Você está na página 1de 98

2

JOSÉ CARLOS NUNES

A MINHA PARÓQUIA
DE PAPEL

3
Pré-impressão:
PAULUS Editora
Impressão e acabamento:
Empresa do Diário do Minho, Lda.
Depósito legal:
ISBN: 978-972-30-1589-8
© PAULUS Editora, 2011
Rua D. Pedro de Cristo, 10
1749-092 LISBOA
Tel.: 218 437 620 – Fax: 218 437 629
editor@paulus.pt
Departamento Comercial
Estrada de São Paulo
2680-294 APELAÇÃO
Tel.: 219 488 870 – Fax: 219 488 875
comercial@paulus.pt
www.paulus.pt
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida ou transmitida de qualquer forma ou por quaisquer
meios, electrónicos ou mecânicos, incluindo fotocópias, gravações ou qualquer sistema de armazenamento e recuperação de informação sem
autorização prévia, por escrito, do editor.

4
Apresentação
Ao longo da última década habituámo-nos a acompanhar os comentários sempre
actuais e pertinentes do padre José Carlos Nunes logo nas primeiras páginas da
revista FAMÍLIA CRISTÃ. Como director deste periódico, procurou estar sempre
atento à realidade social e eclesial, abordando as temáticas mais delicadas e
importantes. A revista FAMÍLIA CRISTÃ foi por longos anos o seu púlpito, a sua
“paróquia de papel”, incorporando profundamente o espírito da sua missão paulista,
que é evangelizar através da palavra, da pregação escrita. Ali deu conselhos e
orientações, fez críticas e elogios, chamou a atenção para questões fundamentais da
sociedade e da Igreja, apontou elementos importantes para a família e a educação,
animou e provocou os leitores a acções concretas e a dar testemunho da sua fé,
realizou o seu sacerdócio como verdadeiro pastor que conhece e cuida do seu rebanho
(os leitores).
No ano de 2011 novos desafios foram lançados ao padre José Carlos, assumindo
uma nova missão. Para marcar este momento significativo da sua vida e recordar os
11 anos que passou à frente da revista FAMÍLIA CRISTÃ, a PAULUS Editora
seleccionou os seus textos mais significativos e emblemáticos, apresentando-os neste
livro. As reflexões escolhidas reflectem o pensamento do padre José Carlos sobre
diversos temas e estão intimamente ligadas à sua experiência de fé, família, Igreja e
sacerdócio que o enriquecem a cada dia e enriquecem o leitor que com ele faz este
percurso. Todos os que o acompanham mensalmente através da revista FAMÍLIA
CRISTÃ, ou através de outros meios, como o programa de rádio Caminho de Emaús
e a Missa na RTP, terão aqui um precioso subsídio para uma fé esclarecida.
Desejamos uma excelente leitura a todos, e que estes editoriais agora repropostos
gerem o mesmo efeito positivo que produziram nas edições mensais da revista
FAMÍLIA CRISTÃ desde o ano 2000.
O EDITOR

5
Capitulo I
A beleza da vida cristã

A grande alegria
Era uma vez um homem triste. Parecia-lhe que a sua vida não valia nada. Era casado
e tinha filhos. Trabalhava para manter a família, mas tudo o que ganhava era quase
insuficiente. Os filhos cresciam, ele fartava-se de trabalhar e sentia-se envelhecer.
Não havia remédio para a sua vida, pensava: depois de uma preocupação vinha outra,
cansava-se para nada, tudo decorria como sempre. Bem procurava animar-se com o
dia-a-dia da vida familiar e profissional, mas o cansaço levava-o a refugiar-se cada
vez mais em si e acabava sempre imerso nos pensamentos sem esperança e
preocupações estéreis.
Ao observar os pescadores no mar, pensou que a sua vida lhe parecia como uma
rede lançada ao mar que quando era recolhida vinha sempre vazia.
Certa noite não conseguia dormir. O desânimo era grande e a angústia de uma vida
sem sentido começou a tomar conta do seu pensamento. Olhou à sua volta e quase
desesperado pegou no Evangelho, que há tanto tempo já não lia, que a esposa tinha na
mesinha de cabeceira, e abriu-o ao calhas. Os seus olhos começaram a ler: «“Mestre,
trabalhámos durante toda a noite e nada apanhámos; mas, porque Tu o dizes, lançarei
as redes.” Assim fizeram e apanharam uma grande quantidade de peixe.» (LC 5,5)
Pareceu-lhe compreender a sua vida. As redes estão vazias ou cheias dependendo se
as lançamos em nome de Deus ou não. E pela primeira vez já não sabia há quantos
anos sentiu uma grande alegria. Quando mais à frente depois leu «Não temais!», a sua
alegria transformou-se em pranto de alegria. Tinha compreendido que cada Homem é
chamado a reconhecer na sua própria condição a vontade de Deus e que a vida só tem
valor se for vivida na confiança em Deus.
A partir daquele dia não saía de casa sem dizer a si mesmo: «Quem tem um
“porquê” na vida, consegue sempre superar as próprias incertezas»…
Em certos momentos da vida, a fé devolve-nos a razão do nosso viver.
Apercebemo-nos de que o nosso quotidiano necessita de oração e reflexão para fazer
sentido. Descobrimos que nos momentos tristes, assim como nos dias felizes, Deus é
sempre a nossa bússola.
Se somos os débeis que Deus fortalece, os inquietos que Deus acalma, os avarentos
que Deus liberta dos bens, os vingativos a quem Deus ensina o perdão… então temos
e vivemos uma mensagem credível e uma salvação que é possível comunicar e
testemunhar aos outros.
Toda a vida é uma vocação e cada vocação está ligada a uma missão. Deus sempre

6
chamou e continua a chamar colaboradores para a história da salvação.

7
O alimento da coragem
Para retomar as actividades escolares, pastorais, profissionais, no período de crise por
que passamos, sem grandes certezas nem estabilidade social, é preciso uma boa dose
de coragem.
Esta coragem encontrou-a o profeta Elias através do Anjo do Senhor, num
momento de grande cansaço e desânimo. Depois do sacrifício sobre o monte Carmelo
e a eliminação dos profetas de Baal, o profeta Elias é perseguido pela rainha Jezabel,
que jura dar-lhe a morte. Elias tem de fugir e depois de um dia de caminhada no
deserto sente-se só e abandonado e, desejando a morte, desabafa com o Senhor: «Já
basta, Senhor. Tira-me a vida porque não sou melhor que meus pais.» Entretanto
adormece, mas um anjo toca-lhe e manda-o levantar-se e comer um pão cozido e
beber água. Estes alimentos deram-lhe a força suficiente para caminhar 40 dias e 40
noites (estes números são simbólicos, significam o máximo da distância percorrida) e
chegar até ao monte Horeb.
Na situação trágica de Elias revemo-nos na nossa condição de cristãos. Por vezes, a
tristeza e o desânimo fazem-nos pensar: não vale a pena sermos bondosos, de nada
nos serve viver segundo o Evangelho, porque o deserto da dor continua a existir e a
incompreensão é a nossa companhia. Mas como aconteceu a Elias, também na nossa
vida Deus intervém através de um anjo. Não elimina o cansaço da viagem, mas
oferece um pedaço de pão e de água. Deste modo, Deus intervém com a força e a
humildade das coisas essenciais: o pão, a água, o sono, a luz, um amigo. Deus
aparece como um respiro, como coragem. Deus não nos tira do deserto, não se
oferece como analgésico para tirar o cansaço e as dores, mas sacia-nos para que
possamos retomar o caminho e chegar ao monte santo.
O episódio de Elias é já um prenúncio da Eucaristia, especialmente nos momentos
de desânimo e de angústia.
A vida tem os seus momentos duros e de desconforto. Também a vida com Deus tem
as suas provas. E só um alimento celeste que nutra e dê força nos permite chegar até
Deus.
No Evangelho de São João, Jesus apresenta-Se como «o pão que desceu do céu». E
afirma: «Quem comer deste pão viverá eternamente.» É uma promessa grandiosa e
um grande dom que nos comunica o amor de Deus.
Se acreditamos que Jesus é o «pão vivo que desceu do céu» e O acolhermos na
Eucaristia, seremos capazes de ultrapassar todas as provações por que passamos.
Jesus é o alimento que nos sacia através da Sua palavra e da Eucaristia. E adorá-l’O
no Santíssimo Sacramento do altar será a melhor maneira para renovar as forças e
ganhar coragem para a vida.
Devemos acolher este alimento de vida eterna, alimento da vida espiritual, que
contém toda a força do amor de Cristo, porque Ele no-lo deu precisamente no

8
momento mais importante e mais trágico da Sua vida, quando nos amou até ao fim.
Para ter uma relação profunda com Jesus é necessário sermos dóceis à vontade do
Pai. Não se trata apenas de comportamentos superficiais, mas de obediência
profunda. E só seremos dóceis se escutarmos o Pai e acolhermos os ensinamentos de
Jesus, numa vontade de entrega total, sem requerer nada para nós mesmos.

9
A alegria da conversão
A vida do cristão é um contínuo caminho de conversão! Esta frase, tantas vezes
ouvida e pregada, ficou-me a murmurar ao ouvido depois de um não-crente me ter
dito que para ele a conversão era uma espécie de autojustificação e consolação para
os cristãos que não conseguem mudar e se desculpam com este conceito.
Antes de mais, tornamo-nos cristãos pela certeza interior que o Espírito nos faz
reconhecer a voz d’Aquele que nos cha-
ma à vida. Somos cristãos sempre que ouvimos e nos
deixamos conduzir pelas palavras de Cristo e actualizamos os Seus gestos e
ensinamentos na nossa vida. Vivemos como cristãos quando, reconhecendo o nosso
pecado, acolhemos a graça do perdão e nos esforçamos por melhorar.
Também é verdade que não é fácil convencer todos os cristãos de que a conversão
conduz à alegria. Contudo,
Jesus, mostrou que a Boa Nova leva à conversão.
A conversão de que falo é um encontro e não apenas um exame de consciência, é
uma festa e não uma tristeza, é um abraço e não uma sentença. Em vez de entrarmos
em nós próprios e fazermos apenas um inventário das nossas culpas, deveríamos sair
de nós próprios e dirigirmo-nos a Deus, para descobrirmos até que ponto ignoramos o
Seu amor, a Sua alegria e o Seu perdão. A Boa Nova que nos é anunciada é que «os
pecados são perdoados». São feitas as pazes imediatamente; depois da culpa já não há
castigo, nem depois da ofensa existe lugar para a vingança, mas a graça de Deus
antecipa-se e repara o pecado.
A nossa sociedade está construída sobre a justiça, os tribunais, as multas e
punições, as prisões. Ainda estamos muito ligados ao conceito pagão e oriental
segundo o qual o pecado deve ser “expiado” para ser perdoado. Mas Jesus revela que
o pecado deve ser perdoado para poder ser repa-
rado! Somos salvos logo que nos apercebemos de que somos amados. Não
precisamos de crescer, para reconhecer que merecemos ser amados! A humanidade e
as sociedades acabam por se assemelharem ao deus que adoram; se a nossa sociedade
é repressiva, se existem tantos juízes, tantos julgamentos, tantos tribunais (que ainda
por cima funcionam lentamente), tantos presos, é porque nos tornámos semelhantes
ao deus que «julga os vivos e os mortos».
Sacralizámos o juiz e a sentença, em vez de divinizar a misericórdia e o perdão. O
nosso tribunal da penitência torna-se testemunho de Deus quando demonstramos que
a verdade e o perdão são mais saudáveis que o castigo, que é preciso sair do círculo
vicioso da vingança, da lógica do mal pelo mal. Esta atitude foi constante na vida de
Jesus: fazer do injusto um justo, do pecador um santo, do endemoninhado um homem
livre, do cobrador de impostos um discípulo, da prostituta uma nova mulher. Jesus
libertou Zaqueu da sua avidez, Maria Madalena dos seus amantes, Mateus do seu

10
odiado emprego; o Seu amor gratuito e maravilhoso fez renascer em cada um aquilo
que as injustiças deste mundo teriam sufocado para sempre.
Por aqui passa a conversão de cada um de nós: um encontro quotidiano com Aquele
que ama perdoando e perdoa amando.
Que saibamos rezar com Santo Anselmo: «Ensina-me a procurar-te e mostra-te a
quem te busca; porque não te posso procurar, se não me ensinares, nem encontrar-te
se não te mostrares. Que eu te procure desejando, que te deseje procurando, te
encontre amando, que te ame voltando a encontrar-te… De facto, não peço que
entenda para que possa crer, mas creia para que possa entender. Pois também isso não
entenderei, se não tiver crido.» E compreender que o caminho da conversão é estreito,
mas leva à salvação.

11
Inquietação
Inquietação. Palavra pouco mencionada mas muito sentida. Sente-se sobretudo o seu
efeito desgastante nas relações familiares, profissionais e pessoais.
É como um nervoso miudinho que não deixa espaço para a reflexão, para o equilíbrio
e a tranquilidade. É uma agitação constante que dá conta de tudo excepto do que é
fundamental. É uma asfixia do outro quando não se sente bem consigo próprio.
O que poderá gerar a inquietação? Provavelmente um mal-estar interior fruto de um
activismo exagerado. Ou o culminar de um conjunto de situações mal resolvidas e
calcadas no nosso inconsciente. As causas podem ser tantas quantas as pessoas, mas
os efeitos são sempre os mesmos: falta de serenidade, falta de reflexão, falta de
aceitação, falta de compreensão.
O mal não é recente. Já Jesus tinha prevenido a irmã de Maria: «Marta, Marta,
andas inquieta e perturbada com muitas coisas; mas uma só é necessária.» (LC 10,41)
E é precisamente na dificuldade da escolha do que é mais necessário que começa a
inquietação.
Na nossa vida, cada vez mais complexa, vão aparecendo cada vez mais coisas
necessárias. Agumas inúteis, outras desnecessárias, poucas fundamentais. A alegada
falta de tempo está na base da inquietação. Interessante será perceber se a inquietação
aparece pela falta de tempo ou se a falta de tempo é uma desculpa para esconder a
inquietação.
Percebemos que alguém anda inquieto quando as atitudes e reacções são
desproporcionadas em relação ao estímulo inicial. E não é difícil encontrar na vida
quotidiana, nas diversas faixas etárias e condições de vida, estas atitudes em
discussões, troca de ameaças, intolerância, actos de violência gratuita, falta de
respeito.
Uma ajuda eficaz para vencer a inquietação encontra-
mo-la na oração, no encontro pessoal com Cristo. Este foi
o convite que Jesus fez a Marta. Primeiro ouvi-l’O, depois o resto. A oração deve ser
um momento quotidiano, não apenas esporádico ou quando nos encontramos aflitos.
Mas tal como se constrói uma relação com os outros, o mesmo é possível com Deus a
partir da oração.
O primeiro benefício da oração reside precisamente no encontro connosco próprios.
Com os nossos problemas, as nossas ânsias e contrariedades. Tomada consciência da
situação, estaremos mais abertos para perceber o caminho a percorrer e as escolhas a
fazer. Porque, como diz São Paulo, «tudo é bom mas nem tudo nos convém».
Então aproveite este momento. Faça uma pausa, respire fundo, entre em sintonia
com Deus, peça ajuda a Nossa Senhora e sinta a inquietação desaparecer dando lugar
à serenidade.

12
Vocação e vocações
Cada vez mais a palavra vocação aparece distorcida e com uma conotação negativa.
Distorcida porque quando a utilizamos reduzimos o seu significado à vocação
sacerdotal ou à vida consagrada. Negativa porque quando se fala das vocações é
quase sempre pela falta ou diminuição delas. Na verdade, o último balanço estatístico
da Igreja Católica no mundo revela que tanto o número de católicos quanto o de
padres aumentou.
Vocação é o chamamento de Deus para uma missão ou um serviço a concretizar.
Pelo baptismo todos somos chamados à vocação universal da santidade: «Foi assim
que Ele nos escolheu em Cristo antes da criação do mundo, para sermos santos e
irrepreensíveis na Sua presença, no amor», escreveu São Paulo aos Efésios. E quando
existe um chamamento tem de haver uma resposta livre, corajosa e sincera. É esta
resposta que determina o nosso agir e testemunha, ou não, o grau de adesão à vocação
dos baptizados de viver e anunciar Cristo, e como o fermento na massa ajudar a
construir o Reino de Deus na Terra.
É grande e empenhada a vocação para a qual Deus nos destinou. Será igualmente
grande e empenhada a nossa resposta? Deus destina-nos sempre para grandes
projectos, somos nós que nem sempre respondemos com a mesma generosidade!
Por outro lado, quando falamos de vocações, referimo-nos às vocações específicas
como o matrimónio, o sacerdócio ministerial, a vida consagrada e os ministérios
laicais. Também estas vocações têm origem em Deus, que chama, e concretizam-se
numa resposta que o ser humano é convidado a dar, na liberdade, consciência e
fidelidade.
Em comum, vocação e vocações têm a iniciativa de Deus através do mistério de um
amor gratuito, e uma resposta livre de adesão aos projectos de Deus.
Não podemos reduzir este tema apenas a simples escolhas, pois trata-se da
dimensão fundamental da existência humana. O Vaticano II proclama a «grandeza da
vocação do Homem e afirma a existência de um gérmen divino nele» (Gaudium et
spes, n.º 3).
Porque «a vida é vocação», como dizia o Papa Paulo VI na Populorum progressio,
cada ser humano é chamado a desenvolver todos os dons que Deus lhe concedeu,
dialogando com Ele em cada momento, deixando-se inquietar pela pergunta sempre
actual: «O que Deus quer de mim»?
Assim sendo, responder à vocação para a qual Deus nos chama é o caminho da
felicidade e da realização pessoal.
É pena que nas famílias e nas escolas se foi deixando de falar de vocação para
adoptar o critério de escolha em vista de maior rentabilidade ou menor esforço. Por
vezes, escolhe-se mais em função da saída profissional ou do que é mais fácil. E as
consequências fazem-se sentir.

