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Dica de leitura 2023 Sala Ambiente de Leitura

Dr. Pereira de Mattos – Caçapava-SP

Planeta água
Leia nesta edição:

 Opinião do editor
 Aquifero Guarani ganha peso no abastecimento de cidades
 Onde a escassez de água já provoca guerras no mundo
 Mesmo com crise hídrica, Brasil perde 40% da água tratada
 A água na história do homem
 Principais bacias hidrográficas do mundo
 Garimpo ameaça santuário de árvores gigantes na Amazônia
 Plástico e meio ambiente
 O mito tóxico da reciclagem de plástico
 Lixo plástico, um desafio para o Planeta
 Poluição de plástico nos oceanos
 Sono das águas – poema de Guimarães Rosa
Opinião do editor
A água é um recurso essencial para a vida no Planeta Terra,
sendo indispensável para a sobrevivência de todos os seres
vivos. Desde a antiguidade, a água tem sido utilizada para
diversos fins, como a produção de alimentos, a geração de
energia elétrica, o transporte, entre outros. No entanto,
atualmente, a água enfrenta diversos desafios em relação à
sua disponibilidade e qualidade, o que torna fundamental a
adoção de medidas sustentáveis para a sua preservação e uso
consciente para as gerações futuras.
Em primeiro lugar, é importante destacar que a água é um
recurso finito e não renovável em curto prazo. Embora cerca
de 70% da superfície terrestre seja coberta por água, apenas
cerca de 2,5% é água doce, e grande parte desse total está em
regiões inacessíveis ou congeladas. Além disso, a distribuição
geográfica da água não é uniforme, o que pode levar a
conflitos entre regiões e países pelo seu acesso e uso.
Outro desafio relacionado à água é a sua qualidade, que vem
sendo comprometida pela poluição causada pelas atividades
humanas, como o despejo de esgoto, a agricultura intensiva e
o descarte inadequado de resíduos industriais. A poluição da
água pode afetar a saúde humana e dos animais, bem como a
biodiversidade aquática e o equilíbrio dos ecossistemas.
Diante desses desafios, a sustentabilidade e a preservação dos
recursos hídricos tornam-se fundamentais para garantir o
acesso à água para as gerações futuras. A sustentabilidade
hídrica envolve a adoção de práticas que promovam a
conservação da água, sua recuperação e reutilização, além de
medidas que reduzam a poluição e o desperdício.
Algumas medidas que podem ser adotadas para promover a
sustentabilidade hídrica incluem a instalação de sistemas de
captação de água da chuva, o reuso de água em processos
industriais e agrícolas, a redução do consumo de água nas
residências e empresas, a recuperação de áreas degradadas e
a proteção de nascentes e mananciais.
Além disso, é fundamental a adoção de políticas públicas que
incentivem a conservação dos recursos hídricos, como a
criação de áreas protegidas, a implementação de sistemas de
gestão integrada da água e a promoção da educação ambiental
para a conscientização da população sobre a importância da
água e da sua preservação.
Em suma, a água é um recurso essencial para a vida no
Planeta Terra, e a sua disponibilidade e qualidade são
fundamentais para a sustentabilidade e preservação dos
recursos para as gerações futuras. A adoção de medidas
sustentáveis para a gestão e conservação dos recursos
hídricos é crucial para garantir o acesso à água para todos e
para a proteção dos ecossistemas aquáticos e da
biodiversidade.
Com águas de até 250 mil anos, aquífero
Guarani ganha peso no abastecimento
de cidades

CRÉDITO, SEMAE/DIVULGAÇÃO - Legenda da foto -Poço capaz de extrair águas


do aquífero Guarani a mais de mil metros de profundidade em São José do Rio
Preto (SP).

A forte estiagem que atingiu o Estado de São Paulo em


2021 baixou os níveis de rios e reservatórios, forçando
várias cidades a restringir a oferta de água.
Mas os efeitos da seca não foram sentidos por todos:
municípios abastecidos exclusivamente pelo aquífero Guarani,
uma das maiores reservas de água doce do mundo, não
impuseram racionamentos.
Diante de crises hídricas cada vez mais frequentes no Estado,
o aquífero tem ganhado peso no abastecimento público e se
revelado uma fonte estável em tempos de mudanças
climáticas.
Dados do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE)
do Estado de São Paulo repassados à BBC mostram que 2021
foi o ano com a maior concessão de outorgas para a instalação
de poços que extraem água do Guarani: 564.
Hoje, segundo o DAEE, há 3.200 poços autorizados a operar
na porção paulista do aquífero, além de 224 processos em
tramitação.
Dentre todas as licenças, 71% foram concedidas a partir de
2014, quando São Paulo enfrentou uma das maiores crises
hídricas de sua história. Desde aquele ano, o número de
outorgas vem crescendo anualmente.

CRÉDITO,SANESUL/DIVULGAÇÃO - Legenda da foto - Poço que extrai água do


aquífero Guarani é testado em Dourados (MS).
Municípios como Ribeirão Preto, Sertãozinho e Matão hoje
dependem 100% do aquífero Guarani para seu consumo de
água.
Outros, como São José do Rio Preto, São Carlos, Bauru e
Franca, têm o Guarani entre suas principais fontes hídricas.
Um estudo de 2020 estimou que, em toda sua extensão, o
aquífero já abastece mais de 15 milhões de pessoas - a maioria
delas no Estado de São Paulo.
O Estado ocupa 13% da extensão do aquífero, mas responde
por 70% de toda água extraída da reserva, segundo a OEA
(Organização dos Estados Americanos).
Embora especialistas vejam espaço para um uso ainda maior,
há locais em que a exploração do aquífero tem gerado
preocupações - ou pelo bombeamento intenso, ou pela
contaminação das águas (leia mais abaixo).

