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É preciso

expropriar
fazendas, diz
presidente do
TST

Por Maurício Hashizume – 8/2/2004

08/02/2004 00:00

Brasília - O envolvimento do presidente do

Tribunal Superior do Trabalho (TST),

Francisco Fausto, na cruzada pelo combate

ao trabalho escravo no Brasil vem lhe

rendendo distinções. Ele foi uma das 12

pessoas que receberam, há cerca de dois

meses, o Prêmio Direitos Humanos 2003,

cedido anualmente pelo governo brasileiro

desde 1995. Fausto foi escolhido como

personalidade do ano na categoria

Erradicação do trabalho escravo.


Do alto da sua reconhecida contribuição, o

presidente do TST não pestaneja ao apontar

como "prioridade número um" a aprovação

na Câmara Federal da proposta de emenda

consitucional (PEC) 438/2001, apresentada

pelo ex-senador Ademir Andrade (PSB-PA),

que prevê a expropriação de terras onde

forem encontrados trabalhadores em

condições de escravos. Em entrevista à

Agência Carta Maior, Fausto criticou a

falta de "vontade política" dos deputados

federais em relação à matéria. Para ele, "o

trabalho escravo não será erradicado no

Brasil enquanto não for aprovado o projeto

do ex-senador Ademir Andrade".

"Há muitos interesses em jogo. E esses

interesses estão agora até armando a mão

de capangas", declarou o presidente do

Tribunal, em referência ao assassinato de

três fiscais e um motorista do Ministério do

Trabalho ocorrido dia 28 de janeiro, durante

operação em Unaí (MG). "Temos que tomar

medidas de ordem econômica contra eles

porque essa é a linguagem que eles

entendem. Se for expropriada uma fazenda

que seja, só uma, sem dúvida vai ser o

maior ato contra o trabalho escravo no

Brasil". Veja a seguir, os principais trechos

da entrevista realizada com Francisco

Fausto, nesta sexta-feira (6), no gabinete

da presidência do TST.
Agência Carta Maior – O que está

faltando para acabar com o trabalho

escravo no Brasil?

Francisco Fausto – Algumas medidas já

foram tomadas. Sabemos que o crime foi

tipificado, de modo que a pena para quem

comete esse tipo de crime foi elevada. Mas

ainda é muito pouco. Na Justiça do

Trabalho, nós estamos condenando não

apenas as indenizações trabalhistas, mas

também as indenizações por danos morais

decorrentes de ações ajuizadas pelo

Ministério Público do Trabalho. Esse é um

instrumento de que a Justiça do Trabalho

dispõe. Mas eu tenho certeza que o trabalho

escravo não será erradicado no Brasil

enquanto não for aprovado o projeto do ex-

senador Ademir Andrade, que está na

Câmara do Deputados, já aprovado pelo

Senado, que prevê o confisco de terra dos

fazendeiros que são flagrados escravizando

trabalhadores.

Nós estamos enfrentando um poder

econômico muito forte. Há muitos

interesses em jogo. E esses interesses estão

agora até armando a mão de capangas.

Temos que tomar medidas de ordem

econômica contra eles porque essa é a


linguagem que eles entendem. Se for

expropriada uma fazenda que seja, só uma,

sem dúvida vai ser o maior ato contra o

trabalho escravo no Brasil.

CM – A Câmara ainda não passou de

promessas em relação à PEC que o senhor

citou. Há falta de empenho dos deputados

para a aprovação dessa proposta?

FF – Eu não tenho dúvida nenhuma disso.

Quando eu assumi a presidência do TST, em

2002, e firmei uma parceria com a

[Comissão] Pastoral da Terra (CPT), OIT

[Organização Internacional do Trabalho],

Ministério Público e OAB [Ordem dos

Advogados do Brasil] contra o trabalho

escravo, fiz um ofício ao então presidente

da Casa, Aécio Neves [atual governador de

Minas Gerais], pedindo que esse projeto

fosse votado com prioridade porque é do

mais alto interesse público. Eu não obtive

resposta. Naquela época, o Jornal do

Senado inclusive deu uma divulgação muito

grande, mas o Jornal da Câmara não fez

nenhuma menção.

