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PERÍCIA E AVALIAÇÃO NA PSICOLOGIA FORENSE E

JURÍDICA

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Sumário

NOSSA HISTÓRIA ................................... Erro! Indicador não definido.

PERÍCIA E AVALIAÇÃO............................................................................3

ORIGEM DA PSICOLOGIA FORENSE.....................................................4

DEFININDO A PSICOLOGIA FORENSE..................................................6

A PERÍCIA PSICOLÓGICA FORENSE.....................................................8

CARACTERÍSTICAS DO CONTEXTO DA AVALIAÇÃO FORENSE........9

LIMITES DA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA PERICIAL.............................11

LEGISLAÇÃO..........................................................................................13

TÉCNICAS..............................................................................................18

COMPETÊNCIA......................................................................................22

PSICOLOGIA FORENSE........................................................................26

REFERÊNCIAS.......................................................................................38

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NOSSA HISTÓRIA

A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de


empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de
Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como
entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior.

A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais,
científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o
saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma


confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

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PERÍCIA E AVALIAÇÃO

“A psicologia tem um longo passado, mas uma curta história”. Esta frase
dita por um experimentalista alemão chamado Hermann Ebbinghaus, resume
bem a história da psicologia.

Apesar dos primeiros pensadores e filósofos já se debruçarem sobre


questões que fazem hoje parte do estudo que hoje chamamos de psicologia, foi
somente no século XIX que os pesquisadores, apoiados na investigação e na
experimentação, puderam construir uma identidade própria, aperfeiçoando os
instrumentos, técnicas e métodos de estudo da psicologia.

A psicologia surgiu como uma disciplina específica na Alemanha, na


segunda metade do século XIX. Atribui-se geralmente a Wilhelm Wundt o título
de fundador da psicologia como ciência experimental. A primeira edição do livro-
texto de Wundt “Grundüge der Phisiologische Psychologie“ (Fundamentos da
Psicologia Física), publicado em 1873, e a criação de um laboratório em
Leipzing, em 1879, foram os primeiros esforços no sentido de estabelecer a
psicologia como ciência.

Para Wundt a psicologia seria uma ciência intermediária entre as


ciências da natureza e as ciências da cultura e seu objeto consistia na
experiência imediata dos sujeitos, ou seja, a forma como o sujeito vive as
experiências da vida, mesmo antes de se pôr a pensar sobre ela, antes de
comunicá-la, ou mesmo antes de “conhecê-la”.

Podemos dizer que a Psicologia estuda todos os aspectos do


funcionamento interno da mente, como a memória, os sentimentos, o
pensamento e a percepção, bem como de funções de relação, como o
comportamento e a fala. Estuda também a inteligência, a aprendizagem e o
desenvolvimento da personalidade. Alguns dos métodos utilizados em
Psicologia são a observação, a coleta de histórias pessoais e a utilização de
instrumentos de avaliação de funções cognitivas, como a inteligência e a
personalidade.

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Se a psicologia como ciência é recente, o mesmo se aplica à psicologia
forense. É importante mencionar que Psicologia e Direito, mesmo constituindo-
se em disciplinas distintas, possuem, como ponto de intersecção: o interesse
pelo comportamento humano. Contudo, embora possuam o mesmo objeto
material, diferem quanto ao seu objeto formal: Enquanto o Direito se dedica ao
estudo do dever ser, a Psicologia se preocupa com o estudo do ser (ROVINSKI,
2013).

Assim a forma de compreender as pessoas e suas condutas difere


significativamente quando analisada por um psicólogo e quando estudada por
um legislador. Mas não se pode negar que os planos do ser e do dever ser se
entrelaçam e se justapõem, tornando um saber complementar ao outro.

Nesse contexto, podemos definir a Psicologia Forense como “aquela que


utiliza as áreas de saber da psicologia para fazer frente aos questionamentos
formulados pela justiça, cooperando, a todo o momento, com a administração da
mesma, atuando no Foro (Tribunal), qualificando o exercício do Direito, sendo
seus limites estabelecidos pelos requerimentos da lei e pelo vasto campo de
conhecimento da psicologia”. (Rovinski, 2013, p.17)

ORIGEM DA PSICOLOGIA FORENSE

A Psicologia Forense tem como um de seus possíveis marcos de


nascimento o ano de 1911, no “Tribunal de Flandes”, localizado na Bélgica,
quando um juiz fez a convocação de um especialista (que usou de um saber
diferente do universo do Direito) para gerar um laudo pertinente à validade do
testemunho de crianças sobre um caso de homicídio. (SAUNIER, 2002, p. 29).

No Brasil, os primeiros registros da atuação de psicólogos na área


forense remontam ao ano de 1930, com as atividades desenvolvidas pelo
psicólogo polonês Waclaw Radecki (1887-1953), no Laboratório de Psicologia
da “Colônia de Psicopatas de Engenho de Dentro”, no Rio de Janeiro
(CENTOFANTI, 2003).

O “Manual de Psicologia Jurídica”, de autoria de Myra y Lopez, lançado


no Brasil em 1955, é tido como uma das primeiras produções acadêmicas que

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aponta a relação entre a Psicologia e o Direito no Brasil. Nesse momento
histórico, as áreas de atuação dos psicólogos forenses eram direcionadas
apenas ao estudo de questões criminais.

O profissional da Psicologia Forense atuava com o objetivo de gerar uma


compreensão sobre a conduta humana ligada ao delito, apontando as
motivações e, quando possível, a possibilidade de reincidência do agente no ato
criminoso.

Nos anos 1960-1970, com o crescimento da elaboração e uso dos testes


psicológicos, os psicólogos forenses também passaram a usar esses
instrumentos para analisar o funcionamento psicológico do delinquente e tentar
explicar como ocorria a produção do ato ilícito.

Em 1962, com a regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil (Lei


Federal nº 4.119/1962), que delimitou quais atividades são de competência
exclusiva do psicólogo (atos privativos), ajudando a consolidar a ação desse
profissional em questões jurídicas, uma vez que no artigo 13, parágrafo 2º, da
respectiva lei, fica expresso que é da competência do Psicólogo a colaboração
em assuntos psicológicos ligados a outras ciências.

O artigo 13, parágrafo 1º, estabelece ainda que é função privativa do


Psicólogo a utilização de métodos e técnicas psicológicas com os objetivos de:

Diagnóstico psicológico;

Orientação e seleção profissional;

Orientação psicopedagógica;

Solução de problemas de ajustamento

Por fim, em 20 de dezembro de 2000, o CFP, por meio da Resolução


CFP n.º 14/2000, instituiu o “título profissional de especialista em Psicologia”,
reconhecendo oficialmente a especialidade em Psicologia Jurídica.

DEFININDO A PSICOLOGIA FORENSE

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Como dito anteriormente, a Psicologia Forense vem sendo entendida
como “aquela que utiliza as áreas de saber da psicologia para fazer frente aos
questionamentos formulados pela justiça, cooperando, a todo momento, com a
administração da mesma, atuando no Foro (Tribunal), qualificando o exercício
do Direito, sendo seus limites estabelecidos pelos requerimentos da lei e pelo
vasto campo de conhecimento da psicologia”. (Rovinski, 2013, p.17).

Em outras palavras, a psicologia forense se ocupa da avaliação e do


tratamento dos indivíduos dentro do contexto legal e inclui conceitos como
psicopatia, inimputabilidade, avaliação de risco, danos pessoais
e responsabilidade civil.

