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O presente e-book é uma cortesia dos autores e da Editora Mizuno,
sendo parte integrante da obra “LGPD e Compliance Trabalhista”.
lgpd e compliance trabalhista

As ações afirmativas e a Lei Geral de Proteção


de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018)
ADRIANE REIS DE ARAUJO1

...na sociedade brasileira as relações sociais e intersubjetivas são sempre


realizadas como relação entre um superior, que manda, e um inferior, que obedece.
As diferenças e assimetrias são sempre transformadas em desigualdade que
reforçam a relação de mando-obediência. (CHAUI, 2017, p. 49).

1. Introdução
No modelo capitalista de produção, o trabalho produtivo e
remunerado se destaca como elemento de inclusão social e como
referência de uma cidadania caracterizada pela desigualdade econômica.
A possibilidade individual de contribuir e ser reconhecido por suas
capacidades e talentos na sociedade dá sentido à vida e inspira sonhos e
novos projetos. A promessa de inclusão social, entretanto, dificilmente
se cumpre de forma espontânea nas sociedades com forte viés hierárquico
entre gêneros, raças ou pessoas com e sem deficiência.
A cidadania na sociedade brasileira foi concebida, em sua origem,
associada ao privilégio da classe dominante e fundamentada em um
contexto familiar hierarquizado entre os gêneros. A lógica presente na
hierarquia social entre os gêneros ultrapassa essa dicotomia e alcança
todas as pessoas que fogem ao modelo padrão de homem branco, cis-
gênero, heterossexual e sem deficiência. O contexto histórico colonial
e escravocrata não resolvido naturaliza a hierarquia inter-racial, gera,
por consequência, o aprofundamento da assimetria já presente nas re-
lações de trabalho subordinado quando somado a diferenças étnicas.

1 Procuradora Regional do Trabalho. Especialista em Relações Sindicais pela Organização


Internacional do Trabalho. Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Doutora
em Direito do Trabalho pela Universidade Complutense de Madri. Foi presidenta do
Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do
Trabalho em 2018 e Vice-presidenta em 2019. Gerente do Grupo de Trabalho de Gênero
e Coordenadora Nacional da Coordenadoria de Promoção da Igualdade de Oportuni-
dades e Eliminação da Discriminação no Trabalho do Ministério Público do Trabalho –
Coordigualdade (2017/2018). Secretária Adjunta da Secretaria de Cooperação Judiciária
Internacional Trabalhista do Ministério Público do Trabalho (2019). Coordenadora Na-
cional da Coordenadoria de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da
Discriminação no Trabalho do Ministério Público do Trabalho – Coordigualdade (2020).

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O equilíbrio nas relações de trabalho requer, assim, um olhar


interseccional sobre os diversos fatores de vulnerabilidade e o ajuste
das respostas jurídicas e das políticas públicas às demandas dos variados
públicos. Nessa situação, a inclusão social somente se torna viável em
sua integralidade se une ações repressivas antidiscriminatórias e medidas
afirmativas. São ações afirmativas os programas e medidas especiais
adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das
desigualdades sociais, de gênero, raça ou outro fator e para a promoção
da igualdade de oportunidades. Esses programas podem ter caráter
permanente, como a cota para pessoa com deficiência e reabilitados
da previdência social (art. 93, Lei n. 8.213/91), ou temporário, como a
cota racial para os concursos públicos federais (Lei 12.990/2014).
Em nosso ordenamento há diversos dispositivos que impõem ou
incentivam ações afirmativas dentro das empresas em total. Estas medidas
estão em consonância com os princípios que regem a ordem econômica,
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, em particular
aqueles contidos no art. 170, CRFB: função social da propriedade, redução
das desigualdades regionais e sociais e busca do pleno emprego.
Podemos identificar algumas das normas fundantes das ações
afirmativas incidentes sobre o mercado de trabalho vigentes no orde-
namento brasileiro:
a) em geral – art. 1º, III e IV, art. 3º, I, art. 4º, II, art. 5º, §§ 2º e 3º, e art. 6º
da CRFB, Convenção 111 da OIT e o Decreto 9.571/2018 (que estabelece
as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos);
b) pessoa com deficiência – a Convenção dos Direitos da Pessoa com De-
ficiência e seu Protocolo2 (Decreto 6949/2009), art. 35, caput, do Estatuto
da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) e o art. 93 da Lei 8.213/1991;
c) gênero: art. 7º, XX, da CRFB, art. 4º, inc. 1, da Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher – ONU
(Decreto 4.377/2002) e art. 373-A, caput e parágrafo único, da CLT;
d) raça: art. 5º da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discri-
minação Racial e Formas Correlatas de Intolerância (Decreto Legislativo
1/2021) e art. 4º, II e VII, e parágrafo único, art. 15 e art. 56 do Estatuto da
Igualdade Racial (Lei n. 12.288/2010);
e) pessoa idosa: art. 28, III, da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto da Pessoa Idosa).

2 A Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência foi integrada ao ordenamento jurídi-
co brasileiro em consonância com o procedimento previsto no parágrafo 3º do art. 5º da
Constituição da República de 1988, razão pela qual tem status de norma constitucional.

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Todas essas normas atendem aos objetivos contidos nos artigos


170 e 193, CRFB, de promoção de existência digna, do bem-estar e da
justiça social.
As normas destinadas à promoção de ações afirmativas reconhe-
cem que a superação das desigualdades exige a mudança de práticas e
atitudes sedimentadas para a superação do viés inconsciente originado
da hierarquia social antes mencionada. A entrada em vigência da Lei
Geral de Proteção de Dados, entretanto, tem levantado dúvidas sobre
a licitude do tratamento de dados pessoais com essa finalidade.
O presente estudo pretende se descortinar o sentido normativo
da Lei Geral de Proteção de Dados e elucidar sobre os limites e requisitos
para o manejo de dados sensíveis das pessoas que se candidatam ao
emprego, contrato de aprendizagem, pleiteiam progressão na carreira
ou pleiteiam condições de trabalho específicas.

2. A dignidade humana e os princípios da igualdade e da


liberdade no ordenamento jurídico brasileiro

O conceito jurídico de respeito à dignidade humana está funda-


mentado na fórmula kantiana, que o desenha de forma negativa, ou
seja, reconhece haver violação à dignidade humana quando se trata
uma pessoa como mero meio ou instrumento, desconsiderando a sua
natureza infungível. Esse conceito revela tanto uma vertente individual,
como um aspecto relacional, confirmando a percepção geral de ser
difícil para uma pessoa saber-se digna se outras pessoas não a tratam
com respeito (CORTINA, 2009, p. 202) ou, sob outro prisma, de que
“una persona a la que se arranque su dignidad, deja de ser persona”
(SAGARDOY BENGOECHEA, 2005, p. 53).
O reconhecimento da dignidade do ser humano é uma ação
bilateral, cuja satisfação se obtém pela solidariedade a ele, permitindo-se
reciprocamente a ambos ser ele mesmo e ser livre3. O respeito à
dignidade reúne assim a percepção individual e social do valor interno
de cada indivíduo. Por essa razão, a luta pelo reconhecimento da digni-
dade é transcendental na história.

3 Este conceito foi expresso por Hegel, na “Fenomenología del espíritu”. apud DE KONIN-
CK, Thomas. De la dignidad humana. Madrid, Dykinson, 2006, p. 188.

