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POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE MINAS GERAIS

ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS


Curso de Ensino a Distância – 2021

INVESTIGAÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO

Administração: Dra. Cinara Maria Moreira Liberal


Belo Horizonte - 2021

1
INVESTIGAÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO

EQUIPE DIDÁTICO PEDAGÓGICA

Coordenação Geral
Dra. Cinara Maria Moreira Liberal

Subcoordenação Geral
Dr. Marcelo Carvalho Ferreira

Coordenação Didático-Pedagógica
Rita Rosa Nobre Mizerani

Coordenação de Recrutamento e Seleção


Dr. Luiz Carlos Ferreira

Coordenação Técnica
Dr. Luiz Fernando da Silva Leitão

Coordenação de Disciplina
Dra. Cinara Maria Moreira Liberal

Conteudista:
Dra. Isabella Franca Oliveira

Produção do Material:
Polícia Civil de Minas Gerais

Revisão e Edição:
Divisão Psicopedagógica - Academia de Polícia Civil de Minas Gerais

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SUMÁRIO

UNIDADE 1

1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 4

2 O CRIME DE ESTUPRO E ESTUPRO DE VULNERÁVEL 5

2.1 BREVE ABORDAGEM HISTÓRICA 5

2.2 ESTUPRO COLETIVO 9

2.3 ESTUPRO CORRETIVO 10

3 ESTATÍSTICAS E ANÁLISE DE DADOS 11

3.1 DADOS ESTATÍSTICOS EM MINAS GERAIS 16

4 A CULTURA DO ESTUPRO 19

UNIDADE 2

5 ACOLHIMENTO E OITIVA DA VÍTIMA DE ESTUPRO 23

5.1 PERGUNTAS E QUESTIONAMENTOS QUE DEVEM SER EVITADOS 25

5.2 INFORMAÇÕES RELEVANTES QUE DEVEM SER COLHIDAS DURANTE O


ATENDIMENTO 26

5.3 ACOLHIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES 28

6 ATENDIMENTO MÉDICO DA VÍTIMA 30

6.1 PROTOCOLO DE ATENDIMENTO HUMANIZADO A VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA


SEXUAL 32

6.2 INTERRUPÇÃO DA GESTAÇÃO 35

6.3 DEMAIS EXAMES REALIZADOS PELO INSTITUTO MÉDICO LEGAL 38

UNIDADE 3

7 COLETA E ANÁLISE DE MATERIAL GENÉTICO 39

8 BANCO NACIONAL DE PERFIS GENÉTICOS 42

8.1 INCLUSÃO DE VESTÍGIOS E MATERIAL GENÉTICO NO BANCO DE DADOS 46

2
9 CADASTRO NACIONAL DE PESSOAS CONDENADAS POR CRIME DE ESTUPRO 46

10 DILIGÊNCIAS QUE PODEM SER REALIZADAS DURANTE A INVESTIGAÇÃO 47

11 EXAMES PERICIAIS QUE PODEM AUXILIAR A INVESTIGAÇÃO 51

11.1 RETRATO FALADO 51

11.2 COMPARAÇÃO FACIAL FORENSE 52

11.3 ANÁLISE DE REGISTROS AUDIOVISUAIS 53

11.4 PAPILOSCOPIA 54

11.5 EXTRAÇÃO DE DADOS DE CELULAR 54

12 FERRAMENTAS TECNOLÓGICAS DISPONÍVEIS PARA INVESTIGAÇÃO 55

12.1 REGISTROS HISTÓRICOS DO REDS 55

12.2 SIP 2.0 56

12.3 INFOPEN 56

12.4 REDE SINESP – INFOSEG 56

12.5 DISQUE DENUNCIA – 181 57

12.6 ARMAZEM SIDS – BUSINESS OBJECTS 58

12.7 CELEBRITE 58

12.8 INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA – QUEBRA DE DADOS TELEFÓNICOS E


TELEMÁTICOS 59

13 CONCLUSÃO 61

14 REFERÊNCIAS 63

3
UNIDADE 1

1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

A Organização Mundial da Saúde define violência sexual como “todo ato


sexual, tentativa de consumar um ato sexual ou insinuações sexuais indesejadas; ou
ações para comercializar ou usar de qualquer outro modo a sexualidade de uma
pessoa por meio da coerção por outra pessoa, independentemente da relação desta
com a vítima, em qualquer âmbito, incluindo o lar e o local de trabalho”.
O estupro é uma modalidade de violência sexual e considerado um dos
crimes mais graves, diante a repulsa quando praticado. A prática de relação sexual
ou qualquer outro ato libidinoso mediante violência ou grave ameaça, ou quando a
vítima não pode ou não consegue consentir, vírgula é muito lesivo e repugnante.
É um crime que deixa diversas marcas na vítima, tanto físicas quando
psicológicas. A Organização Mundial da Saúde traz como exemplos de
consequências da violência sexual para a saúde das mulheres, que representam a
maior parte das vítimas, a gravidez não planejada, o aborto inseguro, a disfunção
sexual, infecções sexualmente transmissíveis — incluindo HIV —, fístula traumática,
depressão, transtorno por estresse pós-traumático, ansiedade, dificuldade para
dormir, sintomas somáticos, comportamento suicida e transtorno de pânico.
Há casos em que a violência sexual resulta em morte, cometida pelo agressor
ou pelos problemas de saúde causados pela própria agressão, como suicídio e
abortos inseguros.
No ano de 2020, o Brasil registrou mais de sessenta mil estupros, com quase
87% das vítimas do sexo feminino. Os números são alarmantes e preocupantes,
todavia, isso seria apenas a ponta do iceberg.
O crime de estupro é um dos mais subnotificados e, de acordo com dados do
IPEA, estima-se que apenas 10% dos estupros são notificados, indicativo que no
Brasil há mais de quinhentos mil casos de estupros tentados ou consumados a cada
ano.

4
https://www.politize.com.br/cultura-do-estupro-como-assim/

Considerando a gravidade e especificidades do crime de estupro, este curso


tem por objetivo apresentar basicamente as diretrizes mínimas a serem
desenvolvidas em uma investigação deste delito, com foco tanto no acolhimento da
vítima quanto na responsabilização do agressor, sem qualquer pretensão de esgotar
o tema, visto que é muito amplo e dinâmico.

2 O CRIME DE ESTUPRO E DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL

2.1 BREVE ABORDAGEM HISTÓRICA

O nosso Código Penal, quando entrou em vigor em 1940, previa o estupro no


art. 213 do Código Penal, qual seja, “Constranger mulher a conjunção carnal,
mediante violência ou grave ameaça”, com pena de três a oito anos de reclusão, e o
atentado violento ao pudor, previsto no art. 214, com a seguinte conduta típica
“Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir
que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal”, com pena de

5
reclusão de 2 a 7 anos.
Assim, o estupro previa somente a relação sexual vaginal violenta, na qual
apenas a mulher poderia ser vítima e o homem autor, enquanto o atentado violento
ao pudor tratava dos demais atos libidinosos. Os homens não poderiam ser vítimas
de estupro e sim de atentado violento ao pudor.
Existia uma presunção da violência quando a vítima era menor de quatorze
anos, era alienada ou débil mental e o agente conhecia esta circunstância, ou
quando vítima não podia, por qualquer outra causa, oferecer resistência.
A ação penal dos crimes de estupro era privada, ou seja, estavam
condicionados à iniciativa da própria vítima para investigar e dar início à ação penal,
processando o agressor e tendo que pagar advogado de seu próprio bolso, salvo se
a vítima ou seus pais não pudessem prover às despesas do processo, sem privar-se
de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família, ocasião em que
ação seria pública condicionada à representação.
Quando o crime era cometido com abuso do poder familiar ou da qualidade de
padrasto, tutor ou curador, a ação penal era publicada incondicionada.
Não há dúvidas que a natureza privada dos crimes contra a liberdade sexual,
dentre eles o estupro e atentado violento ao pudor, trazia uma grande impunidade
para os agressores, considerando que a vítima tinha o prazo de seis meses para
oferecimento da queixa crime, o que geralmente não acontecia. Além de ter sofrido
agressão brutal, a vitima tinha que arcar com o ônus de processar e buscar a
condenação do estuprador.
Existia ainda a previsão legal de extinção da punibilidade caso a vítima se
casasse com o autor do estupro. Esta causa de extinção de punibilidade foi extinta
em 2005, pela Lei n.º 11.106/2005. Referida legislação também revogou
determinadas condutas e excluiu expressões como “mulher honesta” e “mulher
virgem” do Código Penal, que tinha conotação nitidamente discriminatória em
relação à mulher.

Em 2009, a Lei n.º 12.015, de 07/08/2009, trouxe diversas mudanças nos


crimes contra a Liberdade Sexual. Os artigos 213 e 214 foram unificados em um só
tipo penal, qual seja:

6
Estupro
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter
conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato
libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
o
§ 1 Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima
é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
o
§ 2 Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos

Com a alteração, cuja redação encontra-se em vigor, o estupro pode ser


praticado contra homens e contra mulheres. Trata-se de crime comum, já que
qualquer pessoa pode praticar e sofrer a agressão, não exigindo qualidade especial
no sujeito, e material, necessitando de um resultado para a sua consumação.
A conjunção carnal ocorre com a introdução completa ou incompleta do órgão
sexual do estuprador na cavidade vaginal da mulher. Já atos libidinosos são aqueles
praticados com objetivo de satisfazer a lascívia e o apetite sexual, como a prática de
sexo oral ou anal, masturbação, dentre outros.
A Lei n.º 12.015/2009 alterou o Título VI do Código Penal de “Dos Crimes
contra os Costumes” para “Dos Crimes contra a Dignidade Sexual”. Alterou também
a ação penal dos crimes sexuais para pública condicionada a representação, salvo
em caso de a vítima ser menor de 18 anos ou pessoa vulnerável, quando seria de
natureza incondicionada. A alteração legislativa melhorou a situação, todavia não
resolveu o problema.
A representação penal tem prazo de seis meses, a contar da data que veio a
saber quem é o autor do crime e, em muitos casos, a vítima leva muito mais tempo
do que isso para comparecer à Delegacia e registrar a ocorrência policial e oferecer
representação criminal. Desta forma, vários autores deixavam de ser
responsabilizados em razão do decurso do prazo legal para oferecimento da
denúncia.
A presunção de violência prevista no Código Penal de 1940 foi alterada com a
Lei n.º 12.015/2009, que trouxe a figura típica “Estupro de Vulnerável”, prevista no
art. 217-A. O citado crime ocorre quando há a prática de conjunção carnal ou outro
ato libidinoso com menor de quatorze anos ou com alguém que, por enfermidade ou
deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou
que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
7
Estupro de vulnerável
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor
de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
o
§ 1 Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput
com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o
necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra
causa, não pode oferecer resistência.
o
§ 2 (VETADO)
o
§ 3 Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
o
§ 4 Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
§ 5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-
se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter
mantido relações sexuais anteriormente ao crime.

Verifica-se que o legislador definiu que a vulnerabilidade será sempre uma


regra quando houver conjunção carnal ou outros atos libidinosos com crianças ou
adolescentes menores de 14 anos. Além disso, qualquer pessoa que tenha alguma
enfermidade ou doença mental que afete o seu discernimento é considerada
vulnerável, uma vez que ela não é capaz de decidir por praticar ou não o ato sexual.
A vulnerabilidade compreende também qualquer pessoa que não seja capaz
de oferecer resistência ao ato, ainda que transitoriamente, como nos casos de coma,
anestesia, embriaguez ou uso de entorpecentes que afetam a consciência. A falta de
mobilidade também impede a vítima de oferecer resistência e é considerada
vulnerável, como tetraplegia, uso de aparelhos ortopédicos, paralisias, dentre outros.
A prática de conjunção carnal ou outros atos libidinosos com pessoas nas
condições acima citadas configura o crime de estupro de vulnerável. Não é
necessária violência ou grave ameaça, visto que a vítima não é capaz de consentir
para a prática do ato sexual.
A Lei n.º 13.718/2018 acrescentou o §5º no artigo 217-A, afirmando que as
penas são aplicadas ainda que tenha ocorrido o consentimento da vítima ou o fato
da mesma ter mantido relação sexual anteriormente ao crime, afastando qualquer
discussão em relação ao tema.
Por fim, a natureza da ação penal foi novamente alterada pela Lei n.º
13.718/2018, que definiu a natureza da ação nos crimes sexuais para
incondicionada. Então, todos os crimes praticados desde 2018 independem da
vontade da vítima para instauração da investigação criminal e oferecimento da ação
penal pelo Ministério Público.
Vale ressaltar que tanto o crime de estupro quanto o crime de estupro de
8
vulnerável são considerados hediondos. Assim, o autor do crime de estupro não
pode ser beneficiado com anistia, graça, indulto e fiança. A pena será cumprida
inicialmente em regime fechado, sua prisão temporária será de 30 dias, prorrogável
por igual período em caso de extrema necessidade e, no caso de condenação, o juiz
decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade (Lei n.º 8.072/90,
art. 2º).

