Você está na página 1de 96

CRIME E

SOCIEDADE AUTOR: THIAGO BOTTINO


COLABORAÇÃO: PALOMA CANECA, ARTHUR LARDOSA DOS SANTOS
DAVID CASZ SCHECHTMAN

GRADUAÇÃO
2017.1
Sumário
Crime e Sociedade

BLOCO 1 – DIREITO PENAL ..................................................................................................................................... 8

AULAS 01 E 02 — PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (TAXATIVIDADE, RESERVA LEGAL,


VEDAÇÃO AO USO DO COSTUME; VEDAÇÃO DE ANALOGIA)............................................................................................... 8

AULA 03 — PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (ANTERIORIDADE).......................................................................................... 24

AULA 04 — PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (INSIGNIFICÂNCIA)......................................................................................... 46

BLOCO 2 — SISTEMA PENAL E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ................................................................................ 65

AULAS 05 A 07 — PREPARAÇÃO PARA O JÚRI SIMULADO............................................................................................. 65

BLOCO 3 — DIREITO PROCESSUAL PENAL................................................................................................................ 68

AULA 08 — PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (VEDAÇÃO DE PROVA ILÍCITA)........................................................... 68

AULA 09 — PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA)............................................................ 78

AULA 10 — PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (VEDAÇÃO DE AUTOINCRIMINAÇÃO)................................................... 83

AULA 11 — ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO PENAL................................................................................................. 87


Crime e Sociedade

I — APRESENTAÇÃO DO CURSO

A disciplina Crime e Sociedade constitui o primeiro contato que o estudante


terá com o Direito Penal e Processual Penal no ciclo de estudos dessa área do direi-
to no curso da FGV Direito Rio. A concepção do curso de Direito Penal da FGV
Direito Rio espelha-se na idealização original de Roberto Mangabeira Unger:

“O direito penal deve ser dividido em três partes. A primeira parte


estudaria os conceitos básicos do direito e o pequeno número de regras
que perpassam toda a tipologia de crimes. A segunda parte trataria das
normas e práticas usadas para controlar a violência comum, sobretudo
aquela que se difunde entre as partes mais pobres e mais desorganizadas
da população. É um estudo que tem de abranger a discussão da polícia,
das prisões e da natureza e efeitos do encarceramento episódico e qua-
se arbitrário que caracteriza o sistema brasileiro. Na terceira parte do
curso, o tema seria os crimes típicos dos endinheirados (ou aspirantes a
tal condição), não só os crimes reconhecidos de colarinho branco mas
também aqueles que resultam da violação do direito de proteção ao
consumidor e de repressão ao abuso do poder econômico” 1

A partir dessa concepção, o ciclo de estudos de direito penal da FGV Di-


reito Rio é dividido em quatro disciplinas (Crime e Sociedade, Direito Penal
Geral, Penas e Medidas Alternativas e Direito Penal Econômico), ao longo
dos dois primeiros anos da formação do aluno. Nesta primeira parte do ciclo
(disciplinas do primeiro ano) serão abordados os conceitos fundamentais do
direito penal, noções de processo penal e criminologia. Ainda serão aborda-
das as questões referentes à adequação do sistema penal ao Estado Demo-
crático de Direito. No segundo ano do curso serão estudados as penas e os
crimes em espécie, divididos entre os crimes clássicos e econômicos.
O objetivo da disciplina Crime e Sociedade é refletir sobre as funções de
criminalizar condutas, processar os indivíduos e impor penas. Essa atividade
é exclusiva do Estado, mas para ser legítima deve observar limites e para iden-
tificar esses critérios serão propostas as seguintes questões:
• A justiça é um conceito moral ou jurídico?
• Quem deve ser encarregado da execução da justiça, o Estado ou o
indivíduo?
• Quais as regras que devem ser observadas quando se constrói um sis-
tema penal?
A partir dessas perguntas, e especialmente a partir da última delas, se- 1
UNGER, Roberto Mangabeira: Uma
guem-se outros questionamentos: “por quê”, “como” e “quando” criminalizar Nova Faculdade de Direito No Brasil. in
http://direitorio.fgv.br/publicacoes/
comportamentos; “por quê”, “como” e “quando” processar pessoas; “por quê”, cadernos-fgv-direito-rio. Também
“como” e “quando” punir indivíduos. Ao buscar respostas para tais questões, disponível em: www.law.harvard.edu/
unger/portuguese/docs/projetos6.doc

FGV DIREITO RIO  3


Crime e Sociedade

os alunos refletem sobre os princípios fundamentais que orientam o Direito


Penal e Processual Penal.
Essa reflexão será estimulada a partir da comparação entre o arranjo teóri-
co constitucional e o funcionamento efetivo do sistema. Nesse ponto, desta-
ca-se a utilização de casos paradigmáticos como forma de análise do sistema
ideal e do sistema efetivo.
No âmbito do Direito Penal, são estudados temas como segurança jurí-
dica, coerência legislativa e amplitude dos poderes do juiz na aplicação da
lei penal. Na seara do Direito Processual Penal, destacam-se os temas como
construção da verdade, conflito entre garantias fundamentais e devido pro-
cesso legal.
Por fim, serão estudados também alguns conceitos de política criminal
— especialmente a relação existente entre o sistema penal, a democracia e o
Estado de Direito. A finalidade é questionar se existe um modelo de sistema
punitivo que se coadune com os postulados básicos do Estado Democrático
de Direito, criando um “modelo ideal” de sistema punitivo: quanto mais
próximo desse modelo ideal estiverem as leis e as práticas policiais e judi-
ciais, maior o grau de democracia e segurança jurídica de um determinado
sistema punitivo.
Transversalmente às discussões acima, surgem temas como a filtragem
constitucional no Direito Penal e Processual Penal; o recurso aos postulados
da ponderação, proporcionalidade e razoabilidade na construção de decisões
em matéria penal; e, a utilização de argumentos de “emergência” e “exceção”
como fundamento de sentenças criminais. Todos esses temas conectam o Di-
reito Penal com o Direito Constitucional, a Teoria do Direito e a Teoria da
Democracia, reforçando uma abordagem interdisciplinar da matéria.

II — METODOLOGIA DAS AULAS

Cada aula terá como ponto de partida um ou mais casos concretos cuja
análise será objeto de debates em sala de aula. Os alunos deverão elaborar,
para cada caso estudado, uma ficha de análise, contendo as informações prin-
cipais do caso.
A pretensão é suscitar diferentes possibilidades de aplicação do direito ao
caso concreto. Essa metodologia aposta na capacidade do aluno de graduação
da FGV Direito Rio de discutir, com profundidade, os temas mais relevantes
do direito penal e processual penal da atualidade.
O uso de casos concretos que possuem ligação com situações cotidianas
traz a realidade da aplicação do direito para dentro da sala de aula e estimula
a participação do aluno no processo de aprendizado, criando-se um ambiente
de interatividade entre aluno e professor e aprimorando sua capacidade de

FGV DIREITO RIO  4


Crime e Sociedade

raciocínio lógico-jurídico. O objetivo dessa metodologia é habilitar o aluno


a identificar problemas e resolvê-los de forma pragmática, sem deixar de se
posicionar criticamente.
A fim de orientar o aluno no estudo do caso concreto, cada caso estudado
deverá ser examinado e organizado segundo os critérios definidos na tabela
abaixo:

FICHA DE ANÁLISE

Qual o tribunal que prolatou a decisão e qual o órgão desse tribunal; qual
1. Identificação do caso o julgador relator; qual o resultado da votação (votos vencidos, votos concor-
rentes, votos majoritários); qual a data do julgamento.
Se houve decisões judiciais anteriores e o que decidiram; quais as deci-
2. Relato da situação
sões das cortes que examinaram o caso antes de sua chegada ao Supremo
processual
Tribunal Federal.
Resumo dos argumentos indicando qual a solução que cada parte pleiteia
3. Pretensão das partes
no caso concreto.
4. Classificação das Identificar e classificar as normas jurídicas em discussão, para saber o re-
normas gime jurídico aplicável.
5. Questões jurídicas Identificar a questão jurídica que está em discussão (ou se for mais de
em discussão uma, fazer isso com todas).
6. Decisão do tribunal e
Expor a decisão (parte dispositiva) em comento e seus fundamentos.
sua motivação

III — AVALIAÇÃO

A avaliação será realizada a partir de duas notas (N1 e N2).


A N1 será composta por duas atividades. A primeira atividade, com
valor de 3,0 pontos, consiste na participação em sala de aula e elaboração de
três fichamentos, entregues antes do início da respectiva aula.
Essa avaliação pretende estimular que o aluno esteja preparado para parti-
cipar de todas as aulas e que contribua para o desenvolvimento das atividades.
Participações inoportunas ou deficientes não serão pontuadas positivamente.
Alunos podem ser escolhidos aleatoriamente — ou se apresentar de forma
voluntária — para relatarem oralmente o caso da aula. No caso da apresen-
tação oral do caso, o aluno deverá apontar as principais questões decorrentes
do caso concreto ou do texto relacionado com os temas jurídicos tratados.
Os casos concretos são julgamentos ocorridos no Supremo Tribunal Federal
ou de outros tribunais. As discussões geradas a partir das situações concretas

FGV DIREITO RIO  5


Crime e Sociedade

retiradas dos cases são enriquecidas com os fundamentos doutrinários forne-


cidos pelos textos de apoio e pela exposição do professor.
A segunda atividade, com valor de 7,0 pontos é a atuação dos alunos nos
júris simulados com base no livro de leitura obrigatória. Serão utilizados os
seguintes critérios para a correção do trabalho: formais (respeito ao tempo to-
tal e individual) e substanciais (quantidade e qualidade das teses apresentadas;
clareza/foco/escolha nos fundamentos da acusação; clareza/foco/capacidade
de rebater o argumento da acusação; coerência entre os argumentos apresen-
tados). Os alunos que se sobressaírem nessa 1ª etapa serão selecionados para a
final do júri simulado, que consistirá em uma competição com a Direito GV.
A participação no júri simulado é limitada a 10 alunos, escolhidos dentre
aqueles que tenham apresentado melhor rendimento nas etapas anteriores.
O corpo de jurados será composto por professores, alunos de outros períodos
e convidados externos.
A N2 será composta por uma prova escrita, dissertativa e individual,
que será aplicada ao final do curso.

IV — BIBLIOGRAFIA

A leitura obrigatória está limitada aos textos da apostila, aos casos que
serão debatidos e ao livro que serve de base para o júri simulado. A relação
abaixo é uma bibliografia complementar, destinada àqueles que desejarem
aprofundar seu conhecimento sobre os temas trabalhados em sala.

• AMARAL, Thiago Bottino Do: Notas para um sistema punitivo de-


mocrático. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 385, p. 185-201, 2006.
• DERSHOWITZ, Alan: The Torture Warrant. In New York Law
School Law Review, vol. 48, issue 2, 2004.
• GARAPON, Antoine: Crimes que não se podem punir nem perdo-
ar. Lisboa: Instituto Piaget, 2002, páginas 161/191.
• ROXIN, Claus; ARZT, Gunther; TIEDEMANN, Klaus: Introdução
ao Direito Penal e Processual Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

V — PLANO DE ENSINO

As aulas da disciplina Crime e Sociedade ocorrerão sempre às 3as e 5as


feiras, no horário de 14:00 às 15:40 durante o primeiro bimestre de aulas. A
tabela de aulas abaixo permite ao aluno se preparar adequadamente anteci-
pando as leituras que servirão de base às discussões em sala de aula.

FGV DIREITO RIO  6


Crime e Sociedade

BLOCO 1 – DIREITO PENAL


3ª Feira|13/fevereiro Semana de Ambientação
5ª Feira | 15/fevereiro Semana de Ambientação
Apresentação do curso
3ª Feira | 21/fevereiro Aula 01 – Tema: Princípio da legalidade em matéria penal (taxatividade)
Caso: Habeas Corpus nº 70.389, do Supremo Tribunal Federal.
Aula 02 – Tema: Princípio da legalidade em matéria penal (reserva legal e veda-
5ª Feira | 23/fevereiro ção de analogia)
Caso: Habeas Corpus nº 70.389, do Supremo Tribunal Federal.
Aula 03 – Tema: Princípio da legalidade em matéria penal (anterioridade)
3ª Feira | 07/março
Caso: Recurso de Habeas Corpus nº 81.453, do Supremo Tribunal Federal.
BLOCO 2 – DIREITO PROCESSUAL PENAL
Aula 04 – Tema: Princípio da presunção de inocência
5ª Feira | 09/março Caso: Doze homens e uma sentença (filme) e Amanda Knox (documentário)

Aula 05 – Tema: Princípio da vedação de prova ilícita


3ª Feira | 14/março
Caso: Habeas Corpus nº 5.100, da Suprema Corte de Israel
Aula 06 – Tema: Princípio da vedação de autoincriminação
5ª Feira | 16/março
Caso: 13ª Emenda (documentário)
BLOCO 3 – SISTEMA PENAL E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
3ª Feira | 21/março Aula 07 – Visita externa a um julgamento do Tribunal do Júri.
5ª Feira | 23/março Aula 08 – Tema: Análise Econômica do Direito Penal
Aula 09 – Aula de encerramento
3ª Feira | 28/março

BLOCO 4 – AVALIAÇÕES
5ª feira | 30/março Prova escrita
5ª feira | 30/março Vista de prova
3ª feira | 20/junho Prova de 2ª chamada
3ª feira | 04/julho Prova final
BLOCO 5 – JÚRI SIMULADO
6ª Feira | 24/março (EXTRA 14h-17h) Júri Simulado – Rodadas classificatórias
2ª Feira | 27/março (EXTRA 14h-17h) Júri Simulado – Rodadas classificatórias
JÚRI SIMULADO – Final no Rio de Janeiro
A DEFINIR
Disputa contra os alunos da FGV Direito SP (DATA A COMBINAR COM SP)
JÚRI SIMULADO – Final em São Paulo
A DEFINIR
Disputa contra os alunos da FGV Direito SP (DATA A COMBINAR COM SP)