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O direito à igualdade, previsto no art. 5º, caput, do texto consti-


tucional brasileiro, é expressão do princípio da dignidade humana (art.
1º, III, CRFB). Em não sendo uma realidade empírica, mas uma meta a
ser cumprida, a declaração jurídica da igualdade requer que [os cidadãos
e cidadãs] se comprometam a substituir privilégios de nascimento pelo
princípio de “uma lei geral para todos, conhecida por todos e elaborada por
todos” (VARIKAS, 2009, p. 116).
O direito à igualdade exerce dupla função na regulamentação da
relação de trabalho: de um lado, regula a relação do Estado com todos
os sujeitos laborais (sujeitos detentores da mão de obra e do capital),
individuais e coletivos e assim assegura um tratamento igualitário por
parte dos poderes públicos no exercício de suas funções legislativa
(igualdade na lei), executiva e jurisdicional (igualdade perante a lei). E,
de outro, regula a relação entre particulares, ao garantir que a pessoa
trabalhadora não seja discriminada dentro da organização produtiva
desde a etapa pré-contratual (admissão) até o término da relação
jurídica (dispensa).
O princípio da igualdade limita a atuação estatal normativa e de
aplicação do direito, assim como limita a autonomia coletiva. Todo e
qualquer recorte, seja constitucional ou infraconstitucional, ao direito
à igualdade na lei e perante a lei necessita, desse modo, responder de
forma positiva ao teste de proporcionalidade. O respeito ao princípio
da proporcionalidade (ARAÚJO, 2006) exige a comprovação de que
a medida de tratamento desigual prevista na norma seja necessá-
ria, adequada e proporcional. Resumidamente, ela deve ser necessária
como medida para atender outro direito fundamental, deve corres-
ponder a um instrumento, mecanismo ou providência idôneo a atingir
a finalidade a que se propõe e deve ser na exata medida da necessidade
de restrição ao direito à igualdade, ou seja, não pode produzir um
resultado excessivamente gravoso ao indivíduo tratado de maneira
desigual e desfavorável. A aplicação do princípio da proporcionalidade
deve, consequentemente, buscar o máximo de efetividade dos direitos
fundamentais em conflito.
Esse direito fundamental, além de sua vertente negativa antes
exposta, possui uma vertente positiva, ou seja, traz em seu bojo uma
perspectiva programática ou impositiva, em que o Estado deverá adotar

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providências visando cumprir a meta de proteção, promoção e realiza-


ção concreta de uma vida com dignidade para todos. Essa obrigação pode
se expressar por meio de políticas públicas para proteção do mercado
de trabalho ou fomento à empregabilidade de determinados grupos,
como em ações promocionais de particulares.

3. O princípio da não discriminação e ações afirmativas

Tomando-se por base a Convenção n. 111 da OIT (Decreto n.


10.088/2019, Anexo XXVIII), discriminação é toda distinção, exclusão
ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascen-
dência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar
a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou
profissão; bem como, qualquer outra distinção, exclusão ou preferência
que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou
tratamento em matéria de emprego ou profissão que poderá ser especificada
pelo Membro interessado depois de consultadas as organizações represen-
tativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros
organismos adequados. Esta norma apenas excepciona as situações em
que as exclusões ou preferências sejam fundadas em qualificações
exigidas para um determinado emprego.
O direito se opõe às condutas discriminatórias arbitrárias, que apro-
fundam ou perpetuam desigualdades históricas e sociais, como observa-
mos no seguinte conceito: discriminação é a conduta pela qual nega-se à
pessoa tratamento compatível com o padrão jurídico assentado para a situação
concreta por ela vivenciada (GODINHO, 2000, p. 97). O direito à não
discriminação é, portanto, um desdobramento do direito à igualdade, com
um juízo de valor mais severo e consequências mais graves.
As normas antidiscriminatórias tutelam em particular as próprias
diferenças, físicas ou não, que são alheias à vontade do indivíduo, tais
como o sexo, a raça, a etnia, entre outros, ou advindas da manifestação
do exercício de um direito humano, tais como o estado civil, a religião,
a mobilidade, entre outras. Conforme a medida adotada, essas normas
também podem ser repressivas, compensatórias ou promocionais e
têm em comum a finalidade de minimizar os efeitos jurídicos, sociais e
econômicos da diferença.

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O princípio da igualdade e da não discriminação serve como


parâmetro hermenêutico às normas jurídicas. Na análise de um caso
de discriminação, portanto, o jurista ou agente público (juiz, promotor,
administrador público) deverá exigir da autoridade ou pessoa física ou
jurídica que justifique de maneira consistente o ato de discriminar ou
diferenciar de forma desfavorável ou prejudicial ao sujeito tutelado. A
legitimação do ato investigado requer fundamentação densa e consistente,
que extrapole a mera alegação, bem como a prova da razoabilidade da
diferença a fim de comprovar a não arbitrariedade da medida.
No caso de ações afirmativas, o investigado deve comprovar
a situação estrutural desfavorável (por exemplo, baixa representatividade
de negros em cargos de mando e gestão), a vinculação entre a medida
promocional adotada e a meta de desigualdade a ser superada (por
exemplo, capacitação específica para pessoas negras contratadas ou
reserva de vagas para determinada função) e, se já tiver passado o prazo
de incidência da ação afirmativa, os objetivos alcançados. Deve-se buscar
demonstrar que a medida se distancia de situações de discriminação
odiosa.
A discriminação odiosa pode ser classificada em direta ou indireta.
A discriminação indireta configura uma fraude jurídica, enquanto a
discriminação direta, ou seja, aquela que o autor do ato, no exercício
legítimo de um direito intencionalmente macula sua execução pela
prática de uma finalidade claramente escusa, configura abuso de direito. A
discriminação indireta é mais complexa, vez que a fraude à lei consiste:

em se praticar o ato de tal maneira que eventualmente possa ser aplica-


da outra regra jurídica e deixar de ser aplicada a regra jurídica fraudada.
Aquela não incidiu, porque incidiu essa; a fraude à lei põe diante do juiz o
suporte fático, de modo tal que pode o juiz errar. A fraude à lei é infração
à lei, confiando o infrator em que o juiz erre. O juiz aplica a sanção, por ser
seu dever de respeitar a incidência da lei (=de não errar) (RESP 149-PI)4.

4 RESP 149-PI, Relator Min. Henrique Neves da Silva, sessão 4.8.2015, a citação contém
a seguinte referência: MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado, Ed. Bookseller, 1ª
ed., 1999, vol. 1, pág.98 e 96, respectivamente. De maneira mais clara, José Jairo Gomes
argumenta que “haverá abuso sempre que, em um contexto amplo, o poder – não importa a
sua natureza – for manejado com vistas à concretização de ações irrazoáveis, anormais, inu-
sitadas ou mesmo injustificáveis diante das circunstâncias que se apresentarem e, sobretudo,
ante os princípios agasalhados no ordenamento jurídico. Por conta do abuso, ultrapassa-se o

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A demanda pautada em discriminação indireta se funda na


demonstração pela vítima da situação aparente de discriminação, que
pode se valer da utilização de provas estatísticas – sempre que os dados
que aportem sejam significativos, superando “fenômenos meramente
fortuitos e conjunturais” –, e requer a inversão do ônus da prova quanto à
causa e à pertinência da medida impugnada (CASAS BAAMONDE, 2006,
p. 46). A atenção do aplicador nesse caso deve se voltar aos resul-
tados da medida, sendo irrelevante a intenção discriminatória (LEITE,
2006, pp. 13 e 14).
Reforçando-se, mais uma vez a diferença, na discriminação indireta
(fraude à lei), usa-se irregularmente a autonomia privada, enquanto na
discriminação direta (abuso de direito), exerce-se, irregularmente, o direito
(RESP 149-PI).
Em resumo, para alcançar a igualdade jurídica, faz-se necessá-
rio reconhecer e tratar juridicamente as diferenças entre pessoas –
gênero, etnia, deficiência, ideologia, profissão de fé, entre outros – com
a finalidade de calibrar a relação de forças entre os grupos dominantes
e dominados, a qual repousa em construções sociais, práticas, tradições
e que podem estar consolidadas e reproduzidas por normas jurídicas. A
legitimidade da ação afirmativa está na fundamentação densa e consisten-
te, que extrapole a mera alegação, bem como a prova da razoabilidade
da diferença a fim de comprovar a não arbitrariedade da medida.

