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JULGADOS – DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL

A causa de aumento prevista no art. 302, § 1°, II, do Código de Trânsito Brasileiro não exige que o agente esteja trafegando
na calçada, sendo suficiente que o ilícito ocorra nesse local
Resumo do julgado
No presente caso, o recorrente transitava pela via pública e, ao efetuar manobra, perdeu o controle do veículo subindo na calçada e
atropelando as vítimas. Alegou-se que a causa de aumento de pena deve estar dirigida aos casos em que o motorista sabe que,
transitando pela calçada, deve ter maior atenção aos pedestres, e se não aplicando àqueles em que, ao perder o controle do veículo
na rua, termina por atingir pedestre na calçada por mero infortúnio, cuja previsibilidade não era possível antever.
Ocorre que, sobre o tema, a doutrina leciona que "o aumento previsto no art. 302, parágrafo único, II, do Código de Trânsito
Brasileiro será aplicado tanto quando o agente estiver conduzindo o seu veículo pela via pública e perder o controle do veículo
automotor, vindo a adentrar na calçada e atingir a vítima, como quando estiver saindo de uma garagem ou efetuando qualquer
manobra e, em razão de sua desatenção, acabar por colher o pedestre".
Nesse contexto, a norma não exige que o agente esteja trafegando na calçada, sendo suficiente que o ilícito ocorra nesse local, o que
reveste a conduta de maior reprovabilidade, pois vem atingir o pedestre em lugar presumidamente seguro. STJ. AgRg nos EDcl no
REsp 1.499.912-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 05/03/2020, DJe 23/03/2020. (Info 668)

A majorante de grave dano à coletividade, tratando-se de tributos estaduais ou municipais, é objetivamente aferível pela
admissão na Fazenda local de crédito prioritário ou destacado (como grande devedor)
Resumo do julgado
A controvérsia cinge-se a saber qual parâmetro deve ser adotado para a aplicação da causa de aumento prevista no art. 12, I, da Lei
n. 8.137/1990 para tributos estaduais ou municipais. Para aplicar a majorante do grave dano à coletividade em relação a tributos
federais adota-se, analogamente, para tributos federais o critério já administrativamente aceito na definição de créditos prioritários,
critério fixado pelo art. 14, caput, da Portaria n. 320/PGFN. Tratando-se de tributos estaduais ou municipais, porém, o critério para
caracterização do grave dano à coletividade deve ser, por equivalência, aquele definido como prioritário ou de destacados créditos
(grandes devedores) para a fazenda local. Destaca-se que tratando-se de crime, o dano tributário deve considerar todos acréscimos
legais (juros, multa, etc.), pois incidentes obrigatoriamente pela falta de cumprimento da obrigação legal de recolhimento adequado
e tempestivo dos tributos. REsp 1.849.120-SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Terceira Seção, por maioria, julgado em 11/03/2020, DJe
25/03/2020. (Info 668)

Configura o crime de peculato-desvio o fomento econômico de candidatura à reeleição por Governador de Estado com o
patrimônio de empresas estatais
Resumo do julgado
Governador do Estado que desvia grande soma de recursos públicos de empresas estatais, utilizando esse dinheiro para custear sua
campanha de reeleição, pratica o crime de peculato-desvio.
As empresas estatais gozam de autonomia administrativa e financeira. Mesmo assim, pode-se dizer que o Governador tem a posse
do dinheiro neste caso?
É possível. Isso porque a posse necessária para configuração do crime de peculato deve ser compreendida não só como a
disponibilidade direta, mas também como disponibilidade jurídica, exercida por meio de ordens.
STJ. 5ª Turma. REsp 1776680-MG, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 11/02/2020 (Info 666).
Imagine a seguinte situação adaptada:
Eduardo, na condição de Governador do Estado, desviou grande soma de recursos públicos de sociedades de economia mista,
utilizando esse dinheiro para custear sua campanha de reeleição.
O Ministério Público ofereceu denúncia contra Eduardo afirmando que esta conduta configurou a prática do crime de peculato-
desvio, previsto no art. 312, segunda parte, do Código Penal:
Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a
posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

A defesa argumentou que não houve peculato-desvio. Isso porque, no seu entendimento, o réu, na condição de Governador do
Estado, não tinha a posse direta ou indireta dos valores pertencentes às empresas estatais.
Alegou que as entidades da administração indireta, dotadas de personalidade e de patrimônios próprios, eram geridas de forma
autônoma e desvinculada das ordens emanadas pelo Governo do Estado.

O STJ concordou com a tese da defesa?


NÃO. O STJ refutou os argumentos da defesa e entendeu que a conduta configura sim peculato-desvio.
Posse, para fins de peculato, pode abranger a mera disponibilidade jurídica
A posse necessária para configuração do crime de peculato deve ser compreendida não só como a disponibilidade direta, mas
também como disponibilidade jurídica, exercida por meio de ordens.
Essa conclusão está amparada na lição da doutrina, segundo a qual a “posse, a que se refere o texto legal, deve ser entendida em
sentido amplo, compreendendo a simples detenção, bem como a posse indireta (disponibilidade jurídica sem detenção material, ou
poder de disposição exercível mediante ordens, requisições ou mandados” (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, v. 9,
p. 339, apud NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal. Parte Especial: arts. 213 a 361 do Código Penal. Vol. 3. Rio de
Janeiro: Forense, 2017, p. 467).
Existem outros julgados do STJ no mesmo sentido:
O conceito de ‘posse’ de que cuida o artigo 312 do Código Penal tem sentido amplo e abrange a disponibilidade jurídica do bem, de
modo que resta configurado o delito de peculato na hipótese em que o funcionário público apropria-se de bem ou valor, mesmo que
não detenha a sua posse direta.
Pratica o delito de peculato o Delegado da Polícia Federal que obtém em proveito próprio quantia em espécie em posto de combustível
com o qual a Superintendência Regional havia celebrado convênio para abastecimento de viaturas, sendo irrelevante que o réu não
detivesse a posse direta do valor apropriado se possuía a disponibilidade jurídica do valor, dado que era ele que emitia as requisições de
abastecimento.
STJ. 6ª Turma. REsp 1695736/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 08/05/2018.
Também é o entendimento do STF:
No peculato-desvio, exige-se que o servidor público se aproprie de dinheiro do qual tenha posse direta ou indireta, ainda que
mediante mera disponibilidade jurídica.
STF. Plenário. Inq 2966, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 15/05/2014.

Voltando ao caso concreto


Ficou comprovado nos autos que o réu, enquanto Governador, exercia plena ingerência nas empresas do Estado, impondo a
autoridade de seu cargo sobre os respectivos dirigentes. Assim, a autonomia gerencial que existia, em tese, nas entidades da
administração indireta não representava óbice para que o Governador tivesse, na prática, acesso e o controle fático sobre os recursos
das estatais.
Desse modo, ficou comprovado que o réu tinha a disponibilidade jurídica dos valores, a qual era exercida por meio de ordens, já que
possuía concreta autoridade sobre os dirigentes das estatais, os quais acatavam as determinações dele advindas, demonstrado está
que ele, na condição de funcionário público, tinha a posse do dinheiro desviado, o que configura o delito de peculato-desvio.
Em suma:
Configura o crime de peculato-desvio o fomento econômico de candidatura à reeleição por Governador de Estado com o
patrimônio de empresas estatais.
STJ. 5ª Turma. REsp 1.776.680-MG, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 11/02/2020 (Info 666).

A qualificadora do meio cruel é compatível com o dolo eventual


Resumo do julgado
Não há incompatibilidade entre o dolo eventual e o reconhecimento do meio cruel, na medida em que o dolo do agente, direto ou
indireto, não exclui a possibilidade de a prática delitiva envolver o emprego de meio mais reprovável, como veneno, fogo,
explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel (art. 121, § 2º, III, do CP).
Caso concreto: réu atropelou o pedestre e não parou o veículo, arrastando a vítima por 500 metros, assumindo, portanto, o risco de
produzir o resultado morte; mesmo tendo havido dolo eventual, deve-se reconhecer também a qualificadora do meio cruel prevista
no art. 121, § 2º, III, do CP.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1573829/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 09/04/2019.
STJ. 6ª Turma. REsp 1829601-PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 04/02/2020 (Info 665).
Imagine a seguinte situação adaptada:
João, com habilitação suspensa, conduzia uma caminhonete e, ao desrespeitar a preferência, atropelou um pedestre que vinha
atravessando a rua na faixa.
Após atingir a vítima, as pessoas que estavam no local começaram a gritar que o pedestre ainda estava preso no veículo, mas ele
acelerou ainda mais para fugir e, com isso, arrastou a vítima por aproximadamente 500 metros, tendo assim assumido e consentido
com o risco de produzir o resultado morte do pedestre.
As provas revelaram que o réu tinha conhecimento do atropelamento, pois o acidente ocorreu pela manhã, em plena luz do dia,
estava com os vidros abertos, tendo visto que as testemunhas faziam inúmeros sinais para parar e gritavam, mas mesmo assim ele
fugiu em alta velocidade, arrastando a vítima. Tal atitude do réu revela, ao menos, indícios de que o réu agiu sem qualquer
preocupação com o estado da vítima, arrastando-a por algumas quadras, de forma que assumiu o risco de produzir o resultado morte.
O juiz concluiu, portanto, que ele agiu com dolo eventual e João foi pronunciado.

Houve, no entanto, um debate jurídico que chegou até o STJ: é possível imputar ao agente a qualificadora do meio cruel (inciso
III do § 2º do art. 121 do Código Penal)? O meio cruel é compatível com o dolo eventual?
SIM.
A qualificadora do meio cruel é compatível com o dolo eventual.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.829.601-PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 04/02/2020 (Info 665).

O dolo do agente, seja direto ou indireto, não exclui a possibilidade de o homicídio ter sido praticado com o emprego de meio mais
reprovável, como é o caso do meio cruel, previsto no art. 121, § 2º, III, do CP.
Nesse sentido:
Inexiste incompatibilidade entre o dolo eventual e o reconhecimento do meio cruel para a consecução da ação, na medida em que o
dolo do agente, direto ou indireto, não exclui a possibilidade de a prática delitiva envolver o emprego de meio mais reprovável,
como veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel (art. 121, § 2º, inciso III, do CP).
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1573829/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 09/04/2019.
Assim, é admitida a incidência da qualificadora do meio cruel, relativamente ao fato de a vítima ter sido arrastada por cerca de 500
metros, presa às ferragens do veículo, ainda que já considerado o reconhecimento do dolo eventual, na sentença de pronúncia.

Cuidado para não confundir:


Dolo eventual NÃO é compatível com qualificadora de traição, emboscada, dissimulação
O dolo eventual não se compatibiliza com a qualificadora do art. 121, § 2º, IV (traição, emboscada, dissimulação).
STF. 2ª Turma. HC 111.442/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 28/8/2012 (Info 677).
STJ. 6ª Turma. REsp o/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 05/04/2018.

A materialidade do delito de incêndio deve ser comprovada, em regra, mediante exame de corpo de delito, podendo ser
suprida por outros meios caso haja uma justificativa para a não realização do laudo pericial
Resumo do julgado
A materialidade do delito de incêndio (art. 250, § 1º, I, do CP), cuja prática deixa vestígios, deve ser comprovada, em regra,
mediante exame de corpo de delito, nos termos do art. 158 do CPP.
Existe até uma previsão específica para o caso do crime de incêndio:
Art. 173. No caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que dele tiver resultado
para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação
do fato.
Vale ressaltar, no entanto, que a substituição do exame pericial por outros meios de prova é possível em hipóteses excepcionais
quando desaparecidos os sinais ou as circunstâncias não permitirem a realização do laudo, conforme autoriza o art. 167 do CPP.
Para que a utilização de outros meios de prova seja válida, é necessário que se demonstre que houve uma justificativa para a não
realização do laudo pericial.
Em um caso concreto, o STF entendeu que essa utilização estava justificada. Isso porque o réu, mesmo após ser orientado pelo
Corpo de Bombeiros a registrar, imediatamente, ocorrência policial e solicitar perícia técnica ao Instituto de Criminalística,
permaneceu inerte durante sete dias. A não elaboração da perícia oficial ocorreu, portanto, em razão do desaparecimento dos
vestígios do crime, considerada a demora em registrar a ocorrência e a falta de preservação do local. Por essa razão a materialidade
do delito foi demonstrada pela prova testemunhal, corroborada por cópias da apólice do seguro, aviso de sinistro, ocorrência
policial, relatório de regulação de sinistros, fotografias, laudos de averiguação e pelo laudo elaborado pela seguradora. Levando em
conta a justificada inviabilidade da elaboração do exame de corpo de delito e a demonstração da materialidade do crime por outros
meios de prova, foi correta a aplicação do art. 167 do CPP no presente caso.
STF. 1ª Turma. HC 136964/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 18/2/2020 (Info 967).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João era proprietário de um imóvel comercial (loja).
Ocorreu um incêndio neste imóvel.
O Corpo de Bombeiros foi acionado, no entanto, mesmo assim ocorreu a destruição total das mercadorias que estavam ali estocadas.
O oficial do Corpo de Bombeiros que atendeu a ocorrência, após controlar o fogo, avisou a João que ele deveria registrar, imediatamente,
ocorrência policial e solicitar perícia técnica ao Instituto de Criminalística.
Apesar dessa advertência, João só tomou essas providências sete dias depois do incêndio.
Como demorou muito para registrar a ocorrência e como não houve preservação do local, os peritos do Instituto de Criminalística
não conseguiram fazer a perícia.
O imóvel estava segurado e João acionou a seguradora para receber a indenização securitária.
A seguradora fez uma perícia própria, que apontou que o incêndio teria sido proposital (criminoso).
Com base nisso e no restante do conjunto probatório, João foi denunciado e condenado pelo crime do art. 250, § 1º, I, do Código
Penal:
Incêndio
Art. 250. Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem:
Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.
Aumento de pena
§ 1º - As penas aumentam-se de um terço:
I - se o crime é cometido com intuito de obter vantagem pecuniária em proveito próprio ou alheio;
(...)
Alegação de ilegalidade do laudo elaborado pela seguradora
O réu impetrou habeas corpus alegando que a condenação seria ilegal, considerando que teria sido baseada em prova inidônea. Isso
porque o laudo elaborado pela seguradora (vítima) não poderia ter sido utilizado como fonte probatória.
Para a defesa, o art. 250 do CP é crime que deixa vestígios e, portanto, a sua materialidade somente poderia ser comprovada
mediante exame de corpo de delito:
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-
lo a confissão do acusado.
Além disso, a defesa argumentou que a suposta demora do réu em comunicar a ocorrência à autoridade policial não teria valor
probatório e, portanto, não poderia ser utilizada contra o réu.
Desse modo, pediu a anulação da condenação imposta.

A tese da defesa foi acolhida pelo STF?


NÃO.

Laudo elaborado é prova documental


O laudo elaborado de forma unilateral (como foi o caso do laudo feito pela seguradora) não constitui prova pericial. Trata-se de
prova documental.
Logo, essa prova não precisava respeitar os requisitos previstos nos arts. 158 e seguintes do CPP.
Assim, o laudo produzido pela empresa seguradora vítima, por não se qualificar como perícia, não se trata de prova ilícita, podendo
ser utilizada no processo e valorado pelo Juízo.

Materialidade do crime do art. 250


A materialidade do delito versado no art. 250, § 1º, I, do CP, cuja prática deixa vestígios, deve ser comprovada, em regra, mediante
exame de corpo de delito, nos termos do art. 158 do CPP:
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-
lo a confissão do acusado.

Existe até uma previsão específica para o caso do crime de incêndio:


Art. 173. No caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que dele tiver resultado
para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação
do fato.
Vale ressaltar, no entanto, que a substituição do exame pericial por outros meios de prova é possível em hipóteses excepcionais,
quando desaparecidos os sinais ou as circunstâncias não permitirem a realização do laudo:
Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá
suprir-lhe a falta.
Para que a utilização de outros meios de prova seja válida, é necessário que se demonstre que houve uma justificativa para a não
realização do laudo pericial:
Nos delitos que deixam vestígios, a substituição do exame pericial por outros meios de prova somente é possível em hipóteses
excepcionais quando desaparecidos os sinais ou as circunstâncias não permitirem a realização do laudo (...)
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1750717/RS, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 05/02/2019.
No caso concreto houve uma justificativa para a não realização da perícia.
O réu, mesmo após ser orientado pelo Corpo de Bombeiros a registrar, imediatamente, ocorrência policial e solicitar perícia técnica
ao Instituto de Criminalística, permaneceu inerte durante sete dias.
A não elaboração da perícia oficial ocorreu, portanto, em razão do desaparecimento dos vestígios do crime, considerada a demora
em registrar a ocorrência e a falta de preservação do local.
Por essa razão a materialidade do delito foi demonstrada pela prova testemunhal, corroborada por cópias da apólice do seguro, aviso
de sinistro, ocorrência policial, relatório de regulação de sinistros, fotografias, laudos de averiguação e pelo laudo elaboradora pela
seguradora.
Levando em conta a justificada inviabilidade da elaboração do exame de corpo de delito e a demonstração da materialidade do crime por
outros meios de prova, foi correta a aplicação do art. 167 do CPP no presente caso.

Inércia do réu não foi considerada como prova contrária ao réu


O STF afirmou, ainda, que não é verdadeira a alegação de que foi atribuído valor probatório à omissão do réu em proceder,
oportunamente, ao registro da ocorrência.
O fato de a impossibilidade da realização do exame de prova pericial decorrer da inércia não significa que o réu tenha sido punido
pelo comportamento omissivo.
O réu não tinha uma obrigação legal de, em momento oportuno, comunicar a ocorrência à autoridade policial. Isso não significa,
contudo, que não se possa, em razão desse fato, utilizar outros meios de prova produzidos legitimamente, para se conseguir a
materialidade e a autoria do crime imputado.
Em suma:
Diante da ausência de exame de corpo de delito em virtude do fato de o dono do imóvel ter demorado muito para registrar a
ocorrência do incêndio e solicitar perícia técnica oficial, é possível suprir a realização de exame por outros meios de prova, nos
termos do art. 167 do CPP.
Assim, a materialidade do crime de incêndio (art. 250 do CP) pode ser comprovada pela prova testemunhal, corroborada por cópias
da apólice do seguro, aviso de sinistro, ocorrência policial, relatório de regulação de sinistros, fotografias, laudos de averiguação e
exame pericial.

Estelionato e competência no caso em que o prejuízo ocorreu em local diferente da obtenção da vantagem
Resumo do julgado
No caso em que a vítima, induzida em erro, efetuou depósito em dinheiro e/ou transferência bancária para a conta de terceiro
(estelionatário), a obtenção da vantagem ilícita ocorreu quando o estelionatário se apossou do dinheiro, ou seja, no momento em a
quantia foi depositada em sua conta.
STJ. 3ª Seção. CC 167.025/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 14/08/2019.
STJ. 3ª Seção. CC 169.053/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/12/2019.

Imagine a seguinte situação hipotética:


João, morador de Brasília (DF) viu um anúncio na internet que oferecia empréstimo “rápido e fácil”.
Ele entrou em contato com a pessoa que se identificou como Henrique.
João combinou de receber um empréstimo de R$ 70 mil, no entanto, para isso, ele precisaria depositar uma parcela de R$ 1 mil a
título de “custas” para a conta bancária de Henrique, vinculada a uma agência bancária localizada em São Paulo (SP).
João efetuou o depósito e, então, percebeu que se tratava de uma fraude porque nunca recebeu o dinheiro do suposto empréstimo.

Quem será competente para processar e julgar este crime de estelionato: o juízo da comarca de Brasília (onde foi feito o
depósito) ou o juízo da comarca de São Paulo (local onde o dinheiro foi recebido)?
O juízo da comarca de São Paulo.
No caso em que a vítima, induzida em erro, efetuou depósito em dinheiro e/ou transferência bancária para a conta de terceiro
(estelionatário), a obtenção da vantagem ilícita ocorreu quando o estelionatário se apossou do dinheiro, ou seja, no momento em a
quantia foi depositada em sua conta.
STJ. 3ª Seção. CC 167.025/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 14/08/2019.
STJ. 3ª Seção. CC 169.053/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/12/2019.
Nos termos do art. 70 do CPP, a competência será de regra determinada pelo lugar em que se consumou a infração e o estelionato,
crime tipificado no art. 171 do CP, consuma-se no local e momento em que é auferida a vantagem ilícita.
O prejuízo alheio, apesar de fazer parte do tipo penal, está relacionado à consequência do crime de estelionato e não à conduta
propriamente.
O núcleo do tipo penal é obter vantagem ilícita, razão pela qual a consumação se dá no momento em que os valores entram na esfera
de disponibilidade do autor do crime, o que somente ocorre quando o dinheiro ingressa efetivamente em sua conta corrente.

Não confundir:
• estelionato que ocorre por meio do saque (ou compensação) de cheque clonado, adulterado ou falsificado: a competência é do local
onde a vítima possui a conta bancária.
Isso porque, nesta hipótese, o local da obtenção da vantagem ilícita é aquele em que se situa a agência bancária onde foi sacado o
cheque adulterado, ou seja, onde a vítima possui conta bancária. Aplica-se o raciocínio da súmula 48 do STJ:
Súmula 48-STJ: Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato cometido
mediante falsificação de cheque.