O uso do termo “forense” sugere uma relação equivocada e direta com


o tribunal, mas deve ficar claro que o trabalho do psicólogo forense vai muito
além desse espaço, estendendo-se para uma grande variedade de contextos,
instituições ou locais, como em serviços específicos do sistema judicial, centros
de tratamento ou reeducação para infratores, unidades de pesquisa do Ministério
da Justiça, serviço de apoio às crianças ou às vítimas, universidades,
estabelecimentos de saúde mental ou prisional, entre outros. (FONSECA, 2006).

A Psicologia Forense é uma das atividades do psicólogo, que é relativa


à descrição dos processos mentais e comportamentais, conforme o uso de
técnicas psicológicas reconhecidas, respondendo estritamente à demanda
judicial, sem emitir juízo de valor. Nesse sentido, vale a lembrança de que o
psicólogo responde judicialmente pelos efeitos e resultados da medida judicial
pautada pelo seu trabalho.

É importante, ainda, distinguir a prática da psicologia e da psiquiatria


forense. Enquanto o psiquiatra forense analisa aspectos ligados aos transtornos
mentais e suas conexões com um crime específico, o psicólogo foca nos
aspectos referentes à subjetividade e personalidade dos indivíduos avaliados,
bem como a forma com a qual esse sujeito significa suas experiências, visando
auxiliar o magistrado no seu processo de tomada de decisão.

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Com isso, o psicólogo forense busca compreender o humano a partir dos
princípios da:

Ênfase na análise individual relacionada com o seu contexto social,


político, econômico;

Ideia de que os comportamentos devem ser analisados em todos os


âmbitos, não só no aspecto criminal, mas também no ambiental e emocional;

Crença na ideia de que o ser humano orienta-se por sua “escala de


necessidades”, que vão desde a subsistência à dimensão moral, religiosa etc.;

Avaliação da motivação psicológica e de como os estímulos do ambiente


são processados e interpretados e de como adquirem significado pessoal.

Por fim, vale mencionar que a Psicologia Forense situa-se na confluência


de vários saberes. Há inúmeras conexões, por exemplo, com o Direito, a
Psiquiatria, a Medicina, o Serviço Social, a Sociologia, a Antropologia, entre
outras. Assim, a multiplicidade de saberes e de competências é uma das marcas
da Psicologia Forense.

A PERÍCIA PSICOLÓGICA FORENSE

Podemos definir perícia psicológica no contexto forense como o exame


científico, desenvolvido por um especialista, realizado com o uso de métodos e
técnicas reconhecidas pela Psicologia, com o objetivo de elaborar análises e
conclusões sobre os fatos e pessoas, apontando uma possível correlação de
causa e efeito, além de identificar a motivação e as alterações psicológicas dos
agentes envolvidos no processo judicial.

A fundamentação legal da perícia psicológica encontra-se definida em


várias legislações. Entre elas destacamos:

Área Civil - Código de Processo Civil (Lei Federal nº 13.105/2015);

Área Penal – Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689/1941) –


artigos 149 a 154, 775; Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940) e Lei de

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Execução Penal (Lei Federal nº 7.210/1984), que, entre outras orientações,
passaram a prever os exames de personalidade, criminológico e o parecer
técnico das Comissões Técnicas de Classificação.

Decreto nº 5.123/2004 – que trata do porte de armas e da avaliação do


candidato pelo psicólogo.

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei Federal nº 8.069/1990)


- com orientações sobre o atendimento psicossocial dessa população e sobre a
atividade de perícia e acompanhamento por parte do psicólogo.

Código de ética dos psicólogos (CFP, 2005).

Resolução CFP nº 008/2010 – que dispõe sobre a atuação do psicólogo


como perito e assistente técnico no Poder Judiciário.

Lei Federal nº 4.119/1964 – que trata da profissão de psicólogo e das


suas funções, entre elas a de realizar perícia e emitir pareceres.

Para ser perito é necessário que o profissional tenha nível superior,


esteja inscrito no seu Conselho de Classe e comprove sua condição com
certidão do seu órgão profissional, por exemplo, a carteira profissional. Portanto,
o psicólogo perito deve possuir graduação em Psicologia e inscrição
regularizada no seu Conselho Regional de Psicologia (CRP).

A lei não aponta a obrigatoriedade de o psicólogo possuir especialização


na área de perícia, basta que o profissional tenha capacidade técnica para
responder as questões apontadas no processo judicial. Mas, de modo geral, o
psicólogo que possui formação na área jurídica/forense é tido como mais capaz
para responder à demanda jurídica.

É importante destacar que o psicólogo perito responde judicialmente por


prestar informações inverídicas, seja por dolo ou culpa. Nesse caso, o
profissional pode ser responsabilizado pelos prejuízos que causar à parte, ficar
inabilitado, por dois anos, a conduzir outras perícias, incorrer na sanção que a
lei penal estabelecer, além de sofrer as penalidades previstas pelo seu
respectivo conselho de classe.

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CARACTERÍSTICAS DO CONTEXTO DA AVALIAÇÃO
FORENSE:

Uma das principais características da avaliação psicológica pericial ou


perícia psicológica forense é que a mesma torna-se peculiar em relação aos
outros tipos de avaliação psicológica, em função do seu objetivo final que é o de
subsidiar decisões legais, quando estas dependem de um entendimento acerca
do funcionamento psicológico do envolvidos (JUNG 2014, p. 01).

Importantes diferenças relacionadas à dimensão do processo de


avaliação forense fazem com que a mesma se torne distinta dos modelos de
avaliação psicológica clínica com fins terapêuticos, e convocam o psicólogo
(perito) a uma compreensão da especificidade do seu papel frente às demandas
jurídicas, ou seja:

Na avaliação forense há um maior distanciamento emocional entre o


sujeito a ser periciado e o Psicólogo, uma vez que este profissional não é visto
pelo sujeito como alguém que vai ajudá-lo.

A avaliação Psicológica forense dirige-se a um foco específico


geralmente determinado pela autoridade Judicial.

Torna-se necessária a busca de informações precisas e exatas, inclusive


em outras fontes como escolas, local de trabalho, clínicas etc.

O sujeito poderá não ser colaborativo e apresentar resistência


consciente à avaliação, pois a procura do mesmo para a avaliação não surge por
sua vontade própria, e, sim, pela sua dependência com o marco legal.

No contexto forense o sujeito pode distorcer consciente e


intencionalmente as informações.

O tempo destinado à avaliação é menor diminuindo a possibilidade de


reflexão das formulações feitas pelo sujeito.

Neste sentido, torna-se fundamental que o psicólogo, ao exercer o seu


papel na área forense, tenha estabelecido às distinções do seu trabalho do que

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é exercido na clínica com fins terapêuticos, podendo, deste modo, trazer
contribuições efetivas ao campo do Direito.

LIMITES DA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA PERICIAL

É importante lembrar que, por intermédio da avaliação, os psicólogos


buscam informações que os ajudem a responder questões sobre o
funcionamento psicológico das pessoas e suas implicações.

Como o comportamento humano é resultado de uma complexa teia de


dimensões interrelacionadas que interagem para produzi-lo, é praticamente
impossível entender e considerar todas as nuances e relações a ponto de prevê-
lo sem margem de erro. Sendo assim as avaliações têm um limite em relação ao
que é possível entender e prever (CFP, 2007, 10).

Comumente espera-se do psicólogo a capacidade de fornecer


informações sobre a veracidade dos fatos, o que extrapola – e muito – a
capacidade da Avaliação Psicológica. Dessa forma, muitas vezes, espera-se da
perícia psicológica a resposta de questões que, até o momento, estão
incompreendidas, questões essas que não são passíveis de ser respondidas por
meio apenas do exame psicológico.