2.2 ESTUPRO COLETIVO

O estupro coletivo foi incluído pela Lei n.º 13.718/2018 como causa de aumento
de pena de 1/3 a 2/3, quando a violência sexual é praticada mediante concurso de 2
(dois) ou mais agentes. É aplicado nos crimes de estupro e de estupro de vulnerável.
Infelizmente, os estupros coletivos estão cada vez mais recorrentes no Brasil.
Não é raro nos depararmos com notícias na mídia de casos gravíssimos ou mesmo
durante as investigações policiais de estupro praticado por vários indivíduos. Há
situações em que uma única vítima é estuprada por mais de dez autores e há casos
que a violência é transmitida ao vivo em redes sociais. Em 2016 uma adolescente foi
vítima de estupro coletivo praticado por 30 agressores com vídeos da agressão
divulgados na internet.
Nos casos em que o estupro é praticado por dois ou mais autores, as lesões
sexuais e não sexuais causadas na vítima são muito mais graves, necessitando de
uma reprimenda mais severa.
De acordo com dados do Ministério da Saúde, no ano de 2016, a cada duas
horas e meia uma mulher foi vítima de estupro coletivo, o que demonstra a
gravidade e frequência deste tipo de crime, que causa grandes danos psicológicos e
físicos à vítima.
É um crime abominável e que vitima inclusive crianças. Recentemente tivemos
um caso no Brasil (MS) de uma criança indígena de 11 anos vítima de estupro
coletivo praticado por cinco autores, dentre eles três adolescentes e dois adultos (um
deles o tio), que a violentaram sexualmente, fizeram que a mesma ingerisse bebida
alcóolica até desmaiar e, posteriormente, a jogaram de um penhasco.

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2.3 ESTUPRO CORRETIVO

A Lei n.º 13.718/2018 incluiu ainda o estupro corretivo como causa de aumento
de pena também de 1/3 a 2/3. Entende-se como estupro corretivo quando a violência
sexual é praticada para controlar o comportamento social ou sexual da vítima.
Ocorre quando o autor pratica a violência sexual contra a vítima em razão da
sua orientação sexual ou identidade de gênero, como nos casos em que o homem
estupra a mulher lésbica como uma forma de ensiná-la a gostar de homens, por
exemplo. Também configura-se estupro corretivo quando a violência é praticada
para controlar comportamento social da vítima.
Nestes casos, a motivação do delito está relacionada com a inconformidade do
autor com a sexualidade ou comportamento social da vítima. Assim, o autor pratica a
violência sexual contra mulheres lésbicas, bissexuais ou homens transexuais como
forma de curar sua sexualidade ou identidade de gênero, ou pratica a violência
sexual em razão da vítima ser profissional do sexo, se realizar com várias pessoas,
controle de fidelidade, modo de vestir, dentre outros comportamentos na sociedade.
De acordo com Rogério Sanches Cunha:

Já a majorante do estupro corretivo abrange, em regra, crimes contra


mulheres lésbicas, bissexuais e transexuais, no qual o abusador quer
"corrigir" a orientação sexual ou o gênero da vítima. A violação tem
requintes de crueldade e é motivada por ódio e preconceito, justificando a
nova causa de aumento. A violência é usada como um castigo pela negação
da mulher à masculinidade do homem. Uma espécie doentia de ‘cura’ por
meio do ato sexual à força. A característica desta forma criminosa é a
pregação do agressor ao violentar a vítima. Os meios de comunicação
indicam casos em que os agressores chegam a incitar a “penetração
corretiva” em grupos das redes sociais e sites na internet (o que,
isoladamente, pode caracterizar o crime do art. 218-C – apologia ou
induzimento à prática do estupro – caso sejam veiculados fotografias ou
registros audiovisuais).

Ressalta-se que não são todos os estupros de mulheres lésbicas que


configuram estupro corretivo, sendo necessário verificar a motivação do autor do
crime, quando é manifestada essa tentativa de reversão da sexualidade da vítima.
Há uma grande dificuldade em análise estatísticas de tais delitos, visto que são
registrados como estupro.

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3 ESTATÍSTICAS E ANÁLISES DE DADOS

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no ano de 2020


foram registrados 60.926 casos de violência sexual no Brasil, sendo 16.047 de
estupro e 44.879 de estupro de vulnerável.
No ano de 2019 foram 66.348 vítimas de estupro de vulnerável e estupro no
Brasil.
Verifica-se que, apesar do número elevado de casos no país, a pandemia
parece ter contribuído para a redução dos registros de violência sexual. Em 2020 a
redução foi de 14,1% em relação ao ano de 2019.
Observa-se uma redução significativa das notificações criminais nos meses
de março e abril de 2020. Em maio os números de registros começam a subir,
atingindo o patamar do ano anterior, a partir de agosto, conforme gráfico a seguir:

Devemos nos atentar que a redução de registros não significa,


necessariamente, a redução dos casos de estupro. Como já mencionado, os crimes
sexuais apresentam altíssima subnotificação.
Analisando os dados, verifica-se que 73,7% dos crimes de estupro são
cometidos contra pessoas vulneráveis, que são aquelas menores de 14 anos ou
11
incapazes de consentir sobre o ato em razão de enfermidade ou deficiência mental,
ou que, por qualquer outra causa, não podem oferecer resistência.
Vale mencionar que a noção consentimento pode ser relativizada no
momento do registro da ocorrência policial, por tratar-se de condição da vítima no
momento da prática da violência. Ou seja, o volume de estupros de vulnerável pode
ser ainda maior.

Outro dado importante é a faixa etária das vítimas, em sua maioria crianças
na faixa de 10 a 13 anos (28,9%), seguidos de crianças de 5 a 9 anos (20,5%),
adolescentes de 14 a 17 anos (15%) e crianças de 0 a 4 anos (11,3%).

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O próximo gráfico mostra que 60,6% das vítimas tinham no máximo 13 anos
quando sofreram a violência, o que vem se confirmando nos últimos anos. Ao somar
com a faixa etária de 14 a 17 anos, conclui-se que 75,6% dos estupros e estupros de
vulnerável são praticados contra crianças e adolescentes. Estes dados são
alarmantes, pois demonstram que a maioria dos estupros que chegam ao
conhecimento das Autoridades Policiais são praticados contra crianças e
adolescentes, pessoas em desenvolvimento, vulneráveis, que deveriam ser
protegidas pelos familiares, pessoas próximas e por toda a sociedade, mas que
estão sendo vítima de um dos crimes mais graves que existe e que deixa sequelas
por toda a vida.

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Outro dado relevante é que 85,2% dos autores eram conhecidos das vítimas,
quase sempre (96,3%) do sexo masculino, muitas vezes parentes e outras pessoas
próximas que têm livre acesso às vítimas e tornam qualquer denúncia ainda mais
difícil. No Brasil, somente 14,8% dos estupros foram praticados por pessoas
desconhecidas da vítima.

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O próximo gráfico confirma o que é de conhecimento geral. A maior parte das
vítimas de estupro e estupro de vulnerável é do sexo feminino, com 86,9%. De
acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre as vítimas do sexo
feminino os registros crescem até atingir o máximo entre meninas de 13 anos. Já
entre as vítimas do sexo masculino, a curva etária tem característica um pouco
diferente, com grande concentração de vítimas até os 9 anos.

15
Há uma preocupação de que a subnotificação possa ser ainda maior em
vítimas do sexo masculino, em especial homens adultos, por uma razão cultural,
onde as expectativas sociais sobre masculinidades pesam mais.

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3.1 DADOS ESTATÍSTICOS EM MINAS GERAIS

A seguir, analisaremos os dados de violência sexual no Estado de Minas


Gerais. Observa-se que o estupro de vulnerável também tem um maior número de
registros em relação ao crime de estupro. No ano de 2019 foram registradas 4065
ocorrências de estupro de vulnerável e 1721 ocorrências de estupro. Já em 2020
foram registradas 3453 ocorrências de estupro de vulnerável e 1443 de estupro.
Esta redução, possivelmente, tem relação com a pandemia e ocorreu na
maior parte dos Estados, contudo, como afirmado anteriormente, não significa
necessariamente uma redução dos casos.

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Em Minas Gerais, crianças e adolescentes também representam a maior
parte das vítimas de violência sexual, conforme gráfico a seguir:

18
Como em todos os outros Estados e no mundo todo, as meninas e mulheres
em Minas Gerais são a maioria das vítimas de crimes sexuais, com 88,5% das
vítimas do sexo feminino. Ao analisar somente os registros de estupro, este número
fica ainda maior com 94,2% de vítimas do sexo feminino. Observa-se que quando a
vítima é criança ou adolescente, a indicência em vítimas do sexo masculino é um
pouco maior, de 14,1% dos registros.

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4 A CULTURA DO ESTUPRO

De acordo com a Wikipedia, cultura do estupro ou cultura da violação é um


contexto no qual a violação sexual é pervasiva e normalizada devido a atitudes
sociais sobre gênero e sexualidade. A ONU Mulheres define cultura do estupro como
um termo usado para abordar as maneiras em que a sociedade culpa as vítimas de
assédio sexual e normaliza o comportamento sexual violento dos homens.
Seria a banalização e normalização deste crime pela sociedade, com
comportamentos associados à culpabilização da vítima, a objetificação sexual da
mulher, a crença em mitos do estupro, trivialização do estupro, a negação de
estupros, a recusa de reconhecer o dano causado por algumas formas de violência
sexual, ou a combinação entre esses comportamentos.
O termo surgiu no 1970, época de grandes mobilizações feministas nos EUA
e, posteriormente, no Brasil.
Conforme estudado, cerca de 87% dos estupros são praticados contra
meninas e mulheres. Isso demonstra que a violência sexual tem relação com gênero
e a cultura do estupro seria uma consequência da naturalização de atos e
comportamentos machistas, sexistas e misóginos, que estimulam agressões sexuais
e outras formas de violência contra as mulheres. Esses comportamentos podem ser
manifestados de diversas formas, conforme imagem a seguir:

20
https://www.brasildefato.com.br/2016/06/03/crime-no-rio-de-janeiro-reacende-debate-sobre-genero-e-a-cultura-do-estupro

Na cultura do estupro, as mulheres vivem em constante ameaça. Consta no


documento “Percepção sobre violência sexual e atendimento a mulheres vítimas nas
instituições policiais”, em pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança
Pública em parceria com o Datafolha, ficou demonstrado que 65% da população tem
medo de sofrer violência sexual. O percentual cresce quando a análise é feita por
sexo, visto que 85% das mulheres brasileiras afirmam ter medo e 46% dos homens.

O mesmo documento traz outro tópico da pesquisa, cujo resultado merece ser
21
analisado. A pesquisa mostrou que 42% dos homens concordam com a afirmação
de que “Mulheres que se dão ao respeito não são estupradas”, enquanto 63% das
mulheres discordam. É bastante comum que o comportamento de quem foi vítima
seja questionado com base no que se entende serem as formas corretas de “ser
mulher” e “ser homem” no mundo.