• estelionato que ocorre quando a vítima, induzida em erro, se dispõe a fazer depósitos ou transferências bancárias para a conta de
terceiro (estelionatário): a competência é do local onde o estelionatário possui a conta bancária.
Isso porque, neste caso, a obtenção da vantagem ilícita ocorre quando o estelionatário efetivamente se apossa do dinheiro, ou seja,
no momento em que ele é depositado em sua conta.

Nesse sentido:
(...) 1. A jurisprudência da Terceira Seção desta Corte tem oscilado na solução dos conflitos que versam acerca de crime de
estelionato no qual a vítima é induzida a efetuar depósito ou transferência bancária em prol de conta bancária do beneficiário da
fraude.
2. Deve prevalecer a orientação que estabelece diferenciação entre a hipótese em que o estelionato se dá mediante cheque adulterado
ou falsificado (consumação no banco sacado, onde a vítima mantém a conta bancária), do caso no qual o crime ocorre mediante
depósito ou transferência bancária (consumação na agência beneficiária do depósito ou transferência bancária).
3. Se o crime de estelionato só se consuma com a efetiva obtenção da vantagem indevida pelo agente ativo, é certo que só há falar
em consumação, nas hipóteses de transferência e depósito, quando o valor efetivamente ingressa na conta bancária do beneficiário
do crime.
4. No caso, considerando que a vantagem indevida foi auferida mediante o depósito em contas bancárias situadas em São Paulo/SP,
a competência deverá ser declarada em favor daquele Juízo (suscitado). (...)
STJ. 3ª Seção. CC 169.053/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/12/2019.

A competência para julgar estelionato que ocorre mediante depósito ou transferência bancária é do local da agência
beneficiária do depósito ou transferência bancária (local onde se situa a agência que recebeu a vantagem indevida)
Resumo do julgado
Na hipótese em que o estelionato se dá mediante vantagem indevida, auferida mediante o depósito em favor de conta bancária de
terceiro, a competência deverá ser declarada em favor do juízo no qual se situa a conta favorecida.
No caso em que a vítima, induzida em erro, efetuou depósito em dinheiro e/ou transferência bancária para a conta de terceiro
(estelionatário), a obtenção da vantagem ilícita ocorreu quando o estelionatário se apossou do dinheiro, ou seja, no momento em a
quantia foi depositada em sua conta.
STJ. 3ª Seção. CC 167025/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 14/08/2019.
STJ. 3ª Seção. CC 169053-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/12/2019 (Info 663).

Não confundir:
• estelionato que ocorre por meio do saque (ou compensação) de cheque clonado, adulterado ou falsificado: a competência é do local
onde a vítima possui a conta bancária. Isso porque, nesta hipótese, o local da obtenção da vantagem ilícita é aquele em que se situa a
agência bancária onde foi sacado o cheque adulterado, ou seja, onde a vítima possui conta bancária. Aplica-se o raciocínio da
súmula 48 do STJ (Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato cometido
mediante falsificação de cheque.)
• estelionato que ocorre quando a vítima, induzida em erro, se dispõe a fazer depósitos ou transferências bancárias para a conta de
terceiro (estelionatário): a competência é do local onde o estelionatário possui a conta bancária. Isso porque, neste caso, a obtenção
da vantagem ilícita ocorre quando o estelionatário efetivamente se apossa do dinheiro, ou seja, no momento em que ele é depositado
em sua conta.
Imagine a seguinte situação hipotética:
João, morador de Brasília (DF) viu um anúncio na internet que oferecia empréstimo “rápido e fácil”.
Ele entrou em contato com a pessoa que se identificou como Henrique.
João combinou de receber um empréstimo de R$ 70 mil, no entanto, para isso, ele precisaria depositar uma parcela de R$ 1 mil a
título de “custas” para a conta bancária de Henrique, vinculada a uma agência bancária localizada em São Paulo (SP).
João efetuou o depósito e, então, percebeu que se tratava de uma fraude porque nunca recebeu o dinheiro do suposto empréstimo.

Quem será competente para processar e julgar este crime de estelionato: o juízo da comarca de Brasília (onde foi feito o
depósito) ou o juízo da comarca de São Paulo (local onde o dinheiro foi recebido)?
O juízo da comarca de São Paulo.
Na hipótese em que o estelionato se dá mediante vantagem indevida, auferida mediante o depósito em favor de conta
bancária de terceiro, a competência deverá ser declarada em favor do juízo no qual se situa a conta favorecida.
No caso em que a vítima, induzida em erro, efetuou depósito em dinheiro e/ou transferência bancária para a conta de
terceiro (estelionatário), a obtenção da vantagem ilícita ocorreu quando o estelionatário se apossou do dinheiro, ou seja, no
momento em a quantia foi depositada em sua conta.
STJ. 3ª Seção. CC 167.025/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 14/08/2019.
STJ. 3ª Seção. CC 169.053-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/12/2019 (Info 663).

Nos termos do art. 70 do CPP, a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumou a infração e o estelionato,
crime tipificado no art. 171 do CP, que consuma-se no local e momento em que é auferida a vantagem ilícita.
O prejuízo alheio, apesar de fazer parte do tipo penal, está relacionado à consequência do crime de estelionato e não à conduta
propriamente.
O núcleo do tipo penal é obter vantagem ilícita, razão pela qual a consumação se dá no momento em que os valores entram na esfera
de disponibilidade do autor do crime, o que somente ocorre quando o dinheiro ingressa efetivamente em sua conta corrente.

Não confundir:
• estelionato que ocorre por meio do saque (ou compensação) de cheque clonado, adulterado ou falsificado: a competência é do local
onde a vítima possui a conta bancária.
Isso porque, nesta hipótese, o local da obtenção da vantagem ilícita é aquele em que se situa a agência bancária onde foi sacado o
cheque adulterado, ou seja, onde a vítima possui conta bancária. Aplica-se o raciocínio da súmula 48 do STJ:
Súmula 48-STJ: Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato cometido
mediante falsificação de cheque.
• estelionato que ocorre quando a vítima, induzida em erro, se dispõe a fazer depósitos ou transferências bancárias para a conta de
terceiro (estelionatário): a competência é do local onde o estelionatário possui a conta bancária.
Isso porque, neste caso, a obtenção da vantagem ilícita ocorre quando o estelionatário efetivamente se apossa do dinheiro, ou seja,
no momento em que ele é depositado em sua conta.
Nesse sentido:
(...) 1. A jurisprudência da Terceira Seção desta Corte tem oscilado na solução dos conflitos que versam acerca de crime de
estelionato no qual a vítima é induzida a efetuar depósito ou transferência bancária em prol de conta bancária do beneficiário da
fraude.
2. Deve prevalecer a orientação que estabelece diferenciação entre a hipótese em que o estelionato se dá mediante cheque adulterado
ou falsificado (consumação no banco sacado, onde a vítima mantém a conta bancária), do caso no qual o crime ocorre mediante
depósito ou transferência bancária (consumação na agência beneficiária do depósito ou transferência bancária).
3. Se o crime de estelionato só se consuma com a efetiva obtenção da vantagem indevida pelo agente ativo, é certo que só há falar
em consumação, nas hipóteses de transferência e depósito, quando o valor efetivamente ingressa na conta bancária do beneficiário
do crime.
4. No caso, considerando que a vantagem indevida foi auferida mediante o depósito em contas bancárias situadas em São Paulo/SP,
a competência deverá ser declarada em favor daquele Juízo (suscitado). (...)
STJ. 3ª Seção. CC 169.053/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/12/2019.
(...) nas hipóteses de estelionato no qual a vítima efetua pagamento ao autor do delito por meio de cheque, a competência para a
apuração do delito é do Juízo do local da agência bancária da vítima, porque a consumação se dá quando o cheque é descontado pelo
banco sacado. Já no caso de a vítima ter feito o pagamento mediante depósito bancário em dinheiro, como ocorreu no caso concreto,
a jurisprudência firmada nessa Corte entende que o delito consuma-se no local onde verificada a obtenção da vantagem indevida, ou
seja, no momento em que o valor entra na esfera de disponibilidade do autor do crime. (...)
STJ. 3ª Seção. CC 161.881/CE, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 13/03/2019.
Cuidado com o Jurisprudência em Teses
A tese 9 do Jurisprudência em Teses nº 84 do STJ afirma o seguinte:
9) O delito de estelionato é consumado no local em que se verifica o prejuízo à vítima.
Cuidado porque essa tese não pode ser tomada de forma absoluta e não se aplica, por exemplo, para a hipótese acima explicada.
Assim, no caso de estelionato que ocorre quando a vítima, induzida em erro, se dispõe a fazer depósitos ou transferências bancárias
para a conta de terceiro (estelionatário): a competência é do local onde o estelionatário possui a conta bancária.

O reconhecimento das qualificadoras da escalada e rompimento de obstáculo (previstas no art. 155, § 4º, I e II, do CP) exige
a realização do exame pericial, salvo nas hipóteses de inexistência ou desaparecimento de vestígios, ou ainda se as
circunstâncias do crime não permitirem a confecção do laudo
Resumo do julgado
Quanto à escalada, a jurisprudência do STJ entende que a incidência da qualificadora prevista no art. 155, § 4º, inciso II, do Código
Penal exige exame pericial, somente admitindo-se prova indireta quando justificada a impossibilidade de realização do laudo direito,
o que não restou explicitado nos autos.
STJ. 5ª Turma. HC 508.935/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 30/05/2019.

É imprescindível, para a constatação da qualificadora referente à escalada no crime de furto, a realização do exame de corpo de
delito, o qual pode ser suprido pela prova testemunhal ou outro meio indireto somente quando os vestígios tenham desaparecido por
completo ou o lugar se tenha tornado impróprio para a constatação dos peritos, o que não foi evidenciado nos autos.
STJ. 6ª Turma. HC 456.927/SC, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 12/03/2019.

O reconhecimento da qualificadora de rompimento de obstáculo exige a realização de exame pericial, o qual somente pode ser
substituído por outros meios probatórios quando inexistirem vestígios, o corpo de delito houver desaparecido ou as circunstâncias do
crime não permitirem a confecção do laudo.
Ainda que a presença da circunstância qualificadora esteja em consonância com a prova testemunhal colhida nos autos, mostra-se
imprescindível a realização de exame de corpo de delito, nos termos do art. 158 do CPP.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1814051/RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 07/11/2019.

No § 4º do art. 155, o Código Penal prevê espécies de furto qualificado.


Uma dessas hipóteses ocorre quando o agente pratica o furto por meio de escalada.
Art. 155 (...)
§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;

O que caracteriza o furto mediante escalada?


Haverá furto mediante escalada quando o agente utilizar alguma via (caminho) anormal para entrar ou sair do local onde será feita a
subtração.
Vale ressaltar que a escalada aqui não significa necessariamente subir em algum lugar.
O sentido de escalada, para os fins do art. 155, § 4º, II do CP é o de transpor um difícil obstáculo.
É necessário que o autor do furto tenha feito uso de esforço físico incomum (fora do ordinário) para vencer o obstáculo.
Assim, haverá furto qualificado mediante escalada se o agente transpuser um muro muito alto, mas também estará configurado o
delito se ele entrar no imóvel por um túnel subterrâneo construído para esse fim. Ex: no famoso “assalto ao Banco Central” do
Ceará, em que os ladrões fizeram um túnel subterrâneo, seria possível caracterizar essa conduta como furto qualificado mediante
escalada (art. 155, § 4º, II, do CP).
Para a caracterização da qualificadora é necessária perícia?
SIM. Em regra, a qualificadora do crime de furto mediante escalada exige o exame pericial para a sua comprovação, nos termos do
art. 158 do CPP:
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-
lo a confissão do acusado.
Vale ressaltar, no entanto, que se não for possível a realização da perícia, é possível que isso seja comprovado por outros meios de
provas que demonstrem a ocorrência da escalada. É o caso, por exemplo, de filmagem, fotos, testemunhos etc.
Pratica o crime de peculato-desvio o Governador que determina que os valores descontados dos contracheques dos
servidores para pagamento de empréstimo consignado não sejam repassados ao banco, mas sim utilizados para quitação de
dívidas do Estado
Resumo do julgado
O administrador que desconta valores da folha de pagamento dos servidores públicos para quitação de empréstimo consignado e não
os repassa a instituição financeira pratica peculato-desvio, sendo desnecessária a demonstração de obtenção de proveito próprio ou
alheio, bastando a mera vontade de realizar o núcleo do tipo.
Peculato-desvio é crime formal para cuja consumação não se exige que o agente público ou terceiro obtenha vantagem indevida
mediante prática criminosa, bastando a destinação diversa daquela que deveria ter o dinheiro.
Caso concreto: diversos servidores estaduais possuíam empréstimos consignados. Assim, todos os meses a Administração Pública
estadual fazia o desconto das parcelas do empréstimo da remuneração dos servidores e repassava a quantia ao banco que concedeu o
mútuo. Ocorre que o Governador do Estado determinou ao Secretário de Planejamento que continuasse a descontar mensalmente os
valores do empréstimo consignado, no entanto, não mais os repassasse ao banco, utilizando essa quantia para pagamento das dívidas
do Estado. Esta conduta configurou o crime de peculato-desvio (art. 312 do CP), gerando a condenação do Govenador, com a
determinação, inclusive, de perda do cargo (art. 92, I, do CP).
STJ. Corte Especial. APn 814-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
06/11/2019 (Info 664).

Empréstimo consignado
Uma prática muito comum entre os servidores públicos são os chamados “empréstimos consignados”.
O servidor público vai até o banco e consegue um empréstimo de forma mais fácil, rápida e com taxas de juros menores porque
aceita que as parcelas de pagamento deste mútuo sejam descontadas diretamente da sua remuneração.
Assim, no empréstimo consignado (também chamado de consignação em folha de pagamento), antes mesmo de a pessoa receber sua
remuneração/proventos, já há o desconto da quantia, o que é efetuado pelo próprio órgão ou entidade pagadora. Em outras palavras,
há um desconto direto no salário, remuneração ou aposentadoria.

Imagine agora a seguinte situação adaptada:


João, servidor público do Estado do Amapá, fez um empréstimo consignado e estava pagando regularmente a dívida.
Todos os meses a Secretaria de Administração e Planejamento, antes de depositar os vencimentos de João, descontava R$ 1.000,00
de sua remuneração e repassava ao banco que concedeu o empréstimo.
Assim como João, havia centenas de outros servidores públicos estaduais na mesma situação.
Ocorre que o Estado do Amapá atravessava uma grave crise financeira.
Diante disso, Antônio, Governador do Estado, teve uma ideia: resolveu usar o dinheiro que era descontado dos servidores para pagar
as dívidas da administração pública.
Em outras palavras, Antônio determinou ao Secretário de Administração e Planejamento que ele continuasse a descontar
mensalmente os valores do empréstimo consignado, no entanto, não mais os repassasse ao banco, utilizando essa quantia para
pagamento das dívidas do Estado.
No caso de João, por exemplo, todos os meses os R$ 1.000,00 continuaram sendo descontados de sua remuneração, no entanto, esse
dinheiro não era mais repassado ao banco.
Depois de algum tempo nessa situação, o banco, que não estava mais recebendo os pagamentos, incluiu João e os demais servidores
nos cadastros de devedores (SERASA, SPC etc.).
O Governador e o Secretário foram denunciados pela prática de peculato-desvio, delito tipificado na parte final do art. 312 do
Código Penal:
Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a
posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

Tese da defesa
Os réus alegaram que foram obrigados a fazer isso em virtude da grave crise mundial que abalou profundamente as finanças
públicas do Estado do Amapá.
Afirmam que houve uma drástica redução da receita estadual e que se não fossem adotadas medidas como a retenção do dinheiro
dos empréstimos consignados não poderiam fazer frente às despesas governamentais.
Argumentaram que o crime de peculato-desvio exige, além do dolo, a presença de elemento subjetivo especial consistente no fim
especial de agir em proveito próprio ou alheio.
Os recursos descontados dos contracheques dos servidores públicos estaduais, a título de empréstimos consignados, foram utilizados
para o pagamento da dívida do Estado. Logo, não seria possível afirmar que os réus tenham agido em proveito próprio ou alheio.

A tese da defesa foi acolhida pelo STJ?


NÃO. Não foi acolhida. Para a maioria dos Ministros, houve a prática do crime de peculato-desvio. Vejamos:

Materialidade
O peculato-desvio consuma-se no instante em que o funcionário público dá ao dinheiro ou valor destino diverso do previsto.
Vale ressaltar que a obtenção do proveito próprio ou alheio não é requisito para a consumação do crime:
“No caso de peculato-desvio, a consumação se concretiza quando o agente, traindo a confiança que lhe fora depositada, dá
à coisa destinação diversa daquela determinada pela Administração Pública, no intuito de beneficiar a si próprio ou a
terceiro. Não há necessidade, porém, de que o agente obtenha o proveito visado, bastando para a consumação que ocorra o
desvio.” (PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume II – Parte Especial. 16ª ed., São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2018, p. 783).
No caso, o crime consumou-se com a não transferência dos valores retidos na fonte.

Autoria
O peculato-desvio é um crime próprio. Isso porque somente pode ser praticado por funcionário público ou por pessoas a ele
legalmente equiparadas.
Deve-se esclarecer que, apesar de se tratar de crime próprio, o peculato admite a participação de indivíduos que não são funcionários
públicos. Assim, se uma pessoa, que não é funcionária pública, auxilia o funcionário público na prática do peculato-desvio, sabendo
dessa condição, responderá também pelo mesmo crime. Nesse sentido:
Jurisprudência em Teses STJ (ed. 57)
Tese 9: A elementar do crime de peculato se comunica aos coautores e partícipes estranhos ao serviço público.

Elemento subjetivo
O crime é punido a título de dolo.
O dolo aqui é a vontade livre e consciente de apropriar-se de coisa móvel pública ou particular ou de desviá-la.
O dolo ficou comprovado pela intenção de não repassar os valores descontados aos bancos, desviando a quantia para outras
finalidades.
Vale ressaltar que basta o dolo de desviar a quantia em proveito próprio ou de terceiro, ainda que não obtenha vantagem com sua
conduta:
Jurisprudência em Teses STJ (ed. 57)
Tese 11: A consumação do crime de peculato-desvio (art. 312, caput, 2ª parte, do CP) ocorre no momento em que o funcionário
efetivamente desvia o dinheiro, valor ou outro bem móvel, em proveito próprio ou de terceiro, ainda que não obtenha a vantagem
indevida.

Obtenção de vantagem não é requisito para consumação do crime


A consumação do crime de peculato-desvio ocorreu no momento em que houve a destinação diversa do dinheiro que estava sob a
posse do agente. Não importa que, ao final, não tenha havido a obtenção material de proveito próprio ou alheio.
Assim, a consumação, no caso em comento, deu-se com a falta de transferência dos valores retidos na fonte dos servidores ao banco
detentor do crédito. Com isso, houve a alteração do destino da aplicação dos referidos valores.
O Estado era mero depositário dos valores descontados dos contracheques de seus servidores, os quais pertenceriam ao banco. Desse
modo, os valores retidos não eram do Estado, não configurando receita pública. Eram verbas particulares não integrantes do
patrimônio público.

Crime formal
Peculato-desvio é crime formal para cuja consumação não se exige que o agente público ou terceiro obtenha vantagem indevida
mediante prática criminosa, bastando a destinação diversa daquela que deveria ter o dinheiro.
Na modalidade peculato-desvio, não se discute o deslocamento de verbas públicas em razão de gestão administrativa, mas o
deslocamento de dinheiro particular em posse do Estado. Assim, a consumação do crime não depende da prova do destino do
dinheiro ou do benefício obtido por agente ou terceiro.

Em suma:
O administrador que desconta valores da folha de pagamento dos servidores públicos para quitação de empréstimo
consignado e não os repassa a instituição financeira pratica peculato-desvio, sendo desnecessária a demonstração de
obtenção de proveito próprio ou alheio, bastando a mera vontade de realizar o núcleo do tipo.
STJ. Corte Especial. APn 814-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
06/11/2019 (Info 664).

Foi decretada a perda do cargo do Governador condenado?


SIM.
De acordo com o art. 92, I, do Código Penal:
Art. 92. São também efeitos da condenação:
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou
violação de dever para com a Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.
Importante relembrar que a perda do cargo não é decorrência automática da condenação, sendo imprescindível que o juiz
fundamente especificamente a decretação desse efeito extrapenal.
No caso concreto, o STJ considerou que é absolutamente incabível que o chefe do Poder Executivo de Estado da Federação
permaneça no cargo após condenação pela prática de crime cuja natureza jurídica está fundamentada no resguardo da probidade
administrativa.
Diante disso, o STJ decretou a perda do cargo.