13
É importante recuperar o tema da vocação e das vocações como perspectiva
pedagógica e educacional no delicado processo do crescimento humano e do
equilíbrio de uma sociedade humana e espiritualmente realizada.
Bento XVI dizia aos seminaristas em Colónia, Alemanha, que «o segredo da
santidade é a amizade com Cristo e a adesão fiel à Sua vontade. “Cristo é tudo para
nós”, dizia Santo Ambrósio; e São Bento exortava a nada antepor ao amor de Cristo.
Que Cristo seja tudo para vós.» Palavras que se aplicam a qualquer vocação. Um
conselho que é capaz de dar bons frutos no discernimento vocacional que cada um
tiver a coragem de fazer perante as grandes decisões da vida.

14
A incoerência de vida
Ao olhar para o comportamento da sociedade actual, lembro-me frequentemente da
parábola que Jesus contou dos dois filhos a quem o Pai pede para irem trabalhar na
vinha. Um responde que sim e o outro que não, mas afinal fizeram o contrário do que
disseram.
Que mensagem nos transmite hoje esta página do Evangelho?
Antes de mais, que para Deus as bonitas palavras e as promessas contam pouco se
não forem seguidas de acções concretas. «De promessas e boas intenções está o
inferno cheio», costumamos dizer e é verdade! Por isso, esta parábola não está longe
da nossa vida quotidiana. O que Deus espera de nós não é muito diferente do que nós
esperamos uns dos outros: a coerência.
Para os baptizados, a incoerência torna-se muito depreciativa, quando na igreja
professamos uma coisa e fora da igreja, em casa ou no trabalho fazemos outra.
Seríamos como o irmão que diz sim na igreja e não na vida. E sabemos bem que o
mundo nos julga mais pelo que fazemos do que pelo que dizemos. Já dizia Santo
Inácio de Antioquia: «É melhor ser cristão sem o dizer, do que dizê-lo sem o ser.»
Contudo, as coisas não são assim tão lineares, pois existem pessoas não-crentes ou
não-praticantes que estão sempre prontas a apontar o dedo aos crentes, desculpando-
se: «Aqueles que vão à igreja são piores do que os outros», pensando assim estarem
justificados por não irem à igreja ou não rezarem. Mas só Deus pode julgar a
consciência de cada um e se vamos à igreja é precisamente para sermos melhores, não
para nos vangloriarmos do que quer que seja!
Para percebermos bem o conteúdo central desta parábola é preciso ler e reler a
estranha conclusão de Jesus: «Em verdade vos digo: Os publicanos e as mulheres de
má vida irão diante de vós para o Reino de Deus.»
Ao longo dos séculos, esta frase de Jesus foi muito manipulada, ora para justificar a
prostituição, ora para aliviar qualquer má consciência.
Na verdade, o que Jesus diz representa um exagero. Como se dissesse: «Até as
mulheres de má vida vos passarão à frente no acolhimento da novidade do Reino de
Deus.» Isto é, aqui a prostituição é vista como um pecado grave que até nem foi
impedimento para acolher a mensagem de Cristo. E se Jesus põe ao mesmo nível as
mulheres da má vida com os publicanos é porque ambos colocavam o dinheiro acima
de tudo o resto na vida.
Contudo, a verdadeira mensagem desta parábola reside na esperança de quem se
encontra na pior das situações.
O Evangelho é sempre uma “boa notícia”, uma palavra de esperança.
Não creio que muitas mulheres de má vida leiam o que escrevo, mas também não
posso deixar de o escrever: o bom pastor é aquele que deixando as 99 ovelhas, vai à
procura daquela perdida. Esta é a esperança que Jesus suscita na vida de todos nós.

15
Por maior que seja o pecado, se o arrependimento for verdadeiro, se a vontade de
melhorar acontecer concretamente, então o perdão nasce como a verdadeira força da
nossa vida.
Com Jesus ninguém fica marcado negativamente, fatalmente, para toda a vida. É
possível mudar, é possível passar de grandes pecadores a grandes santos. A história
da Igreja está cheia destes testemunhos.
Façamos das palavras do profeta Ezequiel um guia para a nossa conversão:
«Quando o pecador se afastar do mal que tiver realizado, praticar o direito e a justiça,
salvará a sua vida. Se abrir os olhos e renunciar às faltas que tiver cometido, há-de
viver.»

16
O discernimento
Nunca é fácil tomar decisões. Regra geral, só a necessidade de mudança nos obriga a
optar, a escolher e por consequência a separar. Mas para tomar as decisões certas, ou
as possíveis em determinadas circunstâncias, é necessário saber discernir.
O discernimento, para o teólogo Giuseppe Angelini, é a qualidade da alma que
permite reconhecer em cada circunstância o que nos convém fazer, e sobretudo
alerta-nos que em cada circunstância convém mesmo fazer qualquer coisa, isto é,
tomar uma decisão.
É urgente reflectir sobre o discernimento, pois tenho a sensação de que
frequentemente estamos paralisados pela indecisão, incertos se convém tomar uma
atitude ou fazer de conta que nada se passa e deixamos arrastar os problemas.
Existe uma imagem que nos pode ajudar a ilustrar a indecisão no nosso quotidiano:
o espectador diante do televisor, com o telecomando na mão, que insatisfeito pelos
programas apresentados vai passando de canal em canal, ficando horas e horas à
frente do aparelho sem na realidade ter visto nada do princípio ao fim.
Será possível decidir ver um ou outro programa antes de o ter visto efectivamente?
Antecipadamente é possível ter uma vaga ideia sobre o interesse ou não que
determinado programa pode ter para nós: uma opinião fundada só a teremos depois
de o ver efectivamente. Esta objecção parece conduzir à desencorajante conclusão de
que ver um programa é sempre uma espécie de jogo do loto: corre-se o risco de
perder tempo para nada. Mas esta conclusão não diz toda a verdade, porque ignora a
diferença entre olhar para ver se vale a pena continuar e olhar tendo já decidido
continuar a ver com a expectativa e o desejo de compreender. Quem olha com o
desejo de compreender vê muito mais coisas porque tem um interesse e está
empenhado activamente na visão.
Também pode acontecer que depois de olhar para algo com interesse nos
apercebamos de que afinal o que vemos não está à altura das nossas expectativas.
Neste caso, podemos sempre escolher desligar o televisor e ocupar o tempo com
outras actividades.
A dificuldade em saber discernir reside precisamente na falta de pôr em prática esta
virtude, vivendo como espectadores da nossa vida e não como protagonistas da
mesma. Por isso é que para descobrir o que convém na nossa vida é preciso ter a
coragem dos próprios desejos e alicerçar esses desejos no confronto com a realidade.
Só desta maneira poderemos deixar crescer, aprofundar, corrigir ou alterar as escolhas
na nossa vida.
A cultura do nosso tempo habitou-nos a pensar o agir humano como se tivéssemos
sempre de justificar o objectivo das nossas escolhas. Quando, na verdade, as formas
mais importantes do agir humano não se justificam em relação a determinados
objectivos, que possam ser definidos ou escolhidos antecipadamente.

17
Na verdade o que convém ao ser humano não se decide antecipadamente, pois não
se julga antecipadamente se convém viver, para depois decidir se queremos ou não
nascer.
«No mundo encontramo-nos sem o termos escolhido.
E, contudo, não permanecemos nele, ou melhor, não vivemos verdadeiramente sem o
escolher», sublinha o teólogo Angelini. E conclui: «Com tanta frequência estamos
indecisos a propósito daquilo que nos convém fazer em cada situação, porque na
realidade ainda não decidimos se nos convém viver e para que vivemos.»

18
«Senhor, Senhor»
Cada vez mais se difunde a ideia de que ao estar do lado do ser humano se pode
dispensar Deus e ao estar do lado de Deus se pode prescindir do ser humano. Como é
que se chegou a esta confusão? Quem erra mais: quem é ateu, ama mais o mundo e é
indiferente a Deus, ou quem é cristão, que diz amar a Deus e desinteressa-se pelo
mundo? Um ditado popular hindu diz que os cristãos até agora só compreenderam
metade do Cristianismo: que Cristo e Deus são a mesma pessoa, mas ainda não
compreenderam bem que Cristo e o ser humano também são a mesma pessoa. Isto
lembra-nos o que disse Jesus: «O que fizestes a um destes pequeninos, a mim o
fizestes!»
É muito fácil amar a Deus, que não se vê: só lhe falamos quando queremos, ou
temos tempo, Ele não responde nem protesta connosco, fica calado e aceita-nos. Mas
o nosso próximo não se cala, nem sempre nos aceita, exige de nós, não nos dá
descanso.
Consta que Gandhi terá dito: «Cristo é bom, o problema são os cristãos!» E parece
que não se converteu ao Cristianismo por causa dos cristãos. Porque estes lhe
pareciam iguais às outras pessoas: tinham família como os outros, erravam como os
outros, pecavam como os outros: assim não valia a pena converter-se para ficar igual
aos outros.
Também o filósofo francês Pierre Bayle constatou que durante a semana os homens
são todos iguais, só no sétimo dia é que uns vão à igreja, outros à sinagoga e outros à
mesquita! Ao entrarem no lugar de culto, não se saúdam, ao saírem não sorriem, e
todos vão para se unirem apenas a Deus.
É claro que não se pode generalizar a experiência religiosa de cada um, nem tão-
pouco reduzir o bem que crentes e não-crentes fazem a meras especulações
filosóficas.
Contudo, apercebemo-nos de que o ser humano hoje é como São Tomé, incrédulo,
quer poder tocar e ver antes de acreditar. Mas ao encontrar-se com o amor, cai de
joelhos.
Por isso, o milagre de que hoje necessitamos é o amor, a fraternidade e a
proximidade.
Se Deus não nos transforma, é porque ainda não O conhecemos verdadeiramente e
também ainda não encontrámos o caminho da nossa humanidade. Esforcemo-nos
para nos tornarmos mais próximos de Deus e dos outros, recordando o que diz Jesus:
«Nem todo o que me diz: “Senhor, Senhor” entrará no Reino do Céu, mas sim aquele
que faz a vontade de meu Pai que está no Céu.»

19
Sofrer sem perder a esperança
Falar do sofrimento humano é falar da história humana. Um mistério que a todos toca
independentemente da idade, sexo ou cor. É mais um mistério para viver do que um
problema para resolver. E mais cedo ou mais tarde cada um de nós encontrar-se-á
com o sofrimento nas suas múltiplas formas e manifestações: mortes imprevistas,
injustiças, doenças ou rejeições, incompreensões e desgostos..
Todos os dias, o sofrimento bate à porta de milhares de pessoas. Todos os dias se
procuram soluções ou analgésicos para atenuar a dor. Todos os dias, certamente, nos
questionamos sobre o sentido do sofrimento.
João Paulo II, na Carta Apostólica Salvifici doloris, diz que «o sofrimento desperta
compaixão e também respeito e, a seu modo, intimida. De facto, nele está contida a
grandeza de um mistério específico. À volta do tema do sofrimento há dois motivos
que se parecem aproximar particularmente e unir: a necessidade de coração ordena-
nos que vençamos o temor e o imperativo da fé fornece o conteúdo, em cujo nome e
em cuja força ousamos tocar o que parece tão intangível em todos os homens; é que o
Homem, no seu sofrimento, continua a ser um mistério intangível.» (N.º 4)
A verdade é que o sofrimento, seja físico, psíquico ou espiritual, é um companheiro
de viagem para toda a vida, quer queiramos, quer não. Mas em caso de dúvida o
melhor é prevenirmo-nos, consciencializando-nos de que faz parte da nossa natureza
humana.
Sabemos que Deus não quer o sofrimento para os Seus filhos. Mas, por vezes,
permite a dor para que, através da sua pedagogia divina, tenhamos consciência da
nossa condição frágil. Experimentemos recordar: não será nos momentos de maior
sofrimento que recorremos mais rapidamente a Ele e colocamos nas Suas mãos o
nosso agir? Não será nesses momentos que nos aproximamos d´Ele e Lhe
perguntamos o que quer que façamos?
Deus quer a nossa felicidade. E a nossa felicidade é fazer a vontade de Deus. O
problema é que por vezes teimamos em sermos senhores da nossa vida, colocando-
nos no lugar de Deus. Perante o sofrimento é preciso agir.

20
Tempo para Deus
O tempo, além de ser um “complicado enigma”, é também, como dizia Santo
Agostinho nas suas Confissões, algo fácil de explicar se ninguém nos perguntar, mas
muito difícil de explicar se alguém quer saber o que ele é realmente.
O ritmo acelerado na vida moderna não nos deixa muito tempo livre. É o trabalho,
as preocupações da vida, a educação dos nossos filhos, os compromissos sociais, as
infinitas responsabilidades. É também a sensação da ausência de Deus na nossa vida,
e por consequência uma certa ânsia e falta de paz.
Perante esta situação, é caso para dizer que tudo tem o seu tempo!
Torna-se indispensável dar mais atenção ao corpo e ao espírito.
É importante saber recuperar o nosso tempo, começando por simplificar a nossa
vida com a mesma facilidade com que a soubemos complicar.
É importante recuperar o silêncio. Cada vez mais nos encontramos mergulhados
num mar de rumores ensurdecedores e de palavras sem sentido.
É importante libertar o nosso tempo de muitas coisas pesadas e que nos roubam o
silêncio, perturbando e desorientando as vozes daquilo que é essencial.
É importante recuperar a interioridade, porque o crescimento pessoal passa
obrigatoriamente pela interioridade do Homem, onde a reflexão e a meditação da
Palavra de Deus nos orientam para a Verdade: uma verdade que nos ajuda a
conhecermo-nos a nós próprios, a Deus e ao mundo, e que nos conduz àquela
sabedoria do coração que não é apenas inteligência para compreender, mas sobretudo
luz para amar.
O tempo das férias é também um tempo propício para a leitura, que nos pode ajudar
a regenerar a mente e a robustecer o espírito. É uma ocasião preciosa para recuperar
os momentos de leitura, que foram adiados ao longo do ano pela falta de tempo e pelo
cansaço.
Seria bom que os pais aproveitassem também as férias para lerem algumas histórias
aos filhos mais pequenos, recuperando um antigo e muito saudável hábito. O hábito
da leitura pode transmitir-se também por contágio. E não existe nada melhor do que
ler juntos, pois comunicam-se sentimentos e emoções através da voz e dos gestos.
A leitura dá prazer, ajuda a descobrir novos mundos, liberta a fantasia, desenvolve a
inteligência e estimula o conhecimento.
Que este período possa ser útil para retemperar as nossas forças, dando mais
atenção à nossa saúde física e espiritual. Deus não vai de férias, mas como Pai
amoroso acompanha-nos sempre para onde quer que vamos.

21
De que amor falamos?
O amor é um sentimento multiforme, portador de vários significados e
potencialidades. Durante séculos, a maior parte das pessoas absorvia a própria
experiência do amor através dos modelos vividos na família e nas práticas de namoro
admitidas pela sociedade. Poucos eleitos podiam planar pelos vastos horizontes da
literatura e das interpretações filosóficas do amor. Os leitores de Platão, Petrarca,
Camões ou Camilo de Castelo Branco tinham à sua disposição sofisticados
conhecimentos sobre este sentimento tão profundo. Até na linguagem quotidiana
ficaram rastos de literatura quando falamos de amor platónico ou de amor romântico.
Mas o amor não se explica, vive-se.
Seria bom que aprendêssemos a interrogar-nos sobre a natureza do amor: sobre o
amor recebido, sobre o amor imposto, sobre o amor mendigado, sobre o amor
necessário, sobre o amor oblativo, sobre o amor desejado e sobre a liberdade tão rara
de estar cheio de amor, voltado para o melhor do outro a partir do melhor de si.
Uma reflexão talmúdica ilustra de uma forma caricata e interessante a natureza do
amor, através de um diálogo entre Adão e Eva. «Adão: “Querida, tu amas-me?” Eva:
“Eu posso escolher?”»
Talvez o grande problema do amor seja querer escolhê-lo, mais do que acolhê-lo
com um dom de Deus. Deus é amor, diz-nos o evangelista São João. E nós fomos
criados à imagem e semelhança de Deus. Por isso, participando desse amor divino,
somos imagem do amor de Deus perante o mundo. Que grande responsabilidade!
Devido às próprias exigências, frequentemente não aceitamos o outro tal como ele
é. A todo o custo se procura o par ideal, mesmo que se tenha de recorrer a agências
que prometem o amor perfeito, em troca de dinheiro. Mas o amor não se vende.
Porque o verdadeiro amor é aquele que abraça sem prender, que une sem amarrar.
O amor ama, e apesar de o amado não o reconhecer, a sua indiferença não destrói o
amor.
O amor inclui em si mesmo a liberdade, até ao ponto de aceitar não ser
correspondido. O amor é o núcleo constitutivo do Homem, é o mesmo amor que une
o Homem a Deus.
O amor hoje é muitas vezes maltratado, sobretudo quando projecta uma imagem
deformada dos sentimentos. Facilmente se confunde o amor com emoções, desejos e
erotismo. O verdadeiro amor é fiel, capaz de construir uma relação duradoira no
tempo e fazer feliz quem o vive na simplicidade e genuinidade.