São utilizadas justificativas para a conduta do agressor, tais como, “mas ela
estava de saia curta”, “mas ela estava indo para uma festa”, “mas ela não deveria
andar sozinha à noite”, “mas ela estava pedindo”, “mas ela estava provocando”,
“mas ela estava sozinha naquele local”. Este pensamento vem de um discurso
socialmente construído, que considera as próprias mulheres vítimas de agressão
sexual como responsáveis pelo ato praticado pelo agressor.
Vale ressaltar que nenhum argumento deve justificar, minimizar ou normalizar
atos de violência sexual contra homens e mulheres. E nós, servidores públicos e
policiais, temos um papel importante nesta transformação.

22
https://www.hypeness.com.br/2016/09/esta-serie-de-mensagens-explica-perfeitamente-o-que-e-a-cultura-do-
estupro/

23
UNIDADE 2

5 ACOLHIMENTO E OITIVA DA VÍTIMA DE ESTUPRO

O estupro é um dos crimes mais violentos do nosso ordenamento jurídico e


traz uma série de consequências para a vítima.
É um ato de violência, humilhação e controle sobre o corpo da vítima que se
expressa pelos meios sexuais. Não há dúvidas que ao sofrer este tipo de violência, a
vítima segue com sequelas físicas e/ou mental, no curto e longo prazos.
De acordo com o documento “Percepção sobre violência sexual e
atendimento a mulheres vítimas nas instituições policiais”, a dificuldade de reunir
evidências materiais do não consentimento e o risco de revitimização durante os
procedimentos legais - humilhação, julgamento moral, procedimentos de coleta de
provas que expõem o corpo violado da vítima a novas intervenções – são desafios
específicos relacionados à violência sexual, que precisam ser considerados com
urgência e seriedade pelas instituições policiais e pelo sistema de justiça, pois
influenciam na baixa taxa de notificação deste crime à polícia.
Desta forma, é necessário um atendimento adequado às vítimas de crimes
sexuais em todos os serviços da rede de proteção, inclusive no âmbito da nossa
Instituição.
O acolhimento deve ser entendido como o tratamento digno e respeitoso, a
escuta, o reconhecimento e a aceitação das diferenças, o respeito ao direito de
decidir de mulheres e homens, assim como o acesso e a resolutividade da
assistência.
Durante o acolhimento nas Unidades Policiais, tão logo a vítima sinalize o
motivo que a levou a procurar atendimento, a mesma deve ser acolhida em sala
reservada, observando a privacidade do relato. Vale mencionar que a sala não deve
ter identificação nominal referente ao atendimento de vítimas de violência sexual.
Como já estudado, grande parte dos estupros são praticados contra mulheres,
desta forma, quando a vítima for mulher, o acolhimento deve ser realizado
preferencialmente por uma profissional do sexo feminino, com habilidade para
receber vítimas de abuso sexual. O ideal é que este relato seja realizado uma única
24
vez a um único profissional, evitando a repetição da narrativa e, consequentemente,
a revitimização.
No material complementar encontra-se disponível um modelo de relatório de
atendimento utilizado pela Delegacia Especializada de Investigação de Crimes
Sexuais, que tem por objetivo possibilitar que a vítima relate os fatos a apenas um
policial.
O profissional nunca deve colocar em dúvida a palavra da vítima. Deve-se ter
em mente que a violência sexual submete as vítimas, em especial as mulheres, a
consequências traumáticas, a humilhação e extrema vulnerabilidade.
O atendimento adequado, acolhedor, humanizado, de forma que a vítima se
sinta menos exposta, sem culpabilizá-la, é imprescindível em todos os casos,
tornando ainda mais importante nos crimes de estupro e estupro de vulnerável.
Deve-se levar em consideração que cada vítima tem uma reação diferente
diante de uma violência sexual, não cabendo a nós, policiais civis, qualquer tipo de
julgamento ou questionamento.
O Decreto n.º 7.958, de 12 de março de 2013, estabelece diretrizes para o
atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública
e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde.
O artigo 2º do referido decreto traz diversas diretrizes que devem ser
observadas pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do
SUS, quais sejam:

I - acolhimento em serviços de referência;

II - atendimento humanizado, observados os princípios do respeito da


dignidade da pessoa, da não discriminação, do sigilo e da privacidade;

III - disponibilização de espaço de escuta qualificado e privacidade durante o


atendimento, para propiciar ambiente de confiança e respeito à vítima;

IV - informação prévia à vítima, assegurada sua compreensão sobre o que será


realizado em cada etapa do atendimento e a importância das condutas médicas,
multiprofissionais e policiais, respeitada sua decisão sobre a realização de qualquer
procedimento;

25
V - identificação e orientação às vítimas sobre a existência de serviços de
referência para atendimento às vítimas de violência e de unidades do sistema de
garantia de direitos;

VI - divulgação de informações sobre a existência de serviços de referência


para atendimento de vítimas de violência sexual;

VII - disponibilização de transporte à vítima de violência sexual até os serviços


de referência; e

VIII - promoção de capacitação de profissionais de segurança pública e da rede


de atendimento do SUS para atender vítimas de violência sexual de forma
humanizada, garantindo a idoneidade e o rastreamento dos vestígios coletados.

Durante o atendimento, deve-se verificar o tempo decorrido entre


a violência sexual e a procura pelo atendimento, se a vítima foi atendida pelo serviço
de saúde anteriormente, se foi utilizado preservativo pelo agressor, tipo de agressão
praticada, meio empregado (para verificação de uso de substância química que
impossibilitasse a pessoa de resistir), o local do fato.
É relevante saber se houve luta corporal entre vítima e agressor, com o
objetivo de realizar a coleta de material subungueal dos dedos da vítima, a fim de se
buscar detectar material biológico do possível agressor.
Caso a vítima não tenha sido atendida em uma unidade de saúde, o
encaminhamento é fundamental para realização da profilaxia e, em alguns casos,
coleta de vestígios, conforme será estudado posteriormente.

5.1 PERGUNTAS E QUESTIONAMENTOS QUE DEVEM SER EVITADOS

Ao atender uma vítima de estupro, é preciso entender que trata-se de um


momento de vulnerabilidade, muitas vezes com dificuldades para relatar uma
violência tão grave, devendo o profissional responsável pelo atendimento evitar
determinadas perguntas e questionamentos.
É necessário buscar o máximo de elementos junto à vítima, visto que os

26
crimes sexuais, em regra, não são praticados na presença de testemunhas. Todavia,
questionamentos sobre o comportamento da vítima, que coloquem em dúvida o
relato da mesma ou a responsabilizem pelo ocorrido, não devem ser realizados.
Seguem algumas perguntas que devem ser evitadas durante o atendimento
da vítima de violência sexual, dentre outras:
1) Qual a roupa você estava vestindo?
2) O que você estava fazendo naquele local e naquele horário?
3) Você provocou o (a) autor (a)?
4) O que você fez para ser estuprada (o)?
5) Por que você não contou antes?
6) Por que você não pediu socorro no momento da violência sexual?
7) Por que você não gritou ou reagiu?
8) Você estava bêbada (o)?
9) Você já manteve relação sexual antes?

A vida pregressa da vítima não deve ser questionada. O que será apurado e
investigado é a violência sexual praticada contra a mesma. Não podemos inverter a
lógica das coisas e buscar elementos acerca da vida e comportamento da vítima,
salvo quando tiver por objetivo verificar a (im)possibilidade da mesma oferecer
resistência ou ainda para configurar a prática de estupro corretivo, quando existir
elementos que apontem que a violência foi praticada em razão do comportamento
social da vítima.

5.2 INFORMAÇÕES RELEVANTES QUE DEVEM SER COLHIDAS


DURANTE O ATENDIMENTO

O acolhimento à vítima de estupro é um ato investigativo, com o objetivo de


colocá-la em um ambiente confortável, propiciando a tranquilidade necessária e a
confiança nos órgãos de investigação para relatar sem medo e culpa a violência
sexual sofrida, com todos os detalhes necessários para configuração do tipo penal e
identificação do (s) autor (es) responsável (is) por aquela conduta, mostrando a linha

27
de investigação que deverá ser seguida para coleta das provas. É importante que a
vítima durante o acolhimento sinta-se sempre como vítima e jamais como
responsável ou coautora do evento. Este elo de confiança deve ser sempre mantido
durante as investigações.
Este cuidado também precisa ser observado com as testemunhas próximas,
para que fatos ou informações não sejam omitidos com receio de serem julgadas.
Durante o acolhimento de vítimas adultas, o ideal é deixar que a mesma relate
de forma espontânea a violência sofrida, com o máximo de detalhes possível. Após
o relato inicial, o policial responsável pelo atendimento deverá fazer as perguntas
necessárias para a investigação, como data, horário e local do fato, informações
sobre o autor, atendimento médico anterior ou realização de exame de corpo delito.
Nos casos em que o agressor é desconhecido, o profissional deve coletar
informações detalhadas acerca do autor, com características físicas (altura, cor de
olhos, cabelo, cútis, tatuagens, sinais, cicatrizes), sotaque, vícios de linguagem,
forma, local e horário da abordagem, utilização de armas, utilização de veículos,
dentre outros elementos que auxiliem na sua identificação.
A informação do uso de bebidas alcoólicas ou drogas é relevante para
caracterização do delito, pois pode configurar a prática de estupro de vulnerável.
Todavia, o profissional deverá explicar o motivo da pergunta, de forma a não dar a
impressão de que a vítima foi culpada pela violência sexual em razão do uso de
drogas ou álcool. O responsável pelo atendimento precisa esclarecer que a
informação é relevante para tipificação do delito e solicitação de perícias, caso
necessário, não devendo perguntar diretamente se a vítima estava bêbada ou
drogada sem qualquer contextualização prévia.
Outra informação importante é a possibilidade de encontrar material biológico
nas roupas que a vítima utilizava no momento do fato, que deverá ser coletada para
confrontação genética posterior. O profissional deverá esclarecer o motivo da
pergunta, deixando explícita a finalidade da informação.
Reforça-se a necessidade de saber se a vítima já foi atendida pelo serviço de
saúde para realização de profilaxia, se já foi coletado material biológico para
pesquisa de esperma e exames de comparação da DNA, se foi realizado
abortamento legal.
Mais uma informação relevante é se o autor subtraiu algum pertence da

28
vítima, em especial telefones celulares, conforme será estudado posteriormente.
Deve-se perguntar à vítima se o autor filmou o ato sexual. Há casos em que a
violência sexual é filmada pelo autor.
Por fim, vale mencionar que os crimes sexuais são praticados, em regra, na
clandestinidade, ou seja, às ocultas, sem a presença de testemunhas e, muitas
vezes, não deixam vestígios, principalmente quando há a prática de atos libidinosos
diversos da conjunção carnal ou quando há um lapso entre o evento e a
comunicação.
Assim, a palavra da vítima possui especial relevância, desde que esteja em
consonância com as demais provas dos autos. Assim, um acolhimento adequado,
com o máximo de informações colhidas, é imprescindível para uma investigação
bem sucedida, culminando na responsabilização do agressor.
É necessário compreender que os profissionais da segurança pública devem
ser protagonistas na garantia e na promoção da igualdade entre homens e mulheres.
Os policiais civis devem acolher as vítimas de violência sexual, reconhecer a
validade dos seus relatos e valorizar a autonomia da pessoa e o direito ao seu
corpo.

