Você está na página 1de 8

14/01/2021 Mídia ignora mortes no campo | Repórter Brasil

U a

Mídia ignora mortes


no campo
Por Maurício Hashizume | 18/04/04

Ampla exposição na mídia


apresenta série de ocupações de
terra como sinais de “convulsão
social”. Ausente da cobertura da
imprensa, violência no campo
bateu recorde no ano passado e
vitimou 73 pessoas

Brasília – Com oito anos transcorridos desde o


massacre de Eldorado de Carajás no fatídico dia
17 de abril, quando 19 camponeses e
camponesas sem terra foram assassinados por
policiais militares no Pará, a impressão que se
tem é que o meio rural vive uma convulsão por
causa da série de ocupações organizadas
principalmente pelo Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Essa percepção, porém, não se con rma nos


https://reporterbrasil.org.br/2004/04/midia-ignora-mortes-no-campo/ 1/8
14/01/2021 Mídia ignora mortes no campo | Repórter Brasil

dados preliminares da Comissão Pastoral da


Terra (CPT) divulgados na última sexta-feira (16).
A entidade ligada à Conferência Nacional de
Bispos do Brasil (CNBB) registrou, do início do
ano até 14 de abril, índices menores de violência
do que aqueles que foram computados no
mesmo período em 2003. A queda no número
de mortes por con ito de terra foi, por exemplo,
de 65% – 23 pessoas assassinadas até meados
de abril de 2003 frente aos 8 casos deste ano.

Os números apresentados no relatório anual da


CPT sobre os con itos no campo revelam, no
entanto, que 2003 foi o ano no qual ocorreram
mais con itos na terra desde que o estudo
começou a ser produzido, há 18 anos. Foram 73
assassinatos, 64 tentativas de assassinatos, 14
mortes em conseqüência, 266 ameaças de
morte, 16 casos de tortura, 405 agressões físicas,
380 prisões e 48 registros de feridos em um total
de 1.690 con itos que atingiram diretamente
1.190.578 pessoas. Até em termos de extensão
territorial, os con itos em 2003 foram maiores
que anos anteriores e alcançou 3.831.405
hectares.

O que se intensi cou em 2004 foram as


ocupações. Até 14 de abril deste ano, foram
realizadas 99 ocupações que envolveram 19.419
famílias em todo o Brasil. Em 2003, durante o

https://reporterbrasil.org.br/2004/04/midia-ignora-mortes-no-campo/ 2/8
14/01/2021 Mídia ignora mortes no campo | Repórter Brasil

mesmo período, foram 96 ocupações levadas a


cabo por 14.045 famílias.

“Este caderno [relatório “Con itos no campo –


Brasil 2003″] é a voz dos que não tem voz”,
salienta dom Tomás Balduíno, presidente da
CPT. As vítimas dos con itos agrários registrados
ano passado, conclui ele, não foram vítimas só
naquele momento. “São os excluídos desde
sempre.”

A discrepância do espaço de divulgação dado


pelos principais meios de comunicação do país
em momentos diferentes também mereceu
algumas observações do professor Carlos Walter
Porto Gonçalves, do Laboratório de Estudos de
Movimentos Sociais e Territorialidades (Lemto)
da Universidade Federal Fluminense (UFF), que
colaborou na elaboração do relatório da CPT.
“Isso me lembra muito aquela histórica de que
em política o que importa não é o fato, mas é a
versão. Nós tivemos 73 assassinatos no campo
em 2003, que remete ao nal dos anos 80, época
da enorme violência no campo, e isso não
repercutiu na imprensa”.

Para Gonçalves, a questão agrária é


extremamente sensível na sociedade brasileira.
Quando, também no ano passado, o presidente
Lula colocou o boné do MST, recorda, “a
imprensa foi em cima e o presidente teve que

https://reporterbrasil.org.br/2004/04/midia-ignora-mortes-no-campo/ 3/8
14/01/2021 Mídia ignora mortes no campo | Repórter Brasil

colocar vários outros bonés para diluir aquela


imagem”. “Isso é indicativo de como a questão
agrária atravessa a estrutura de poder no Brasil
e a exposição na mídia segue o critério da
conveniência.”

“A imprensa faz coro como se fosse a [“guerra”


pelo comando do trá co de drogas da favela da]
Rocinha, mas as ocupações fazem parte de um
movimento pací co. A violência, como mostra o
caderno, vem do latifúndio”, emenda dom
Tomás Balduíno.