22
Quem anseia por Deus
Santo é todo aquele que anseia por Deus, responde ao Seu chamamento e entusiasma
os seus irmãos a seguirem o mesmo caminho de santidade.
A santidade cristã é um dom de Deus à Sua Igreja e consiste na união com Cristo,
Verbo encarnado e nosso redentor, único mediador entre Deus e os homens e fonte de
graça e santificação.
A Igreja é santa porque Cristo nos amou como Sua esposa e deu a vida por ela, para
que ela se santificasse. Por isso, a santidade da Igreja deriva da santidade e do amor
de Cristo.
Todos na Igreja são chamados à santidade, como diz o Apóstolo Paulo: «A vontade
de Deus é que vos santifiqueis.» (1TS 4,3) Mas se todos somos chamados à santidade,
nem todos são chamados à mesma intensidade e profundidade de união com Cristo,
pois a resposta ao amor de Deus deve ser dada segundo as capacidades e
possibilidades de cada um. Por esse motivo temos santos mártires, pastores e doutores
da Igreja, virgens, educadores, etc.
Assim sendo, santo é todo aquele que no âmbito das suas limitadas mas irrepetíveis
características, qualidades e circunstâncias pessoais, vocação e graça dada por Deus,
«segundo a medida da doação de Cristo» (EF 4,7), se abre e corresponde à graça
recebida e, conformando-se a Cristo, vive em plenitude o dom da vida que lhe foi
dado, permitindo que Cristo viva em si mesmo. Quem vive esta santidade participa e
partilha a vida e o amor de Cristo, difundindo à sua volta o calor do amor de Cristo e
a Sua bondade, em situações concretas e no ambiente em que vive.
Diz João Paulo II: «Nós que temos a graça de acreditar em Cristo, revelador do Pai
e salvador do mundo, temos o dever de mostrar a profundidade a que pode levar a
relação com Ele. A grande tradição mística da Igreja, tanto no Oriente como no
Ocidente, pode dizer muito a esse propósito. Ela mostra como a oração pode
progredir, como verdadeiro diálogo de amor, até tornar a pessoa humana totalmente
possuída pelo amor divino, vibrando com o sopro do Espírito, filialmente abandonado
ao coração do Pai. […] Trata-se de um caminho inteiramente sustentado pela graça,
que pede um forte empenho espiritual e chega a conhecer dolorosas purificações (“a
noite escura”) mas aproxima-se, através de diversas formas possíveis, à imensa
alegria vivida pelos místicos como união matrimonial.» (NMI, n.º 33)

23
Madre Teresa de Calcutá
Há personalidades que marcam a vida do mundo com uma força inexplicável e
inesquecível. Teresa de Calcutá foi uma delas.
D. Carlos Azevedo, no prefácio do livro O Sorriso da Caridade, da autoria de Luís
Santos, recorda-a como alguém que nos «coloca perante um ser dado até doer. Não se
pode ficar indiferente. Vidas que rompem com o marasmo criam silêncio, fazem
pensar e movem as entranhas para nova respiração. É que a coerência demasiado
singela atinge mais profundamente a nudez da alma. A ausência de adereços de uma
vida assim provoca a abertura ao mistério.»
Acho de uma beleza profunda a descrição que no seu livro Luís Santos faz desta
mulher extraordinária: «Madre Teresa tinha como medida de tudo o bem dos outros,
o bem dos mais pobres. Havia uma dupla capacidade naquela mulher. Era frágil e, em
simultâneo, forte. Envolvida naquele sari remendado, via-se a luminosidade terrena
mas, ao mesmo tempo, bebia do sobrenatural. Nela existia um mistério
imperscrutável. A sua vida foi um livro aberto. Nele consultamos e lemos as páginas
dos deveres e das virtudes que a humanidade deve viver, mas que, muitas vezes,
tende a esquecer. Na página da humildade verificamos que Madre Teresa era igual
nas mais variadas circunstâncias. O brilho da sua indumentária era o mesmo quando
estava sentada nas cadeiras de veludo com os “senhores da Terra” como quando se
debruçava sobre os moribundos.»
As palavras de Madre Teresa de Calcutá, sempre simples e directas, são um tesouro
que nos foi deixado. Utilizadas em tantos suportes e nas mais variadas circunstâncias,
são um bálsamo na nossa vida. Recordo com emoção que, durante umas férias em
França, não pude visitar a Catedral de Tours porque se estava a celebrar o funeral de
uma personalidade ilustre da cidade. Sentei-me para observar a catedral e comecei a
ouvir um texto lindíssimo que transformou aquele momento de luto em vida, luz e
beleza sobrenatural. No final verifiquei que se tratava de um poema de Teresa de
Calcutá. Agarrei-o, fi-lo meu e tem sido uma inspiração em muitos momentos:
«A vida é uma oportunidade, agarra-a.
A vida é beleza, admira-a.
A vida é bem-aventurança, saboreia-a.
A vida é um sonho, faz dele uma realidade.
A vida é um desafio, enfrenta-o.
A vida é um dever, cumpre-o.
A vida é um jogo, joga-o.
A vida é preciosa, cuida dela.
A vida é uma riqueza, conserva-a.
A vida é amor, aprecia-o.
A vida é um mistério, penetra-o.

24
A vida é uma promessa, cumpre-a.
A vida é tristeza, vence-a.
A vida é um hino, canta-o.
A vida é um combate, aceita-o.
A vida é uma tragédia, abre-lhe os braços.
A vida é uma aventura, arrisca-a.
A vida é felicidade, merece-a.
A vida é a vida, defende-a.»

25
Capitulo II
A vocação da família cristã
Gostaria de poder partilhar convosco algumas reflexões sobre a família, tema tão
importante para a revista que dirigi ao longo dos últimos 10 anos. Como sacerdote,
muitas vezes tenho a oportunidade de ouvir e conversar com casais sobre os mais
diversos problemas familiares, e escutar alguns jovens que sentem uma certa
desorientação em relação ao futuro e à vocação.
Queridos pais, como sabeis, o amor que vos levou ao matrimónio não se reduz à
emoção de uma estação um pouco mais eufórica, nem é apenas uma atracção que o
tempo consuma. O amor matrimonial é a vossa vocação: no querer bem um ao outro
podeis reconhecer o chamamento do Senhor. O matrimónio não é apenas a decisão de
um homem e de uma mulher: é a graça de Deus que atrai duas pessoas maduras e
conscientes a assumir um compromisso, fruto da própria liberdade. O rosto de duas
pessoas que se amam revela algo do mistério de Deus. Por isso, sois convidados a
conservar a beleza do vosso amor e a preservar na vossa vocação. Quem vive o seu
matrimónio como uma vocação, professa a sua fé: não se trata apenas de relações
humanas que podem ser motivo de felicidade ou tormentos, mas trata-se de viver o
dia-a-dia com a certeza da presença do Senhor, com a humilde paciência de carregar a
própria cruz, com a firmeza de enfrentar as mais diversas dificuldades com
responsabilidade.
Compreendo que nos dias de hoje nem sempre os empregos, os trabalhos
domésticos, as condições de saúde, o contexto em que se vive ajudam a ver com
lucidez a beleza e grandiosidade da sua vocação. Disse o nosso Patriarca,
D. José Policarpo: «Todos estamos conscientes de que o actual ambiente cultural não
facilita a vida à família cristã. Esta, para permanecer fiel e ser sinal, trava
continuamente uma luta.» E por isso é necessário reagir à inércia incutida pela vida
quotidiana e cultivar momentos de liberdade, serenidade e oração.
A educação é outra das vossas responsabilidades. Conscientes de que a vossa
vocação para educar é abençoada por Deus, sois convidados a transformar as vossas
dúvidas em orações, meditações e diálogos serenos. Utilizando uma imagem,
podemos dizer que educar é como semear: o fruto nunca está garantido e também não
é imediato. Mas se não se semeia também não se poderá colher. «Famílias feli-
zes são semente de uma sociedade diferente», afirmou o Cardeal-Patriarca. Educar
exige paciência, às vezes firmeza e determinação, outras vezes amabilidade e
generosidade.
A educação cristã é o paciente e constante trabalho de preparar o terreno para o
dom da alegria de Deus, por isso os pais são colaboradores de Deus para que os filhos

26
realizem a sua vocação. Neste sentido, participar na Eucaristia dominical, ser
catequista, fazer parte dos grupos paroquiais, ajuda a introduzir uma mentalidade de
fé consciente de que sem o Senhor nada de bom podemos fazer. E não esqueçamos o
alerta deixado por D. José Policarpo. «Cautela! Quem destruir a família, destrói a
sociedade.»

27
Mais atenção à família
A família, também em Portugal, atravessa um “longo inverno”. Há algumas décadas
que a sociologia anunciou a morte da família e muitos factos e decisões concretas
podem documentar que esta se vai debilitando progressivamente. Acrescente-se ainda
as persistentes tentativas culturais e dos meios de comunicação, com apoios
legislativos, que deslegitimam a família e frequentemente a descrevem como um
lugar de tragédias e infelicidade. Os slogans que dizem que existem mais delitos nas
famílias do que nos crimes organizados são de facto uma atitude de quem quer
desacreditar a família e negar os seus valores humanos e espirituais.
A família é um grande recurso para o crescimento da pessoa humana, da sociedade
e da missão da Igreja. E não é verdade que as famílias estruturadas sejam poucas,
porque muitas das nossas famílias ainda são verdadeiros oásis e lugares de
crescimento e estabilidade humana; são uma segurança nas dificuldades e fazem ver a
beleza dos valores familiares.
É fundamental que hoje as famílias saibam o que são e o que valem, que se unam
para darem razões dos valores familiares e reajam contra as outras instituições que
querem empobrecer e destruir a instituição família. Tanto os principais jornais e
canais televisivos como as produções cinematográficas continuam a propor uma visão
de família distorcida, que assenta apenas nos sentimentos e paixões e
desresponsabiliza de qualquer empenho e sacrifício. Já a Exortação Apostólica
Familiaris Consortio sublinha o que é fundamental: «A família tem a missão de se
tornar cada vez mais aquilo que é, ou seja, comunidade de vida e de amor, numa
tensão que, como para cada realidade criada e redimida, encontrará a plenitude no
Reino de Deus.» (N.º 17)
Quem hoje tem a coragem de escrever em favor da família? Quem hoje tem a
coragem de fazer programas televisivos ou radiofónicos exaltando os valores
familiares? Penso que apenas a Igreja tem levantado a voz contra os atentados que se
fazem à família e continua a estar próxima de todas as famílias e em todos os
momentos.
Os sacerdotes têm uma função importantíssima no apoio e acompanhamento das
famílias que lhes são confiadas nas suas paróquias, especialmente as famílias mais
jovens. Estes não se devem deixar enganar pelo rumor criado à volta da família ou
pelas tendências de momento nas relações familiares, pois se não estão convictos de
que as famílias cristãs são o fermento na sociedade, deixam que o desencorajamento
tome conta da sua acção pastoral e se fechem num legalismo impositivo. Por isso, há
que dedicar mais tempo e atenção às famílias, apostando no diálogo franco e na
escuta orante.
Infelizmente, tanto os governos de direita como os de esquerda continuam a não
apoiar a família, esquecendo-se do que irão pagar no futuro por causa desta atitude

28
populista.

29
A família e a União Europeia
A União Europeia (UE), através do alargamento a novos países, do texto da
Constituição Europeia, do novo comissário e seus executivos, tem sido tema de
grande debate. Mas uma pergunta é indispensável: É possível construir uma Europa
sem ter em atenção o papel que a família tem neste processo?
Sabemos que na União Europeia existe uma grande variedade de conceitos de
família e cada vez mais cresce a tendência para a considerar como um lugar de
direitos ao serviço dos interesses individuais, em vez de a considerar um lugar ao
serviço da pessoa.
A Europa dos 25, neste âmbito, apresenta grandes elementos de contrastes, que,
simplificando, podemos dizer que os países do Sul apresentam estruturas familiares
mais coesas, os países da Europa continental e setentrional apresentam uma estrutura
familiar mais fragmentada e flexível, e os novos países da União, do Leste, têm uma
multiplicidade de modelos familiares, com uma diminuição da natalidade e um
elevado índice de pobreza.
A família, em qualquer parte do mundo, tem uma missão fundamental na
construção da identidade pessoal, na mediação entre o indivíduo e a sociedade, na
educação para os valores individuais e sociais, na construção da coesão social e na
solidariedade. Mas as orientações jurídicas, políticas e sociais sobre a família que
vigoram no âmbito cultural e político da Europa não abonam a favor da sua missão.
Pier-
paolo Donati, denunciou esta realidade num congresso internacional sobre a
cidadania europeia (www.cisf.it), em
Milão, com estas palavras: «A Europa ainda olha para a família, mas considera-a cada
vez mais como um resíduo histórico em vez de a considerar como uma instituição do
futuro; a família é uma instituição do futuro não só por-
que sobreviverá, mas porque, através da aliança do casal que gera uma nova geração,
incorpora em si mesma a garantia do futuro da sociedade.» Mais ainda, «nas
condições actuais,
a Europa já não pode contar com a família como fonte porque a cultura dominante
considera-a como uma realidade historicamente superada. A sociedade europeia,
neste momento, vê a sua fonte nos indivíduos e no mercado, já não nas relações
familiares», sublinha.
Matrimónio e família são instituições que promovem uma comunidade social unida.
São lugares onde as pessoas podem compreender e valorizar a própria existência. Por
isso, é preciso que a Europa construa uma ideia de família que reconheça a
importância que esta tem na construção da nova cidadania europeia. A Europa precisa
da família para construir o seu próprio futuro, porque é através da mediação da
família que se transmitem e se concretizam os valores que fundam a identidade

30
europeia: paz, justiça, solidariedade e respeito pela diversidade.
A legislação da UE não define a noção de membros da família, deixando campo
aberto para que no futuro cada nação, tendo em conta as diferentes escolhas éticas,
culturais e sociais, inclua as diferentes formas de matrimónio consentido pela lei de
cada Estado-membro na legislação europeia. Cabe, então, a cada país fazer as normas
que regulam a relação entre a família e a sociedade. Esperamos que esta legislação
não ceda às pressões de certas minorias que pretendem substituir e desvirtuar o
importantíssimo papel da família tradicional na sociedade portuguesa.
João Paulo II, na conclusão da sua Exortação Apostólica sobre a família, alertou:
«O futuro da humanidade passa pela família! É indispensável e urgente que cada
Homem de boa vontade se empenhe em salvar e promover os valores e exigências da
família.» Uma voz profética que via mais longe.

31
Quem ama é feliz pelo dever de amar
Apesar de tudo, ainda se casam! É uma exclamação que sai espontânea, sobretudo no
tempo de Verão, altura em que os casamentos são mais numerosos e os sacerdotes
“não chegam para as encomendas”. Dá vontade de perguntar como é que isto
acontece, uma vez que o matrimónio para muitos é considerado como uma instituição
já ultrapassada, antiquada, que já teve o seu tempo. Sobretudo entre “aqueles que
fazem opinião” tornou-se moda, e amplamente publicitado pelos media, a
convivência não matrimonial, sinal e ilusão daquela total liberdade no amor que
exclui qualquer vínculo ou até mesmo uma estrutura familiar. Será possível que o
fascínio da festa, o vestido da noiva e a cerimónia tão sonhada seja a única motivação
para que uma geração desencantada se aproxime do matrimónio?
Também são cada vez mais numerosos os jovens que recusam a instituição do
matrimónio e escolhem o chamado “amor livre” ou a simples convivência. Mas o
matrimónio é uma instituição; uma vez contraído, liga, obrigado à fidelidade e ao
amor, para toda a vida. E muitas vezes ouvimos
objecções, questionando sobre qual a necessidade de transformar o amor, que é
instintivo, espontâneo e vital, num dever.
O filósofo Kierkegaard diz algo muito convincente a este respeito: «Somente
quando existe o dever de amar é que o amor está garantido para sempre, sem
nenhuma alteração.» Isto é, quem ama verdadeiramente quer amar para sempre. O
amor necessita de ter como horizonte a eternidade, caso contrário não passa de uma
brincadeira, um “entendimento amável” ou um “perigoso passatempo”.
Por isso, quanto mais se ama intensamente, mais se percebe, com uma certa
angústia, o perigo que o amor corre; perigo que não vem dos outros mas de si mesmo.
Quem ama de verdade sabe bem que pode ser volúvel e que amanhã poderá sentir um
certo cansaço e não amar mais. E porque agora vive no amor, vê com clareza a
irremediável perda que poderia acontecer e, por isso, previne-se aceitando o vínculo
de amar para sempre.
O dever, afinal de contas, subtrai o amor à volubilidade e liga-o à eternidade. Quem
ama é feliz pelo dever de amar; mais ainda, para quem ama de verdade este é o
mandamento mais belo e livre do mundo.
Muitas vezes corremos o risco de pensar no amor como um tema poético, porque é
fácil entusiasmar-se por ele. Mas a poesia não basta. É preciso a graça de Deus. Esta
graça é uma ajuda que vem do Alto, que cura o nosso modo de amar às vezes egoísta
e dá constância e perseverança.
Uma coisa é certa: o matrimónio continua a ser praticamente a única realidade que
dá segurança emocional, protecção, alegria e felicidade a quem responde à vocação a
dois. Poucas outras realidades na nossa tumultuosa civilização contemporânea
continuam a ser sinónimas, no imaginário colectivo, de esperança, doação recíproca e

32
abertura a um futuro melhor.
Nas palavras e nos gestos do matrimónio, simples e ao mesmo tempo carregadas de
complexidade, está implícita a procura do sentido religioso, do «mandamento do
amor», ao qual podemos recorrer para ter forças para amar e obter o perdão pelas
vezes que não amámos como o Senhor nos amou.

