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; Trabalho
Resumo: O trabalho é tentativa de exame da questão da discriminação racial no âmbito das
relações de trabalho, inclusive de acordo com as novas perspectivas relacionadas à interpretação
das normas constitucionais. É artigo que apresenta também as formas de atuação do Ministério
Público do Trabalho para afastar a discriminação racial das relações de trabalho.
1. Introdução
Acabamos praticamente de ingressar no Século XXI e somos destinatários de grande número de
inovações e avanços tecnológicos que reduzem as distâncias entre as pessoas, incrementam as
formas de comunicação e proporcionam maior conforto à vida dos indivíduos de uma forma geral;
já descobrimos a cura de diversas doenças que dizimaram populações inteiras no passado; o
conhecimento vem se expandindo vertiginosamente por meio da internet. Enfim, o quadro é
bastante favorável em tema de possibilidades de destinarem-se ao indivíduo pós-moderno as
transformações operadas pelo desenvolvimento tecnológico e pela globalização.
E sob o signo da globalização econômica muito se fez em termos de aproximação de
desenvolvimento das tecnologias, a ponto de o termo globalização estar, como se diz
coloquialmente, na boca do povo.
Tanto é assim que há alguns anos, após sair de loja localizada no centro de Salvador, fui
surpreendido por um guardador de carros, que me mostrou um pequeno papel no qual se
encontrava escrito: taxa de vigilância.
- "São três reais", disse-me com ar grave...
- "Isso é um absurdo. Vocês estão abusando com essas cobranças", retruquei.
- "É a globalização, doutor", respondeu-me eloqüentemente.
E movido pela ignorância que constatei ao replicar o guardador de carro, recorri, com "as velas
soltas da esperança" (como disse certa feita Ortega y Gasset), aos livros de Economia a fim de
desencobrir que estranha realidade era essa chamada globalização que todos sabiam o que
significava, menos eu...
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Como se dá?
Ocorre quando subsiste fato da vida a consentir a prática discriminatória.
Exemplo: determinado proprietário de empresa se vê diante da situação de promover empregado
ou empregada para dirigir a filial da empresa em Jihad, Arábia Saudita.
Pergunta: Sobre quem recairá a promoção? Resposta: Evidentemente será promovido o
empregado.
Pergunta: Foi ilegitimamente discriminatória a decisão empresarial? Resposta: Evidentemente que
não em virtude de a mulher, no sistema árabe e por força de prescrições religiosas islâmicas, não
estar autorizada a trabalhar.
O mesmo raciocínio deve ser empreendido quando se cogita de discriminação racial nas relações
de trabalho.
Há, porventura, hipóteses de discriminação legítima em se tratando de opção presa ao critério
racial?
Não tenho dúvida em responder afirmativamente.
Imagine-se, por exemplo, a contratação de trabalhadores para o desenvolvimento de atividade
inerente à cultura afro-brasileira, como para dançar Samba de Roda, lutar Maculelê ou Capoeira.
Seria admissível que o empresário contratasse exclusivamente pessoas da raça negra para o
exercício de tal atividade?
Mais do que admissível, creio que seria vital para o próprio prosseguimento do objeto empresarial,
desde que se tornaria estranho se deparar com asiáticos em animado Samba de Roda ou mesmo
germano-descendentes com rosadas bochechas lutando Capoeira ou Maculelê...
Inversamente, tome-se, por exemplo, a belíssima festa anual realizada no Estado de Santa
Catarina, o denominado Oktober Fest, com as suas bandas típicas, animadas e representativas da
cultura germânica.
Seria ofensivo à cláusula constitucional que protege o indivíduo contra a discriminação ilegítima
limitar o universo dos músicos àqueles que ostentem traços preponderantemente germânicos?
É claro que não há ofensa alguma, desde que todas as pessoas, visitantes ou catarinenses da
gema, estranhariam muito o fato de as bandas serem compostas de músicos negros. Haveria de se
perguntar: Substituíram as bandinhas pelo Olodum da Bahia?
Como se vê, subsistem hipóteses nas quais são reprovadas práticas discriminatórias quando não
consentidas por situação da vida; porém, noutras, autoriza-se, sem maiores discussões, em
virtude de a realidade física invariavelmente determinar se opere a discriminação.
3. Discriminação racial nas relações de trabalho e a jurisprudência da Suprema Corte
norte-americana
É notável a jurisprudência da Suprema Corte norte-americana em tema de proteção contra a
discriminação racial.
Embora no final do Século XIX tenha a Corte adotado o entendimento inerente à Separate-But-
Equal Doctrine ("separados, mas iguais"), consolidando durante algum tempo a idéia de que a
segregação entre brancos e negros era legítima, desde que proporcionados idênticos direitos aos
cidadãos, como ocorreu em Plessy v. Ferguson (163 U.S. 537, 16 S. Ct. 1.138, 41 L.Ed. 256
(1896), posteriormente reviu de modo radical o entendimento para concluir acerca da
inconstitucionalidade de qualquer comportamento, de órgãos públicos ou privados, que se
atrelasse à legitimidade da doutrina dos "separados mas iguais".