FGV DIREITO RIO  7


Crime e Sociedade

BLOCO 1 – DIREITO PENAL

AULAS 01 E 02 — PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (TAXATIVIDADE,


RESERVA LEGAL, VEDAÇÃO AO USO DO COSTUME; VEDAÇÃO DE
ANALOGIA)

I — INTRODUÇÃO

Um dos mais importantes princípios comuns a quase todas as áreas do


Direito é o princípio da legalidade. Este, como outros princípios, tem como
uma de suas funções primordiais a limitação do poder estatal. Nas palavras de
Cezar Roberto Bitencourt ao parafrasear Milton Cairoli Martinez:

“O princípio da legalidade é um imperativo que não admite desvios nem


exceções e representa uma conquista da consciência jurídica que obedece a
exigências de justiça, que somente os regimes totalitários o têm negado.”2

O princípio da legalidade pode ser expresso de diversas formas. A primeira


delas estabelece que ao indivíduo cabe fazer tudo aquilo que a lei não proibe.
Uma variante direta dessa é a aplicação oposta ao governo: só é permitido ao
Estado o que a lei expressamente permite. Contudo, o variente que mais im-
porta no momento é a variante exposta pela seguinte frase em latim: nullum
crimen, nulla poena sine lege. Esta formula foi eternalizada por Feuerbach, no
começo do séc. XIX3.
Versão análoga a esta última pode ser encontrada no art. 5º, inciso XX-
XIX da Constituição Federal: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem
pena sem prévia cominação legal”. Esta disposição também está prevista de
modo semelhante no art. 1º do Código Penal, e neste sentido, é o princípio
mais importante desta área do direito, pois a lei é a única fonte que pode ser
utilizada para proibir ou impor condutas sob ameaça de sanção. Em outras
palavras, é preciso uma lei que descreva uma conduta como proibida e associe
uma pena para aqueles que realizarem a conduta proibida.
Da fórmula original em latim foram desenvolvidas uma série de outras
variações que expressam princípio decorrentes da Legalidade, tais como o
princípio da taxatividade, da reserva legal e da vedação de analogia.
Nullum crimen, nulla poena sine lege certa: O princípio da taxatividade
é sinônimo da precisão na definição do comportamento incriminado. Essa
determinação linguística vincula tanto o legislador como o juiz. No caso do
legislador, exige-se que a lei descreva de forma clara, compreensível e precisa BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado
2

de direito penal : parte geral, 1 – São


a conduta punível pelo Estado. Isto ocorre, uma vez que é essencial que o Paulo : Saraiva, 2012. Pp. 89-91
3
Ibid.

FGV DIREITO RIO  8


Crime e Sociedade

conteúdo da lei possa ser conhecido por seus destinatários, os cidadãos, per-
mitindo-lhes diferenciar entre o penalmente lícito e o ilícito. Neste sentido,
as leis penais devem ser precisas, de modo que não surjam dúvidas quanto a
sua aplicação ao caso concreto.
Esse princípio também vincula o julgador, pois estabelece os limites inter-
pretativos aos quais ele está vinculado. A aplicação da norma penal incrimi-
nadora deve se pautar pelos parâmetros em que foi formulada, evitando-se
assim o abuso judicial decorrente de uma interpretação que possa abranger
um número indeterminado de comportamentos.
É importante mencionar que o princípio da taxatividade ou da determi-
nação não está expresso em nenhuma norma legal, pois se trata de uma cons-
trução doutrinária, fundamentada no princípio da legalidade e no Estado
Democrático de Direito. O modelo oposto, no qual o juiz pode preencher
livremente o conteúdo da norma incriminadora, está associado a sistemas
jurídicos autoritários e representa a previsão de condutas puníveis de modo
indeterminado e valorativo, permitindo discriminações fundadas nas carac-
terísticas pessoais e esvaziando o princípio da legalidade.
O princípio da reserva legal tem como escopo que os tipos penais incri-
minadores somente podem ser criados através de lei pelo Poder Legislativo e
respeitando o procedimento previsto na Constituição Federal.
Vale destacar, que o princípio da legalidade impõe respeito ao que a lei
expressa, ou seja, possui um caráter mais amplo. Já o princípio da reserva
legal, com seu caráter mais específico, estabelece que determinada matéria
só pode ser tratada através de lei. No campo do Direito Penal, essa limitação
serve para assegurar que somente normas produzidas de forma democrática,
pelos representantes eleitos pelo povo, podem vincular os cidadãos. Normas
emanadas diretamente pelo Executivo não preenchem esse critério, pois em-
bora o Presidente da República tenha legitimidade popular, somente o Poder
Legislativo (com todas as dificuldades que tenha ou possa vir a ter) representa
a pluralidade de concepções de justiça de uma sociedade.
Desta forma, pode-se fazer uma ligação direta do princípio da Reserva
Legal com o princípio da vedação do uso de Direito Costumeiro, que seria
uma faceta daquele. Retomando a fórmula em latim, pode-se usar a seguinte:
Nullum crimen, nulla poena sine lege scripta. Deste modo, também complemen-
ta o princípio da Reserva Legal ao estipular um requisito formal pelo qual a lei
penal deve se pautar.
Esta expressão explicita que a previsibilidade das sanções estatais são um dos
fundamentos estruturais que diferenciam um Estado de Direito de um despotismo.
Por último, existe um princípio extramamente correlato com o anterior-
mente destacado: Nullum crimen, nulla poena sine lege stricta. O princípio da
vedação de aplicação da analogia no Direito Penal impede que se use uma
norma penal para punir uma conduta com base na analogia ou extensão. Isso

FGV DIREITO RIO  9


Crime e Sociedade

significa que o juiz não pode realizar uma interpretação integrativa ou am-
pliativa da hipótese que foi originalmente estabelecida na lei. Exceção a essa
regra é quando se faz uma analogia para beneficiar o indivíduo4.
A correlação dos últimos dois princípios decorrentes da Legalidade é a
restrição ao arbítrio judicial (e, por extensão, do Estado) contra o acusado.
Usa-se a palavra “contra” em consonância com uma interpretação teleológica
do ordenamento, que permite a flexibilização de regras para o favorecimento
do réu (vide nota de rodapé anterior).

II — O CASO

Em agosto de 1991, no condomínio de classe média Jardim Colonial, dois


policiais militares, foram chamados para atender uma ocorrência de furto de
bicicleta supostamente cometido por um adolescente dentro do condomínio.
O crime de furto consiste em subtrair coisa alheia para si ou para outrem,
como previsto no art. 155 do Código Penal.
O suposto autor do fato foi capturado e se achava detido pelos vigilantes 4
“A doutrina afirma que é possível a
analogia in bonam partem, isto é, que
do condomínio que entraram em contato com a polícia que se dirigiu ao é permitido defender uma solução
local. A vítima, de acordo com os vigilantes, afirmou que o menor era autor incompatível com a letra da lei se isso
favorece ao réu e se existem pontos
do fato. Com base nisso, acatando as conclusões dos vigilantes, os policiais de vista materiais que falam por ela.
A doutrina tem razão. Isso se deduz
militares detiveram o adolescente, que não tinha qualquer bicicleta em sua de uma interpretação teleológica do
‘princípio da legalidade’ cuja existência
posse, e conduziram-no ao posto policial, onde passaram a agredi-lo violen- obedece, fundamentalmente, à gra-
tamente com socos, pontapés e golpes de cassetete para que confessasse haver vidade da conseqüência jurídica que a
lei penal ordena, isto é, à gravidade da
subtraído a bicicleta. pena, que supõe uma intervenção nos
bens mais preciosos da pessoa (vida,
liberdade). Fato é que a comunidade,
para proteger interesses jurídicos de
suma importância, pode restringir a
A questão jurídica liberdade do indivíduo; porém, esta
intervenção é de uma transcendência
tal que o cidadão pode exigir que lhe
digam, com clareza, quais são os com-
Diante dos atos praticados pelos policiais, duas ações foram instauradas. portamentos motivadores de uma rea-
A primeira ação penal foi ajuizada na Justiça Estadual Militar, para apurar o ção estatal tão radical; pode exigir que
lhe seja garantido que não acontecerá
crime de lesão corporal praticado por militar (art. 209, do Código Penal Mi- de ser surpreendido, de uma hora para
outra, com o fato de o Estado o privar
litar; Decreto-Lei Nº 1.001, de 21 de outubro de 1969): “Art. 209. Ofender de bens tão fundamentais como a li-
a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena — detenção, de três meses berdade, a honra, empregos e cargos
públicos que tiver o sujeito, por atos
a um ano”. de cuja proibição não o informaram
antes que os cometesse. Resumindo:
Uma segunda ação penal foi instaurada para apurar o mesmo fato, porém em Direito Penal, e quando o teor literal
é claro, o intérprete somente tem duas
perante a Justiça Estadual Comum, para apurar o crime de tortura contra alternativas: ou acolher o significado
criança ou adolescente (art. 233, do Estatuto da Criança e do Adolescente; das palavras legais em toda a sua ex-
tensão ou limitá-lo (para mais ou para
Lei 8069/90): “Art. 233. Submeter criança ou adolescente sob sua autorida- menos). Apenas quando uma interpre-
tação, materialmente fundamentada,
de, guarda ou vigilância a tortura: Pena — reclusão de um a cinco anos. § 1º favoreça o réu é lícito prescindir do ‘sig-
Se resultar lesão corporal grave: Pena — reclusão de dois a oito anos. § 2º Se nificado possível’ da lei penal” (ORDEIG,
Enrique Gimbernat: Conceito e método
da ciência do direito penal. São Paulo:
RT, 2002, p.44/45).

FGV DIREITO RIO  10


Crime e Sociedade

resultar lesão corporal gravíssima: Pena — reclusão de quatro a doze anos. §


3º Se resultar morte: Pena — reclusão de quinze a trinta anos”5.
A defesa dos policiais alegou que ninguém pode ser processado nem pu-
nido duas vezes pelo mesmo fato (princípio do ne bis in idem). Para solu-
cionar qual deveria ser a justiça competente, foi suscitado um conflito de
competência perante o Superior Tribunal de Justiça, que julga questões infra-
constitucionais. O STJ, no entanto, determinou que ambas as ações teriam
prosseguimento.
A defesa recorreu novamente, impetrando um habeas corpus e o caso foi
ao Supremo Tribunal Federal, órgão responsável pela interpretação da Cons-
tituição Federal e da proteção dos direitos e garantias individuais, que disse
que o caso deveria ser julgado pelo Justiça Estadual Comum, pois o crime
de prática de tortura contra criança ou adolescente era mais específico que a
lesão corporal genérica prevista no Código Penal Militar. Porém, o STF ini-
ciou uma discussão se o art. 233 era inconstitucional, à luz dos princípios da
taxatividade e da reserva legal.

Questões a serem enfrentadas

1) O crime do art. 233, do ECA, respeita a regra da reserva legal?


2) O crime de tortura pode ser preenchido por meio das convenções inter-
nacionais que o Brasil ratificou e incorporou ao direito pátrio?
3) O crime de tortura pode ser preenchido por um conteúdo que não
esteja normatizado? Esse artigo foi revogado em 1997, com
5

a edição da Lei 9.455/97. Na época dos


fatos e do julgamento, contudo, a Lei
9.455/97 não existia.

FGV DIREITO RIO  11


Crime e Sociedade

4) O fato de tramitarem no Congresso seis diferentes projetos para tipifi-


car a tortura permite ao judiciário escolher uma definição?
5) O Poder Judiciário pode flexibilizar essa garantia, quando estiver diante
de um crime grave?
6) É correto punir alguém por crime de tortura sem que seja taxativamen-
te definido em lei o ato de torturar?

III — DINÂMICA DA AULA

O aluno deverá ler a ementa, o relatório e o extrato da ata do acórdão do


Supremo Tribunal Federal (HC 70.389-5) e elaborar a ficha de análise de
caso. Cada grupo de alunos deverá ler os votos de determinados Ministros de
acordo com a orientação abaixo, incorporando o voto dos Ministros na ficha
de análise.
Em sala de aula serão debatidas as diferentes propostas de solução desse
caso, conforme os diferentes votos dos Ministros.
Grupo A: Votos Celso de Mello e Sepúlveda Pertence
Grupo B: Votos Carlos Velloso, Francisco Rezek, Néri da Silveira e Paulo
Brossard
Grupo C: Votos Sydnei Sanches, Ilmar Galvão e Octavio Gallotti
Grupo D: Votos Marco Aurélio e Moreira Alves

IV. LEITURA OBRIGATÓRIA

Ementa, Relatório e extrato da ata do HC 70.389-5. Veja anexo.

