Você está na página 1de 23

14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

U a

Especialistas
apresentam
alternativas à
transposição do rio
20/12/03

Especialistas discutem
alternativas à transposição do rio:
para eles, falta gerenciar melhor
os recursos hídricos do semi-
árido, investindo na conclusão de
obras inacabadas, ampliação do
acesso e na construção de uma
cultura de convivência com a seca
“Levar água para o Nordeste
Setentrional, sem alterar as
condições de uso dessa água,
constitui uma grande aberração”,
alerta Aldo Rebouças, especialista
em recursos hídricos e
pesquisador do Instituto de
Estudos Avançados da

https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 1/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

Universidade de São Paulo, para


quem esse é um dos primeiros
aspectos a se destacar na análise
do projeto de transposição das
águas do São Francisco para
outros bacias hidrográ cas dos
estados do Ceará, Paraíba,
Pernambuco e Rio Grande do
Norte. No Brasil, o desperdício
médio na rede pública de
abastecimento é de 45%. Novas
tecnologias permitiriam
economizar em torno de 50% da
água utilizada na agricultura e o
reuso da água nas indústrias
também leva a uma economia de
30% em média. Para os
representantes do governo
federal à frente do projeto,
porém, há situações de
comprovada escassez de água,
que estariam entre as principais
justi cavas do projeto (Leia
também "Projeto de transposição
não garante água aos
necessitados”). Rebouças, que é
professor titular do Instituto de
Geociências da Universidade de
São Paulo (IG-USP) e pesquisador
https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 2/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

Associado do Centro de
Pesquisas de Águas Subterrâneas
do IG-USP ressalta que “é
necessário um grande estímulo à
conservação de água”, que
deveria ser estruturado por meio
de “investimentos dirigidos,
políticas públicas de Estado e não
de governos”. Canal do Jacaré,
Juazeiro, Bahia (Antonio Biondi)
Em linhas gerais, os diversos
especialistas entrevistados pela
reportagem da Agência Carta
Maior para analisar as alternativas
para o abastecimento de água no
Semi-Árido a rmaram que, antes
de se decidir por uma obra desse
porte na área de recursos
hídricos no Nordeste, é
fundamental investir na
nalização das obras de
distribuição de água inacabadas;
na ampliação do acesso à água,
sobretudo dos mais necessitados
– através de intervenções de
baixo custo como cisternas e
microbarragens –; e na
consolidação de uma nova cultura
de uso racional da água e de
https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 3/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

melhor gerenciamento. Em sua


análise, Rebouças acrescenta a
importância de ser realizado um
debate mais aprofundado no
Semi-Árido e na região da bacia
do rio São Francisco acerca de
suas respectivas políticas de
exportação. A produção de ferro
gusa na região do alto São
Francisco em Minas Gerais é um
dos exemplos de produtos
exportados problemáticos. Trata-
se de um processo
“extremamente danoso ao meio
ambiente” segundo Rebouças. E
baseado em um modelo no qual
os custos sociais e ambientais
cam todos com a região
produtora, aumentando os lucros
de quem importa o ferro gusa e
depois o transforma em outros
produtos de maior valor
agregado. O questionamento de
Rebouças ao atual modelo de
produção agrícola e industrial que
marca a região do Semi-Árido foi
um dos temas essenciais no
Fórum Social Nordestino,
realizado em Recife no nal de
https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 4/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

novembro (leia também "Fórum


se consolida como espaço de
reinvenção da esquerda"), assim
como em dois outros encontros
da sociedade civil realizados no
mesmo mês – a Conferência
Nacional da Terra e da Água, em
Brasília, e o 5º Encontro Nacional
da Articulação do Semi-Árido
Brasileiro. Entre os especialistas
ouvidos pela Agência Carta Maior,
a necessidade de uma melhor
convivência com o Semi-Árido e
com a seca, em lugar de um
suposto enfrentamento a ambos,
também foi destacada de forma
recorrente. Caminho das pedras
O professor José Carlos Araújo, do
Departamento de Engenharia
Hidráulica e Ambiental da
Universidade Federal do Ceará,
participa atualmente de uma
pesquisa que propõe medidas
como prioritárias na gestão da
água no Ceará, um dos estados
que […]