5.3 ACOLHIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Conforme já estudado, grande parte das vítimas são crianças ou


adolescentes, cujo atendimento é disciplinado pela Lei n.º 13.431/2017. Em breve
resumo, a escuta de crianças e adolescentes nas unidades policiais deve ser feita
por meio de escuta especializada ou depoimento especial.
Em linhas gerais, a Escuta Especializada é o procedimento de entrevista
sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão da rede de
proteção, limitado o relato estritamente ao necessário para o cumprimento de sua
finalidade. Por outro lado, o Depoimento especial é o procedimento de oitiva de
criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial
ou judiciária.
Nos casos de violência sexual, o depoimento especial seguirá o rito cautelar

29
de antecipação de prova, ou seja, será realizado somente em sede judicial,
conforme artigo 11, §1º, da Lei n.º 13.431/2017.
Portanto, nos casos de violência sexual, a Escuta Especializada poderá ser
realizada nas Unidades Policiais em local reservado, apropriado e acolhedor, por
profissional qualificado.
O art. 19 do Decreto n.º 9.603/2018, que regulamenta a Lei n.º 13.431/2017,
traz as seguintes diretrizes em relação à Escuta Especializada:
Art. 19 - A escuta especializada é o procedimento realizado pelos órgãos da
rede de proteção nos campos da educação, da saúde, da assistência social,
da segurança pública e dos direitos humanos, com o objetivo de assegurar
o acompanhamento da vítima ou da testemunha de violência, para a
superação das consequências da violação sofrida, limitado ao estritamente
necessário para o cumprimento da finalidade de proteção social e de
provimento de cuidados.
§ 1º A criança ou o adolescente deve ser informado em linguagem
compatível com o seu desenvolvimento acerca dos procedimentos formais
pelos quais terá que passar e sobre a existência de serviços específicos da
rede de proteção, de acordo com as demandas de cada situação.
§ 2º A busca de informações para o acompanhamento da criança e do
adolescente deverá ser priorizada com os profissionais envolvidos no
atendimento, com seus familiares ou acompanhantes.
§ 3º O profissional envolvido no atendimento primará pela liberdade de
expressão da criança ou do adolescente e sua família e evitará
questionamentos que fujam aos objetivos da escuta especializada.
§ 4º A escuta especializada não tem o escopo de produzir prova para o
processo de investigação e de responsabilização, e fica limitada
estritamente ao necessário para o cumprimento de sua finalidade de
proteção social e de provimento de cuidados.

https://emais.estadao.com.br/blogs/nana-soares/pesquisa-67-dos-brasileiros-acham-que-violencia-sexual-
acontece-porque-homem-nao-controla-impulsos/

Nos casos de violência sexual, o Delegado de Polícia deve representar pela


realização do Depoimento Especial como prova antecipada o quanto antes, levando
em consideração o disposto no art. 5º da Lei n.º 13.431/2017 e na Resolução n.º
30
33/2010 do Conselho Nacional de Justiça, que recomenda aos Tribunais garantirem
o princípio da atualidade, colhendo o depoimento em tempo mais próximo da data do
conhecimento do fato.
É necessário compreender que a realização do depoimento especial o quanto
antes representa o encurtamento do período de sofrimento da vítima, evitando a
revitimização, visto que a cada relato dos fatos a vítima revive todo o episódio de
sofrimento e terror sofridos, dificultando a sua recuperação emocional e a superação
da violência.
Este curso não irá abordar os institutos da Escuta Especializada e do
Depoimento Especial detalhadamente, em razão das especificidades da temática.

6 ATENDIMENTO MÉDICO DA VÍTIMA

O sistema de saúde é uma importante porta de entrada de vítimas de


violência sexual. Como a violência sexual repercute na saúde física (risco de
contaminação por DST, gravidez indesejada, lesões físicas) e na saúde mental
(depressão, pânico, ansiedade) das vítimas, muitas procuram o atendimento médico
em primeiro lugar.
A Lei nº 12.845, de 1º de agosto de 2013, conhecida como Lei do Minuto
Seguinte, dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação
de violência sexual. A legislação prevê que os hospitais devem oferecer às vítimas
de violência sexual atendimento emergencial, integral e multidisciplinar, visando ao
controle e ao tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência
sexual, e encaminhamento, se for o caso, aos serviços de assistência social. A
violência sexual é considerada com qualquer forma de atividade sexual não
consentida.
De acordo com o art. 3º da citada lei, o atendimento imediato, obrigatório em
todos os hospitais integrantes da rede do SUS, compreende os seguintes serviços:

31
I - diagnóstico e tratamento das lesões físicas no aparelho genital e nas demais
áreas afetadas;

II - amparo médico, psicológico e social imediatos;

III - facilitação do registro da ocorrência e encaminhamento ao órgão de


medicina legal e às delegacias especializadas com informações que possam ser
úteis à identificação do agressor e à comprovação da violência sexual;

IV - profilaxia da gravidez;

V - profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST;

VI - coleta de material para realização do exame de HIV para posterior


acompanhamento e terapia;

VII - fornecimento de informações às vítimas sobre os direitos legais e sobre


todos os serviços sanitários disponíveis.

§ 1º Os serviços de que trata esta Lei são prestados de forma gratuita aos que
deles necessitarem.

§ 2º No tratamento das lesões, caberá ao médico preservar materiais que


possam ser coletados no exame médico legal.

§ 3º Cabe ao órgão de medicina legal o exame de DNA para identificação do


agressor.

Assim, na unidade de saúde, a vítima de abuso sexual passará pelo


acolhimento, sendo considerado atendimento prioritário. Será realizado atendimento
médico com escuta atenta, exame físico detalhado, sempre informando todas as
etapas do atendimento.
Nos casos indicados será realizada profilaxia (medicamentos) para as DST
(Doenças Sexualmente Transmissíveis) que podem ser transmitidas durante a
violência sexual, além de contracepção de emergência para evitar que ocorra uma
gravidez não desejada. Serão realizados exames para investigação de possíveis
32
doenças como sífilis, HIV e hepatites.

6.1 PROTOCOLO DE ATENDIMENTO HUMANIZADO A VÍTIMAS DE


VIOLÊNCIA SEXUAL

A assistência à saúde é prioritária e deve ser garantida à vítima antes mesmo


de qualquer providência legal, de forma a oferecer uma atenção integral e em tempo
oportuno. Assim, dentre os vários aspectos, o conforto da vítima ao ser entrevistada
e examinada, a coleta precoce e a preservação de evidências devem ser
priorizados.
Assim, o projeto de Atendimento Humanizado a Vítimas de Violência Sexual
da Polícia Civil de Minas Gerais, através do Instituto Médico Legal, caracteriza-se
pela coleta precoce de evidências, com preservação e rastreabilidade do material,
quando do exame médico assistencial, imediato, em ambientes hospitalares que são
referência para esse atendimento, evitando a necessidade do comparecimento da
paciente nos Postos Médico Legais para reexame. Pretende-se, desse modo,
aumentar o número de notificações e assegurar um atendimento humanizado,
minimizando suas consequências físicas e psicológicas.
Fica então o médico legista encarregado de elaborar Laudo Indireto de
violência sexual segundo o Protocolo de Atendimento Humanizado, baseado no
exame médico realizado no ambiente hospitalar.
A orientação do Instituto Médico Legal é que as vítimas de violência sexual
aguda (violência sofrida há menos de 10 dias) procurem atendimento médico
imediato nos Hospitais credenciados/preparados para este tipo exame.
Em Belo Horizonte, os Hospitais capacitados para este exame são:
 Hospital das Clínicas da UFMG

33
 Hospital Julia Kubitschek (rede FHEMIG)
 Maternidade Odete Valadares (rede FHEMIG)
 Hospital Municipal Odilon Behrens (70% do atendimento)

São Hospitais que funcionam 24h e cujos profissionais de saúde receberam


treinamento adequado para um exame integral à vítima de violência sexual. Com
exceção da Maternidade Odete Valadares, que só atende mulheres a partir de 14
anos, os outros serviços dispõe de profissionais preparados para atendimento de
vítimas de qualquer idade ou sexo.
O Protocolo de Atendimento Humanizado a Vítimas de Violência Sexual está
em expansão para o interior do estado, com treinamentos e capacitações das
equipes e dos serviços, sendo aos poucos realizados em cada regional. Atualmente
são 16 regionais com o funcionamento seguindo o modelo de atendimento integral,
semelhante ao realizado em Belo Horizonte, conforme relação a seguir:
Alfenas, Betim, Conselheiro Lafaiete, Diamantina, Divinópolis, Ipatinga,
Itajubá, Juiz de Fora, Montes Claros, Paracatu, Passos, Pirapora, Poços de Caldas,
Pouso Alegre, Sete Lagoas e Uberlândia.
O paciente deve procurar o atendimento nesses serviços, onde será
primeiramente atendido pelo médico ginecologista, no caso de mulheres, pediatra,
no caso de crianças, e cirurgião, no caso de homens.
Portanto, após o exame físico em busca de lesões que necessitem de
tratamento imediato, prescrição da medicação, o paciente será submetido a coleta
de material/vestígios (quando indicada) para subsidiar investigação policial com o
intuito de dar materialidade ao crime e identificar o agressor. O laudo pericial será
elaborado pelo médico legista, de forma indireta, e disponibilizado para o Delegado
de Polícia.
A autonomia do paciente deve sempre ser respeitada e deve ser ouvida caso
opte pela recusa do procedimento.
Após o atendimento inicial, a vítima será acompanhada por uma equipe
multidisciplinar (psicologia, assistente social, médico) por, aproximadamente, seis
meses, com o objetivo de dar o suporte psicossocial, além de acompanhamento
clínico e/ou laboratorial com realização mensal de exames. As orientações legais
cabíveis serão feitas em todos os atendimentos realizados pela equipe e de acordo
com a demanda do usuário.
34
Para a coleta de material, o Instituto Médico Legal distribui um KIT Padrão de
coleta de vestígios, semelhante aos usados pelos médicos legistas quando da
realização dos exames periciais. São KITs montados no serviço de sexologia do
IML, distribuídos para todo o estado de Minas Gerais (Posto de Perícias - para ser
usados por legistas e Hospitais credenciados - para ser utilizado pelo médico
assistente) e que contém todo o material necessário à adequada coleta de
materiais/vestígios que serão analisados nos laboratórios da Policia Civil, quais
sejam:
- Autorização de coleta de amostras e informações – impressa no envelope do
kit.
- Um formulário de notificação de agravos de violência – SINAN.
- Um formulário de complementação de informações médico-legais do IML-
BH.
- Um formulário para informar a autoridade policial de que o exame médico e
coleta de vestígios já foi realizada.
- Um porta-lâminas com 02 (duas) lâminas para esfregaços a fresco,
confeccionadas a partir de secreção genital e perianal para pesquisa de
espermatozoide.
- Oito swabs de algodão estéreis para coleta de secreção genital, perianal,
oral e outros locais (pesquisa de esperma e DNA)
- Quatro envelopes para acondicionamento de swabs.

35
Os Kits são distribuídos e recolhidos nos Hospitais credenciados por servidor
da Policia Civil e processados no IML, iniciando assim o processo de investigação
policial do fato.
Encontra-se disponível no material complementar o Procedimento
Operacional Padrão destinado aos hospitais de referência que foram habilitados a
realizar a coleta.
Nos municípios onde não há hospitais de referência habilitados a realizar a
coleta de vestígios, a vítima deve ser encaminhada para atendimento pelo médico
legista o mais rápido possível, garantindo a coleta precoce de vestígios.
Nos casos de violência ocorrida há mais de 10 dias é importante que a vítima
procure a Delegacia de Polícia para registro do REDS e, caso necessário,
encaminhamento para perícia médico-legal presencial. Em Belo Horizonte, a perícia
deverá ser realizada preferencialmente por legistas do setor de Sexologia Forense
que atendem no IML e também em Posto de perícia anexo à Delegacia de Mulheres.
A Lei n.º 13.431/2017 prevê em seu artigo 18, que a coleta, guarda provisória
e preservação de material com vestígios de violência serão realizadas pelo Instituto
Médico Legal (IML) ou por serviço credenciado do sistema de saúde mais próximo,
que entregará o material para perícia imediata.
36
6.2 INTERRUPÇÃO DA GESTAÇÃO

Infelizmente há muitos casos de violência sexual que resultam em gestação, o


que traz grande sofrimento para mulheres e adolescentes. Nestes casos, a vítima
deve ser orientada da possibilidade de interrupção legal da gestação e encaminhada
ao hospital de referência do município.
O art. 128 do Código Penal prevê que:
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de
consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Trata-se do chamado “aborto sentimental” ou “aborto ético” ou “aborto


humanitário”, uma das duas hipóteses de “aborto legal”, ou seja, de “aborto não
criminoso”. Trata-se de um direito da mulher e um dever do Estado.
No serviço de saúde, a vítima será atendida por equipe multidisciplinar e,
durante o atendimento, discutidas todas as possibilidades diante de uma gestação
fruto de violência sexual, sendo respeitado o direito da mulher na sua escolha,
inclusive o de interrupção legal da gestação. Nesse caso, exige-se o consentimento
da mulher que foi estuprada ou, quando incapaz, de seu representante legal.