Diferentemente do que muitos acreditam, o psicólogo não lê


pensamentos ou consegue arrancar a verdade total sobre os fatos, mas trata-se
de um profissional, que, por meio de suas ferramentas, procura entender melhor
a dinâmica psíquica e estabelecer conexões com os fatos, sejam essas
conexões relacionadas ao comportamento criminoso, seja aos sintomas e
sentimentos vivenciados pela vítima de violência.

Dessa forma, a atuação do psicólogo no contexto forense tem muito a


contribuir no contexto judiciário brasileiro. Existem muitos outros campos nos
quais o psicólogo pode contribuir que não foram citados nesse módulo, como a
avaliação de competência parental, o estudo do comportamento violento e
avaliação da capacidade civil. Contudo esperamos ter contribuído para um

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melhor entendimento sobre a dinâmica da avaliação psicológica pericial, suas
contribuições, limites e importância para subsidiar os operadores do Direito no
seu processo de tomada de decisão.

A palavra perícia (do latim “peritia”) diz respeito à destreza, habilidade e


aponta que o sujeito que a possui é experimentado, douto, prático, versado em
alguma área. A fonte de perícia também é o latim peritus, ou seja, indica a
qualidade de perito, habilidade, destreza, vistoria ou exame de caráter técnico e
especializado, conjunto de peritos (ou um só) que faz essa vistoria,
conhecimento, ciência. (FERREIRA, 2004).

Na área judicial, a perícia é tida como um meio de prova, que permite


incluir dentro do processo dados técnicos que, não raro, o juiz desconhece por
ir além dos seus conhecimentos técnico-jurídicos. (ROVINSKI, 2007).

Na atualidade, com a crescente e sem fim produção de conhecimento,


os magistrados têm acessado, de forma muito mais intensa, o apoio dos peritos
para justificarem cientificamente suas decisões, tentando chegar à “justiça
plena”. (JESUS, 2000).

É importante deixar claro que é sempre função do juiz determinar ou não


a realização de uma perícia, sendo ou não provocado pelas partes. Essa,
inclusive, é uma das características da perícia: ocorrer via “requisição formal” e
o seu objeto de investigação é colocar luz, esclarecer uma situação ou fato
polêmico que vem de um conflito de interesses que está sob disputa no âmbito
do sistema jurídico.

O nosso Código de Processo Civil (CPC), na sua Seção VII, “Da Prova
Pericial”, pode nos ajudar na reflexão sobre perícia ao informar, no seu artigo
420, que a prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.

No seu parágrafo único deixa evidente que o juiz indeferirá a perícia quando:

1. A prova do fato não depender do conhecimento especial de técnico.

2. For desnecessária em vista de outras provas produzidas.

3. A verificação for impraticável.

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Destacamos que “peritagem” e “expertise” são sinônimos de perícia.
Perícia é um exame de situações ou fatos relacionados a coisas e pessoas. A
perícia é praticada por um especialista na matéria que lhe é submetida. O
trabalho de peritagem tem como objetivo elucidar determinados aspectos
técnicos que, em geral, são especificados por meio de quesitos.

Os resultados da perícia são apresentados por meio de um parecer


sucinto, apenas com respostas aos quesitos formulados, ou via laudo técnico
com exposição detalhada dos elementos investigados, sua análise e
fundamentação das conclusões, além de resposta aos quesitos formulados.
(BRANDIMILLER, 1996).

Desse modo, podemos definir perícia psicológica no contexto forense


como o exame científico, desenvolvido por um especialista, realizado com o uso
de métodos e técnicas reconhecidas pela Psicologia, com a efetivação de
investigações, análises e conclusões sobre os fatos e pessoas, apontando uma
possível correlação de causa e efeito, além de identificar a motivação e as
alterações psicológicas dos agentes envolvidos no processo judicial.

LEGISLAÇÃO

O texto constitucional é claro ao referir que, como regra, a apuração de


infrações penais e a execução das funções de polícia judiciária competem à
Polícia Federal e às Polícias Civis, reservando às Polícias Militares o
policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública.

Cabe à Polícia Federal, órgão mantido pela união, “apurar infrações


penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e
interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas,
assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou
internacional e exija repressão uniforme, segundo dispuser em lei”, bem como
“exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União”.

Quanto à Polícia Civil, menciona a Lei Maior o seguinte: “às polícias civis,
dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a

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competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações
penais, exceto as militares”.

As atribuições dos órgãos de segurança pública estão elencadas, de


forma clara, no texto constitucional, não deixando margens para dúvidas de qual
é o papel de cada instituição na tarefa de prevenir e reprimir as infrações penais,
de modo que a atividade de investigação criminal pertence à polícia judiciária.

Nessa esteira, ainda, refere o artigo 4°, caput, do Código Penal que “a
polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas
respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da
sua autoria”.

Cumpre enfatizar, também, a redação legal do artigo 2°, caput, da Lei


12.830/13, o qual refere que "as funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica,
essenciais e exclusivas de Estado", bem como do seu §2°, de onde se extrai que
"ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução
da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento
previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da
materialidade e da autoria das infrações penais" .

Repare que tanto a regra prevista no caput do art. 4° do Código de


Processo Penal, quanto as regras inseridas no art. 2° da Lei 12.830/13 mantém
uma relação harmônica e simétrica com a Constituição Federal, ao passo que
corroboram a sua opção pela condução da investigação criminal pela polícia
judiciária, e, para nós, nem poderia ser diferente, pois a Constituição representa
o “topo hermenêutico que conformará a interpretação jurídica do restante do
sistema”.

É necessário reconhecer, assim, que, com base nas normas acima


referidas, a investigação criminal é atribuição da polícia judiciária, representada
por organismos sociais cuja função, por excelência, é a apuração da
materialidade e autoria das infrações penais.

Veja-se que quando a Lei Maior faz essa afirmativa, de forma clara, ela
está dizendo que a atividade investigativa, no âmbito criminal, será realizada

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pelas instituições que carregam em seu bojo as atividades de polícia judiciária,
i.e., a Polícia Federal e as Polícias Civis, nas suas respectivas áreas de atuação.

Cumpre referir que, mesmo diante dos comandos constitucionais que


definem as atribuições dos órgãos estatais, o Supremo Tribunal Federal firmou
o entendimento de que o Ministério Público pode conduzir investigações de
natureza criminal, por meios próprios[14], sendo que, conforme demonstramos,
ao nosso ver, inexiste comando legal autorizando tal inferência.

a) Investigação criminal autêntica ou pura: Insere-se nesta classificação


a investigação criminal autorizada e legalizada pela Constituição Federal,
conduzida pela polícia judiciária, sob a presidência de um delegado de polícia de
carreira. Diz-se autêntica ou pura porque se trata do modelo padrão de
investigação criminal adotado pela Constituição. É a investigação criminal
genuína.

b) investigação criminal derivada: Insere-se nesta classificação a


investigação criminal igualmente prevista no texto constitucional como exceção
ao modelo padrão. Conforme sinalizamos, a Constituição não conferiu o
monopólio da investigação criminal à polícia judiciária, havendo duas exceções,
nas quais a atividade de investigação criminal poderá não ser desempenhada
pela polícia judiciária, quais sejam: a apuração das infrações penais militares e
as apurações das comissões parlamentares de inquérito. Diz-se derivada porque
deriva do modelo padrão e possui, igualmente, sustentação constitucional.

c) investigação criminal não autêntica ou impura: Enquadra-se nesta


classificação qualquer outra forma de investigação criminal levada a cabo fora
dos padrões estabelecidos pela Constituição Federal, independentemente da
instituição que a realize, pois, diante da inexistência de mandamento
constitucional que lhe confire legitimidade, se apresenta como forma de
flexibilização negativa das garantias fundamentais. Diz-se não autêntica ou
impura porque não possui previsão constitucional.