4. O tratamento de dados pessoais sensíveis no contrato de


trabalho e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)

A Lei 13.709, de 14 de agosto de 2018, dispõe sobre o tratamento


de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou
por pessoa jurídica de Direito público ou privado, com o objetivo de
proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre
desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. Ela tem como

padrão normal de comportamento, realizando-se condutas que não guardam relação lógica
com o que normalmente ocorreria ou se esperaria que ocorresse. A análise da razoabilidade
da conduta e a ponderação de seus motivos e finalidades oferecem importantes vetores para a
apreciação e o julgamento do evento” (RESP 149-PI, Relator Min. Henrique Neves da Silva,
sessão 4.8.2015.)

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fundamento o respeito à privacidade, a autodeterminação informativa,


a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião,
a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem, os direitos
humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o
exercício da cidadania pelas pessoas naturais. Esta lei, portanto, tutela a
pessoa individual contra o mau uso de seus dados pessoais.
Esta lei se aplica a qualquer operação de tratamento realizada
por pessoa natural ou por pessoa jurídica de Direito público ou priva-
do, independentemente do meio, do país de sua sede ou do país onde
estejam localizados os dados, em atividade de tratamento tenha por
objetivo a oferta ou o fornecimento de bens ou serviços ou o tratamento
de dados de indivíduos localizados no território nacional (art. 3º, II).
Portanto, essa norma se aplica às relações de trabalho executadas ou
que envolvam trabalhadores subordinados ou não, aprendizes e estagi-
ários que estão localizados em território brasileiro.
Para fins da lei considera-se dado pessoal, a informação relacionada
à pessoa natural identificada ou identificável (art. 5º, I) e dado pessoal
sensível, aquele que trata da origem racial ou étnica, convicção religiosa,
opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso,
filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado
genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural (art.
5º, II).
A coleta, tratamento e armazenamento dos dados pessoais,
segundo a lei, tem como fundamento geral o consentimento do titular.
A regra geral pode ser excepcionada nos casos de cumprimento de
obrigações legais. Tendo em vista o contrato de trabalho (aprendizagem,
estágio, prestação de serviços) envolver inúmeras obrigações legais
que podem se relacionar com aspectos sensíveis da personalidade do
trabalhador ou trabalhadora – como, por exemplo, a tutela à saúde, à
condição de gestante, entre outros –, tem-se que a situação do contrato
de trabalho vigente autoriza a coleta e tratamento de dados de traba-
lhadoras e trabalhadores com base no art. 7º, II, da LGPD.
De toda sorte, o tratamento de dados pessoais no contrato de
trabalho deverá observar a boa-fé e os princípios da finalidade, ade-
quação, necessidade, livre acesso, qualidade, transparência, segurança,

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prevenção, não discriminação, responsabilização e prestação de contas


(art. 6º e art. 7º, § 6º, LGPD). O princípio da finalidade requer que a
realização do tratamento de dados pessoais tenha propósitos legítimos,
específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de
tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades, e o
princípio da adequação exige a compatibilidade desse tratamento com
as finalidades informadas ao titular, de acordo com o contexto do
tratamento. O princípio da necessidade limita o tratamento dos dados
pessoais ao mínimo necessário para a realização de suas finalidades,
com abrangência dos dados pertinentes, proporcionais e não excessivos
em relação às finalidades do tratamento de dados. O princípio que
atende à qualidade dos dados, garante, aos titulares, a exatidão, clare-
za, relevância e atualização dos dados, de acordo com a necessidade
e para o cumprimento da finalidade de seu tratamento. O princípio
de transparência assegura, aos titulares, que as informações sobre sua
pessoa, contidas nos bancos de dados, sejam claras e precisas, bem
como que o titular tenha fácil acesso a informações sobre a realização
do tratamento e os respectivos agentes de tratamento, observados os
segredos comercial e industrial. E o princípio de não discriminação:
impossibilita a realização do tratamento para fins discriminatórios ilíci-
tos ou abusivos. Todos esses princípios estão associados ao princípio da
responsabilização e prestação de contas que obriga à demonstração,
pelo agente, da adoção de medidas eficazes e capazes de comprovar a
observância e o cumprimento das normas de proteção de dados pessoais
e, inclusive, da eficácia dessas medidas.
De todo esse conjunto normativo, extrai-se que a LGPD em
nenhum momento se contrapõe a medidas voltadas à superação das
desigualdades sociais de grupos vulneráveis. Qualquer previsão expressa
nesse sentido seria inconstitucional, como vimos no início desse trabalho,
e inconvencional, pois, vale lembrar, que o princípio da igualdade está
previsto no artigo 24 da Convenção Americana e proíbe a discriminação
de direito ou de fato, não apenas quanto aos direitos contidos na
Convenção, mas no que respeita a todas as leis promulgadas pelo Estado
e sua aplicação. Como afirma a Corte Interamericana de Direitos
Humanos (órgão jurisdicional ao qual compete aplicar as disposições da
Convenção Americana em face dos Estados Partes, incluindo o Brasil,
que expressamente reconheceu sua jurisdição em 10 de dezembro de
1998):

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334. (...), se um Estado discrimina no que tange ao respeito ou à garantia


de um direito convencional, descumpriria a obrigação estabelecida no ar-
tigo 1.1 e o direito substantivo em questão. Se, por outro lado, a discrimi-
nação se refere a uma proteção desigual da lei interna ou de sua aplicação,
o fato deve ser analisado à luz do artigo 24 da Convenção Americana, em
relação às categorias protegidas pelo artigo 1.1 da Convenção.
335.De outra parte, a Corte estabeleceu que o artigo 1.1 da Convenção é uma
norma de caráter geral, cujo conteúdo se estende a todas as disposições do
tratado, e dispõe sobre a obrigação dos Estados Parte de respeitarem e garan-
tirem o pleno e livre exercício dos direitos e liberdades ali reconhecidos “sem
discriminação alguma”. Isto é, qualquer que seja a origem ou a forma assumida,
qualquer tratamento que possa ser considerado discriminatório em relação
ao exercício de um direito garantido na Convenção será, per se, incompatível
com a mesma. O descumprimento da obrigação geral de respeitar e garan-
tir os direitos humanos por parte do Estado, através de qualquer tratamento
discriminatório, gera sua responsabilidade internacional. Por esta razão existe
um vínculo indissolúvel entre a obrigação de respeitar e garantir os direitos
humanos e o princípio de igualdade e não discriminação. A este respeito, a
Corte destaca que diferentemente de outros tratados de direitos humanos, a
“posição econômica” da pessoa é uma das causas de discriminação proibidas
pelo artigo 1.1 da Convenção Americana.
336. A Corte indicou que “os Estados devem se abster de realizar ações as
quais, de qualquer maneira, estejam dirigidas, direta ou indiretamente, a criar
situações de discriminação de jure ou de facto”. Os Estados estão obrigados
“a adotar medidas positivas para reverter ou alterar situações discri-
minatórias existentes em suas sociedades, em prejuízo de determina-
do grupo de pessoas. Isso significa o dever especial de proteção que o
Estado deve exercer com respeito a atuações e práticas de terceiros
que, sob sua tolerância ou aquiescência, criem, mantenham ou favo-
reçam as situações discriminatórias”. (grifo meu)

Portanto, a LGPD deve ser interpretada de modo a compatibilizar


a proteção de dados pessoais e a coleta de dados pessoais sensíveis
voltados à promoção de ações afirmativas para determinados grupos
vulneráveis. E, certamente, um olhar mais atento revela que em nenhum
momento a LGPD objetiva impedir, de forma abstrata, a coleta de
dados sensíveis nas relações contratuais. A finalidade da lei é impedir
a prática de discriminação odiosa, a invasão ilegítima da privacidade, a
restrição da liberdade ideológica, de expressão, entre outros.
A empresa, para fazer cumprir medidas promocionais, deverá
inicialmente realizar um censo interno para saber o perfil de seus