Quando o deputado João Paulo [Cunha]

assumiu [a presidência da Casa], de novo

eu repeti que a proposta fosse aprovada

porque sem ela nós não temos um


instrumento eficaz de combate ao trabalho

escravo. Em maio do ano passado, quando

o presidente Lula lançou o Programa

Nacional de Erradicação do Trabalho

Escravo, ele colocou lá como prioritária a

aprovação desse projeto. Mas a verdade é

que até agora não aconteceu nada. Nós

estamos vivendo um momento um pouco

surrealista. Muita gente se comove com o

que está acontecendo, mas poucas medidas

são tomadas no sentido de coibir esse

crime.

CM – O senhor diria, então, que o que mais

falta hoje para combater o trabalho escravo

é vontade política?

FF – Sim. Se aprovarmos esse projeto do

ex-senador Ademir Andrade, vamos ter uma

arma poderosa no combate ao trabalho

escravo. Ninguém vai querer mais

escravizar se sua fazenda estiver correndo o

risco de futuramente ser submetida a um

confisco. Se não há vontade política, a

solução fica só na retórica, no discurso

ético: "Temos que acabar com o trabalho

escravo. Isso é uma vergonha e tal...".

Enquanto isso, o projeto continua na

gaveta.

CM – Como a precarização das relações de

trabalho pode influenciar no processo de


escravização da mão-de-obra?

FF – Um dos grande problemas está sendo

a reincidência. O trabalhador é "libertado"

pelos grupos móveis do Ministério do

Trabalho e até recebe indenizações. Quando

os grupos partem para outras operações,

ele imediatamente volta e se apresenta ao

suposto emprego que, na verdade, é um

regime de escravidão, semi-escravidão,

análogo à escravidão. Por que isso

acontece? Porque não temos emprego no

país. A faixa de desemprego está na faixa

dos seus 20%, mais ou menos, agravada

com os 50 milhões de miseráveis, segundo

as estatísticas oficiais que temos no Brasil.

A precarização do emprego foi iniciada a

partir de 1988 quando todo trabalhador

brasileiro passou para o regime do Fundo de

Garantia por Tempo de Serviço [FGTS] e

desapareceu a estabilidade no emprego.

Portanto, isso tudo agrava o quadro, sem

dúvida. O trabalho escravo é um crime

contra os direiros humanos, mas é primeiro

um crime trabalhista. Se a legislação do

trabalho fosse fielmente seguida, obedecida

e observada, nós erradicaríamos esse mal.

CM – Da perspectiva da presidência do TST,

o que o senhor viu de concreto no combate


ao trabalho escravo nos dois últimos anos?

FF – Está havendo uma fiscalização mais

efetiva que vem descobrindo focos de

trabalho escravo em todo o País. Já

verificamos que o trabalho escravo não

existe apenas no Sul do Pará, como antes

se pensava. No Sul do Pará, em todo o

Pará, na Amazônia, incluindo os outros

Estados. Esse tipo de trabalho existe no Rio

Grande do Sul, em São Paulo, no Rio de

Janeiro. Há focos em todas as regiões

brasileiras. Por que isso está acontecendo?

Por conta da fiscalização que está

identificando e denunciando e tem sido

eficiente. Tão eficientes que os bandidos

estão recorrendo a outros métodos de

intimidação.

CM – O senhor frisou, em um dado

momento, o problema da reincidência. Qual

é a importância da questão da impunidade

nos casos de condenações por trabalho

escravo?

FF – As primeiras condenações do trabalho

escravo foram em cestas básicas, o que é

um absurdo. Antes disso, houve um grande

debate entre juízes estaduais e juízes

federais sobre de quem era a competência

para julgar. Nesse período, muitos

fazendeiros que se utilizavam desse crime


ficaram numa boa, assistindo de camarote a

esse debate. Quando a Justiça do Trabalho

investiu nisso e nós anunciamos a criação

de varas itinerantes para combater o

trabalho escravo e pedimos a competência

para julgar esses crimes - a competência da

Justiça do Trabalho não seria apenas

trabalhista, mas também criminal -, a coisa

começou a se modificar um pouco. Mas as

condenações ainda são tímidas: R$ 40 mil,

R$ 50 mil não resolvem. É melhor o projeto

da PEC do ex-senador Ademir Andrade.

Essa é que vai resolver o problema.

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Dossiê Trabalho Escravo

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