Artigo 144, §1°, incisos I e IV, e §4°.

Artigo 4°, caput.

Artigos. 1° e 2°, caput, e §§1° e 2°.

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Parte da doutrina entende que a Constituição Federal estabelece uma
distinção entre as funções de polícia judiciária e as funções de polícia
investigativa. Entretanto, sedimentou-se na doutrina e na jurisprudência a
utilização da expressão polícia judiciária para se referir ao exercício de atividades
relacionadas à apuração das infrações penais.

A observância da Constituição Federal é uma exigência impreterível em


um Estado Democrático de Direito, razão pela qual a eficácia da investigação
estatal penal não pode estar desassociada das garantias individuais
fundamentais.

Artigo 144, §1°, I, CF.

Artigo 144, §1°, IV, CF.

Artigo 144, §4°, CF.

No julgamento do HC 149.250 o Superior Tribunal de Justiça considerou


ilegal a participação de servidores da ABIN nas investigações da Polícia Federal.

Insta referir que a Constituição Federal prevê apenas duas exceções à


regra dos §§1° e 4° do artigo 144, nas quais a "atividade de investigação criminal"
poderá não ser desempenhada pela polícia judiciária: a apuração das infrações
penais militares (art. 144, §4°) e as apurações das comissões parlamentares de
inquérito (art. 58, §3°).

Nos termos do art. 124 da CF, infere-se que as infrações penais militares
serão julgadas pela Justiça Militar. E, nos termos dos artigos 7°, 8° e 9° do
Código de Processo Penal Militar, extrai-se que a apuração das infrações penais
militares será feita por autoridades militares que atuarão fazendo as vezes de
polícia judiciária. Trata-se, portanto, de verdadeira investigação criminal. Assim,
classificamos como investigação criminal derivada própria ou propriamente dita.

O inquérito parlamentar, referimos, não é um inquérito criminal típico,


pois pode visar a apuração de fato de qualquer natureza, não apenas penal, i.e.,
pode apurar fato político, administrativo, responsabilidade civil, e, também,
criminal, conforme se verifica da parte final do artigo 58, §3°, da CF.

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Ressalte-se, inclusive, que as conclusões dos inquéritos parlamentares,
nem sempre dispensam investigações pela polícia judiciária, como a realidade
tem nos mostrado, diante dos diversos interesses que se encontram por trás
desse expediente investigatório. Assim, por não se constituir em uma
investigação criminal propriamente dita, classificamos como investigação
criminal derivada imprópria.

Enquadram-se nesta categoria, por exemplo, investigações criminais


feitas e formalizadas diretamente por instituições militares (relativamente a
crimes comuns), ou pelo Ministério Público.

TÉCNICAS

O inquérito policial é um procedimento preparatório da ação penal, de


caráter administrativo, conduzido pela Polícia Judiciária e voltado a colheita
preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria.
Não se trata, pois, de processo, instrumento, que é voltado a prestação judicial
do Estado diante de uma ação ajuizada. Trata-se de um procedimento.

Como tal, por não ser processo, não se faz presente o princípio da
publicidade, que é próprio dos processos, assim como outros princípios balizares
como o da ampla defesa e do contraditório, que são garantias norteadoras de
um Estado Democrático de Direito.

Seu objetivo é a formação da convicção do representante do Ministério


Público, titular da ação penal pública, ou a vítima, nas ações penais privadas, e
ainda a colheita de provas urgentes necessárias ao esclarecimento dos fatos
investigados.

Sendo assim o inquérito é o conjunto de diligências realizadas pela


polícia judiciária, para apuração de uma infração penal e sua autoria, para que o
titular da ação penal, seja pública ou privada, possa fazer um juízo de valor sobre
ele, pedindo a aplicação da lei. É, portanto, o inquérito policial uma peça
investigatória que é preparatória da ação penal.

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O inquérito é procedimento preparatório formador da opinião do titular
da ação penal. Pode ele aceitar ou não as conclusões trazidas por ele. É o
inquérito um procedimento facultativo e dispensável para o exercício da ação
penal.

Aliás, o Estatuto da Advocacia, Lei 8.906/94, em seu artigo 7º, inciso XV,
estatui que é direito do advogado examinar em qualquer repartição policial,
mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito policial, findos ou em
andamento, ainda que conclusos a autoridade, podendo copiar peças e tomar
apontamentos. Ali não se faz qualquer distinção entre inquéritos sigilosos e não
sigilosos.

O advogado do indiciado, como já salientou o Supremo Tribunal Federal,


no julgamento do HC 82.354 – PR, 10 de agosto de 2004, Relator Ministro
Sepúlveda Pertence, em inquérito policial, é titular do direito de acesso aos autos
respectivos, verdadeira prerrogativa, que lhe é dada por lei, não lhe sendo, em
hipótese alguma, repito, oponível o sigilo. Aliás, se até à imprensa livre, numa
democracia, salvo os casos de sigilo decretados pelo Judiciário, não se pode
negar acesso aos resultados da investigação, então qual a razão de negá-lo, por
absurdo, a seu defensor?

A Súmula Vinculante n. 14 do Supremo Tribunal Federal disciplina que


é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos
elementos de prova, já documentados em procedimento investigatório realizado
por órgão com competência de polícia judiciária. Deve ser facultada à defesa a
consulta dos autos do inquérito policial e a obtenção de cópias pertinentes,
ressalvando que não há obrigação de comunicação prévia à defesa sobre as
diligências que ainda estejam sendo efetuadas, como se lê do julgamento pelo
Supremo Tribunal Federal, no HC 87.827 – RJ, Relator Ministro Sepúlveda
Pertence, julgado em 25 de abril de 2006, Informativo 424.

Mister se faz a participação do advogado em todos os atos do inquérito,


desde que tenha procuração para tanto. O advogado pode participar da
produção da prova, em seu desenvolvimento, em seu acompanhamento.

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O artigo 6º do Código de Processo Penal prescreve(functor deóntico) à
autoridade policial, logo que tiver conhecimento da infração penal, que tome as
seguintes providências:

a) dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e


conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;

b) apreender os objetos que tiverem relação ao fato, após liberados


pelos peritos criminais2 ;

c) colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e


suas circunstâncias;

d) ouvir o ofendido;

e) ouvir o indiciado;

f) proceder o reconhecimento de pessoas e coisas e as acareações;

g) determinar, se for o caso, que se proceda o exame de corpo delito e


outras perícias;

h) ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se


possível, e fazer juntar aos autos a sua folha de antecedentes;

i) averiguar a vida pregressa do indiciado, consoante o inciso IX.

O suspeito, sob o qual se reuniu prova de autoria, tem de ser indiciado.

O indiciamento somente poderá ser realizado se há, para tanto, fundada


e objetiva suspeita de participação ou autoria nos eventuais delitos investigados,
como se lê de entendimento do Superior Tribunal de Justiça no HC 8.466 – PR,
Relator Ministro Felix Fischer, DJ de 24 de maio de 1999. O indiciamento é ato
exclusivo da autoridade policial que forma seu convencimento sobre a autoria e
a materialidade do crime, elegendo o suspeito da prática criminosa.

Pode o Promotor denunciar pessoa que não foi objeto de indiciamento,


pois é titular da ação penal pública, ficando a sua discrição, dentro da visão que
tem dos fatos investigados no inquérito, qual a solução a apresentar.

De toda sorte, a requisição de indiciamento é procedimento equivocado.


Aliás, assim o entendeu o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do HC

18
35.639 – SP, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, 21 de outubro de 2004,
quando se disse que a determinação de indiciamento formal, quando já em curso
ação penal pelo recebimento da denúncia, é tida por desnecessária e causadora
de constrangimento ilegal.