Mesma posição do STF


Veja este precedente do STF no mesmo sentido, mas envolvendo Prefeito e servidores municipais:
(...) 1. Se o acusado, consciente e voluntariamente, se apropria de verbas cuja detenção se dá em razão do cargo que ocupa e se as
emprega em finalidade diversa daquelas a que se destinam, pratica o delito de peculato-desvio, desimportante não tenha o desvio se
dado em proveito próprio.
2. No caso sob exame, o Município é mero depositário das contribuições, descontadas dos contracheques de seus servidores para
pagamento de empréstimos consignados, as quais pertencem ao Banco.
3. Por outro lado, ao impedir a quitação das obrigações, o gestor ordena ou autoriza assunção de obrigação. No caso dos autos, sem
adimpli-la no mesmo exercício financeiro, nem deixar receita para quitação no ano seguinte, nos termos do artigo 359-C, do Código
Penal.
4. Nada obstante a crise financeira por que passava o Município, a contratação de pessoal e os repasses voluntários a instituições não
governamentais, impedem a configuração da dirimente de inexigibilidade de conduta diversa, a afastar o juízo de reprovação penal
da conduta.
4. Pretensão punitiva julgada procedente para condenar o acusado pela prática dos crimes previstos nos arts. 312, caput, e 359-C, na
forma dos arts. 29, 71 e 70, todos do Código Penal.
STF. 1ª Turma. AP 916, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 17/05/2016 (Info 826).
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No caso concreto, as verbas desviadas eram privadas, isto é, pertenciam aos servidores públicos.
A conduta do funcionário público que dá a verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei configura, em
princípio, outro crime, qual seja, o delito do art. 315 do CP:
Emprego irregular de verbas ou rendas públicas
Art. 315 - Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei:
Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.

Como tipificar o latrocínio se foi atingido um único patrimônio, mas houve pluralidade de mortes?
Resumo do julgado
Carlos e Luiza estão entrando no carro quando são rendidos por João, assaltante armado, que deseja subtrair o veículo. Carlos acaba
reagindo e João atira contra ele e Luiza, matando o casal. João foge levando o carro. Haverá dois crimes de latrocínio em concurso
formal de ou um único crime de latrocínio?
• STJ: concurso formal impróprio.
• STF e doutrina majoritária: um único crime de latrocínio.

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 534.618/MS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 22/10/2019.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1251035/SE, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 03/08/2017.
STF. 1ª Turma. RHC 133575/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 21/2/2017 (Info 855).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Carlos e Luiza, casal de namorados, estão entrando no carro quando são rendidos por João, assaltante armado que deseja subtrair o
veículo.
Carlos acaba reagindo e João atira contra ele e Luiza, matando o casal.
João foge levando o carro.
Repare que, na situação concreta, houve a subtração do patrimônio de uma única pessoa (carro de Carlos), mas ocorreram duas
mortes.
Diante disso, o Ministério Público alegou que João deveria responder por dois latrocínios em concurso formal. Além disso, para o
Parquet, trata-se de concurso formal impróprio, uma vez que o agente teria desígnios autônomos já que ele efetuou dois disparos de
arma de fogo, um contra cada vítima.
A defesa, por sua vez, alegou que houve um único crime de latrocínio.

Qual das duas teses é acolhida pela jurisprudência? Se há uma única subtração patrimonial, mas com dois resultados morte,
haverá concurso formal de latrocínios ou um único crime de latrocínio?
STJ: concurso formal STF e doutrina: um único crime de latrocínio
É pacífico na jurisprudência do STJ o entendimento de (...) 7. Caracterizada a prática de latrocínio consumado,
que há concurso formal impróprio no latrocínio quando em razão do atingimento de patrimônio único. 8. O
ocorre uma única subtração e mais de um resultado número de vítimas deve ser sopesado por ocasião da
morte, uma vez que se trata de delito complexo, cujos fixação da pena-base, na fase do art. 59 do CP. (...)
bens jurídicos tutelados são o patrimônio e a vida.
STF. 2ª Turma. HC 109539, Rel. Min. Gilmar Mendes,
STJ. 5ª Turma. HC 336.680/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 07/05/2013.
julgado em 17/11/2015.

(...) Segundo entendimento acolhido por esta Corte, a


Prevalece, no STJ, o entendimento no sentido de que, pluralidade de vítimas atingidas pela violência no crime
nos delitos de latrocínio - crime complexo, cujos bens de roubo com resultado morte ou lesão grave, embora
jurídicos protegidos são o patrimônio e a vida -, havendo único o patrimônio lesado, não altera a unidade do
uma subtração, porém mais de uma morte, resta crime, devendo essa circunstância ser sopesada na
configurada hipótese de concurso formal impróprio de individualização da pena (...)
crimes e não crime único.
STF. 2ª Turma. HC 96736, Rel. Min. Teori Zavascki,
STJ. 6ª Turma. HC 185.101/SP, Rel. Min. Nefi julgado em 17/09/2013.
Cordeiro, julgado em 07/04/2015.

Em suma:
• STJ: ocorrendo uma única subtração, porém com duas ou mais mortes, haverá concurso formal impróprio de latrocínios.
• STF: sendo atingido um único patrimônio, haverá apenas um crime de latrocínio, independentemente do número de pessoas
mortas. O número de vítimas deve ser levado em consideração na fixação da pena-base (art. 59 do CP). É a posição também da
doutrina majoritária.

Consumação do latrocínio
Sobre o latrocínio, é sempre bom relembrar em que momento ocorre a consumação:
O entendimento majoritário é o seguinte:
SUBTRAÇÃO MORTE LATROCÍNIO
Consumada Consumada Consumado
Tentada Tentada Tentado
Consumada Tentada Tentado
Tentada Consumada Consumado (Súmula 610-STF)
Súmula 610-STF: Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não se realize o agente a subtração de bens da
vítima.

Homem que beijou criança de 5 anos de idade, colocando a língua no interior da boca (beijo lascivo) praticou estupro de
vulnerável (art. 217-A do CP), não sendo possível a desclassificação para a contravenção penal de molestamento (art. 65 do
DL 3.668/41)
Resumo do julgado
Um homem beijou uma criança de 5 anos de idade, colocando a língua no interior da boca.
O STF entendeu que essa conduta caracteriza o chamado “beijo lascivo”, havendo, portanto, a prática do crime de estupro de
vulnerável, previsto no art. 217-A do Código Penal.
Não é possível desclassificar essa conduta para a contravenção penal de molestamento (art. 65 do Decreto-Lei nº 3.668/41).
Para determinadas idades, a conotação sexual é uma questão de poder, mais precisamente de abuso de poder e confiança. No caso
concreto, estão presentes a conotação sexual e o abuso de confiança para a prática de ato sexual. Logo, não há como desclassificar a
conduta do agente para a contravenção de molestamento (que não detém essa conotação sexual).
O art. 227, § 4º, da CF/88 exige que a lei imponha punição severa à violação da dignidade sexual da criança e do adolescente. Além
do mais, a prática de qualquer ato libidinoso diverso ou a conduta de manter conjunção carnal com menor de 14 anos se subsome,
em regra, ao tipo penal de estupro de vulnerável, restando indiferente o consentimento da vítima.
STF. 1ª Turma. HC 134591/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 1/10/2019 (Info
954).
Imagine a seguinte situação adaptada:
Um homem beijou uma criança de 5 anos de idade, colocando a língua no interior da boca.
Em virtude dessa conduta, chamada de “beijo lascivo”, ele foi denunciado e condenado, em 1ª instância, a 8 anos de reclusão, pela
prática do crime de estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A do Código Penal:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
Beijo lascivo é o beijo com a introdução da língua na boca da vítima, sendo considerado pela doutrina como ato libidinoso.
Na apelação criminal, o Tribunal de Justiça de São Paulo desqualificou o ato para a contravenção penal de molestamento, tipificada
no art. 65 da Lei de Contravenções Penais:
Art. 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável:
Pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.

O Ministério Público interpôs recurso especial e, no STJ, foi restabelecida a condenação proferida em 1ª instância (estupro de
vulnerável).
Diante disso, a defesa do condenado impetrou habeas corpus ao STF pedindo novamente a desclassificação para contravenção
penal. Argumentou-se que a pena é desproporcional à conduta, pois o ato praticado foi um único beijo em lugar próximo a outras
pessoas. De acordo com a defesa, não teria havido conotação sexual no beijo ou danos psicológicos permanentes à vítima.

O STF acolheu o pedido do condenado?


NÃO.
Para determinadas idades, a conotação sexual é uma questão de poder, mais precisamente de abuso de poder e confiança.
No caso concreto, estão presentes a conotação sexual e o abuso de confiança para a prática de ato sexual.
Logo, não há como desclassificar a conduta do agente para a contravenção de molestamento (que não detém essa conotação
sexual).
O art. 227, § 4º, da CF/88 exige que a lei imponha punição severa à violação da dignidade sexual da criança e do adolescente.
Além do mais, a prática de qualquer ato libidinoso diverso ou a conduta de manter conjunção carnal com menor de 14 anos
se subsome, em regra, ao tipo penal de estupro de vulnerável, restando indiferente o consentimento da vítima.
STF. 1ª Turma. HC 134591/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 1/10/2019 (Info
954).

O crime de assédio sexual pode ser caracterizado entre professor e aluno


Resumo do julgado
O crime de assédio sexual (art. 216-A do CP) é geralmente associado à superioridade hierárquica em relações de emprego, no
entanto pode também ser caracterizado no caso de constrangimento cometido por professores contra alunos.
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua
condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena – detenção, de 1 (um) a 2
(dois) anos.
Caso concreto: o réu, ao conversar com uma aluna adolescente em sala de aula sobre suas notas, teria afirmado que ela precisava de
dois pontos para alcançar a média necessária e, nesse momento, teria se aproximado dela e tocado sua barriga e seus seios.
STJ. 6ª Turma. REsp 1759135/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. p/ Acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em
13/08/2019 (Info 658).
Imagine a seguinte situação hipotética:
O professor, ao conversar com uma aluna adolescente em sala de aula sobre suas notas, teria afirmado que ela precisava de dois
pontos para alcançar a média necessária e, nesse momento, teria se aproximado dela e tocado sua barriga e seus seios.
O agente foi denunciado pela prática do crime de assédio sexual previsto no art. 216-A do CP:
Assédio sexual
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua
condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
A defesa alegou que o professor não é superior hierárquico em relação à aluna nem tem ascendência sobre ela decorrente de
emprego, cargo ou função. Logo, não se enquadraria nas elementares do tipo penal.

A tese da defesa foi acolhida pelo STJ?


NÃO.
O crime de assédio sexual (art. 216-A do CP) é geralmente associado à superioridade hierárquica em relações de emprego,
no entanto pode também ser caracterizado no caso de constrangimento cometido por professores contra alunos.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.759.135/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. p/ Acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em
13/08/2019 (Info 658).
Insere-se no tipo penal de assédio sexual a conduta de professor que, em ambiente de sala de aula, aproxima-se de aluna e, com
intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, toca partes de seu corpo (barriga e seios), por ser propósito do legislador penal
punir aquele que se prevalece de sua autoridade moral e intelectual - dado que o docente naturalmente suscita reverência e
vulnerabilidade e, não raro, alcança autoridade paternal - para auferir a vantagem de natureza sexual, pois o vínculo de confiança e
admiração criado entre aluno e mestre implica inegável superioridade, capaz de alterar o ânimo da pessoa constrangida.
É óbvio que existe uma “ascendência” neste caso, em virtude da “função” desempenhada pelo professor considerando que o docente
tem a atribuição e o poder de interferir diretamente na avaliação e no desempenho acadêmico do discente, contexto que lhe gera,
inclusive, o receio da reprovação. Logo, a “ascendência” constante do tipo penal não deve se limitar à ideia de relação empregatícia
entre as partes. É necessário fazer uma interpretação teleológica do texto legal.

Não é possível desclassificar crime de estupro de vulnerável para o delito de importunação sexual
Resumo do julgado
Não é possível a desclassificação da figura do estupro de vulnerável (art. 217-A do CP) para o crime do art. 215-A do CP
(importunação sexual).
Isso porque o tipo penal do art. 215-A é praticado sem violência ou grave ameaça e o delito do art. 217-A inclui a presunção
absoluta de violência ou grave ameaça, por se tratar de menor de 14 anos.
STJ. 3ª Seção. AgRg na RvCr 4.969/DF, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 26/06/2019.

O STJ afirma que não é possível a desclassificação da figura do estupro de vulnerável para o art. 215-A do Código Penal, uma vez
que referido tipo penal é praticado sem violência ou grave ameaça, e o tipo penal do art. 217-A do Código Penal inclui a presunção
absoluta de violência ou grave ameaça, por se tratar de menor de 14 anos.

São considerados funcionários públicos para fins penais


Resumo do julgado
Diretor de organização social
STF. 1ª Turma. HC 138484/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/9/2018 (Info 915).

Administrador de Loteria
STJ. 5ª Turma. AREsp 679.651/RJ, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 11/09/2018.

Advogados dativos
STJ. 5ª Turma. HC 264.459-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/3/2016 (Info 579).

Médico de hospital particular credenciado/conveniado ao SUS (após a Lei 9.983/2000)


STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1101423/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 06/11/2012.

Estagiário de órgão ou entidade públicos


STJ. 6ª Turma. REsp 1303748/AC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 25/06/2012.

O Código Penal prevê diversos crimes que são praticados por “funcionários públicos” contra a Administração em geral (arts. 312 a
326).
Repare que o CP utilizou a nomenclatura “funcionário público” e não “servidor público” ou “agente público”, expressões que são
atualmente preferidas pelo Direito Administrativo.
A fim de que não houvesse muita dúvida sobre o que é funcionário público, o Código Penal resolveu conceituar essa expressão no
art. 327.
No caput, há o conceito padrão de funcionário público e no § 1º o chamado “funcionário público por equiparação”:
Funcionário público
Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce
cargo, emprego ou função pública.
§ 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para
empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.
(...)

É considerado “funcionário público” para fins penais:


Diretor de organização social
O diretor de organização social pode ser considerado funcionário público por equiparação para fins penais (art. 327, § 1º do CP). As
organizações sociais que celebram contratos de gestão com o Poder Público são consideradas “entidades paraestatais”.
STF. 1ª Turma. HC 138484/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/9/2018 (Info 915).

Administrador de Loteria
Administrador de Loteria é equiparado a funcionário público para fins penais porque a Loteria executa atividade típica da
Administração Pública que lhe foi delegada por regime de permissão.
STJ. 5ª Turma. AREsp 679.651/RJ, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 11/09/2018.

Advogados dativos
O advogado que, por força de convênio celebrado com o Poder Público, atua de forma remunerada em defesa dos hipossuficientes
agraciados com o benefício da assistência judiciária gratuita, enquadra-se no conceito de funcionário público para fins penais. Sendo
equiparado a funcionário público, é possível que responda por corrupção passiva (art. 317 do CP).
STJ. 5ª Turma. HC 264.459-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/3/2016 (Info 579).

Médico de hospital particular credenciado/conveniado ao SUS (após a Lei 9.983/2000)


Depois da Lei nº 9.983/2000, que alterou o § 1º do art. 327 do CP, o médico credenciado ao SUS pode ser equiparado a funcionário
público para efeitos penais.
Vale ressaltar, no entanto, que a Lei nº 9.983/2000 não pode retroceder alcançar situações praticadas antes de sua vigência.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1101423/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 06/11/2012.
Estagiário de órgão ou entidade públicos
Estagiário de órgão público que, valendo-se das prerrogativas de sua função, apropria-se de valores subtraídos do programa bolsa-
família subsume-se perfeitamente ao tipo penal descrito no art. 312, § 1º, do Código Penal (peculato-furto), porquanto estagiário de
empresa pública ou de entidades congêneres se equipara, para fins penais, a servidor ou funcionário público, em decorrência do
disposto no art. 327, § 1º, do Código Penal.
STJ. 6ª Turma. REsp 1303748/AC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 25/06/2012.

Adulterar o sistema de medição da energia elétrica para pagar menos que o devido: estelionato (não é furto mediante
fraude)
Resumo do julgado
A alteração do sistema de medição, mediante fraude, para que aponte resultado menor do que o real consumo de energia elétrica
configura estelionato.
Ex: as fases “A” e “B” do medidor foram isoladas por um material transparente, que permitia a alteração do relógio fazendo com
que fosse registrada menos energia do que a consumida.
STJ. 5ª Turma. AREsp 1.418.119-DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 07/05/2019 (Info 648).

Cuidado para não confundir:


• agente desvia a energia elétrica por meio de ligação clandestina (“gato”): crime de FURTO (há subtração e inversão da posse do
bem).
• agente altera o sistema de medição para que aponte resultado menor do que o real consumo: crime de ESTELIONATO.

Imagine a seguinte situação hipotética:


João estava pagando muito pela energia elétrica e, olhando cuidadosamente o medidor, teve uma ideia. Ele resolveu isolar as fases
“A” e “B” do medidor com um material transparente (uma substância gelatinosa, tipo um “slime”). Isso fez com que o relógio
passasse a correr mais devagar do que o normal, registrando menos energia do que a efetivamente consumida.
A companhia de energia elétrica passou a desconfiar de erro na medição do relógio a partir da queda brusca ocorrida a partir de
determinado dia. Diante disso, os fiscais da empresa foram até o local e constataram a fraude.

Qual foi o crime praticado por João: FURTO ou ESTELIONATO?


Estelionato.
A alteração do sistema de medição, mediante fraude, para que aponte resultado menor do que o real consumo de energia
elétrica configura estelionato.
STJ. 5ª Turma. AREsp 1.418.119-DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 07/05/2019 (Info 648).

No furto, a fraude tem por objetivo diminuir a vigilância da vítima e possibilitar a subtração da coisa (inversão da posse). O bem é
retirado sem que a vítima perceba que está sendo despojada de sua posse. No estelionato, por sua vez, a fraude tem por finalidade
fazer com que a vítima incida em erro e voluntariamente entregue o objeto ao agente criminoso, baseada em uma falsa percepção da
realidade.
No exemplo acima, não se trata da figura do “gato” de energia elétrica, em que há subtração e inversão da posse do bem. Estamos a
falar em serviço lícito, prestado de forma regular e com contraprestação pecuniária, em que a medição da energia elétrica é alterada,
como forma de burla ao sistema de controle de consumo – fraude – por induzimento em erro, da companhia de eletricidade, que
mais se adequa à figura descrita no tipo elencado no art. 171, do Código Penal (estelionato).
Conforme ensina Rogério Greco:
“Aquele que desvia a corrente elétrica antes que ela passe pelo registro comete o delito de furto. É o que ocorre,
normalmente, naquelas hipóteses em que o agente traz a energia para sua casa diretamente do poste, fazendo aquilo que
popularmente é chamado de “gato”. A fiação é puxada, diretamente, do poste de energia elétrica para o lugar onde se quer
usá-la, sem que passe por qualquer medidor.
Ao contrário, se a ação do agente consiste, como adverte Noronha (NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal, v. 2, p.
232), ‘em modificar o medidor, para acusar um resultado menor do que o consumido, há fraude, e o crime é estelionato,
subentendido, naturalmente, o caso em que o agente está autorizado, por via de contrato, a gastar energia elétrica. Usa ele,
então, de artifício que induzirá a vítima a erro ou engano, com o resultado fictício, do que lhe advém vantagem ilícita’”
(GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 6ª ed., Niterói: Impetus, p. 557).

Tabela comparativa:
“Gato” Alteração do sistema de medição
O agente desvia a energia elétrica de sua fonte natural O agente altera o sistema de medição, mediante fraude,
por meio de ligação clandestina, sem passar pelo para que aponte resultado menor do que o real consumo.
medidor.
Trata-se de FURTO. Trata-se de ESTELIONATO.
No furto, a fraude tem por objetivo diminuir a vigilância A fraude tem por finalidade fazer com que a vítima
da vítima e possibilitar a subtração da coisa (inversão da incida em erro e, voluntariamente, entregue o objeto ao
posse). agente criminoso, baseada em uma falsa percepção da
realidade.
O bem é retirado sem que a vítima perceba que está
sendo despojada de sua posse. A concessionária sabe que está fornecendo energia
elétrica para aquele consumidor, mas a fraude faz com
A concessionária não sabe que está fornecendo energia
que ela não perceba que ele está pagando menos do que
elétrica para aquele indivíduo. Ele está desviando
deveria.
(subtraindo) a energia da rede.
Como o tema já caiu em concursos:
(Analista Judiciário - TRE-RN - FCC - 2011) Paulo fez uma ligação clandestina no relógio de seu vizinho e subtraiu energia elétrica
para a sua residência. Paulo cometeu o crime de furto (Certo).

NOVIDADE LEGISLATIVA (2019)


LEI 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME) - ALTERAÇÕES NO CÓDIGO PENAL
AÇÃO PENAL NO CRIME DE ESTELIONATO (ART. 171, § 5º, DO CP)
QUAL É A AÇÃO PENAL NO CASO DO CRIME DE ESTELIONATO?
Antes Depois da Lei nº 13.964/2019
Ação penal pública Em regra, é crime de ação penal pública condicionada à representação.
incondicionada
Exceções:
Será de ação penal incondicionada quando a vítima for:
a) a Administração Pública, direta ou indireta;
b) criança ou adolescente;
c) pessoa com deficiência mental; ou
d) maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.
Veja o § 5º inserido no art. 171 do CP:
Art. 171. (...)
§ 5º Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for:
I - a Administração Pública, direta ou indireta;
II - criança ou adolescente;
III - pessoa com deficiência mental; ou
IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.