A Portaria nº 2.282, de 27 de agosto de 2020, do Ministério da Saúde, prevê


que:

Art. 1º É obrigatória a notificação à autoridade policial pelo médico, demais


profissionais de saúde ou responsáveis pelo estabelecimento de saúde que
acolheram a paciente dos casos em que houver indícios ou confirmação do
crime de estupro.
Parágrafo único. Os profissionais mencionados no caput deverão preservar
possíveis evidências materiais do crime de estupro a serem entregues
imediatamente à autoridade policial, tais como fragmentos de embrião ou
feto com vistas à realização de confrontos genéticos que poderão levar à
identificação do respectivo autor do crime, nos termos da Lei Federal nº
12.654, de 2012.

Referida portaria institui o Procedimento de Justificação e Autorização da


Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de
Saúde-SUS, que é composto por quatro fases, que deverão ser registradas no
37
formato de termos, arquivados anexos ao prontuário médico, garantida a
confidencialidade desses termos.
A primeira fase é o relato circunstanciado do evento, realizado pela própria
gestante perante 2 (dois) profissionais de saúde do serviço, cujo termo será
assinado por todos, ou sendo aquela incapaz também por seu representante legal, e
conterá local, dia e hora aproximada do fato, tipo e forma de violência, descrição dos
agentes da conduta, se possível e identificação de testemunhas, se houver.
A segunda fase constitui a intervenção do médico responsável que emitirá
parecer técnico após detalhada anamnese, exame físico geral, exame ginecológico,
avaliação do laudo ultrassonográfico e dos demais exames complementares que
porventura houver. A gestante receberá atenção e avaliação especializada por parte
da equipe de saúde multiprofissional, composta por, no mínimo, obstetra,
anestesista, enfermeiro, assistente social e/ou psicólogo, que anotará suas
avaliações em documentos específicos. Pelo menos três integrantes da equipe
subscreverão o Termo de Aprovação de Procedimento de Interrupção da Gravidez,
não podendo haver desconformidade com a conclusão do parecer técnico.
A terceira fase é a assinatura da gestante no Termo de Responsabilidade ou,
se for incapaz, também de seu representante legal, cujo termo conterá advertência
expressa sobre a previsão dos crimes de falsidade ideológica (art. 299 do Código
Penal) e de aborto (art. 124 do Código Penal), caso não tenha sido vítima do crime
de estupro.
A quarta e última fase é o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que
conterá o esclarecimento à mulher, em linguagem acessível, sobre os desconfortos
e riscos possíveis à sua saúde, os procedimentos que serão adotados quando da
realização da intervenção médica, a forma de acompanhamento e assistência, assim
como os profissionais responsáveis e a garantia do sigilo que assegure sua
privacidade quanto aos dados confidenciais envolvidos, passíveis de
compartilhamento em caso de requisição judicial. O termo deve ser assinado ou
identificado por impressão datiloscópica, pela gestante ou, se for incapaz, também
por seu representante legal, e deverá conter declaração expressa sobre a decisão
voluntária e consciente de interromper a gravidez.
Para realização do abortamento legal, não é necessária autorização judicial
ou condenação do agressor, nem mesmo a notícia do fato à polícia ou o registro de

38
ocorrência policial. De acordo com o documento Aspectos Jurídicos do Atendimento
às Vítimas de Violência Sexual, o serviço de saúde deve estar estruturado para
acolher a mulher vítima de crime sexual e, mediante os procedimentos adequados
(anamnese, exames clínicos e outros, verificação da idade gestacional, entrevistas
com psicólogos e assistentes sociais, etc.), formar o seu convencimento sobre a sua
ocorrência. Aliás, a palavra da mulher que busca assistência médica, afirmando ter
sido vítima de um crime sexual, há de gozar de credibilidade e, pelo menos para o
serviço de assistência, deve ser recebida com presunção de veracidade.
Os policiais devem ter conhecimento do fluxo para abortamento legal do
município que trabalham para realizar o encaminhamento adequado, quando
necessário.

6.3 DEMAIS EXAMES REALIZADOS PELO INSTITUTO MÉDICO LEGAL

Além dos exames diretos e indiretos de violência sexual, o Laboratório de


Patologia do IML realiza a pesquisa de espermatozoides no material colhido da
vítima. Esta pesquisa também é feita em vestes da vítima que possam conter
material biológico do agressor.
Cabe lembrar que o acondicionamento destas vestes deve ser feito em
invólucros de papel, para que o material seque, o que é fundamental para a
preservação do material biológico.
Após a análise realizada pelo IML, os vestígios são encaminhados ao Instituto
de Criminalística para pesquisa de PSA - antígeno prostático específico, quando o
resultado da pesquisa de espermatozoides é negativo. Os vestígios são analisados e
é realizado também o isolamento do perfil genético masculino, que é importante
tanto para o confronto com o perfil de suspeitos quanto para a alimentação do banco
nacional de dados para futura identificação do agressor, que será estudada com
mais detalhes no próximo módulo.
Outro exame que pode ser realizado pelo IML é a constatação do uso de
bebidas alcoólicas e drogas, com o objetivo de comprovar a vulnerabilidade da
vítima para a prática do ato, por não poder oferecer resistência.
É extremamente relevante a informação de que a vítima não se recorda da

39
violência sexual, após fazer uso de bebidas. Existem as chamadas “drogas de
estupro” também conhecidas por “boa noite, Cinderela”, que são utilizadas
especialmente em festas e associadas a bebidas, que atuam no sistema nervoso
central e deixam a pessoa sem consciência dos seus atos.
É possível solicitar a Avaliação Psicológica da vítima para demonstrar a
existência de enfermidade ou doença mental que impossibilitava o necessário
discernimento para a prática do ato.

https://www.notibras.com/site/ghb-a-droga-usada-no-estupro-se-espalha-entre-os-latinos/

UNIDADE 3

7 COLETA E ANÁLISE DE MATERIAL GENÉTICO

Depois da análise inicial dos vestígios da vítima pelo Instituto Médico Legal,
os mesmos serão encaminhados ao Instituto de Criminalística para pesquisa de PSA
40
e análise de material genético, que é realizada pela Seção Técnica de Biologia e
Bacteriologia Legal.
Sempre deve ser encaminhada a amostra referência da vítima (Suabe oral,
sangue, tecidos moles ou rígidos coletados diretamente da vítima) e, quando a
mesma tiver mantido relação sexual consentida, deve-se coletar a amostra exclusão
do parceiro da mesma.
Quando existe uma suspeita de autoria, deve-se coletar material genético do
suspeito, com suabe oral ou sangue coletados diretamente do mesmo,
acompanhado da autorização para coleta de material biológico do investigado. O
modelo de autorização encontra-se no material complementar.
A coleta de material biológico poderá ser realizada de segunda à sexta-feira,
de 8 às 17 horas, na Divisão de Laboratório do Instituto de Criminalística/MG -
Seção Técnica de Biologia e Bacteriologia Legal, bem como no Instituto Médico
Legal, Postos Médicos Legais, órgãos de saúde ou ainda, quando utilizados
dispositivos próprios para coleta de material oral, em unidades policiais e unidades
prisionais.

41
É possível realizar a coleta de material genético através de objetos usados e
dispensados pelo suspeito, como copos descartáveis, talheres utilizados e
dispensados, vestes, cigarros utilizados, dentre outros. A citada coleta independe de
ordem judicial.
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que não há que falar em violação à
intimidade, já que o investigado, no momento em que dispensou o copo e a colher
de plástico por ele utilizados em uma refeição, por exemplo, deixou de ter o controle
sobre o que lhe pertencia (saliva que estava em seu corpo). Ainda de acordo com o
egrégio tribunal, inexiste violação do direito a não autoincriminação, pois, embora o
investigado, no primeiro momento, tenha se recusado a ceder o material genético
para análise, o exame do DNA foi realizado sem violência moral ou física, utilizando-
se de material descartado pelo paciente, o que afasta o apontado constrangimento

42
ilegal (STJ. HC n. 354068, julgado em 13/3/2018. Relator: Min. Reynaldo Soares da
Fonseca).
Inclusive há a Recomendação n.º 04/2018 do Ministério Público do Estado do
Maranhão que, nos casos de recusa do preso em fornecer material genético, orienta:
b) Nas hipóteses em que o agente se recusar a fornecer o material
biológico, adotar as seguintes medidas alternativas, estabelecidas pelo
Instituto Nacional de Criminalística, as quais serão sempre acompanhadas
por perito, a fim de evitar a contaminação do material e documentadas na
cadeia de custódia: I) utilizar material biológico coletado em eventuais
exames de saúde feitos no indivíduo custodiado; ou II) de objetos pessoais
– escovas de cabelo, copos ou talheres usados, roupas íntimas, entre
outros, coletados em ambiente isolado e/ou controlado; ou III) realizar a
busca e apreensão, mediante prévia autorização judicial, de objetos
pessoais – esta última hipótese de aplicação mais restrita.

Outra possibilidade é a representação por mandado de busca e apreensão,


nos termos do art. 240 do Código de Processo Penal, com a solicitação de
autorização judicial para apreensão de objetos que possibilitem a extração de
material genético do investigado. Sugere-se que sejam arrecadados escovas de
dente, escovas de cabelo, lâminas de barbear, vestes ou calçados que estavam
sendo utilizadas no momento, bonés, dentre outros objetos que possam viabilizar a
extração de material genético do investigado caso o mesmo se recuse a fornecer.
Assim, quando há suspeito da prática de estupro com a coleta de material
genético temos os chamados casos completos ou casos fechados. Ocorre quando
são encaminhadas, além das amostras questionadas (vestígios), também as
amostras de referência da(s) vítima(s) e/ou do(s) investigado(s).
Assim, a perícia irá analisar o material genético e elaborar o laudo, afirmando
se o material encontrado é do investigado ou não.
Há casos em que a vítima gera o filho fruto da violência sexual, ocasião em
que poderá ser realizado o exame de análise de DNA para determinação de
paternidade decorrente de abuso sexual, com o objetivo de auxiliar o
estabelecimento da autoria de crimes sexuais por meio de investigação de
paternidade.
Serão comparados os perfis genéticos da mãe (vítima), de seu filho e do
suposto pai (investigado). Na maioria dos casos, o material necessário para
realização dos exames são suabes bucais coletados das pessoas envolvidas (vítima,
seu filho e o suposto pai), que devem ser encaminhados acompanhados do Termo

43
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). No caso de indivíduos menores ou
inimputáveis, o TCLE deve ser assinado pelo(a) representante legal.
O Delegado de Polícia deve informar quando se tratar de abuso no meio
familiar, pois referida informação é importante para orientação das análises.
Encontra-se disponível no material complementar o Manual de Coleta de
Evidências Biológicas, com procedimentos e cuidados exigidos para a coleta de
materiais biológicos para pesquisa de esperma, sangue humano e análise de DNA
na Seção Técnica de Biologia e Bacteriologia Legal do Instituto de Criminalística de
Minas Gerais. Este manual poderá auxiliar os policiais durante a investigação dos
crimes de estupro.

8 BANCO NACIONAL DE PERFIS GENÉTICOS

Com a Lei n.º 12.654/2012, o Brasil passou a contar com um banco cadastral
nacional criado, especificamente, para inserção do perfil genético de determinados
indivíduos.
Referida legislação incluiu a coleta de material biológico para obtenção de
perfil genético como forma de identificação criminal e instituiu o banco de dados de
perfis genéticos, conforme artigos seguintes, que foram incluídos na Lei n.º
12.037/2009, que trata da identificação criminal:
“Art. 5º-A. Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser
armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por
unidade oficial de perícia criminal.
§ 1º As informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis
genéticos não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das
pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as normas
constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e
dados genéticos.
§ 2º Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão
caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que
permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta
Lei ou em decisão judicial.
§ 3º As informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos
deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial
devidamente habilitado.”
“Art. 7º-A. A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no
término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito.”
“Art. 7º-B. A identificação do perfil genético será armazenada em banco de

44
dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder
Executivo.”