Especialistas discutem alternativas à transposição

https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 5/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

do rio: para eles, falta gerenciar melhor os recursos


hídricos do semi-árido, investindo na conclusão de
obras inacabadas, ampliação do acesso e na
construção de uma cultura de convivência com a
seca

“Levar água para o Nordeste Setentrional, sem


alterar as condições de uso dessa água, constitui
uma grande aberração”, alerta Aldo Rebouças,
especialista em recursos hídricos e pesquisador
do Instituto de Estudos Avançados da
Universidade de São Paulo, para quem esse é
um dos primeiros aspectos a se destacar na
análise do projeto de transposição das águas do
São Francisco para outros bacias hidrográ cas
dos estados do Ceará, Paraíba, Pernambuco e
Rio Grande do Norte.

No Brasil, o desperdício médio na rede pública


de abastecimento é de 45%. Novas tecnologias
permitiriam economizar em torno de 50% da
água utilizada na agricultura e o reuso da água
nas indústrias também leva a uma economia de
30% em média. Para os representantes do
governo federal à frente do projeto, porém, há
situações de comprovada escassez de água, que
estariam entre as principais justi cavas do
projeto (Leia também "Projeto de transposição
não garante água aos necessitados”).

Rebouças, que é professor titular do Instituto de

https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 6/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

Geociências da Universidade de São Paulo (IG-


USP) e pesquisador Associado do Centro de
Pesquisas de Águas Subterrâneas do IG-USP
ressalta que “é necessário um grande estímulo à
conservação de água”, que deveria ser
estruturado por meio de “investimentos
dirigidos, políticas públicas de Estado e não de
governos”.

Canal do Jacaré, Juazeiro, Bahia (Antonio Biondi)

Em linhas gerais, os diversos especialistas


entrevistados pela reportagem da Agência Carta
Maior para analisar as alternativas para o
abastecimento de água no Semi-Árido
a rmaram que, antes de se decidir por uma
obra desse porte na área de recursos hídricos no
Nordeste, é fundamental investir na nalização
das obras de distribuição de água inacabadas;
na ampliação do acesso à água, sobretudo dos
mais necessitados – através de intervenções de
baixo custo como cisternas e microbarragens –;
e na consolidação de uma nova cultura de uso
racional da água e de melhor gerenciamento.

Em sua análise, Rebouças acrescenta a


importância de ser realizado um debate mais
aprofundado no Semi-Árido e na região da bacia

https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 7/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

do rio São Francisco acerca de suas respectivas


políticas de exportação. A produção de ferro
gusa na região do alto São Francisco em Minas
Gerais é um dos exemplos de produtos
exportados problemáticos. Trata-se de um
processo “extremamente danoso ao meio
ambiente” segundo Rebouças. E baseado em um
modelo no qual os custos sociais e ambientais
cam todos com a região produtora,
aumentando os lucros de quem importa o ferro
gusa e depois o transforma em outros produtos
de maior valor agregado.

O questionamento de Rebouças ao atual modelo


de produção agrícola e industrial que marca a
região do Semi-Árido foi um dos temas
essenciais no Fórum Social Nordestino, realizado
em Recife no nal de novembro (leia também
"Fórum se consolida como espaço de reinvenção
da esquerda"), assim como em dois outros
encontros da sociedade civil realizados no
mesmo mês – a Conferência Nacional da Terra e
da Água, em Brasília, e o 5º Encontro Nacional da
Articulação do Semi-Árido Brasileiro.

Entre os especialistas ouvidos pela Agência Carta


Maior, a necessidade de uma melhor convivência
com o Semi-Árido e com a seca, em lugar de um
suposto enfrentamento a ambos, também foi
destacada de forma recorrente.

https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 8/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

Caminho das pedras

O professor José Carlos Araújo, do


Departamento de Engenharia Hidráulica e
Ambiental da Universidade Federal do Ceará,
participa atualmente de uma pesquisa que
propõe medidas como prioritárias na gestão da
água no Ceará, um dos estados que seriam
bene ciados pela transposição. Araújo explica
que, a pesquisa tem como objetivo quanti car os
custos e avaliar os impactos de cada uma dessas
medidas e, ao nal “os custos e impactos dessa
política que eu, particularmente, defendo, serão
comparados com os da política do governo do
Ceará desde 2001 até 2006”. O Ceará é
reconhecido no Brasil como um dos estados que
mais avançaram na gestão de recursos hídricos,
mas ainda se destaca especialmente pelas
grandes obras, como a construção do Açude do
Castanhão, do Canal do Trabalhador e do canal
conhecido por Eixão. Nos instrumentos de
gestão em geral e na democratização do acesso
às obras, os avanços foram mais tímidos do que
nas obras.