Cliente pode ser punido sozinho pelo art. 218-B do CP; a vulnerabilidade é relativa; o tipo penal não exige habitualidade,
comportando a aplicação da continuidade delitiva
Resumo do julgado
O “cliente” pode ser punido sozinho, ou seja, mesmo que não haja um proxeneta. Assim, ainda que o próprio cliente tenha
negociado o programa sem intermediários, haverá o crime
Nos termos do art. 218-B do Código Penal, são punidos tanto aquele que capta a vítima, inserindo-a na prostituição ou outra forma
de exploração sexual (caput), como também o cliente do menor prostituído ou sexualmente explorado (§ 1º).
STJ. 5ª Turma. HC 371633/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 19/03/2019 (Info 645).

A vulnerabilidade no caso do art. 218-B do CP é relativa


No art. 218-B do Código Penal não basta aferir a idade da vítima, devendo-se averiguar se o menor de 18 (dezoito) anos ou a pessoa
enferma ou doente mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou por outra causa não pode oferecer
resistência.
STJ. 5ª Turma. HC 371633/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 19/03/2019 (Info 645).
O tipo penal não exige habitualidade. Basta um único contato consciente com a adolescente submetida à prostituição para que se
configure o crime
O crime previsto no inciso I do § 2º do art. 218 do Código Penal se consuma independentemente da manutenção de relacionamento
sexual habitual entre o ofendido e o agente. Em outras palavras, é possível que haja o referido delito ainda que tenha sido um único
ato sexual.
Logo, como não se exige a habitualidade para a sua consumação, é possível a incidência da continuidade delitiva, com a aplicação
da causa de aumento prevista no art. 71 do Código Penal.
STJ. 5ª Turma. HC 371633/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 19/03/2019 (Info 645).

Imagine a seguinte situação adaptada:


João (maior de idade) conheceu Pedro (16 anos) em uma praça e ofereceu R$ 50,00 e mais um lanche para que o adolescente fizesse
sexo com ele no seu apartamento.
Pedro, garoto muito pobre, aceitou e João praticou ato libidinoso com o adolescente em troca de dinheiro.
Essa situação se repetiu por mais sete vezes, todas elas envolvendo sexo em troca de dinheiro.
Os pais de Pedro descobriram o fato e o Ministério Público denunciou João pela prática do crime previsto no inciso I do § 2º art.
218-B, do CP em continuidade delitiva (art. 71):
Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou
que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou
dificultar que a abandone:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.
(...)
§ 2º Incorre nas mesmas penas:
I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na
situação descrita no caput deste artigo;
(...)
Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições
de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro,
aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a
dois terços.

A defesa argumentou que a conduta praticada por João seria atípica considerando que tipo penal somente puniria a terceira
pessoa que insere o menor na prostituição. Assim, esse crime apenas puniria o “cafetão” e não o indivíduo que, sem
intermediário, combina o sexo com o adolescente. Essa tese da defesa é acolhida pela jurisprudência?
NÃO.
Nos termos do art. 218-B do Código Penal, são punidos tanto aquele que capta a vítima, inserindo-a na prostituição ou outra
forma de exploração sexual (caput), como também o cliente do menor prostituído ou sexualmente explorado (§ 1º).
STJ. 5ª Turma. HC 371.633/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 19/03/2019 (Info 645).

Em outras palavras, este tipo penal incrima o:


• “proxeneta” (vulgarmente conhecido por “cafetão” ou “rufião”), este punido pelo caput do art. 218-B;
• e também o “cliente” da prostituição do menor, sancionado pelo § 1º do art. 218-B.
O “cliente” pode ser punido sozinho, ou seja, mesmo que não haja um proxeneta. Assim, ainda que o próprio cliente tenha
negociado o programa sem intermediários, haverá o crime. Nesse sentido:
(...) O inciso I do § 2º do art. 218-B do Código Penal é claro ao estabelecer que também será penalizado aquele que, ao praticar ato
sexual com adolescente, o submeta, induza ou atraia à prostituição ou a outra forma de exploração sexual. Dito de outra forma,
enquadra-se na figura típica quem, por meio de pagamento, atinge o objetivo de satisfazer sua lascívia pela prática de ato sexual
com pessoa maior de 14 e menor de 18 anos.
2. A leitura conjunta do caput e do § 2º, I, do art. 218-B do Código Penal não permite identificar a exigência de que a prática de
conjunção carnal ou outro ato libidinoso com adolescente de 14 a 18 anos se dê por intermédio de terceira pessoa. Basta que o
agente, mediante pagamento, convença a vítima, dessa faixa etária, a praticar com ele conjunção carnal ou outro ato libidinoso. (...)
STJ. 6ª Turma. REsp 1490891/SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 17/04/2018.
A defesa poderia ter sucesso se conseguisse provar que Pedro (adolescente de 16 anos) já tinha discernimento para a prática do
ato e, portanto, não era vulnerável?
O tema é polêmico, mas o STJ respondeu que sim.
Segundo decidiu o STJ, a vulnerabilidade no caso do art. 218-B do CP é relativa.
Assim, diferentemente do que ocorre nos arts. 217-A, 218 e 218-A do Código Penal, nos quais o legislador presumiu de forma
absoluta a vulnerabilidade dos menores de 14 anos, no art. 218-B não basta aferir a idade da vítima, devendo-se averiguar se o
menor de 18 (dezoito) anos ou a pessoa enferma ou doente mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou por
outra causa não pode oferecer resistência.
No art. 218-B do Código Penal não basta aferir a idade da vítima, devendo-se averiguar se o menor de 18 (dezoito) anos ou a
pessoa enferma ou doente mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou por outra causa não pode
oferecer resistência.
STJ. 5ª Turma. HC 371.633/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 19/03/2019 (Info 645).

O STJ, apesar de ter fixado essa tese acima em abstrato, considerou que, no caso concreto, Pedro se entregou à prostituição em razão
de sua péssima situação econômica, motivo pelo qual a sua imaturidade em função da idade associada à sua péssima situação
financeira o torna vulnerável. Em outras palavras, a defesa não conseguiu afastar a presunção relativa e Pedro foi considerado
vulnerável, razão pela qual houve o crime.

Por fim, a defesa alegou que não houve continuidade delitiva. Veja o raciocínio. A defesa argumentou que esse crime do art.
218-B só se consuma se houver reiteração de atos, ou seja, não haveria o delito se o ato sexual fosse praticado só uma vez. Logo,
se o tipo penal exige obrigatoriamente pluralidade de atos, não se pode falar em punição maior pela continuidade delitiva já que
a continuidade é algo que sempre deve existir. Essa tese foi acolhida pelo STJ?
NÃO. O crime se consuma mesmo que haja apenas uma relação sexual.
O tipo penal não exige habitualidade. Basta um único contato consciente com a adolescente submetida à prostituição para que se
configure o crime.
No art. 218-B, § 2º, I, pune-se a mera prática de relação sexual com adolescente submetido à prostituição – e nessa conduta não se
exige reiteração, poder de mando, ou introdução da vítima na habitualidade da prostituição.
O crime previsto no inciso I do § 2º do art. 218-B do Código Penal se consuma independentemente da manutenção de
relacionamento sexual habitual entre o ofendido e o agente. Em outras palavras, é possível que haja o referido delito ainda
que tenha sido um único ato sexual.
Logo, como não se exige a habitualidade para a sua consumação, é possível a incidência da continuidade delitiva, com a
aplicação da causa de aumento prevista no art. 71 do Código Penal.
STJ. 5ª Turma. HC 371.633/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 19/03/2019 (Info 645).

O pagamento do débito oriundo de furto de energia elétrica antes do recebimento da denúncia não é causa de extinção da
punibilidade
Resumo do julgado
No caso de furto de energia elétrica mediante fraude, o adimplemento do débito antes do recebimento da denúncia não extingue a
punibilidade.
O furto de energia elétrica não pode receber o mesmo tratamento dado ao inadimplemento tributário, de modo que o pagamento do
débito antes do recebimento da denúncia não configura causa extintiva de punibilidade, mas causa de redução de pena relativa ao
arrependimento posterior (art. 16 do CP). Isso porque nos crimes contra a ordem tributária, o legislador (Leis nº 9.249/1995 e nº
10.684/2003), ao consagrar a possibilidade da extinção da punibilidade pelo pagamento do débito, adota política que visa a garantir
a higidez do patrimônio público, somente. A sanção penal é invocada pela norma tributária como forma de fortalecer a ideia de
cumprimento da obrigação fiscal.
Já nos crimes patrimoniais, como o furto de energia elétrica, existe previsão legal específica de causa de diminuição da pena para os
casos de pagamento da “dívida” antes do recebimento da denúncia. Em tais hipóteses, o Código Penal, em seu art. 16, prevê o
instituto do arrependimento posterior, que em nada afeta a pretensão punitiva, apenas constitui causa de diminuição da pena.
Outrossim, a jurisprudência se consolidou no sentido de que a natureza jurídica da remuneração pela prestação de serviço público,
no caso de fornecimento de energia elétrica, prestado por concessionária, é de tarifa ou preço público, não possuindo caráter
tributário. Não há como se atribuir o efeito pretendido aos diversos institutos legais, considerando que o disposto no art. 34 da Lei nº
9.249/1995 e no art. 9º da Lei nº 10.684/2003 fazem referência expressa e, por isso, taxativa, aos tributos e contribuições sociais,
não dizendo respeito às tarifas ou preços públicos.
STJ. 3ª Seção. RHC 101299-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. Acd. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 13/03/2019 (Info 645).
Imagine a seguinte situação hipotética:
João foi preso em flagrante e denunciado em razão da prática do crime de furto de energia elétrica (art. 155, § 3º, do Código Penal):
Art. 155 (...)
§ 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.
Antes do recebimento da denúncia, João pagou toda a dívida cobrada pela concessionária de energia elétrica referente aos meses em
que houve “gato”. Em razão disso, a defesa pediu a extinção da punibilidade, com base no art. 9º da Lei nº 10.684/2003. Será que
esse pedido de João será acolhido? Vamos entender com calma.

Pagamento integral do débito e extinção da punibilidade


O pagamento integral do débito fiscal realizado pelo réu é causa de extinção de sua punibilidade, conforme previu a Lei nº
10.684/2003:
Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de
1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, durante o período em que a pessoa
jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
(...)
§ 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar
o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.
No mesmo sentido, veja a redação do art. 34 da Lei nº 9.249/95:
Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de
julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento
da denúncia.

Lei nº 12.382/2011
Em 2011, foi editada a Lei nº 12.382, que alterou o art. 83 da Lei nº 9.430/96 e passou a dispor sobre os efeitos do parcelamento e
do pagamento dos créditos tributários no processo penal. Veja o que diz a Lei:
Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº
8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na
esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente. (Redação dada pela Lei nº 12.350/2010)
(...)
§ 2º É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou
a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de
parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal. (Incluído pela Lei 12.382/2011)
§ 3º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. (Incluído pela Lei 12.382/2011)
§ 4º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente
efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de
parcelamento. (Incluído pela Lei 12.382/2011)
Repare, portanto, que o furto de energia elétrica (art. 155, § 3º do CP) não está listado nessas leis.

Mesmo sem o furto de energia elétrica estar previsto, é possível aplicar essas regras por analogia em favor do réu? O pagamento
do débito oriundo de furto de energia elétrica (art. 155, § 3º do CP) antes do recebimento da denúncia é causa de extinção da
punibilidade, nos termos do art. 9º da Lei nº 10.684/2003 (art. 34 da Lei nº 9.249/95)?
NÃO.
No caso de furto de energia elétrica mediante fraude, o adimplemento do débito antes do recebimento da denúncia não
extingue a punibilidade.
STJ. 3ª Seção. RHC 101.299-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. Acd. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 13/03/2019 (Info 645).
Não é possível a aplicação do instituto da extinção de punibilidade ao crime de furto de energia elétrica em razão do adimplemento
do débito antes do recebimento da denúncia. Existem três razões para essa impossibilidade:

1) A diversa política criminal aplicada aos crimes contra o patrimônio e contra a ordem tributária
A política criminal aplicada aos crimes contra o patrimônio é diferente daquela que incide em relação aos delitos contra a ordem
tributária.
O crime de furto de energia elétrica mediante fraude praticado contra concessionária de serviço público situa-se no campo dos
delitos patrimoniais. Neste âmbito, o Estado ainda detém tratamento mais rigoroso. O desejo de aplicar as benesses dos crimes
tributários ao caso em apreço esbarra na tutela de proteção aos diversos bens jurídicos analisados, pois o delito em comento, além de
atingir o patrimônio, ofende outros bens jurídicos, tais como a saúde pública, considerados, principalmente, o desvalor do resultado
e os danos futuros.
O furto de energia elétrica, além de atingir a esfera individual, tem reflexos coletivos e, não obstante seja tratado na prática como
conduta sem tanta repercussão, se for analisado sob o aspecto social, ganha conotação mais significativa, ainda mais quando
considerada a crise hidroelétrica recentemente vivida em nosso país.
A intenção punitiva do Estado nesse contexto deve estar associada à repreensão da conduta que afeta bem tão precioso da
humanidade.
Desse modo, o papel do Estado, nos casos de furto de energia elétrica, não deve estar adstrito à intenção arrecadatória da tarifa, deve
coibir ou prevenir eventual prejuízo ao próprio abastecimento elétrico do país, que ora se reflete na ausência ou queda do serviço
público, ora no repasse, ainda que parcial, do prejuízo financeiro ao restante dos cidadãos brasileiros.

2) Impossibilidade de aplicação analógica do art. 34 da Lei nº 9.249/95 (ou do art. 9º da Lei nº 10.684/2003) aos crimes contra o
patrimônio
Não se pode fazer a aplicação analógica do art. 34 da Lei nº 9.249/95 (ou do art. 9º da Lei nº 10.684/2003) aos crimes contra o
patrimônio, porque existe previsão legal específica de causa de diminuição da pena para os casos de pagamento da “dívida” antes do
recebimento da denúncia nos crimes patrimoniais. Trata-se do arrependimento posterior, previsto no art. 16 do Código Penal:
Art. 16. Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da
denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.
Ainda que se pudesse observar a existência de lacuna legal, não nos poderíamos valer desse método integrativo, uma vez que é
nítida a discrepância da ratio legis entre as situações jurídicas apresentadas, em que uma a satisfação estatal está no pagamento da
dívida e a outra no papel preventivo do Estado, que se vê imbuído da proteção a bem jurídico de maior relevância.
Nos crimes contra a ordem tributária, o legislador (Leis nº 9.249/95 e nº 10.684/2003), ao consagrar a possibilidade da extinção da
punibilidade pelo pagamento do débito, adota política que visa a garantir a higidez do patrimônio público, somente. A sanção penal
é invocada pela norma tributária como forma de fortalecer a ideia de cumprimento da obrigação fiscal.

3) A tarifa ou preço público tem tratamento legislativo diverso do imposto


No caso dos crimes tributários, estamos falando do inadimplemento de tributos. Já na hipótese de furto de energia elétrica, a
discussão envolve tarifa ou preço público, que tem tratamento legislativo diverso.
A jurisprudência se consolidou no sentido de que a natureza jurídica da remuneração pela prestação de serviço público, no caso de
fornecimento de energia elétrica, prestado por concessionária, é de tarifa ou preço público, não possuindo caráter tributário.
Não há como se atribuir o efeito pretendido aos diversos institutos legais, considerando que os dispostos no art. 34 da Lei nº
9.249/95 e no art. 9º da Lei nº 10.684/03 fazem referência expressa e, por isso, taxativa, aos tributos e contribuições sociais, não
dizendo respeito às tarifas ou preços públicos.
Logo, não se pode equiparar o tratamento para institutos que possuem natureza jurídica distintas.
Veja outro precedente bem elucidativo:
O furto de energia elétrica não pode receber o mesmo tratamento dado ao inadimplemento tributário, de modo que o pagamento do
débito antes do recebimento da denúncia não configura causa extintiva de punibilidade, mas causa de redução de pena relativa ao
arrependimento posterior (art. 16 do CP). Isso porque nos crimes contra a ordem tributária, o legislador (Leis nº 9.249/1995 e nº
10.684/2003), ao consagrar a possibilidade da extinção da punibilidade pelo pagamento do débito, adota política que visa a garantir
a higidez do patrimônio público, somente. A sanção penal é invocada pela norma tributária como forma de fortalecer a ideia de
cumprimento da obrigação fiscal.
Já nos crimes patrimoniais, como o furto de energia elétrica, existe previsão legal específica de causa de diminuição da pena para os
casos de pagamento da “dívida” antes do recebimento da denúncia. Em tais hipóteses, o Código Penal, em seu art. 16, prevê o
instituto do arrependimento posterior, que em nada afeta a pretensão punitiva, apenas constitui causa de diminuição da pena.
Outrossim, a jurisprudência se consolidou no sentido de que a natureza jurídica da remuneração pela prestação de serviço público,
no caso de fornecimento de energia elétrica, prestado por concessionária, é de tarifa ou preço público, não possuindo caráter
tributário. Não há como se atribuir o efeito pretendido aos diversos institutos legais, considerando que o disposto no art. 34 da Lei nº
9.249/1995 e no art. 9º da Lei nº 10.684/2003 fazem referência expressa e, por isso, taxativa, aos tributos e contribuições sociais,
não dizendo respeito às tarifas ou preços públicos.
STJ. 5ª Turma. HC 412.208-SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 20/03/2018 (Info 622).
Inexistência de continuidade delitiva entre roubo e extorsão
Resumo do julgado
Não há continuidade delitiva entre os crimes de roubo e extorsão, ainda que praticados em conjunto. Isso porque, os referidos
crimes, apesar de serem da mesma natureza, são de espécies diversas.
STJ. 5ª Turma. HC 435.792/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/05/2018.
STF. 1ª Turma. HC 114667/SP, rel. org. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 24/4/2018 (Info 899).

Não há como reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de roubo e o de latrocínio porquanto são delitos de espécies
diversas, já que tutelam bens jurídicos diferentes.
STJ. 5ª Turma. AgInt no AREsp 908.786/PB, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 06/12/2016.
CONCEITO DE CRIME CONTINUADO
Ocorre crime continuado quando o agente:
- por meio de duas ou mais condutas
- pratica dois ou mais crimes da mesma espécie
- e, analisando as condições de tempo, local, modo de execução e outras,
- pode-se constatar que os demais crimes devem ser entendidos como mera continuação do primeiro.
O crime continuado é uma ficção jurídica, inspirada em motivos de política criminal, idealizada com o objetivo de ajudar o réu. Ao
invés de ele ser condenado pelos vários crimes, receberá a pena de somente um deles, com a incidência de um aumento previsto na
lei.

EXEMPLO
Carlos era caixa de uma lanchonete e estava devendo R$ 500,00 a um agiota. Ele decide, então, tirar o dinheiro do caixa para pagar
sua dívida. Ocorre que, se ele retirasse toda a quantia de uma só vez, o seu chefe iria perceber. Carlos resolve, portanto, subtrair R$
50,00 por dia. Assim, após dez dias ele consegue retirar os R$ 500,00.
Desse modo, Carlos, por meio de dez condutas, praticou dez furtos. Analisando as condições de tempo, local, modo de execução,
pode-se constatar que os outros nove furtos devem ser entendidos como mera continuação do primeiro, considerando que sua
intenção era furtar o valor total de R$ 500,00.
Ao invés de Carlos ser condenado por dez furtos, receberá somente a pena de um furto, com a incidência de um aumento de 1/6 a
2/3.

PREVISÃO LEGAL
Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições
de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro,
aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a
dois terços.

NATUREZA JURÍDICA
Existem três teorias que foram desenvolvidas para tentar explicar a natureza jurídica da continuidade delitiva.
a) Teoria da unidade real: afirma que todas as condutas praticadas que, por si sós, já se constituiriam em infrações penais, são
um único crime. Segundo essa teoria, para todos os efeitos, Carlos praticou apenas um único furto.
b) Teoria da ficção jurídica: sustenta que cada uma das condutas praticadas constitui-se em uma infração penal diferente. No
entanto, por ficção jurídica, esses diversos crimes são considerados, pela lei, como crime único. Segundo essa teoria, Carlos
praticou dez furtos, entretanto, considera-se, ficticiamente, para fins de pena, que ele cometeu apenas um.
c) Teoria mista: defende que, se houver crime continuado, surge um terceiro crime, resultado do próprio concurso. Segundo essa
teoria, Carlos praticou uma nova categoria de crime, chamada de furto por continuidade delitiva.
O Brasil adotou a teoria da ficção jurídica.

REQUISITOS
Para o reconhecimento do crime continuado, são necessários quatro requisitos:
1) pluralidade de condutas (prática de duas ou mais condutas subsequentes e autônomas);
2) pluralidade de crimes da mesma espécie (prática de dois ou mais crimes iguais);
3) condições semelhantes de tempo, lugar, maneira de execução, entre outras;
4) unidade de desígnio.

1) Pluralidade de condutas
O agente deve praticar duas ou mais condutas, ou seja, mais de uma ação ou omissão.