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profissionais a fim de identificar os gargalos para a promoção da igualdade


de oportunidades e eliminação da discriminação em relação a determinado
grupo social, seja pessoa com deficiência, mulheres trans ou cisgênero,
pessoas idosas, entre outros. Por exemplo, deverá fazer um levantamento
nos seus quadros quanto ao número de pessoas brancas, negras, indígenas,
idosas, transgêneras, pessoas com ou sem deficiência, entre outras, e
as funções ocupadas a fim de apurar o cumprimento da reserva de
vagas para fins de acesso ao trabalho. Se a finalidade for a promoção
da carreira desses profissionais, deverá realizar o censo para identifi-
car o perfil dos profissionais nas diversas funções e níveis das carreiras
dentro do organograma da empresa. Essa iniciativa é obrigatória para
poder definir a ação a ser implementada e, ao final do processo, avaliar
a efetividade das ações adotadas, independente do público para o qual
se dirige. Não é possível pensar em ações afirmativas sem essa coleta
inicial de dados pessoais sensíveis, nem sem o tratamento dos dados ao
longo do processo.
Deve-se, porém, fazer uma distinção entre as ações afirmativas
previstas em lei (art. 93 da Lei n. 8.213/91) e aquelas adotadas de forma
espontânea por empresas em programas de incentivo à diversidade no
ambiente de trabalho. As ações afirmativas previstas em lei dispensam
o empregador de solicitar consentimento expresso da trabalhadora ou
trabalhador contratado para a coleta de dados pessoais voltados à
comprovação do cumprimento de obrigação legal, como é o caso da
cota da pessoa com deficiência e reabilitados da previdência social (art.
93, Lei n. 8.213/91). Já as ações afirmativas destinadas à promoção da
empregabilidade de grupos vulneráveis específicos que atendem a nor-
mas gerais (como, por exemplo, o Estatuto da Igualdade Racial ou da
Pessoa Idosa), a autorização da empresa em fazer o levantamento geral
entre os trabalhadores já contratados decorre também de obrigação
legal, mas para os grupos beneficiados, penso ser prudente obter o
consentimento expresso e específico do titular dos dados pessoais sen-
síveis, com indicação do objetivo da iniciativa, para demonstrar a ausência
de prática discriminatória vedada em lei. A empresa ou empregador
deverá sempre ser comedido na coleta de dados sensíveis, observando
em suas ações a estrita necessidade de acesso a esses dados, tanto em
relação à qualidade, como à quantidade.

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Lembrando sempre, que os dados pessoais coletados e tratados


com essa finalidade devem ficar armazenados pelo período necessário
à comprovação do cumprimento da ação afirmativa, inclusive perante au-
toridades públicas. No caso, recomenda-se o armazenamento desses
dados pessoais sensíveis pelo período de cinco anos para os trabalha-
dores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do
contrato de trabalho (art. 7º, XXIX, CRFB).

5. Conclusão

A Lei Geral de Proteção de Dados não impede a coleta, tratamento


e armazenamento de dados pessoais sensíveis de trabalhadoras e tra-
balhadores quando tiverem por objetivo a superação de desigualdades
sociais de grupos vulneráveis por meio de ações afirmativas. Há que se
observar, em seu tratamento, os princípios previstos nessa lei quanto
à boa-fé contratual, finalidade, necessidade, adequação, transparência,
qualidade dos dados, não discriminação, responsabilização e prestação
de contas, tanto para os dados coletados e tratados com o objetivo
de fazer cumprir obrigação legal como para iniciativas espontâneas de
promoção da diversidade no ambiente de trabalho. A distinção entre
essas duas situações repousa apenas no fundamento para a coleta de
dados: se a obrigação está prevista em lei, dispensa-se o consentimento
expresso do titular; se a iniciativa está assentada em norma geral ou
programa espontâneo e interno da empresa, deve-se buscar o con-
sentimento expresso do titular do dado sensível a ser beneficiado com
indicação do objetivo a ser alcançado pela ação afirmativa.

6. Referências

ARAÚJO, Ângela Soares. Princípio da proporcionalidade como instrumento de deci-


são judicial. In Ambito Juridico, 31.03.2006. Disponível em: http://www.ambito-juri-
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CASAS BAAMONDE, Maria Emilia. Igualdad y diferencia en la regulación jurídica del


trabajo de la mujer. In: A igualdade dos gêneros nas relações de trabalho. [PENIDO]
(coord.). Brasília: ESMPU, 2006

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CHAUI, M. Sobre a Violência. ITOKAZU, E; CHAUI-BERLINK, L. [orgs.]. 1. Ed. Belo


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CORTINA, Adela. Las fronteras de la persona. El valor de los animales, la dignidad de los
humanos. Madrid, Taurus, 2009

DE KONINCK, Thomas. De la dignidad humana. Madrid, Dykinson, 2006

GODINHO, Mauricio. Proteções contra discriminação na relação de emprego. In:


Discriminação. [VIANA. RENAULT] (coords.). São Paulo: Editora LTr, 2000

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gêneros nas relações de trabalho. [PENIDO] (coord.). Brasília: ESMPU, 2006

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jo. Navarra, Thomson Civitas, 2005

VARIKAS, Eleni. Igualdade. In: Dicionário crítico do feminismo. HIRATA [et al.] (orgs.).
São Paulo: Editora UNESP, 2009

16
lgpd e compliance trabalhista

Canal de denúncias e anonimato: novas


discussões sobre a possibilidade de revelação
da identidade do denunciante em caso de falso
relato
MARCELA CIOCCIA NEVES5

É certo que, no meio empresarial e público, bem como com o


incremento de legislações relacionadas ao Compliance e integridade
corporativa, tornou-se um dos pilares fundamentais a implementação e
existência de um ou mais canais de denúncias para auxiliar o poder diretivo
a solucionar problemas e prevenir condutas ilegais e/ou antiéticas, riscos e
contingências com antecedência, além de ocasionar em diferencial compe-
titivo e alinhamento da imagem da empresa às expectativas dos stakehol-
ders. “Então, a criação do canal de denúncias nas empresas transformará essas
pessoas em grandes aliadas para a detecção de problemas e, assim, elas serão
capazes de contribuir significativamente para o sucesso de todo o Sistema de
Compliance” (MISALE; PROENÇA, 2019).
De fato, vem-se conferindo preferência por canais de denúncia
que ofereçam a opção do anonimato ao denunciante, de modo a evitar
retaliações ou exposições desnecessárias durante e após as investiga-
ções internas. Com efeito, tal predileção decorre, inclusive, de previ-
são legal, de modo que o inciso X do art. 42 do Decreto n° 8.420/15
dispõe que um dos parâmetros para efetividade do Programa de Inte-
gridade é que o canal proporcione “mecanismos destinados à proteção
de denunciantes de boa-fé”.
Podemos inferir que o incentivo à denúncia de irregularidades,
bem como a existência de um mecanismo que viabiliza tal procedimento, são

5 Advogada autônoma e assistente no Departamento Jurídico da Transbrasiliana Conces-


sionária de Rodovia S.A. Graduada em Direito pelo Unisalesiano de Lins, foi professora
na ETEC de Lins nos cursos técnicos de Serviços Jurídicos, Marketing e Administração.

17
lgpd e compliance trabalhista

algumas das “exigências” previstas pela legislação anticorrupção


brasileira, conforme artigo 7º, VIII, da Lei nº 12.846/2013.
De acordo com a Portaria nº 909/2015 da Controladoria Geral
da União, na avaliação de programas de integridade das pessoas jurídicas,
formalizados via relatório de perfil e de conformidade, em síntese,
deverão ser observados critérios inerentes ao porte e à especificidade
da empresa, estrutura, funcionamento e atuação do programa de
compliance.
No âmbito da aplicação de penalidades, a Lei leva em consideração
na hora da aplicação das sanções e para dosar o valor da multa, “a exis-
tência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e
incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de
ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”, ou seja, um Programa
de Compliance Efetivo e um Canal de Denúncias externo podem reduzir
de 1% a 4% no caso de condenação de multa, segundo o Decreto
8.420/2015.
Ainda, a Lei n° 13.303, de 30/06/2016, que dispõe sobre o
estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista
e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, por sua vez, determina que:

