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MODALIDADES DE TRATAMENTO DO

ABSCESSO PERIODONTAL
PERIODONTAL ABSCESS TREATMENT

1
Marcelo Diniz Carvalho
1
Bruno Braga Benatti
2
Márcio Zaffalon Casati
3
Maria Ângela Naval Machado
4
Enilson Antônio Sallum
4
Francisco Humberto Nociti Jr
5
Getúlio Da Rocha Nogueira-Filho

O abscesso periodontal é o terceiro processo infeccioso agudo mais freqüente dentre as urgências
odontológicas, destruindo rapidamente os tecidos periodontais, podendo interferir no prognóstico do dente
envolvido, além de apresentar a possibilidade de disseminação da infecção. Apesar disso, são poucos os
trabalhos na literatura que discutem o tratamento dessa lesão. As principais questões permanecem em
casos clínicos específicos, nos quais o tratamento dos abscessos pode variar quanto à indicação e o
momento da antibioticoterapia sistêmica, e da necessidade do procedimento de drenagem imediata com
posterior descontaminação radicular. Logo, o objetivo desta revisão da literatura é estabelecer uma análise
crítica sobre as modalidades de tratamento do abscesso periodontal, frente a suas características clínicas e
microbiológicas.
Palavras-chave: abscesso periodontal, tratamento.

INTRODUÇÃO
Etiologia e Classificação

Os abscessos que acometem o periodonto são causados pela presença de


microorganismos do biofilme dental subgengival em casos de exacerbação de
periodontites pré-existentes, 6 após terapia periodontal inapropriada, 3 pela
recorrência da doença periodontal17 ou na ocorrência de super-infecções após
terapia sistêmica com antibióticos.12
Segundo a nova classificação da Academia Americana de Periodontologia,1
pode-se distinguir quatro tipos de abscessos que afetam o periodonto: gengival,
pericoronário, periapical e periodontal. Os abscessos gengivais apresentam-se como
lesões dolorosas, localizadas, envolvendo a gengiva marginal ou a papila interdental
de áreas livres de doença periodontal prévia. A etiologia dessas inflamações agudas
está associada à penetração de corpos estranhos na região sulcular da gengiva
marginal.13 Os abscessos pericoronários por sua vez apresentam um acúmulo
purulento na região do capuz coronário geralmente associado aos terceiros molares
mandibulares, ocasionado pela incompleta erupção desses elementos.1 Já os

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abscessos periapicais apresentam como etiologia primária
uma infecção dento-alveolar associada à necrose pulpar.7
O abscesso periodontal, objeto deste presente
trabalho, caracteriza-se por um acúmulo de exsudato
purulento localizado dentro da parede gengival de uma
bolsa periodontal resultando na destruição das fibras
colágenas do ligamento periodontal e em perda óssea
alveolar adjacente.1

Prevalência
Os abscessos periodontais representam a terceira
lesão mais freqüente dentre todas as urgências
odontológicas, apresentando uma maior incidência em
indivíduos com doença periodontal moderada e severa.9,
16, 17

Os dados estatísticos sobre a procura pelo


atendimento de urgência do Bristol Dental Hospital
(Inglaterra), mostraram que a ocorrência dos abscessos
periodontais foi mais comum na terceira e quarta décadas
de vida, 20 evidenciando uma maior disposição para
desenvolvimento destes em pacientes com idade próxima
de 40 anos que já apresentavam doença periodontal de
rápida destruição.5

Características Microbiológicas
São poucos os estudos que analisam a microbiota
dos abscessos periodontais, porém a preocupação em se
identifica-la não é recente. NEWMAN, SIMS 18 (1979)
verificaram uma predominância de anaeróbios gram-
negativos, estando de acordo com dados mais recentes.1
Dentre os anaeróbios gram-negativos, os mais
prevalentes são: F. nucleatum 70,8%, P. micros 70,6% e P.
gingivalis 62,5%,2, 11, 19 P. intermedia 50%,11, 14, 18 e B. forsythus
47,1%. Já os de menor prevalência foram: P.
melaninogenica 16,7%,14, 18 C. rectus 4,2% e ausência de
A. actinomycetemcomitans.14

Características Clínicas
Os sinais e sintomas do quadro agudo de abscesso
periodontal são: dor, edema, supuração, vermelhidão,
extrusão dental, sensibilidade à percussão, além de uma
possível elevação da temperatura corporal e
linfoadenopatia.1, 15
Clinicamente, observa-se uma elevação
(tumefação) da gengiva ao longo da região da raiz,