Legenda da foto - Mapa mostra os aquíferos Guarani e Grande Amazônia, os dois


maiores do país
Um dos maiores aquíferos do mundo
O Sistema Aquífero Guarani é uma das maiores reservas
subterrâneas de água doce do mundo, ocupando 1,2 milhão de
quilômetros quadrados - área duas vezes maior que a França.
O aquífero se estende por partes de oito Estados brasileiros
(GO, MT, MS, MG, SP, PR, SC e RS), além de porções da
Argentina, Paraguai e Uruguai.
Ele regula os rios da bacia do Paraná, que o sobrepõe em
grande parte, e tem águas majoritariamente potáveis - quase
todas confinadas por rochas basálticas que chegam a mais de
mil metros de espessura.
A maior parte de suas águas provém de chuvas que
infiltraram ao longo de vários milênios em lençóis freáticos
nos trechos em que o aquífero está mais perto da superfície,
as chamadas zonas de afloramento.
Nessas áreas, o aquífero não está confinado por rochas
basálticas, e a instalação de poços costuma ser mais simples. A
tecnologia atual, porém, permite que mesmo as áreas
confinadas e mais profundas do aquífero sejam acessadas.
As águas nos trechos confinados chegam aos 250 mil anos de
idade, tempo percorrido desde sua infiltração nas zonas de
afloramento. No trajeto até as zonas confinadas, o líquido se
desloca bem lentamente, avançando milímetros ou
centímetros a cada ano.

CRÉDITO,PREFEITURA DE OLÍMPIA - Legenda da foto - Técnico examina água


retirada do aquífero Guarani em Olímpia (SP)
São José do Rio Preto é uma das cidades paulistas onde essas
águas antiquíssimas, também conhecidas como "águas
fósseis", jorram nas torneiras.
Mas há vários outros poços no Estado que operam em
condições semelhantes, extraindo águas a mais de um
quilômetro de profundidade, diz à BBC Ricardo Hirata, diretor
do Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas da
Universidade de São Paulo (Cepas-USP).
Também professor titular do Instituto de Geociências da USP,
Hirata é autor de vários estudos sobre o aquífero Guarani e
um dos maiores especialistas em águas subterrâneas no
Brasil, tendo assessorado organizações internacionais como a
Unesco, o Banco Mundial e a Agência Internacional de Energia
Atômica (AIEA).
Reserva estratégica
Em 2015, ele foi coautor de um artigo na Revista da USP que
classificou o aquífero Guarani como "o manancial subterrâneo
mais promissor e estratégico para o abastecimento público no
Estado de São Paulo".
Na época, o governo estadual considerava usar o aquífero
para aliviar a pressão sobre os sistemas de abastecimento de
Campinas e da Região Metropolitana de São Paulo, quando as
duas regiões ainda se recuperavam da grave crise hídrica de
2014.
O plano era instalar 24 poços tubulares (popularmente
chamados de artesianos) no município de Itirapina, que fica
na zona de afloramento do aquífero, a cerca de 200 km da
capital.
De lá, a água seria transportada por adutoras até municípios
nas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Como esses
municípios usam fontes que também abastecem Campinas e a
Grande São Paulo, esperava-se que sobrasse mais água para
as duas regiões.
Mas Hirata afirma que a ideia não prosperou porque voltou a
chover nos anos seguintes e porque ficaria muito caro levar a
água de Itirapina até os municípios-alvos.
O caso mostra que, apesar de sua grande extensão, o aquífero
não é uma alternativa para todas as partes do Estado -
incluindo a capital, que fica fora de seus domínios.
Outro ponto a se considerar é a oferta de fontes superficiais
no local, como rios e represas. Normalmente, é necessário
escavar vários poços em um aquífero para extrair uma
quantidade de água comparável à que se obtém de um único
ponto de captação superficial.
CRÉDITO,USP -Legenda da foto - Mapa mostra as diferentes formações do aquífero
Guarani em SP; a "área alvo" sinaliza a região onde se cogitou construir um sistema
para levar água do aquífero até as proximidades de Campinas e da Grande São
Paulo.
Além disso, Hirata diz que a exploração dos trechos onde o
aquífero está confinado pelos basaltos deve ser feita com
parcimônia, já que a reposição dessas águas é bem mais lenta
que nas áreas de afloramento.
Resiliência na seca
Uma das maiores cidades abastecidas pelo Guarani é Ribeirão
Preto, que tem 711 mil habitantes e hoje depende
exclusivamente do aquífero para o consumo dos moradores.
A cidade conta com 118 poços tubulares, que extraem água de
profundidades superiores a 200 metros e os bombeiam para
reservatórios.
Vários poços foram escavados na última década em resposta a
secas que fizeram faltar água na cidade. Hoje suspensões na
oferta são pontuais e se devem principalmente a trabalhos de
manutenção, segundo a companhia municipal que gere o
sistema.
No entanto, o uso intenso do aquífero em Ribeirão Preto
gerou problemas: o nível de água em vários poços caiu,
provocando perdas de rendimento ou a desativação de alguns.
A prefeitura passou então passou a controlar a abertura de
novos poços e delimitou zonas onde é proibido escavar.
Mesmo com as restrições, Ribeirão Preto não teve de racionar
água em 2021, ao contrário de vários municípios vizinhos que
dependem de fontes superficiais.
Hirata diz que uma grande vantagem dos aquíferos em
relação às fontes superficiais é sua capacidade de armazenar
um grande volume de água inclusive na estiagem, quando
outras fontes se exaurem.

CRÉDITO,ITAIPU - Legenda da foto - Rio Paraná, cuja bacia se sobrepõe a boa parte
do aquífero Guarani e é regulada por ele.