FGV DIREITO RIO  12


Crime e Sociedade

V. LEITURA COMPLEMENTAR

Texto do Prof. Nilo Batista

FGV DIREITO RIO  13


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  14


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  15


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  16


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  17


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  18


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  19


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  20


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  21


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  22


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  23


Crime e Sociedade

AULA 03 — PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (ANTERIORIDADE)

I — INTRODUÇÃO

O princípio da anterioridade significa que uma lei penal incriminadora


somente pode ser aplicada caso entre em vigor antes do momento da prática
da infração penal.
Neste sentido, como bem expressa Guilherme de Souza Nucci6, “de nada
adiantaria adotarmos o princípio da legalidade, sem a correspondente ante-
rioridade, pois criar uma lei, após o cometimento do fato, seria totalmente
inútil para a segurança que a norma penal deve representar a todos os seus
destinatários”.
Em harmonia com o princípio da anterioridade da lei penal, existe o prin-
cípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, disposto no art. 5º, XL da
Constituição Federal (“A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”)
e no art. 2º do Código Penal (“Ninguém poderá ser punido por fato que lei
posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os
efeitos penais da sentença condenatória”).
A irretroatividade somente se aplica à lei penal mais severa que a anterior,
pois a lei mais benéfica vai alcançar o fato praticado antes do início de sua
vigência, ocorrendo assim, a retroatividade da lei mais benéfica. Neste caso,
a pena mais leve da lei nova é justa e a mais severa da lei revogada é desne-
cessária.
Com o objetivo de restringir o arbítrio legislativo e judicial na elaboração
ou aplicação retroativa de lei prejudicial, o princípio da irretroatividade está
em total sintonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
Cidadão, que em seu art. 11.2 dispõe: “Ninguém será condenado por ações
ou omissões que no momento de sua prática não forem delitivas segundo o
Direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais grave
do que a aplicável no momento da comissão do delito”.
Vale notar, contudo, que o princípio da Irretroatividade não é isento de
críticas nem exceções. Uma primeira dificuldade é a combinação de dispo-
sitivos penais (utilizar a pena base de uma lei e ciscunstâncias atenuantes ou
causas de diminuição de outra para formar uma terceira lei que seja mais
benéfica). A discussão sobre este aspecto na jurisprudência e na doutrina é
extremamente dividida. Resumidamente, os contrários a esta prática argu-
mentam que feriria a separação de Poderes e os a favor argumentam que a
expressão constitucional “salvo para beneficiar o Réu” não conhece exceções.
6
NUCCI, Guilherme de Souza: Manual
Outra grande controvérsia é a ultra-atividade das leis excepcionais e tem- de Direito Penal: Parte Geral e Parte
porárias. Um primeiro aspecto da controvérsia é a argumentação pela incons- Especial. 4ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008, p. 88.

FGV DIREITO RIO  24


Crime e Sociedade

titucionalidade do art. 3º do CP (“A lei excepcional ou temporária, embora


decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a de-
terminaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência”). Por um lado,
argumenta-se que viola de forma direta o art.5º, XL, CF; por outro lado,
argumenta-se que a temporalidade da ação ou da omissão seriam parte do
tipo penal. Atualmente, a jurisprudência não reconhece a inconstitucionali-
dade daquele.
Contudo, por estar claramente em um embate com um princípio fun-
damental, deve-se evitar usar de leis temporárias ou exepcionais para moti-
vos de menor relevância. Um exemplo polêmico deste uso é a Lei da Copa
(Lei 12.663/2012). Esta possue um capítulo para disposições penais que só
se aplicarão durante o período da copa, porém vários destes são exagerados
e contrariam a racionalidade do art. 3º, CP, prezar pelo interesse público.
Como ilustração, observa-se que o uso de cartazes com marcas somente nos
eventos oficiais poderá render ao “criminoso” até 1 ano de detenção (art.33,
L. 12.663/2012). Será que a lei não foi distorcida para agradar interesses po-
líticos e privados? Isto é ou deveria ser constitucional?

II — O CASO

O acusado foi processado por crime de atentado violento ao pudor, que


consiste em constranger alguém mediante violência ou grave ameaça, a prati-
car ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção
carnal (crime hoje não mais previsto no Código Penal, pois agora está englo-
bado no crime de estupro). Os fatos do caso são, resumidamente, que os atos
foram praticados durante 3 anos contra crianças de 6 anos.
O acusado foi absolvido em primeira instância, mas o Ministério Público
que fez a denúncia, inconformado, apelou. O Tribunal de Justiça de São Pau-
lo proveu parcialmente a apelação, condenando o acusado por atentado vio-
lento ao pudor em continuidade delitiva, ou seja, o mesmo crime foi pratica-
do várias vezes por um longo prazo de tempo (art. 214 c/c art. 224 e art. 71,
todos do CP) fixando a pena em 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de reclusão.
O advogado de defesa entrou com a revisão criminal, para anular a con-
denação, a qual foi indeferida pelo TJ-SP. Posteriormente, impetrou Habeas
Corpus com o mesmo objetivo, o qual foi indeferido pelo STJ.
Assim, em mais uma tentativa de reverter a condenação, foi impetrado
Recurso Ordinário de Habeas Corpus perante o STF, tendo a defesa do acu-
sado alegado que; (a) houve conflito de leis no tempo (Lei dos Crimes He-
diondos x Estatuto da Criança e do Adolescente), afirmando que a lei penal
não retroagirá salvo para beneficiar o réu e Lei dos Crimes Hediondos que foi
aplicada é pior para o réu; e (b) os fatos ocorreram em 1990, 1991 e 1992,

FGV DIREITO RIO  25


Crime e Sociedade

em dias e meses incertos, não se sabe se antes ou depois da edição das Leis
8.072/90 (Lei dos crimes hediondos) e 8.069/90 (ECA), trazendo a discus-
são de qual lei deveria ser aplicada.
Para entender melhor a situação deve-se ter em mente o seguinte panora-
ma de sucessão das leis relevantes ao caso. No início de 1990 é editado o ECA
que entra em vigor no final de 1990 e acrescenta um agravante ao crime (se
praticado contra menor, pena: 03-09 anos). Contudo, antes dessa lei entrar
em vigor, a Lei de Crimes Hediondos entra em vigor e altera a pena do caput
para de 06-10 anos. Desta forma, a pena do caput era maior que a do agra-
vante. Para mitigar a situação, em 1996 foi publicada uma lei que revogou o
agravante (observar tabela).

Questão jurídicas a serem enfrentadas:

1) Quando uma norma ingressa no “mundo jurídico”? Ela pode ser revo-
gada, antes de entrar em vigor?
2) É possível a revogação implícita da lei penal? É possível a revogação
implícita da lei penal gerando piora na situação jurídico-penal do réu?
3) Há retroatividade in malan partem no caso concreto? Houve violação
ao Princípio da Irretroatividade?
4) O Poder Judiciário pode violar o princípio da Irretroatividade em nome
da “coerência legislativa”? e da Justiça?

FGV DIREITO RIO  26


Crime e Sociedade

III — DINÂMICA DA AULA

O aluno deverá ler o inteiro teor do julgamento do Supremo Tribunal


Federal (HC 81.453-1) e elaborar a ficha de análise do caso, limitada às ques-
tões de mérito do julgamento. Cada grupo de alunos deverá se preparar para
defender ou contestar a decisão do STF.
Grupo A: defende a decisão do Supremo Tribunal Federal
Grupo B: contesta a decisão do Supremo Tribunal Federal

FGV DIREITO RIO  27


Crime e Sociedade

IV— LEITURA OBRIGATÓRIA

Habeas Corpus 81.453, julgado pelo Supremo Tribunal Federal

FGV DIREITO RIO  28


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  29


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  30


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  31


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  32


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  33


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  34


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  35


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  36


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  37


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  38


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  39


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  40


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  41


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  42


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  43


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  44


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  45


Crime e Sociedade

AULA 04 — PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (INSIGNIFICÂNCIA)

I — INTRODUÇÃO

Segundo Mauricio Ribeiro Lopes (Princípio da insignificância no direito


penal. São Paulo: RT, 1997, p. 82), foi Claus Roxin quem primeiro enun-
ciou o princípio da insignificância (geringfügigkeitsprinzip). Consoante esse
princípio, os delitos de baixa ou nenhuma lesividade social devem ser objeto
de intervenção mínima do direito penal, merecendo tratamento diferenciado
e, quiçá, serem excluídos do rol daqueles que merecem a tradicional resposta
punitiva estatal.
Essa lição, hoje aperfeiçoada doutrinariamente, remonta ao período das
primeiras conquistas do Direito Penal Moderno, enunciadas pela filosofia
iluminista. Cesare Beccaria (Dos delitos e das penas. São Paulo: RT, 1996, p.
28), nos idos do sec. XVIII, já alertava que “Toda pena, que não derive da
absoluta necessidade (...) é tirânica”.
A despeito da grande evolução do Direito Penal, passados mais de duzen-
tos anos desde a primeira edição da obra do mestre italiano, continua a van-
guarda da ciência penal a reafirmar os mesmos princípios. Modernamente,
alinham-se ao lado do princípio da insignificância os preceitos de razoabilida-
de e proporcionalidade, que, conjugados, caracterizam a doutrina do Direito
Penal Mínimo7.
No Brasil, o princípio da insignificância foi acolhido pela doutrina e pela
jurisprudência. No entanto, o princípio da insignificância não tem previsão
legislativa, sendo apenas uma criação doutrinária. Diante dessa situação, o
respectivo princípio sofre críticas, uma vez que surge a indagação do que seria
insignificante.
7
“A proposta desinstitucionalizadora
Ao longo do tempo o Supremo Tribunal Federal passou a reiterar o enten- tendente à despenalização, descrimi-
dimento de que deve ser analisado o caso concreto e devem estar presentes os nalização (em suas diferentes formas)
e diversificação na solução dos confli-
seguintes requisitos: tos sociais é uma das ferramentas no
nosso modo de ver, a de mais urgente
(a) mínima ofensividade da conduta do agente; utilização nesse esforço de revisão e
racionalização do Direito Penal, a fim
(b) ausência de periculosidade social da ação; de colocá-lo a serviço de uma maior
(c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e justiça e solidariedade social. Outorga-
mos prioridade a esta iniciativa, pois
(d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. se impõe antes de tudo a tarefa de
descongestionar os pesados códigos e
Assim, o princípio da insignificância tem o sentido de não considerar o aliviar os tribunais transbordantes de
ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação gera a absolvição do réu assuntos de pouca relevância ou não
sentidos pela vítima ou pela socieda-
e não apenas a diminuição e substituição da pena. Mais do que isso, aplica- de como delitivos e freqüentemente,
inclusive, chamados a intervir sem
-se esse princípio com o intuito de retirar do direito penal condutas que não possibilidade de êxito, em conflitos que
podem encontrar solução eficaz em ou-
produzam prejuízos significativos a bens jurídicos tutelados. tros foros”. CERVINI, Raúl: Os processos
de descriminalização. 2a edição. São
Paulo: RT, 1995. p. 195.

FGV DIREITO RIO  46


Crime e Sociedade

O Princípio da Insignificância pode ser considerado uma decorrência di-


reta de outro princípio do Direito Penal: o Princípio da Ultima Ratio. Ao
dizer que o Direito Penal é última ratio, é estabelecido que é a última opção
para a atuação estatal, somente deve ser usado como último recurso, quando
todos os outros tiverem falhado.
A partir dessa construção, destaca-se que o princípio da Ultima Ratio é
subdividido em outros dois. O primeiro destes é o Princípio da Fragmenta-
riedade, que estabelece que o Direito Penal deve somente proteger os bens
jurídicos mais importantes, ou seja, há uma necessidade de seleção dos ob-
jetos de proteção, não é qualquer bem que pode ser protegido por sanções à
Liberdade.
Por outro lado, há o princípio da Subsidiariedade, que estabelece o grau
de proteção conferido. Isto significa que somente lesões mais graves aos bens
jurídicos protegidos que podem ser objeto da proteção do Direito Penal, ou
seja, lesões menos gravosas devem ser resolvidas em outras áreas do Direito,
se possível.

II — O CASO

Um jovem desempregado de 19 anos furtou uma fita de vídeo-game, com


valor estimado de R$ 25,00. A vítima fez um registro na Delegacia de Polícia
e B. foi localizado. A fita foi devolvida, pois B. a utilizara somente para jogar
algumas partidas do jogo eletrônico.
Diante dos fatos, a vítima pretendia “retirar a queixa e a fita foi devolvida,
contudo o acusado foi condenado a 8 meses de reclusão por uma conduta
que para muitos pode ser considerada como insignificante, ou seja, não causa
uma lesão a um bem jurídico protegido, qual seja o patrimônio, de forma a
ensejar a necessidade de que o direito penal seja aplicado.
A defesa recorreu e a decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça e pelo
Superior Tribunal de Justiça. Assim, foi impetrado Habeas Corpus no Su-
premo Tribunal Federal para que, destacando que o parecer do Ministério
Público foi favorável a manutenção da pena.

Questões a serem enfrentadas

1) É correto deixar de punir alguém porque o a pena seria desproporcional


ao crime praticado?
2) O Poder Judiciário pode deixar de aplicar a lei penal quando estiver
diante de um crime sem gravidade?
3) Como identificar quando um crime não tem gravidade?

FGV DIREITO RIO  47


Crime e Sociedade

III — DINÂMICA DA AULA

O aluno deverá ler o inteiro teor do julgamento do Supremo Tribunal


Federal (HC 84.412-0) e elaborar a ficha de análise de caso. Cada grupo de
alunos deverá ler as ementas dos casos incluídos na leitura obrigatória e de-
fender a aplicação ou não do princípio da insignificância
Grupo A — Caso 1
Grupo B — Caso 2
Grupo C — Caso 3

IV — LEITURA OBRIGATÓRIA

Caso 1

Ementa: Habeas corpus. 2. Tentativa de furto de fios e cabos elétricos


do interior de imóvel em reforma. 3. Bens avaliados em R$ 116,00 (cen-
to e dezesseis reais). 4. Presença dos 4 vetores apontados no julgamento do
HC 84.412/SP, relator Ministro Celso de Mello, para reconhecimento do
princípio da insignificância: a) mínima ofensividade da conduta do paciente;
b) ausência de periculosidade social da ação (não houve violência ou grave
ameaça à pessoa ou qualquer repercussão social significante, uma vez que não
houve cessação do serviço público de energia elétrica para a coletividade); c)
o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressi-
vidade da lesão jurídica provocada. 5. Ordem concedida para trancar a ação
penal na origem.