Por seu turno, João Paulo Rodrigues, da


coordenação nacional do MST, esclarece que as
ocupações não são contra o governo.
“Esperamos um salto de qualidade do governo
em relação à reforma agrária. Não se trata de
termos ou não uma boa relação com eles. Para
nós, o governo Lula é o melhor que já tivemos
na história. O que nós queremos mostrar é que
falta o enfrentamento ao latifúndio improdutivo.
E o governo deverá fazer esse enfrentamento se
quiser cumprir as metas [do Plano Nacional de
Reforna Agrária (PNRA), que prevê o
assentamento de 47 mil famílias neste primeiro
semestre, 115 mil em 2004 e 400 mil até 2007,
quando se encerra a gestão do presidente Lula].”

Os números do relatório da CPT, avalia


Rodrigues, são mais uma evidência de que “não

https://reporterbrasil.org.br/2004/04/midia-ignora-mortes-no-campo/ 4/8
14/01/2021 Mídia ignora mortes no campo | Repórter Brasil

vem sendo feita a reforma agrária no Brasil”.


Segundo ele, o número de ocupações deve
diminuir nas próximas semanas em virtude da
mobilização para a organização de protestos
para o Dia do Trabalhador, em 1o de maio.

Nesse contexto, o professor da UFF chama


atenção para um outro fato. “As pessoas
parecem esquecer que o dia 17 de abril, que
relembra o massacre de Eldorado de Carajás, é o
Dia Nacional da Luta pela Reforma Agrária, data
o cial por decreto assinado pelo ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso”. A data se tornou
o cial em junho de 2002, por meio do Projeto de
Lei (10.469) da ex-senadora e atual ministra do
Meio Ambiente Marina Silva e assinado pelo
então presidente FHC e pelo ex-ministro do
Desenvolvimento Agrário, José Abrão.

Maratona de homenagens
O Dia Nacional da Luta pela Reforma Agrária foi
comemorado, na última sexta-feira (16), com
duas sessões solenes (uma na Assembléia
Legislativa do Distrito Federal e outra na Câmara
dos Deputados) e uma missa (na famosa
Catedral Metropolitana) na capital federal.

No Congresso Nacional, cerca de 250


camponeses do MST e de outras entidades como
a própria CPT, Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Agricultura (Contag),

https://reporterbrasil.org.br/2004/04/midia-ignora-mortes-no-campo/ 5/8
14/01/2021 Mídia ignora mortes no campo | Repórter Brasil

Movimento de Pequenos Agricultores (MPA),


Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e
Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)
ocuparam o Plenário, assistiram a um produção
em vídeo com imagens do massacre de Eldorado
de Carajás e ouviramos discursos dos deputados
federais Wasny de Roure (PT-DF), autor do
requerimento da sessão solene, Adão Pretto (PT-
RS), Alceste Almeida (PMDB-RR) e Inaldo Leitão
(PL-PB).

Na entrada do Plenário, cada um dos


camponeses e camponesas receberam um
presente especial do deputado federal Nilson
Mourão (PT-AC): uma rosa branca, adornada
com um bilhete trazendo o “Grito da Terra e do
Céu” (Vamos, avante, que só a luta transforma o
tempo e faz história e humaniza o mundo com
novos sonhos e utopias criadoras) em
homenagem a cada uma das 19 vítimas do
massacre de Eldorado de Carajás.

Da Agência Carta Maior

Apoie a Repórter Brasil

saiba como

https://reporterbrasil.org.br/2004/04/midia-ignora-mortes-no-campo/ 6/8
14/01/2021 Mídia ignora mortes no campo | Repórter Brasil

Repórter Brasil
Quem somos

Equipe

Transparência

Doe para a RB

Contato

Especiais
A nova cara do Velho Chico

O mapa dos agrotóxicos na água

Ruralômetro

Comunidades tradicionais

Todos os especiais

Referências
Dados sobre Trabalho Escravo

Publicações

Documentos para pesquisa

Dúvidas do Trabalhador

Comunicar para Mudar

Programas
Jornalismo

Pesquisa

Educação

Documentários

Podcast

https://reporterbrasil.org.br/2004/04/midia-ignora-mortes-no-campo/ 7/8
14/01/2021 Mídia ignora mortes no campo | Repórter Brasil

Site desenvolvido por +

https://reporterbrasil.org.br/2004/04/midia-ignora-mortes-no-campo/ 8/8

Você também pode gostar