2) Pluralidade de crimes da mesma espécie


O agente deve praticar dois ou mais crimes da mesma espécie.
Segundo o STJ e o STF, quando o CP fala em crimes da mesma espécie, ele exige que sejam crimes previstos no mesmo tipo penal,
protegendo igual bem jurídico.
Desse modo, para que seja reconhecida a continuidade delitiva, é necessário que o agente pratique dois ou mais crimes idênticos
(ex.: quatro furtos simples consumados e um tentado).
Se a pessoa comete um furto e depois um roubo, não há continuidade delitiva.
Se a pessoa pratica um roubo simples e, em seguida, um latrocínio, igualmente, não haverá crime continuado.
Para que haja continuidade, repita-se, é indispensável que os crimes sejam previstos no mesmo dispositivo legal e protejam o
mesmo bem jurídico.
Nesse sentido:
Não há continuidade delitiva entre os crimes de roubo e extorsão, ainda que praticados em conjunto. Isso porque, os
referidos crimes, apesar de serem da mesma natureza, são de espécies diversas.
STJ. 5ª Turma. HC 435.792/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/05/2018.
STF. 1ª Turma. HC 114667/SP, rel. org. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 24/4/2018 (Info 899).
Importante. Também não se reconhece continuidade delitiva entre roubo e latrocínio:
Não há como reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de roubo e o de latrocínio porquanto são delitos de espécies
diversas, já que tutelam bens jurídicos diferentes.
STJ. 5ª Turma. AgInt no AREsp 908.786/PB, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 06/12/2016.

3) Condições semelhantes de tempo, lugar, maneira de execução, entre outras


A doutrina afirma que deve haver uma conexão de tempo, de lugar e de execução entre os crimes para que se caracterize o crime
continuado.

3.1 Conexão de tempo (conexão temporal):


Significa dizer que, para que haja continuidade delitiva, não pode ter se passado um longo período de tempo entre um crime e outro.
Para os crimes patrimoniais, a jurisprudência afirma que entre o primeiro e o último delito não pode ter se passado mais que 30 dias.
Se houve período superior a 30 dias, não se aplica mais o crime continuado, havendo, neste caso, concurso material.
Vale ressaltar que, em alguns outros delitos, como nos crimes contra a ordem tributária, a jurisprudência admite que esse prazo seja
maior.
3.2 Conexão de lugar (conexão espacial):
Para que haja continuidade delitiva, os crimes devem ter sido praticados em semelhantes condições de lugar.
Segundo a jurisprudência, semelhantes condições de lugar significa que os delitos devem ser praticados dentro da mesma cidade, ou,
no máximo, em cidades contíguas.
3.3 Conexão quanto à maneira de execução (conexão modal):
Para que haja continuidade delitiva, os crimes devem ter sido praticados com o mesmo modus operandi, ou seja, com a mesma
maneira de execução (mesmos comparsas, mesmos instrumentos etc.).
4) Unidade de desígnio
Esse quarto requisito não está previsto expressamente no art. 71 do CP. Por isso, alguns doutrinadores afirmam que ele não é
necessário. Sobre o tema, surgiram duas teorias:

4.1 Teoria objetiva pura (puramente objetiva)


Segundo esta teoria, os requisitos para a continuidade delitiva são apenas objetivos e estão expressamente elencados no art. 71 do
CP. Daí o nome: puramente objetiva.
Não é necessário que se discuta se a intenção do agente era ou não praticar todos os crimes em continuidade delitiva.
No exemplo que demos acima, não interessa discutir se o objetivo de Carlos era praticar um único furto de R$ 500,00 dividido em
várias vezes ou se sua intenção era ficar subtraindo o dinheiro da padaria por tempo indeterminado.
Essa teoria é minoritária e ultrapassada.

4.2 Teoria objetivo-subjetiva (também chamada de teoria mista)


De acordo com esta teoria, os requisitos para a continuidade delitiva são de natureza tanto objetiva como subjetiva. Daí o nome da
teoria: objetivo-subjetiva.
Os requisitos objetivos estão previstos no art. 71 (mesmas condições de tempo, lugar e forma de execução).
O requisito subjetivo, por sua vez, é a unidade de desígnio, ou seja, o liame volitivo entre os delitos, a demonstrar que os atos
criminosos se apresentam entrelaçados (a conduta posterior deve constituir um desdobramento da anterior).
Conforme explica Nucci:
“Somente deveria ter direito ao reconhecimento desse benefício legal o agente criminoso que demonstrasse ao juiz o seu intuito único,
o seu propósito global, vale dizer, evidenciasse que, desde o princípio, ou pelo menos durante o iter criminis, tinha o propósito de
cometer um crime único, embora por partes. Assim, o balconista de uma loja que, pretendendo subtrair R$ 1.000,00 do seu patrão,
comete vários e contínuos pequenos furtos até atingir a almejada quantia. Completamente diferente seria a situação daquele ladrão que
comete furtos variados, sem qualquer rumo ou planejamento, nem tampouco objetivo único.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código
Penal Comentado. 6ª ed., São Paulo: RT, 2006, p. 405).
Essa é a teoria adotada pelo STJ e STF:
(...) O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão no sentido de que para caracterizar a continuidade delitiva é necessária a
demonstração da unidade de desígnios, ou seja, o liame volitivo que liga uma conduta a outra, não bastando, portanto, o
preenchimento dos requisitos objetivos (mesmas condições de tempo, espaço e modus operandi).
2. No caso, observa-se que o Tribunal a quo, ao aplicar a regra do art. 71 do Código Penal, adotou a teoria puramente objetiva,
deixando de valorar os aspectos subjetivos. (...)
(REsp 421.246/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 15/12/2009)

Roubo circunstanciado pelo emprego de arma e desnecessidade de perícia


Resumo do julgado
É necessário que a arma utilizada no roubo seja apreendida e periciada para que incida a majorante do art. 157, § 2º-A, I, do Código
Penal?
NÃO. O reconhecimento da referida causa de aumento prescinde (dispensa) da apreensão e da realização de perícia na arma, desde
que o seu uso no roubo seja provado por outros meios de prova, tais como a palavra da vítima ou mesmo de testemunhas.
STF. 1ª Turma. HC 108034/MG, rel. Min. Rosa Weber, julgado em 05/06/2012.
STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1076476/RO, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 04/10/2018.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 449102/MS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 09/10/2018.

Veja uma série de perguntas de concurso sobre o inciso I do § 2º-A do art. 157 do CP:
Art. 157 (...)
§ 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços): (Incluído pela Lei nº 13.654/2018)
I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo;

1) O que pode ser considerado “arma” para os fins da majorante do art. 157, § 2º-A, I, do CP?
Apenas arma de fogo.
O roubo com o emprego de arma “branca” não é mais punido como roubo circunstanciado. Trata-se, em princípio, de roubo em seu
tipo fundamental (art. 157, caput).
A Lei nº 13.654/2018 deixou de punir com mais rigor o agente que pratica o roubo com arma branca. Pode-se, portanto, dizer que a
Lei nº 13.654/2018, neste ponto, é mais benéfica. Isso significa que ela, neste tema, irá retroagir para atingir todos os roubos
praticados mediante arma branca.
Exemplo: em 2017, João, usando um canivete, ameaçou a vítima, subtraindo dela o telefone celular. O juiz, na 1ª fase da dosimetria,
fixou a pena-base em 4 anos. Não havia agravantes ou atenuantes (2ª fase). Na 3ª fase (causas de aumento ou de diminuição), o
magistrado aumentou a pena em 1/3 pelo fato de o crime ter sido cometido com emprego de arma branca (canivete), nos termos do
art. 157, § 2º, I, do CP. 1/3 de 4 anos é igual a 1 ano e 4 meses. Logo, João foi condenado a uma pena final de 5 anos e 4 meses
(pena-base mais 1/3). O processo transitou em julgado e João está cumprindo pena. A defesa de João pode pedir ao juízo das
execuções penais (Súmula 611-STF) que aplique a Lei nº 13.654/2018 e que a sua pena seja diminuída em 1 ano e 4 meses em
virtude do fato de que o emprego de arma branca na prática do roubo ter deixado de ser causa de aumento de pena.

2) Se o agente emprega no roubo uma “arma” de brinquedo, haverá a referida causa de aumento?
NÃO. Até 2002, prevalecia que sim. Havia até a Súmula 174 do STJ afirmando isso. Contudo, essa súmula foi cancelada, de modo
que, atualmente, no crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo não autoriza o aumento da pena.

3) É necessário que a arma utilizada no roubo seja apreendida e periciada para que incida a majorante?
NÃO. O reconhecimento da causa de aumento prevista no art. 157, § 2º-A, I, do Código Penal prescinde (dispensa) da apreensão e
da realização de perícia na arma, desde que provado o seu uso no roubo por outros meios de prova.
Se o acusado alegar o contrário ou sustentar a ausência de potencial lesivo na arma empregada para intimidar a vítima, será dele o
ônus de produzir tal prova, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal.

4) Se, após o roubo, foi constatado que a arma empregada pelo agente apresentava defeito, incide mesmo assim a majorante?
Depende:
• Se o defeito faz com que o instrumento utilizado pelo agente seja absolutamente ineficaz, não incide a majorante. Ex: revólver que
não possui mecanismo necessário para efetuar disparos. Nesse caso, o revólver defeituoso servirá apenas como meio para causar a
grave ameaça à vítima, conforme exige o caput do art. 157, sendo o crime o de roubo simples;
• Se o defeito faz com que o instrumento utilizado pelo agente seja relativamente ineficaz, INCIDE a majorante. Ex: revólver que
algumas vezes trava e não dispara. Nesse caso, o revólver, mesmo defeituoso, continua tendo potencialidade lesiva, de sorte que
poderá causar danos à integridade física, sendo, portanto, o crime o de roubo circunstanciado.

5) O Ministério Público que deve provar que a arma utilizada estava em perfeitas condições de uso?
NÃO. Cabe ao réu, se assim for do seu interesse, demonstrar que a arma é desprovida de potencial lesivo, como na hipótese de
utilização de arma de brinquedo, arma defeituosa ou arma incapaz de produzir lesão (STJ EREsp 961.863/RS).

6) Se, após o roubo, foi constatado que a arma estava desmuniciada no momento do crime, incide mesmo assim a majorante?
• STJ: NÃO. O emprego de arma de fogo desmuniciada tem o condão de configurar a grave ameaça e tipificar o crime de roubo, no
entanto NÃO É suficiente para caracterizar a majorante do emprego de arma, pela ausência de potencialidade lesiva no momento da
prática do crime (STJ. 5ª Turma. HC 449.697/SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 21/06/2018).
• STF: SIM. É irrelevante o fato de estar ou não municiada para que se configure a majorante do roubo (STF. 2ª Turma. RHC
115077, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 06/08/2013).

7) Além do roubo circunstanciado, o agente responderá também pelo porte ilegal de arma de fogo (art. 14 ou 16, da Lei nº
10.826/2003)?
Em regra, não. Geralmente, o crime de porte ilegal de arma de fogo é absorvido pelo crime de roubo circunstanciado. Aplica-se o
princípio da consunção, considerando que o porte ilegal de arma de fogo funciona como crime meio para a prática do roubo (crime
fim), sendo por este absorvido.
A conduta de portar arma ilegalmente é absorvida pelo crime de roubo, quando, ao longo da instrução criminal, restar evidenciado o
nexo de dependência ou de subordinação entre as duas condutas e que os delitos foram praticados em um mesmo contexto fático,
incidindo, assim, o princípio da consunção.
No entanto, poderá haver condenação pelo crime de porte em concurso material com o roubo se ficar provado nos autos que o
agente portava ilegalmente a arma de fogo em outras oportunidades antes ou depois do crime de roubo e que ele não se utilizou da
arma tão somente para cometer o crime patrimonial.
Ex: “Tício”, às 13h, mediante emprego de um revólver, praticou roubo contra “Caio”, que estava na parada de ônibus (art. 157, § 2º,
I, CP). No mesmo dia, por volta das 14h 30min, em uma blitz de rotina da polícia (sem que os policiais soubessem do roubo
ocorrido), “Ticio” foi preso com os pertences da vítima e com o revólver empregado no assalto. Em um caso semelhante a esse, a 5ª
Turma do STJ reconheceu o concurso material entre o roubo e o delito do art. 14, da Lei nº 10.826/2003, afastando o princípio da
consunção.
STJ. 5ª Turma. HC 199.031/RJ, Rel. Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 21/06/2011
STF. 1ª Turma. RHC 106067, Rel. Min. Rosa Weber, 1ª Turma, julgado em 26/06/2012
O crime de corrupção passiva consuma-se ainda que a vantagem indevida esteja relacionada com atos que formalmente não
se inserem nas atribuições do funcionário público
Resumo do julgado
O crime de corrupção passiva consuma-se ainda que a solicitação ou recebimento de vantagem indevida, ou a aceitação da promessa
de tal vantagem, esteja relacionada com atos que formalmente não se inserem nas atribuições do funcionário público, mas que, em
razão da função pública, materialmente implicam alguma forma de facilitação da prática da conduta almejada.
Ao contrário do que ocorre no crime de corrupção ativa, o tipo penal de corrupção passiva não exige a comprovação de que a
vantagem indevida solicitada, recebida ou aceita pelo funcionário público esteja causalmente vinculada à prática, omissão ou
retardamento de “ato de ofício”.
A expressão “ato de ofício” aparece apenas no caput do art. 333 do CP, como um elemento normativo do tipo de corrupção ativa, e
não no caput do art. 317 do CP, como um elemento normativo do tipo de corrupção passiva. Ao contrário, no que se refere a este
último delito, a expressão “ato de ofício” figura apenas na majorante do art. 317, § 1.º, do CP e na modalidade privilegiada do § 2.º
do mesmo dispositivo.
STJ. 6ª Turma. REsp 1745410-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. Acd. Min. Laurita Vaz, julgado em 02/10/2018 (Info 635).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Gilberto era funcionário da “Avitation Ltda.”, uma empresa privada concessionária do uso de área destinada a carga e descarga de
aeronaves no Aeroporto Internacional de São Paulo.
Gilberto trabalhava no local controlando as cargas que vinham nas aeronaves.
Housseim, fugindo das autoridades do Líbano, fugiu daquele país em um avião de carga e chegou no Aeroporto de São Paulo.
Ele foi encontrado por Gilberto, tendo oferecido ao brasileiro R$ 1 mil para que ele o ajudasse a ingressar no país, sem ser visto pela
Polícia Federal.
Gilberto aceitou a proposta, mas foi flagrado pelas câmeras do aeroporto e preso pela Polícia Federal.
O Ministério Público Federal denunciou Gilberto pela prática de corrupção passiva, delito tipificado no art. 317 do Código Penal e
Housseim pela prática de corrupção ativa (art. 333 do CP):
Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas
em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Art. 333. Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de
ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de
ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.
O juiz absolveu os réus sob o argumento de que Gilberto não detinha competência para permitir a entrada de estrangeiro,
circunstância que excluiria os crimes.
O magistrado afirmou que controlar a entrada dos estrangeiros no Brasil não era um “ato de ofício” de Gilberto e, portanto, faltou
um elemento objetivo dos tipos acima descritos.

A questão chegou até o STJ. O concordou com o entendimento do magistrado?


NÃO, com relação a Gilberto.
SIM, no que tange à Husseim.
Vamos entender com calma.

Corrupção passiva não exige que o ato que o agente prometeu praticar esteja dentro de suas competências formais
Ao se ler o art. 317 do CP percebe-se que o agente deve ter solicitado ou recebido a vantagem “em razão” da sua função. Isso não
significa, contudo, que o ato que ele prometeu praticar deve estar dentro das competências formais do agente.
Assim, para a configuração do delito de corrupção passiva exige-se apenas que haja um nexo causal entre a oferta (ou promessa) de
vantagem indevida e a função pública exercida. Em outras palavras, o agente recebeu “em razão” da função que ele exerce. No
entanto, não é necessário que o ato esperado pelo agente esteja dentro das competências formais do agente. Nesse sentido foi o voto
da Ministra do STF Rosa Weber no Inq 4506, julgado em 17/04/2018.

Exigência de “ato de ofício” aparece apenas para o crime de corrupção ativa


No crime de corrupção ativa, exige-se a prática de “ato de ofício”. Veja:
Corrupção ativa
Art. 333. Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de
ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Assim, a expressão “ato de ofício” aparece apenas no caput do art. 333 do CP, como um elemento normativo do tipo de corrupção
ativa, e não no caput do art. 317 do CP, como um elemento normativo do tipo de corrupção passiva.
Ao contrário, no que se refere a corrupção passiva, a expressão “ato de ofício” figura apenas na majorante do art. 317, § 1º, do CP e
na modalidade privilegiada do § 2º do mesmo dispositivo, o que reforça a ideia de que o caput do art. 317 do CP não exige ato de
ofício:
Art. 317 (...)
§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar
qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.
§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou
influência de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Não foi atecnia do legislador, mas sim opção legislativa


No caso de crime de corrupção passiva (art. 317 do CP), o legislador não praticou uma atecnia, ou falou menos do que desejava.
Houve, na verdade, uma nítida opção legislativa direcionada a ampliar a abrangência da incriminação por corrupção passiva, quando
comparada ao tipo de corrupção ativa, a fim de potencializar a proteção ao aspecto moral do bem jurídico protegido (a probidade da
Administração Pública).

Princípios da proporcionalidade e da isonomia


Se, na corrupção passiva, fosse exigido que o ato prometido pelo funcionário público fosse um “ato de ofício”, haveria uma afronta
aos princípios da proporcionalidade e da isonomia. Afinal, como bem pontuou o Min. Luís Roberto Barroso por ocasião do
julgamento do Inq 4.506/DF, exigir nexo de causalidade entre a vantagem e ato de ofício de funcionário público levaria à absurda
consequência de admitir, por um lado, a punição de condutas menos gravosas ao bem jurídico, enquanto se nega, por outro, sanção
criminal a manifestações muito mais graves da violação à probidade pública: “o guarda de trânsito que pede dinheiro para deixar de
aplicar uma multa seria punível, mas o senador que vende favores no exercício do seu mandato passaria impune”.

Expressão “em razão dela” não exige que o ato tenha relação com a competência funcional do agente
O crime de corrupção passiva consuma-se ainda que a solicitação ou recebimento de vantagem indevida, ou a aceitação da promessa
de tal vantagem, esteja relacionada com atos que formalmente não se inserem nas atribuições do funcionário público, mas que, em
razão da função pública, materialmente implicam alguma forma de facilitação da prática da conduta almejada.
Foi o caso de Gilberto que recebeu a vantagem indevida para facilitar a entrada do estrangeiro em razão da função que
desempenhava, apesar disso não estar dentro das suas competências formais (não era um “ato de ofício”).
Em outros termos:
“Para a aptidão de imputação de corrupção passiva, não é necessária a descrição de um específico ato de ofício, bastando uma
vinculação causal entre as vantagens indevidas e as atribuições do funcionário público, passando este a atuar não mais em prol do
interesse público, mas em favor de seus interesses pessoais” (STF. 1ª Turma. Inq 4.506, Rel. p/acórdão Min. Roberto Barroso,
publicado em 04/09/2018).

Conclusões
1ª) não tem razão o Ministério Público quando pleiteia a condenação de Housseim, pois o tipo penal a ele imputado, de fato, exige
que a vantagem indevida seja oferecida ou prometida para determinar que funcionário público pratique, omita ou retarde ato de
ofício, isto é, que está dentro de suas atribuições funcionais formais.
Como Gilberto não tinha competência para realizar controle imigratório no Aeroporto Internacional de São Paulo/SP, Housseim não
ofereceu nem prometeu vantagem indevida a funcionário público para que ele praticasse “ato de ofício”.

2ª) tem razão o Ministério Público quando pleiteia a condenação de Gilberto. Isso porque:
O crime de corrupção passiva consuma-se ainda que a solicitação ou recebimento de vantagem indevida, ou a aceitação da
promessa de tal vantagem, esteja relacionada com atos que formalmente não se inserem nas atribuições do funcionário
público, mas que, em razão da função pública, materialmente implicam alguma forma de facilitação da prática da conduta
almejada.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.745.410-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. Acd. Min. Laurita Vaz, julgado em 02/10/2018 (Info 635).

Mas... para condenar por corrupção passiva não se exige que também se condene pela corrupção ativa?
NÃO.
Prevalece o entendimento de que, via de regra, os crimes de corrupção passiva e ativa, por estarem previstos em tipos penais
distintos e autônomos, são independentes, de modo que a comprovação de um deles não pressupõe a do outro.
STJ. 5ª Turma. RHC 52.465-PE, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 23/10/2014 (Info 551)

Dirigir alcoolizado na contramão: reconhecimento de dolo eventual


Resumo do julgado
Verifica-se a existência de dolo eventual no ato de dirigir veículo automotor sob a influência de álcool, além de fazê-lo na
contramão. Esse é, portanto, um caso específico que evidencia a diferença entre a culpa consciente e o dolo eventual. O condutor
assumiu o risco ou, no mínimo, não se preocupou com o risco de, eventualmente, causar lesões ou mesmo a morte de outrem.
STF. 1ª Turma. HC 124687/MS, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 29/5/2018 (Info 904).
A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:
João, na direção de veículo automotor, entrou na contramão e atingiu uma motocicleta, causando a morte do condutor.
Não foi feito teste de etilômetro (“bafômetro”) em João, mas as testemunhas afirmaram que ele exalava hálito etílico e que estava
cambaleante.
João foi pronunciado e condenado a 6 anos de reclusão em regime inicial semiaberto por homicídio doloso simples (dolo eventual).
O condenado impetrou sucessivos habeas corpus até que a questão chegou ao STF.
No writ, João pede a desclassificação do delito para homicídio culposo na condução de veículo automotor, crime previsto no art.
302 do CTB.