Caso 2

EMENTA: Habeas Corpus. Furto. Alegação de atipicidade da conduta.


Princípio da insignificância. Inviabilidade: valor do bem subtraído; Existên-
cia de processos em curso por delitos da mesma natureza; Forma como prati-
cado o crime. Propensão à prática delitiva. Ordem denegada. 1. A tipicidade
penal não se reduz ao exame da subsunção do fato à norma abstrata. Além
da correspondência formal, a configuração da tipicidade demanda análise
materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, para verificar
a ocorrência de alguma lesão grave e penalmente relevante do bem jurídico
tutelado. 2. Não se há cogitar da incidência do princípio da insignificância:
valor subtraído de R$171,80 representa 36,94% de R$ 465,00, salário míni-
mo da época dos fatos; assentamento pelas as instâncias ordinárias de que o
Paciente, embora não seja tecnicamente reincidente, responde a processos da

FGV DIREITO RIO  48


Crime e Sociedade

mesma natureza, demonstrando propensão à prática delitiva. 3. Inaplicabi-


lidade do princípio da insignificância. Emprego de ardil para lograr êxito na
prática do delito. 4. Ordem denegada.

Caso 3

PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 1º, IV, DA LEI 8.137/90. SO-


NEGAÇÃO DE IMPOSTOS. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA IN-
SIGNIFICÂNCIA. POSSIBILIDADE.
1. Esta Turma tem admitido a incidência do princípio da insignificân-
cia nos casos em que o valor do tributo devido não é considerado relevante
sequer pela Fazenda Nacional, que prevê o arquivamento dos autos das exe-
cuções fiscais de débitos cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$
20.000,00 (Portaria MF n. 75, de 22/03/2012).
2. Na hipótese, o tributo sonegado é muito aquém do limite que a Fazen-
da Pública considera interessante executar. Tal débito não pode ser, portanto,
considerado relevante ao direito penal.
3. Apelação não provida.

FGV DIREITO RIO  49


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  50


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  51


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  52


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  53


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  54


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  55


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  56


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  57


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  58


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  59


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  60


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  61


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  62


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  63


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  64


Crime e Sociedade

BLOCO 2 — SISTEMA PENAL E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

AULAS 05 A 07 — PREPARAÇÃO PARA O JÚRI SIMULADO

O CASO DOS DENUNCIANTES INVEJOSOS

www.academico.direito-rio.fgv.br/wiki/O_caso_dos_denunciantes_invejosos

INTRODUÇÃO

O texto denominado “O caso dos denunciantes invejosos” é de autoria do


professor estadunidense Lon Luvois Fuller, responsável pela cátedra de Teoria
do Direito da Universidade de Harvard, nos EUA, entre 1940 e 1972. Fuller
é autor do conhecido texto “O caso dos exploradores de cavernas”.
No texto dos “denunciantes invejosos”, Lon Fuller provoca nos leitores a
discussão sobre as relações entre direito, moral e justiça a partir de um caso
de um pequeno país fictício que, tendo vivido durante anos em relativa esta-
bilidade política, sob um regime constitucional democrático, subitamente se
vê em meio a uma grave crise econômica e distúrbios causados por conflitos
entre diferentes grupos políticos, religiosos e econômicos.
Basicamente, a questão que se coloca diz respeito à existência de leis in-
justas, à capacidade que o direito positivo tem de dissociar-se, às vezes, dos
valores da sociedade e dos mandatos mais elementares de justiça. O problema
apresentado por Fuller cinge-se ao tratamento que deve ser dispensado àque-
les que obedeceram e se pautaram por essas regras. A dificuldade decorre da
imposição de sanções ou reprimendas quando o “descompasso” entre o sen-
timento do povo e a lei só surge depois de um longo período durante o qual
a impressão que se tinha era que tais leis contavam com aprovação popular.

CONTEXTO JURÍDICO-POLÍTICO

Depois de anos vivendo pacificamente num regime constitucional demo-


crático, um pequeno país é tomado por uma grave crise política, econômica
e institucional. Vários Grupos disputam o poder em meio ao sentimento de
abandono e desespero da população. Ao final de um processo eleitoral no
qual não faltaram denúncias de irregularidades (ameaças, falsificações etc.), é
eleito para o posto de Presidente da República o chefe do partido denomina-
do “camisas-púrpuras”, considerado um verdadeiro salvador da pátria.

FGV DIREITO RIO  65


Crime e Sociedade

Os camisas-púrpuras também elegem a maioria dos representantes para


a Assembleia Nacional. Não há mudanças na constituição ou as leis e são
mantidas as eleições periódicas, numa aparente normalidade democrática.
No entanto, instala-se um regime de terror no país.
Juízes e funcionários que se recusassem a aceitar os abusos do governo são
ameaçados, agredidos ou assassinados. O governo não respeita as leis existen-
tes e nem aquelas que ele próprio edita. Opositores políticos são cassados e
partidos políticos suprimidos. São criados regulamentos secretos e legislações
de exceção.
Promulga-se uma lei concedendo anistia a todos que “tivessem cometidos
atos em defesa da pátria”, por meio da qual todos os partidários dos camisas-
-púrpuras que estavam presos são libertados. De outro lado, são criadas leis
retroativas para punir os inimigos do regime, ou ainda conferidas interpre-
tações perniciosas às leis com a finalidade de encarcerar todos aqueles que
representem uma ameaça aos planos de poder dos camisas-púrpuras.
Após anos de dominação, os camisas-púrpuras são derrotados e novamen-
te instala-se um regime constitucional e democrático. Vários problemas de-
correntes dos anos de desmando e terror devem ser enfrentados. Um deles é
o problema dos denunciantes invejosos.

O CASO DOS DENUNCIANTES INVEJOSOS

Aproveitando-se do clima de perseguição e terror implantado pelos cami-


sas-púrpuras, muitas pessoas denunciaram seus desafetos às autoridades mo-
vidas exclusivamente por inveja. Um desses casos foi o de um sujeito que se
enamorou por uma moça casada e decidiu denunciar o marido desta por um
delito absolutamente banal, mas que fez com que o marido fosse processado
e condenado à pena de morte.
Eram duramente punidas várias espécies de condutas, entre elas a críti-
ca ao governo ou ao partido, mesmo em conversas particulares; a escuta de
transmissões radiofônicas estrangeiras; a omissão de informar a perda de do-
cumentos no prazo de cinco dias; a posse de saquinhos de ovo em pó em
quantidade superior à permitida etc. Em alguns casos, as penalidades extre-
mamente duras estavam autorizadas por regulamentos emergenciais; em ou-
tros casos, eram decorrentes da decisão de juízes regularmente constituídos.
Essas denúncias levaram a penas de prisão e até mesmo à pena de morte.

FGV DIREITO RIO  66


Crime e Sociedade

A RESTAURAÇÃO DA DEMOCRACIA

Felizmente, o regime dos camisas-púrpuras foi desmantelado e a demo-


cracia restaurada. Contudo, criou-se um problema político prestes a inflamar
os ânimos da população: o que fazer com aqueles denunciantes que agiram
movidos por interesse pessoal, reportando crimes que levaram pessoas à mor-
te? A população clama pela punição dos denunciantes invejosos e a tarefa de
decidir o que fazer coube a um júri de notáveis, dentre os quais está você.
Foi designado um julgamento para a próxima 3ª feira, dia 04/junho, às
11hs. Um grupo apresentará razões de acusação e outro grupo sustentará as
teses de defesa. Caberá aos jurados simplesmente votar “sim” ou “não” para a
seguinte pergunta:

OS DENUNCIANTES INVEJOSOS
DEVEM SER PUNIDOS CRIMINALMENTE?

FGV DIREITO RIO  67


Crime e Sociedade

BLOCO 3 — DIREITO PROCESSUAL PENAL

AULA 08 — PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (VEDAÇÃO


DE PROVA ILÍCITA)

I — INTRODUÇÃO

A inadmissibilidade da prova ilícita está prevista no art. 5º, LVI da CF:


“LVI — são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
Trata-se de mais uma (dentre tantas outras) norma que busca limitar a ação
do Estado na persecução penal.
A atividade probatória do Estado (reunião de elementos de prova que
indiquem a autoria e materialidade de um crime) no processo penal pode ser
pré processual (o que normalmente ocorre no âmbito da Polícia Judiciária,
com o inquérito policial) e também processual (produzida pelas partes peran-
te um juiz). As duas etapas concretizam a atividade persecutória do Estado.
Contudo, as provas produzidas na fase processual possuem maior valor, já
que permitem a participação da defesa e da acusação. Provas produzidas na
fase de inquérito tem por finalidade reunir elementos de informação para o
início do processo. Excepcionalmente, provas que sejam produzidas na fase
policial podem ser utilizadas pelo juiz para formar sua convicção.
Tanto na fase pré-processual, como na fase processual, as provas devem
ser produzidas conforme determina a lei. Se houver desrespeito à lei, teremos
uma prova que não pode ser utilizada, isto é, uma prova ilícita. O Código de
Processo Penal tenta conceituar prova ilícita:

“Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do proces-


so, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais.
§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo
quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou
quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente
das primeiras. § 2º Considera-se fonte independente aquela que por
si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação
ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
§ 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inad-
missível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes
acompanhar o incidente.”

FGV DIREITO RIO  68


Crime e Sociedade

II — O CASO

(Narrativa baseada no Habeas Corpus 5.100/94, julgado pela Suprema


Corte de Israel).
Desde a data de sua criação, em 1948, o Estado de Israel está marcado pela
instabilidade política devido aos seguintes fatores principais: (1) demanda
pela instalação de um Estado Palestino na mesma área, (2) posse da cidade
de Jerusalém (considerada sagrada por muçulmanos, judeus e cristãos), e (3)
ocupação de regiões circunvizinhas às fronteiras originais de Israel. Apesar
das tentativas de firmar um tratado de paz definitivo, tais problemas não
foram resolvidos.
Os grupos palestinos mais radicais sustentam que o Estado de Israel é uma
ocupação indevida do território palestino imposta pelas potências ocidentais.
Tais grupos promovem ataques suicidas a alvos não-militares mediante ex-
plosão de bombas em ônibus, teatros, embaixadas, etc. Esses comportamen-
tos podem ser considerados terroristas.
Os grupos israelenses mais radicais sustentam que o Estado de Israel tem
direito sobre o território atualmente ocupado. Setores mais conservadores
do governo de Israel não hesitaram, ao longo dos anos, em autorizar a prá-
tica de assassinatos, seqüestros e prisões indiscriminadas para impedir ou
retaliar os ataques palestinos. Essa atuação pode ser considerada prática de
terrorismo estatal.
Em 1987, o governo de Israel criou uma comissão governamental,
dirigida pelo ex-presidente da Corte Suprema de Israel, Moshe Landau,
para examinar métodos de interrogatório empregados pelo Serviço Secreto
Israelense (GSS). Essa comissão aprovou e recomendou uso de “pressão
psicológica” e “um grau moderado de força física” pelo GSS durante suas
investigações.
Alguns dos presos submetidos aos métodos questionados foram poste-
riormente processados e condenados por ataques terroristas que causaram a
morte de dezenas de pessoas. Outros presos submetidos aos mesmos métodos
foram liberados sem que fosse formulada acusação contra eles.
A Corte Suprema de Israel recebeu centenas de petições dos detidos, ques-
tionando a validade do emprego de força física como método de investigação.
Até a decisão de setembro de 1999, ora examinada, a Corte rejeitara a maior
parte dessas petições, permitindo que o GSS continuasse a empregar os mé-
todos questionados durante interrogatórios.
O caso concreto compreende o julgamento de diversas petições de Habe-
as Corpus, assinadas por indivíduos e organizações, questionando o uso de
“pressão física moderada” em interrogatórios envolvendo suspeitos de terem
participado de atentados, bem como em pessoas suspeitas de planejarem fu-
turos ataques. Neste último caso, a investigação tem natureza preventiva.

FGV DIREITO RIO  69


Crime e Sociedade

Petições reunidas para julgamento:


• HC 4054/95 Associação para os Direitos Civis de Israel;
• HC 5100/94 — Comitê Público contra a Tortura em Israel;
• HC 6536/95 — Hat’m Abu Zayda;
• HC 5188/96 — Centro de Defesa do Indivíduo, Wa’al Al Kaaqua e
Ibrahim Abd’allah Ganimat;
• HC 7563/97 — Abd Al Rahman Ismail Ganimat e Comitê Público
contra a Tortura em Israel;
• HC 7628/97 — Fouad Awad Quran e Comitê Público contra a Tor-
tura em Israel;
• HC 1043/99 — Issa Ali Batat

RESUMO DOS ARGUMENTOS DAS PARTES PERANTE O TRIBUNAL.

Os métodos de investigação questionados compreendem: obrigar o in-


vestigado a permanecer em posições desconfortáveis e dolorosas por longos
períodos; privação de sono; ameaças psicológicas; agressões físicas; encapuzar
suspeitos com sacos embebidos em urina; em último caso, poder-se-ia “sacu-
dir” o suspeito.
Vários indivíduos “sacudidos” tiveram dores de cabeça violentas, vômito,
perda de consciência, lesão cervical e danos cerebrais irreversíveis. Pelo menos
dois investigados morreram durante sessões de interrogatório, um deles após
ser sacudido.
Os advogados dos presos alegam que esses métodos são ilegais e consti-
tuem tortura e, portanto, em nenhuma circunstância poderiam ser admiti-
dos, ainda que vidas humanas estivessem em perigo. Quaisquer provas, indí-
cios ou depoimentos são provas ilícitas e o Estado não poderia se valer delas.
Para o governo de Israel, tais métodos não constituem tortura, pois não
causam dor ou sofrimento. Mesmo se isso ocorresse, a prática estaria permiti-
da porque os agentes do GSS as utilizavam para proteger a vida e a segurança
de inocentes.
Por fim, os métodos questionados estão sujeitos à avaliação prévia da che-
fia do GSS, o que somente autoriza que sejam empregados como último
recurso em situações extremas.