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edema e vermelhidão, além de uma superfície lisa e
brilhante. Exsudato purulento via sulcular pode ser
observado através de pressão digital na região, além de
sensibilidade, mobilidade e elevação dental, 1 sendo
possível o surgimento de quadros de linfoadenopatia
regional.12, 17, 20
Em relação a localização dos abscessos
periodontais, alguns autores demonstraram uma maior
prevalência destes em molares (69%). E freqüentemente
os mesmos estão associados a profundidade de
sondagem acima de 6mm (62,1%), apresentando ainda
mobilidade na maioria dos casos (79%).14

Modalidades de Tratamento

Modalidade 1
Em função da condição clínica do paciente e do
prognóstico do dente, alguns autores descrevem a
drenagem do abscesso com raspagem3 e/ou cirurgia de
acesso como a terapia mais apropriada. E de acordo com
a presença ou ausência de envolvimento sistêmico (febre
e/ou linfoadenopatia), pode haver ou não a associação
da antibioticoterapia.3, 9, 18

Modalidade 2
Outra modalidade descrita na literatura é a incisão
e drenagem do abscesso associada a prescrição de
antibioticoterapia sistêmica. Eliminada a condição aguda,
seria realizada a raspagem e alisamento radicular,
mantendo o paciente em posterior terapia de suporte. 11, 20

Modalidade 3
Uma modalidade constituída de uma única fase é
proposta por alguns autores, através da combinação de
tratamentos mecânicos (incisão, drenagem, raspagem)
associada a antibioticoterapia na mesma sessão, com
grande expectativa de sucesso.8

Modalidade 4
Recentemente, um estudo propôs o seguinte
tratamento: na fase aguda estaria indicada a prescrição
de antibiótico com azitromicina (500 mg uma vez por dia
durante três dias) ou amoxicilina / clavulanato de potássio
(500 + 250 mg uma vez por dia durante oito dias). A
raspagem radicular seria realizada apenas 10 a 12 dias
após o uso do antibiótico.15

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RELATO DE CASOS CLÍNICOS
CASO 1
Paciente R.M.S., 23 anos, saudável sistemicamente,
portadora de Periodontite Crônica Localizada Severa,1
apresentou-se na clínica de graduação da FOP-UNICAMP
com quadro de abscesso periodontal
na região do dente 11 (figura 1). O
dente apresentava bolsa periodontal
de 7mm na vestibular e 8mm na
mesial, vitalidade pulpar ao teste
tér mico e mobilidade grau 2.
Radiograficamente, observou-se
perda óssea na região mesial do 21
(figura 2). Não foi relatada queixa de
mal estar ou febre, nem foi detectada
linfoadenopatia.
O tratamento realizado foi a Figura1- Região anterior da maxila, com edema, vermelhidão e dor,
drenagem do abscesso via bolsa e além de profundidade de sondagem de 7mm na vestibular e 8mm
na mesial do elemento 11
raspagem e alisamento radicular do
dente envolvido, na mesma sessão,
sob irrigação subgengival abundan-
te com iodo povidine a 10%. Duran-
te o procedimento, houve ruptura da
papila interincisal, o que levou ao
acesso cirúrgico sob anestesia a dis-
tância, com posterior sutura (figura 3).
Foi então prescrito o bochecho diá-
rio com digluconato de clorexidina
a 0,2% durante o período de 07 dias,
além do uso de analgésicos por 24h.
Após 3 meses, pode-se notar a evo- Figura 2 - Aspecto
radiográfico do quadro
lução positiva do caso, com redução de abscesso, com perda
óssea na mesial do
da doença periodontal e da mobili- elemento 11.
dade, apesar da presença de
retração gengival como seqüela do
tratamento do abscesso e da
periodontite (figura 4).

Figura 3 - Aspecto clínico após procedimento de


raspagem e alisamento radicular sob irrigação
abundante com iodo povidine 10%. Sutura interproximal
devido à ruptura da papila interincisal.

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Figura 4 - Aspecto clínico
representativo de cura após 3
meses do procedimento inicial.