O sistema jurídico brasileiro não exige motivação do indiciamento, a


exceção, é certo do que é exposto no artigo 52, I, da Lei 11.343/06, quanto a
classificação feita: se tráfico ou porte de arma, por exemplo. Ora, o Parquet não
está vinculado a classificação penal que venha ser apresentada pela autoridade
policial. Quanto muito a autoridade judicial, como se vê do instituto da emendatio
libelli, previsto no artigo 383 do Código de Processo Penal.

Mas o indiciado tem o direito de silêncio(artigo 5º, LXIII), de não se


autoacusar, merecendo ter a sua integridade física preservada, podendo
constituir advogado para acompanhar a investigação e ter a sua imagem
preservada. O seu silencio não poderá ser interpretado contra si, daí porque a
antiga redação do artigo 186 do Código de Processo Penal choca-se com a
Constituição, quando dizia que ¨o seu silêncio poderá ser interpretado em
prejuízo de sua própria defesa¨.

A teor do artigo 5º, LVIII, da Constituição Federal o civilmente


identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses
determinadas por lei. Pois bem, o artigo 2º da Lei 12.037/2009 determina que a
identificação civil é atestada por qualquer dos seguintes procedimentos:

a) carteira de identidade;

b) carteira de trabalho;

c) carteira profissional;

d) passaporte;

e) carteira de identificação funcional;

f) outro documento público que permita a identificação do indiciado.

O artigo 3º da Lei 12.037/2009 determina as hipóteses em que se


destaca o fato do documento apresentar rasuras ou tiver indícios de falsificação

19
ou ainda, dentre outras hipóteses, for insuficiente para identificar, de forma cabal,
o indiciado.

COMPETÊNCIA

O fato é que no sistema de persecução criminal brasileiro, a Polícia


Judiciária (Civil ou Federal) investiga, o Ministério Público requisita diligências
e/ou instauração de inquérito, exerce o controle externo da ação policial (fiscaliza
os atos e correção da polícia) e, obviamente privativamente, oferece denúncia
junto aos Juízes Criminais, quando o fato e sua autoria estão devidamente
comprovados; cabendo por fim ao Juiz Criminal, o julgamento, mediante o
contraditório e a ampla defesa.

E, nos estritos termos e limites constitucionais - a Polícia Judiciária


investiga, se submetendo-se a todo tipo de controle: interno, externo e da
sociedade e, assim deve cumprir sua missão, mesmo diante de reiteradas
medidas visando seu enfraquecimento, sobretudo a partir da Constituição de 88.

Qualquer ação ou decisão contrária ao sistema terá uma vigência


efêmera ou condicionada por sua inaplicabilidade fática ou jurídica, que será
submetida a sucessivas mudanças que somente trarão prejuízos ao sistema,
senão o caos como estamos vivenciando em cores trágicas.

A investigação criminal é indubitavelmente uma das atividades mais


apaixonantes e por isso mesmo mais cobiçadas, seja na esfera pública ou
privada. Essa constatação, somada a uma carência de aprofundamento no
estudo de certos institutos afetos à fase inicial da persecução penal, tem
ensejado afirmações imprecisas e que induzem ao erro.

Com efeito, diferentemente do que costumeiramente é propagado, a


investigação criminal no Brasil é, sim, tarefa exclusiva da polícia judiciária,

20
porquanto a vontade do legislador constituinte foi expressa no sentido de que a
essa instituição incumbe a apuração de infrações penais comuns.

Não se desconhece que o artigo 4º, parágrafo único do CPP dispõe que
a competência de apuração de infrações penais “não excluirá a de autoridades
administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função”. Uma leitura rasa
e isolada do dispositivo da Lei de 1941 levaria a acreditar na existência de
diversas leis que autorizam outros órgãos a realizarem investigação criminal.

Contudo, não é o que estabelece a Constituição e a legislação


infraconstitucional. O ordenamento jurídico permite que órgãos distintos da
polícia judiciária façam apenas investigação de infrações não penais (apuração
de ilícitos financeiros, econômicos, ambientais, disciplinares, fiscais, civis ou
administrativos em geral).

Segundo a Lei Maior, a polícia judiciária (Polícia Federal e Polícia Civil)


é o órgão vocacionado para realizar apuração de infrações penais comuns
(artigo 144, parágrafos 1º e 4º), atribuição confirmada pela Lei 12.830/13 e por
diversas outras normas.

Considerando a evolução histórica do sistema processual penal,


entendeu por bem o legislador constituinte separar as funções dentro da
persecução penal, outorgando a investigação criminal a um órgão imparcial
desvinculado da acusação e da defesa. A divisão de atribuições, portanto, nunca
foi fruto de distribuição aleatória de poderes, mas de especialização de
atividades e contenção do arbítrio estatal.

Aliás, diferentemente do que pensam alguns, o modelo brasileiro de


repartição de tarefas na persecução penal é mais avançado do que outros de
festejados países desenvolvidos. A Constituição brasileira não permite nem que
o Ministério Público (órgão acusador) investigue crimes, como na Espanha, nem
que a polícia judiciária (órgão investigativo) oferte ações penais, como na
Austrália.

No Brasil existe maior limitação do poder e o cidadão não pode ser


investigado pelo acusador nem acusado pelo investigador, ao contrário de
sistemas alienígenas. Se na prática falta eficiência à investigação criminal

21
(mal que também atinge a acusação e o julgamento), o problema decorre da falta
de investimentos do Estado, e não do modelo em si, que nunca foi implementado
em sua plenitude.

De outro lado, a apuração de ilícitos não penais pode ser feita por
diversos órgãos públicos. Evidentemente, a investigação não criminal é bem
diferente da investigação criminal. Não cabe, por exemplo, a adoção de medidas
cautelares como a prisão e a liberdade provisória, técnicas investigativas como
a interceptação telefônica, e decisões como o indiciamento. Claro que ambas
consistem em atividade de coleta de informações a fim de demonstrar um fato;
mas os mecanismos e requisitos legais para essas tarefas são distintos e
inconfundíveis.

Não altera essa conclusão o fato de eventuais provas de crimes poderem


casualmente ser colhidas nas apurações não criminais, como por exemplo uma
CPI que angaria prova de delito de peculato praticado por parlamentar. Isso
ocorre quando surge, no curso da investigação não criminal, indícios da prática
de crime, hipótese em que as provas podem ser emprestadas a uma persecução
penal. Fácil notar que o procedimento continua sendo inicial e diretamente
voltado à elucidação de ilícitos não penais, e a descoberta de vestígios delitivos
não autoriza o órgão não policial a dar enfoque criminal à apuração como se
polícia investigativa fosse (os elementos colhidos devem ser remetidos à polícia
judiciária ou diretamente ao Ministério Público).

Nesse sentido, é correto afirmar que vários órgãos desenvolvem


investigação (em sentido amplo), mas errado dizer que diversas instituições
fazem investigação criminal.

Podem ser mencionados como órgãos investigativos em sentido amplo


(não criminais): Ministério Público (MP), Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI), Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Banco Central
(BC), Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (Cade), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama), corregedorias, Controladoria-Geral da União
(CGU), administração tributária (Receita), particular e detetive profissional.

22
PSICOLOGIA FORENSE

O intuito primordial do psicólogo forense é munir advogados, juízes,


desembargadores, promotores, procuradores, entre outros profissionais do
Direito, de uma bagagem psicossocial e cultural sobre o comportamento humano
para que as decisões tomadas em situações de tribunais seja as menos injustas
possíveis (RASKIN, 1994).