Fenômeno nacional
Segundo Hirata, as crises hídricas que o Brasil enfrentou nas
últimas décadas provocaram um grande aumento na
perfuração de poços - e não só na região do aquífero Guarani.
Em 2010, a Agência Nacional de Águas (ANA) divulgou um
relatório apontando que 52% dos municípios do país eram
abastecidos total ou parcialmente por águas subterrâneas. Em
São Paulo, o índice chega a 70% dos municípios.
Segundo um estudo liderado por Hirata, há cerca de 2,5
milhões de poços tubulares em todo o país. Juntos, eles
bombeiam mais de 557 metros cúbicos de água por segundo -
vazão suficiente para abastecer toda a população brasileira.
Hirata afirma que não só prefeituras têm recorrido às águas
subterrâneas, mas também entidades privadas como
indústrias, fazendas e condomínios residenciais.
CRÉDITO, SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL - Legenda da foto - Mapa dos
principais aquíferos brasileiros; reservas subterrâneas abastecem mais da metade
das cidades do país.
O aeroporto internacional de Guarulhos, por exemplo, é
totalmente abastecido por poços, segundo o pesquisador,
assim como vários edifícios na avenida Paulista, a mais
famosa de São Paulo.
Hirata diz que a perfuração de poços com até 200 metros
costuma levar menos de um mês e custar entre R$ 250 mil e
R$ 300 mil.
Como não há cobrança pelo uso de fontes subterrâneas no
Brasil, a economia gerada pelo não pagamento da conta de
água faz com que grandes usuários possam recuperar o
investimento da perfuração em menos de um ano - além de
ficarem menos sujeitos a oscilações da rede pública.
Uso de água subterrânea na agricultura
As águas subterrâneas têm participação central no
abastecimento de zonas rurais brasileiras. Segundo o último
Censo Agropecuário do IBGE, de 2017, 1,03 milhão de
propriedades rurais dispõem de pelo menos um poço tubular.

CRÉDITO,PREFEITURA DE SÃO LOURENÇO DO OESTE - Legenda da foto - Poço


tubular em São Lourenço do Oeste (SC); secas na região Sul também têm
estimulando investimentos em águas subterrâneas
Nesses locais, as águas podem servir tanto para o consumo
dos moradores quanto para a criação de animais ou a
irrigação de lavouras.
Considerando-se o consumo per capita de águas subterrâneas,
a irrigação responde pela maior parcela no país, com 48,7
metros cúbicos/hora de vazão, segundo a ANA.
Em seguida vêm o uso industrial (20,9) e o abastecimento de
zonas urbanas e rurais (17,9).
O uso exacerbado de aquíferos para a irrigação é um tema de
grande preocupação em países desenvolvidos.
O caso mais célebre é o do aquífero Ogallala, usado
intensamente para a irrigação de plantações na região das
Grandes Planícies, nos Estados Unidos.

CRÉDITO,THINKSTOCK - Legenda da foto - Irrigação lidera o consumo per capita


de águas subterrâneas no Brasil.
Pesquisas apontaram que, em boa parte de sua extensão, o
aquífero tem perdido muito mais água do que consegue
absorver, o que coloca em risco o abastecimento de vários
Estados e o fluxo de rios da região.
Outro tema que tem recebido atenção de pesquisadores no
exterior é a contaminação de aquíferos por fertilizantes
agrícolas - "um problema extensivo na Europa e América do
Norte", segundo Hirata.
O Brasil é um dos maiores consumidores globais de
fertilizantes. Aqui, porém, o professor diz que o tema ainda
não foi estudado em profundidade, pois faltam dados e redes
de monitoramento.
"Não sabemos nada praticamente sobre a contaminação de
aquíferos pela atividade agrícola no Brasil", afirma.
"Acredito que possa haver contaminações, mas faltam estudos
sistematizados que nos permitam generalizar se temos um
grande problema ou não. A experiência internacional nos
mostra que sim", diz.
Hoje os estudos disponíveis apontam que esgotos não
coletados e tratados são uma das principais fontes de
contaminação de aquíferos no Brasil - fenômeno que já se
observou em capitais como Manaus, Belém, Natal e Maceió.
Porém, mesmo em cidades com redes de esgoto mais antigas e
com baixa manutenção têm sido observados problemas de
contaminação por causa de vazamentos nesses sistemas.

CRÉDITO,SIAGAS - Legenda da foto - Mapa dos poços registrados que exploram


águas subterrâneas no Estado de São Paulo.
Também são conhecidos casos de contaminação de aquíferos
por rejeitos industriais - é o que ocorreu no bairro de
Jurubatuba, na zona sul de São Paulo, onde autoridades
tiveram que proibir a escavação de poços e interditar os
existentes.
Só no Estado de São Paulo, a Cetesb (Companhia de
Tecnologia de Saneamento Ambiental de São Paulo) estima
que haja entre 3 mil e 4 mil pontos de contaminação de
aquíferos.
E, num relatório de 2020, a companhia afirmou que 23,9% das
amostras coletadas no Aquífero Guarani apresentaram índices
acima dos parâmetros para itens como alumínio, bário,
selênio e coliformes.
Hirata, porém, diz que os dados devem ser analisados com
cautela. Segundo ele, é possível que parte das discrepâncias se
explique por poços mal construídos ou com baixa
manutenção.
Por outro lado, diz o pesquisador, como só uma ínfima porção
do aquífero é monitorada, o número de áreas contaminadas é
provavelmente muito maior do que apontam os dados oficiais
da Cetesb.
Apagão de dados
A falta de dados, aliás, é um grande problema para o estudo
das águas subterrâneas e a boa gestão desses recursos no
Brasil, afirma Hirata.
Ele diz que só 10% dos poços tubulares em operação no país
são cadastrados - o que não significa que todos esses estejam
regularizados.
Para que operem legalmente, é necessário uma outorga dos
órgãos públicos que gerenciam as águas subterrâneas, mas só
uma pequena parcela dos usuários cumpre essa etapa.
A BBC questionou o Departamento de Águas e Energia
Elétrica (DAEE) do Estado de São Paulo sobre quais ações
estavam sendo tomadas para coibir o uso irregular de poços.
Em nota, o departamento afirmou que, ao tomar ciência de
poços não outorgados, notifica os usuários para que as
instalações sejam regularizadas.
O órgão diz ainda que é possível denunciar poços irregulares
pelo site do departamento e que implantou um Sistema de
Outorga Eletrônica para facilitar os registros.