O pedido foi acolhido pelo STF?


NÃO. O STF entende que, em casos de homicídio causado por motorista embriagado, se o Tribunal do Júri entender que houve dolo
eventual, não cabe ao Supremo alterar esta tipificação, sendo uma decisão legítima do júri popular.
Verifica-se a existência de dolo eventual no ato de dirigir veículo automotor sob a influência de álcool, além de fazê-lo na
contramão. Esse é, portanto, um caso específico que evidencia a diferença entre a culpa consciente e o dolo eventual. O
condutor assumiu o risco ou, no mínimo, não se preocupou com o risco de, eventualmente, causar lesões ou mesmo a morte
de outrem.
STF. 1ª Turma. HC 124687/MS, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 29/5/2018 (Info 904).
Vale ressaltar, no entanto, que o simples fato do condutor do veículo estar embriagado não gera a presunção de que tenha havido
dolo eventual:
A embriaguez do agente condutor do automóvel, por si só, não pode servir de premissa bastante para a afirmação do dolo eventual
em acidente de trânsito com resultado morte.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.689.173-SC, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 21/11/2017 (Info 623).
Dessa forma, haverá assunção do risco – apta a caracterizar o dolo eventual –, "quando o agente tenha tomado como séria a
possibilidade de lesar ou colocar em perigo o bem jurídico e não se importa com isso, demonstrando, pois, que o resultado lhe era
indiferente”( TAVARES, Juarez apud PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008, p. 332).
Assim, diante da existência de elementos concretos delineados no caso concreto – embriaguez ao volante, excesso de velocidade
(120 km/h) e direção perigosa (ultrapassagens em movimentos de zigue-zague) –, entende-se haver o mínimo de evidências acerca
do possível dolo eventual do réu, isto porque, em tese, demonstrou ao que tudo indica, sua indiferença com a vida e com a
integridade física alheia.

A qualificadora da “paga ou promessa de recompensa” também se comunica ao mandante do crime?


Resumo do julgado
A qualificadora da “paga ou promessa de recompensa” prevista no inciso I do § 2º do art. 121 do CP é aplicada, sem dúvidas, ao
executor do crime. No entanto, indaga-se: essa qualificadora também se comunica ao mandante do crime?
Há divergência no STJ a respeito do tema:

1ª corrente: NÃO. A qualificadora de ter sido o delito praticado mediante paga ou promessa de recompensa é circunstância de
caráter pessoal e, portanto, incomunicável, por força do art. 30 do CP. Nesse sentido: STJ. 5ª Turma. HC 403263/SP, Rel. Min.
Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13/11/2018.

2ª corrente: SIM. No homicídio mercenário, a qualificadora da paga ou promessa de recompensa é elementar do tipo qualificado,
comunicando-se ao mandante do delito. Sobre o tema: STJ. 6ª Turma. AgInt no REsp 1681816/GO, Rel. Min. Nefi Cordeiro,
julgado em 03/05/2018.
Imagine a seguinte situação hipotética:
João ofereceu R$ 10 mil para Pedro matar Carlos, o que foi feito.
O Ministério Público denunciou João (mandante) e Pedro (executor) imputando a ambos o crime de homicídio qualificado, com
base no art. 121, § 2º, I, do CP:
Homicídio qualificado
§ 2º Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
Esta espécie de homicídio é chamada pela doutrina de “homicídio mercenário” ou “por mandato remunerado”. O objetivo do
legislador foi o de punir mais gravosamente a pessoa que comete o delito pela "cupidez, isto é, pela ambição desmedida, pelo desejo
imoderado de riquezas." (MASSON, Cleber. Direito Penal esquematizado. São Paulo: Método, 2014).

Tese da defesa do mandante


A defesa de João (mandante) alegou que não poderia ser a ele imputado o inciso I do § 2º do art. 121 do CP porque esta
qualificadora (mediante paga ou promessa de recompensa) diz respeito ao executor, sendo uma circunstância subjetiva, de caráter
pessoal, e que, portanto, não se comunica ao mandante. Invocou, para tanto, o art. 30 do CP:
Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

A qualificadora da “paga ou promessa de recompensa” prevista no inciso I do § 2º do art. 121 do CP é aplicada, sem dúvidas, ao
executor do crime. No entanto, indaga-se: essa qualificadora também se comunica ao mandante do crime?
Há divergência no STJ a respeito do tema:
1ª corrente: NÃO. A qualificadora de ter sido o delito praticado mediante paga ou promessa de recompensa é circunstância de
caráter pessoal e, portanto, incomunicável, por força do art. 30 do CP. Nesse sentido: STJ. 5ª Turma. HC 403263/SP, Rel. Min.
Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13/11/2018.
2ª corrente: SIM. No homicídio mercenário, a qualificadora da paga ou promessa de recompensa é elementar do tipo qualificado,
comunicando-se ao mandante do delito. Sobre o tema: STJ. 6ª Turma. AgInt no REsp 1681816/GO, Rel. Min. Nefi Cordeiro,
julgado em 03/05/2018.
Motivo torpe e feminicídio: inexistência de bis in idem
Resumo do julgado
Não caracteriza bis in idem o reconhecimento das qualificadoras de motivo torpe e de feminicídio no crime de homicídio praticado
contra mulher em situação de violência doméstica e familiar.
Isso se dá porque o feminicídio é uma qualificadora de ordem OBJETIVA - vai incidir sempre que o crime estiver atrelado à
violência doméstica e familiar propriamente dita, enquanto que a torpeza é de cunho subjetivo, ou seja, continuará adstrita aos
motivos (razões) que levaram um indivíduo a praticar o delito.
STJ. 6ª Turma. HC 433898-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 24/04/2018 (Info 625).
O que é feminicídio?
Feminicídio é o homicídio doloso praticado contra a mulher por “razões da condição de sexo feminino”, ou seja, desprezando,
menosprezando, desconsiderando a dignidade da vítima enquanto mulher, como se as pessoas do sexo feminino tivessem menos
direitos do que as do sexo masculino.
O Código Penal prevê o feminicídio como uma qualificadora do crime de homicídio. Confira:
Homicídio simples
Art. 121. Matar alguem:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
(...)
§ 2º Se o homicídio é cometido:
Feminicídio
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.
(...)
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
O feminicídio foi incluído no Código Penal pela Lei nº 13.104/2015.

Feminicídio X femicídio
Existe diferença entre feminicídio e femicídio?
• Femicídio significa praticar homicídio contra mulher (matar mulher);
• Feminicídio significa praticar homicídio contra mulher por “razões da condição de sexo feminino” (por razões de gênero).
O art. 121, § 2º, VI, do CP, trata sobre FEMINICÍDIO, ou seja, pune mais gravemente aquele que mata mulher por “razões da
condição de sexo feminino” (por razões de gênero). Não basta a vítima ser mulher.

Como era a punição do feminicídio antes da Lei nº 13.104/2015?


Antes da Lei nº 13.104/2015, não havia nenhuma punição especial pelo fato de o homicídio ser praticado contra a mulher por razões
da condição de sexo feminino. Em outras palavras, o feminicídio era punido, de forma genérica, como sendo homicídio (art. 121 do
CP).
A depender do caso concreto, o feminicídio (mesmo sem ter ainda este nome) poderia ser enquadrado como sendo homicídio
qualificado por motivo torpe (inciso I do § 2º do art. 121) ou fútil (inciso II) ou, ainda, em virtude de dificuldade da vítima de se
defender (inciso IV). No entanto, o certo é que não existia a previsão de uma pena maior para o fato de o crime ser cometido contra
a mulher por razões de gênero.
A Lei nº 13.104/2015 veio alterar esse panorama e previu, expressamente, que o feminicídio, deve agora ser punido como homicídio
qualificado.

Sujeito ativo
O feminicídio pode ser praticado por qualquer pessoa (trata-se de crime comum).
O sujeito ativo do feminicídio normalmente é um homem, mas também pode ser mulher.
Sujeito passivo
Obrigatoriamente deve ser uma pessoa do sexo feminino (criança, adulta, idosa, desde que do sexo feminino).
• Mulher que mata sua companheira homoafetiva: pode haver feminicídio se o crime foi por razões da condição de sexo feminino.
• Homem que mata seu companheiro homoafetivo: não haverá feminicídio porque a vítima deve ser do sexo feminino. Esse fato
continua sendo, obviamente, homicídio.

Razões de condição de sexo feminino


O que são “razões de condição de sexo feminino”?
O legislador previu, no § 2º-A do art. 121, uma norma penal interpretativa, ou seja, um dispositivo para esclarecer o significado
dessa expressão.
§ 2º-A Considera-se que há “razões de condição de sexo feminino” quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Tentado ou consumado
O feminicídio pode ser tentado ou consumado.
Tipo subjetivo
O feminicídio pode ser praticado com dolo direto ou eventual.
Natureza da qualificadora
Para o STJ, a qualificadora do feminicídio é de natureza OBJETIVA.
A justificativa apresentada para isso está no fato de que tal qualificadora “incide nos crimes praticados contra a mulher por razão do
seu gênero feminino e/ou sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita, assim o animus do
agente não é objeto de análise.” (Min. Felix Fischer, no REsp 1.707.113/MG, julgado em 29/11/2017).

É possível que o agente seja condenado pelas qualificadoras do motivo torpe e também pelo feminicídio? É possível a incidência
das duas qualificadoras em um caso concreto?
SIM.
Não caracteriza bis in idem o reconhecimento das qualificadoras de motivo torpe e de feminicídio no crime de homicídio
praticado contra mulher em situação de violência doméstica e familiar.
STJ. 6ª Turma. HC 433.898-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 24/04/2018 (Info 625).
Isso se dá porque o feminicídio é uma qualificadora de ordem objetiva - vai incidir sempre que o crime estiver atrelado à violência
doméstica e familiar propriamente dita enquanto que a torpeza é de cunho subjetivo, ou seja, continuará adstrita aos motivos
(razões) que levaram um indivíduo a praticar o delito.
Exemplo concreto:
“No dia 12 de março de 2017, por volta de 01h40min, no endereço XXX, o denunciado FULANO DE TAL, com intenção de matar
(animus necandi), tentou disparar uma arma de fogo contra sua companheira XXX, após agredi-la com socos que lhe causaram as
lesões descritas no laudo de fls. 22/23.
Assim agindo, o acusado deu início à execução de um crime de homicídio que não se consumou por circunstâncias alheias à sua
vontade, eis que a munição não foi deflagrada, tendo a vítima corrido do local e encontrado abrigo antes que o réu pudesse alvejá-la.
O acusado agiu por motivo torpe, eis que tentou matar a vítima em razão de infundado ciúme, após a vítima ter atendido a uma
ligação telefônica de um amigo.
O delito foi praticado contra mulher, em contexto de violência doméstica e familiar (feminicídio), pois o denunciado e a vítima
mantinham um relacionamento de muitos anos.”

Legitimidade ativa do Ministério Público e crime de estupro sem lesão corporal


Resumo do julgado
A Súmula 608 do STF prevê que “no crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.”
O entendimento dessa súmula pode ser aplicado independentemente da existência da ocorrência de lesões corporais nas vítimas de
estupro. A violência real se caracteriza não apenas nas situações em que se verificam lesões corporais, mas sempre que é empregada
força física contra a vítima, cerceando-lhe a liberdade de agir segundo a sua vontade.
Assim, se os atos foram praticados sob grave ameaça, com imobilização de vítimas, uso de força física e, em alguns casos, com
mulheres sedadas, trata-se de crime de estupro que se enquadra na Súmula 608 do STF e que, portanto, a ação é pública
incondicionada.
STF. 2ª Turma. RHC 117978, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 05/06/2018 (Info 905).

A Súmula 608 do STF permaneceu válida mesmo após o advento da Lei nº 12.015/2009.
Assim, em caso de estupro praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada mesmo após a Lei nº
12.015/2009.
STF. 1ª Turma. HC 125360/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 27/2/2018 (Info 892).

A ação penal nos crimes sexuais deve ser analisada em três momentos históricos. Acompanhe:
AÇÃO PENAL NOS CRIMES SEXUAIS
Redação Regra: ação penal privada.
originária
do CP
Exceções:
a) se a vítima ou seus pais não tivessem dinheiro para o processo: ação pública
condicionada à representação.
b) se o crime era cometido com abuso do poder familiar, ou da qualidade de
padrasto, tutor ou curador: ação pública incondicionada.
c) se da violência resultasse lesão grave ou morte da vítima: ação pública
incondicionada.
d) se o crime de estupro fosse praticado mediante o emprego de violência real: ação
pública incondicionada.
Redação da Regra: ação penal pública condicionada à representação.
Lei 12.015/09
Exceções:
a) Vítima menor de 18 anos: incondicionada.
b) Vítima vulnerável: incondicionada.
c) Se foi praticado mediante violência real: incondicionada (Súm. 608-STF).
d) Se resultou lesão corporal grave ou morte: polêmica, mas prevalecia que deveria
ser aplicado o mesmo raciocínio da Súmula 608-STF.
Redação da Ação pública incondicionada (sempre).
Lei 13.718/18 Todos os crimes contra a dignidade sexual são de ação pública incondicionada. Não
(quadro atual) há exceções!

Veja a nova redação do art. 225 do CP:


Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada. (Redação
dada pela Lei nº 13.718/2018).
O art. 225 do CP fala apenas nos Capítulos I e II do Título VI. E os crimes previstos nos demais Capítulos deste Título? Qual
será a ação penal neste caso?
Também será ação pública incondicionada. Isso por força do art. 100 do CP (Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei
expressamente a declara privativa do ofendido.).
Assim, repito: todos os crimes contra a dignidade sexual são de ação pública incondicionada.

Súmula 608-STF
Em 1984, o STF editou uma súmula afirmando que, se o estupro fosse praticado mediante violência real, a ação penal seria pública
incondicionada. Confira:
Súmula 608-STF: No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.

Com a edição da Lei nº 12.015/2009, a maioria da doutrina defendeu a ideia de que esta súmula teria sido superada. Isso porque,
como vimos, com a Lei nº 12.015/2009, a regra geral no estupro passou a ser a ação pública condicionada. Ao tratar sobre as
exceções nas quais o crime seria de ação pública incondicionada, o parágrafo único do art. 225 não falou em estupro com violência
real. Logo, para os autores, teria havido uma omissão voluntária do legislador.
O STF, contudo, não acatou esta tese. Para o STF, mesmo após a Lei nº 12.015/2009, o estupro praticado mediante violência real
continuou a ser de ação pública incondicionada:
A Súmula 608 do STF permanece válida mesmo após o advento da Lei nº 12.015/2009.
Assim, em caso de estupro praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.
STF. 1ª Turma. HC 125360/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 27/2/2018 (Info 892).

Vale ressaltar que é dispensável a ocorrência de lesões corporais para a caracterização da violência real nos crimes de estupro. Em
outras palavras, mesmo que a violência praticada pelo agressor não deixe marcas, não gere lesões corporais na vítima, ainda assim a
ação será pública incondicionada:
Nos termos da Súmula 608 do STF, no crime de estupro praticado mediante violência real, a ação é pública incondicionada.
O entendimento dessa súmula pode ser aplicado independentemente da existência da ocorrência de lesões corporais nas
vítimas de estupro. A violência real se caracteriza não apenas nas situações em que se verificam lesões corporais, mas
sempre que é empregada força física contra a vítima, cerceando-lhe a liberdade de agir segundo a sua vontade.
STF. 2ª Turma. RHC 117978, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 05/06/2018 (Info 905).
A Lei nº 13.718/2018 retira qualquer dúvida que ainda poderia existir e, portanto, o enunciado da súmula 608 do STF continua
válido, apesar de ser atualmente óbvio/inútil considerando que todos os crimes contra a dignidade sexual são de ação pública
incondicionada.
Por que a ação penal nos crimes sexuais (que são delitos graves e abomináveis) eram, em regra, de ação penal pública
condicionada à representação?
Para evitar o strepitus judicii do processo e a revitimização.

Strepitus judicii
Em uma tradução literal do latim, strepitus judicii significa o barulho, o ruído, o escândalo decorrente do julgamento.
Quando uma mulher é vítima de um estupro, por exemplo, o fato de se instaurar um inquérito policial e, posteriormente, uma ação
penal gera uma exposição do seu caso na comunidade. Isso porque, por mais que o processo corra em sigilo (art. 234-B do CP), é
normal que a notícia acerca da existência da ação penal se torne conhecida de outras pessoas, gerando um sentimento de vergonha
na vítima.
Além disso, infelizmente, algumas teses defensivas ainda hoje procuram transferir ou dividir a responsabilidade pelos crimes
sexuais para a vítima. Submeter a vítima a ouvir ou ler tal espécie de argumentação implica, sem dúvidas, mais sofrimento.
Revitimização
A vítima de um crime, especialmente em delitos sexuais ou violentos, todas as vezes em que for inquirida sobre os fatos, ela é, de
alguma forma, submetida a um novo trauma, um novo sofrimento ao ter que relatar um episódio triste e difícil de sua vida para
pessoas estranhas, normalmente em um ambiente formal e frio. Desse modo, a cada depoimento, a vítima sofre uma violência
psíquica.
Assim, revitimização consiste nesse sofrimento continuado ou repetido da vítima ao ter que relembrar esses fatos.
Alguns autores afirmam que a revitimização é uma forma de “violência institucional” cometida pelo Estado contra a vítima.
“A revitimização no atendimento às mulheres em situação de violência, por vezes, tem sido associada à repetição do relato
de violência para profissionais em diferentes contextos o que pode gerar um processo de traumatização secundária na
medida em que, a cada relato, a vivência da violência é reeditada.
Além da revitimização decorrente do excesso de depoimentos, revitimizar também pode estar associado a atitudes e
comportamentos, tais como: paternalizar; infantilizar; culpabilizar; generalizar histórias individuais; reforçar a vitimização;
envolver-se em excesso; distanciar-se em excesso; não respeitar o tempo da mulher; transmitir falsas expectativas. A
prevenção da revitimização requer o atendimento humanizado e integral, no qual a fala da mulher é valorizada e
respeitada.” (Diretrizes gerais e protocolos de atendimento. Programa “Mulher, viver sem violência”. Brasil: Governo
Federal. Secretaria Especial de Políticas para mulheres. 2015).
Por essas duas razões, o legislador entendia que, sendo a vítima maior de idade e pessoa não vulnerável, ela é quem deveria decidir
se desejaria ou não deflagrar a instauração do processo, ponderando seu desejo de justiça com as agruras que ainda teria que
enfrentar.
O certo é que o legislador fez uma opção e acabou com a ação penal condicionada nos crimes sexuais. São todos eles agora delitos
de ação pública incondicionada. Obviamente que, na prática, a vítima ainda continuará tendo certa autonomia. Isso porque a maioria
desses delitos ocorrem às escondidas, sem testemunhas, cabendo a decisão à vítima se irá levar tal fato ao conhecimento das
autoridades.

Vigência
A Lei nº 13.718/2018 entrou em vigor na data de sua publicação (25/09/2018). Como se trata de lei penal mais gravosa ( novatio
legis in pejus), ela é irretroativa, não alcançando fatos praticados antes da sua vigência.
Essa regra de irretroatividade vale, inclusive, para as ações penais. Assim, por exemplo, se, em 24/09/2018, o agente cometeu contra
uma mulher maior de 18 anos um assédio sexual (art. 216-A do CP), a ação penal continua sendo pública condicionada à
representação.

Sistema de vigilância em estabelecimento comercial não constitui óbice para a consumação do furto

Resumo do julgado
A existência de sistema de vigilância em estabelecimento comercial não constitui óbice para a tipificação do crime de furto.
STF. 1ª Turma.HC 111278/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Luiz Roberto Barroso, julgado em 10/4/2018 (Info
897).