Entre as medidas destacadas na pesquisa, o


professor da UFC ressalta o investimento maciço
na gestão da demanda, com incremento
tecnológico da agricultura irrigada, programa de
reducão de perdas nos sistemas de
abastecimento público e estímulo para reuso
https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 9/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

e/ou reciclagem da água nas indústrias e


complexos comerciais. A recuperação de poços
construídos e fora de operação atualmente é
outra medida defendida na pesquisa. “Somente
no Ceará, estima-se que um terço dos poços
construídos estejam sem funcionar”, a rma
Araújo, acrescentando que essa medida deveria
ser acompanhada pela dessalinização dos poços
sempre que necessário.

O investimento em infra-estrutura de reuso da


agua nos sistemas de abastecimento municipal é
outra medida prioritária proposta na pesquisa,
junto à construção de cisternas [pequeno
reservatório usado para captar as águas da
chuva, armazenando-as para uso doméstico e
para a agricultura em pequenas áreas] para
todas as comunidades rurais não atendidas pelo
sistema de recursos hidricos.

Por m, após avaliar o impacto dessas medidas,


“o restante dos recursos nanceiros deveria ser
voltado para complementar o sistema de oferta
ainda não explorado”. Nesse sentido, o
professor de Hidrologia e Irrigação da
Universidade Federal do Rio Grandedo Norte
(UFRN) João Abner explica, entre os estados que
seriam bene ciados pelo projeto de
transposição das águas do rio São Francisco, “o
Ceará apresenta uma oferta potencial de 215
m³/s para atender um consumo atual de cerca
https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 10/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

de 54 m³/s; o Rio Grande do Norte, com uma


população 2,7 milhões de habitantes dispõe de
uma vazão garantida de 70 m³/s para atender
uma demanda de 33 m³/s. Até mesmo na
Paraíba, o menos dotado de recursos hídricos da
região, apresenta-se com um superávit
signi cativo, pois sua disponibilidade é de 32
m³/s para uma demanda de 21 m³/s”

Exemplos concretos

Para Carlos de Oliveira Galvão, professor do


Departamento de Engenharia Civil da
Universidade Federal de Campina Grande, na
Paraíba, um grande equívoco presente no
discurso da transposição é que, em geral
“assume-se que o Nordeste Setentrional precisa
e quer a água do São Francisco. Olhem-se os
planos [de investimentos, planejamento e obras]
das bacias dessa região e se verá que são
superavitárias em água, particularmente para
consumo humano”.

Lavadeiras no rio São Francisco, em Piaçabuçu, Alagoas (Antonio Biondi)

O professor a rma que outro grande equívoco


refere-se em associar a transposição às
pequenas propriedades e comunidades
dispersas no meio rural. “Estas, de onde provêm
https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 11/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

as imagens televisivas das trágicas migrações


das famílias sedentas e famintas de nordestinos,
não serão atingidas pela eventual transposição”,
destaca. Galvão frisa que a transposição trata do
aumento da oferta de água em determinadas
regiões do Nordeste, “e não do aumento da
capilaridade a seu acesso ou melhoria de sua
distribuição”.

Galvão acredita que alternativas na linha das


propostas acima por José Carlos de Araújo
devem ser conduzidas independentes de
transposição. “Elas não são excludentes, não são
alternativas uma à outra”.

O raciocínio do professor da Universidade


Federal de Campina Grande completa-se com a
questão: “se temos água, por que padecemos
dos impactos das secas? Porque não a gerimos
bem!”. Ele se utiliza de uma imagem forte do
sertão para a desenvolver a resposta. “É como se
usássemos uns poucos baldes para distribuir a
água, menos do que o necessário para levá-la a
todos. E mais: os baldes são furados!”. Galvão
acredita que “a administração cuidadosa e
responsável da água, garantindo sua
sustentabilidade às gerações futuras, é
trabalhosa e não rende obras faraônicas”.