CRÉDITO,PREFEITURA DE SÃO LOURENÇO DO OESTE - Legenda da foto - Só uma


pequena parcela dos poços tubulares funcionam regularmente no Brasil.
Segundo o órgão, todos os poços outorgados "devem enviar
anualmente ao DAEE um relatório onde constam o volume
extraído mensalmente, assim como as medidas dos níveis
estático e dinâmico dos poços".
"Estes dados possibilitam ao órgão gestor verificar em quais
locais é preciso um controle maior da utilização do aquífero, e
eventualmente criar áreas de restrição ao uso das águas
subterrâneas", diz o departamento.
Em relação ao Guarani, o DAEE afirma que, "como o volume
extraído deste aquífero é muito grande, torna-se necessário o
acompanhamento de sua exploração para garantir uma
exploração sustentável".
Mudanças climáticas
Embora ainda haja muito a avançar no monitoramento do
Guarani e das demais águas subterrâneas no Brasil, Hirata diz
que essas reservas podem ser muito úteis num cenário de
grande irregularidade na oferta hídrica no país.
Para ele, tomando os cuidados para evitar a contaminação e
exploração exagerada, "as águas subterrâneas podem ser a
solução para muitos problemas sociais, permitindo a oferta de
água de baixo custo e excelente qualidade".
Hirata cita ainda a possibilidade - já adotada em alguns países
- de injetar nos aquíferos sobras de água de rios e represas
nos períodos chuvosos, acelerando a recarga das reservas
subterrâneas e deixando os sistemas mais equilibrados.
"Com as mudanças climáticas, o mundo inteiro tem
despertado para isso", afirma.
NATUREZA E MEIO AMBIENTE BRASIL

"Garimpo ameaça santuário de


árvores gigantes na Amazônia"
Nádia Pontes

Descoberto recentemente, local abriga árvores que


ultrapassam 80 metros e que podem ter entre 400 e 600
anos. Santuário corre risco com presença de garimpeiros
e grileiros na região, conta pesquisadora do Imazon.
Quando a engenheira florestal Jakeline Pereira começou suas
andanças pela Floresta Estadual do Paru, norte do estado do
Pará, ela nem imaginava caminhar ao lado das maiores
árvores da América Latina.
Em 2007, como pesquisadora iniciante no Instituto do
Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a missão de
Pereira era mapear todo resquício de presença humana na
então recém-criada unidade de conservação. Mais de uma
década depois, em setembro de 2022, uma expedição
confirmou a presença no local da maior árvore da América
Latina.
Com 88,5 metros de altura, o angelim vermelho com idade
estimada entre 400 e 600 anos equivale a um prédio de 30
andares fincado na mata. Perto dele, outras gigantes se
destacam, e a ciência ainda não sabe explicar por que esses
exemplares cresceram tanto ali, já que a altura média da
espécie (Dinizia excelsa) é de 50 metros.
" A região que abriga as árvores gigantes está do lado do local
onde ficam os garimpeiros. É uma área muito grande, com
floresta bastante densa", conta Pereira em entrevista à DW.
Especialista em áreas protegidas na Amazônia, Pereira foi a
pesquisadora responsável pelo plano de gestão da floresta do
Paru, que se estende por uma área de 3,6 milhões de hectares
e abriga espécies que só existem ali. Ela diz que o
desmatamento tem crescido na região por conta de fazendas
ilegais que têm se instalado no local.
"Não tem nada inventado no mundo que capture carbono
melhor que as florestas tropicais. Isso explica o interesse
mundial na Amazônia. É uma fábrica de armazenamento de
carbono e uma bomba de produção de água para todo o Brasil
e outros países", diz a especialista sobre a importância de
conservar a região.
DW Brasil: A unidade de conservação Floresta Estadual
(Flota) do Paru, onde fica o santuário das árvores
gigantes, já nasceu correndo um grande risco?
Jakeline Pereira: Sim. Eu comecei meu trabalho lá em 2007,
quando entrei no Imazon como pesquisadora um pouco
depois da criação da Floresta Estadual do Paru. Ela virou
unidade de conservação em dezembro de 2006 pelo governo
do estado do Pará.
Eu fui responsável pelo diagnóstico socioeconômico dessa
unidade de conservação e outras duas. Visitei todas as
comunidades, ou locais onde havia algum indício da presença
humana. Passei por áreas onde se faz a coleta de castanha e
também de garimpo.
Na criação da Flota, já existia garimpo no local. Eu entrevistei
os garimpeiros que estavam lá, e também os castanheiros. A
missão era fazer o diagnóstico, que ajudou a elaborar o plano
de gestão da unidade, publicado em 2010. Eu liderei este
processo e, desde então, trabalho na implementação do plano.

A presença das árvores gigantes não era conhecida


até então?
A descoberta do santuário das árvores gigantes aconteceu
durante uma pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), entre 2016 e 2018. Os pesquisadores faziam
sobrevoos com um equipamento que fazia o detalhamento de
biomassa de carbono nas florestas. Quando passaram pela
Flota com o avião fazendo mapeamento detalhado, eles
descobriram que havia algo muito especial naquela região,
chamada Vale do Jari.
A Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri e
o Instituto Federal do Amapá, instituições que trabalharam
neste projeto, montaram um laboratório para estudar a região
e começaram a fazer expedições para localizar as árvores.
Foram quatro expedições até agora.
Em setembro de 2022, com apoio do Imazon, que já conhecia
a área, na expedição, o grupo descobriu a maior árvore da
América Latina, um angelim vermelho de 88,5 metros. É algo
equivalente a duas vezes e meia a estátua do Cristo Redentor.
Ao redor dela, outras árvores foram descobertas com mais de
70 metros, o que é bem raro de acontecer.
A região que abriga as árvores gigantes está do lado do local
onde ficam os garimpeiros. É uma área muito grande, tem
floresta densa. Não existem moradias fixas, com exceção dos
garimpeiros que estão por perto. Só os castanheiros vão lá
coletar castanhas, não tem comunidades ali. É uma região de
acesso bastante difícil.
Na época em que o plano de manejo estava sendo feito, o
diagnóstico de biodiversidade foi difícil de ser feito, foi
preciso uma operação de guerra, com uso de helicópteros e
montagem de acampamentos.
A região está conservada quase em sua totalidade. Há
problemas de desmatamento mais recente e os garimpeiros.
As árvores estão ali ainda porque o acesso é bem difícil.