“Art. 9º. A empresa pública e a sociedade de economia mista adotarão


regras de estruturas e práticas de gestão de riscos e controle interno que
abranjam: […] § 1º. Deverá ser elaborado e divulgado Código de Conduta
e Integridade, que disponha sobre:[…] III – canal de denúncias que pos-
sibilite o recebimento de denúncias internas e externas relativas ao des-
cumprimento do Código de Conduta e Integridade e das demais normas
internas de ética e obrigacionais; IV – mecanismos de proteção que im-
peçam qualquer espécie de retaliação a pessoa que utilize o canal
de denúncias”. (grifo nosso)

Um dos critérios para a avaliação dos programas de integridade é


a existência de: “canais de denúncia de irregularidades, abertos e ampla-
mente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à
proteção de denunciantes de boa-fé”.
Podemos inferir que o incentivo à denúncia de irregularidades,
bem como a existência de um mecanismo que viabiliza tal procedimento,

18
lgpd e compliance trabalhista

são algumas das “exigências” previstas pela legislação anticorrupção


brasileira, conforme artigo 7º, VIII, da Lei nº 12.846/2013. E, no âmbito
de um programa de compliance, o aludido “mecanismo” se reveste na
forma de canal de denúncia.
Contudo, uma das preocupações antigas, mas que vem ganhando
destaque, é a má utilização por terceiros ou pelos próprios colabora-
dores do anonimato conferido pelo canal de denúncias. É certo que,
por mais que o sistema de Compliance empresarial e conscientização
dos funcionários e fornecedores com relação a eventuais Códigos
de Conduta, Políticas Anticorrupção e demais normativos internos/
externos, é certo que sempre existirá o risco de atribuição de fatos
danosos falsos à figura de outros trabalhadores, gestores e/ou alta
cúpula da empresa.
Defensores da possibilidade de manter o anonimato sob qualquer
circunstância (inclusive, se apurado ao final que a denúncia era infun-
dada), alegam que cabe ao organismo privado ou público implementar
maneiras de evitar tais situações, tal como (i) contratação de agente
externo independente para receber e realizar a primeira análise ob-
jetiva da denúncia, além de conseguir retornar ao denunciante com a
conclusão das apurações internas; (ii) implementação de processo de
investigação eficiente e célere, com indicação das pessoas corretas para
cuidar de cada tipo de denúncia; (iii) divulgação dos canais de denúncia
e conscientização das partes interessadas com relação aos regramentos
internos e externos, assim como a necessidade da conformidade de sua
conduta frente a tais dispositivos sob pena de sanção; (iv) controle, pelo
comitê de ética, do andamento de cada relato, além de departamentos
estratégicos da empresa no que se refere à segurança da informação;
(v) incentivo às denúncias de irregularidades em razão da segurança no
que tange a represálias conferida pelo anonimato e confidencialidade;
e, por fim, mas sem se limitar, (vi) designação de profissionais cons-
cientes sobre os limites que a legislação trabalhista apresenta para tal
investigação para que, “na prática, a empresa não realize procedimentos
inadequados e/ou juízo de valor equivocado de condutas de seus emprega-
dos, trazendo futuras Reclamações Trabalhistas com vultosos pleitos de da-
nos morais e reversões de justas causas que venham a ser, erroneamente,
aplicadas” (GIMENEZ, 2017, p. 02).

19
lgpd e compliance trabalhista

Todavia, não é viável desconsiderar completamente os impactos ne-


gativos que uma denúncia anônima e infundada, com o objetivo único de
causar prejuízo ao investigado e à imagem da própria empresa e/ou órgão
público, podem acarretar. Esta é a linha mais recente de pensamento que
vem ganhando delimitações conforme o assunto avança no Brasil.
De fato, uma denúncia neste sentido pode levar a alegações de
danos morais por parte do colaborador, o que leva, inclusive, à formação
de passivo trabalhista à própria organização a depender da forma que
foi conduzida a apuração de tal relato. Em casos em que a denúncia
tenha sido erroneamente conduzida, de forma até mesmo a levar à
demissão por justa causa do empregado e reversão posterior junto ao
Poder Judiciário:

A denúncia pode causar prejuízos ao denunciante e a sua profissão, família,


religião, comunidade pela mera associação das mesmas com o denuncian-
te, sendo mencionado por alguns denunciantes que o impacto sobre seus
filhos foi comparável à radiação, muito difícil de medir, mas, potencialmente
muito prejudicial, podendo, essas consequências negativas, incluir impac-
tos devastadores, como perda de emprego, perda de segurança financeira,
perda do respeito mútuo de pares e superiores, perda de amizades, muito
estresse psicológico, ostracismo social e, até mesmo, perder a confiança
da família e dos entes queridos (JENSEN, 1987). Se por um lado, sem o
denunciante, a ‘verdade’ pode ficar escondida e desconhecida, por outro,
se os relatos do denunciante forem irresponsáveis e falsos, os direitos do
acusado podem ser violados (JENSEN, 1987). (...) A responsabilidade é
um elemento importante sobre o denunciado, tendo duas dimensões, uma
descritiva que se refere àqueles que causam algum dano, enquanto a outra
é normativa, que identifica aqueles que devem fazer algo a respeito (ELLIS-
TON, 1982). (AYRES, 2019, p. 25-26).

Neste sentido, avalia-se por esta corrente a possibilidade de


revogar o anonimato em caso de conclusão pela improcedência da
denúncia. Acrescenta-se, ainda, a esta viabilidade, considerações sobre
o nível de gravidade da imputação, impactos negativos na imagem e
vida pessoal do sujeito investigado e consequências práticas da deflagração
de apuração da suposta conduta irregular/ilegal, de modo a surgir, in-
clusive, ação judicial com fins de reclamar por indenização pelos danos
sofridos em face, inclusive, de seu empregador, pelo simples fato de ter
sido investigado.

20
lgpd e compliance trabalhista

Traçando um paralelo com dois princípios, um de natureza jurídica traba-


lhista e outro na seara contábil, quais sejam, a “primazia da realidade” e da
“essência sobre forma”, valoriza-se a tese de que: os fatos se sobrepõem
sobre aquilo que consta em documentos, instrumentos, formulários pactu-
ados solenemente etc.; e a prevalência dos valores sobre as regras formais
(FUJINO, 2021).

Rememora-se, ainda, nestes casos, a hipótese de, em paralelo, o


funcionário lesado buscar a identidade do denunciante para imputar-lhe
o crime de calúnia, com tipificação no art. 138 do Código Penal, difamação,
prevista no art. 139 do Código Penal, ou de injúria, disposto no art. 140
do mesmo Codex. Nestes casos, pode ocorrer de haver solicitação do
órgão público responsável pela apuração, inclusive, chamando o repre-
sentante da pessoa jurídica para testemunhar.
Dessa forma, a corrente defensora em revogar o anonimato con-
ferido a denunciante que imputa relato falso pauta-se nesta possibilida-
de através de previsão no próprio Código de Ética e Conduta, alertando
e impondo sanções àqueles funcionários que utilizarem o canal de de-
núncias com má-fé e objetivando retaliação de outro colaborador e/ou
gestor.
É certo que tal corrente esbarraria em alguns princípios básicos
do Compliance Corporativo, além de conter a necessidade ainda precípua
de verificar os impactos de revogar o anonimato frente à Lei Geral de
Proteção de Dados Pessoais – LGPD (Lei nº 13.709, de 14 de agosto
de 2018).
De qualquer modo,

É importante destacar que a empresa precisa julgar a situação de maneira


justa e definir medidas cabíveis. Não se pode usar essa estratégia com
outras finalidades, senão a justiça, lealdade e compromisso do Sistema
Compliance da organização. (...) Ou seja, é primordial assegurar que as
medidas não sejam utilizadas para culpar injustamente alguém nem para
que elas sejam brandas ou de caráter protecionistas para proporcionar
vantagens (LEC, 2021).