33
O desafio de ser mãe
A maternidade é um acontecimento central na vida de uma mulher. Dizem-nos os
psicólogos que na maior parte dos casos o nascimento do primeiro filho representa
uma verdadeira reviravolta na forma como a mulher passa a olhar para a vida, para si
mesma, para a relação com o marido e para a própria mãe. Isto porque até àquele
momento ela estava habituada a sentir-se filha.
A partir do primeiro filho irá desempenhar o mesmo papel de sua mãe, onde deverá
assumir a responsabilidade de alguém que durante vários anos depende dela, da sua
atenção, do seu afecto, dos seus conselhos. Por isso a sua identidade irá mudar, passa
a ser mulher e mãe.
Durante séculos, na sociedade ocidental tradicional, o modo de ser mãe era
transmitido de uma geração à outra através das mulheres: não só pelas mães, mas
também pelas avós, pelas tias, pelas amigas e vizinhas de casa; era sempre um grupo
feminino que acompanhava o processo materno.
A idade moderna trouxe mais conhecimentos médicos relativos ao parto, à
gravidez, às necessidades físicas e psicológicas das crianças e tornou os cuidados às
crianças mais racionais e organizados. Basta pensar, por exemplo, no quanto a
ecografia veio trazer maior serenidade à mulher durante o tempo da gravidez.
Paralelamente, aumentou também a solidão da mãe que ao regressar a casa, depois
de deixar a maternidade, onde foi assistida por uma equipa de profissionais, se
encontra praticamente sozinha e com um filho nos braços. Neste momento, a mãe
percebe a grande responsabilidade e ao mesmo tempo os desafios que a sociedade
moderna impõe: o marido tem de trabalhar, os pais e sogros nem sempre estão
próximos, sobretudo nas cidades as relações com os vizinhos não são tão próximas e
a experiência da maternidade, com o índice baixo de natalidade, é cada vez mais
escassa.
Hoje, nas nossas sociedades ocidentais industrializadas, a mãe sente falta daquela
figura materna anciã que com a sua experiência e sabedoria está presente no tempo
inicial da aprendizagem materna. Em contrapartida, nas farmácias e supermercados
encontram-se uma série infindável de produtos para a infância, desde o vestuário até
aos mais variados acessórios, dietas, leites e papas para todos os gostos.
Cada vez mais a fonte de informação para a mãe sobre a criança está disponível nos
livros, nos programas de televisão, no pediatra, em revistas especializadas. Sobretudo
na publicidade e em certas publicações, a imagem que aparece, tanto da criança como
da mãe, é a de situações ideais (crianças lindíssimas e divertidas, grávidas bem
dispostas e alegres) muitas vezes longe da realidade, criando expectativas irreais. E
quando acontece algo diferente daquilo que se conhecia, surgem sentimentos de
frustração e de revolta.
A par desta realidade, existe também o novo papel da maternidade ligado à vida

34
moderna. A maternidade no sentido tradicional esgotava-se na procriação, hoje a
maternidade quer ser enriquecida numa harmonia da vida conjugal, da vida
profissional e da vida social. Por isso, ser mãe hoje, significa conseguir conciliar
família e trabalho, autonomia pessoal e solidariedade familiar, significa uma grande
coragem e capacidade de doação.
Escreveu João Paulo II, na Carta Apostólica Mulieris dignitatem, em 1988, algo
que gostaria que fosse uma homenagem a todas as mulheres e mães: «A Igreja rende
graças por todas e cada uma das mulheres: pelas mães, pelas irmãs, pelas esposas;
pelas mulheres consagradas a Deus na virgindade; pelas mulheres que se dedicam a
tantos e tantos seres humanos, que esperam o amor gratuito de outra pessoa; pelas
mulheres que cuidam do ser humano na família, que é o sinal fundamental da
sociedade humana; pelas mulheres que trabalham profissionalmente, mulheres que, às
vezes, carregam uma grande responsabilidade social; pelas mulheres “perfeitas” e
pelas mulheres “fracas” — por todas: tal como saíram do coração de Deus, com toda
a beleza e riqueza da sua feminilidade; tal como foram abraçadas pelo seu amor
eterno; tal como, juntamente com o homem, são peregrinas sobre a Terra, que é, no
tempo, a “pátria” dos homens e se transforma, às vezes, num “vale de lágrimas”; tal
como assumem, juntamente com o homem, uma comum responsabilidade pela sorte
da humanidade, segundo as necessidades quotidianas e segundo os destinos
definitivos que a família humana tem no próprio Deus, no seio da inefável Trindade.»

35
O menino que consertou o mundo
A infância e a educação são realidades complexas, mas significam uma fase
fundamental para o ser humano. A criança começa a interagir com o mundo exterior
através de conexões sensoriais e motoras, dizem-nos os especialistas em pedagogia.
Ao exercitar estas conexões começa a tirar conclusões sobre as causas e
consequências das suas acções. Desta forma, a criança dá início à grande aventura do
significado das coisas e do conhecimento. Os pais que lhe estão próximos podem
mediar esta interacção com o mundo e ajudá-los a procurar o significado adequado
das coisas através da elucidação, da correcção e até do divertimento.
O problema é a falta de tempo dos pais para esta tarefa fundamental e insubstituível
na educação. E quando isto não acontece, serão outros a educarem os filhos com
valores e significados alheios às tradições da família. Por isso, não é de admirar que
muitas das vezes os pais não só não conhecem os filhos, como não se revêem nas
atitudes deles.
A este propósito, gostaria de transcrever uma história, de que não se conhece o
autor, que pode ser um bom estímulo para uma reflexão educacional:
«Um cientista vivia preocupado com os problemas do mundo e estava decidido a
encontrar maneira de os minorar. Passava dias a fio no seu laboratório à procura de
respostas que elucidassem as suas dúvidas.
Certo dia, o seu filho de sete anos invadiu o seu espaço de trabalho decidido a
ajudá-lo a trabalhar. Ao ver que era impossível demovê-lo da sua ideia, o pai
procurou algo que o pudesse distrair e ocupar a sua atenção. Até que se deparou com
uma revista que tinha o mapa do mundo. Com o auxílio de uma tesoura, recortou-o
em vários pedaços e entregou-o ao filho com um rolo de fita-cola dizendo:
− Dou-te o mundo para consertares, vê se o consegues fazer sozinho.
Pensou para consigo que tinha encontrado a maneira de o garoto ficar entretido
vários dias, pois de certo não conhecia a geografia do planeta para poder completar
aquele puzzle. Uma hora depois ouviu a voz do filho a dizer-lhe:
− Pai, já fiz tudo. Consegui colar tudinho!
O pai ficou surpreendido, pois o mapa estava realmente completo. Todos os
pedaços tinham sido colocados nos devidos lugares. Como era possível? O miúdo
tinha apenas sete anos!
− É impossível que conheças o mundo, meu filho, como é que conseguiste?
− Pai, eu não sabia como era o mundo, mas quando
rasgaste a folha da revista para a recortares, eu vi que do outro lado havia a figura de
um homem. Quando me deste o mundo para consertar, eu tentei mas não consegui.
Foi então que me lembrei do homem, virei os recortes e comecei a consertar o
homem que eu sabia como era. Quando consegui consertar o homem, virei a folha e
descobri que tinha consertado o mundo.»

36
Um conselho aos pais: não desperdicem nem deleguem a oportunidade de educar e
aprender com os vossos filhos.

37
A pequenina “abelha trabalhadora”
Ir para a escola, pela primeira vez, pode ser o início de uma aventura que dura
décadas. Hoje, para a criança, ir para a escola já não parece ser tão difícil, pois com
os infantários e o ano pré-escolar, o contacto com outros colegas e encarregados de
educação fá-los sentirem-se mais familiarizados. Contudo, novos desafios se
apresentam, numa sociedade cada vez mais acelerada e sem tempo.
Aos seis anos a criança transforma-se numa pequenina “abelha trabalhadora”.
Deixa de lado o tempo quase exclusivamente dedicado à brincadeira, para se
empenhar, quase a tempo inteiro, na escola. Começa a conhecer verdadeiramente as
suas primeiras obrigações e deveres, e começa também a aprender a gerir as suas
responsabilidades. A escola primária representa uma grande mudança na sua vida,
mas a criança tem todos os recursos necessários para a enfrentar.
É também nesta idade que a criança desenvolve novas capacidades, que aprende a
integrar-se mais na sociedade e a definir melhor a sua personalidade, exprimindo-a.
Nesta fase é fundamental que os pais a ajudem a encontrar o equilíbrio, explicando a
importância do que vão fazendo, acompanhando-a em todas as actividades e estando
próximos nas novas experiências.
A par da escola, começam também a frequentar a catequese. Por isso, nunca é
demais lembrar a importância de lhes falar de Deus através de Jesus, da oração e a
frequência da Eucaristia.
Entrando para a escola aguça-se a “sede do saber”.
A criança nesta fase procura novas respostas. As suas perguntas já não se dirigem
tanto ao mundo dos “porquês”, mas ao mundo do “como”. Por isso, fica fascinada
pela vida dos animais, pelos fenómenos da natureza, pelas grandes descobertas e
invenções, por coisas concretas e que se podem experimentar. Para manter vivo este
interesse, ela precisa
de ser guiada pelos adultos (pais, professores, educadores), de quem não espera
muitas explicações teóricas, mas exemplos concretos, estímulos reais que captem o
seu interesse. Às vezes é graças a estes estímulos que a criança descobre as suas
inclinações para o futuro e começa a dizer: «Quando for grande quero ser…»
Escusado será dizer que também a espiritualidade da criança depende muito do
testemunho e do estímulo dos próprios pais.
Ao estabelecer relações com os seus coetâneos, a criança passa da fase egocêntrica
para a fase da sociabilização. Começa a escolher os seus melhores amigos, constrói a
sua identidade dentro do grupo, aprende a colaborar com os outros e a respeitar as
regras. Ao mesmo tempo começa a perceber o significado de “estar na pele dos
outros” e a comportar-se de um modo coerente às suas expectativas e às dos seus
amigos.
Apesar de nesta idade a criança começar a desenvolver o sentido da independência

38
e da responsabilidade, nem sempre consegue gerir determinadas situações mais
complexas e isto pode levá-la a render-se perante as dificuldades e a evitar os
conflitos. O sustenho, a compreensão e a paciência dos pais, nestas situações, são
indispensáveis para permitir que a criança se familiarize gradualmente com as novas
situações, de modo a superar a ânsia inicial e aprender a geri-las com equilíbrio sem
que tenha de se sentir carregada pelas excessivas expectativas.
A ajuda dos pais torna-se ainda mais importante quando a criança se encontra em
ambiente hostis, onde não se sente aceite, e tem medo de fazer má figura, de ser
rejeitada pelos amigos ou de não conseguir ter boas notas.
«Pela árvore se verão os frutos», dizia Jesus. O mesmo se aplica à educação, como
esforço contínuo de colaboração entre família, escola e Igreja para o bem da
humanidade.

39
Uma grande lição
«Um dia, o pai de uma família rica, que era um grande empresário, levou o seu filho
para viajar até um lugar com a intenção de lhe mostrar o quanto as pessoas são
pobres.
O objectivo era convencer o filho da necessidade de valorizar os bens materiais que
possuía, a classe a que pertenciam e o prestígio social. O pai queria desde cedo
transmitir esses valores ao seu herdeiro.
Foram para uma quinta distante, no interior do país e ficaram um dia e uma noite
numa pequena casa, feita de materiais simples, que pertencia a uma família pobre.
Quando regressavam da experiência, a meio da viagem, o pai perguntou ao filho:
– Então, meu filho, como está a correr a nossa viagem?
– Muito bem, pai – respondeu o pequeno.
– Viste a diferença entre viver na riqueza e viver na pobreza?
– Sim, pai! – respondeu o pequeno pensativamente.
– O que foi que aprendeste com tudo o que vimos naquele lugar tão pobre?
O menino respondeu:
– Olha pai, vi que nós só temos um cão em casa e eles têm quatro. Nós temos uma
piscina que ocupa meio jardim, eles têm um riacho que não tem fim. Nós temos uma
varanda coberta e iluminada com lâmpadas fluorescentes e eles têm as estrelas e a lua
no céu. O nosso quintal só vai até ao portão da nossa casa, eles têm uma floresta toda
para eles. Nós temos alguns canários nas gaiolas, eles têm todas as aves que a
natureza lhes oferece, mas soltas.
E continuando, suspirou:
– E além disso, observei que eles rezam antes de comer, enquanto nós em casa
sentamo-nos à mesa e falamos de negócios, de festas, de interesses, empurramos o
prato e está feito. No quarto onde fui dormir com o João, fiquei envergonhado porque
não sabia rezar, enquanto ele se ajoelhou, agradeceu a Deus por tudo, inclusive da
nossa visita à casa deles. Na nossa casa, vamos para o quarto, sentamo-nos na cama,
vemos televisão e depois adormecemos. Outra coisa que reparei foi que no quarto só
havia uma cama, o João ofereceu-me a sua cama e ele dormiu no chão. E na nossa
casa, a nossa empregada de limpezas dorme no quarto do fundo, onde estão todas as
arrumações, quando nós dormimos nos lugares arrumados e nos lençóis bem macios.
À medida que o filho falava, o pai estava estupefacto e envergonhado. E mais
espantado ficou quando o filho o abraçou e lhe disse:
– Obrigado, pai, por me teres mostrado quanto somos pobres.»
Esta pequena história, de autor desconhecido, é uma grande lição de vida!
Em tempo de férias, quando se pressupõe que os pais passem mais tempo com os
filhos e que a família esteja mais tempo junta, histórias como esta podem constituir o
início de um agradável serão. Sobretudo revelam que as nossas motivações nem

40
sempre alcançam o resultado pretendido. Deus conhece as nossas intenções, mas
também sabe do que os outros necessitam.
Por isso, não deixe de educar os seus filhos, de partilhar valores e sentimentos com
o seu marido ou mulher, de animar o seu irmão ou irmã mais desorientado. Fale,
partilhe, porque nisso reside o princípio da pedagogia: ensinar com a vida o que as
palavras não conseguem dizer. E deixe o resto com Deus.