Já se sabe por que essas árvores são tão grandes?


Não. Foram coletados vários materiais para análises de DNA e
de solo. A estimativa é que elas tenham entre 400 e 600 anos.
Os pesquisadores fizeram coleta de material biológico das
árvores para entender o porquê. Tudo ainda está em pesquisa.
Essa região do santuário é de formação geológica muito
antiga, conhecida no meio acadêmico como Escudo das
Guianas. É uma área que tem espécies que só existem ali,
chamadas endêmicas. Inclusive é classificada como um centro
de endemismo muito importante para conservação, por isso
foram criadas as unidades neste local.
Por conta da dificuldade do acesso, existem poucos estudos
neste território enorme. A Flota do Paru faz parte de um
grupo de áreas protegidas que compõem 22 milhões de
hectares. É um bloco enorme, um grande corredor da
biodiversidade.

Quais são as principais ameaças que esta área


corre atualmente?
A principal ameaça é o garimpo. Está ao lado do santuário.
Para acessar esta região, para visitar o santuário, tem que
passar pelos garimpos. Na primeira expedição, os
pesquisadores tiveram problemas com os garimpeiros, que
não queriam que eles passassem por ali. Na última, muito
maquinário foi avistado.
O desmatamento está ocorrendo na unidade de conservação.
É um desmatamento por conta da instalação de fazendas, de
propriedades ditas particulares, de pessoas que estão
migrando para o estado do Pará.

Grilagem de terras?
Grilagem de terras, totalmente. A gente fez uma campanha
para proteger as árvores gigantes e pressionar o governo do
estado para que cancelasse os Cadastros Ambientais Rurais
(CAR) que estavam lá dentro. Eles cancelaram 456 cadastros!
Dá para acreditar? Esse era o número de pessoas que
declararam ter propriedades dentro da unidade de
conservação!
Desde 2019, houve um aumento do desmatamento na região.
É muita especulação de terra porque eles fazem o cadastro
com intenção de vender a propriedade. E tem uma ausência
do estado em relação à fiscalização.
A Flota do Paru é um patrimônio nosso. As áreas protegidas
são um patrimônio de todos os brasileiros. Quando se permite
que grileiros entrem num patrimônio, numa área criada para
nos fornecer os serviços ambientais, é um crime.
O Paru fornece castanha, madeira, água limpa, ar limpo,
possibilita turismo. Quando o estado deixa que outros
desmatem, isso é um dano para todos. Isso não traz emprego,
renda, não traz imposto. Só traz problema para todo o
brasileiro. Estamos sendo roubados.

Qual a importância de manter uma floresta como


essa, com árvores gigantes que só existem ali?
Não tem nada que foi inventado no mundo que capture
carbono melhor que as florestas tropicais. Isso explica o
interesse mundial na Amazônia. É uma fábrica de
armazenamento de carbono e uma bomba de produção de
água para todo o Brasil e outros países. Ela recicla a água para
chover no Sul, Centro-Oeste, Sudeste. Ela é produtora de água
e de alimentos.
A Flota do Paru produz castanhas, remédios, e muitas outras
coisas boas para nós que ainda nem descobrimos. Assim como
essa árvore gigante foi descoberta, a gente tem que aumentar
as pesquisas para descobrir cura para outras doenças. Ali é
que está a nossa farmácia. As florestas são muito importantes.

NATUREZA E MEIO AMBIENTE

Por que a maior parte do plástico não


pode ser reciclado
Stuart Braun

Apenas 9% do lixo plástico é reciclado, derrubando o


mito de que essa poderia ser a saída para evitar o
acúmulo da poluição plástica.
Cerca de 85% das embalagens plásticas de todo o mundo
acabam nos depósitos de lixo. Nos Estados Unidos, de longe o
maior poluidor de plásticos em todo o mundo, somente 5%
das 50 milhões de toneladas de lixo desse material
descartado pelas residências foram recicladas, afirma a ONG
ambientalista Greenpeace. Uma triste constatação no Dia
Global da Reciclagem, 18 de março.
Tendo em vista a previsão de que sua produção deverá
triplicar até 2060, os plásticos fabricados principalmente a
partir de petróleo e gás são uma fonte crescente
da poluição carbônica que impulsiona as mudanças climáticas.
Grande parte do lixo plástico acaba nos oceanos, com
impacto grave sobre a vida marinha.
As promessas feitas pelas empresas que mais
consomem plástico, como a Nestlé e a Danone, de promover a
reciclagem e incluir cada vez mais reciclados em suas
embalagens, não vêm sendo cumpridas.
Na Áustria e Espanha, o lobby do plástico, juntamente com os
supermercados, tenta às vezes evitar a responsabilização
fazendo frente contra os esquemas de vasilhames
retornáveis que incluam garrafas de plástico.
Mas ainda há esperança. Novas regulamentações universais
sobre o plástico estão sendo atualmente negociadas no
âmbito de um tratado mundial visando otimizar a produção,
usar e reutilizar o plástico, num modelo de economia circular.
No entanto, essa produção circular ainda se baseia do mito da
reciclagem, que, nas condições atuais, pouco está
fazendo para aplacar a crescente crise do plástico.