A Lei 12.654/12 acrescentou o art. 9º-A na Lei de Execução Penal, Lei nº


7.210/1984:

“Art. 9º-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência


de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no
art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos,
obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de
DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor.
§ 1º A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados
sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.
§ 2º A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz
competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados
de identificação de perfil genético.”

Assim, o Banco Nacional de Perfis Genéticos é usado em investigações


criminais de todo o Brasil por meio da prova pericial do DNA. O material genético é
coletado pela perícia no local do crime ou no corpo da vítima. São, por exemplo,
vestígios como fios de cabelo, sangue e outros materiais biológicos. Além de
exames feitos pelas vítimas de violência nos Hospitais de Referência ou no Instituto
Médico Legal (IML).
O material genético é coletado também de condenados por crimes graves e
hediondos. Como citado acima, com a Lei n.º 12.654/12, ficou determinado que é
obrigatória a identificação do perfil genético de condenados por crime com violência
de natureza grave, como homicídios, latrocínio, sequestro e estupro, ou em casos
determinados pelo juiz.

45
O Banco Nacional de Perfis Genéticos foi regulamentado pelo Decreto n.º
7.950/2013, que instituiu a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos, que tem
como objetivo permitir o compartilhamento e a comparação de perfis genéticos
constantes dos bancos de perfis genéticos da União, dos Estados e do Distrito
Federal.
O Banco Nacional de Perfis Genético possui duas finalidades declaradas,
quais sejam, permitir a identificação de pessoas desaparecidas e contribuir para a
elucidação de crimes. Vale mencionar que há uma separação entre os materiais
genéticos em listas cadastrais distintas a depender da finalidade a que se destina,
não se admitido que o material genético coletado para fins de identificação de
pessoas desaparecidas seja empregado para fins criminais.
Nosso Banco Nacional de Perfis Genéticos está em ascensão, ultrapassando
a marca de 100 mil perfis cadastrados, com cerca de 75 mil condenados e 16 mil de
vestígios de local de crime. Somente no ano de 2020 foram investidos mais de 80
milhões de reais no trabalho de perfis, tendo o banco auxiliado em mais de duas mil
investigações no Brasil. Todavia, ainda é um quantitativo pequeno, considerando
outros países, pois, a título de exemplo, a China possui um banco de dados com
mais de cinco milhões de perfis genéticos cadastrados.
Com as informações cadastradas no banco, é possível apontar a autoria de
crimes sem solução, além de comprovar a inocência de suspeitos e interligar um
caso com outras investigações das demais esferas policiais, funcionando, assim,
como uma ferramenta eficiente para resolver crimes sexuais. Também pode ser
46
utilizado em qualquer investigação que o autor deixe material biológico no local ou
objetos do crime.
O Pacote Anticrime, Lei n.º 13.964/2019, alterou o art. 9º-A da Lei de Execução
Penal, Lei nº 7.210/1984, para a seguinte redação:
Art. 9º-A. O condenado por crime doloso praticado com violência grave
contra a pessoa, bem como por crime contra a vida, contra a liberdade
sexual ou por crime sexual contra vulnerável, será submetido,
obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de
DNA (ácido desoxirribonucleico), por técnica adequada e indolor, por
ocasião do ingresso no estabelecimento prisional.
o
§ 1 A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados
sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.
§ 1º-A. A regulamentação deverá fazer constar garantias mínimas de
proteção de dados genéticos, observando as melhores práticas da genética
forense.
o
§ 2 A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz
competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados
de identificação de perfil genético.
§ 3º Deve ser viabilizado ao titular de dados genéticos o acesso aos seus
dados constantes nos bancos de perfis genéticos, bem como a todos os
documentos da cadeia de custódia que gerou esse dado, de maneira que
possa ser contraditado pela defesa.
§ 4º O condenado pelos crimes previstos no caput deste artigo que não
tiver sido submetido à identificação do perfil genético por ocasião do
ingresso no estabelecimento prisional deverá ser submetido ao
procedimento durante o cumprimento da pena.
§ 5º A amostra biológica coletada só poderá ser utilizada para o único e
exclusivo fim de permitir a identificação pelo perfil genético, não estando
autorizadas as práticas de fenotipagem genética ou de busca familiar.
§ 6º Uma vez identificado o perfil genético, a amostra biológica recolhida
nos termos do caput deste artigo deverá ser correta e imediatamente
descartada, de maneira a impedir a sua utilização para qualquer outro fim.
§ 7º A coleta da amostra biológica e a elaboração do respectivo laudo serão
realizadas por perito oficial.
§ 8º Constitui falta grave a recusa do condenado em submeter-se ao
procedimento de identificação do perfil genético.

Assim, a negativa do apenado em fornecer material genético agora é falta


grave, ensejando a aplicação de sanção administrativa, que gera efeitos graves na
execução de pena (interrupção da contagem de prazo para progressão de regime,
negativação da classificação da pessoa presa e impossibilidade de concessão de
direitos prisionais durante o período de um ano).

8.1 INCLUSÃO DE VESTÍGIOS E MATERIAL GENÉTICO NO BANCO DE DADOS


47
De acordo com o art. 158-A do Código de Processo Penal, vestígio é todo
objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona
à infração penal.

O vestígio, após analisado, é inserido, independentemente de autorização


judicial, no Banco Nacional de Perfis Genéticos pela Seção Técnica de Biologia e
Bacteriologia Legal, através do CODIS - Combined DNA Index System, que é o
software utilizado para a inserção e o intercâmbio de perfis genéticos no referido
banco de dados.
Inclusive nos casos em que o vestígio foi analisado e confrontado com o
autor, com resultado positivo, o mesmo é incluído no Banco de Dados, visto que o
CODIS poderá alertar caso existam outros casos com o mesmo agressor, uma vez
que o vestígio contém o perfil genético do investigado. É uma possibilidade de
identificar eventuais autores de crimes em série.
Considerando o volume de vestígios em análise e aguardando inserção no
Banco Nacional de Perfis Genéticos, é possível, no curso de uma investigação,
solicitar prioridade na inserção de vestígios pela Seção Técnica de Biologia e
Bacteriologia Legal no banco de dados.
Já para a inclusão do material genético do investigado é necessária
determinação judicial expressa neste sentido ou condenação transitada em julgado
por crime doloso praticado com violência grave contra a pessoa, bem como por
crime contra a vida, contra a liberdade sexual ou por crime sexual contra vulnerável,
conforme previsto em lei.

9 CADASTRO NACIONAL DE PESSOAS CONDENADAS POR CRIME DE


ESTUPRO

A Lei n.º 14.069, de 1º de outubro de 2020, criou o Cadastro Nacional de


Pessoas Condenadas por Crime de Estupro no âmbito da União.
De acordo com a legislação, o Cadastro conterá as seguintes informações
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sobre as pessoas condenadas por esse crime:
I – características físicas e dados de identificação datiloscópica;
II – identificação do perfil genético;
III – fotos;
IV – local de moradia e atividade laboral desenvolvida, nos últimos 3 (três)
anos, em caso de concessão de livramento condicional.
A lei prevê que será firmado um instrumento de cooperação entre a União e
os entes federados para definir o acesso às informações constantes da base de
dados do Cadastro e as responsabilidades pelo processo de atualização e de
validação dos dados inseridos na base de dados do Cadastro.
É um novo instrumento para auxiliar na apuração de crimes sexuais, que
deverá conter informações como características físicas e impressões digitais, além
de fotos e DNA dos condenados. Para o preso em liberdade condicional, também
deverá constar informação do local de moradia e de trabalho nos últimos três anos.
Com o cadastro, teremos concentrado em um único banco de dados
informações de todo o país, podendo auxiliar no cruzamento de informações, como
características físicas, fotos, impressões digitais e perfis genéticos para futuras
confrontações com materiais coletados das vítimas.
É mais um passo no sentido de cadastrar, identificar e monitorar pessoas
condenadas por estupro, a exemplo do que já acontece nos Estados Unidos e em
outros países, possibilitando a identificação de autores.
Vale mencionar que referida lei ainda não foi regulamentada.

10 DILIGÊNCIAS QUE PODEM SER UTILIZADAS DURANTE A INVESTIGAÇÃO

Grande parte dos estupros tem autoria conhecida, como estudado ao longo
deste curso. Assim, cabe aos policiais a reunião de elementos que comprovem a
materialidade delitiva, pois a autoria já está definida.
Os crimes de estupro são, em regra, praticados na clandestinidade, isto é,
longe dos olhos de testemunhas. Assim, raras às vezes nos deparamos com
testemunhas presenciais da violência sexual ao longo da investigação.

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Podem ser arroladas como testemunhas a primeira pessoa que tomou
conhecimento do fato após relato da vítima, e, especialmente nos crimes cuja vítima
é criança ou adolescente, pessoas que notaram alteração de comportamento da
mesma.
A realização de exame de corpo delito é importantíssima quando a infração
deixa vestígios, ainda que a violência tenha ocorrido há algum tempo. Podemos
exemplificar a situação de uma criança de dez anos que noticia a prática de violência
sexual por parte de um familiar que ocorre há alguns anos, ou seja, uma violência
sexual crônica. Caso o exame médico legal constate a ruptura do hímen da mesma,
teremos um elemento probatório muito relevante.
Há situações de violência sexual que a perícia não conseguirá auxiliar, visto
que existem atos libidinosos que não serão constatados através de exames
médicos, como o toque em partes íntimas da vítima, dentre outros.
Caso exista algum vídeo, áudio ou imagem que comprove a violência sofrida,
as mídias devem ser arrecadadas, analisadas pela equipe de investigação e,
posteriormente, encaminhadas à perícia.
A Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente apurou
um estupro de vulnerável no qual a própria vítima filmou os atos libidinosos
praticados pelo tio com o objetivo de provar o fato, visto que os demais familiares
não acreditavam no seu relato.
Em relação aos crimes cuja autoria é desconhecida, que representa
aproximadamente 15% dos registros de estupro e estupros de vulnerável, algumas
diligências podem ser realizadas com o objetivo de localizar e qualificar o autor da
violência sexual.
São diligências que podem auxiliar na qualificação do autor:
 Comparecer ao local do fato e refazer o trajeto realizado pelo autor do
estupro antes, durante e depois da abordagem da vítima, com o
objetivo de localizar câmeras de segurança, imagens, objetos
dispensados pelo autor ou vítima, dentre outros;
 Imagens arrecadadas podem auxiliar na identificação do autor, com
características físicas do mesmo, vestimentas, uso de armas, placas
de veículos ou outras circunstâncias que auxiliem na identificação do
autor;

50
 A equipe de investigação deverá questionar a vítima se foi levado
algum pertence no momento da violência sexual, em especial telefone
celular. Caso o telefone da vítima tenha sido subtraído, em alguns
casos é possível rastreá-lo pela conta cadastrada ou por aplicativos
instalados anteriormente, levando à localização do autor.
 Caso não seja possível, deve-se obter o IMEI do aparelho. Muitas
vezes os autores dispensam o chip telefônico da vítima, mas utilizam o
aparelho com outro chip ou repassam para terceiros. Desta forma, de
posse do IMEI, é possível solicitar junto às operadoras os eventuais
telefones cadastrados naquele IMEI e chegar à qualificação do autor.
Se necessário, poderá ainda ser solicitada autorização judicial para
interceptação daquela linha telefônica;
 Pode ser necessário, por exemplo, solicitar informações de dados
cadastrais a empresas locadoras de veículos, aplicativos de
transportes, outros aplicativos que possam ter sido utilizados para
contato com a vítima ou até mesmo a abordagem da vítima.