Segundo Galvão, a cidade de Campina Grande,


onde o professor também reside, é citada com

https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 12/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

freqüência como justi cativa ao projeto de


transposição, “por ter passado nos últimos dez
anos por três períodos de forte escassez
hídrica”. Galvão destaca que, a despeito dos
problemas de escassez enfrentados, a boa
gestão da bacia hidrográ ca que alimenta o
reservatório que supre a cidade, já bastante
degradada, a manutenção da rede de
distribuição de água sem vazamentos e outras
perdas (estimadas entre 30 e 50%), a adoção
medidas de redução de desperdício nos usuários
residenciais, comerciais, industriais e agrícolas, o
aproveitamento da água de chuva, o reúso das
águas residuárias, entre outras medidas,
reduziriam no mínimo à metade a quantidade de
água hoje retirada do reservatório.

O problema se repete na agricultura irrigada,


que, na avaliação do professor “ainda é realizada
com técnicas não apropriadas ao Semi-Árido,
como a aspersão convencional, em que boa
parte da água se evapora sem ao menos chegar
ao solo”. Galvão destaca que “técnicas mais
apropriadas, como a irrigação localizada, ainda
não são amplamente utilizadas” e que a
economia de água seria enorme com esta
mudança”.

Por m, Galvão acredita que o aparente acesso a


água fácil e barata prometido pela transposição
é um “soco no estômago” do processo gradativo
https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 13/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

em que se tenta convencer pessoas, empresas,


governos e instituições a assumir a gestão
participativa e responsável dos recursos
hídricos. Para o professor, “con gura um
retrocesso grave, principalmente em se tratando
de uma região que necessita de uma gestão
hídrica bastante e ciente”.

Galvão defende que a toma da de água de outra


bacia só deve ocorrer “quando já não há meios
de atender às demandas justi cáveis de água de
uma bacia, e, obrigatoriamente, após
implementar todos os recursos de uma gestão
e ciente e integrada da oferta e da demanda de
água”.

Contextualização regional

“O Semi-Árido nordestino é uma grande região


com diversidade de aspectos ambientais e geo-
econômicos que diferenciam bastante as
soluções para a problemática das secas” em
cada município ou localidade, contextualiza o
professor João Abner, da UFRN. Em termos
gerais, porém, Abner ressalta que a questão do
abastecimento humano, bastante precário na
região nos períodos secos, em que grande parte
da população é atendida por carros pipa, deve
ser elencada como a prioridade número um de
investimentos públicos.

Para Abner, “a construção de adutoras, a partir


https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 14/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

das grandes barragens da região, tem se


mostrado como a solução mais viável para o
abastecimento das cidades e comunidades
rurais nos anos secos”. Abner cita o exemplo do
estado do Rio Grande do Norte, onde o governo
estadual investiu nos últimos anos um total de
R$ 250 milhões, com recursos oriundos da
privatização da companhia de energia elétrica do
Estado, em mais de 1.000 km de adutoras, que
abastecem 50% da população potiguar. Abner
explica que as adutoras levam as águas do litoral
e da barragem Armando Ribeiro Gonçalves, no
rio Piranhas-Açu – segundo maior reservatório
do Semi-Árido, com capacidade de 2,4 bilhões de
m³ –, para a região semi-árida do Estado.

Ao apresentar inúmeros dados que con rmam


que a região que seria bene ciada pela
transposição apresenta-se com recursos hídricos
su cientes para suprir as suas demandas a curto
e médio prazo, Abner faz questão de dizer que
“o horizonte desse atendimento poderá ser
bastante ampliado caso ocorra a implementação
de um programa e ciente de gestão de recursos
hídricos”.

E a água se vai…

O pesquisador João Suassuna, da Fundação


Joaquim Nabuco, é um dos maiores especialistas
em recursos hídricos e desenvolvimento do

https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 15/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

Semi-Árido. Suassuna explica que a cada ano


chovem cerca de 58 bilhões de m3 no Nordeste.
“Se você captasse um terço desse total, seria
possível abastecer toda a população da região e
ainda irrigar até 2 milhões de hectares (ha) de
terras para agricultura”. Em contraponto a esses
dados, Suassuna explica que, atualmente, o
Nordeste possui 700 mil ha em áreas de
agricultura irrigada, e a cidade em que vive,
Recife, convive com inúmeros problemas de
abastecimento.