Noutro passo, destaca-se também a necessidade da documentação


e mantença dos registros advindos da investigação para apresentação
em eventual processo judicial intentado pelo funcionário supostamente

21
lgpd e compliance trabalhista

lesado. Isso inclui, dentre outros documentos, colheita de assinaturas


em Termo de Confidencialidade de testemunhas, registros das medidas
internas adotadas de investigação, implementação de melhorias nos
fluxos de trabalho da organização, etc.
Deste modo, restam expostas objetivamente cada linha de en-
tendimento no que se refere às novas discussões sobre a possibilidade de
revelação da identidade do denunciante em caso de falso relato realizado
através do canal de denúncias da empresa. Frisa-se que este artigo não
busca, em poucas linhas, esgotar o assunto, que ainda engatinha em
aprimoramentos práticos, legais e regulamentares junto às organizações
privadas (ou, até mesmo públicas, quando não há norma específica nes-
te sentido), de modo que aguarda-se novos posicionamentos conforme
o grau de maturidade sobre o assunto ganha relevo.

1. Referências
AYRES, Rosângela Mesquita. Contabilidade e whistleblowing: influência das lógicas
institucionais sobre a intenção de denúncia por profissionais. Rio de Janeiro: Universidade
Federal do Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: https://www.researchgate.net/profile/
Rosangela-Ayres/publication/344842766_12--Tese_Rosangela-M-Ayres_2019/links/5f92
ef8f458515b7cf96de81/12--Tese-Rosangela-M-Ayres-2019.pdf Acesso em: 22 fev. 2021.

FUJINO, Nelson Kenzo Gonçalves. A efetividade do programa de compliance


sob a óptica do canal de denúncia. Revista Consultor Jurídico, 23 jan. 2021. Dis-
ponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jan-23/fujino-compliance-optica-canal-
-denuncia Acesso em: 22 fev. 2021.

GIMENEZ, Beatriz Angela De Lima. O programa de compliance e os limites sob


a ótica trabalhista da condução de investigação interna sobre preocupações
reportadas em face de empregados da própria empresa. Disponível em: http://
dspace.insper.edu.br/xmlui/bitstream/handle/11224/2355/BEATRIZ%20ANGELA%20
DE%20LIMA%20GIMENEZ_Trabalho.pdf?sequence=1 Acesso em: 22 fev. 2021.

LEC – LEGAL ETHICS COMPLIANCE. Canal de denúncias nas empresas: qual a


importância e como criar? Disponível em: https://lec.com.br/blog/canal-de-denun-
cias-nas-empresas-qual-a-importancia-e-como-criar/ Acesso em: 22 fev. 2021.

MISALE, Guilherme Teno Castilho; PROENÇA, José Marcelo Martins. Siste-


ma de compliance e canal de denúncias: A denúncia de boa-fé fortalecen-
do a conformidade empresarial. JOTA Info, 23 jul. 2019. Disponível em: www.
jota.info/opiniao-e-analise/artigos/sistema-de-compliance-e-canal-de-denuncias-
-23072019?amp=1#sdfootnote2sym Acesso em: 22 fev. 2021.

22
lgpd e compliance trabalhista

Impactos da LGPD e Compliance na


gestão de risco da terceirização
ADRIANO DUTRA DA SILVEIRA6

A terceirização é uma ferramenta de gestão consolidada no meio


empresarial.
No meio jurídico, por sua vez, esta prática somente passou a ter
base legal específica a partir da alteração o texto da Lei n. 6.019/74 (por
meio das leis 13.429/17 e 13.467/17), que passou a regular as relações
relativas ao trabalho temporário e as relações oriundas da prestação de
serviços, ou seja, a chamada terceirização.
A respeito, cabe citar ainda que, em 30 de agosto de 2018, o
Supremo Tribunal Federal (STF) firmou o entendimento, no julgamento
da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324
e do Recurso Extraordinário (RE) 958252, com repercussão geral reco-
nhecida, de que é lícita a terceirização em todas as etapas do processo
produtivo, sejam atividades-meio ou fim. A tese de repercussão ge-
ral aprovada no RE foi a seguinte: “É lícita a terceirização ou qualquer
outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas,
independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a
responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.
Diante do cenário acima, o mercado finalmente passou a ter
segurança jurídica para a contratação de serviços e se verifica um incre-
mento da terceirização.
Porém, se por um lado a prática está regulamentada, por outro
há necessidade da adoção de medidas preventivas e de rotina, visando
evitar passivo trabalhista oriundo da prática inadequada da terceirização.

6 Advogado, consultor de empresas e palestrante, formado pela PUC-RS, com especializa-


ção em Gestão Empresarial pela UNISINOS e em Psicologia Positiva pela PUC-RS. Coau-
tor e organizador, dentre outras obras, do livro Gestão de Risco da Terceirização – LTr
(2021) – 3ª Edição.

23
lgpd e compliance trabalhista

Um dos pontos de atenção é evitar o risco de vínculo de emprego.


A respeito ratifico o entendimento que firmei no livro Perguntas e
respostas sobre a lei da reforma trabalhista (CALCINI, 2019), no qual
tive a honra de colaborar:

(...) é legítima a terceirização de qualquer atividade, inclusive a principal,


que seja realizada mediante a contratação de uma empresa especialista,
com autonomia na gestão dos seus recursos humanos, ou seja, desde que
não haja requisitos de vínculo de emprego entre os empregados da empresa
prestadora e a empresa contratante de serviços. (CALCINI, 2019, p. 196)

Outro ponto de atenção diz respeito ao fato de a legislação ter


validado a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, prevista
anteriormente na Súmula 331 do TST. A respeito, o parágrafo quinto
do Artigo 5º-A da Lei n. 6.019/74 prevê que “a empresa contratante
é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes
ao período em que ocorrer a prestação de serviços, e o recolhimento
das contribuições previdenciárias observará o disposto no  art. 31 da Lei
n. 8.212, de 24 de julho de 1991”.
Desta forma, para minimizar os efeitos dos potenciais passivos
oriundos da terceirização, as empresas adotam a prática da gestão de
risco da terceirização, também denominada gestão de terceiros, cujo
conceito é o seguinte:

A gestão de risco da terceirização consiste no monitoramento, por parte


da empresa tomadora de serviços, do cumprimento das obrigações traba-
lhistas, previdenciárias e de saúde e segurança do trabalho (SST) das em-
presas prestadoras de serviços em relação aos trabalhadores envolvidos
nas atividades contratadas (SILVEIRA, A. D, 2021, p.155).

Ou seja, a gestão de terceiros, é um modelo de gestão, amplamente


praticado, que visa a atuação preventiva na identificação de potenciais
passivos trabalhistas, previdenciários e de SST, com objetivo de corrigir
eventuais irregularidades durante a vigência do contrato de prestação
de serviços.
Com efeito, por meio da gestão de risco da terceirização a
empresa tomadora, de forma preventiva, monitora o cumprimento de
obrigações legais, contratuais e normativas entre a empresa tomadora
e prestadora, e entre a empresa prestadora seus colaboradores.

24
lgpd e compliance trabalhista

Neste cenário é possível verificar a necessidade de interação


entre a gestão de risco da terceirização e as políticas e práticas de
compliance da organização. Afinal, compliance significa justamente cum-
prir, agir de acordo com as leis, regras, políticas, dentre outras normas,
o que é aderente aos objetivos da gestão de terceiros.
A respeito, no livro Compliance e trabalho (Jobim, 2018), Rosana
Kim Jobim conclui:

(...) caso não houvesse o monitoramento/fiscalização, poucas violações ao


compliance seriam passíveis de identificação e, consequentemente, haveria
um aumento em condutas contrárias ao programa (JOBIM, 2018, p.65).

Com efeito é evidente que a gestão de terceiros, ao realizar o


monitoramento preventivo, do cumprimento de obrigações legais,
contratuais e normativas, por parte da empresa prestadora, deve ser
encarada como um instrumento de compliance.
Cito ainda, o entendimento da Sabrina Pezzi, que no livro Gestão
de Risco da Terceirização, no qual sou coautor e organizador (SILVEIRA,
A. D., 2021), refere:

Nesse sentido, é essencial uma visão abrangente de todos os aspectos que


envolvam a governança de terceiros, assegurando uma gestão estratégica e
eficiente dos riscos aos quais a organização esteja exposta, proporcionando um
adequado nível de conforto à administração (SILVEIRA, A. D., 2021, p.221).