A equipe de investigação deve acompanhar diariamente o registro das


ocorrências de estupro, monitorando a localização onde cada crime ocorreu, o
modus operandi, as características físicas do agressor, local e horário da
abordagem, com o objetivo de localizar eventuais autores em série. Além do registro
de ocorrências, é interessante monitorar ainda os laudos realizados pelo Instituto
Médico Legal de forma indireta quando o atendimento da vítima é feito no Hospital
de Referência, uma vez que muitas vítimas não comparecem à Unidade Policial para
registro da ocorrência policial.
Caso os policiais suspeitem que determinados crimes de estupro tenham sido
praticados pelo mesmo autor e se houver sido coletado material genético nas
vítimas, é possível solicitar junto ao Instituto de Criminalística a análise dos vestígios
de forma a confirmar referida suspeita.
Nos casos de autores de estupros em série, após a divulgação da
qualificação e/ou prisão do indivíduo, é bastante comum que outras vítimas o
reconheçam e procurem a Polícia para registro da ocorrência policial e demais
providências cabíveis. Como a subnotificação do estupro é enorme, muitas mulheres
não procuram a Polícia até que a autoria seja apurada.
51
Caso os órgãos de segurança pública sejam acionados logo após o ocorrido
ou quando ainda for possível recolher vestígios da infração, a perícia deve ser
acionada para comparecer ao local do estupro com o objetivo de realizar o exame de
local e captar vestígios materiais na cena do crime. Podem ser localizados
preservativos, vestes da vítima ou autor com material biológico, arma utilizada no
crime, cordas, dentre outros objetos que possam auxiliar na investigação. É possível
encontrar ainda fragmentos datiloscópicos para confrontação futura.
Os vestígios que possam ter material biológico devem ser armazenados em
invólucros de papel, com objetivo de não comprometer a análise do material.
Importante informar a origem do material coletado, se o vestígio foi coletado
no local do crime ou em local vistoriado pelos policiais, bem como se o material foi
coletado com o investigado, com a vítima, na casa do investigado ou da vítima. No
caso de vestes a quem pertença a vestimenta enviada a exame.
Ressalta-se a importância da troca de informações entre investigadores e
peritos para complementação dos trabalhos e sucesso das investigações.
O cumprimento de mandado de busca e apreensão pode auxiliar também na
localização de objetos necessários à prova da infração, como arma utilizada no
crime, vestes que o autor usava no momento da violência e que possam ser
reconhecidas pela vítima, objetos subtraídos da vítima no momento do estupro,
celular ou outros dispositivos eletrônicos com imagens da violência sexual praticada,
dentre outros objetos de interesse à investigação.
Estas são apenas algumas diligências que podem ser realizadas durante as
investigações. Vale mencionar que cada investigação tem suas peculiaridades e a
linha de investigação deve ser estabelecida de acordo com os fatos noticiados à
Unidade Policial.

11 EXAMES PERICIAIS QUE PODEM AUXILIAR A INVESTIGAÇÃO DE


ESTUPRO

Serão trazidos alguns exames periciais que podem auxiliar na investigação do

52
crime de estupro e estupro de vulnerável, além do exame de corpo delito da vítima,
pesquisa de espermatozoide e análise de material genético, que foram amplamente
abordados neste curso. Além das espécies de exame aqui comentadas, existem
muitos outros tipos de perícia e equipamentos que poderão auxiliar em investigações
criminais.
Encontra-se disponível no material complementar uma apresentação com os
tipos de perícia realizadas pela Seção Técnica de Perícias em Áudio, Vídeo e
Fonética Forense e Seção Técnica de Perícias em Crimes Informáticos, Fraudes e
Similares que diversos exames realizados pelas respectivas seções.

11.1 RETRATO FALADO

Retrato falado é a representação de uma pessoa por meio de uma imagem,


conforme a descrição de seus caracteres físicos gerais, caracteres físicos
específicos e de seus aspectos distintivos.

O principal objetivo de um retrato falado é apresentar uma referencia de


quem a policia deve procurar, diminuindo o universo de suspeitos e apresentando
um rosto com características semelhantes às do suspeito procurado.

O Retrato Falado não é a fotografia do suspeito, não há esta pretensão. A


imagem produzida é aquela descrita pelo observador do fato criminoso
e confeccionada pelo perito.

O retrato falado poderá auxiliar durante a investigação do crime de estupro


praticado por um autor desconhecido. A vítima ou testemunha irá descrever as
características físicas do autor.
O Instituto de Criminalística realiza esta perícia mediante requisição, em
horário previamente agendado. (tipo de perícia – Retrato Falado – código 84)
O retrato falado não precisa ser realizado imediatamente após o fato sob
investigação. Deve ser realizado quando a vítima ou testemunha se sentir apta.
Ressalta-se que a qualidade do retrato falado está diretamente relacionada a
capacidade de observação da vítima ou testemunha.
A observação de olhos, nariz e boca (triangulo do rosto) é

53
importante para realização do retrato falado.

11.2 COMPARAÇÃO FACIAL FORENSE

Nos casos em que a equipe de policiais consegue, durante os levantamentos,


arrecadar imagens em que o suspeito é filmado, é possível solicitar a perícia de
comparação facial forense.
A perícia de comparação facial forense tem por objetivo examinar de forma
comparativa imagens registradas em momentos distintos, sendo uma relacionada a
um indivíduo conhecido e outra ao indivíduo que se pretende identificar.
Deve ser enviada a peça padrão, que é da pessoa conhecida, que será
comparada com a imagem constante nas imagens arrecadadas do local ou
imediações do crime.
É necessário o encaminhamento do maior número de imagens possível com
boa resolução e capturadas de diversos ângulos (ex. laterais, frontal, rosto
inclinado).
As imagens arrecadadas pela equipe de policiais também devem ser
encaminhadas para a realização da perícia. É a chamada peça motivo. O envio do
vídeo ou imagem deve ser preferencialmente por meio digital, que não tenha sido
capturado da tela do monitor.
É necessário ainda a descrição do fato sob investigação e a indicação do
instante em que o suspeito é visualizado na peça motivo. Quando necessário, deve-
se encaminhar ao Instituto de Criminalística a autorização judicial.

54
São fatores que dificultam a realização do exame pericial:
 Peça padrão ou peça motivo com baixa resolução;
 Distância da câmera ao indivíduo;
 Posicionamento do indivíduo na peça padrão muito diverso da peça motivo;
 Utilização de adereço/acessório que dificulte a visualização do rosto do
individuo;
 Captura de imagens da tela do monitor;
 Lapso temporal entre a peça padrão e peça motivo.

Ressalta-se que esta ferramenta ainda tem grande potencial de crescimento


para auxílio nas investigações e identificação de autoria delitiva, como ocorre em
alguns estados que já possuem um banco de dados facial.

11.3 ANÁLISE DE CONTEÚDO EM REGISTROS AUDIOVISUAIS

A análise de conteúdo audiovisual é realizada em vídeos e elabora a sinopse


do trecho da gravação relacionado ao fato sob investigação. Neste exame não é
realizada a recuperação de conteúdos apagados.
É necessário encaminhar ao Instituto de Criminalística a indicação do
interesse criminalístico e/ou vítimas e autores, a autorização judicial, quando
necessário, e os equipamentos a serem analisados devem estar sem senha (ex.
notebook, celular).
São circunstâncias que dificultam a realização do exame pericial:
•Vídeos e/ou imagens com baixa resolução;
•Câmeras mal posicionadas;
•Baixa luminosidade;
•Captura de imagens de telas de dispositivos (perda de resolução);
•Ausência de indicação do interesse criminalístico.
Este exame pode ser utilizado para melhoraria das imagens, como
identificação de placas de veículos, por exemplo.

11.4 PAPILOSCOPIA

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A Papiloscopia estuda a identificação humana pelas digitais, presentes nas
palmas das mãos e na sola dos pés. O exame tem por objetivo identificar indivíduos
através da impressão digital deixada num local de crime, que é uma prova
incontestável da indicação da presença do indivíduo ou até mesmo da autoria do
delito.
O exame procura identificar pontos suficientes na impressão papilar
verificada, por tanto, pode ser feita em fragmentos datiloscópicos, se houver pontos
suficientes para confirmação. Atualmente a verificação pode ser feita em vários
materiais como, por exemplo, papel, fita adesiva, luvas, arma de fogo, etc.
Outra importante informação é que a verificação pode ser feita pelas impressões
papilares da palma das mãos e pés e não somente pela impressão dos dedos das
mãos. Deve ser indicado o indivíduo suspeito que o fragmentado encontrado deverá
ser comparado.

11.5 EXTRAÇÃO DE DADOS DE CELULAR

O exame de extração de dados de celular tem por objetivo constatar a


existência de arquivos digitais relacionados ao crime especificado pelo Delegado de
Polícia Requisitante, inclusive através da recuperação de arquivos que tenham sido
apagados.
É necessário indicar o interesse criminalístico na requisição de exame pericial
(campo Informações Adicionais), ou seja, o que se busca materializar através dos
arquivos digitais encontrados. Caso necessário, a autorização judicial deve ser
encaminhada à perícia.
Este exame pode ser realizado quando existem mensagens e ligações entre
vítima e autor, por exemplo, vídeos ou fotos que precisam ser recuperadas, dentre
outros.

12 FERRAMENTAS TECNOLÓGICAS DISPONÍVEIS PARA


INVESTIGAÇÃO

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Serão trazidas algumas ferramentas tecnológicas que podem auxiliar a
investigação do crime de estupro e estupro de vulnerável.

12.1 REGISTROS HISTÓRICOS DO REDS

A ferramenta de pesquisa inclusa na aba “Consultas” no sistema REDS


proporciona vasta pesquisa na base de dados do Armazém SIDS. Possibilita
pesquisas de registros de eventos a partir de 2006 e a junção de vários atributos
como: nome, endereço, placas, número e natureza da ocorrência, pesquisa textual
dentro do histórico do REDS, dentre outros.
É possível localizar ocorrências de estupro na mesma região, com o mesmo
modus operandi, características físicas semelhantes do autor, identificando possíveis
casos em série. É possível qualificar determinados indivíduos com algumas
informações de conhecimento da equipe de investigação.

12.2 SIP 2.0

O Sistema de Informações Policiais 2.0 possibilita consulta de indivíduos,


empresas, veículos e condutores. O SIP conta com fotografias do sistema RENACH
(carteira de motorista), dados de componentes de veículos e formas datiloscópicas
inseridas no sistema do Instituto de Identificação que podem ajudar a identificar um
indivíduo no momento de uma investigação criminal, após breve analise
datiloscópica.
O SIP 2.0 conta ainda com a funcionalidade Integração com o Sistema
Integrado de Gestão Prisional – SIGPRI, que conta com fotos, número de INFOPEN,
movimentação do preso no sistema prisional, dentre outros.

12.3 INFOPEN

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Sistema da Subsecretaria de Administração Penitenciaria utilizado para as
rotinas administrativas nas cadeias e presídios de todo o Estado. Conta com um
sistema elaborado com vários dados que podem subsidiar investigações criminais de
todas as espécies.
Este sistema conta com fotos de todos os detentos do Estado, bem como a
foto e registros biométricos de parentes e visitantes cadastrados como contato do
detento, data das visitas e nível de contato entre eles.

12.4 REDE SINESP – INFOSEG

Um dos sistemas mais completos que está à disposição da investigação


criminal, devido a união de várias bases de dados, de diversos Estados e de bases
nacionais de dados.
A rede INFOSEG conta com base da Receita Federal com dados de pessoas
físicas e jurídicas, do Denatran (RENACH e RENAVAN), do Ministério do Trabalho,
Departamento Penitenciário Nacional, Integração de base de dados Estaduais de
registro de ocorrências policiais (ainda em implantação por alguns Estados), banco
de mandados de prisão do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, do Sistema
Nacional de Armas – SINARM e registros no índice nacional de informações policiais
dos órgãos federais de persecução criminal.
Este sistema é a maior arma da polícia judiciária no combate aos crimes
transnacionais, pois o compartilhamento dos dados de diversos Estados por parte
desta rede é fundamental, aumentando o alcance de uma investigação além dos
limites do seu Estado.
A rede SINESP conta ainda com o sistema SINIVEM, vinculado a Policia
Rodoviária Federal, que permite cadastro de placas de veículos para rastreamento
em tempo real, no momento em que passam por algum posto da PRF equipado com
câmeras OCR, que possibilita o reconhecimento de placas.
Outro sistema disponibilizado pela rede SINESP é o sistema CORTEX,
vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, permitindo a consulta de
veículos, pessoas, embarcações, radares inteligentes, entre outras possibilidades.