CASO 2
Paciente A.J.S., 47 anos, apresentando
linfoadenopatia e febre, portador de Periodontite Crônica
Localizada Moderada,1 foi diagnosticado na clínica de
graduação da FOP-UNICAMP com quadro de abscesso
periodontal na região do
dente 47 (figura 5). O dente
apresentava bolsa periodontal
de 5mm na vestibular
associada a presença de uma
restauração de amálgama
classe V subgengival, sem a
presença de lesão de
bifurcação. A vitalidade
pulpar foi positiva ao teste
Figura 5 - Região posterior da mandíbula (lado direito), com térmico e a mobilidade grau 1.
edema e profundidade de sondagem de 5mm na
vestibular do elemento 47. Restauração em amálgama Radiograficamente foi
classe V subgengival pela vestibular. observada uma discreta perda
óssea (figura 6). Neste caso, o
paciente queixou-se de mal estar
e febre, além da presença de
linfoadenopatia submandibular à
palpação.
O tratamento realizado foi
a drenagem do abscesso via
bolsa e raspagem e alisamento
radicular do dente envolvido, na
mesma sessão, sob irrigação
subgengival abundante com
iodo povidine a 10%. Foi prescrita
antibióticoterapia com
clidamicina (DalacinÒ) por 10
dias, além do bochecho diário
com digluconato de clorexidina
a 0,2% durante o período de 07
dias. Houve evolução positiva do
Figura 6 - Aspecto radiográfico do quadro de caso, com regressão do abscesso
abscesso, com discreta perda óssea.
e redução da doença
periodontal (figura 7).

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Figura 7 - Aspecto clínico representativo de cura, com profundidade
de sondagem se 2mm, após 3 meses do procedimento inicial.

DISCUSSÃO
Diferentes modalidades de tratamento do abscesso
periodontal têm sido propostas, variando basicamente no
momento do tratamento da periodontite instalada, através
da raspagem e alisamento radicular, bem como da
necessidade ou não da antibioticoterapia. Porém, é
unânime a escolha de uma terapia que vise promover a
eliminação da dor do paciente, do fator etiológico, e
conseqüente redução do processo agudo.
A modalidade terapêutica instaurada nos casos
apresentados neste trabalho visaram a realização do
procedimento de drenagem associado à raspagem e
alisamento radicular numa única sessão, com o uso da
terapia antibiótica em quadros de envolvimento sistêmico,
estando de acordo com alguns outros autores.3, 6, 9, 19 A
variação proposta consistiu na irrigação com iodo
povidine, ressaltando que tal protocolo não superestima
a infecção aguda instalada, apresentando bons resultados
clínicos.
Porém, a análise crítica da literatura consultada
indica que alguns autores preconizam a utilização de
antibióticos associados à drenagem e irrigação com
solução salina para posterior raspagem e alisamento
radicular.14 Essa modalidade de tratamento, apesar de
apresentar uma boa resolução dos casos, parece
superestimar o processo infeccioso instalado no abscesso,
o que futuramente poderia ocasionar o surgimento de
espécies resistentes.4
Além disso, são poucos os trabalhos que justificam
suas terapias apoiadas em dados científicos, utilizando
apenas casos reportados para justificar suas escolhas.
Paradoxalmente, alguns trabalhos têm constatado clínica
e microbiologicamente a eficácia de suas terapias.10, 14, 19

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Poderia ser estabelecida uma racionalização
quanto ao uso da antibioticoterapia, como na presença
de envolvimento sistêmico,16 nos casos de risco sistêmico
onde o paciente necessite de pré-medicação, quando
existe uma infecção difusa ou em casos onde no início do
tratamento não se conseguiu realizar a drenagem.16
Porém, qualquer paradigma parece-nos precoce,
haja visto a falta de estudos controlados que comparem
a drenagem, raspagem e alisamento radicular numa única
sessão, associadas ou não à terapia antibiótica sistêmica.
Logo, pode-se concluir que, de acordo com a
literatura consultada, os abscessos periodontais têm
características clínicas e microbiológicas claras,
possibilitando a criação de algumas modalidades de
tratamento. Entretanto, mais estudos são necessários para
comparar diferentes tipos de tratamento a fim de se
estabelecer as reais limitações e benefícios que cada tipo
de tratamento pode trazer.

ABSTRACT
The periodontal abscess is the third most frequent acute inflammatory
process in dental urgencies, destroying rapidly the periodontal tissues,
interfering in tooth’s prognosis, and presenting the possibility of an infection
dissemination. However, only a few studies discuss its treatment. Some
treatments have been proposed regarding indication of systemic antibiotic
therapy, one-session drainage and root’s decontamination. Thus, the
purpose of this review is to establish a critical analysis about periodontal
abscess treatment concerning its clinical and microbiological
characteristics.
Key words: periodontal abscess, treatment.

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