FGV DIREITO RIO  70


Crime e Sociedade

QUESTÕES A SEREM ENFRENTADAS.

1) Se você fosse membro do tribunal, como decidiria o pedido de proi-


bição das práticas do GSS aos suspeitos de terrorismo? Para justificar sua
decisão, procure guiar-se pelas questões abaixo e veja as opiniões fictícias
oferecidas por “estudiosos fictícios”.
2) O uso de pressão física e psicológica sobre pessoas suspeitas de crimes é
uma forma de tortura?
3) A tortura é um meio eficaz de obter informações sobre crimes?
4) A tortura é um meio razoável de obter informações sobre crimes?
5) A tortura é um meio justo de obter informações sobre crimes?
6) A tortura é um meio juridicamente válido de obter informações sobre
crimes?
7) A tortura poderia ou deveria ser “legalizada” pelo Congresso e submetida
a um processo judicial de decretação, tal como ocorre, por exemplo, com a bus-
ca e apreensão feita pela polícia na residência das pessoas, mediante autorização
judicial (como ocorre com a medida de busca e apreensão, por exemplo)?

OPINIÕES DE JURISTAS FICTÍCIOS

Professor Emergix

O caso concreto que se apresenta para decisão é uma hipótese de colisão


de princípios jurídicos. De um lado, temos o princípio da verdade real — se-
gundo o qual as investigações de natureza criminal devem buscar a verdade
do que efetivamente aconteceu — e de outro lado temos o princípio da dig-
nidade humana — segundo o qual os indivíduos devem ter sua dignidade
preservada.
Ambos os princípios fazem parte do nosso direito. Ambos são válidos
e nenhum desses princípios é absoluto. Numa situação concreta, devemos
pesar as circunstâncias. E devemos ser claros e assumir as conseqüências de
nossas escolhas.
O tratamento aplicado aos terroristas pelo GSS é uma forma de tortura.
Seja porque a Convenção Internacional da ONU (que o Estado de Israel
ratificou) diz isso, seja porque o espancamento de pessoas suspeitas de crimes
constitui o caso clássico de tortura. Penso que a tortura deve ser proibida. A
lei de nosso país já diz isso e tal lei deve ser respeitada. Porém, não podemos
negar que há situações em que o governo deve violar a lei para poder fazer um
bem maior à sociedade.
Quando os investigadores do GSS estiverem diante de uma situação em
que acreditem que o suspeito possui informações relevantes e não quer for-

FGV DIREITO RIO  71


Crime e Sociedade

necê-las espontaneamente, deverão obrigar o suspeito a falar a verdade, para


o bem da segurança e da vida de outros cidadãos inocentes.
Em situações normais, o conflito entre a busca da verdade e a dignidade
do ser humano deverá ser resolvido a favor da dignidade na maioria dos ca-
sos. Porém, nos crimes graves — como é o terrorismo — deverá prevalecer
o princípio da busca da verdade real, mesmo porque um criminoso não tem
dignidade.
Na minha opinião, todos os suspeitos da prática de crimes que não qui-
serem colaborar com as autoridades espontaneamente deverão ser obrigados
a tanto. Se quebraram a ordem jurídica, não podem agora querer que ela os
defenda. O caso dos terroristas e dos investigadores do GSS é exemplar para
comprovar minha tese de que a tortura de alguns poucos garante o bem de
muitos outros.

Professor Demorradicalix

Concordo com o professor Emergenix quando fala que existe um confli-


to de princípios. Porém, discordo quando ele sugere que o Estado ou seus
agentes — policiais, juízes, investigadores do GSS etc. — possam violar a lei.
Justamente o que diferencia os homens de bem dos terroristas e demais
criminosos é o fato de que eles violaram as nossas leis. Ora, se também nós
violarmos as leis, não teremos autoridade moral para exigir deles outro com-
portamento. Além disso, se governo tem por obrigação exigir que todos obe-
deçam a lei (e pune quem não o faz), como pode, justamente o governo, agir
de outra forma?
Esse caso concreto deve ser definido com base na lei. Se a lei proíbe a
tortura, não podemos praticá-la, nem mesmo em crimes graves, já que a lei
não faz essa exceção. Nem a Comissão Landau, nem o Ministro da Justiça,
nem o chefe do GSS têm legitimidade para decidir em que casos pode existir
tortura. Somente o povo, por meio de seus representantes democraticamente
eleitos pode tomar essa decisão.
Defendo que nosso país se retire da Convenção da ONU e que nosso
Congresso aprove uma nova lei autorizando a tortura. Até lá a tortura seria
proibida e, somente a partir da edição da lei ela seria válida (mas somente nas
situações que os deputados definissem na lei).
Digo isso porque a tortura já é efetivamente aplicada como prática corri-
queira pelos do Estado, sobretudo nas situações de crise. Diante de um crime
grave, pode-se afirmar que há grande apoio popular ao seu uso. Portanto,
seria melhor se tal prática estivesse prevista em lei (poderia haver uma lista de
crimes graves nos quais o suspeito pudesse ser torturado) e os agentes do GSS
teriam de obter autorização judicial para torturar.

FGV DIREITO RIO  72


Crime e Sociedade

Dessa forma, haveria regras e limitações que dessem visibilidade e controle


sobre essa prática. Do contrário, tais fatos continuarão ocorrendo (com ou
sem autorização do governo) enquanto todos fingem que não os vêem.

Professor Natuliberalix

Ouso discordar dos nobres professores que me antecederam. A tortura é


uma prática abominável e nada justifica seu uso. A dignidade do homem não
é um princípio absoluto, pois a convivência em sociedade impõe limitações a
todos os direitos. Porém, a tortura representa a própria negação da dignidade;
equivale a retirar completamente a dignidade de alguém.
Afinal, não há limites para a imaginação do homem quando se trata de
fazer sofrer outra pessoa. Será que é possível admitir determinada forma de
tortura (pau-de-arara) e vedar outra (aplicação de choques elétricos)? Como
avaliar a quantidade de dor sofrida por cada investigado?
Reconheço que muitas situações vividas pelos agentes do GSS são graves e
que eles buscam salvar vidas. Porém, sabemos que muitos “suspeitos” foram
torturados e depois nenhuma acusação foi formulada contra eles. Não posso
admitir, em hipótese nenhuma, nem mesmo diante de crimes graves, que um
inocente seja brutalizado dessa forma. Nenhum ganho social justifica tal risco
individual. Ainda que 99% dos suspeitos sejam de fato criminosos, não há
como justificar que o direito deixe desprotegidos os 1% restantes.
Desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, o
Direito Criminal prevê que um homem deve ser considerado inocente até
que um tribunal declare sua culpa. E essa sentença só será válida se esse ho-
mem puder se defender. Nossas leis e as leis internacionais confirmam isso.
Não posso admitir que se torture um suspeito antes que ele seja processado
e julgado.
Além do mais, a tortura é um meio imoral de atuação. Como bem marcou
o Professor Demorradicalix, não podemos nos igualar aos criminosos. Mas,
na minha opinião, ao contrário da dele, não é somente a lei que proíbe a
tortura: é a moral. O governo e seus agentes não podem buscar fins morais
(segurança, vida, felicidade do povo) com meios imorais (tortura). O que
nos torna homens é nossa moral; se abrirmos mão dela, seremos menos que
criminosos, seremos animais.
Nessa mesma linha de argumentação, considero que nenhuma lei pode
aprovar o uso de tortura em nosso país. A democracia tem que obedecer a
limites morais que estão em nossa consciência. Nem mesmo a unanimidade
das pessoas pode aprovar uma atuação do Estado que viole de modo tão bru-
tal a dignidade de um ser humano inocente. Essa é minha opinião.

FGV DIREITO RIO  73


Crime e Sociedade

Professor Garantilix

Vejo que os colegas que falaram antes de mim estão conduzidos pela emo-
ção, mais do que pela razão. Em primeiro lugar, interessa saber se a tortura é
um meio eficiente de obtenção de informação.
Eu considero que não é. O medo de ser torturado fará com que pessoas
fracas façam declarações falsas que apenas atrapalharão as investigações. Por
outro lado, pessoas fortes nada falarão, mesmo se torturadas até a morte.
Nesse caso, o que fará o investigador do GSS? Passará a torturar a esposa do
terrorista para que ele fale? Trará para a sala de torturas a filha de quatro anos
do terrorista e começará a espancá-la?
Por trás do desejo de torturar não está a busca pela informação, mas sim
a vontade de determinados homens, que no momento são mais fortes que
outros, de usar essa força para subjugar, ofender, humilhar, machucar e matar
seus semelhantes mais fracos.
A questão moral, levantada pelo Professor Natuliberalix, não se aplica.
Não interessa saber se a tortura é moral ou não, pois o conceito de moral
é variável. Aqueles que consideram haver uma guerra entre nós dirão que
a guerra é, em si, imoral e atinge tanto culpados como inocentes e que agir
assim nessa situação não é imoral.
Penso que se a tortura for legalizada pelo congresso, como propõe o pro-
fessor Demorradicalix, isso incentivará sua prática. Com o tempo, será tão
fácil conseguir um mandado para tortura como ocorre hoje com a busca e
apreensão ou a prisão. Será instituída a “tortura para averiguações”.
Além disso, será que o suspeito tem obrigação de confessar o crime? Será
razoável exigir que alguém forneça as provas para sua própria condenação?
Ao admitirmos a tortura, estamos supervalorizando a confissão como meio
de prova. Logo, ele voltará a ser a “rainha das provas” exatamente como ocor-
ria durante a Inquisição, quando muitas pessoas foram mortas por causa de
perseguições religiosas.
A história já deu provas que os governos não hesitam em transformar
seus opositores políticos em “inimigos”, “subversivos”, “terroristas”, etc. Na
minha opinião, devemos ter cuidado para que o direito não dê margem aos
abusos dos governos. Admitir a tortura é um convite ao abuso do poder.
Por mais pungente que seja o argumento da “bomba-relógio prestes a ex-
plodir”, nós temos a responsabilidade de seguir os princípios e valores que
julgamos serem corretos sem nos desviarmos desse caminho. Não devemos
submeter aos argumentos de “emergência” e nos conduzirmos de acordo com
nossa consciência, sob risco de destruirmos, nós mesmos, os valores pelos
quais lutamos: liberdade, igualdade e fraternidade.

FGV DIREITO RIO  74


Crime e Sociedade

III — DINÂMICA DA AULA

O aluno deverá apresentar um quadro apontando cada argumento favorá-


vel à tortura e o correspondente contra-argumento. Os alunos serão divididos
em grupos para defender o uso da tortura ou sua proibição.

IV — LEITURA OBRIGATÓRIA

BARANDIER, Antonio Carlos da Gama — “Interrogatório do econo-


mista. A tia zelosa. Injeções na barriga e o juiz mais realista do que rei”. in
Contos Criminais. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 1998, p. 11 e 14.

FGV DIREITO RIO  75


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  76


Crime e Sociedade

FGV DIREITO RIO  77


Crime e Sociedade

AULA 09 — PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL


(PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA)

I — INTRODUÇÃO

O princípio da presunção de inocência está consagrado no inciso LVII do


art. 5º da CF de 1988: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória”. A forma como está enunciado na
Constituição ensejou alguns debates a respeito do seu alcance. Isto porque
não se repetiu a fórmula consagrada na Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, aprovada pela Assembléia Nacional Francesa, em 26 de agosto
de 1789, bem como pela Declaração Universal dos Direitos do Homem de
1948, pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 e pela
Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969.
Não está dito no texto constitucional que todo homem se presumirá ino-
cente, até que seja condenado, mas sim que ninguém será considerado cul-
pado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Em vista
disso, não se estaria consagrando propriamente o princípio da presunção da
inocência, mas sim o da desconsideração prévia da culpabilidade, de aplica-
ção mais restrita. De fato, a Constituição Federal brasileira adotou a redação
do art. 27.2 da Constituição italiana de 1948, a qual por sua vez resultou de
um movimento protagonizado por parte da doutrina italiana que defendia a
restrição do alcance do princípio da inocência, com vistas a garantir a eficácia
do processo penal8.
Importante registrar que não se trata apenas de uma discussão semântica
a respeito da propriedade de se utilizar o termo presunção em seu sentido
técnico. O embate que se trava traduz, em verdade, duas diferentes concep-
ções político-ideológicas da finalidade do processo penal e das garantias que
devem cercar a persecução penal. Com efeito, a consagração do princípio da
presunção da inocência na Declaração de 1789 reflete uma nova concepção
do processo penal defendida por pensadores iluministas em reação ao siste-
ma persecutório que marcara o antigo regime, no qual a prova dos fatos era
produzida através da sujeição do acusado à prisão e tormento, com o fim de
extrair dele a confissão. É nessa mudança de foco, em que o processo penal
deixa de ser um mero instrumento de realização da pretensão punitiva do
Estado, para se transformar em instrumento de tutela da liberdade, que está 8
A respeito do debate travado pelas
a chave para se compreender o conteúdo e alcance do princípio da presunção escolas penais italianas sobre o princí-
pio da presunção da inocência, de um
de inocência. lado a escola clássica, cujo expoente
máximo era Francesco Carrara, e de
A partir dessa premissa, acaba por ser irrelevante a diferença que se pre- outro as escolas positivista e técnico-
tende acentuar entre o texto contido na Declaração de 1789 e o dispositi- -jurídica, representadas por Enrico Ferri
e Vicenzo Manzini, ver: Jaime Vegas Tor-
vo constitucional brasileiro. De fato, ainda que a terminologia adotada pela res, Presunción de inocencia y prueba en
el proceso penal, Madrid: La Ley, 1993.