41
Vida de qualidade
Vivemos preocupados, e cada vez mais se usa esta expressão, com a nossa «qualidade
de vida». Iludimo-nos quando pensamos que esta possa ser garantida apenas pelas
seguranças materiais e pelos meios técnicos mais avançados. Penso, porém, que a
grande questão que deve ser colocada hoje é como ter uma vida de qualidade, uma
existência capaz de proteger, educar, cultivar, valorizar o ser humano através das suas
capacidades mais nobres.
A falta de humanização crescente na nossa sociedade faz esquecer valores simples
mas fundamentais como a justiça, a verdade, a coerência, o respeito, a delicadeza, a
entreajuda, o sacrifício, a gratuidade, valores que o Cristianismo sempre veiculou e
defendeu.
A desumanização da vida humana gera o vazio e a superficialidade do quotidiano.
O olhar sereno e realístico que o Cristianismo nos oferece impede-nos de considerar
as ocupações do nosso viver humano como um conjunto de acções insignificantes e
aborrecidas. Toda a actividade humana tem a sua “graça”, no duplo sentido: auxílio
divino e geradora de beleza.
Educar o ser humano é contribuir para que cada actividade seja portadora de uma
graça benéfica e esta tem sido uma preocupação da Igreja, que no nosso tempo é cada
vez mais importante, sobretudo quando nos apercebemos de um certo esvaziamento
da mente e fuga de um saber que pacientemente vai procurando as respostas. A
atracção
que o mundo virtual e em rede exerce nos nossos jovens, a distracção visual e sonora
com que são bombardeados todos os dias, dificultam o saudável exercício de olhar
para dentro de si mesmos e de escutar as verdadeiras razões do coração.
Melhorar as condições sociais e defender a democracia é importante; construir a
paz e a unidade entre etnias, culturas e religiões é igualmente essencial e muito nobre,
mas para chegar a estes objectivos e para ajudar os nossos contemporâneos a
construírem vidas cheias de sentido não bastam políticas inteligentes e diplomacias
eficazes: são necessários cidadãos honestos e bons cristãos.
Bento XVI, numa carta dirigida à cidade de Roma sobre a tarefa urgente da
formação das novas gerações, em Janeiro de 2008, especifica que educar é «encontrar
um justo equilíbrio entre a liberdade e a disciplina. Sem regras de comportamento e
de vida, feitas valer dia após dia também nas pequenas coisas, não se forma o carácter
e não se está preparado para enfrentar as provas que não faltarão no futuro. Mas a
relação educativa é antes de tudo o encontro de duas liberdades e a educação com
sucesso é formação para o recto uso da liberdade. Mas à medida que a criança cresce
torna-se um adolescente e depois um jovem; portanto, devemos aceitar o risco da
liberdade, permanecendo sempre atentos a ajudá-lo a corrigir ideias e opções erradas.
O que nunca devemos fazer é favorecê-lo nos erros, fingir que não os vemos, ou,

42
pior, partilhá-los, como se fossem as novas fronteiras do progresso humano. Portanto,
a educação nunca pode prescindir daquela respeitabilidade que torna credível a
prática da autoridade. De facto, ela é fruto de experiência e competência, mas
adquire-se sobretudo com a coerência da própria vida e com o comprometimento
pessoal, expressão do amor verdadeiro.»

43
Violência e educação
O tema da violência foi sempre crucial na vida pessoal e nas relações dos seres
humanos, nos mitos, nas religiões, na história do pensamento e da cultura. Abordar
este tema significa invocar o nosso imaginário, um conjunto de valores, aspirações e
crenças da nossa cultura de pertença e estarmos disponíveis para nos interrogarmos
sobre a compreensão das motivações profundas dos comportamentos individuais e
colectivos.
A crescente violência na adolescência a que temos assistido deixa-nos espantados e
incrédulos, levando a que se multipliquem os debates sobre este fenómeno, alertando
para as implicações culturais, sociológicas, antropológicas e políticas da questão.
A tendência a minimizar, e por vezes a negar, ou a enfatizar episódios de violência
tem o significado de defesa generalizada da comunidade e de protecção do que é
“nosso”. Mas a questão da violência é tão articulada e evasiva, por vezes tão difusa e
radicada nos comportamentos individuais e colectivos, que se torna fundamental
trabalhar sobre um conceito claro de violência.
A Organização Mundial de Saúde define violência como a «ameaça ou uso
intencional da força física ou do poder contra si mesmo, contra os outros ou contra
um grupo ou comunidade que provoca, ou atenta de provocar um trauma, a morte,
danos psicológicos, distorções do crescimento ou privações» (Relatório mundial de
2002 sobre violência e saúde).
Nesta definição estão incluídos os tipos de violência auto-infligida, interpessoal e
colectiva, mas também a violência juvenil, os comportamentos de vandalismo, as
moléstias e agressões sexuais, a violência na escola e o bullying.
É fundamental deixarmos de olhar para certos comportamentos juvenis
considerando-os apenas reacções de adolescentes ou modos de expressão juvenil e
reagir com firmeza e severidade, punindo os actos violentos e cuidando das vítimas e
dos agressores. A autoridade que se retirou aos professores e educadores em matéria
de punição, em nome do “pedagogicamente incorrecto”, traz consequências nefastas
no sentido do respeito pela autoridade e aceitação da correcção. Quando são os
próprios pais a não darem o exemplo de respeito e acato nas mais variadas
circunstâncias, não serão os filhos a auto-educarem-se nesta matéria.
É sabido que na adolescência o ser humano se encontra pela primeira vez frente a si
mesmo, confrontando-se com a força física e sexual que tem. E é precisamente neste
tempo que o adolescente necessita de ser ajudado a compreender o seu corpo e a sua
mente, a dominar os instintos, a investir nos afectos, a respeitar-se a si mesmo e aos
outros. A máxima de Jesus «não faças aos outros o que não gostas que te façam a ti»
pode ser uma ajuda prática no processo do crescimento humano e na educação.
Perante a violência sem sentido, os adultos, os investigadores das ciências humanas
e sociais, os juízes, são chamados a dar um significado e a intervir com bom-senso,

44
repropondo a interligação entre o comportamento e os afectos, entre as acções e os
seus efeitos, entre os direitos e os deveres, entre as regras e os limites.
Faríamos bem todos em dar mais atenção aos nossos gestos e palavras, porque a
violência dos adolescentes é uma extensão dos comportamentos dos adultos.

45
Educação sexual
A importância da educação sexual vai muito mais além de um projecto-lei ou da
exclusiva responsabilidade da escola nesta matéria. Quando falamos de sexualidade
referimo-nos fundamentalmente à pessoa e não apenas ao sexo. De facto, o sexo
pertence à pessoa e dela retira o valor e o verdadeiro significado. Por isso, falar de
educação sexual significa falar de educação integral (não no sentido light, mas
completa, que engloba todos os aspectos humanos) e harmoniosa da pessoa, em que a
sexualidade constitui um elemento essencial, mas não o único.
A sexualidade não é apenas um dado adquirido, de que tomamos consciência a
partir da adolescência, mas é um projecto que se constrói livre e responsavelmente ao
longo de toda a existência humana. Daí a necessidade de falar de educação sexual a
partir da inteligência, do sentimento e do comportamento. A partir da inteligência
para formar uma visão genuína da sexualidade, da sua estrutura, dos seus dinamismos
e da sua finalidade. A partir do sentimento para ajudar a perceber o sentir humano e
as atracções que a sexualidade nos traz. A partir do comportamento para através das
indicações da razão e das normas morais exercer um domínio sobre si mesmo em
vista do respeito individual e social.
Para a Igreja qualquer projecto educativo só é possível a partir da perspectiva de
uma educação para o amor, pois este é o verdadeiro motor da vida, da felicidade e da
realização. Neste sentido, a educação sexual deve ser orientada ao amor, uma vez que
é este que dá sentido à vida sexual.
Todo o dinamismo da sexualidade, desde o plano fisiológico até àquele afectivo e
espiritual, deve ser orientado para o amor na perspectiva da doação de si mesmo. Só
um itinerário pedagógico assim atento às fases de amadurecimento físico-
psicológico-espiritual da criança, do adolescente e do jovem poderá ajudar a viver de
uma forma responsável as relações humanas e sexuais, mas também a discernir sobre
a própria vocação e realização afectiva e sentimental.
Sabemos que o processo educativo da pessoa, em todas as suas dimensões, é cada
vez menos uma prerrogativa de determinados ambientes (família, escola, igreja), mas
o resultado complexo da interacção de numerosas e contrastantes mensagens e
estímulos vindos dos mais variados ambientes (televisão, cinema, Internet, amigos).
Se queremos que a educação não seja um barco à deriva no meio de uma sociedade já
com tantas crises, é necessário o diálogo entre todos e que a escola se torne a
consciência crítica da “cidade educativa”.

46
O fascínio da Internet
O novo milénio é caracterizado pelo uso crescente da Internet, que levou a um
progresso tecnológico sem precedentes na história da humanidade. Porquê e para quê
ainda não se sabe ao certo, mas algumas dúvidas têm sido levantadas: A Internet é
segura? A Internet traz consigo vícios e novas doenças? A Internet é realmente livre e
confiável? A Internet modifica o conhecimento e o comportamento humano? Que
vantagens traz a Internet para a vida?
Ponto fundamental é perceber que a Internet, e todos os meios digitais, constitui um
novo canal de comunicação que permite contactos em qualquer parte do mundo e
acesso a um conhecimento infinito de realidades.
A Internet representa um mundo sem confins em que o utilizador passa de uma
concepção de espaço fechado (caracterizado pela imobilidade, segurança,
dependência) para uma concepção de espaço aberto, livre e sem fronteiras, onde até o
tempo perde a sua dimensão cronológica e histórica, para adquirir um carácter
sincrónico e simétrico, acentuando as relações e os intercâmbios. Desta forma, o
indivíduo entra na nova dimensão virtual impelido pelo desejo de saber, conhecer, ver
e comunicar.
A comunicação na Internet apresenta características próprias: facilita as relações
com as outras pessoas, dá a certeza de se ser escutado e de manter o anonimato, a
possibilidade de usar a fantasia e a imaginação, dar a imagem de si que se pretende,
dar a segurança de que está sempre acompanhado. Estas características por sua vez
dão a sensação de uma liberdade ilimitada, a emoção de se sentir interessante,
mostrando apenas os aspectos bons da personalidade, possível apenas num contexto
privo de referências visuais.
Ficar fascinados apenas pelas imensas vantagens que a Internet nos oferece pode
ser uma armadilha, uma vez que não se navega apenas por necessidade ou por lazer,
mas gasta-se nela muito tempo que depois poderá fazer falta nas relações
interpessoais a nível familiar e profissional.
A adolescência representa uma fase da vida em que se começa a sair do núcleo
familiar e a confrontar-se com a sociedade. Para muitos adolescentes este confronto é
feito através da Internet, que por ser um mundo virtual adquire um maior fascínio e
leva o adolescente a passar mais tempo na Internet do que a relacionar-se com o
mundo não digital. O perigo da dependência da Internet pode levar a comportamentos
pouco sociais e a um isolamento que não é saudável para o crescimento.
Torna-se assim necessário que ao mesmo tempo que se educa comunicando valores
também se eduque a comunicar, isto é, na escola, na família e na paróquia dever-se-ia
reflectir sobre as vantagens e os perigos que a Internet e as novas tecnologias
representam. Seria útil que houvesse uma hora de educação cibernética nas escolas e
nas paróquias, juntamente com as aulas e o catecismo.

47
Nunca é demais sublinhar que a Internet não é um mundo virtual que acaba quando
se desliga o computador. Mas é um prolongamento do nosso mundo, em que
devemos ter atenção à forma como nos comportamos, pois tudo o que lá colocarmos
vai para além das nossas intenções.

48
Jovens
Em tempo de verão é mais fácil ver grupos de jovens a passearem, a conviverem, por
vezes a não fazerem nada, mas sempre em grupo, nos espaços abertos das nossas
cidades. As aulas terminaram, os exames estão concluídos, agora vivem o tempo da
despreocupação sem ocupação. E isto preocupa-me! Porque ao olhar para estes
jovens (cujo critério de idade vai sempre aumentando,
actualmente são considerados jovens dos dezoito aos trinta anos) existem algumas
características neles que são comuns independentemente da nacionalidade, estrato
social ou religião. O individualismo, o subjectivismo, o consumismo e a tendência
para a dessocialização estão entre esses modos de ser e de se comportarem.
Não é necessário um grande aprofundamento para perceber que os jovens de hoje
são filhos do liberalismo, da globalização, das mudanças na família, cada vez mais
marcados pela separação dos pais e pela falta do casal como espaço de confiança e
segurança.
Estes jovens são filhos dos jovens que viveram a sua juventude entre os anos 60 e
70, os quais frequentemente escolheram não transmitir aos seus filhos os valores
religiosos e cristãos que receberam, com o intuito de lhes darem a felicidade sem
imporem regras.
Os jovens hoje demonstram ser mais disponíveis e atentos às acções de
solidariedade, mas têm menos sentido de pertença do que os seus pais. A sua
identidade assenta cada vez menos na reflexão e na memória histórica, literária e
artística das raízes cristãs.
Estão cada vez mais imersos no universo virtual dos videojogos, das redes sociais,
da Internet, da televisão e do cinema. Facilmente absorvem as modas e as regras de
mercado, são um alvo recorrente da publicidade que os instiga à satisfação imediata
dos desejos e a uma vivência desordenada da sexualidade, por vezes confusa e anti-
relacional. A consequência é que depois, no contacto com a realidade, as
representações imaginárias e virtuais de si próprios e da vida real lhes causam medo e
frustração.
O não saberem responder à pergunta sobre o sentido da vida, os insucessos, as
dificuldades em entrarem no mercado de trabalho, as inseguranças geradas pela
competitividade, as dificuldades crescentes em fazerem escolhas e renúncias, a falta
de recursos interiores e espirituais, o desinteresse dos educadores e a falta de
capacidade de escutarem, determina o aumento das patologias ligadas ao stresse e à
ansiedade. E, deste modo, desagrega-se a personalidade do jovem que, “empurrado”
por esta negatividade, pode desenvolver fobias e regressões emotivas de ordem
patológica que levam a ataques de pânico, angústias, depressões, anorexia, bulimia,
suicídio, etc. E o pior é que perante esta complexidade nem sempre os pais e os
educadores estão preparados para darem respostas preventivas e eficazes.

49
É urgente olhar para os jovens com as lentes da paciência e da bondade, caso
contrário corremos o risco de uma miopia social e de um futuro às cegas.

50
O gosto de viver
A vontade de conseguir prolongar a existência humana é tão antiga quanto o próprio
Homem.
Os cientistas, ao falarem da descoberta de um gene que prolonga a existência,
convencem-se de que estão no caminho que os levará a aumentar a duração da vida.
Mas há tanta gente que desanima, que não sabe o que fazer da vida!
Na Europa, entre os sessenta e os setenta e cinco anos, as pessoas continuam a ser
obrigadas a parar. Por isso, muitas vezes, caminham para um envelhecimento
precoce. Com a perda de protagonismo ou de compromisso empenhado, sobretudo no
trabalho, cai-se, por vezes, na depressão. De tal modo que nas vésperas da idade da
reforma, muitas confessam que vivem com terror a sua saída do sistema produtivo.
Mas poder-se-á, de facto, chamar velha a uma pessoa que, em geral, goza de boa
saúde, vivendo sozinha ou em casal, que participa em actividade de voluntariado e
que só raramente recorre a clínicas e hospitais ou estruturas assistenciais públicas
(quando existem)?
Parece realmente que não. Neste sentido, seria importante que se criassem mais
centros sociorrecrativos dedicados aos anciãos. Precisamente para prevenir a solidão
e a perda de interesse em quem, ainda com boa saúde, se vê obrigado a deixar de
trabalhar. Um bom exemplo são as universidades para a terceira idade.
Em tempos tinha-se consciência do valor do ancião: era sábio, a pessoa cheia de
experiência, que tendo vivido e reflectido tinha muito para dizer e para dar. Hoje
tende-se a identificar a vida com o que se faz e produz, pelo que a vida do ancião
deixou de ter importância pelo facto de não produzir. É preciso não esquecer que o
valor da vida do Homem não depende só do que faz ou produz. A vida também é
sentimento, comunhão de afectos, conhecimento, memória, solidariedade, sorriso,
serenidade e alegria. Tudo situações que não se improvisam, mas nascem de uma
existência bem vivida.

51
Quarta idade
Um dos tantos provérbios chineses, ou a eles atribuídos, diz que «a vida do Homem é
marcada por três tempos: o passado, o presente e o futuro. Mas a vida do ancião só
conhece o passado, porque o presente foge-lhe rapidamente e já não tem tempo para
sonhar o futuro.» A realidade actual contradiz esta lógica, tendo em conta a revolução
silenciosa da terceira idade que aconteceu a nível mundial.
A propósito deste fenómeno, os estudiosos da demografia falam da «pirâmide
invertida»: antigamente a base era constituída pelos jovens que eram bem mais
numerosos que os anciãos; hoje a arquitectura demográfica coloca os jovens no
vértice. Mudou também o calendário da idade, isto é, antigamente era-se considerado
velho aos cinquenta anos, depois começou-se a falar da terceira idade a partir dos
sessenta e agora aos setenta ainda não se é ancião. Por isso é que já se fala de uma
quarta idade, para indicar que os confins da velhice não são determinados pelo bilhete
de identidade, mas pelas condições de saúde, física e psíquica, e pela vivacidade da
própria pessoa. Não se sai de cena porque se é velho, mas é-se velho quando se sai de
cena!
É indiscutível que o conceito de velhice se foi modificando progressivamente. E
esta idade, que era considerada o tempo da nostalgia e das recordações, tornou-se a
estação da vida da liberdade, da criatividade e dos afectos. Cada vez mais se fala dos
idosos como um recurso da sociedade a nível humano, económico, cultural e religioso
e não tanto como um problema.
A nível humano, o idoso é o garante da memória junto das novas gerações, é a
chave de leitura dos acontecimentos passados e da história futura. Economicamente,
os idosos são uma grande ajuda para os filhos e netos, e um potencial financeiro no
mercado do consumo ligado aos produtos e às actividades culturais e de lazer. Na
religiosidade e na afectividade, os idosos são os garantes da transmissão dos valores,
que não se podem perder e que são determinantes para a construção de uma sociedade
mais justa e humana.
Contudo, devemos olhar com realismo para os problemas próprios da velhice
ligados à saúde, ao abandono, à violência, à segurança, à pobreza, que aumentam com
a idade e que dificultam a vida quotidiana. É urgente que as instituições enfrentem de
uma forma responsável os problemas colocados pela presença crescente de idosos na
nossa sociedade, que passam pela renovação dos serviços sociais, pelas novas formas
de tutela jurídica e garantias na assistência e na saúde e maior atenção na segurança.
O futuro é dos idosos! Parece uma provocação mas é um dado confirmado pela
demografia. Por isso, é necessário que o idoso saiba envelhecer e que a sociedade
saiba criar uma nova comunidade social onde o idoso se sinta integrado e valorizado.
Só assim poderá dar o seu melhor.