A autora cita ainda a importância de uma visão sistêmica e do


alinhamento entre todos os atores, da empresa tomadora, envolvidos
na terceirização, na sua gestão de riscos e compliance:

A gestão de riscos no ambiente corporativo não é tarefa de uma ou de


outra área, e sim uma responsabilidade de todos. Em se tratando de terceiros,
é imprescindível o gerenciamento de riscos, observando-se as etapas do
processo de terceirização (SILVEIRA, A. D., 2021, p.221).

Porém, é importante registrar que a busca de sinergia, entre as


ações realizadas pelas diversas áreas da empresa, não é tarefa simples,
consistindo em um constante desafio, em especial, para empresas de
grande porte.

25
lgpd e compliance trabalhista

A uniformização de procedimentos, medidas de controle e o


cumprimento de políticas de compliance e de gestão de terceiros é um
diferencial, garantindo a aderência em relação à observância das re-
feridas normas em todas as unidades da empresa, seja no território
nacional ou internacional.
E, ao final, Sabrina Pezzi conclui:

Num cenário de muitos desafios e constante transformação das organizações,


o sucesso depende da integração de processos a partir da prática de uma
boa governança corporativa e gestão de riscos, com ênfase, neste caso,
aos riscos da terceirização. Estruturas e processos de governança corpo-
rativa não existem sem um sistema de fiscalização e controle que esteja
em constante evolução e aprimoramento, de modo a valorizar o negócio
(SILVEIRA, A. D., 2021, p.232).

Portanto, a gestão de risco da terceirização deve integrar as


estratégias, políticas e práticas de compliance da empresa tomadora de
serviços.
Nesta jornada, porém, surgiu um novo desafio que é a adaptação do
processo de gestão de terceiros às previsões da Lei Geral de Proteção
de Dados (LGPD – Lei n. 13.709/18), vigentes desde 18 de setembro
de 2020.
Diante dessa realidade, é muito importante que os contratos de
prestação de serviços e a política de terceirização possuam previsões
específicas, correlacionando a prática da gestão de risco da terceirização
com a observância dos requisitos da LGPD.
Conforme já referimos anteriormente, por meio da gestão de
terceiros a empresa tomadora de serviços recebe, analisa e arquiva
documentos cujos titulares dos dados são a empresa prestadora de
serviço ou seus colaboradores.
Nesse sentido, o primeiro ponto de atenção é o cumprimento
dos princípios elencados no artigo 6º da Lei n. 13.709/18, quais sejam,
finalidade, adequação, necessidade, livre acesso, qualidade dos dados,
transparência, segurança, prevenção, não discriminação, responsabilização
e prestação de contas.

26
lgpd e compliance trabalhista

Ou seja, o monitoramento do cumprimento de obrigações


trabalhistas e previdenciários, por meio do recebimento, verificação e
análise de documentos dos terceiros, deve estar alinhado aos princípios
citados anteriormente.
Ressalta-se, por oportuno, que é evidente o legítimo interesse
da empresa tomadora de serviços para realização da gestão de risco,
haja vista a previsão legal de responsabilidade subsidiária sobre even-
tuais passivos, aliada a necessidade de “vigiar” em razão da denominada
“culpa in vigilando”, bem como da existência de previsões contratuais
ajustando a prática.
É importante destacar que a gestão de risco da terceirização visa
resguardar a empresa tomadora em relação a eventual passivo, a
prestadora (que é titular de parte dos dados solicitados) e os próprios
profissionais alocados para a prestação de serviços (que também
figuram como titulares de dados). Afinal, uma vez identificado e corrigido
potencial descumprimento de normas trabalhistas, previdenciárias ou
de SST, todas as partes se beneficiam, em especial o trabalhador alocado
para a prestação dos serviços.
Porém, em que pese a legitimidade da empresa tomadora de
serviços, receber, analisar e arquivar documentos, para realização do
monitoramento do cumprimento de obrigações, existem outros
pontos de atenção a serem observados.
O segundo ponto de atenção diz respeito a observância do
chamado “princípio da minimização da coleta de dados”. Ou seja, na
gestão de terceiros há uma rotina periódica da entrega de documentos,
por parte das empresas prestadoras de serviço. Assim, é salutar a
revisão periódica desse “check list”, visando que seja solicitada a menor
quantidade de dados possíveis, a fim de garantir o equilíbrio entre os
objetivos da gestão de terceiros e os princípios e normas de proteção
de dados.
Um terceiro item de destaque é a necessidade de ajuste dos
contratos de prestação de serviços para que constem cláusulas garan-
tindo a legitimidade da gestão de terceiros como: a obrigação, forma e
prazos da entrega de documentação; a motivação; as regras de penali-
zação; as normas relativas a proteção de dados; e, quando necessário,

27
lgpd e compliance trabalhista

a previsão da necessidade de coleta das devidas autorizações dos


titulares dos dados.
Com efeito, é recomendável explicitar, no contrato de prestação
de serviços, que o recebimento e a análise de documentos visam ao
cumprimento da legislação, de obrigações do contrato de serviços, e
das políticas da empresa tomadora de serviços.
Em resumo, é essencial que a gestão de terceiros, na busca do
cumprimento de seus importantes objetivos, esteja aderente e adaptada
ao cumprimento dos princípios e normas da proteção de dados.
Por fim, resta evidente correlação direta entre as políticas e
práticas de compliance e a gestão de risco da terceirização. Afinal, a
gestão de terceiros é instrumento eficaz para a prevenção e regularização
de passivo, bem como de meio para cumprimentos de regras de
compliance.

1. Referências

CALCINI, Ricardo; MENDONÇA, Luiz Eduardo Amaral de. (Coords.). Perguntas e


respostas sobre a lei da reforma trabalhista. São Paulo: LTr, 2019.

JOBIM, R. K. Compliance e trabalho. Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018.

SILVEIRA, A. D. et al. Gestão de risco da terceirização. São Paulo: LTr, 2021.

28
lgpd e compliance trabalhista

LGPD, Compliance e Bioética: o que elas


têm em comum e como impactam nos
processos de contratações
ANA CAROLINA ROLIM7

1. Resumo

Com o advento da LGPD, ressalta-se que a aplicação dessa Lei


na relação trabalhista, abarca desde as fases anteriores à celebração do
contrato, como a coleta de informações sobre o candidato, o currículo,
o histórico, entre outros, até a execução do contrato de trabalho. As
novas tecnologias facilitam os processos de seleção na contratação de
novos colaboradores, contudo, observa-se que muitas vezes as empresas
têm ultrapassado o limite de necessidade ao investigar particularidades
da vida do trabalhador, invadindo a sua privacidade.
A ética é insubstituível para uma boa conduta nos processos, pois
ela tem a função de assegurar o bem-estar das pessoas, garantindo e
evitando possíveis danos que possam ocorrer aos seus interesses; o direito
ao respeito e a vontade, respeitando as crenças e valores de cada indiví-
duo, estão cada vez mais presentes no mundo corporativo, enfatizando
aqui os processos seletivos. A bioética é um campo de estudo mais
específico, no qual são abordadas questões de dimensões morais e
éticas, mesclando com diversas outras ciências.
O Compliance Trabalhista, é uma espécie de programa de Com-
pliance, diz respeito a adoção de programas que objetivem à adequação
e o respeito às leis trabalhistas, aos acordos e convenções coletivas, aos
regramentos internos da empresa, assim como as diretrizes internacionais

7 São 18 anos de vivência em Departamento de Pessoal (operacional e estratégico); Es-


pecialista em Direito do Trabalho pela PUC-RS; Especialista em DP e e-Social pela Nith
Treinamentos; Consultora Trabalhista e LGPD com foco em DP/RH; DPO (Encarregada
de Dados); Cofundadora do projeto “LGPD pra Você”; Militante do Movimento Nacional
do DP Estratégico, Humanizado e Valorizado.