FGV DIREITO RIO  78


Crime e Sociedade

Constituição de 1988 seja semelhante àquela engendrada na Itália pós-fas-


cista a partir das críticas capitaneadas pelas escolas positiva e técnico-jurí-
dica à presunção de inocência, o certo é que na prática judiciária brasileira
as expressões presunção de inocência e presunção de não culpabilidade são
utilizadas indistintamente, não se suscitando suposta diferença entre ambas
como fundamento para restringir as conseqüências normativas do princípio
da presunção de inocência.
Com efeito, os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça referem-
-se ao princípio da inocência: RHC 11.387/SP; HC 13.725/RJ; RHC 9.745/
PR; RHC 8.167/SP. Já estes outros — REsp 304.521/SP; HC 32.491/MS;
HC 16.541/SP; HC 28.177/MS — remetem ao princípio da não-culpabili-
dade. E estes últimos — HC 19.711/SP; RHC 15.139/SP; HC 30.186/SP;
HC 31.662/RS; HC 33.457/SP — citam ambos como sinônimos. Todos os
julgados citados tratam, contudo, do mesmo princípio.
A aplicação mais comumente defendida pela doutrina da norma sob exa-
me dá-se no campo probatório. Nessa primeira formulação, o réu ser pre-
sumido inocente significa, por um lado, que o ônus de provar a veracidade
dos fatos que lhe são imputados é da parte autora na ação penal (em regra, o
Ministério Público) e, por outro lado, que se permanecer no espírito do juiz
alguma dúvida, após a apreciação das provas produzidas, deve a querela ser
decidida a favor do réu.
Portanto, no direito processual penal, se ao final o juiz tiver dúvidas a res-
peito da procedência das alegações do réu, ele deve absolvê-lo, ainda que não
esteja plenamente convencido daquelas alegações. Em uma palavra, a dúvida
não resolvível quanto à matéria de fato é sempre dirimida a favor do réu,
independentemente das regras ordinárias de distribuição do ônus da prova.
A mera alegação do réu de que agiu, por exemplo, sob uma excludente de
antijuridicidade, não o exime de produzir prova de sua alegação. A solução
pro reo só existe se o juiz não chegar a um juízo de certeza contra o réu, ou
seja, se ele ficar realmente em dúvida quanto à ocorrência ou não da situação
que justificaria sua conduta, em vista da prova produzida. Diz-se assim que
o in dubio pro reo é uma regra de julgamento que se extrai do princípio da
presunção de inocência.
Mas o princípio da presunção de inocência não se aplica exclusivamente
no campo probatório, o in dubio pro reo é apenas uma de suas repercus-
sões. Deve ser dispensado tanto ao investigado quanto ao réu tratamento
compatível com seu estado de inocente. A condição de investigado e de réu
em processo criminal já traz, por si, indiscutível constrangimento. Em vista
disso, todas as medidas restritivas ou coercitivas que se façam necessárias no
curso do processo só podem ser aplicadas ao acusado na exata medida de
tal necessidade. Se houver várias formas de conduzir a investigação, deve-se
adotar a que traga menor constrangimento ao imputado e que enseje a me-

FGV DIREITO RIO  79


Crime e Sociedade

nor restrição possível a seus direitos. Eventual prisão anterior à condenação


definitiva, por exemplo, deverá estar pautada em decisão judicial que indique
quais circunstâncias presentes no caso concreto autorizam e recomendam a
excepcional privação da liberdade do réu. O mesmo ocorre com outras me-
didas que impliquem restrição de direitos fundamentais, como se observa da
necessidade de que a quebra de sigilo bancário e de comunicação telefônica,
ou ainda a busca e apreensão no domicílio do acusado, sejam precedidas de
decisão judicial devidamente fundamentada.

II — O CASO

Filme 12 homens e uma sentença que será passado em aula


Um jovem porto-riquenho é acusado de ter matado o próprio pai e doze
jurados devem decidir se ele é culpado ou não pelo assassinato, sob pena de
morte. Onze têm plena certeza que ele é culpado, enquanto um não acredi-
ta em sua inocência, mas também não o acha culpado. Decidido a analisar
novamente os fatos do caso, o jurado número 8 não deve enfrentar apenas
as dificuldades de interpretação dos fatos para achar a inocência do réu, mas
também a má vontade e os rancores dos outros jurados, com vontade de irem
embora logo para suas casas.

III — DINÂMICA DA AULA

Antes da aula cada aluno deverá entrevistar pessoas (professores e alunos


de períodos mais avançados da FGV Direito Rio; ou de outras escolas; ou
quelquer pessoa conhecida) preenchendo o seguinte questionário: (1) você
conhece o princípio da presunção de inocência? (2) como definiria esse prin-
cípio? (3) você pode citar um exemplo concreto de aplicação prática desse
princípio? (4) você concorda com a forma como essa garantia é aplicada pela
justiça no Brasil?

FGV DIREITO RIO  80


Crime e Sociedade

IV — LEITURA OBRIGATÓRIA

Artigo Thiago Bottino — O empate decide o jogo?

O empate decide o jogo?


Autor(es): Thiago Bottino
O Globo — 22/08/2012

O Supremo é composto por 11 ministros, e as decisões são tomadas por


maioria simples. Porém, se algum dos ministros deixar a Corte (e a hipótese
que se apresenta é a aposentadoria do ministro Cezar Peluso), pode haver
empate na votação. O que ocorreria, por exemplo, se houvesse exatos cinco
votos pela condenação de um acusado e outros cinco pela absolvição?
O regimento interno do Supremo traz três critérios de desempate. No caso
de habeas corpus, o empate favorece a defesa (art. 146, parágrafo único e art.
150, §3º). No caso de mandado de segurança, o empate faz prevalecer o ato
impugnado, ou seja, a decisão de autoridade pública contestada na ação (art.
205, II). O presidente do Supremo tem o poder de desempatar uma decisão
sempre que o regimento não dispuser de outra forma, se o empate decorrer
de impedimento ou suspeição de algum ministro ou quando a ausência do
ministro for devido a uma licença superior a 30 dias (art. 13, IX). Nenhuma
regra trata de empate em ação penal decorrente de aposentadoria de ministro.
Mas se o Regimento é omisso, como decidirá o Supremo? Talvez recorren-
do a princípios. Nesse caso, a presunção de inocência pode ser interpretada
como último critério para solução de incertezas jurídicas (in dubio pro reu).
Para condenar é preciso ter certeza; no caso, maioria de votos. Não havendo
maioria, prevaleceria o status original do cidadão: inocente, até que se prove
o contrário. Essa é uma regra que não interessa só aos réus. Interessa a toda
a sociedade

Mesma regra legal que permitiu fugas evita


que haja punição de inocentes
Thiago Bottino — Especial para a Folha

Há dois tipos de prisão na lei brasileira. Uma prisão-pena, que é resulta-


do de uma condenação definitiva. Nosso sistema só admite o início do seu
cumprimento depois que o processo termina. E há a prisão-cautelar, como o
flagrante, a prisão temporária e a preventiva.
Prisão-cautelar vem de cautela. É para garantir que algo não aconteça:
que o acusado não fuja, que não ameace testemunhas, que não traga risco à
ordem pública. No passado, a prisão era a regra. Havia prisões automáticas.
Se fosse condenado em primeiro grau, seria preso. Mesmo se coubesse recur-

FGV DIREITO RIO  81


Crime e Sociedade

so. Em alguns Estados norte-americanos, isso funciona dessa forma até hoje.
Devemos tratar todos como culpados, mesmo que a condenação ainda não
seja definitiva? Ou devemos tratá-los como inocentes?
O próprio STF tem colocado em liberdade centenas de pessoas contra as
quais não havia dados concretos que justificassem a prisão-cautelar. Alguns
foram posteriormente considerados culpados, tendo se aproveitado da deci-
são judicial para fugir (isso ocorreu com Salvatore Cacciola e Roger Abdel-
massih, por exemplo).
É verdade que essa regra permite que acusados ainda não condenados de-
finitivamente fujam. Mas é essa mesma regra que permite que inocentes não
sejam punidos em nome de uma condenação que poderá ser modificada.

FGV DIREITO RIO  82


Crime e Sociedade

AULA 10 — PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (VEDAÇÃO


DE AUTOINCRIMINAÇÃO)

I — INTRODUÇÃO

Um dos mais importantes direitos atualmente é o famoso direito ao si-


lêncio. Este direito é provavelmente um dos mais famosos do Direito Penal.
Diz-se isto pois é o direito concretizado pelos famosos “Miranda Warnings”
dos filmes americanos: “você tem o direito de permanecer calado. Tudo que
disse poderá ser usado contra você no tribunal”. A concepção geral sobre este
direito é que uma pessoa poderá escolher permanecer calada, como diz o avi-
so. Contudo, este direito ganhou vários contornos diversos na jurisprudência
brasileira, tornando-se o princípio da vedação de autoincriminação
Na Constituição, este princípio é positivado no art.5º, LXII com o se-
guinte texto: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de per-
manecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”.
A interpretação de que este pequeno trecho se expande à vedação de au-
toincriminação não é clara, contudo de acordo com a princípio de interpre-
tação extensiva de Direitos Fundamentais.
A primeira mudança importante que este dispositivo trouxe foi a clara não
recepção da antiga redação do art. 186 do CPP, que instituia que o silêncio
do acusado poderia ser interpretado em prejuizo do mesmo. Deste modo,
uma primeira expansão é a proibição da interpretação do silêncio a desfavor
do réu, isto já foi completamente incorporado pelo CPP em diversos dispo-
sitivos (exemplo: art.198, CPP).
Além desta expansão, várias outras foram feitas: o acusado poderá mentir,
se negar a colaborar e até tentar fraudar os testes que possam produzir alguma
evidência contra o acusado. Um exemplo prático disto é que, com a adoção
da lei seca, a percentagem de álcool no sangue passou a ser requisito para ca-
racterizar a embriaguez, deste modo, com o princípio em questão, não mais é
possível caracterizar a embriaguez sem violar um direito do acusado.
Vale notar que a garantia de vedação de auto-incriminação desempenha
um papel estruturante na construção de um sistema punitivo compatível
com um Estado Democrático de Direito. Embora haja outras garantias igual-
mente fundamentais — tais como o juiz natural, o devido processo legal, o
contraditório e a ampla defesa, a vedação de provas ilícitas, a presunção de
inocência etc.—, o regime jurídico da auto-incriminação é crucial para a
diferenciação entre dois modelos opostos de sistema punitivo: o modelo de-
mocrático e o modelo autoritário. Mas qual o alcance dessa garantia?

FGV DIREITO RIO  83


Crime e Sociedade

II — DINÂMICA DA AULA

O aluno deverá identificar situações concretas de aplicação prática do


princípio de vedação de autoincriminação e identificar outros contornos que
o princípio ganhou pela jurisprudência.

IV — LEITURA OBRIGATÓRIA

A BUSCA DA VERDADE NO PROCESSO PENAL E A OBTENÇÃO


DE TECIDO HUMANO PARA FINS DE EXAME PERICIAL
Thiago Bottino. Carta Forense, 05 de outubro de 2010.
(http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/obtencao-de-tecido-
-humano-para-fins-de-exame-pericial/6067)

Quando se define um determinado sistema processual penal, a caracte-


rística que mais chama atenção diz respeito aos limites postos à busca da
verdade. Pode-se dizer que quanto menor o número de limites na ativida-
de investigatória do Estado, mais autoritário é o modelo penal e, de forma
oposta, quanto maior o número de limites, mais democrático. Obviamente,
essa afirmação deve ser compreendida a partir da premissa de que tais limites
somente se justificam quando protegem direitos fundamentais do indivíduo.
Em nome da busca da verdade, muitos ordenamentos previam a tortu-
ra do suspeito. Esse modelo autoritário encontra defensores até hoje, cujos
argumentos a favor da brutalização da autonomia individual em nome do
“combate ao crime” vêm travestidos sob a roupagem da supremacia do bem
comum sobre os direitos individuais. Nessa percepção, os direitos e garantias
fundamentais funcionariam como “obstáculos ao funcionamento eficiente
do sistema”.
De outro lado, há quem prefira um modelo democrático de processo pe-
nal, no qual os indivíduos (sejam culpados ou inocentes) não perdem a pro-
teção jurídica da dignidade e têm assegurado o direito de defesa. É o reco-
nhecimento de que não se pode exigir do indivíduo um comprometimento
maior com a busca da verdade e a realização da justiça penal pelo Estado
maior do que o comprometimento que tem — e deve ter — com sua própria
liberdade.
Uma questão cada dia mais tormentosa que toca nesse debate diz respei-
to à busca de provas no corpo do indivíduo que está sendo investigado. A
obtenção compulsória de tecido humano violaria o direito de não se auto-
-incriminar? Criada pela Constituição de 1988 e consolidada pelo Supremo
Tribunal Federal ao longo de sucessivos julgamentos, a vedação de auto-in-
criminação já está incorporada à cultura jurídica nacional. São exemplos do