Separar sete tipos de plástico


Além disso, seria muito custoso separar o lixo entre os sete
tipos diferentes utilizados.
O mais comum em todo o mundo é o politereftalato de etileno
(PET), em segundo lugar vem o polietileno de alta intensidade
(HDPE). De acordo com o Greenpeace, cinco outros tipos de
plástico podem ser coletados, mas são raramente reciclados.
O PET é o mais reciclável e há um mercado forte pela
utilização de seu subproduto para fazer garrafas, embalagens
e fibras para roupas. Os demais tipos, porém, possuem um
mercado muito pequeno, já que o custo da matéria prima é
menor do que o custo para reciclá-los.
"É difícil reprocessar e separar todo o plástico", confirma Lisa
Ramsden, diretora da campanha do Greenpeace contra os
plásticos. E os contêineres mistos de coleta podem possuir
contaminantes que tornam o plástico irreciclável.
"Reciclar não é o problema, mas sim, os plásticos", prossegue.
Com os plásticos virgens muitas vezes custando menos do que
os reciclados, a reciclagem acaba não sendo econômica.

Plástico virgem é caro demais


A resina plástica pós-consumo criada a partir da reciclagem
de materiais acaba sendo sabotada pelo plástico virgem de
custo mais baixo, o que limita o mercado para os reciclados.
Um relatório da empresa de análises de mercado S&P Global
demonstra que a demanda pelo plástico reciclado bruto está
desacelerando, entre outros fatores devido a um aumento no
custo dos transportes para os centro de reciclagem na Ásia e à
lentidão no setor que utiliza materiais plásticos na construção
de edifícios.08:04
Enquanto o preço do plástico virgem está sujeito aos
caprichos da flutuação dos preços de gasolina e gás, esses
combustíveis fósseis são normalmente subsidiados. De acordo
com Sander Defruyt, diretor da iniciativa Nova Economia do
Plástico, uma entidade sem fins lucrativos nos EUA, o plástico
reciclado poderia ser mais competitivo se os subsídios aos
combustíveis fósseis fossem removidos de maneira
escalonada.
Contudo, as empresas que produzem lixo poderia ajudar a
manter os custos abaixo dos de plásticos
virgens subsidiando iniciativas de reciclagem sob o princípio
da responsabilidade ampliada do produtor, afirma Defruyt.
Esses subsídios corporativos têm sido fundamentais para as
iniciativas de reciclagem em países como a Alemanha e a
França.
O problema das embalagens flexíveis
Os pacotes leves que armazenam comidas como batatas chips
ou barras de chocolate frescas representam 40% das
embalagens de plástico em todo o mundo, afirma Defruyt. As
chamadas embalagens flexíveis de peso leve, descartáveis e
compostas por multicamadas são utilizadas para embalar em
torno de 215 bilhões de produtos, somente no Reino Unido.
Apenas em torno de cinco países europeus promovem
tentativas de reciclar essas embalagens, relatou Defruyt. Nos
EUA, as embalagens flexíveis representaram somente 2% da
reciclagem nas residências em 2020. Quando não acabam
queimadas ou em algum depósito de lixo, essas embalagens
são normalmente perdidas ou despejadas no meio ambiente.
Parte do problema são as multicamadas que às vezes incluem
uma película, o que encarece bastante separar os materiais
em partes recicláveis. Essas embalagens são, normalmente,
"supercontaminadas" com restos de alimentos desperdiçados,
o que as torna impossíveis de reciclar, avalia Defruyt.
A indústria de embalagens alega que as flexíveis trazem
benefícios ambientais, por serem mais leves do que os
plásticos mais rígidos e causarem menos emissões de
transporte, além de manterem a comida fresca por um tempo
mais longo. No entanto, os esforços da indústria de
embalagens flexíveis para integrá-las à economia circular
pouco contribuem para aumentar os índices de reciclagem.

Proibir é solução?
Uma pesquisa de 2022, com mais de 23 mil consultados em 34
países, revelou que 80% apoia banir alguns tipos de plástico
que não podem ser facilmente reciclados.
Os autores da pesquisa, conduzida pela entidade internacional
de conservação WWF e pela Plastic Free Foundation, na
Austrália, afirmam que "qualquer progresso significativo em
reduzir o lixo global de plástico" precisa incluir a
proibição dos "tipos de plástico de uso único mais
problemáticos e prejudiciais, equipamentos de pesca e
microplásticos."
A União Europeia (UE) adotou algumas medidas nessa
direção, ao banir dez tipos de plásticos mono-uso que não
empestam apenas as praias europeias, mas também estão na
contramão do modelo de economia circular da UE, segundo
o qual todos os plásticos descartáveis terão de ser
reutilizáveis até 2030.
Enquanto isso, mais de 30 países africanos baniram parcial ou
totalmente os sacos plásticos leves. Um tratado global de
plásticos poderia alinhar essas proibições mundo afora,
possibilitando uma regulamentação global coerente .

O mito tóxico e fracassado da reciclagem


de plástico

Grandes empresas têm falhado nas promessas de reciclar


e reduzir o uso do plástico. Entre elas está a Coca-Cola,
uma das principais patrocinadoras da conferência do
clima da ONU COP27.
Quando foi anunciado que a Coca-Cola seria uma das
principais patrocinadoras da Conferência das Nações
Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP27, ativistas
imediatamente acusaram a empresa de "lavagem verde”.
"Isso é puro e simples greenwashing da Coca-Cola, enquanto
ela enche o oceano de plástico e emite enormes quantidades
de CO2 na produção de embalagens plásticas”, critica Amy
Slack, diretora de campanhas e políticas da organização
Surfers Against Sewage, com sede no Reino Unido.
De acordo com os ativistas do movimento global Break Free
from Plastics, a Coca-Cola produz anualmente cerca de 120
bilhões de garrafas plásticas. Cerca de 99% são produzidas a
partir de combustíveis fósseis, o que contribui para as
mudanças climáticas e alimenta a expansão do uso do
petróleo na indústria, na contramão da transição para energia
limpa, explica o Greenpeace.