52
Capitulo III
A FÉ E A IGREJA
Quem é Cristo?

Um sacerdote, durante uma viagem ao Oriente, conta o cardeal Tomás Spidlík, foi
abordado por dois jovens, um rapaz e uma rapariga, que se apresentaram como
jornalistas de uma rádio privada e queriam entrevistá-lo sobre a vida na Europa
ocidental. O sacerdote aceitou e as perguntas eram interessantes. Ao despedir-se, o
sacerdote ofereceu à rapariga uma medalha com a imagem de Cristo. Naquele exacto
momento foi-lhe colocada uma pergunta inesperada: «Quantos são os Cristos? Um é
o Nazareno, outro é o do ícone, o terceiro é o Ramakrishna…»
De repente, o sacerdote não conseguiu responder àquela pergunta tão profunda.
Começou por perceber a origem da jornalista e descobriu que vinha da República do
Tartaristão. Ela tinha ouvido falar de Cristo, mas nunca tinha lido nada sobre Ele. É
lógico que o desconhecimento de Cristo não era culpa sua. Imagino o que se ouviria
se perguntássemos hoje aos habitantes da Europa cristã o que sabem sobre Cristo!
Imagino também a confusão de ideias e opiniões na Palestina quando Jesus
começou a pregar e a fazer milagres. Quantas discussões e mal-entendidos.
Certamente muita gente perguntava directamente aos Apóstolos que O seguiam,
quem era verdadeiramente Jesus.
Jesus também questionou os Seus discípulos: «O que diz a gente sobre o Filho do
homem?» Ao que lhe responderam: «Alguns João Baptista, uns Elias, outros Jeremias
ou um profeta.» E Jesus retorquiu: «E vós, quem dizeis que Eu sou?»
Quem é Cristo é a pergunta que hoje inquieta quem nada d’Ele conhece e
entusiasma quem O encontra todos os dias.
O jovem rico, no Evangelho de Mateus, ao encontrar Jesus, pergunta-lhe: «Mestre,
o que devo fazer para alcançar a vida eterna?» Parece que tinha a intenção de mudar a
própria vida, mas quando ouviu a condição, quando ouviu que tinha de renunciar a
tudo o que tinha, foi-se embora entristecido. O encontro com Jesus não o
transformou. É uma excepção à regra (pensemos nos discípulos que Jesus chamou,
em Zaqueu, em Maria Madalena, no paralítico, no cego de nascença, nos
endemoninhados, etc.). Como o podemos explicar? A explicação é o próprio Cristo
que a dá: «Em verdade vos digo: é mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma
agulha, que um rico entrar no Reino dos Céus.»
Aqui a riqueza pode ser bens materiais, ideias fixas ou falta de conhecimento. Por

53
isso, em sentido metafórico, o número dos ricos é maior do que aqueles que têm
muito dinheiro.
O encontro com Jesus implica uma mudança de vida. Não se pode continuar a viver
como antes, porque Cristo é uma realidade dinâmica, é um ritmo de vida que cresce
até à eternidade, porque se revela cada dia mais.
A verdade é que acontece que aqueles que encontram
Jesus e não mudam, acabam por querer mudar Cristo.
Ao longo dos dois mil anos de Cristianismo, foi isso que aconteceu com as heresias
cristológicas.
Por isso, hoje não faltam as ideias e opiniões próprias sobre Cristo. Mas de um
Cristo feito à própria medida e conveniência. Isso não vale. É preciso dizê-lo com a
mesma fé de Pedro: «Tu és o Cristo, o filho de Deus vivo.» E Jesus respondeu-lhe:
«Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne ou sangue que te revelaram
isso, mas o Meu Pai que está nos céus.»
Felizes seremos se, na nossa compreensão de Cristo, nos deixarmos guiar pelo
Espírito de Deus que tem guiado a
Sua Igreja e permanecermos firmes na fé d’Aquele que nos salvou.

54
Viver a fé hoje
Vivemos numa época em que os símbolos sagrados são objectos da moda e não um
testemunho de fé (crucifixos como brincos, colares ou pulseiras; t-shirts com imagens
sagradas; rosários como colares ou cintos). Vivemos numa época em que a linguagem
se laiciza como sinal de uma maior universalidade e independência de qualquer
manifestação religiosa (quem usa expressões como «graças a Deus», «se Deus
quiser», «louvado seja Deus», é olhado como atrasado no tempo). Vivemos numa
época em que as instituições religiosas são contestadas, sobretudo a Igreja Católica é
atacada através de fenómenos mediáticos.
Contudo, esta nossa época ainda se diz cristã pelos valores e costumes, pela ética e
pela concepção da vida intrinsecamente ligadas ao Cristianismo.
Como podemos reagir a este aparente “eclipse do sagrado”? Através de dois modos:
refutando o tempo presente e refugiando-nos no passado («antigamente é que era
bom»); ou aprendendo a viver a fé hoje, no meio de uma sociedade pouco propensa
ao religioso.
A fé, ao longo dos tempos, sempre se soube inserir nas várias épocas e
mentalidades, sempre soube dar razões do seu acreditar. A fé é auto-suficiente porque
é um dom que vem do alto, é a confirmação da presença de Deus na nossa vida. Por
isso, a fé é um projecto sobre o futuro último para o qual todos caminhamos, é
acreditar nas realidades últimas que Jesus nos ensinou e para as quais toda a
humanidade caminha. Por isso, um tempo não religioso é um tempo fecundo para a
fé.
Quem tem fé adapta-se a todas as possibilidades e contextos históricos, pois
podemos viver a fé até sem que esta esteja contemplada na Constituição da República
ou da
Europa, no Código Civil ou no Parlamento.
A fé vive humilde, é uma espécie de terceira dimensão da realidade, é como o
fermento na massa que a faz levedar sem se ver. Mas é desejável que a fé irradie à sua
volta o efeito de salvação através da esperança e da caridade que lhe é própria.
Ao longo da história, a fé foi tendo e construindo estruturas, racionais e
institucionais que a ajudaram a dar visibilidade às razões da sua existência e
actividades, em favor dos outros e para a glória de Deus. Mas, quando a fé se torna
tíbia, ficam apenas as estruturas, as regras e um vazio.
Às vezes tenho a sensação de que carregamos estruturas sem alma, dizemos
palavras sem sentido, mostramos símbolos sem vida. É precisamente neste contexto
que a secularização se pode transformar numa preciosa ocasião para purificar a fé,
deixando de lado o que é secundário e concentrando-nos no que é essencial. Aqui a
Palavra de Deus é uma guia segura!
Se a nossa fé é profunda e vital, encontrará a maneira de se exprimir e convencer

55
com a força do testemunho, não necessitando de recorrer a slogans ou estratégias
políticas e sociais.

56
Servir a Igreja
Os cardeais são muito mais do que os eleitores do Papa. Estes são escolhidos pelo
Papa como os seus principais assistentes e conselheiros na admi-
nistração central da Igreja.
Apesar de o título de cardeal não implicar nenhuma extensão do poder do
sacramento da Ordem, considera-se que os cardeais ocupam o lugar de maior
prestígio na Igreja, depois do Santo Padre, e por isso são chamados os “príncipes da
Igreja”.
O Colégio Cardinalício apresenta-se como uma significativa manifestação da
comunhão eclesiástica que une as Igrejas particulares à Cátedra de Pedro, a qual
«preside à comunhão universal de caridade, tutela a legítima variedade e vigia para
que o que é particular não só não atente contra a unidade, mas a sirva e a promova»
(Lumen gentium, n.º 13).
O extraordinário acontecimento do consistório propõe-nos a vivência da dupla
dimensão da Igreja: os novos cardeais são associados com um vínculo particular à
Igreja de Roma, fundada pelos Apóstolos Pedro e Paulo, pela palavra e pelo sangue.
E, ao mesmo tempo, os novos cardeais dão testemunho da extensão universal da
Igreja: de facto, provêm das mais longínquas terras do mundo. Através das suas
pessoas, os tesouros das diversas culturas afluem à Igreja de Roma, enriquecendo-a
com as experiências e conquistas humanas, que passam a fazer parte do património da
sabedoria acumulada ao longo de muitos séculos, junto
da Cátedra de Pedro.
Fiel ao convite do Filho de Deus, a Igreja percorre desde há dois mil anos os
caminhos dos homens ao serviço do Homem. Educando o indivíduo e os povos, a
Igreja inclina-se perante o ser humano com profundo respeito, admira as suas
riquezas e percebe as suas aspirações profundas de amor. O Homem é o caminho da
Igreja; esta vive no coração do Homem e o Homem vive no seu coração. Por isso
toda a esperança e sofrimento humano o inquietam e interpelam.
Olhamos, agora, para os nossos cardeais como pontos seguros de referência,
procurando luz e orientação para vivermos mais profundamente em comunhão com a
Igreja.

57
Um Papa para conhecer
Bento XVI certamente foi escolhido por Deus. Não é possível acreditar que o Espírito
Santo se tenha enganado no conclave, depois da oração insistente de milhões de fiéis
para que o próximo Papa fosse segundo o coração de Deus. Afinal de contas «onde
dois ou três estiverem reunidos em Meu nome…»
Para os cardeais eleitores, a eleição foi simples e clara: à quarta votação, passadas
apenas 24 horas do início do conclave, houve fumo branco. Curioso foi que para
vários comentadores esta eleição foi fraccionária, conservadora, mal aceite e vai fazer
a Igreja voltar para trás.
Que dizer de Bento XVI? Valho-me das palavras de quem o conhece bem. O
cardeal de Viena, Christopher Schönborn, no fim do conclave, numa breve
conferência de imprensa, afirmou que «o novo Papa disse sim à sua nova
responsabilidade de uma forma forte e decidida. Estava feliz de aceitar este encargo
sem reservas, sabendo que irá levar o peso desta missão até à morte.» E acrescentou:
«Não é uma pessoa fria como muitos pensam, é apenas reservado. Para quem o
conhece, consegue intuir, através das suas expressões, sinais das suas emoções, e eu
agradeço a Deus por ter escolhido este Papa.» «Será o Papa da paz», sublinhou o
cardeal taxativamente, «pois até a escolha do nome Bento, de que não estávamos à
espera, faz referência ao esforço de Bento XV na busca da paz, um esforço que teve
pouco sucesso. Mas também alude a São Bento, padroeiro da Europa e insigne mestre
nos caminhos de Cristo. Eis, paz e centralidade de Cristo serão os pontos cardeais
deste Papa.»
Já para o jornalista e escritor Vittorio Messori, o único a fazer uma entrevista ao
Papa João Paulo II, «o Ratzinger da realidade, não o do mito, está entre os homens
mais humildes, compreensivos, cordiais, até tímidos, que me foram dados a conhecer.
É um sacerdote a quem, depois de algumas horas de conversa, dá vontade de pedir
que nos confesse.»
Sublinha ainda que «Joseph Ratzinger, por amor à Igreja, fez o maior sacrifício da
sua vida, renunciando à sua verdadeira vocação, a do estudioso de Teologia e de
professor que divide o seu tempo entre a biblioteca e o contacto com os jovens.
Sempre teve dificuldade em ter de intervir criticamente sobre o trabalho dos seus
colegas e se o fez foi porque era o seu dever.»
Quanto à escolha do nome, Messori interroga-se porque não João Paulo III, como
lhe teria sugerido a sua fidelidade ao anterior Pontífice. «Porque São Bento é o
padroeiro da Europa, e este nome sugere com clareza as raízes cristãs da Europa que
a Constituição da União Europeia não quis reconhecer.»
Humilde, tímido, afectuoso, cordial, inteligente, respeitador são algumas das
características conhecidas deste Pontífice. Outras estarão a revelar-se através das suas
palavras e gestos eloquentes ao longo deste pontificado, que não passará

58
despercebido.

59
A Eucaristia na vida da Igreja
Na Exortação Apostólica Pós-sinodal Sacramentum Caritatis, sobre a Eucaristia
como fonte e centro da vida e da missão da Igreja, Bento XVI sublinha alguns
aspectos que podem «despertar na Igreja um novo impulso e fervor eucarísticos». O
próprio Papa alerta que este objectivo só se realiza desde que o «povo cristão
aprofunde a relação entre o mistério eucarístico, a acção litúrgica e o novo culto
espiritual que deriva da Eucaristia enquanto sacramento da caridade». Por isso, é
importante ler e aprofundar esta exortação apostólica.
Também este documento remete para a primeira encíclica de Bento XVI, Deus é
amor, convidando os fiéis a descobrirem o amor de Deus no sacrifico eucarístico.
Logo na introdução, refere: «No sacramento do altar, o Senhor vem ao encontro do
Homem, criado à imagem e semelhança de Deus (GN 1,27), fazendo-Se seu
companheiro de viagem. Com efeito, neste sacramento, Jesus torna-Se alimento para
o Homem, faminto de verdade e de liberdade. Uma vez que só a verdade nos pode
tornar verdadeiramente livres (JO 8,
36), Cristo faz-Se alimento de Verdade para nós. Com agudo conhecimento da
realidade humana, Santo Agostinho pôs em evidência como o Homem se move
espontaneamente e não constrangido, quando encontra algo que o atrai e nele suscita
desejo. Perguntando-se ele, uma vez, sobre o que poderia em última análise mover o
Homem no seu íntimo, o santo bispo exclama: “Que pode a alma desejar mais
ardentemente do que a verdade?” De facto, todo o Homem traz dentro de si o desejo
insuprimível da verdade última e definitiva. Por isso, o Senhor Jesus, “caminho,
verdade e vida” (JO 14,6), dirige-Se ao coração anelante do Homem que se sente
peregrino e sedento, ao coração que suspira pela fonte da vida, ao coração mendigo
da Verdade. Com efeito, Jesus Cristo é a Verdade feita Pessoa, que atrai a Si o
mundo. […] No sacramento da Eucaristia, Jesus mostra-nos de modo particular a
verdade do amor, que é a própria essência de Deus. Esta é a verdade evangélica que
interessa a todo o Homem e ao Homem todo. Por isso a Igreja, que encontra na
Eucaristia o seu centro vital, esforça-se constantemente por anunciar a todos, em
tempo propício e fora dele (opportune, importune: cf. 2TM 4,2), que Deus é amor.
Exactamente porque Cristo Se fez alimento de Verdade para nós, a Igreja dirige-se ao
Homem convidando-o a acolher livremente o dom de Deus.»
Dos vários temas tratados, gostaria de sublinhar o capítulo referente à Eucaristia e
ao Matrimónio: «A Eucaristia, sacramento da caridade, apresenta uma relação
particular com o amor do homem e da mulher unidos em Matrimónio. Aprofundar tal
relação é uma necessidade do nosso tempo. Várias vezes o Papa João Paulo II teve
ocasião de afirmar o carácter esponsal da Eucaristia e a sua relação peculiar com o
sacramento do Matrimónio: “A Eucaristia é o sacramento da nossa redenção. É o
sacramento do Esposo, da Esposa.” Aliás, “toda a vida cristã tem a marca do amor

60
esponsal entre Cristo e a Igreja. Já o Baptismo, entrada no povo de Deus, é um
mistério nupcial; é, por assim dizer, o banho de núpcias que precede o banquete das
bodas, a Eucaristia”. Esta corrobora de forma inexaurível a unidade e o amor
indissolúveis de cada matrimónio cristão. Neste, em virtude do sacramento, o vínculo
conjugal está intrinsecamente ligado com a união eucarística entre Cristo esposo e a
Igreja esposa (EF 5,31-32). O consentimento recíproco, que o marido e a esposa
trocam entre si em Cristo constituindo-os em comunidade de vida e de amor, tem
também uma dimensão eucarística; com efeito, na teologia paulina, o amor esponsal é
sinal sacramental do amor de Cristo pela Sua Igreja, um amor que tem o seu ponto
culminante na cruz, expressão das suas “núpcias” com a humanidade e, ao mesmo
tempo, origem e centro da Eucaristia.»