FGV DIREITO RIO  84


Crime e Sociedade

exercício dessa garantia: (1) o direito de não responder perguntas e outras


formas de inatividade (recusar-se a participar de reconstituição simulada da
cena do crime, deixar de fornecer material gráfico ou padrões vocais para
exame pericial); e (2) o direito de negar falsamente a acusação, mentir ou
mesmo utilizar malícia ao fornecer material gráfico visando a prejudicar as
conclusões do exame pericial. Esses comportamentos não acarretam piora na
situação processual do acusado (aumento de pena, regime mais gravoso de
execução), não configuram crime de desobediência e tampouco podem justi-
ficar a decretação de uma prisão cautelar.
Estabelecido esse conceito, a questão que se coloca é se haveria alguma
restrição para obtenção de material corpóreo (DNA, sangue, tecido) do sus-
peito. Em outras palavras: já que não se pode compelir o suspeito a fornecer
material, seria possível obter esse material contra sua vontade? Algo como
uma autorização judicial para coleta de sangue de um suspeito com a finali-
dade de realizar um exame toxicológico ou genético?
O direito alemão prevê essa possibilidade (Art. 81-A do Código de Pro-
cedimento Criminal), mas a Corte Européia de Direitos Humanos já anulou
um julgamento baseado em prova obtida dessa forma, alegando que a vio-
lência e brutalidade com que a prova foi colhida, apesar de não caracterizar
um método de tortura, reviveu a lógica do sistema inquisitório, segundo o
qual a prova da acusação deve provir do próprio acusado (Jalloh v. Germany,
julgado em 11/07/2006). No caso, foi administrado um medicamento para
que o suspeito regurgitasse as cápsulas de entorpecente que havia ingerido
para ocultar da polícia.
Nos EUA, uma prova obtida de forma semelhante à de Jalloh também
foi considerada ilícita (Rochin v. Califórnia, de 1952). Por outro lado, num
caso envolvendo um acidente de trânsito, admitiu-se a coleta de sangue por
médico no hospital, enquanto o suspeito estava inconsciente (Breithaupt v.
Abram, de 1957, posteriormente confirmado em Schmerber v. Califórnia,
de 1966). O critério diferenciador foi a forma de obtenção que, no segundo
caso, não “choca a consciência” nem ofende o “senso de justiça”. Mais recen-
temente, no caso Winston v. Lee (1985), a Suprema Corte dos EUA proibiu
a realização de uma cirurgia que seria realizada com anestesia geral para a
retirada de um projétil para exame balístico, por considerar que a magnitude
da intervenção constituiria uma medida desproporcional e violaria o devido
processo legal.
No Brasil, houve poucos casos em que o Supremo Tribunal Federal foi cha-
mado a se pronunciar sobre o tema. No Habeas Corpus nº 71.373 (1994),
em que se discutia investigação de paternidade e a possibilidade de condução
coercitiva do réu para a coleta de material genético e realização de exame de
DNA, a Suprema Corte entendeu que tal medida era abusiva. Estabeleceu-se

FGV DIREITO RIO  85


Crime e Sociedade

ali a doutrina da intangibilidade do corpo humano, como forma de preserva-


ção da dignidade humana.
Em matéria penal, há o caso da cantora Gloria Trevi, que engravidou quan-
do estava presa e alegou ter sido estuprada na carceragem da Polícia Federal.
Um juiz atendeu ao pedido dos policiais suspeitos do crime e determinou o
exame de DNA a partir de fios de cabelo da criança, de células da mucosa
oral, de sangue ou ainda da placenta. Por maioria, o Supremo Tribunal Fede-
ral entendeu que a única intervenção possível seria na placenta, tecido morto
que não pertencia mais ao corpo da mãe, nem da criança (Questão de Ordem
na Reclamação nº 2040, julgada em 2002).
Pode parecer que uma amostra de sangue, saliva ou cabelo constitui uma
intervenção mínima no indivíduo e que, portanto, deveria ceder ante o inte-
resse na busca da verdade. Ocorre que esse é o primeiro passo para a criação
de bancos de DNA de suspeitos e, posteriormente, de todo e qualquer cida-
dão. E, ao contrário de fotos e impressões digitais, o DNA humano reúne
uma quantidade enorme de informações extremamente íntimas que não de-
vem estar à disposição de governos e, quiçá, de particulares. A ideia que ani-
ma o direito de não produzir prova contra si e de preservar a intangibilidade
do corpo humano é impedir que o Estado sucumba à tentação autoritária de
buscar a prova do crime por meio do (ou no) sujeito acusado no processo,
o que acabaria por reduzir o indivíduo à condição de objeto dos processos e
ações estatais, ferindo-lhe a autonomia moral e a dignidade humana.
O debate sobre se a intangibilidade do corpo do indivíduo deve prevale-
cer sobre a busca da prova penal admite diversos outros argumentos. Com a
palavra, o leitor.

FGV DIREITO RIO  86


Crime e Sociedade

AULA 11 — ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO PENAL

I — INTRODUÇÃO

Trechos do artigo “Análise Econômica do Crime”, de AMARAL, Thiago


Bottino Do e SHIKIDA, Pery F. A.. In: Luciano Benetti Timm. (Org.). Aná-
lise Econômica no Brasil. 1ed.São Paulo: Atlas, 2012, v. 1, p. 296-317
O objetivo deste texto é fazer um estudo introdutório de Análise Econô-
mica do Direito (AED) aplicada ao Direito Penal. (...)
Em face do aumento generalizado da criminalidade em todo o Brasil, es-
tudiosos e pesquisadores vêm procurando perscrutar este fenômeno social,
no intuito de identificar as suas principais causas e propor medidas eficientes
que possam melhorar o nível de segurança pública. Para Ib Teixeira, pesqui-
sador da Fundação Getúlio Vargas (RJ), o Brasil gasta cerca de R$ 37 bilhões
por ano para se proteger de crimes e perde muito dinheiro com a fama de
inseguro. Como exemplo, o País perde com a atrofia do setor turístico, seria-
mente afetado pela questão da segurança. Outrossim, em dias de parco cres-
cimento do PIB, o faturamento de empresas de segurança privada e vigilância
eletrônica pode chegar a R$ 8 bilhões e a perspectiva é cada vez melhor, com
taxas de crescimento de 10% ao ano (GOLDBERG, 2004).
Embora Becker (1968, p.170) tenha colocado que “[...] ‘crime’ is an eco-
nomically important activity or ‘industry’, notwithstanding the almost total
neglect by economists”, atualmente alguns economistas e demais profissio-
nais ligados ao tema da economia do crime têm demonstrado interesse por
este problema, posto que o aumento da criminalidade pode arrefecer o nível
de atividade econômica de uma região à medida que desestimula novos in-
vestimentos, os preços dos produtos são majorados com a incorporação dos
custos com a segurança, entre outros. Isto sem considerar que parcela dos
recursos e agentes produtivos atuantes no crime poderia estar sendo alocado
no setor produtivo lícito da economia, gerando benefícios para a sociedade
como um todo.
Mas, o que vem a ser crime econômico ou lucrativo? Os crimes são agru-
pados de acordo com o bem jurídico que pretendem proteger, sejam eles
individuais ou coletivos. Há crimes que atentam contra a vida, o patrimônio,
a honra, a administração pública, a administração da justiça, a fé pública, o
meio ambiente, o sistema financeiro, a ordem tributária, a ordem econômica
e a segurança pública, dentre vários outros. No sentido econômico, o crime
pode ser classificado em dois grupos: o lucrativo (furto, roubo ou extorsão,
usurpação, estelionato, receptação, etc.) e o não-lucrativo (estupro, abuso de
poder, tortura, etc.) (BECKER, 1968). A raiz principal dessa divisão está no
fato do primeiro grupo visar, em última análise, a obtenção do dinheiro ou de

FGV DIREITO RIO  87


Crime e Sociedade

coisa alheia (que tenha valor pecuniário) por meios ilícitos (usando ou não o
atributo da violência); enquanto o segundo grupo não apresenta esta relação
aparente.
Neste sentido, o criminoso econômico pode ser encarado como um “em-
presário”, o qual é descrito por Schaefer (2000) como um agente que irá
organizar a sua produção, reunindo os fatores de produção disponíveis, as-
sumindo os riscos inerentes à atividade criminal. As expectativas do “em-
presário” criminoso também são de auferir lucro ou prejuízo. No caso de
malogro de uma operação ilegal, o prejuízo pode significar punições previstas
no Código Penal.
Se o crime lucrativo faz parte da questão econômica, as questões nucleares
que emergem desta contextualização resumem-se em: quais as circunstâncias
socioeconômicas da escolha ocupacional entre o setor legal e ilegal da econo-
mia, e por que os indivíduos decidem praticar crimes econômicos? Analisar
esses aspectos para uma amostra de réus − julgados e condenados −, oriundos
de estabelecimentos carcerários paranaenses, a partir de dados primários ob-
tidos via aplicação de questionário seguido de entrevista, poderá contribuir
para elucidar questões que outros delineamentos metodológicos não permi-
tem inferir. Reconhece-se, portanto, a importância e a necessidade do estudo
científico como ferramenta para a elaboração e implementação de políticas
de prevenção e combate à criminalidade, com um aspecto diferente, as causas
e imbricações da criminalidade lucrativa são explicitadas e discutidas pelo
próprio criminoso.
(...)
O crescimento do número de crimes e a insatisfação com as tradicionais
explicações da participação dos indivíduos em atividades ilícitas têm moti-
vado os economistas a estudarem com mais afinco a criminalidade (BAL-
BINOTTO NETO, 2003). Isso, no entanto, não é recente. Para Araujo Jr.
(2002), talvez tenha sido Fleisher (1963) o primeiro autor a relacionar a
importância de fatores econômicos na determinação da variação das taxas de
criminalidade. Mas, foi Becker (1968), com forte suporte em teoria econô-
mica, que fez o clássico trabalho que veio preencher a lacuna existente entre a
economia e o crime, e que apresentou “um modelo microeconômico no qual
os indivíduos decidem cometer ou não crimes, ou seja, fazem uma escolha
ocupacional entre o setor legal e o setor ilegal da economia” (ARAUJO JR.,
2002, p.3). A hipótese mor de Becker (1968) é que os agentes criminosos são
racionais, calculando o seu benefício de atuar ou não no setor ilícito da eco-
nomia.9 No tocante à concepção de Becker (1968), Balbinotto Neto (2003, 9
Competentes revisões de literatura
sobre economia do crime, nacional e
p.1) expõe que: internacional, foram feitas por Araujo
Jr. (2002), Cerqueira e Lobão (2003),
Brenner (2009), Mariano (2010) dentre
outros. Maiores considerações sobre
O argumento básico da abordagem econômica do crime é que os in- tais revisões, além de trabalhos empí-
fratores reagem aos incentivos, tanto positivos como negativos e que o ricos sobre esta temática, ver os autores
supracitados.

FGV DIREITO RIO  88


Crime e Sociedade

número de infrações cometidas é influenciada pela alocação de recursos


públicos e privados para fazer frente ao cumprimento da lei e de outros
meios de preveni-los ou para dissuadir os indivíduos a cometê-los. Para
os economistas, o comportamento criminoso não é vista como uma
atitude simplesmente emotiva, irracional ou anti-social, mas sim como
uma atividade eminentemente racional.

A hipótese de que os criminosos econômicos são, per se, doentes mentais,


coitados excluídos pela família e/ou sociedade, sem condições de competir
pelas alternativas legais do mercado de trabalho, não encontram sustentação
na teoria econômica do crime. Estes indivíduos são comumente racionais e
impetuosos, oportunistas diante de um ambiente propício e factível, e sem
nenhuma preocupação com o lado moral do negócio ou com o bem estar
social (BRENNER, 2009).
Especificamente nos crimes econômicos, Coleman (1995) relata que as
principais causas são a motivação e a oportunidade. A primeira está relacio-
nada tanto à personalidade do indivíduo10 como à cultura da competição que
caracteriza a sociedade capitalista. Jogam um papel importante nesse “efeito
criminógeno” o fato de que o conceito de sucesso esteja diretamente atrelado
à riqueza e à manutenção de um alto padrão de vida (aqueles que não alcan-
çam tais padrões são vistos como incompetentes ou preguiçosos), fazendo
com que haja um sopesamento entre moral e compensação financeira. A mo-
tivação para o crime é a crença de que, violando a lei, o indivíduo terá mais
prazer e menos dificuldade do que se utilizasse os meios lícitos existentes para
ficar rico.
Por sua vez, a segunda causa é a oportunidade, entendida como um sope-
samento entre quão grande poderá ser o lucro e quão ruim poderá ser a pu-
nição. Nesse ponto, são fatores importantes a regulação de determinado setor 10
Embora até hoje seja comum associar
de indústria ou comércio (quando não há normas de fiscalização e transpa- o crime à pobreza e o criminoso com
alguém marginal à sociedade, foi o es-
rência, aumentam as oportunidades de crimes econômicos), as práticas de tudo pioneiro de Sutherland, apresen-
concorrência predatória de determinado segmento econômico (setores com tado em 1939 durante uma conferência
conjunta da Sociedade Americana de
margem de lucro pequena vêem na sonegação um diferencial competitivo) Sociologia e da Associação Americana
de Economia, que afirmou que há pes-
e a função que o criminoso ocupa na empresa (contadores, diretores e ad- soas absolutamente saudáveis e bem
ministradores têm mais e melhores oportunidades de praticarem os crimes criadas que praticam crimes. Ainda
segundo Sutherland, as práticas negli-
econômicos). gentes adotadas por grandes empresas
ocorriam com a mesma freqüência e
Este insight da racionalidade do criminoso também está evidente na relação de forma tão profissional como crimes
praticados por quadrilhas de assaltan-
de risco verificada na estrutura de mercado do crime, porquanto numa ativi- tes. A pesquisa de Sutherland consta-
dade criminal está implícito o princípio hedonístico do máximo ganho com o tou que das 70 maiores corporações
dos EUA, 100% delas já havia sido
mínimo de esforço, isto para variados graus de risco (FERNANDEZ, 1998). condenada pela prática de infrações
relacionadas a fraudes fiscais, violações
“Criminalistas poderiam também descrever alguns criminosos como aprecia- à livre concorrência ou venda de produ-
tos defeituosos. A pesquisa constatou
dores do risco, especialmente quando cometem assaltos com grandes possibi- ainda a média de 14 condenações por
lidades de apreensão e punição” (PINDYCK e RUBINFELD, 1994, p.189). corporação e um índice de 91,7% de
reincidência.