“Recife está sobre um tesouro de água


subterrânea, mas a distribuição de água na
cidade é caótica e a perda na rede de
abastecimento chega a 45%”, lamenta o
pesquisador. Suassuna a rma que seria possível
resolver boa parte dos problemas de
abastecimento da capital pernambucana
reduzindo o desperdício e com a captação
racional e organizada dessa água subterrânea.
“A cidade tem uma demanda de 14 m3/s, mas a
companhia de abastecimento fornece somente
12m3/s”.

E, ainda assim, haveria outras alternativas. “A


represa de Pirapama demorou 20 anos para ter
suas obras concluídas. Agora, está lotada d’água,
mas falta adução para levar até a capital. Essas
adutoras já resolveriam o problema de Recife”,
registra Suassuna. “E a região de Caruaru
https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 16/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

poderia ter toda sua demanda atendida com


obras de adução para trazer as águas do
reservatório de Jucazinho”.

E para quem acha que o quadro de desperdício


em Pernambuco – outro estado que teria regiões
bene ciadas pela transposição – é único,
Suassuna apresenta números de nitivos.
“Temos cerca de 60 mil poços no Nordeste, e
aproximadamente 35% deles já se encontram
em situação inadequada de uso”. Suassuna
explica que a maior parte do solo do Semi-Árido
não possui características que levem à formação
de grandes reservatórios de água subterrânea e
com boa qualidade para os vários usos – os
estados do Piauí e Maranhão concentram 70%
das águas subterrâneas do Nordeste. “E nesse
quadro, temos regiões no Piauí, como o Vale do
Gurguéia, em que os poços de água jorram
durante 24 horas ao dia. Agora somente é que
começaram a instalar válvulas nos poços”, para
controlar a saída de água. Suassuna conclui que,
ao se analisar os dados a fundo, o Nordeste tem
água para atender suas necessidades. “Falta
saber usá-la”.

Lá e cá

Ao longo da bacia do rio São Francisco, as


contradições entre oferta de recursos hídricos e
situações de di culdades de acesso, desperdício

https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 17/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

e má-gestão da água também são recorrentes


(leia também “Revitalização carece de verba à
altura de sua relevância”), conforme aponta
documento elaborado em agosto de 2004 por
um grupo de pesquisadores especialistas que
fazem parte da Sociedade Brasileira de Pesquisa
Cientí ca (SBPC).

Dentre outros pontos, o documento destaca que


“(…) Na situação atual existem outorgas de
direitos de uso da água emitidas na bacia do São
Francisco que comprometem quase toda a vazão
não utilizada no presente para usos consuntivos.
(…)”, referindo-se ao fato que, dos 360 m3/s
apresentados pelo Comitê da Bacia Hidrográ ca
do rio São Francisco como alocáveis para os
vários usos, 325 m3/s já estão autorizados. O
documento da SBPC pondera que “(…) Se essas
outorgas são respeitadas, nenhum projeto
signi cativo de irrigação pode ser instalado na
bacia nem captação para usos externos pode ser
efetivada. Os valores outorgados mostram uma
situação grave de direitos concedidos em
excesso, que precisam ser revistos
imediatamente. (…)”.

Para os pesquisadores que elaboraram o


documento “(…) quanto ao atendimento das
necessidades de água para consumo humano e
animal, resta a questão das populações
dispersas no Semi-Árido, tanto fora da bacia do
https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 18/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

São Francisco como no seu interior.


Tecnicamente não há como atender esse
contingente populacional com água do São
Francisco, restando as formas tradicionais (ou
um pouco mais inovadoras, para evitar as
elevadas perdas por evaporação) de convivência
com o semi-árido: cisternas, poços,
dessalinização, pequenos açudes, barragens
subterrâneas, etc. (…)”.