61
Encíclica social
Caritas in veritate (A Caridade na verdade) é uma encíclica sobre a economia e o
trabalho em geral, sobre os sistemas económicos em vigor, sobre a política, sobre a
globalização e a ecologia em específico, entre outros temas.
Com grande coragem e autoridade, o Papa hoje é dos poucos homens no mundo a
falar abertamente e com grande liberdade da exploração dos recursos naturais e
humanos que acontece neste momento e que mina o futuro.
Depois de um sistema económico praticamente sem regras, que não trouxe os
resultados esperados, esta encíclica poderá tornar-se no manifesto para um novo
modo de governar a partir da justiça e do bem comum.
Bento XVI sublinha que para construir um mundo novo é necessário voltar a reler e
a viver as palavras do Evangelho. Depois de dois mil anos, esta não é uma utopia mas
o único capaz de nos ajudar a corrigir o que é necessário para uma nova ordem
política, social e económica que não destrua o que Deus criou e que viu «que era
coisa boa».
«O amor – caritas – é uma força extraordinária, que impele as pessoas a
comprometerem-se, com coragem e generosidade, no campo da justiça e da paz. É
uma força que tem a sua origem em Deus, Amor eterno e Verdade absoluta»,
fundamenta o Pontífice logo na introdução. Por isso, o amor é o princípio de todas as
relações, entre as pessoas, mas também na política e na economia.
Contudo, «um cristianismo de caridade sem verdade pode ser facilmente
confundido com uma reserva de bons sentimentos, úteis para a convivência social
mas marginais. Deste modo, deixaria de haver verdadeira e propriamente lugar para
Deus no mundo. Sem a verdade, a caridade fica confinada a um âmbito restrito e
carecido de relações;
fica excluída dos projectos e processos de construção de um desenvolvimento
humano de alcance universal, no diálogo entre o saber e a realização prática»,
esclarece o Papa.
Nas páginas iniciais da encíclica, Bento XVI fundamenta teologicamente o
verdadeiro sentido da doutrina social da Igreja. Nos seis capítulos seguintes, convida
a repensar os paradigmas, os critérios de análise e de acção no campo social,
alertando que «a adesão aos valores do Cristianismo é um elemento não apenas útil
mas indispensável para a construção de uma boa sociedade, de um verdadeiro e
integral desenvolvimento do Homem».
Com grande clarividência, esta encíclica critica a auto-suficiência da técnica, um
novo ateísmo fundado sobre a indiferença e a omnipotência dos meios, os perigos da
globalização, a falta de respeito pela vida, a miséria crescente em algumas partes do
globo.
Esta encíclica é um texto precioso, que traz em si os princípios para uma nova era

62
social.

63
O livro ausente
É uma pena que pouco se tenha falado e feito ainda para aprofundar a recente
Exortação Apostólica Verbum Domini, sobre a Palavra de Deus. Trata-se de um texto
dado à Igreja por Bento XVI, a partir das conclusões da XII Assembleia Ordinária
dos Bispos que se realizou no Vaticano em Outubro de 2008. Ao mesmo tempo que
reflecte sobre a importância da Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja, o Papa,
ao longo deste documento, vai dando indicações concretas para valorizar a Bíblia
através de um encontro pessoal com Deus. De facto, logo na introdução, Bento XVI
escreve que «a Igreja se funda sobre a Palavra de Deus, nasce e vive dela. Ao longo
de todos os séculos da sua história, o Povo de Deus encontrou sempre nela a sua
força, e também hoje a comunidade eclesial cresce na escuta, na celebração e no
estudo da Palavra de Deus.» (N.º 2)
A Bíblia é o livro mais traduzido e mais vendido no mundo. E é praticamente o
único livro sobre o qual existem pesquisas para saber qual o uso que se lhe dá. Há
alguns anos, a Federação Bíblica Católica encomendou a uma empresa, a Eurisko,
uma análise sobre a divulgação e a percepção que os crentes e os não-crentes têm da
Bíblia. Esta pesquisa foi feita em oito países europeus e nos Estados Unidos da
América. Até hoje nunca tinha sido feita uma sondagem assim tão ampla e profunda.
Dos vários resultados os que mais impressionaram é que a Bíblia está presente
apenas em 2% das casas dos cristãos. Pode parecer pouco, mas se pensarmos que em
cada ano se vendem cerca de 25 milhões de bíblias, vemos que é um recorde
imbatível.
A Sagrada Escritura já foi traduzida em 438 línguas, o que representa 15% das
6700 línguas faladas no mundo.
O Novo Testamento já foi traduzido para 1168 línguas e pelo menos um dos livros da
Bíblia já foi traduzido para algum dos outros 848 idiomas.
Precisamente no sínodo dos bispos em 2008, sobre a Palavra de Deus, um bispo
africano, D. Onaiyekan, revelou que alguns pastores nómadas do deserto do Saara
exprimiram o desejo de se tornarem cristãos porque escutavam algumas leituras da
Bíblia através da rádio e essas palavras deixavam-nos fascinados. E observava que
hoje «construir igrejas é uma boa coisa, mas um programa radiofónico bem feito pode
chegar a muitas mais pessoas».
Por causa das heresias, no século XVI houve uma quebra na divulgação da Bíblia, o
que levou a um certo afastamento dos crentes do contacto directo com as Escrituras.
Em 1559, o Papa Paulo IV, ao tentar controlar a divulgação das heresias protestantes,
emanou alguns decretos que culminaram no índice dos livros proibidos. Entre estes
estava estabelecida a proibição de imprimir e possuir versões da Bíblia na língua
vulgar sem a autorização do bispo, do inquisidor local e em alguns casos até do Papa
ou de um seu delegado.

64
É urgente que a Bíblia hoje deixe de ser um livro ausente na vida dos cristãos e até
da educação. Por vezes nas escolas aconselham-se leituras superficiais e com valores
que nada têm que ver com a nossa civilização, quando na Bíblia se encontram-
histórias e narrações cheias de beleza e de valores capazes de ajudar a crescer no
amor e no respeito.
Incutir nas crianças e nos jovens o gosto pela leitura da Bíblia é promover a
sensibilidade da arte da narrativa, a consciência da memória histórica, a compreensão
do presente e a interculturalidade.
A Bíblia é um património de todos e todos têm a possibilidade de a ler,
compreender e aprofundar. A Bíblia é uma obra nunca acabada, pois a experiência de
cada um de nós enriquece a sua leitura e divulgação. O desejo é que a Palavra de
Deus se torne contemporânea através da assimilação do seu conteúdo.
De tantas leituras aconselho vivamente da PAULUS Editora a Bíblia Sagrada, pela
sua linguagem simples e pelos comentários pastorais; a Bíblia contada às crianças,
uma obra organizada pelo Card. Gianfranco Ravasi; e a Exortação Apostólica
Verbum Domini (A Palavra do Senhor) de Bento XVI.

65
A beleza da Bíblia
Ao participar na Feira Internacional do Livro, em Frankfurt, fiquei impressionado
com a quantidade de versões da Bíblia e derivados dela que se publicam anualmente.
Não apenas em editoras religiosas, mas também em editoras laicas. O que significa
que a sociedade actual não é indiferente à Bíblia.
A preocupação fundamental da Igreja hoje é a de nos ensinar a ler e a apreciar a
Bíblia como ponto de partida para um conhecimento profundo de Deus e da história
humana, isto é, de nós mesmos.
A Bíblia pode ser comparada a um álbum de família, que regista recordações
alegres, quedas escandalosas e páginas de grande poesia. Ao folheá-la, deparamos
com ima-
gens que registam os vários traços do rosto de Deus: um Deus criador, um Deus que é
Pai e educa os seus filhos,
um Deus que é pão que se multiplica e entrega. Por detrás destes textos, não se
esconde apenas uma reflexão humana, porque cada livro traz consigo a marca do
Espírito de Deus e o seu conteúdo é considerado “inspirado”.
A Bíblia não é um manual de história nem um livro de ciências. Ela não foi
colocada nas mãos do Homem para resolver todas as questões da vida humana,
animal e vegetal. Há pessoas que ficam perplexas quando algumas das suas páginas
narram episódios violentos, ordens dadas por Deus para matar ou castigar. E que
dizer das guerras, das vinganças, das frases que parecem defender a pena de morte e
posições de intolerância em relação a outros costumes e outras religiões? O Concílio
Vaticano II tratou destes assuntos com grande solicitude, explicando-nos que a
“inerrância” das Escrituras tem que ver com a verdade sobre a salvação que elas nos
comunicam e não com outras matérias.
Também a Pontifícia Comissão Bíblica, no documento A Interpretação da Bíblia
na Igreja, sublinha que «para falar aos homens e às mulheres, desde a época do
Antigo Testamento, Deus explorou todas as possibilidades da linguagem humana,
mas ao mesmo tempo Ele teve também de submeter a Sua palavra a todos os
condicionamentos dessa linguagem. O verdadeiro respeito pela Escritura inspirada
exige que sejam realizados todos os esforços necessários para que se possa
compreender bem o seu sentido.»
O beato Tiago Alberione, que sempre procurou valorizar e fazer chegar a Bíblia a
todos, dizia que esta «faz passar aos olhos dos leitores, como um magnífico filme,
toda a humanidade com as suas grandezas e com os seus defeitos, com as suas quedas
e com a sua ignorância, de modo a ensinar como regular a vida, como vencer as
tentações e adquirir a virtude».
Queremos melhor testemunho que nos ensine a viver do que as vicissitudes
daqueles que nos precederam na humanidade e na fé?

66
O toque dos sinos
Porque tocam os sinos de manhã, ao meio-dia e à tarde? Chamam-lhes as trindades,
são um convite para rezar a Ave-Maria e, infelizmente, é uma tradição que nas
cidades se vai perdendo.
A sua origem está provavelmente nas palavras do salmista: «À tarde, de manhã e ao
meio-dia, eu me lamento e suspiro, e Ele há-de ouvir a minha voz.» (SL 55,18)
De manhã, dá o sinal do despertar, da oração e do trabalho. Ao meio-dia, adverte o
Homem de que a metade do dia é passada, e que a sua vida não é mais que um dia. À
tarde, toca ao recolhimento e ao repouso. Diz ao Homem: faz as tuas contas com
Deus, pois esta noite talvez Ele exija a tua alma. À tarde, canta o princípio da Paixão
do Redentor no jardim das Oliveiras. De manhã, a Sua Ressurreição, e ao meio-dia a
Sua Ascensão.
Toca três vezes, para recordar as três Pessoas da Trindade às quais o mundo é
devedor da Encarnação e revelação da salvação em Jesus Cristo.
Toca nove vezes ao dia, em honra dos nove coros de anjos, para convidar os
habitantes da Terra a abençoarem com eles o Seu comum benfeitor.
Entre cada tinido (ou melhor, entre cada suspiro) o sino deixa um intervalo, para
que a sua voz desça mais suavemente ao coração e desperte com mais segurança o
espírito de oração.
Porque deveria o sino lamentar-se e suspirar? Para recordar que a alegria e a tristeza
fazem parte da vida humana. E se reflecte as alegrias do Natal e da Páscoa deve
reflectir também as dores e as angústias da Paixão.
Para sustentar o cristão nos combates da vida, o sino pede as nossas orações. E
como uma mãe que na sua terna solicitude pelos seus filhos não se cansa de implorar
a misericórdia de Deus, também os sinos fazem chegar as nossas súplicas a Deus
pelas palavras de Maria.
Também o toque do sino deve tornar o cristão invencível na sua luta contra o mal.
Ao estridor dos sinos, o espírito do mal recorda-se de que não é senhor deste mundo e
o cristão toma consciência da graça que o acompanha.
Ao peregrino desencaminhado, o toque do sino indica a estrada que deve seguir
para chegar ao lugar que lhe é familiar. Uma imagem do que também acontece com
as almas perdidas no pecado.
Por todas estas e demais razões, da próxima vez que ouvir-
mos o toque das trindades, recordemos o seu significado, recolhamo-nos em oração,
deixemo-nos invadir pelos sentimentos religiosos que anunciam.

67
Redescobrir o mistério do Natal
Nestes dias recebi uma carta de um leitor que a um certo momento desabafa: «O
Natal que se aproxima já não me diz nada, com o passar dos anos deixei-o atrás das
costas.» Fiquei triste ao ler e reler esta frase pelo sentimento de vazio nela contida,
pelo aparente endurecimento do coração e pela incapacidade de sentir o Natal. Pensei,
o que terá levado a esta situação?
Ao mesmo tempo, estas palavras levam-me a meditar e a partilhar convosco o que o
Natal representa para a humanidade. Não só para os cristãos, uma vez que o Natal
comercial se institucionalizou e «para muitas crianças de hoje, nascidas e criadas já
em ambientes onde pouco ou nada penetra a luz do Evangelho de Jesus, afogadas em
prendas caras e sem grande relação com o espírito cristão da celebração que lhe deu
origem, o Natal pode não passar da “festa das prendas”, como já se tem ouvido
chamar», escreveu o cónego José Ferreira, do Patriarcado de Lisboa.
Preparar e viver o Natal é fazer uma viagem de regresso às raízes da nossa fé,
através de uma atitude interior de grande humildade – como o ambiente em que
Cristo nasceu (na gruta de Belém). No centro do Natal não está apenas uma doce e
dramática história familiar, explorada pelo consumismo, de um casal que procura
hospedaria para o Filho de Deus. No centro do Natal reside o mistério fundamental
do Cristianismo, a Encarnação, em que Deus se veste da fragilidade humana para a
salvar. Escreveu a propósito o filósofo Soren Kierkegaard: «Os dois mundos desde
sempre separados, o divino e o humano, entraram em colisão em Cristo. Uma colisão
não para uma explosão, mas para um abraço.»
Acredito que a vida humana não teria sentido se Cristo Salvador não tivesse
encarnado e redimido a humanidade. Aqui está o verdadeiro significado do Natal. E
nem sempre é fácil descortiná-lo no meio de tantos slogans natalícios tão apelativos.
Mas no espírito do Natal encontramos a luz da nossa existência porque na
manjedoura do presépio já se encontra a sombra da cruz. Natal e Páscoa estão ligados
como um único acontecimento do mesmo mistério. Um mistério de salvação, um
mistério de nascimento, de morte e ressurreição, um mistério de alegria que o medo
não consegue apagar.
Diz São Paulo: «Tudo é vosso, mas vós sois de Cristo.» Não será esta a verdade do
Natal? O Homem traz dentro de si o espírito filial, o desconcerto desta adorável
presença e pertença divina: presença de um Deus que se fez homem não apenas para
viver em nós e participar no nosso quotidiano, mas também para poder dar sentido à
nossa vida, dar-nos uma força que nos eleva, uma esperança que vai para lá da
brevidade da nossa existência. Somos de Cristo. Há séculos que a humanidade
pertence a Cristo.
Jesus Cristo não é um mito ou uma ideologia, é uma pessoa que entra na raiz da
nossa história e que até foi registado nos censos imperiais. No Menino que nasceu em

68
Belém esconde-se o mistério de Deus que se aproxima de cada ser humano a ponto de
ter um rosto e um corpo de homem. Desde aquele momento que temos um Deus
«Emanuel», isto é, um «Deus connosco» e a viagem da nossa vida é with God on our
side (com Deus ao nosso lado), como diz Bob Dylan, um dos mais famosos cantores
contemporâneos, numa das suas canções.

69
“Corpo de Deus”
A solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, celebrada na quinta-feira (para
recordar a instituição da Eucaristia) a seguir à solenidade da Santíssima Trindade,
afirma o mistério da presença real de Cristo na Eucaristia.
Popularmente chamada de “Corpo de Deus”, esta festa teve origem na cidade belga
de Liège, em 1246. O Papa Urbano IV, em 1264, estendeu-a à Igreja Universal
dotando-a de missa e ofício próprio. O Concílio de Viena, em 1311, recomendou
vivamente esta celebração. Em Portugal, ela é celebrada desde os finais do século XIII.
O Corpo de Deus («Cristo é a imagem de Deus invisível», como diz São Paulo) não
é apenas uma festa exterior, marcada pela adoração eucarística pública e pelas
procissões. É sobretudo uma festa interior que exterioriza a fé que nos anima. É a
celebração do Deus-connosco que, depois da morte e ressurreição, quer continuar
entre os homens.
Quando celebramos a Eucaristia, não vivemos um hábito repetitivo, um ritual
histórico, um símbolo vazio, ou uma realidade terrena, mas vivemos a história antiga
e sem-
pre nova do amor de Deus pela humanidade. É como diz Bento XVI na Sacramentum
caritatis: «A Eucaristia é verdadeiramente um pedaço de Céu que se abre sobre a
Terra; é um raio de glória da Jerusalém celeste, que atravessa as nuvens da nossa
história e vem iluminar o nosso caminho.»
Por isso, quando recebemos a comunhão, recebemos em nós o dinamismo do amor
que Jesus manifestou na Última Ceia, que tem a finalidade de nos introduzir no reino
do amor de Cristo e de nos tornar capazes de vencer qualquer circunstância, ainda
que muito injusta, dolorosa ou humilhante e deixar a alegria de Jesus nos nossos
corações por estarmos unidos a Ele no mistério eucarístico.
Acolhamos este dom magnífico do Senhor, esta manifestação da Sua infinita
generosidade. Acolhamos com reconhecimento mas também empenhando a nossa
generosidade. De facto, não se trata de acolher a Eucaristia de um modo passivo ou,
como se costuma dizer, simplesmente «assistir à Missa» ou «fazer companhia a
Jesus». Mas trata-se de aceitar que o seu dinamismo transforme toda a nossa vida
numa oferta generosa a Deus, para o bem dos nossos irmãos. De modo que em cada
gesto de paz, de solidariedade, de bondade vejamos um gesto eucarístico.