COP27 é realizada se realiza numa cidade balneária do Egito.Foto: Sayed


Sheasha/REUTERS

Apesar da promessa da Coca-Cola de reduzir em 25% suas


emissões até 2030, a maioria de suas embalagens não é
reciclada. A Surfers Against Sewage registra que 20% dos
resíduos de embalagens coletados em todo o Reino Unido
carregam a marca Coca-Cola.
Com tão pouco dos 400 milhões de toneladas de resíduos
plásticos gerados anualmente sendo reciclado, a Coca-Cola é a
ponta do iceberg de um problema muito mais amplo, afirma
o Fórum Econômico Mundial. Nos EUA, por exemplo, apenas
cerca de 5% dos resíduos plásticos são reciclados, observou o
Greenpeace num relatório divulgado no fim de outubro
sobre o "mito tóxico e fracassado da reciclagem de plástico.”

Adeus a "reutilizar, reciclar e compostar"


Enquanto os resíduos plásticos se multiplicam, as empresas
que os produzem afirmam há tempos que suas embalagens
em breve serão amplamente recicláveis ou biodegradáveis.
Em reagindo ao furor sobre o patrocínio da COP27, a Coca-
Cola declarou compartilha o "objetivo de eliminar os resíduos
do oceano", planejando, até 2030, "coletar e reciclar uma
garrafa ou lata para cada uma que for vendida”.
"Nosso apoio à COP27 está alinhado à nossa meta
cientificamente fundamentada de reduzir as emissões
absolutas de CO2 em 25% até 2030, e à nossa ambição de
emissões líquidas zero até 2050”, prossegue o
comunicado.08:04
Os ativistas, contudo, questionam todo o conceito da
reciclagem. "Empresas como Coca-Cola, PepsiCo, Nestlé e
Unilever têm há décadas trabalhado em diversas frentes para
promover a reciclagem como a solução para o resíduo
plástico", relata Lisa Ramsden, do Greenpeace EUA. "Mas os
dados são claros: praticamente a maior parte do plástico não é
reciclável."
Contudo, Coca-Cola, PepsiCo e Unilever estão entre as mais de
80 empresas signatárias do Compromisso Global da Nova
Economia do Plástico, que visa eliminar o resíduo de plástico
ou torná-lo parte de uma economia circular sustentável.
Lançado em 2018 pela Fundação Ellen MacArthur –
instituição sediada nos EUA comprometida com a criação de
uma economia circular – e pelo Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (Pnuma), o principal objetivo do
compromisso é que os signatários vendam apenas
embalagens reutilizáveis, recicláveis ou compostáveis até
2025.
Entretanto um relatório de progresso publicado na última
quarta-feira (02/11) já adiantou que a meta não será
cumprida.

Sem caminho viável para o futuro


O fracasso em atingir a meta principal é generalizado entre os
signatários, que representam mais de 20% do mercado global
de embalagens plásticas, afirma Sander Defruyt, líder da
iniciativa New Plastics Economy, que co-gerencia o
Compromisso Global.
"Falta um caminho viável para o futuro", lamenta Defruyt,
referindo-se sobretudo à dependência contínua de
embalagens flexíveis usadas em snacks, doces e produtos de
higiene pessoal. O problema é "a falta de consenso mundial"
para encontrar alternativas.
Cerca de 16% das embalagens dos membros signatários do
Compromisso Global são invólucros flexíveis "supereficientes"
na conservação de mercadorias, mas que permanecem não
recicláveis em grande escala, explica Defruyt.
De todas as embalagens plásticas, 40% são flexíveis, como
pacotes de salgadinhos ou sachês de xampu descartáveis. "É
incrivelmente difícil dar conta disso", acrescenta Defruyt.
As taxas de reciclagem atingem um pico de cerca de 30% em
poucos países da Europa Ocidental. Embora a proibição de
plásticos de uso único na União Europeia vá limitar o volume
de alguns tipos de invólucros, será difícil proibir os flexíveis
"porque são muito difundidos".
Mesmo que o relatório de progresso do Compromisso Global
de 2022 tenha boas notícias, com a participação de conteúdo
reciclado pós-consumo subindo de 4,8% em 2018 para 10%
em 2021, o uso de plástico virgem aumentou em 2021 após
dois anos de declínio.
O aumento indica uma demanda vertiginosa por produtos
cujas embalagens plásticas não podem ser recicladas com
rapidez suficiente. "Isso reforça a necessidade de as empresas
dissociarem o crescimento do uso de embalagens plásticas",
adverte o relatório de progresso do Compromisso Global.
A reciclabilidade e a compostabilidade podem ajudar a criar
uma economia mais circular para os resíduos, mas conter o
crescimento do uso do plástico exigirá uma "reavaliação
fundamental” de como os produtos são vendidos e embalados.
Um relatório de junho da Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE) projeta que o uso e os
resíduos globais de plástico quase triplicarão até 2060.
Mesmo que a reciclagem aumente nesse período, a poluição
plástica global ainda deve dobrar.

Voluntários retiram resíduos plásticos do Rio NiloFoto: Mohamed Abd El


Ghany/REUTERS
Reciclagem não é solução
"Não vamos sair desse caos reciclando. Precisamos de uma
mudança holística do sistema", urge Inger Andersen, diretora
executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA).
Lisa Ramsden observa que as taxas de reciclagem estão
"reduzindo drasticamente" nos Estados Unidos, em parte
porque a China parou de aceitar resíduos plásticos
americanos em 2019 – o que corresponde a cerca de 7
milhões de toneladas por ano.
Está sendo produzido tanto plástico, que é "impossível
coletar". As centenas de bilhões de garrafas plásticas PET
produzidas anualmente são teoricamente recicláveis, mas
separar o PET de resíduos plásticos diversos – e muitas vezes
contaminados - não é economicamente viável. "A solução real
é mudar para sistemas de reutilização e recarga", afirma
Ramsden.
Mas, embora a Coca-Cola tenha se comprometido a reutilizar
25% das garrafas plásticas até 2030 – um programa na
América Latina já alcançou 16% de reutilização –, Ramsden
teme que o avanço seja neutralizado por um aumento maciço
da produção de garrafas não reutilizáveis.