Súmula 567-STJ: Sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de
estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto.
Se o agente praticou uma conduta que é descrita na lei como crime, mas o meio que ele escolheu para praticar o delito é ineficaz,
ele deverá responder pelo delito?Ex.: João, pretendendo matar Pedro, pega uma arma que viu na gaveta e efetua disparos contra
a vítima; o que João não sabia é que a arma tinha balas de festim, razão pela qual Pedro não morreu. O agente responderá por
tentativa de homicídio?
Se o agente praticou uma conduta que é descrita na lei como crime, mas o objeto material (a pessoa ou a coisa sobre a qual recai
a conduta) é inexistente, ele deverá responder pelo delito? Ex.: João pretende matar Pedro; ele avista seu inimigo deitado no
sofá e, pensando que este estivesse dormindo, dispara diversos tiros nele; o que João não sabia é que Pedro havia morrido 15
minutos antes, de parada cardíaca; João atirou, portanto, em um cadáver, em um corpo sem vida. Logo, não foram os tiros que
mataram Pedro. O agente responderá por tentativa de homicídio?
Para discutir as perguntas acima, os estudiosos do Direito Penal desenvolveram algumas teorias tratando sobre o “crime
impossível”. Vejamos:
1) TEORIA SUBJETIVA. Os que defendem a teoria subjetiva afirmam que não importa se o meio ou o objeto são absoluta ou
relativamente ineficazes ou impróprios. Para que haja crime, basta que a pessoa tenha agido com vontade de praticar a infração penal.
Tendo o agente agido com vontade, configura-se a tentativa de crime mesmo que o meio seja ineficaz ou o objeto seja impróprio. É
chamada de subjetiva porque, para essa teoria, o que importa é o elemento subjetivo. Assim, o agente é punido pela sua intenção
delituosa, mesmo que, no caso concreto, não tenha colocado nenhum bem em situação de perigo.
2) TEORIAS OBJETIVAS. Os que defendem essa teoria afirmam que não se pode analisar apenas o elemento subjetivo para saber
se houve crime. É indispensável examinar se está presente o elemento objetivo. Diz-se que há elemento objetivo quando a tentativa
tinha possibilidade de gerar perigo de lesão para o bem jurídico. Se a tentativa não gera perigo de lesão, ela é inidônea. A
inidoneidade pode ser:
a) absoluta (aquela conduta jamais conseguiria fazer com que o crime se consumasse); ou
b) relativa (a conduta poderia ter consumado o delito, o que somente não ocorreu em razão de circunstâncias estranhas à vontade do
agente).
A teoria objetiva se subdivide em:
2.1) OBJETIVA PURA: para esta corrente, não haverá crime se a tentativa for inidônea (não importa se inidoneidade absoluta ou
relativa). Enfim, em caso de inidoneidade, não interessa saber se ela é absoluta ou relativa, não haverá crime.
2.2) OBJETIVA TEMPERADA: esta segunda corrente faz a seguinte distinção:
Se os meios ou objetos forem relativamente inidôneos, haverá crime tentado.
Se os meios ou objetos forem absolutamente inidôneos, haverá crime impossível.

Qual foi a teoria adotada pelo Brasil?


A teoria OBJETIVA TEMPERADA. Veja o que diz o art. 17 do CP:
Art. 17. Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível
consumar-se o crime.

Ineficácia absoluta do meio


Ocorre quando o meio empregado jamais poderia levar à consumação do crime. Trata-se de um meio absolutamente ineficaz para
aquele crime. Ex1: uma pessoa diz que vai fazer uma feitiçaria para que a outra morra. Não há crime de ameaça por absoluta
ineficácia do meio. É crime impossível. Ex.2: tentar fazer uso de documento falso com uma falsificação muito grosseira.

Impropriedade absoluta do objeto


A palavra objeto, aqui, significa a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta criminosa. Diz-se que há impropriedade absoluta do
objeto quando ele não existe antes do início da execução ou lhe falta alguma qualidade imprescindível para configurar-se a infração.
Ex.1: João quer matar Pedro, razão pela qual invade seu quarto e, pensando que a vítima está dormindo, nela desfere três tiros.
Ocorre que Pedro não estava dormindo, mas sim morto, vítima de um ataque cardíaco. Dessa forma, João atirou em um morto.
Logo, trata-se de crime impossível, porque o objeto era absolutamente inidôneo. Ex.2: a mulher, acreditando equivocadamente que
está grávida, toma medicamento abortivo.

Ineficácia ou impropriedade relativas = crime tentado


Como no Brasil adotamos a teoria objetiva temperada, se a ineficácia do meio ou a impropriedade do objeto forem relativas, haverá
crime tentado.

Qual é a natureza jurídica do crime impossível?


Trata-se de excludente de tipicidade. Nesse sentido: (Juiz Federal TRF1 2013 CESPE) O crime impossível constitui causa de
exclusão da tipicidade (CERTO).
Imagine agora a seguinte situação hipotética:
João ingressa em um supermercado e, na seção de eletrônicos, subtrai para si um celular que estava na prateleira. Ele não percebeu,
contudo, que acima deste setor havia uma câmera por meio da qual o segurança do estabelecimento monitorava os consumidores,
tendo este percebido a conduta de João.
Quando estava na saída do supermercado com o celular no bolso, João foi parado pelo segurança do estabelecimento, que lhe deu
voz de prisão e chamou a PM, que o levou até a Delegacia de Polícia. João foi denunciado pela prática de tentativa de furto. A
defesa alegou a tese do crime impossível por ineficácia absoluta do meio: como existia uma câmera acima da prateleira, não haveria
nenhuma chance de o réu conseguir furtar o objeto sem ser visto. O cometimento do crime seria impossível porque o meio por ele
escolhido (furtar um celular que era vigiado por uma câmera) foi absolutamente ineficaz.

A tese da defesa é aceita pela jurisprudência? O simples fato de o estabelecimento contar com sistema de segurança ou vigilância
eletrônica (câmera) já é suficiente para caracterizar o crime impossível?
NÃO. A existência de sistema de segurança ou de vigilância eletrônica não torna impossível, por si só, o crime de furto cometido no
interior de estabelecimento comercial.
No caso de furto praticado no interior de estabelecimento comercial (supermercado, p. ex.) equipado com câmeras e segurança, a
jurisprudência entende que, embora esses mecanismos de vigilância tenham por objetivo evitar a ocorrência de furtos, sua eficiência
apenas MINIMIZA as perdas dos comerciantes, visto que não impedem, de modo absoluto (por completo), a ocorrência de furtos
nestes locais.
Existem muitas variáveis que podem fazer com que, mesmo havendo o equipamento, ainda assim o agente tenha êxito na conduta.
Exs.: o equipamento pode falhar, o vigilante pode estar desatento e não ter visto a câmera no momento da subtração, o agente pode
sair rapidamente da loja sem que haja tempo de ser parado etc.
É certo que, na maioria dos casos, o agente não conseguirá consumar a subtração do produto por causa das câmeras; no entanto, sempre
haverá o risco de que, mesmo com todos esses cuidados, o crime aconteça.
Desse modo, concluindo: na hipótese aqui analisada, não podemos falar em ABSOLUTA ineficácia do meio. O que se tem, no caso,
é a inidoneidade RELATIVA do meio. Em outras palavras, o meio escolhido pelo agente é relativamente ineficaz, visto que existe
sim uma possibilidade (ainda que pequena) de o delito se consumar.
Sendo assim, se a ineficácia do meio deu-se apenas de forma relativa, não é possível o reconhecimento do instituto do crime
impossível, previsto no art. 17 do CP.
Resumindo:
A existência de sistema de vigilância em estabelecimento comercial não constitui óbice para a tipificação do crime de furto.
STF. 1ª Turma. HC 111278/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Luiz Roberto Barroso, julgado em 10/4/2018 (Info
897).

Essa é a posição sumulada do STJ:


Súmula 567-STJ: Sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de
estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto.

SITUAÇÃO ESPECÍFICA
Imagine a seguinte situação hipotética:
João, adentra a um supermercado para subtrair peças de carne. Ao ingressar no local repara que o supermercado é monitorado com
diversas câmeras e robusto sistema de vigilância, razão pela qual coloca seu boné e é mais cauteloso em suas ações.
Ao avistar João de boné, Cleber – segura do supermercado – suspeita e resolve seguir os passos de João. Cleber
acompanha toda conduta do agente ao colocar os pedaços de carne em um bolso falso do carrinho de bebê. Ao deixar o
estabelecimento – já na posse dos pedaços de picanha – João é retido pelo segurança que imediatamente chama a polícia, sendo João
preso em flagrante.

É possível falar em crime impossível?


Sim.

De acordo com a Súmula 567 do Superior Tribunal de Justiça o sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou a
existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto.
Ocorre que, conforme a própria súmula descreve, tais circunstâncias isoladamente analisadas não afastam a configuração do delito,
porém, a análise deve ser realizada de acordo com cada caso concreto.
Nesse sentido, a 2a Turma do Supremo Tribunal Federal já se manifestou pela atipicidade da conduta do agente se acompanhado em
todo seu trajeto por segurança do supermercado, sendo tal vigilância direta e integral:
HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO QUALIFICADO TENTADO. ARTIGO 155, § 4º, INCISO IV, EM COMBINAÇÃO COM
O ART. 14, INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. CONDUTA DELITUOSA PRATICADA EM
SUPERMERCADO. ESTABELECIMENTO VÍTIMA QUE EXERCEU VIGILÂNCIA DIRETA SOBRE A CONDUTA DOS
PACIENTES. ACOMPANHAMENTO ININTERRUPTO DE TODO O ITER CRIMINIS. INEFICÁCIA ABSOLUTA DO MEIO
EMPREGADO PARA A CONSECUÇÃO DO DELITO, DADAS AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. CRIME
IMPOSSÍVEL CARACTERIZADO. ARTIGO 17 DO CÓDIGO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM
CONCEDIDA. COM FUNDAMENTO DIVERSO, VOTARAM PELA CONCESSÃO DA ORDEM OS EMINENTES
MINISTROS CELSO DE MELLO E EDSON FACHIN.
1. A forma específica mediante a qual os funcionários do estabelecimento vítima exerceram a vigilância direta sobre a conduta dos
pacientes, acompanhando ininterruptamente todo o iter criminis, tornou impossível a consumação do crime, dada a ineficácia
absoluta do meio empregado. Tanto isso é verdade que, no momento em que se dirigiam para a área externada do estabelecimento
comercial sem efetuar o pagamento dos produtos escolhidos, os pacientes foram abordados na posse dos bens por funcionário
comunicado de sua conduta, sendo esses restituídos à vítima.
2. De rigor, portanto, diante dessas circunstâncias, a incidência do art. 17 do Código Penal, segundo o qual “não se pune a tentativa
quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”.
(...)
STF; HC 144.851; Segunda Turma; Rel. Min. Dias Toffoli; DJE 06/02/2018
Nessa mesma linha de pensamento: STF; HC-RO 144.516; Segunda Turma; Rel. Min. Dias Toffoli; DJE 06/02/2018, STF; HC
137290; Segunda Turma; Rel. Min. Dias Toffoli; julgado em 07/02/2017

Dessa forma, a forma específica mediante a qual o funcionário do estabelecimento vítima exerceu a vigilância direta sobre a conduta
da paciente, acompanhando ininterruptamente todo o iter criminis, tornou impossível a consumação do crime, dada a ineficácia
absoluta do meio empregado.

Ressalte-se que a 2a Turma do STF consagrou que “esse entendimento não conduz, automaticamente, à atipicidade de toda e
qualquer subtração em estabelecimento comercial que tenha sido monitorada pelo corpo de seguranças ou pelo sistema de
vigilância, sendo imprescindível, para se chegar a essa conclusão, a análise individualizada das circunstâncias de cada caso
concreto”.

Em outras palavras, muito embora vigore a Súmula 567 do Superior Tribunal de Justiça nada impede, contudo, que,
excepcionalmente conforme entendimento da 2a Turma do STF, diante das circunstâncias concretas, se entenda que a vigilância
tornou absoluta a ineficácia do meio utilizado, afastando, assim, a tipicidade, nos termos do art. 17 do Código Penal.

Furto de “cofrinho” contendo R$ 4,80 de uma instituição de combate ao câncer, mediante induzimento de filho de 9 anos

Resumo do julgado
Não se aplica o princípio da insignificância ao furto de bem de inexpressivo valor pecuniário de associação sem fins lucrativos com
o induzimento de filho menor a participar do ato.
STJ. 6ª Turma. RHC 93472-MS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 15/03/2018 (Info 622).
Imagine a seguinte situação baseada no caso concreto, mas com adaptações:
Vânia estava com seu filho de 9 anos na Associação dos Voluntários de Combate ao Câncer, uma associação civil sem fins
lucrativos.
Vânia viu um “cofrinho” de moedas em cima da mesa.
Ela, então, falou para o seu filho pegar o “cofrinho” sem que ninguém visse e o colocasse na sua bolsa.
O filho fez isso.
O fato, contudo, foi presenciado pela voluntária que trabalha na associação.
Assim, quando Vânia e o filho estavam saindo foram abordadas pela diretora da associação.
O caso foi levado à autoridade policial e Vânia denunciada por furto.
Em sua defesa ela invocou o princípio da insignificância considerando que dentro do “cofrinho” havia apenas R$ 4,80 (quatro reais
e oitenta centavos).

O STJ acolheu a tese da defesa?


NÃO.
Não se aplica o princípio da insignificância ao furto de bem de inexpressivo valor pecuniário de associação sem fins
lucrativos com o induzimento de filho menor a participar do ato.
STJ. 6ª Turma. RHC 93.472-MS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 15/03/2018 (Info 622).
Requisitos objetivos para aplicação do princípio
O Min. Celso de Mello (HC 84.412-0/SP) idealizou quatro requisitos objetivos para a aplicação do princípio da insignificância,
sendo eles adotados pela jurisprudência do STF e do STJ.
Segundo a jurisprudência, somente se aplica o princípio da insignificância se estiverem presentes os seguintes requisitos
cumulativos:
a) mínima ofensividade da conduta;
b) nenhuma periculosidade social da ação;
c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e
d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
O STJ entendeu que, no caso concreto, não se podia falar em mínima ofensividade nem havia reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento. Isso porque para conseguir a subtração do bem, a ré induziu que seu próprio filho fosse pegar o objeto. Além disso,
o crime foi praticado contra uma instituição sem fins lucrativos que dá amparo a crianças com câncer. Ainda que irrelevante a lesão
pecuniária provocada, porque inexpressivo o valor do bem, a repulsa social do comportamento é evidente.
Deve-se reconhecer, portanto, presente tipicidade conglobante do comportamento em tela.

Lesão corporal contra irmão configura o § 9º do art. 129 do CP não importando onde a agressão tenha ocorrido

Resumo do julgado
Não é inepta a denúncia que se fundamenta no art. 129, § 9º, do CP – lesão corporal leve –, qualificada pela violência doméstica, tão
somente em razão de o crime não ter ocorrido no ambiente familiar.
Ex: João agrediu fisicamente seu irmão na sede da empresa onde trabalham, causando-lhe lesão corporal leve. O agente deverá
responder pelo art. 129, § 9º do CP. Sendo a lesão corporal praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou
companheiro, deverá incidir a qualificadora do § 9º não importando onde a agressão tenha ocorrido.
STJ. 5ª Turma. RHC 50026-PA, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 3/8/2017 (Info 609).

Lesão corporal qualificada pela violência doméstica


O crime de lesão corporal é previsto no art. 129 do Código Penal:
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
O § 9º do art. 129 prevê uma qualificadora caso a lesão corporal seja decorrente de violência doméstica:
Violência Doméstica
§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha
convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 11.340/06)

Obs: vale ressaltar que a pena prevista no § 9º (3 meses a 3 anos) somente se aplica em caso de lesão corporal leve. Se a lesão for
grave, gravíssima ou seguida de morte, deverão ser aplicadas as penas dos §§ 1º, 2º e 3º, respectivamente, com a causa de aumento
do § 10 do art. 129.

Se um homem for vítima de lesão corporal decorrente de violência doméstica, incidirá esse § 9º do art. 129? Esse dispositivo é
aplicado tanto para vítimas mulheres como homens?
SIM.
A qualificadora prevista no § 9º do art. 129 do CP aplica-se também às lesões corporais cometidas contra HOMEM no âmbito das
relações domésticas.
STJ. 5ª Turma. RHC 27.622-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 7/8/2012.
A ideia do legislador ao incluir o § 9º ao art. 129 do CP foi a de ter coibir a violência nas relações domésticas independentemente de
a vítima ser mulher ou homem. Assim, não há irregularidade em aplicar a qualificadora de violência doméstica às lesões corporais
contra homem.
Mas, por favor, não confunda: a Lei Maria da Penha, seus institutos e regras, não se aplicam quando a vítima for homem. A Lei
Maria da Penha somente se aplica para vítimas mulheres.
• Qualificadora do § 9º do art. 129 do CP: pode ser aplicado quando a vítima for mulher ou homem;
• Lei Maria da Penha: somente pode ser aplicada quando a vítima for mulher.
Ex: filho empurrou seu pai que, com a queda, sofreu lesões corporais leves. Em tese, esse filho praticou o delito do art. 129, § 9º, do CP.
Apesar disso, não se aplicará a Lei Maria da Penha neste caso porque a vítima é homem.

Pode incidir a qualificadora do § 9º do art. 129 do CP mesmo que a lesão corporal tenha sido praticada fora do âmbito familiar
(no ambiente de trabalho, p. ex.)? João agride fisicamente seu irmão na sede da empresa onde trabalham. João poderá
responder pelo art. 129, § 9º do CP?
SIM. Uma das formas de se praticar o crime do art. 129, § 9º do CP é simplesmente cometer lesão corporal contra ascendente,
descendente, irmão, cônjuge ou companheiro. Ocorrendo isso, configura-se o delito não importando onde a agressão tenha ocorrido.
Assim, decidiu o STJ:
Não é inepta a denúncia que se fundamenta no art. 129, § 9º, do CP – lesão corporal leve –, qualificada pela violência
doméstica, tão somente em razão de o crime não ter ocorrido no ambiente familiar.
STJ. 5ª Turma. RHC 50.026-PA, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 3/8/2017 (Info 609).

In(aplicabilidade) do princípio da insignificância aos crimes contra a Administração Pública

Resumo do julgado
Súmula 599-STJ: O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.
STJ. Corte Especial. Aprovada em 20/11/2017, DJe 27/11/2017.

Princípio da insignificância
Quem primeiro tratou sobre o princípio da insignificância no direito penal foi Claus Roxin, em 1964.
Também é chamado de “princípio da bagatela” ou “infração bagatelar própria”.
O princípio da insignificância não tem previsão legal no direito brasileiro. Trata-se de uma criação da doutrina e da jurisprudência.
Para a posição majoritária, o princípio da insignificância é uma causa supralegal de exclusão da tipicidade material.
Se o fato for penalmente insignificante, significa que não lesou nem causou perigo de lesão ao bem jurídico. Logo, aplica-se o
princípio da insignificância e o réu é absolvido por atipicidade material, com fundamento no art. 386, III do CPP.
O princípio da insignificância atua, então, como um instrumento de interpretação restritiva do tipo penal.

O princípio da insignificância pode ser aplicado aos crimes contra a Administração Pública?
Para o STJ, não. Não se aplica o princípio da insignificância aos crimes contra a Administração Pública, ainda que o valor da lesão
possa ser considerado ínfimo.
Segundo o STJ, os crimes contra a Administração Pública têm como objetivo resguardar não apenas o aspecto patrimonial, mas,
principalmente, a moral administrativa. Logo, mesmo que o valor do prejuízo seja insignificante, deverá haver a sanção penal
considerando que houve uma afronta à moralidade administrativa, que é insuscetível de valoração econômica.

Exceção
Existe uma exceção. A jurisprudência é pacífica em admitir a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho (art.
334 do CP), que, topograficamente, está inserido no Título XI do Código Penal, que trata sobre os crimes contra a Administração
Pública.
De acordo com o STJ, “a insignificância nos crimes de descaminho tem colorido próprio, diante das disposições trazidas na Lei n.
10.522/2002”, o que não ocorre com outros delitos, como o peculato etc. (AgRg no REsp 1346879/SC, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 26/11/2013).

O STF concorda com a Súmula 599 do STJ?


NÃO. No STF, há julgados admitindo a aplicação do princípio mesmo em outras hipóteses além do descaminho, como foi o caso do
HC 107370, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 26/04/2011 e do HC 112388, Rel. p/ Acórdão Min. Cezar Peluso, julgado em
21/08/2012.
Segundo o entendimento que prevalece no STF, a prática de crime contra a Administração Pública, por si só, não inviabiliza a
aplicação do princípio da insignificância, devendo haver uma análise do caso concreto para se examinar se incide ou não o referido
postulado.

Praticar sexo com menor de 14 anos é crime


Resumo do julgado
Súmula 593-STJ: O crime de estupro de vulnerável configura-se com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de
14 anos, sendo irrelevante o eventual consentimento da vítima para a prática do ato, experiência sexual anterior ou existência de
relacionamento amoroso com o agente.
STJ. 3ª Seção. Aprovada em 25/10/2017, DJe 06/11/2017.

A Lei nº 12.015/2009 acrescentou o art. 217-A ao Código Penal, criando um novo delito, chamado de “estupro de vulnerável”:
Estupro de vulnerável
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

Antes do art. 217-A, ou seja, antes da Lei nº 12.015/2009, as condutas de praticar conjunção carnal ou ato libidinoso com menor
de 14 anos já eram consideradas crimes?
SIM. Tais condutas poderiam se enquadrar nos crimes previstos no art. 213 c/c art. 224, “a” (estupro com violência presumida por
ser menor de 14 anos) ou art. 214 c/c art. 224, “a” (atentado violento ao pudor com violência presumida por ser menor de 14 anos),
todos do Código Penal, com redação anterior à Lei n.° 12.015/2009.
Desse modo, apesar de os arts. 213, 214 e 224 do CP terem sido revogados pela Lei nº 12.015/2009, não houve abolitio
criminis dessas condutas, ou seja, continua sendo crime praticar estupro ou ato libidinoso com menor de 14 anos. No entanto, essas
condutas, agora, são punidas pelo art. 217-A do CP. O que houve, portanto, foi a continuidade normativa típica, que ocorre quando
uma norma penal é revogada, mas a mesma conduta continua sendo crime no tipo penal revogador, ou seja, a infração penal
continua tipificada em outro dispositivo, ainda que topologicamente ou normativamente diverso do originário.