Em disputas pela custódia dos filhos, por exemplo, é avaliada a


autenticidade da opinião infantil a favor de um dos pais considerando-se sua
idade, ou seja, podese avaliar se uma criança foi manipulada a emitir certa
preferência ou se realmente está manifestando seu laço afetivo mais forte.
Diante disso, faz-se necessário esclarecer o que deve ser o conceito de juízo:
concerne à faculdade psicológica do(s) profissional(is), embasada no universo
sociocultural do indivíduo, em discernir, imparcialmente, entre duas situações
conflitantes – em geral de defesa e de acusação.

A partir de tal dinâmica psíquica, o juiz elabora um enunciado sobre a


questão – o veredicto – e o ratifica como julgamento ou sentença declaratória. É
nesses termos que o juízo pressupõe uma apreciação legal, comparação cultural
e avaliação psicológica dos fatos da querela, emitindo, posteriormente,
postulados não pessoais sobre ela. Com efeito, o psicólogo forense é um
profissional com treinamento adicional que deve incluir Psiquiatria e Direito, o
que lhe permite aplicar seus saberes às questões levantadas pelo sistema legal
do seu local de atuação. Mais raramente pode acontecer uma prática clínica de
emergência; alguns fóruns possuem serviço de apoio psicológico para disputas
judiciais mais problemáticas.

Assim, o principal propósito da Psicologia forense é fornecer avaliações


que possam ser utilizadas por cortes, advogados e até mesmo por instituições
de detenção. Ela também é assaz profícua na distinção entre um trauma ou
síncope psicológica verdadeira da simulada, já que as desordens mentais graves
autênticas podem conduzir à prática de algum delito involuntário (RASKIN,
1994). Nesse caso, é necessário conhecer um pouco da vida do acusado. A

23
Psicologia forense também é bastante útil na elaboração de pareceres acerca
da exploração sexual e de maus-tratos.

Em oposição a tais situações mais comuns, o psicólogo forense ajuda a


descobrir, por exemplo, se uma pessoa psiquicamente enferma se auto-acusa
ou se incrimina inocentemente por um delito grave levado a cabo por outrem.
Portanto, o conceito recorrente em toda a prática da Psicologia forense é
“veracidade”, ou seja, a potencialidade ou a escusa em se relatar a versão mais
fiel possível relativamente aos fatos acontecidos.

Destarte, o ato de testemunhar depende, essencialmente, de cinco


aspectos, conforme (LÓPEZ, 1945):

1- a maneira como a testemunha percebeu os acontecimentos;


2- o modo como preservou os fatos em sua memória;
3- a maneira como a pessoa consegue evocá-lo no pensamento;
4- a forma como ela quer exprimi-lo;
5- como a testemunha é capaz de expressar o acontecimento usando
a linguagem.

Nessa dinâmica complexa, os estudos sobre a percepção e a apreensão


da realidade pelo psiquismo são os ramos da Psicologia mais chamados a
colaborar com as ciências e atividades forenses.

As pesquisas mais recentes no campo da Psicologia da Gestalt têm


conduzido à constatação de que a percepção humana é bem mais que a soma
de sensações físicas elementares, envolvendo também emoções e aspectos
culturais do sujeito.

Em síntese, os objetos ou fenômenos percebidos formam um todo


(imagem) que a pessoa cria mentalmente com os elementos que captou e
processou no psiquismo. Desse modo, é mais acertado dizer que a percepção
de algo é quase que “uma vivência” daquele algo.

A percepção é uma atividade psíquica dinâmica, global e complexa.


Nesse sentido, ainda que duas pessoas olhem para a mesma coisa, elas a
enxergarão de forma diferente, pois que se trata de um processo subjetivo; logo,
pessoal. Naturalmente que existirão vários pontos em comum, mas

24
definitivamente não terão uma visão idêntica do mesmo objeto. Isso mostra,
entre outras coisas, que as relações entre predisposições afetivas e as
categorias perceptivas são íntimas: em situações extremas, tal processo pode
originar pseudopercepções:

Não apenas é certo que vemos as coisas como gostaríamos que fossem, mas que
também, em determinadas circunstâncias, as vemos como gostaríamos que não fossem, [...] e
isso constitui o que é a denominada alucinação. (LÓPEZ, 1945, p. 183, tradução nossa)

As influências dos costumes também são poderosas na determinação do


processo perceptivo: poucos dados acerca de uma realidade já conhecida são
suficientes para que o todo apareça na mente do indivíduo. Também é
importante para as questões jurídicas compreender a “amnésia emocional”, já
que grande parte dos eventos que chegam aos fóruns é negativa do ponto de
vista afetivo. Esse processo diz respeito àqueles indivíduos que, genuinamente,
se tornam incapazes de se recordar de situações e ocorrências traumáticas.
Logo, partindose do pressuposto de que a maioria dos interrogatórios judiciais
versa sobre eventos delituosos ou gira em torno de profunda carga emocional,
entende-se a freqüência da amnésia emocional nas vítimas, nas testemunhas e
também nos réus, mais raramente.

O processo de esquecimento involuntário se dá porque a força da


repressão sobre acontecimentos dolorosos age de forma inconsciente, numa
tentativa de evitar um novo sofrimento com a rememoração. López (1945) relata
que é usual o “esquecimento” no instante exato de serem colhidas as
declarações judiciais, sendo que psicanalistas que acompanham pacientes
neuróticos têm-se dedicado com empenho à investigação do fenômeno. Quando
o indivíduo é coagido a lembrar-se de algo, ele então declara alguns fatos
verídicos fragmentados e mesclados a devaneios e fantasias, que são expostos
não intencionalmente.

Diante disso, é preferível deixar a cargo do indivíduo o fluxo da narração


do que ficar perguntando-se detalhes incisivamente, ou seja, incitálo a descrever
pormenores pode conduzi-lo à chamada “falsa memória”. Logo, as indagações
em juízo nunca devem ser capciosas, sempre devem ser diretivas. No entanto,
o relato espontâneo, freqüentemente mais verídico, tem o aspecto negativo de
ser relativamente incompleto e muitas vezes inconsistente e, além disso, pode

25
ter “idas e vindas”, a narração pode ser desuniforme e multilinear. Em síntese,
os dados coligidos pelos interrogatórios direcionados costumam ser mais
concretos, mas, ao mesmo tempo, menos ricos. As narrações livres, por seu
turno, são mais extensas, tem mais meandros, por isso mesmo podem ser mais
confusas.

Concernente às influências e manipulações que o inquisitor pode fazer ao


inquirido, um exemplo é bem ilustrativo, segundo López (1945): ao invés de
perguntar “Qual a cor da gravata do assassino”, aconselha-se perguntar: “O
assassino usava gravata?”. No primeiro caso, a pessoa pode ficar induzida a
pensar que viu uma gravata, tendo em vista que o entrevistador já está
pressupondo que ele usava esse adereço, e mencionar, mesmo não
propositalmente, uma cor qualquer. Por conseguinte, a única forma de mitigar o
índice de mentiras (intencionais) ou enganos (inconscientes) existentes nos
depoimentos das testemunhas é fazer um breve levantamento psicológico sobre
o seu “apego” à verdade, em outras palavras, realizar uma concisa avaliação de
sua consciência moral.

Para aquelas pessoas que decididamente têm o intuito de mentir ou


maquinar histórias, só o juramento antes do inquérito ou as advertências sobre
os riscos da falsidade ideológica não são mecanismos suficientes para inibir seu
comportamento. De acordo com López (1945), é mais confiável a aplicação de
técnicas específicas durante sua entrevista. Tal qual o trabalho antropológico de
coleta de informações nas aldeias, os “inconfessáveis” e os “imponderáveis” do
psiquismo nunca devem ser negligenciados na Psicologia jurídica e na forense.