Um acordo jurídico global


A resposta final, segundo Ramsden, pode estar no Tratado
Global para Acabar com a Poluição Plástica, um acordo
jurídico internacional que deve ser negociado em novembro,
após a COP27.
Aprovado por grandes poluidores como Coca-Cola, Nestlé e
Pepsico, o tratado visa consagrar um regime global de
regulamentações e metas de redução de plástico, com
potencial de reverter a maré e se tornar "um momento chave
na luta contra o resíduo plástico", acrescenta Ramsden.
Para DeFruyt, se o princípio da "responsabilidade estendida
do produtor" puder ser consagrado no tratado, as empresas
poluidoras deverão ficar obrigadas a financiar e implementar
programas de reciclagem ou reutilização.

Lixo plástico, um desafio para o planeta


Praias antes paradisíacas repletas de garrafas, animais
engasgados com dejetos, pessoas recolhendo o material
em aterros. Uso desenfreado do derivado do petróleo
deixa rastro preocupante no meio ambiente.
Foto: Daniel Müller/Greenpeace

A era do plástico
Leve, durável, flexível e muito popular. O mundo produziu 8,3
bilhões de toneladas de plástico desde o início da produção
em massa, nos anos 50. Como o material não é facilmente
biodegradável, muito do que foi produzido acaba em aterros
como este, nos arredores de Nairóbi. Catadores de lixo caçam
plásticos recicláveis para ganhar a vida. Mas muito também
acaba no oceano.
Foto: Reuters/T. Mukoya

Rios de lixo
Cerca de 90% do plástico entra nos habitats marinhos através
de apenas dez rios: o Yangtzé, o Indo, o Amarelo, o Hai, o Nilo,
o Ganges, o Pearl River, o Amur, o Níger e o Mekong. Esses
rios atravessam áreas altamente povoadas, com falta de
infraestrutura adequada para o descarte de resíduos. Aqui,
um pescador nas Filipinas retira uma armadilha para peixes e
caranguejos de águas poluídas.
Foto: picture-alliance/Pacific Press/G. B. Dantes
Começo de vida plastificado
Alguns animais encontram uma utilidade para resíduos de
plástico. Este cisne fez seu ninho no lixo em um lago de
Copenhague que é popular entre os turistas. Seus filhotes
saíram dos ovos rodeados de dejetos, o que não é um bom
início de vida. Mas para outros animais, as consequências são
muito piores.
Foto: picture-alliance/Ritzau Scanpix

Consequências fatais
Embora o plástico seja altamente durável e possa ser usado
para produtos com longa vida útil, como móveis e tubulações,
cerca de 50% da produção são destinados a produtos
descartáveis, incluindo talheres e anéis usados em pacotes de
seis unidades de latas de bebidas, que acabam no meio
ambiente. Animais correm o risco de se enredar neles e
morrer, como ocorreu com este pinguim.
Foto: picture-alliance/Photoshot/Balance

Confundido com comida


Este filhote de albatroz foi encontrado morto em Sand Island,
no Havaí, com vários pedaços de plástico no estômago. Um
levantamento realizado em 34 espécies de aves no norte da
Europa, Rússia, Islândia, Escandinávia e Groenlândia, apontou
que 74% delas ingeriram plástico. Comer o material pode
levar a danos nos órgãos e bloqueios no intestino.
Foto: picture-alliance/All Canada Photos/R. Olenick
Grandes vítimas
Mesmo os animais maiores sofrem os efeitos do consumo de
plástico. Esta baleia foi encontrada na Tailândia. Durante a
tentativa de salvamento, o animal vomitou cinco sacos
plásticos e morreu. Na autópsia, os veterinários encontraram
80 sacolas de compras e outros dejetos plásticos que
entupiam o estômago da baleia, de modo que ela não
conseguia mais digerir alimentos nutritivos.
Foto: Reuters

Dejetos invisíveis
Grandes pedaços de plástico na superfície do oceano, como é
registrado aqui, na costa havaiana, chamam atenção. Mas
poucos sabem que trilhões de minúsculas partículas com
menos de 5 milímetros de diâmetro também flutuam nos
mares. Essas partículas acabam na cadeia alimentar. O
plâncton marinho, que é uma fonte importante de alimento
para peixes e outros animais marinhos, já foi filmado
comendo-as.
Foto: picture-alliance/AP Photo/NOAA Pacific Islands Fisheries Science Center

Fim à vista?
Medidas para tentar reduzir o plástico descartável já foram
tomadas em alguns países africanos, como proibições de
sacolas plásticas, e a União Europeia planeja proibir produtos
plásticos descartáveis. Mas se as tendências atuais forem
mantidas, cientistas acreditam que haverá 12 bilhões de
toneladas de plástico no planeta até 2050.
Foto: Daniel Müller/Greenpeace
Poluição de plástico nos oceanos
O Sono das Águas
de João Guimarães Rosa

Há uma hora certa,


no meio da noite, uma hora morta,
em que a água dorme.

Todas as águas dormem:


no rio, na lagoa,
no açude, no brejão, nos olhos d’água,
nos grotões fundos
E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir…

Águas claras, barrentas, sonolentas,


todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha
nas placas da folhagem
e adormece.
Até a água fervida,
nos copos de cabeceira dos agonizantes…

Mas nem todas dormem, nessa hora


de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
e chorando, a noite toda,
porque a água dos olhos
nunca tem sono…

Sala Ambiente de Leitura Dr. Pereira


DE Mattos – Caçapava-SP
Edição: Oswaldo Macedo

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