Antes da Lei nº 12.015/2009, se o agente praticasse atentado violento ao pudor (ex: coito anal) com um adolescente de 13 anos,
haveria crime mesmo que a vítima consentisse (concordasse) com o ato sexual? Haveria crime mesmo que a vítima já tivesse tido
outras relações sexuais com outros parceiros anteriormente? Essa presunção de violência era absoluta?
SIM. A presunção de violência nos crimes contra os costumes cometidos contra menores de 14 anos, prevista na antiga redação do art.
224, alínea “a”, do CP (antes da Lei nº 12.015/2009), possuía caráter absoluto, pois constituía critério objetivo para se verificar a
ausência de condições de anuir com o ato sexual.
Assim, essa presunção absoluta não podia ser afastada (relativizada) mesmo que a vítima tivesse dado seu “consentimento” porque
nesta idade este consentimento seria viciado (inválido). Logo, mesmo que a vítima tivesse experiência sexual anterior, mesmo que
fosse namorado do autor do fato, ainda assim haveria o crime.
A presunção de violência era absoluta nos casos de estupro/atentado violento ao pudor contra menor de 14 anos. Nesse sentido: STJ.
3ª Seção. EREsp 1152864/SC, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 26/02/2014.

E, atualmente, ou seja, após a Lei n.° 12.015/2009?


Continua sendo crime praticar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso contra menor de 14 anos. Isso está expresso no art.
217-A do CP e não interessa se a vítima deu consentimento, se namorava o autor do fato etc. A discussão sobre presunção de
violência perdeu sentido porque agora a lei incluiu a idade (menor de 14 anos) no próprio tipo penal. Manteve relação sexual com
menor de 14 anos: estupro de vulnerável.
A Lei nº 12.015/2009 acrescentou o art. 217-A ao Código Penal, criando um novo delito, chamado de “estupro de vulnerável”:
Estupro de vulnerável
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
A fim de que não houvesse mais dúvidas sobre o tema, o STJ pacificou a questão editando a Súmula 593.
O Congresso Nacional decidiu incorporar na legislação esse entendimento e acrescentou o § 5º ao art. 217-A do CP repetindo, em
parte, a conclusão da súmula e estendendo o mesmo raciocínio para outras espécies de pessoa vulnerável. Veja:
Art. 217-A. (...)
§ 5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do
fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime. (Inserido pela Lei nº 13.718/2018)

Em algumas localidades do país (ex: determinadas comunidades do interior), seria possível dizer que não há crime,
considerando que é costume a prática de atos sexuais com crianças? É possível excluir o crime de estupro de vulnerável com
base no princípio da adequação social?
NÃO. Segundo afirmou o Min. Rogério Schietti, a prática sexual envolvendo menores de 14 anos não pode ser considerada como
algo dentro da "normalidade social". Não é correto imaginar que o Direito Penal deva se adaptar a todos os inúmeros costumes de
cada uma das microrregiões do país, sob pena de se criar um verdadeiro caos normativo, com reflexos danosos à ordem e à paz
públicas.
Ademais, o afastamento do princípio da adequação social aos casos de estupro de vulnerável busca evitar a carga de subjetivismo que
acabaria marcando a atuação do julgador nesses casos, com danos relevantes ao bem jurídico tutelado, que é o saudável crescimento
físico, psíquico e emocional de crianças e adolescentes. Esse bem jurídico goza de proteção constitucional e legal, não estando sujeito a
relativizações.

Na sentença, durante a dosimetria, o juiz pode reduzir a pena-base do réu alegando que a vítima (menor de 14 anos) já tinha
experiência sexual anterior ou argumentando que a vítima era homossexual?
Claro que NÃO.
Em se tratando de crime sexual praticado contra menor de 14 anos, a experiência sexual anterior e a eventual homossexualidade do
ofendido não servem para justificar a diminuição da pena-base a título de comportamento da vítima.
A experiência sexual anterior e a eventual homossexualidade do ofendido, assim como não desnaturam (descaracterizam) o crime
sexual praticado contra menor de 14 anos, não servem também para justificar a diminuição da pena-base, a título de comportamento
da vítima.
STJ. 6ª Turma. REsp 897.734-PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 3/2/2015 (Info 555).

O que acontece se um garoto de 13 anos praticar sexo consensual com a sua namorada de 12 anos?
Haverá o que a doutrina denomina de estupro bilateral. Assim, ocorre o “estupro bilateral” quando dois menores de 14 anos
praticam conjunção carnal ou outro ato libidinoso entre si. Em outras palavras, tanto o garoto como a garota, neste exemplo, serão
autores e vítimas, ao mesmo tempo, de ato infracional análogo ao crime de estupro de vulnerável.

Em que consiste a chamada “exceção de Romeu e Julieta”?


Trata-se de uma tese defensiva segundo a qual se o agente praticasse sexo consensual (conjunção carnal ou ato libidinoso) com uma
pessoa menor de 14 anos, não deveria ser condenado se a diferença entre o agente e a vítima não fosse superior a 5 anos. Ex: Lucas,
18 anos e 1 dia, pratica sexo com sua namorada de 13 anos e 8 meses. Pela “exceção de Romeu e Julieta” Lucas não deveria ser
condenado por estupro de vulnerável (art. 217-A do CP).
A teoria recebe esse nome por inspiração da peça de Willian Shakespeare na qual Julieta, com 13 anos, mantém relação sexual com
Romeu. Assim, Romeu, em tese, teria praticado estupro de vulnerável.
A “exceção de Romeu e Julieta” não é aceita pela jurisprudência, ou seja, mesmo que a diferença entre autor e vítima seja menor
que 5 anos, mesmo que o sexo seja consensual e mesmo que eles sejam namorados, há crime.

A extorsão pode ser praticada mediante a ameaça feita pelo agente de causar um "mal espiritual" na vítima
Resumo do julgado
O crime de extorsão consiste em "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para
outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa"
A ameaça de causar um "mal espiritual" contra a vítima pode ser considerada como "grave ameaça" para fins de configuração do
crime de extorsão?
SIM. Configura o delito de extorsão (art. 158 do CP) a conduta do agente que submete vítima à grave ameaça espiritual que se
revelou idônea a atemorizá-la e compeli-la a realizar o pagamento de vantagem econômica indevida.
STJ. 6ª Turma. REsp 1299021-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 14/2/2017 (Info 598).
EXTORSÃO
Extorsão (art. 158 do CP)
O Código Penal prevê o crime de extorsão nos seguintes termos:
Art. 158. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida
vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.

Em que consiste o delito:


O agente, usando de violência ou de grave ameaça, obriga a vítima a adotar determinado comportamento, com o objetivo de obter
uma vantagem econômica indevida.
A vítima é coagida pelo autor do crime a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa.
Ex.: “A” exige que “B” assine um cheque em branco em seu favor, senão contará a todos que “B” possui um caso extraconjugal.
Ex.2: Golpe do falso sequestro via celular. “A” (de um presídio em SP) liga para “B” (em Brasília) e afirma que sua filha foi sequestrada
exigindo, por meio de ameaças, depósito de dinheiro em determinada conta bancária. Obs: o juízo competente é o do local onde estava a
pessoa que recebeu os telefonemas (STF ACO 889/RJ).

GRAVE AMEAÇA: AFIRMAR QUE IRÁ CAUSAR UM PREJUÍZO ECONÔMICO À VÍTIMA


Se o agente ameaça causar um prejuízo econômico à vítima, ainda assim haverá extorsão? A "grave ameaça" prevista no art.
158 pode ser econômica?
SIM.
A extorsão pode ser feita mediante ameaça de causar um prejuízo econômico.
Assim, não se exige que a ameaça se dirija apenas contra a integridade física ou moral da vítima.
Ex: o agente estava com o carro da vítima e exigiu que ela fizesse o pagamento a ele de determinada quantia em dinheiro. Caso o
pedido não fosse atendido, ele prometeu destruir o veículo.
Dessa forma, o STJ decidiu que pode configurar o crime de extorsão a exigência de pagamento em troca da devolução do veículo
furtado, sob a ameaça de destruição do bem.
STJ. 5ª Turma. REsp 1.207.155-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 7/11/2013 (Info 531).

GRAVE AMEAÇA: AFIRMAR QUE IRÁ CAUSAR UM MAL ESPIRITUAL À VÍTIMA


Imagine a seguinte situação hipotética:
Francisca estava andando na rua quando viu em um poste um cartaz anunciando os serviços de Maria, uma mulher que alegava fazer
trabalhos espirituais para que a pessoa se livrasse de problemas e "encostos" que estivessem atrapalhando a vida.
Francisca foi até a casa onde Maria atendia e lhe pagou R$ 300,00 para que esta fizesse um trabalho espiritual a fim de que sua vida
melhorasse.
Passado um mês, Maria chamou Francisca e disse que tinha um trabalho enterrado no cemitério contra ela e seus filhos, mas que ela
já havia resolvido. No entanto, agora ela precisava ser remunerada por isso, tendo cobrado R$ 2.000,00 por ter feito este trabalho de
libertação.
Francisca recusou-se a pagar.
A partir daí, Maria começou a ameaçar sua cliente, dizendo que, se ela não pagasse a quantia exigida, iria refazer o trabalho e que os
espíritos malignos iriam acabar com a vida da vítima e de seus filhos.
Francisca sentiu muito medo e, por conta disso, pagou à Maria a quantia exigida.
Depois de alguns meses, Francisca comentou o caso com seu sobrinho, que estuda para concursos, e ele recomendou que ela
procurasse a polícia.
Após o inquérito policial, o Ministério Público denunciou Maria pela prática de extorsão (art. 158 do CP).
A ré alegou três teses em sua defesa:
1) a ameaça foi fantasiosa e não implicou em mal grave, sério e apto a intimidar o "homem médio", não se podendo cogitar da figura
do art. 158 do CP;
2) a CF/88 assegura a liberdade de credo e que ela não pode ser punida por exercitar a sua religião;
3) se houve a prática de algum crime, foi o do art. 284 do CP (curandeirismo).

O que o STJ entendeu ao analisar um caso parecido com este? A ameaça de causar um "mal espiritual" contra a vítima pode ser
considerada como "grave ameaça" para fins de configuração do crime de extorsão (art. 158 do CP)? Houve extorsão?
SIM.
Configura o delito de extorsão (art. 158 do CP) a conduta do agente que submete vítima à grave ameaça espiritual que se
revelou idônea a atemorizá-la e compeli-la a realizar o pagamento de vantagem econômica indevida.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.299.021-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 14/2/2017 (Info 598).
A vítima sentiu-se intimidada pela ameaça espiritual e, por conta disso, efetuou o pagamento da vultosa quantia exigida pela ré.
Logo, percebe-se que a grave ameaça espiritual revelou-se idônea para o fim de atemorizar a vítima e compeli-la a realizar o
pagamento da vantagem econômica indevida.
A ameaça de mal espiritual, em razão da garantia de liberdade religiosa, não pode ser considerada inidônea ou inacreditável. Para a
vítima e boa parte do povo brasileiro, existe a crença na existência de força ou forças sobrenaturais, manifestada em doutrinas e
rituais próprios, não se podendo falar que tais ameaças não possuem força para constranger o homem médio. Dessa forma, o meio
empregado foi idôneo, tanto que ensejou a intimidação da vítima, a consumação e o exaurimento da extorsão.
Sobre o tema, veja o que ensina Cleber Masson:
"De fato, o que é ridículo para uma pessoa pode constituir-se em grave ameaça para outrem. Certamente um ateu irá zombar daquele
que ordenar a entrega de sua carteira, sob pena de após sua morte queimar no fogo do inferno. Por outro lado, uma pessoa
supersticiosa poderá ceder à exigência de um feiticeiro, entregando-lhe dinheiro depois de ouvir que se não obedecê-lo terá contra si
rogada uma praga." (MASSON, Cleber. Direito Penal. Vol. 2. Parte Especial. 10ª ed., São Paulo: Método, 2017, p. 431).

A liberdade de crença (art. 5º, VI, da CF/88) poderia ser invocada para absolver a ré?
NÃO. O trabalho espiritual, quando relacionado a algum tipo de credo ou religião, pode ser exercido livremente, porquanto a
Constituição Federal assegura a todos a liberdade de crença e de culto. No entanto, no caso concreto, houve excesso no exercício
dessa garantia constitucional, com o intuito de obter vantagem econômica indevida, o que caracteriza o crime do art. 158 do CPP.

Seria possível desclassificar o crime para o delito de curandeirismo (art. 284 do CP)?
NÃO. O crime de curanderismo é previsto nos seguintes termos:
Art. 284. Exercer o curandeirismo:
I - prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância;
II - usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;
III - fazendo diagnósticos:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado mediante remuneração, o agente fica também sujeito à multa.
No curandeirismo, o agente acredita que, com suas fórmulas, poderá resolver problema de saúde da vítima. Esta, contudo, não foi a
finalidade da ré. A acusada queria obter vantagem ilícita, causando prejuízo ao patrimônio da vítima, tendo, para tanto, feito
ameaças contra a sua cliente.
A intenção da ré, portanto, foi de enganar a vítima e não de curá-la de mal impossível.

Agente que participou do roubo pode responder por latrocínio ainda que o disparo que matou a vítima tenha sido efetuado
pelo corréu

Resumo do julgado
Aquele que se associa a comparsa para a prática de roubo, sobrevindo a morte da vítima, responde pelo crime de latrocínio, ainda
que não tenha sido o autor do disparo fatal ou que sua participação se revele de menor importância.
Ex: João e Pedro combinaram de roubar um carro utilizando arma de fogo. Eles abordaram, então, Ricardo e Maria quando o casal
entrava no veículo que estava estacionado. Os assaltantes levaram as vítimas para um barraco no morro. Pedro ficou responsável por
vigiar o casal no cativeiro enquanto João realizaria outros crimes utilizando o carro subtraído. Depois de João ter saído, Ricardo e
Maria tentaram fugir e Pedro atirou nas vítimas, que acabaram morrendo. João pretendia responder apenas por roubo majorado (art.
157, § 2º, I e II) alegando que não participou nem queria a morte das vítimas, devendo, portanto, ser aplicado o art. 29, § 2º do CP.
O STF, contudo, não acatou a tese. Isso porque João assumiu o risco de produzir resultado mais grave, ciente de que atuava em
crime de roubo, no qual as vítimas foram mantidas em cárcere sob a mira de arma de fogo.
STF. 1ª Turma. RHC 133575/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 21/2/2017 (Info 855).

Atenção: vide STF. 1ª Turma. HC 109151/RJ, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 12/6/2012 (Info 670).
Imagine a seguinte situação adaptada:
João e Pedro combinaram de roubar um carro utilizando arma de fogo.
Eles abordaram, então, Ricardo e Maria quando o casal entrava no veículo que estava estacionado.
Os assaltantes levaram as vítimas para um barraco no morro.
Pedro ficou responsável por vigiar o casal no cativeiro enquanto João realizaria outros crimes utilizando o carro subtraído.
Depois de João ter saído, Ricardo e Maria tentaram fugir e Pedro atirou nas vítimas, que acabaram morrendo.

Qual foi o crime praticado por Pedro?


Latrocínio (art. 157, § 3º, 2ª parte) em concurso com sequestro e cárcere privado (art. 148 do CP):
Art. 157 (...)
§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a
reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.
Art. 148. Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado:
Pena - reclusão, de um a três anos.

João também foi denunciado por latrocínio, mas alegou em sua defesa que deveria responder apenas por roubo majorado (art.
157, § 2º, I e II), considerando que não participou nem queria a morte das vítimas, devendo, portanto, ser aplicado o art. 29, § 2º
do CP. A tese de João foi aceita pelo STF?
NÃO. O art. 29, § 2º prevê:
§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até
metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.
No caso concreto, o juiz sentenciante julgou que o réu contribuiu ativamente para a realização do delito, em unidade de desígnios e
mediante divisão de tarefas, com pleno domínio do fato. O STF entendeu que a decisão do magistrado foi correta. Segundo decidiu a
Corte:
Aquele que se associa a comparsa para a prática de roubo, sobrevindo a morte da vítima, responde pelo crime de latrocínio,
ainda que não tenha sido o autor do disparo fatal ou que sua participação se revele de menor importância.
O agente assumiu o risco de produzir resultado mais grave, ciente de que atuava em crime de roubo, no qual as vítimas
foram mantidas em cárcere sob a mira de arma de fogo.
STF. 1ª Turma. RHC 133575/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 21/2/2017 (Info 855).

No caso concreto, o magistrado sentenciante utilizou a seguinte argumentação:


No concurso de pessoas não é necessário que todos os agentes pratiquem os mesmos atos executivos, sendo suficiente o encontro de
vontades para a prática da infração penal.
Assim, embora não existam provas de que João tenha ordenado que o corréu Pedro matasse as vítimas, não há dúvidas de que ele
assumiu o risco de produzir o resultado mais grave, pois, após terem juntos praticado a subtração e mantido os ofendidos em
cárcere, os deixou com seu comparsa enquanto levava o veículo para a prática de outros crimes.
Assim, João tinha domínio do fato e sua conduta não pode ser considerada meramente acessória ou de menor importância, estando
ciente de que atuava em um roubo, no qual as vítimas era mantidas em cárcere sob a mira de uma arma de fogo, tendo anuído e
aderido à conduta violenta do corréu, sendo a sua ação fundamental para a concretização da subtração do patrimônio visado.
Não tendo havido rompimento do liame subjetivo entre os agentes, não há que se falar em participação de menor importância,
tampouco em responsabilização por crime menos grave, pois em se tratando de roubo, respondem pelo resultado morte todos
aqueles que, mesmo não tendo de mão própria realizado o ato letal, planejaram e executaram o tipo básico, assumindo o risco do
resultado mais grave durante a ação criminosa.

Súmula 582-STJ: Consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem mediante emprego de violência ou grave
ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida à perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo
prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada

Em que momento se consuma o crime de roubo?


Existem quatro teorias sobre o tema:
1ª) Contrectacio: segundo esta teoria, a consumação se dá pelo simples contato entre o agente e a coisa alheia. Se tocou, já
consumou.
2ª) Apprehensio (amotio): a consumação ocorre no momento em que a coisa subtraída passa para o poder do agente, ainda que por
breve espaço de tempo, mesmo que o sujeito seja logo perseguido pela polícia ou pela vítima. Quando se diz que a coisa passou para
o poder do agente, isso significa que houve a inversão da posse. Por isso, ela é também conhecida como teoria da inversão da posse.
Vale ressaltar que, para esta corrente, o crime se consuma mesmo que o agente não fique com a posse mansa e pacífica. A coisa é
retirada da esfera de disponibilidade da vítima (inversão da posse), mas não é necessário que saia da esfera de vigilância da vítima
(não se exige que o agente tenha posse desvigiada do bem).
3ª) Ablatio: a consumação ocorre quando a coisa, além de apreendida, é transportada de um lugar para outro.
4ª) Ilatio: a consumação só ocorre quando a coisa é levada ao local desejado pelo ladrão para tê-la a salvo.

Resumo. Para cada uma das quatros teorias, quando se consuma?


Contrectacio Apprehensio (amotio) Ablatio Ilatio
Tocar Inversão da posse Transportar Lugar seguro

Qual foi a teoria adotada pelo STF e STJ?


A teoria da APPREHENSIO (AMOTIO).
Nos países cujos Códigos Penais utilizam expressões como “subtrair” ou “tomar” para caracterizar o furto e o roubo (Alemanha e
Espanha, por exemplo), predomina, na doutrina e na jurisprudência, a utilização da teoria da apprehensio (ou amotio). Foi a corrente
também adotada no Brasil.

O STJ, ao apreciar o tema sob a sistemática do recurso especial repetitivo, fixou a seguinte tese:
Consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem, mediante emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por
breve tempo e em seguida a perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e
pacífica ou desvigiada.
O tema agora se encontra sumulado.

Exemplo concreto
João apontou a arma de fogo para a vítima e disse: “perdeu, passa a bolsa”.
A vítima entregou seus pertences e o assaltante subiu em cima de uma moto e fugiu.
Duas ruas depois, João foi parado em uma blitz da polícia e, como não conseguiu explicar o motivo de estar com uma bolsa
feminina e uma arma de fogo, acabou confessando a prática do delito.
Assim, por ter havido a inversão, ainda que breve, da posse do bem subtraído, o fato em tela configura roubo consumado.

STF
Este é também o entendimento do STF:
Para a consumação do crime de roubo, basta a inversão da posse da coisa subtraída, sendo desnecessária que ela se dê de forma
mansa e pacífica, como argumenta a impetrante.
STF. 2ª Turma. HC 100.189/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe 16/4/2010.
É prescindível, para a consumação do roubo, que o agente consiga a posse tranqüila da coisa subtraída, mesmo que perseguido e
preso por policiais logo após o fato.
STF. 2ª Turma. HC 91.154/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 19/12/2008.
Esta Corte tem entendimento firmado no sentido de que a prisão do agente, ocorrida logo após a subtração da coisa furtada, ainda
sob a vigilância da vítima ou de terceira pessoa, não descaracteriza a consumação do crime de roubo.
STF. 1ª Turma. HC 94.406/SP, Rel. Min. Menezes Direito, DJe 05/09/2008.

FONTE: BUSCADOR DIZER O DIREITO

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