Foi o que restou decidido no importantíssimo e histórico caso Brown v. Board of Education (347
U.S. 483, 74 S. Ct. 686, 98 L.Ed. 873 (1954), quando a Suprema Corte, além de rever a decisão
adotada no Caso Plessy, assumiu a dianteira nos Estados Unidos e praticamente impôs a edição da
Lei dos Direitos Civis e Políticos pelo Congresso norte-americano em 1964.
Assim, é necessário destacar que a Suprema Corte dos Estados Unidos conta com extenso
repertório de decisões nas quais se discute a existência de prática discriminatória legitima e
ilegítima.
Questões relacionadas à discriminação contra a mulher, idoso e pessoa com deficiência no recinto
da relação de trabalho são bastante comuns nos julgamentos daquela Corte. Contudo, a ênfase,
aqui, é no estudo das decisões que examinaram as ocorrências de discriminação racial nas
relações de trabalho.
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Nesse passo, registre-se que a Suprema Corte se deparou com rumoroso caso de discriminação
racial. Foi em Griggs v. Duke Power Co. (Supreme Court of the United Stares, 1971. 401 U.S. 424,
91 S. Ct. 849, 28 L.Ed.2d 158).
A empresa possuía cinco setores distintos: a) operação; b) manutenção, c) laboratório e teste; d)
manejo de carvão; e) mão-de-obra. O problema consistia no fato de que trabalhadores negros
somente eram contratados para o departamento de mão-de-obra, no qual os maiores salários
eram menores que os piores pagos aos trabalhadores dos demais departamentos, que só
continham empregados brancos.
Em 1955, a empresa instituiu a exigência de conclusão do ensino médio para a contratação de
qualquer trabalhador, exceto para o departamento de mão-de-obra. Além disso, adotou-se o
mesmo requisito para a hipótese de transferência de trabalhadores do departamento de mão-de-
obra para qualquer outro.
A decisão da Suprema Corte foi amparada na Lei dos Direitos Civis e Políticos de 1964,
sustentando ainda que fora provado que empregados não-concluintes da formação educacional
mínima exigida pela empresa ou que não tinham se submetido a testes para transferência de
departamento continuavam a desenvolver satisfatoriamente o trabalho e a progredir nos
departamentos para os quais se exigia a referida formação educacional.
Concluindo, o Juiz Burger salientou que nada na lei proibia o teste de conhecimento, sendo óbvia a
sua utilidade. O que o Congresso proibiu foi a utilização desses testes a não ser que fossem eles
desenganadamente uma medida razoável para aferir o desempenho no trabalho. O Congresso não
determinou que os menos qualificados fossem preferidos em detrimento dos mais qualificados
tendo em vista exclusivamente pertencerem a minorias raciais. O Congresso impôs que o teste
realizado pela empresa devia examinar a pessoa para o trabalho e não a pessoa de forma
abstrata.
Outro caso digno de registro foi St. Mary's Honor Center v. Hicks (Supreme Court of the United
States, 1993. ___U.S.___, 113 S. Ct. 2742, 125 L.Ed.2d 407.
Nesse caso, após diversas alterações no âmbito da gerência da empresa, o empregado negro
Melvin Hicks passou a ser sistematicamente advertido por meio expedientes do seu chefe,
culminando com suspensão de cinco dias em virtude de descumprimento de normas da empresa
pelos subordinados ao empregado Hicks (!).
O empregador, no entanto, afirmara que a questão racial não possuía relevância alguma, pois
houvera repreendido e dispensado o trabalhador exclusivamente em razão de conduta inadequada
assumida dentro do estabelecimento empresarial.
É inevitável reconhecer que esses casos integram o rol dos hard cases, principalmente ante a
dificuldade de obtenção de prova da prática discriminatória ilegítima.
E foi exatamente em linha de desoneração da responsabilidade empresarial ante a ausência de
prova que se pronunciou a Suprema Corte dos Estados Unidos, concluindo que o Tribunal não teria
nenhuma autoridade para impor a reparação por dano moral ao empregador em virtude das
alegadas práticas discriminatórias a não ser que uma circunstância pudesse demonstrar que a
empresa houvera discriminado ilegalmente.
Todavia, o que parece correto concluir é que, se o trabalhador aduz a existência de causa
discriminatória ilegítima para a sua dispensa ou mesmo para a perda de direitos trabalhistas, o
empregador deve apresentar fundamento que contradiga a tese obreira e que se relacione a
motivo não-discriminatório. Assim, por exemplo, se o empregado vem a juízo e diz que foi
discriminado em razão do critério racial, a empresa deve articular na contestação que o motivo
para a dispensa ou redução de direitos trabalhistas nenhuma relação teve com a questão de
gênero.
Além disso, todas as hipóteses de discriminação racial - e por que não dizer, todas as situações
que envolvam discriminação no emprego - estão aptas a determinar natural inversão do ônus da
prova, especialmente porque não haverá circunstância na qual o empregador, sponte sua e
deliberadamente, se ponha em linha de afirmação de que discriminou o empregado porque ele era
negro.
4. A Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho e a discriminação racial
Como referido inicialmente, apresentarei estudo de caso relacionado a ações civis públicas
propostas no Estado da Bahia.
Assim, em virtude de participação no Seminário de Inclusão de Trabalhadores Negros no Mercado
de Trabalho, ocorrido em 22.10.2003, com denúncia de parte das entidades representativas do
movimento negro, segundo a qual não se promovia, no Estado da Bahia, a contratação de modelos
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pp. 340-342.
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