Quando ocorre a suspeita de que o depoente vai mentir ou já mentiu


movido por objetivos altruístas (pena do acusado, por lhe ser familiar próximo
etc.), é mais fácil corrigir a parcialidade em questão, deixando claro que qualquer
mentira ou inverdade tem/terá o efeito oposto ao que ele almeja, isto é, poderá
seriamente prejudicar o réu. Nos casos da mentira com fins egoístas
(testemunha subornada, interesse vil em prejudicar alguém etc.), as ameaças e
advertências nesse sentido devem ser mais rígidas. Sendo assim, é frutífero
também destacar que, se alguém fala 90% de verdade e apenas 10% de mentira,
há o risco de que o depoimento fique comprometido e desacreditado
integralmente. A prática forense ainda aconselha que, caso se queira saber se

26
alguém esteve realmente ou não no local de um crime, ao contrário de perguntar-
lhe diretamente, pode-se perguntar sobre algum aspecto secundário do lugar e,
de acordo com a resposta, é lícito deduzir se ela esteve lá ou não.

Esse é o denominado método centrípeto, ou seja, alcança-se um ponto


fulcral da questão a partir da periferia. Quando mais afastada estiver uma
pergunta do tema sob investigação, mais dificilmente o inquirido terá razões para
deformar uma resposta sobre ela. Além disso, os eventos corriqueiros, pelo fato
de serem habituais, podem gerar respostas automáticas em relação a eles;
correlativamente, as ocorrências distantes no passado também podem originar
versões distorcidas do que aconteceu. Por fim, o fato de um episódio ter
despertado sentimentos negativos ou positivos em alguém pode causar viés
quando ele for relatado por esse indivíduo. (LÓPEZ, 1945).

Exames psicológicos ainda têm demonstrado que certos perfis de


personalidade fornecem respostas com “defeitos” similares; assim, indivíduos
introvertidos tendem a conceder um discurso mais enxuto, todavia, mais objetivo.
Indivíduos extrovertidos, por sua parte, são mais predispostos a serem
influenciados por fatores do ambiente, mais exagerados, no entanto, a vantagem
é que o discurso deles é rico em detalhes.

Não obstante tais peculiaridades, não há relação direta entre o grau de


introversão ou extroversão da personalidade com maior ou menor veracidade
das informações. Habitualmente, os tipos histéricos, os mitômanos (pessoas que
mentem compulsivamente) e os paranóicos são os que mais mentem nos
inquéritos.

Os últimos são exímios em projetar nos outros aspectos que desprezam


em si próprios. Já os tipos compulsivo-obsessivos, em função da forte
autocensura que se infligem, são mais verídicos em seus testemunhos, apesar
do sofrimento que demonstram, pois todo o tempo estão se autocorrigindo.
Tendo em vista essas e outras psicopatologias, é aconselhável que, durante os
interrogatórios de alguns tipos de personalidade, o juiz ou advogado se faça
acompanhar de um psicólogo judicial com bom conhecimento de enfermidades
psíquicas.

27
Pesquisas também têm demonstrado que o sexo do entrevistado
influencia nas declarações, visto que o tipo de socialização diferenciada pela
qual passam homens e mulheres desde a infância faz com que os primeiros
sejam mais diretos, todavia menos ricos em pormenores, enquanto que as
mulheres são mais complexas com suas narrações, contudo, mais confusas e
sinuosas. Como saber com exatidão quando a testemunha está dizendo a
verdade ou não? Essa questão vem sendo uma das demandas mais freqüentes
do Direito em relação à Psicologia.

Nesse sentido, a seguir são descritas algumas das técnicas mais comuns
que permitem identificar elementos comportamentais e verbais acerca do grau
de veracidade de um depoimento. (VITACCO; ROGERS, 2001).

a) Polígrafo: popularmente conhecido como “detector de mentiras”, é um


instrumento de medição de respostas fisiológicas como pulsação, “arrepio”,
pressão arterial e respiração. Alicerça-se no princípio de que mentir gera mais
atividade do sistema nervoso central, fato involuntário e que não pode ser
verificado a olho nu, mas que apareceria em aparelhos de alta sensibilidade. A
crítica é que indivíduos já naturalmente “nervosos”, em situações de estresse
(como é o caso de um inquérito), poderiam ser injustamente classificados como
mentirosos em função de suas manifestações fisiológicas alteradas. Nos
Estados Unidos, é freqüentemente utilizado nos procedimentos judiciais e a
admissão final dos seus resultados está submetida à análise do juiz.

b) Hipnose: tal procedimento consiste em sugestionar o hipnotizado a


estados de relaxamento profundo para que sua memória seja mais bem
elucidada. Essas técnicas se tornaram conhecidas no mundo ocidental a partir
das descobertas da Psicanálise e permitem que certas lembranças burlem a
autocensura que o sujeito se impõe. Geralmente é uma técnica que é mais usada
em vítimas e testemunhas do que em acusados.

A crítica que se faz a tal procedimento é que, indiretamente, é uma técnica


manipulativa; assim, poderia induzir ao exagero ou mesmo à inconsistência de
alguns dados. Nos Estados Unidos seu emprego é rigidamente regulamentado
e as declarações feitas sob hipnose devem ser gravadas em vídeo para
ulteriores exames críticos por parte dos juizados.

28
c) Análise do Conteúdo: esse método diz respeito à análise de entrevistas
transcritas. Fundamenta-se em dezenove indicadores de realidade
estabelecidos por Steller e Kohenken (apud VITACCO; ROGERS, 2001) –
estrutura lógica, elaboração desestruturada ou não, quantidade de detalhes,
articulação contextual, descrição das interações, reprodução de diálogos,
contradições, apresentação de elementos não usuais, apresentação de
elementos supérfluos, detalhes incompreensíveis, associação do fato com
eventos externos, descrição de estados mentais subjetivos, descrição do estado
mental do autor do delito, autocorreções espontâneas, aceitação da ausência de
memória sobre certos episódios, dúvidas sobre o próprio testemunho,
autodesaprovação, comiseração ao autor do crime, detalhes sobre a ofensa. Tal
conjunto de quesitos surgiu na Alemanha, nos anos 1950, e tinha como objetivo
estrito a verificação da fidedignidade dos relatos de crianças abusadas
sexualmente. A crítica que sofre essa técnica é que muitos critérios não seriam
quantificáveis (como medir, por exemplo, o índice de afeto do acusado?), ficando
dependentes da subjetividade do profissional forense.

d) Indicadores Comportamentais da Mentira: essa estratégia consiste na


observação de aspectos verbais e não-verbais da conduta. Isso quer dizer que
alguns estereótipos comuns na opinião de advogados e de delegados sobre
alguém que está mentindo, na verdade, têm alguma pertinência. Raskin (1994)
enuncia que os traços mais comuns daqueles que enganam seriam o aumento
da atividade corpórea repetitiva (virar de um lado para o outro, por exemplo), os
chamados tiques e a filtragem das emoções através do discurso (por exemplo,
a pessoa começa a usar nós ao invés de eu, evita olhar nos olhos do indagador
etc.). Além disso, outras manifestações típicas seriam a demora nas respostas,
a dilatação pupilar, a pouca espontaneidade dos gestos, a tosse seca, a
mudança no tom de voz, pigarros etc. Isso tudo corrobora as teorias
antropológicas que asseveram ser o corpo uma fonte de informações – rica tanto
quanto o rosto – para se detectar o embuste.