FGV DIREITO RIO  89


Crime e Sociedade

Neste contexto, a análise econômica do crime baseia-se fortemente na re-


lação delito-punição como determinante da taxa criminal, em que a eficácia
policial e judicial relaciona-se com a possibilidade dos benefícios da atividade
criminosa suplantarem seus custos e compensarem o risco estipulado (FER-
NANDEZ, 1998; BALBINOTTO NETO, 2003). Por isso, o objetivo da
sociedade é tornar nulo o retorno lucrativo médio do empresário criminoso
e/ou aumentar o risco desta atividade — neste caso, “a ausência de crime
pode ser definida como segurança” (JONES, 1977, p.163). Ou seja, a so-
ciedade não criminosa procura maximizar os custos da atividade infratora e/
ou minimizar seus lucros. A conclusão de que o crime não deve compensar
é a solução ótima a ser perseguida (BRENNER, 2009). Para tanto, a socie-
dade deve estar atenta aos elementos coibidores do crime, como melhoria
dos aparatos policiais, formação educacional, oferta de trabalho, urbanização
planejada, distribuição de renda, etc. (FERNANDEZ, 1998).
Por outro lado, é preciso analisar o custo da penalização em relação ao
custo da tolerância do delito, pois a criminalização/punição podem se tornar
fatos ineficientes. Determinados crimes podem apresentar penas superiores
ao custo da tolerância, como parecia ser o caso do crime de adultério (que
vigorou até 2005, mas há muito tempo já havia “caído em desuso”), e deter-
minadas penas podem apresentar vantagens inferiores para a sociedade no
que tange à “readaptação” do criminoso, como é o caso do usuário de drogas
(que não é mais punido com pena de prisão desde 2006).
Outro dado importante que merece ser considerado é o custo das penas,
sendo preferível a aplicação de penas que gerem a mesma eficiência com
menor custo, o qual é mais reduzido nas penas pecuniárias e extremamente
elevado nas penas de prisão11, muito embora o grau de intimidação destas
últimas seja maior que o das primeiras.
Assim como outra atividade econômica qualquer, os ganhos na atividade
empresarial do crime são incertos e dependem da probabilidade de sucesso de
suas operações. Não existem dados que estimem a probabilidade de detenção
de um indivíduo no Brasil, mas supõe-se ser menor que verificada nos Estados
Unidos, que é de apenas 5%. Isto implicaria dizer que no Brasil a probabilida-
de de sucesso no setor do crime pode ser maior do que 95% (FERNANDEZ,
1998). Para Adorno (2002, p.50), “não são poucos os estudos que reconhecem
a incapacidade do sistema de justiça criminal, no Brasil — agências policiais,
ministério público, tribunais de justiça e sistema penitenciário —, em conter o
crime e a violência respeitados os marcos do Estado democrático de Direito.”
Diante do crescimento quantitativo e qualitativo do negócio ilícito no 11
“Não é à toa assinalava Bentham que
‘a pena mais econômica será aquela
mundo, a monta que esta economia específica movimenta é significativa, que não cause nem uma partícula de
mal que não seja convertido em pro-
conforme descreve Fernandez e Maldonado (1999): “para a surpresa de mui- veito; as penas pecuniárias têm esta
qualidade em grau acentuado, pois
tos especialistas, o tráfico de drogas, que movimenta anualmente algo em todo mal que sente o sujeito que a paga
torno de US$ 750 bilhões, passou a ser considerado um dos grandes negó- converte-se em proveito para o sujeito
que a recebe’” (apud SANCHEZ, 2004).

FGV DIREITO RIO  90


Crime e Sociedade

cios no ranking mundial, perdendo apenas para o setor de petróleo e para a


indústria automobilística”.
O crime econômico está tomando veemência e atingindo toda a socie-
dade. O fito de investigar suas causas enquanto ato exclusivo da espécie hu-
mana perpassa por psicólogos, sociólogos, filósofos, advogados, economistas,
dentre outros profissionais dos diversos ramos da ciência. Dentre as correntes
de pensamento econômico que discutem a economia do crime podem ser
destacadas três, segundo compilação de Engel (2003, p.9-10):

Uma corrente de origem marxista, que acredita que o aumento da


criminalidade, principalmente aquela ligada à prática de crimes lu-
crativos, está relacionada às características do processo capitalista e é
resultado direto das alterações do comportamento empresarial no pe-
ríodo pós-industrial [...]. Os cientistas enquadrados nessa corrente de
pensamento acreditam que devido o processo empresarial centralizador
de capital e os avanços tecnológicos resultantes, os ambientes sociais
tornaram-se mais propensos às atividades criminosas. Segundo essa li-
nha de pensamento, o convívio social do capitalismo pós-industrial in-
centivou a chamada degeneração moral e assim permitiu o crescimento
da atividade criminosa (FERNANDEZ e PEREIRA, 2001).
Outra corrente, mais ampla, associa o aumento da criminalidade a
problemas estruturais e conjunturais, tais como índices de desemprego,
analfabetismo, e baixos níveis de renda bem como a desigualdade so-
cial. Pode-se ainda relacionar a esta corrente as ineficiências policiais e
judiciais, que contribuem para a manutenção e crescimento das organi-
zações criminosas. Fernandez e Maldonado (1999), em seus trabalhos,
apontaram para razões dessa natureza.
E uma terceira e importante corrente de pensamento da economia
do crime analisa a prática de crimes lucrativos como atividade ou se-
tor da economia como qualquer outra atividade econômica tradicional
(BECKER, 1968).

A economia do crime assume que uma pessoa age racionalmente com base
nos custos e benefícios inerentes às oportunidades legais e ilegais. Grande
parte dessa idéia advém do modelo de escolha ocupacional de trabalho. Na
realidade, essa teoria do comportamento criminal baseia-se na suposição de
escolha racional proposta por Beccaria e Bentham (EIDE, 1999; MARIA-
NO, 2010).
Outrossim, fundamentada na sua maioria em modelagens matemáticas, a
teoria econômica do crime experimentou mais recentemente alguns avanços
no estudo da criminalidade. A partir de citação de Borilli e Shikida (2002,
p.198) esses modelos podem ser classificados em:

FGV DIREITO RIO  91


Crime e Sociedade

• modelo de alocação ótima do tempo — postula que o indivíduo


escolhe quanto do seu tempo ele deverá alocar em uma atividade
econômica, seja legal ou ilegal, procurando maximizar sua função
de utilidade esperada, que depende, fundamentalmente, dos ren-
dimentos das atividades legal e ilegal — a atuação no setor ilegal
ocorrerá se os custos de operação nessa atividade forem menores
que os seus benefícios (BECKER, 1968);
• modelo comportamental — procura explicar a atividade criminal
através das interações sociais (GLAESER et al., 1996) — segundo
Glaeser (1999) citado por Araujo Jr. e Fajnzylber (2000, p.632) “if
one person’s criminal activities increases the benefits (or decreases the
costs) of his neighbour engaging in crimen then we should expect to find
a high variance of crime rates over space”;
• modelo de migração — os indivíduos irão avaliar as oportunidades
disponíveis nos setores legal e ilegal e poderão migrar para a ativi-
dade criminal se os ganhos esperados superarem os custos de migra-
ção, no qual estão inclusos os custos financeiros e não financeiros
(FERNANDEZ e MALDONADO, 1999) — este modelo é, na
realidade, derivado do clássico trabalho de Becker (1968);
• modelo de portfólio — a decisão individual em participar do crime
ocorrerá mediante escolha de quanto da riqueza deve ser alocada
no mercado legal e ilegal, sendo o envolvimento numa atividade de
cunho ilegal uma operação considerada mais arriscada (ver: FER-
NANDEZ e PEREIRA, 2000).

Jones (1977) e Schaefer (2000), por intermédio de uma exposição gráfica,


corroboram importantes pontos da teoria econômica do crime. De acordo
com o gráfico 1, no eixo da abscissa observa-se o volume de crime e no eixo
da ordenada observa-se o retorno líquido médio do crime. O crime, nesta
exposição, é um bem negativo, haja vista a suposição da não existência de
demanda para este tipo de produto. Ao revés, a sociedade pagará e/ou terá
um determinado custo para que o crime não vigore. Desse modo, a curva de
demanda negativa D evidencia o preço que a sociedade terá de pagar para
coibir/eliminar o crime. A curva D não inicia em zero porque numa socie-
dade normal existe sempre algum nível de crime “tolerável” (uma sociedade
com segurança total seria utópica; sempre existirão pessoas amantes ao risco
no que diz respeito às atividades ilegais) (RODRIGUES, 2007).

FGV DIREITO RIO  92


Crime e Sociedade

GRÁFICO 1 – Oferta do crime e a curva de demanda negativa para o combate


ao GRÁFICO
crime 1 — Oferta do crime e a curva de demanda negativa para o
combate ao crime

Retorno
líquido +
médio do S
crime
Volume de crime

A
O C

B
E

D
D

FONTE: Adaptado de JONES (1977) e SCHAEFER (2000)


FONTE: Adaptado de JONES (1977) e SCHAEFER (2000)
Neste panorama, o nível de equilíbrio do crime indica um determinado
Neste panorama,
volume de crime oOA,
nívelparadeumequilíbrio do crime
determinado retornoindica um
líquido determinado
médio do crime volume
de OB.
crimeSupondo uma reformulação
OA, para um determinadodos aparatos policiais,
retorno líquidoistomédio
é, tornando-o
do crime OB.
mais eficaz, têm-se o deslocamento da curva de demanda para a esquerda
Supondo uma reformulação dos aparatos policiais, isto é, tornando-o mais
(D1). Isto provoca uma diminuição no volume de crime para OC, e uma
eficaz, têm-se
redução o deslocamento
do retorno líquido médio da curva de para
do crime demanda
OE. Uma parasituação
a esquerda
oposta(D1). Isto
seria o caso
provoca umadediminuição
uma hipotética no desestruturação
volume de crime dos aparatos
para OC, policiais,
e uma ou seja,
redução do
a curva de demanda numa situação inicial D1 seria deslocada para a direita
retorno líquido médio do crime para OE. Uma situação oposta seria o caso de
(D). Haveria, portanto, um crescimento do retorno líquido médio do crime
umade hipotética
OE para OB, desestruturação
enquanto o volume dosdeaparatos policiais,
crime cresceria de OC oupara
seja,OA.a Acurva de
cursa S numa
demanda representa a oferta
situação do crime
inicial (quando
D1 seria o retorno
deslocada líquido
para médio
a direita doHaveria,
(D).
crime se eleva, o volume de crime aumenta).
portanto, um crescimento do retorno líquido médio do crime de OE para OB,
enquanto o volume de crime cresceria de OC para OA. A cursa S representa a
FGV DIREITO RIO  93
Crime e Sociedade

A escolha pela corrente da economia do crime para nortear 10 anos de


estudo (BECKER, 1968) reside no fato de se analisar a criminalidade, de
cunho lucrativo, sem perder de vista a associação deste fenômeno com pro-
blemas estruturais e conjunturais do contexto socioeconômico em que o in-
divíduo criminoso se insere, e admitindo que o comportamento criminoso
não é visto como uma atitude irracional, emotiva ou anti-social, mas sim
como uma atividade racional em que o criminoso, notadamente o econômi-
co, é considerado um agente que assume riscos.

FGV DIREITO RIO  94


Crime e Sociedade

THIAGO BOTTINO
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Ja-
neiro (1999), Mestre (2004) e Doutor (2008) em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro. ; Pós-Doutor (visiting scholar)
na Columbia Law School (2014); Professor Adjunto da Escola de Direito
do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas e Coordenador do Cur-
so de Graduação em Direito. Leciona as disciplinas Crime e Sociedade,
Direito Penal Econômico e Direito Processual Penal na Graduação e na
Pós-Graduação lato sensu. É professor do curso de mestrado em Direito
e Regulação, lecionando a disciplina Reflexos Penais da Regulação Eco-
nômica.; Membro efetivo do IAB onde integra a Comissão Permanente
de Direito Penal.; Membro da Comissão de Estudos Penais da OAB/RJ.;
Coordenou projeto de pesquisa sobre as medidas cautelares no Proces-
so Penal em parceria com o Ministério da Justiça e com financiamento
do PNUD (base para o PL nº 2902/2011, em tramitação na Câmara dos
Deputados). ; Coordenou projeto de pesquisa sobre Habeas Corpus na
condição de Pesquisador-Visitante do IPEA (2014).; Integrou a Comis-
são de Exame de Ordem da OAB/RJ e a Comissão de Direitos Humanos
da OAB/RJ, tendo recebido a Medalha Chico Mendes oferecida pelo
Grupo Tortura Nunca Mais/RJ por sua atuação nesse período.; Autor de
livros e artigos sobre Direito Penal e Processual Penal, tendo proferido
palestras no Brasil e no exterior (Alemanha, França e Índia).; Link para
o currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3134056986747443

COLABORADORES
Colaboraram na elaboração dessa apostila em 2013 a ex-aluna Paloma
Caneca e o aluno da Graduação Arthur Lardosa dos Santos.; Colaborou
na elaboração dessa apostila em 2014 o aluno da Graduação David Casz
Schechtman.

FGV DIREITO RIO  95


Crime e Sociedade

FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen Leal


PRESIDENTE

FGV DIREITO RIO


Joaquim Falcão
DIRETOR
Sérgio Guerra
VICE-DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
Rodrigo Vianna
VICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO
Thiago Bottino do Amaral
COORDENADOR DA GRADUAÇÃO
André Pacheco Teixeira Mendes
COORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
Cristina Nacif Alves
COORDENADORA DE ENSINO
Marília Araújo
COORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUAÇÃO

FGV DIREITO RIO  96

Você também pode gostar