29
lgpd e compliance trabalhista

de proteção do trabalhador, além da constante busca pela ética no


ambiente de trabalho.
O que a LGPD, o Compliance e a Bioética têm em comum e como
impactam diretamente nas contratações? Pilares que se apresentam cada
um com sua roupagem, mas que convergem para a mesma estrutura
semântica, que podemos chamar de regra, pois estabelece uma deter-
minação normativa muito clara, como o princípio da boa-fé! A boa-fé
rege todos os outros princípios.
Contudo, a tecnologia é primordial para um processo seletivo
mais célere, eficiente, embora apresente perigos, pois atualmente a
inteligência artificial e seus algoritmos complexos conseguem prever
se uma pessoa vai desenvolver uma doença ou anomalia, e isso traria
um impacto nos empregos, nas contratações, podendo causar sérios
problemas de discriminações. Precisamos refletir e impor limites para
preservação da nossa humanidade, nossos direitos fundamentais.
Desta forma, a empresa que procurar agir sempre em conformi-
dade, pautada na boa-fé, garante a convivência pacífica dentro das
organizações e entre elas, constitui o objetivo da ética, em sua forma
ideal e universal do comportamento humano, expressa em princípios
válidos para todo pensamento normal e sadio; além de minimizar os
riscos de eventuais autuações e consequente redução de custos.

2. Introdução

Em se tratando de pessoas (dados pessoais), a boa-fé é funda-


mental no equilíbrio dos interesses envolvidos, porque há o temor
produzido por não se conhecer quem os solicita, tampouco se tem
como avaliar os riscos advindos do que se fará com os dados coletados,
uma vez que podem ser usados de forma lícita, mas também de forma
ilícita, principalmente com o processo de digitalização acelerada que
vem ocorrendo no setor de Pessoal.

3. Desenvolvimento

Etimologicamente, o termo ética deriva do grego ethos que


significa modo de ser de uma pessoa, caráter. O termo é um conjunto
de valores morais e princípios que norteiam a conduta humana

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na sociedade. A ética serve para que haja um equilíbrio e bom fun-


cionamento social, possibilitando que ninguém saia prejudicado, prin-
cipalmente no que diz respeito às normas, valores, estímulos e regras
presentes na sociedade.
Ressaltamos aqui a bioética, que é uma nova área de conhecimento,
que não pertence a uma disciplina específica; ela foi criada para atender à
uma necessidade humana, e é justamente no encontro de diversas ciên-
cias, como uma ponte, para que dialoguem entre si, sobre os impactos
éticos do desenvolvimento tecnológico sobre a vida. Muitas vezes o
Direito não consegue ter uma resposta exata ou uma solução ideal;
precisamos ter um aprofundamento, ampliar mais os nossos conheci-
mentos, para enxergar além do aspecto dogmático, talvez buscar na
humanização, na empatia, no olhar frente ao outro, a bioética coloca
esses “dilemas” num espaço mais confortável para aquelas pessoas
envolvidas numa determinada situação.
No ambiente corporativo, diversas áreas da empresa têm
contato com dados pessoais alheios principalmente o setor de Pessoal,
como o próprio nome diz. Desse modo, promover uma reorganização
dentro da empresa para o tratamento dessas informações não é uma
tarefa fácil, porém essa visão estratégica, é extremamente necessária,
prevendo e prevenindo eventuais passivos.
Nesse sentido, o setor de Compliance, responsável por garantir
a conformidade com as normas legais, se mostra figura imprescindível
para as empresas em relação à LGPD.
Uma lei sólida e forte como a LGPD, além de ser uma trilha para
que os brasileiros sigam e tenham mais controle sobre o que é feito
com seus dados pessoais, significa construir um cenário de segurança
jurídica, com padronização de normas e procedimentos, para que o
empresariado se beneficie com igualdade de condições e também para
competir.
Afinal, em meio à economia digital e às novas tecnologias, perpe-
tuar desequilíbrios entre os níveis de proteção, nas diferentes esferas
(federal, estadual e municipal) e setores do mercado, só causaria mais
concorrência desleal e mais obstáculos ao desenvolvimento econômico
do país. Por outro lado, é justo que empregados, no papel de titulares

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de dados pessoais, exerçam seu legítimo direito estabelecido na LGPD,


de acordo com o capítulo III da Lei 13.709/2018.
Todavia, é necessário que os operadores do Direito envolvidos
se atentem para o contexto nacional e para os princípios que regem a
Lei. As condutas pautadas na boa-fé, já citadas anteriormente, devem
nortear a gestão de pessoas. O uso isolado de artigos da LGPD sem a
devida interpretação de acordo com a legislação vigente e com a lente
constitucional pode induzir a erro o julgador ou gerar posicionamentos
superficiais e equivocados. Cabe-nos, operadores do Direito, a respon-
sabilidade em usar a Lei com ética e sabedoria. As empresas vão precisar
incorporar essa cultura de proteção de dados e de privacidade. Isso
quer dizer não só entender os seus fluxos de dados, mas criar políticas
e processos específicos para que esse tratamento de dados pessoais
seja realizado em conformidade com a legislação.
“Agora a gente vai ter o chamado Compliance digital ou de proteção
de dados, que é trazer práticas internas para a conformidade com a LGPD.
Esse programa de governança precisa ter políticas específicas de como
tratar os dados pessoais dos clientes e dos empregados, determinar
as práticas da organização para compartilhamento desses dados, além de
especificar as medidas de segurança da informação que a empresa vai adotar”,
esclarece Palhares.
Contudo, estar em Compliance é estar em conformidade com a
legislação, o que torna importante adequar esse setor às normas da
LGPD.
A LGPD é uma ramificação do Compliance, e este é uma oportu-
nidade, uma necessidade e uma realidade.

4. Considerações Finais

Na medida em que no mundo contemporâneo a economia está


predominantemente organizada com base na iniciativa privada, torna-se
indispensável o comprometimento amplo das organizações com as
questões sociais. Hoje, política social e ambiente escapam do âmbito
do governo, tornando-se responsabilidade de organizações empresariais e
não governamentais. O compromisso das organizações empresariais é,

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hoje, muito mais amplo do que a própria relação emprego-empregador:


ele envolve questões raciais, de sexo, de distribuição de renda, manu-
tenção do meio ambiente, enfim, os problemas mais gerais que afligem
a sociedade.
Uma visão ética da empresa na pessoa humana impedirá de fazer
qualquer tipo de discriminação por uma visão preconceituosa de raça,
sexo, gênero, atuando com base no valor da dignidade da pessoa, a
empresa não definirá, por exemplo, uma política de contratação funda-
mentada nessas diferenças.
Por isso a importância da revisão nos processos e monitoramento
constante dos mesmos, embasado na boa-fé dos pilares e condutas em
comum mencionadas acima, em conformidade com a legislação, sem
perder a humanidade; sem perder o atendimento humanizado. Dados
são o maior ativo das empresas, consequente Pessoas são o maior ativo
das empresas.

5. Referências

FÜRST, Henderson. Bioética na Advocacia do Direito Médico: tudo o que


você precisa saber! GEN Jurídico, 2020. Disponível em: http://genjuridico.com.
br/2020/11/26/bioetica-na-advocacia-direito-medico/ . Acesso em: 08 fev. 2021.

SANTOS, Bárbara Evelyn Clemente Barreto. ÉTICA na relação de trabalho. Jus.


com.br, 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34917/etica-na-relacao-de-
-trabalho. Acesso em: 08 fev.2021.

SÁ, Antônio Lopes de. Ética Profissional. 6. Ed. São Paulo: Atlas, 2005.

LISBOA, Lázaro Plácido. Ética Geral e Profissional em Contabilidade. São Paulo:


Atlas, 1997.

SANTOS, Rafa. LGPD irá obrigar empresas a cuidar de informações contidas


nos currículos. Revista Consultor Jurídico. São Paulo, 28 de fevereiro de 2020. Dis-
ponível em: https://www.conjur.com.br/2020-fev-28/lgpd-obrigar-empresas-cuidar-
-dados-contidos-curriculos. Acesso em 20. fev. 2021.

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