No que tange às influências do ambiente social sobre o psiquismo dos


indivíduos, fenômeno assaz interessante para compreender que muitas vezes a
“inverdade” nos tribunais é involuntária, faz-se necessário apresentar alguns
aspectos da Teoria do Interacionismo Simbólico, paradigma psicossocial que

29
sustenta que as avaliações e gostos subjetivos são, em grande medida,
influenciados pela cultura, não existindo, em nenhum campo da ação humana,
neutralidade absoluta.

Nos Estados Unidos da década de 1930, o interacionismo foi iniciado pelo


sociólogo George Herbert Mead, que rezava que psicólogos e cientistas sociais
investigassem a linguagem não como um sistema fechado e abstrato – como
postulavam os funcionalistas mas no seu uso cotidiano. A partir desse
paradigma, Decaire (1998) se preocupa com as influências dos atributos sociais
das pessoas (ser branco ou negro, jovem ou idoso, homem ou mulher etc.) nas
sentenças emitidas a partir dos tribunais do júri.

Ele defende que o corpo de jurados, enquanto grupo (ainda que provisório
e constituído ad hoc) é sujeito a ser influenciado por estereótipos, manipulações
e outras interferências que venham enviesar a apreensão de informações
realmente relevantes sobre o caso e sobre o réu. Pesquisas vêm demonstrando
que juízes e jurados têm discordado do veredicto em aproximadamente 20% dos
casos. Ademais, é comprovado que os jurados podem, consciente ou
inconscientemente, lançar mão de certo número de dados externos à questão
propriamente dita no intuito de elaborar seus pareceres. Isso foi descoberto após
estudos psicológicos terem aventado a possibilidade de fatores socioculturais de
jurados, juízes, réus e advogados estarem manipulando, indiretamente, o
processo de julgamento.

No que respeita às questões étnicas, por exemplo, dois padrões de


interferências foram detectados nos Estados Unidos:

1- indivíduos brancos têm apresentado maior propensão em atribuir


culpa a réus negros especialmente nos casos em que a vítima também é branca;
2- indivíduos negros não mostraram viés “racializado”; contudo,
apresentam forte tendência contra crimes intra-raciais, isto é, quando criminoso
e vitimado são da mesma “raça”. Assim, réus negros são severamente mais
julgados, quer por negros quer por brancos, embora por motivos diferentes.

Outro dado concreto que corrobora tal hipótese é que nos estados
sulistas dos Estados Unidos, onde existe pena de morte para o estupro seguido
de assassinato, sentenciados negros cujas vítimas eram brancas foram

30
condenados dezoito vezes mais do que qualquer outra combinação étnica:
acusado branco e vítima branca, acusado negro e vítima negra e acusado branco
e vítima negra. Também nas questões que envolvem classe social algum viés
aparece: em geral o júri concede penas mais severas a acusados com status
social mais baixo.

Em relação às características pessoais, estudos apontam que os réus


tidos como cordiais, educados, amáveis, cultos e serenos (ou que assim se
apresentam) são, em média, mais bem tratados do que aqueles considerados
rudes, feios e brutos. A partir disso, parece claro que as peculiaridades
sociopsicológicas dos acusados influenciam a opinião das pessoas que
participam de júris. Em situações extremas, um ou outro jurado pode chegar a
sentir simpatia pelo réu (DECAIRE, 1998). Quando os jurados tomam
conhecimento de que o acusado sofreu ao ser preso ou na detenção provisória,
a pena indicada também tende a ser mais branda. No que concerne às
características sociopsicólogicas dos jurados, pesquisas testificam que, via de
regra, estas também são relevantes na determinação da pena.

Assim, o grau de autoritarismo, a crença em fortes componentes internos


de controle da ação humana e a expectativa de “um mundo melhor” interferem
sobremaneira no processo de julgamento. Sujeitos com esse perfil de
pensamento são, freqüentemente, mais severos no veredicto, principalmente se
o julgado em questão vier de classe social mais baixa. Decaire (1998) sublinha
que pesquisas experimentais apontam que os jurados que acreditam no controle
interno da conduta como sendo o principal “freio” do ser humano são mais rígidos
que aqueles que consideram os fatores externos (polícia, leis etc.) como sendo
os principais reguladores das ações das pessoas em sociedade.

Certamente esse fato se deve a um fenômeno psicólogo típico,


amplamente explanado pela Psicanálise freudiana: a projeção. Tais julgadores
aplicam nos outros a visão que têm de si mesmos, acham que todos podem ser
indivíduos que conseguem, efetivamente se o quiserem, domar seus impulsos e
manter sua responsabilidade sobre as próprias ações e, a partir daí, avaliam
positiva ou negativamente o comportamento das outras pessoas.

31
Outro ponto a ressaltar é que os jurados que têm fé num mundo melhor
estão mais predispostos a sustentar que as vítimas “respeitáveis” não mereciam,
sob nenhuma hipótese, ter sofrido o que sofreram, ao passo que crêem,
sutilmente, que as pessoas rotuladas como denegridas (prostitutas, por
exemplo) de certo modo procuram ser vitimadas ou tornam isso fácil. Skolnick
(apud DECAIRE, 1998) sugere que uma maior tendência à culpabilização e sua
contrapartida, ao inocentamento, varia quando os jurados participam ou
assistem a um crime considerado leve ou bárbaro, alternadamente. Dessa
forma, quando primeiro fazem parte de um veredicto sobre estupro, por exemplo,
posteriormente tendem a julgar um simples delito de vandalismo de maneira
bastante rigorosa. Já com outro grupo de jurados, submetido a um experimento
oposto, ocorreu o contrário, ou seja, eles aplicaram uma pena um pouco mais
branda do que deveria ser para um caso considerado grave após terem
deliberado sobre uma “mera” baderna em espaço público.

Os psicólogos também são consensuais em admitir que a exposição de


certos julgamentos na mídia faz com que alguns jurados cheguem ao tribunal
com avaliações um tanto quanto preconcebidas a respeito de outros casos
semelhantes. Conseqüentemente, “[...] esta primeira impressão influencia todas
as informações subseqüentes, provavelmente levando à aceitação de dados
questionáveis no que se refere à culpabilidade”. (DECAIRE, 1998, p. 13,
tradução nossa) .

É sabido também que alguns atributos dos advogados de defesa, tais


como serenidade ou persuasividade, podem intervir no tribunal do júri. Em um
teste, por exemplo, o advogado de um acusado de estupro para certos grupos
foi um homem e foi uma mulher para outros grupos. Nessa segunda situação, a
absolvição do réu aconteceu em 71% das provas, sendo que tal aconteceu
apenas 49% das vezes quando o advogado era do sexo masculino.
Inconscientemente as pessoas podem associar que jamais uma mulher
defenderia um estuprador, caso ele não fosse realmente inocente. Nesse
contexto, não foi importante o que advogada disse, mas sim o próprio fato de
que diga alguma coisa em favor do acusado (por mais machista que isso possa
soar, o inconsciente coletivo funciona dessa maneira, a partir do óbvio).

32
Já a teoria da Psicologia social sobre grupos prediz que quando os
membros de um júri discutem entre si suas visões, vagamente parecidas umas
com as outras, isso pode favorecer que uma sólida posição única surja daí,
reforçando a decisão comum de todos e, habitualmente, tal opinião pode chegar
a níveis exagerados. Myers e Kaplan (apud DECAIRE, 1998) investigaram este
tema a polarização grupal e argumentaram que a deliberação judicial em grupo
tem seus benefícios: favorece que os estereótipos se enfraqueçam.

O único modo verdadeiramente eficiente para diminuir a parcialidade é


instruir os jurados sobre o fato de que aspectos irrelevantes do réu podem
contaminar suas considerações desfavoravelmente e tornar o processo injusto.

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REFERÊNCIAS

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Século XXI. Versão 3.0. Editora Nova Fronteira & Lexikon Informática, 1999.

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