática onde o terapeuta não sugestiona. Tendo-se tal
estabelecido, dá-se a palavra ao que sofre. Surge a livre associação. O que fundamenta a
prática psicanalítica é a liberdade discursiva daquele que busca a terapia. Essa mudança na
perspectiva terapêutica é o cerne da revolução freudiana. O psicanalista rejeita a sugestão em
nome do amor à verdade: a verdade do sujeito. A ética psicanalítica confere sigilo à fala
livremente associada.

Mas o indivíduo resiste. A resistência é o excesso de lei e do medo que sua transgressão traz à
subjetividade do analisante. Conduzir a análise é enxugar o excesso legal nessa subjetividade.

O trauma está ligado a uma impossibilidade de resposta e o indivíduo resiste a se voltar ao


afeto, desejo, fantasia, reação que se fez vital ocultar. E então, adoece. E segue resistindo ao
discurso de acesso a essas emoções, mostrando os obstáculos para o desenrolar da análise.
Freud faz então do impedi-lo, a própria questão: O analista analisa a própria resistência. Como
e por que o indivíduo resiste? No ​Ego​, a resistência aparece como mecanismo de defesa. O ​Id
se defende pelo ​acting out, ​não alterando sua relação com ​a coisa​, viabilizando a manutenção
do comportamento.
No ​Superego​ a resistência à liberdade discursiva surge como ​reação terapêutica negativa​,
amplificando o sintoma. O afeto recalcado fica envolto em um afeto defensivo. Freud usa a
metáfora da cebola para falar desta reação ao trauma impossibilitada de vir à tona pelas
camadas de resistência. As camadas da cebola não são o problema. Em psicanálise nós
contamos com a existência da resistência. O objetivo do analista é “descascar” as camadas
defensivas para possibilitar a exposição deste afeto impedido.

A psicanálise nasce da prática. A partir da escuta Freud estabelece a teoria que fala da
estrutura do sofrimento. Entender a neurose é entender como o indivíduo se defende dos
próprios afetos: daquilo que o afeta e contra o qual a reação é impedida, reprimida e defendida.
A teoria tem por função estruturar uma prática que visa reduzir ao máximo possível as
resistências ao tratamento.

A pista de Freud com relação ao motor da resistência ao tratamento do sofrimento humano é o


que chamou de complexo paterno. Cunhada por Jung, a palavra designa um conglomerado de
afetos inconscientizados sobre um determinado tema. Um conglomerado de afetos em torno da
lei e da punição acompanhada por sua infração. O processo analítico precisa superar o
complexo paterno. O indivíduo resiste porque teme a lei e teme ser punido pela lei. O processo
analítico precisa superar o complexo paterno, representado pelas autoridades sociais, com alto
poder de sugestão, que obstrui o esforço analítico: O de atribuir a palavra àquele que não a
tem. A palavra que substitui o medo e delimita suas relações com a lei e com outro.
Para a psicanálise o campo da verdade é o campo do desejo. E por função terapêutica o
campo da verdade deve se sobrepor. A psicanálise privilegia o campo do desejo em detrimento
do campo da autoridade e por isso é uma abordagem subversiva.

O texto inconsciente é a bússola freudiana, A Verdade do sintoma é o discurso ainda reprimido.


Em meio à fala livremente associada surge o discurso verdadeiro, e é o analisando quem irá
determiná-lo.

“E, finalmente, não devemos esquecer que o relacionamento analítico se baseia no amor à
verdade – isto é, no reconhecimento de uma realidade – e que isso exclui qualquer tipo de
impostura ou engano."
(FREUD, 1937a/[200-], VII)

A realidade, aqui, é o que o indivíduo deveras experimenta. O engodo são as histórias que o
ego nos contar sobre nós mesmos, nos afastando do desejo. A resistência mostra a dificuldade
de abrir mão dessas histórias. O grande objetivo do ​Ego​ é manter o ​Id​ afastado. Cabe ao
clínico possibilitar a superação da resistência do registro egóico. Reforçar a fantasia que o
indivíduo tem de si mesmo - o Ego - enrijece o processo analítico por estagnação do registro
imaginário do ​Eu​. Quanto menos dinâmica for a ideia que o indivíduo tem de si, maior a
incidência de ansiedade, angústia, fobia, compulsão, obsessão, histeria, pesadelos, atos falhos
e todo o quadro psicopatológico conhecido.

O fundamento prático da psicanálise é questionar a estagnação do registro imaginário de si


mesmo. Nesse sentido o analista não ​sugere ​o tema, não funciona como oráculo, não fecha
diagnóstico para o analisante, não fecha o sentido. Muito pelo contrário: a ética psicanalítica é
a do vazio, da escuta onde toda fala cabe.

O analista sabe que cada analisante vivencia seus sintomas de maneira individual e que essa
subjetividade deve ser convidada à tona dentro de sua própria e única angústia. A
especificidade individualizante na psicanálise faz perder o sentido a comparação de um quadro
a outro.

O sucesso da terapia depende da entrega à técnica. Permitir-se libertar-se das limitações e


condições discursivas - falar para agradar, falar o que se quer ouvir - é um dos grandes
desafios do analisante.

A fala livre estrutura a técnica da escuta. Que o analisante desfile seu sofrimento e exponha a
estrutura de suas reações à vida. A neurose, o quadro do exagero, o afeto que representa o
conflito, deve ser simbolizado, verbalizado sem julgamento, inquisição e impunemente nas
condições do ​setting,​ diante da neutralidade emocional do analista. Uma neutralidade ética.

Uma promessa de cura em um ​setting​ analítico é algo próximo a um estelionato. Esse controle
não existe. O factível é a conscientização. O que advém do processo de conscientização -
alívio, angústia ou ambivalência - pode se tornar material para mais simbolizações. Enquanto o
analisante simboliza a ideia de si, escuta-se e desincha o imaginário, aumenta a sua
capacidade crítica sobre as próprias fantasias. O indivíduo muito se pensa. Mas ao se escutar,
com auxílio das pontuações do analista, tornará consciente os processos defensivos presentes
em seu discurso. Escutar-se é revolucionário, e algo raramente presente em sua história.

Você também pode gostar