Dentre seus principais pontos, o documento da


SBPC a rma a existência concreta do “(…) projeto
de transposição de águas e acenos do governo
federal de uma política de revitalização da bacia.
A solução dos problemas da população rural
difusa em todo o Semi-Árido se resume a um
programa de construção de cisternas rurais que
transcorre muito lentamente. Urge, assim, a
construção de um plano de ação integrada nas
duas regiões, com cronograma e fontes de
recursos de nidos. Os preceitos de prioridades,
de justiça social, de racionalidade dos
investimentos públicos devem ser obedecidos
para o bem do país. (…)”.

Convivência e cooperação

Em artigo publicado na revista “ConViver”, do


Departamento Nacional de Obras Contra as
Secas (Dnocs), no início de 2004, o presidente da
República Luiz Inácio Lula da Silva escreveu que,

https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 19/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

na região do Semi-Árido, “o entrave maior ao


desenvolvimento não é aescassez de água ou de
recursos para investimentos, mas a falta de
justiça”. No artigo, o presidente a rma que “A
parceria entre Estado e sociedade é essencial
para a retomada do desenvolvimento, e isso
passa pelo consenso, pela sinergia e pelo
compromisso entre todos os que estão
envolvidos no processo”.

Um dos principais projetos para a região a gerar


essa cooperação entre Estado e sociedade de
forma consensuada é o programa “1 Milhão de
Cisternas”, que tem na Articulação pelo Semi-
Árido (ASA), a principal entidade da sociedade
envolvida. João Suassuna explica que uma
cisterna de 15 mil litros, por exemplo, pode
atender a uma família de cinco pessoas durante
os oito meses em que não chove no Semi-Árido.
A água da chuva acumulada na cisterna é usada
para tudo: cozinhar, beber, lavar, para consumo
dos animais e até para a agricultura em
pequenas propriedades. As cisternas são
construídas com participação da comunidade,
fortalecendo os laços entre as pessoas da região
e gerando debates e aprendizado sobre como
melhorar o uso da água. Para Suassuna, a
construção das cisternas é tão importante que
não deveria ser vista como uma iniciativa voltada
apenas às pequenas cidades e comunidades

https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 20/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

mais isoladas do Semi-Árido. “Deveria inclusive


ser obrigatória nas grandes cidades”.

Para se alcançar a marca simbólica de um


milhão de cisternas construídas, que permitiria a
melhora das condições de vida de milhões de
pessoas no Semi-Árido, seriam necessários
investimentos entre R$ 700 milhões e R$ 1,5
bilhão – a construção de uma cisterna custa
entre R$ 700 e R$ 1.5 mil.

Segundo informações da assessoria de imprensa


da ASA, em 2003 foram construídas 17.721
cisternas no âmbito do programa “1 Milhão de
Cisternas” e, até novembro de 2004 o número
chegou a 16.966 cisternas – sendo que 11.444
delas contaram com a contribuição do governo
federal. Já o Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome do governo federal
(MDS) informa que, de janeiro a outubro de
2004, o MDS nanciou a construção de mais de
23 mil cisternas, por meio de diversos
programas, dentre eles o realizado junto à ASA.

Mantido o ritmo atual, o horizonte para a


construção do total de um milhão de cisternas
pretendido no programa poderia ser estimado
para um período superior a 30 anos. Já o projeto
para a transposição das águas do rio São
Francisco conta com um total de R$ 1.07 bilhão
no Orçamento 2005 enviado pelo governo

https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 21/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

federal ao Congresso. Mais de um bilhão de


reais. Apenas para o próximo ano.

Voltar para a matéria Projeto de transposição


não garante água aos necessitados

Apoie a Repórter Brasil

saiba como

Repórter Brasil
Quem somos

Equipe

Transparência

Doe para a RB

Contato

Especiais
A nova cara do Velho Chico

O mapa dos agrotóxicos na água

Ruralômetro

Comunidades tradicionais

Todos os especiais

Referências

https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 22/23
14/01/2021 Especialistas apresentam alternativas à transposição do rio | Repórter Brasil

Dados sobre Trabalho Escravo

Publicações

Documentos para pesquisa

Dúvidas do Trabalhador

Comunicar para Mudar

Programas
Jornalismo

Pesquisa

Educação

Documentários

Podcast

Site desenvolvido por +

https://reporterbrasil.org.br/2003/12/especialistas-apresentam-alternativas-a-transposicao-do-rio/ 23/23

Você também pode gostar