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12.5 DISQUE DENUNCIA – 181

Serviço destinado ao recebimento de informações dos cidadãos sobre crimes


de que tenham conhecimento e possam auxiliar o trabalho policial.
As denúncias são analisadas e classificadas de acordo com a unidade
operacional. Após, serão enviadas por meio desta plataforma à delegacia
especializada responsável ou para a delegacia da área.
As informações do DDU, quanto à autoria de delitos de estupros, são
checadas e corroboradas com outras informações pelas equipes responsáveis e,
somente assim, são levadas ao inquérito policial dada a relevância dos dados.
Tornou-se uma poderosa ferramenta na obtenção de informes de crimes no
geral, pois o sigilo é preservado e a credibilidade do serviço, diante de respostas das
denúncias mediante senha aos denunciantes, alavancou sua maciça utilização em
todo o Estado.
12.6 ARMAZEM SIDS – BUSINESS OBJECTS

A ferramenta Business Objects é um programa de tratamento de banco de


dados do Sistema Integrado de Defesa Social, possibilitando uma infinidade de
consultas e vínculos de atributos de pesquisas.
Informações e indicadores de Segurança Pública são extraídos a partir de
Boletins de Ocorrências (REDS), abrangendo Registros de Eventos Policiais,
Acidentes de Trânsito e Meio Ambiente. Contempla também as informações de
Ligações feitas aos Números de Emergência, gerenciamento de Atendimentos e
Despacho de Recursos e Atividades Policiais programadas.
A sua utilização como fonte de dados de investigação é grande, pois engloba
várias bases de dados do Estado como: Sistema de Call Center, CAD – Cadastro de
Atendimento e Despacho, REDS e Sistema de Aceite da PCMG. A periodicidade de
inserção de dados no sistema é diária.
Este sistema, usando como parâmetro os campos de preenchimento do
REDS, possibilita a montagem de vários tipos de engrenagens de pesquisas, a título
de exemplo, é possível pesquisar uma placa de veículo que já teve registro no REDS
apenas sabendo parte das letras ou dos números desta.

59
12.7 CELEBRITE

A ferramenta Cellebrite é uma solução de extração, processamento e análise


de dados a partir de plataformas eletrônicas portáteis e serviços de computação em
nuvem (Cloud).
Temos como plataforma eletrônica portáteis os aparelhos telefônicos,
smartphones, tablets, notebooks, entre outros. O Celebrite constitui uma ferramenta
dotada de sofisticada tecnologia a ser utilizada pelas polícias na captura de dados,
capaz de proporcionar trabalho mais refinado, inteligente e colaborativo, oferecendo
aos usuários resultados mais precisos e eficazes.
Após a extração dos dados, estes ficam disponíveis para backup separados
em pastas por gêneros, facilitando a análise de aparelhos telefônicos que contém
alto poder de armazenagem de dados, como fotos, áudios, mensagens e arquivos
em geral.
Os arquivos e relatórios disponibilizados pela ferramenta, com a devida
cautela, podem ser utilizados pelos policiais em relatórios técnicos e
circunstanciados de investigação dentro dos devidos limites autorizados pelo alvará
judicial, uma vez que se trata de dados resguardados pelo sigilo telefônico e
telemático.

12.8 INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA – QUEBRA DE DADOS


TELEFÓNICOS E TELEMÁTICOS

De acordo com a Lei 12.850/2013, não há necessidade de autorização judicial


nas hipóteses do artigo 15, 16 e 17, quais sejam:
•Dados cadastrais (artigo 15): podem ser obtidos diretamente, pela polícia ou
MP junto a: I) Justiça Eleitoral; II) empresas telefônicas; III) instituições financeiras;
IV) provedores de internet; V) administradoras de cartões de crédito, os seguintes
dados cadastrais:
- Qualificação pessoal
- Filiação

60
- Endereço
•Reservas e registros de viagens (artigo 16): podem ser obtidos diretamente,
pela polícia ou MP, pelo prazo de 5 (cinco) anos, junto às empresas de transporte.
•Registros de identificação dos números dos terminais de origem e de destino
das ligações telefônicas internacionais, interurbanas e locais (artigo 17): podem ser
obtidos diretamente, pela polícia ou MP, pelo prazo de 5 (cinco) anos, junto às
concessionárias de telefonia fixa ou móvel.
Já a interceptação comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para
prova em investigação criminal e em instrução processual penal, dependerá de
ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça, conforme
previsto na Lei nº 9.296/1996, que também aplica-se à interceptação do fluxo de
comunicações em sistemas de informática e telemática.
Cada operadora de telefonia vincula as interceptações implementadas na sua
plataforma VIGIA. Deste modo, temos VIGIA disponíveis das operadoras OI, TIM,
VIVO, CLARO, ALGAR/CTBC e NEXTEL.
As plataformas INFOGUARD, MÓDULO SENHA e PORTAL JUD são
soluções das operadoras de telefonia para as rotinas de tratamento de dados em
interceptações telefônicas e quebra de sigilo telefônico e telemático.
No INFOGUARD, utilizado pela operadora TIM, e no MÓDULO SENHA, que
está disponível no VIGIA das operadoras CLARO, CTBC/ALGAR e NEXTEL, são
solicitados os dados cadastrais de linhas telefônicas e IMEIs envolvidas naquela
operação, bem como registro de chamadas telefônicas e ERBs pretéritas e em
tempo real.
Já no PORTAL JUD desenvolvido pela operadora de telefonia VIVO são
solicitados dados cadastrais de terminais e de IMEIs vinculado a terminais destas
operadoras e outras informações relacionadas a cadastro de dados mantidos por
ela.
Cabe ressaltar que a operadora de telefonia OI não mantém uma plataforma
para esse tipo de solicitação, vindo a receber e responder os pedidos das
autoridades através de e-mail próprio.

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13 CONCLUSÃO

O estupro é um crime gravíssimo, com diversas repercussões na saúde física


e psíquica da vítima. O delito passou por significativas alterações legislativas até
chegar na atual configuração, na qual homens e mulheres podem ser vítimas e com
a ação penal pública incondicionada.
Após a análise estatística dos registros de estupro e estupro de vulnerável,
constatou-se que grande parte das vítimas são crianças e adolescentes e do sexo
feminino.
Assim, considerando a vulnerabilidade do indivíduo após sofrer algum tipo de
violência sexual, os Policiais Civis devem estar preparados e capacitados para
acolher esta vítima, de forma humanizada, garantindo a privacidade do relato, sem
julgamentos e sem culpabilizá-la. É necessário garantir que esta vítima tenha
atendimento no âmbito da saúde, uma vez que o estupro pode trazer implicações na
saúde da vítima, desde as lesões físicas, doenças sexualmente transmissíveis,
depressão, transtornos de pânico, estresse pós-traumático, até mesmo uma
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gestação da mulher em razão da violência sofrida.
Portanto, nas unidades policiais, além do atendimento relacionado ao
procedimento investigatório, a vítima deve ser orientada dos serviços existentes e
ser e, devidamente, encaminhada, de forma a garantir o atendimento e
acompanhamento integral da mesma.
Ressalta-se a importância da coleta precoce de evidências, que pode ser
fundamental na identificação da autoria delitiva, com a relevante atuação do
Protocolo Humanizado de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual, que garante
a coleta de vestígios o mais rápido possível e evita a revitimização.
Foi analisado também o confronto de material genético do suspeito com o
material colhido na vítima, que constitui prova irrefutável da autoria do crime, além
da possibilidade de inserção dos vestígios no Banco Nacional de Perfis Genéticos,
com a identificação do autor do crime, caso já tenha DNA cadastrado.
Diversas diligências policiais, variados exames periciais e algumas
ferramentas tecnológicas foram abordadas com o objetivo de instruir a investigação
policial, trazendo aos autos elementos que comprovem a autoria e materialidade
delitiva, possibilitando a responsabilização do agressor.
Portanto, cabe a nós, Policiais Civis, compreendermos a complexidades dos
eventos em torno desse crime, atentos à todas as novas ferramentas desenvolvidas
pela tecnologia para apuração dos fatos e aos avanços no campo da psicologia,
para cessar os efeitos devastadores na vida e personalidade das vítimas com o
trauma vivido e os seus desdobramentos decorrentes da coleta de provas.
Em razão das peculiaridades dos crimes de estupro, é base aos agentes de
segurança tomar como ponto de sustentação de toda investigação o respeito e a
seriedade do momento vivido pela vítima, garantido o sentimento de não culpa e a
sensação de segurança e de acolhimento, caminho fundamental para o auxilio na
recuperação do trauma e alcance da cooperação necessária para melhor obtenção
das provas desejadas.
Com uma conduta profissional adequada, podemos quebrar o silêncio das
vítimas, reverter a subnotificação, que é altíssima neste tipo de crime, estabelecendo
uma relação de confiança com toda a sociedade, além de possibilitar a
responsabilização dos autores, contribuindo para a real redução dos casos de
violência sexual.

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14 REFERÊNCIAS

 BRASIL. Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>.

 BRASIL. Decreto n.º 7.958, de 13 de março de 2013. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/d7958.htm>

 BRASIL. Decreto n.º 9.603, de 10 de dezembro de 2018. Disponível em


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/D9603.htm

 BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código


Penal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/Del2848compilado.htm>.

 BRASIL. Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941. 2.848. Código de


Processo Penal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del3689.htm>.

 BRASIL. Lei 11.106, de 28 de março de 2005. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11106.htm#art5>

 BRASIL. Lei 12.654, de 28 de maio de 2012. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12654.htm>.
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 BRASIL. Lei 13.431, de 4 de abril de 2017. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13431.htm>.

 BRASIL. Lei 13.718, de 24 de setembro de 2018. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13718.htm>.

 BRASIL. Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm>.

 BRASIL. Lei 14.069, de 01 de outubro de 2020. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14069.htm>.

 BRASIL. Recomendação 33, de 13 de novembro de 2010, do Conselho


Nacional de Justiça. Disponível em < https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/878>

 BRASIL. Portaria nº 2.282, de 27 de agosto de 2020. Disponível em


<https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.282-de-27-de-agosto-de-2020-
274644814>.

 BRASIL, Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Percepção sobre violência


sexual e atendimento a mulheres vítimas nas instituições policiais. 2016. Disponível
em <https://forumseguranca.org.br/publicacoes_posts/a-policia-precisa-falar-sobre-
estupro-percepcao-sobre-violencia-sexual-e-atendimento-a-mulheres-vitimas-de-
estupro-nas-instituicoes-policiais >.

 BRASIL, Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os registros de violência


sexual durante a pandemia de Covid-19. 2021. Disponível em
<https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/ >.

 BRASIL, Ministério da Saúde. Aspectos jurídicos do atendimento às vítimas


de violência sexual: perguntas e respostas para profissionais de saúde – 2011.
Disponível
em:https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/aspectos_juridicos_atendimento_viti
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 CUNHA, Rogério Sanches. Lei 13.718/18: Introduz modificações nos crimes contra a
dignidade sexual. 2018. Disponível em:
<https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2018/09/25/lei-13-71818-
introduzmodificacoes-nos-crimes-contra-dignidade-sexual/>.

 LENIESKY, Fabiano. É lícita prova de DNA decorrente da extração de material


genético de objetos descartados pelo agente?.2018. Disponível em:
<https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/801210137/e-licita-prova-de-dna-
decorrente-da-extracao-de-material-genetico-de-objetos-descartados-pelo-agente>.

 SOUZA, Cecília Mello e, ADESSE, Leila. Violência sexual no Brasil: perspectivas e


desafios. 2005. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.

 Site Wikipédia. Disponível <https://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura_do_estupro>


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