70
Homem das dores
A Semana Santa concentra uma riqueza humana e espiritual muito forte, transmitida
através da celebração da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus.
Nunca é demais recordar que a nossa fé tem a sua centralidade a partir dos mistérios
que celebramos no Tríduo Pascal (Ceia do Senhor, Paixão do Senhor, Morte e
Ressurreição). E que estes mistérios são uma verdadeira metáfora da nossa existência
humana, sempre actual e possível de interpretar.
Nas narrações da Paixão de Cristo existe um conjunto de excessos que revejo na
humanidade e no mundo em que vivemos. Existe um excesso de sofrimento humano,
provocado pela maldade humana, que se traduz na crueldade gratuita e selvagem,
porque, como diz Jesus, «esta é a vossa hora e o domínio das trevas» (LC 22,53). É
um desencadear-se da malvadez, do desprezo pelo ser humano, que violenta, pisa,
esmaga e fere a dignidade do Homem das dores.
Existe um excesso de injustiça, porque se julga e maltrata um inocente, sintetizando
em Cristo todas as injustiças do mundo e de todas as crueldades.
Em oposição, existe também um excesso de amor, se considerarmos as palavras do
próprio Jesus: «Não existe maior amor do que dar a vida pelos amigos.» (JO 15,13)
Trata-se de um amor “louco” de Deus pela humanidade. São Paulo, escrevendo aos
Romanos, diz que por um justo ainda podemos encontrar alguém que queira dar a
vida, mas quem irá sofrer por um injusto ou por um inimigo? Na Paixão de Cristo
encontramos por isso a transcendência do amor e o mistério inefável de Deus.
Para meditar a Paixão necessitamos de uma graça especial, como aquela que foi
dada a São Pedro: «És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi o ser humano que
te revelou isso, mas o meu Pai que está no Céu.» (MT 16,17) É a mesma graça que
Deus concedeu a alguns santos como
São Francisco de Assis, Santa Catarina de Sena, São Padre Pio de Pietrelcina ou a
Beata Alexandrina de Balazar.
No Getsémani, a oração de Jesus é caracterizada pelo sofrimento psicológico, pela
solidão total, pela tristeza, pelo aparente desabar de toda a Sua obra, pela fuga dos
Apóstolos e pela traição de Judas. Mas ao mesmo tempo, Jesus conforma-Se
totalmente à vontade do Pai. Neste contexto de grande sofrimento, Jesus dirige-se ao
Pai com as palavras que lhe são mais queridas: «Abbá, Pai», «tudo te é possível»,
«faça-se não o que eu quero, mas a Tua vontade». Não existe oração mais humana,
mais sofredora e mais confiante do que esta.
Depois da morte de Jesus, isto é, depois de a dor e de o sofrimento terem sido
levados ao extremo, eis que se acendem algumas luzes. O centurião acredita
(«realmente este homem era Filho de Deus!»), José de Arimateia enche-se de
coragem e pede o corpo de Jesus a Pilatos, algumas mulheres tomam conta do corpo
do Senhor. São as primeiras luzes da Páscoa. São os sinais de Deus que também se

71
acendem na nossa vida! É a Ressurreição que acontece na nossa vida.

72
Peregrinos de Fátima
Quem viaja pelas estradas de Portugal, no mês de Maio, e vê ao longo da estrada
pessoas que caminham, em fila, sabe certamente quem são: os peregrinos de Fátima.
Caminham carregados, por vezes cansados, mas sempre animados.
É a fé que os anima. É a fé que os faz sair das terras mais distantes. É a fé que os
leva até junto da Senhora de Fátima.
Levam o coração cheio de incertezas, magoas, ilusões, sofrimentos, e esperam
voltar a casa com alegria, paz e amor. Tudo o resto vem por acréscimo.
Às vezes basta um simples olhar para a Mãe do céu, acender uma vela ou rezar o
terço para compensar um esforço tão grande.
A Senhora de Fátima pediu penitência, por nós e pelos outros. Penitência que se
traduz numa conversão de vida. Emociono-me cada vez que recordo a coragem e
insistência da pequenina Jacinta, vidente de Fátima, que dizia à sua prima Lúcia,
«sofro, sim; mas ofereço tudo pelos pecadores e para reparar o Imaculado Coração de
Maria. […] Gosto tanto de sofrer por Seu amor! Para dar-lhes gosto! Eles gostam
muito de quem sofre para converter os pecadores.» (Memórias da Irmã Lúcia) Que
heroicidade e exemplo para todos os cristãos. Só quem ouve o chamamento da Mãe à
conversão é que é capaz de compreender esta realidade.
Os peregrinos de Fátima são uma imagem do que é a nossa peregrinação neste
mundo: temos uma meta a atingir, nem sempre o caminho é fácil, mas ao
caminharmos juntos vivemos a comunhão entre filhos de Deus e encorajamo-nos uns
aos outros. Pela fé caminhamos, animados pela esperança não desistimos e no amor
da Santíssima Trindade aprendemos a caridade.
Rezemos com as palavras do Santo Padre João Paulo II, que no dia do Jubileu dos
Bispos, 8 de Outubro de 2000, na Praça de São Pedro, confiou todo o mundo a Maria:
«Confiamos-te, oh Mãe, todos os homens, a começar pelos mais débeis: as crianças
que ainda não nasceram e aquelas que vivem em condições de pobreza e sofrimento,
os jovens à procura de sentido para a vida, as pessoas privadas de um trabalho e
aquelas provadas pela fome e pela doença. Confiamos-te as famílias em dificuldade,
os anciãos sem assistência e quantos estão sozinhos e sem esperança.»

73
O Vaticano II,

esperança do amanhã
Há cinquenta anos, enquanto se iniciava o Concílio Vaticano II, floresciam grandes
expectativas e esperanças em toda a humanidade. O dia 11 de Outubro de 1962, para
muitos católicos, era um ponto
de não retorno e o início de uma viragem na vida da cristandade. Hoje muitas pessoas
questionam: «O Vaticano II ainda é actual para quem se empenha no anúncio da fé no
terceiro milénio?»
O Vaticano II aparece-nos como um acontecimento que tornou actual a esperança e
o optimismo do Evangelho.
O Concílio não pretendeu produzir uma nova “suma” doutrinal (segundo o Papa João
XXIII, «para isso não era necessário um Concílio»!) nem responder a todos os
problemas. As suas conclusões também não devem ser lidas como simples normas,
mas como expressão e prolongamento de um desejado renovamento, pela
disponibilidade ao confronto com o Evangelho e pela atenção fraterna e diálogo para
com todos os homens.
É óbvio que o Concílio Vaticano II foi profundamente influenciado pelo contexto
eclesiástico e social da época em que se desenrolou, mas também conhecemos as
profundas e rápidas mudanças que o mesmo provocou nas comunidades cristãs e,
ainda mais, na sociedade. Quem pode negar que a Igreja Católica, e também outras
igrejas cristãs, receberam do Vaticano II um impulso extraordinário que a tornou
irreconhecível em relação à Igreja dos anos 30 ou 40 do século XX?
Hoje, a verdadeira questão não é: «O Vaticano II ainda
é actual?», mas «Sem o Vaticano II, o que seria a Igreja hoje e como se poderia
apresentar ao terceiro milénio?» Não é difícil imaginar que a Igreja, privada da luz do
Concílio, dificilmente estaria em condições de se orientar nas vicissitudes da vida.
O Concílio Vaticano II não podia e não oferece princípios resolutos válidos para
todos os tempos, mas dá verdades capazes de nutrir o coração do Homem, de abrir
horizontes e introduzir um dinamismo novo. Por isso podemos dizer que o tempo
pós-Concílio não é simplesmente um tempo de tranquila aplicação do que foi dito.
Continua a ser, acima de tudo, tempo de necessária conversão. A conversão que nos
leva a reconhecer os nossos erros e ao mesmo tempo nos coloca na presença de Jesus,
que é maior que o nosso coração e que, com a Páscoa, antecipadamente modifica o
mal que existe em nós e no mundo.
Visto como apelo à conversão, o Concílio Vaticano II conserva intacta a sua
energia. E mesmo passando os anos, ele continua a falar-nos e a orientar-nos. Por
isso, não é apenas uma recordação de ontem, mas esperança do amanhã.

74
Capitulo IV
DESAFIAR A SOCIEDADE
A CRISE

Vivemos tempos de crise. Crise social, económica, política, religiosa, familiar e de


valores. Porque é que acontecem processos destrutivos e degenerativos em tempo de
crise? Porque é que a nível social a crise se vai agravando e ninguém tem força para
intervir?
Parece que se cai sempre no mesmo problema: todos detectam a crise, prevê-se o
seu desenvolvimento mas existe medo de agir. Dá a sensação de que não se consegue
sair de um conformismo tipo “rebanho” que ofusca a inteligência e impede de ver
alternativas.
As pessoas agarram-se ao que têm, defendem os seus privilégios e pensam que as
coisas vão melhorar sozinhas; ou quando tudo está tão mal, então, espera-se o
milagre.
Por isso é que é tão difícil fazer reformas quando as coisas ainda vão bem! Só o
trauma, capaz de quebrar o conformismo, consegue fazer emergir pessoas novas, com
novas ideias, novas formas de pensar, capazes de verem alternativas e encontrarem
novas soluções.
Geralmente são as pessoas autónomas, que sabem abstrair-se, que sabem olhar as
questões a partir de fora, que não fazem parte de “rebanho”, o princípio da solução.
Também nós, neste momento, temos necessidade, na sociedade portuguesa, de
pessoas capazes de um pensamento independente, de olhar as situações de fora mas
com responsabilidade, de percorrer caminhos que ainda não foram explorados. Aliás,
devíamos esforçar-nos por pensar com mais criatividade, desconfiar das fórmulas
mágicas, dos slogans fáceis, dos comentários habituais.
Necessitamos de muita coragem para nos libertarmos de conformismos e
hipocrisias, de força para deixarmos hábitos que já não conseguimos sustentar e
esperança de que ainda é possível ultrapassar a crise. Pois a solução está mais dentro
de nós, à nossa volta, no nosso quotidiano do que em super-heróis que vivem a vida
por nós.

75
Indiferença
R ecentemente, ao viajar no metro, apareceu uma jovem imigrante de leste que
começou a cantar e depois pediu uma oferta aos passageiros. Era uma jovem de
aspecto simples, nada ameaçador. Tinha uma voz suave e cantou algo bastante
melodioso e triste, provavelmente com a intenção de comover os presentes.
À primeira vista esta é uma cena quotidiana, um momento ordinário para quem
todos os dias circula numa grande cidade, onde se misturam e cruzam todas as
realidades humanas possíveis e imaginárias. Mas o que me pareceu extraordinário,
fora do normal, foi a indiferença com que tudo se passou.
É verdade que a crise que nos assola nos dá razões mais do que suficientes para nos
centrarmos mais nas nossas vidas e viver o momento presente com alguma incerteza
e preocupação. Mas pergunto-me se devemos chegar ao ponto de pensarmos apenas
em nós e deixarmos de ser sensíveis aos outros.
Se esta jovem tivesse um emprego, provavelmente não pediria. Aliás, o acto
público de pedir é tão humilhante que creio que só o faz quem tem mesmo
necessidade, com excepção para quem sofre de alguma perturbação psíquica.
Impressionante foi notar que mesmo esta jovem dando alguma coisa em troca, a
canção que dramaticamente interpretou, não suscitou reacção nas pessoas à sua volta.
Ainda pensei que talvez algum produtor musical ao ouvi-la lhe pudesse dar uma
oportunidade e descobrir ali um grande talento. Talvez fosse uma forma de
tranquilizar a minha consciência, que me estava a deixar inquieto. Ou uma maneira
de passar o problema para os outros. Mas depressa consciencializei que estas coisas
só acontecem nos filmes
e na imprensa de sociedade, porque a vida real, às vezes, é mesmo cruel!
Terminada a sua actuação, a jovem passou entre os passageiros, entendendo um
copo de plástico na esperança de receber uma oferta, mas na verdade não se ouvia
nenhum tintinar de moedas a cair dentro do copo. O seu olhar também ficou
indiferente, dando a entender que já estava habituada a esta reacção.
Coloquei a mão no bolso, retirei de lá uma moeda, entreguei-a à jovem e disse-lhe
«Deus te abençoe». Ela olhou-me espantada, agradeceu e seguiu o seu percurso.
Tive mil e uma razões para não dar uma oferta àquela jovem: não conheço a sua
real situação; é jovem, pode muito bem trabalhar; o dinheiro também me faz falta;
desconheço se pertence a uma rede organizada de pedintes; medo da desaprovação
dos outros passageiros; vergonha por ter ficado sensibilizado por aquela cena; etc.
Porém, naquele instante, quis imitar o bom samaritano. Não quis ficar indiferente ao
meu próximo. Deixei que Deus se servisse de mim para fazer bem aos outros Seus
filhos.

76
Saber acolher os imigrantes

Os imigrantes são cada vez mais numerosos entre nós. Vêm com o coração cheio de
esperança num futuro melhor. E muitas vezes a ideia que temos desta situação leva-
nos a pensar na imigração como uma vaga de homens, mulheres e crianças que
chegam ao nosso país dispostos a tudo para terem uma vida minimamente digna.
Outras vezes cai-se até no ridículo de pensar que nos vêm roubar o trabalho, quando,
na verdade, se ocupam de actividades que os portugueses rejeitam.
Mas a imigração não é apenas isto. É também, e cada vez mais, a situação de tantos
pais de família que, depois de arranjarem um contrato de trabalho e legalizarem a sua
situação, mandam vir esposas e filhos e os inscrevem nas escolas portuguesas,
“obrigando-nos” a repensar a nossa forma de estar numa sociedade cada vez mais
multiétnica e multicultural.
Esta realidade faz-nos reflectir e coloca-nos perante
alguns desafios culturais e sociais, que enfrentamos com alguma resistência, sinal de
que estamos perante um caminho longo e complexo. Se por um lado as principais
dificuldades dizem respeito àqueles que estão longe da própria terra, muitas vezes
cheios de saudade, têm dificuldade em encontrar um equilíbrio entre os valores das
suas raízes e os valores da nova vida, por outro lado, a esperança de uma verdadeira
integração encontra-se nos filhos, que deverão ser uma ponte entre duas culturas, a
das suas famílias e a da sociedade que os acolhe.
Se os imigrantes adultos trazem consigo recordações da sua infância, vivida nos
seus países de origem, e ao mesmo tempo uma bagagem cultural muito marcada, o
mesmo já não podemos dizer dos seus filhos, que vivem a sua infância na nossa
cultura. Por isso, temos obrigação de oferecer a estas crianças as mesmas
oportunidades de educação e sociabilização que damos às nossas crianças. E ao
mesmo tempo é importante educar as nossas crianças a saberem acolher quem,
aparentemente, é diferente delas.
Para os mais velhos, que não conviveram na escola com outras crianças
estrangeiras, certamente é mais difícil acolher e integrar-se numa cultura diferente da
nossa. Mas para as nossas crianças, que desde a escola primária se começam a
habituar aos rostos e nomes estrangeiros dos seus colegas, será certamente mais fácil
habituarem-se à diversidade.
Neste sentido, cabe, pois, à escola, aos professores, aos dirigentes, aos programas
didácticos e educacionais, fomentarem um clima de serenidade, acolhimento e
abertura de modo a ajudarem as crianças a construírem as bases de uma sociedade
multicultural, onde a diferença é encarada como uma fonte de crescimento e
conhecimento.

77
A paz começa na família
Guerra, conflitos, bombardeamentos, mortes, horror, tragédia, vingança são apenas
algumas das palavras que mais ouvimos e lemos, na tentativa de definir o actual
estado do mundo. De paz, pouco se fala. E, quando acontece, ou é pela voz do Papa
ou pelos inúmeros acordos de paz no Médio Oriente, que são constantemente
quebrados.
É importante falar de paz para que não caia no esquecimento. Falar de paz
seriamente, sem reduzir esta palavra a slogans cómodos ou demagógicos, com a
franqueza evangélica. Porque a paz é um “bem de família”, um bem precioso, que
deve ser cultivado, ensinado e transmitido de geração em geração.
Educar para a paz é possível. Aliás, é urgente. E está mais próximo de nós do que
pensamos. É na família que a paz começa. Quem conhece o dia-a-dia de uma família
sabe que as “pequenas guerras” (discussões, incompreensões, falta de confiança,
cansaço) são o “pão nosso de cada dia”. Mas sabe também que “fazer as pazes” é dos
sentimentos mais belos que podemos viver.
Educar para a paz é educar para a relação com os outros. “Ama o próximo como a ti
mesmo”, no círculo familiar, não significa “reduz o outro a ti mesmo”, mas
“considera o outro
como te consideras a ti mesmo, honra-o como merece”. Este é um verdadeiro
exercício para a paz, não é um estado natural, mas fruto de uma aprendizagem
constante.
Educar para a paz é educar para a palavra. Saber exprimir-se e comunicar com
clareza as próprias ideias é um serviço à paz. Educar para a paz é educar os
sentimentos e as emoções em vista da responsabilização do indivíduo sobre o seu
agir.
Educar para a paz significa educar para o diálogo interior, o conhecimento de si
mesmo, para a capacidade de nos interrogarmos sobre as acções, as estratégias, os
pensamentos e os sentimentos que cultivamos no nosso dia-a-dia.
Educar para a paz significa, também, saber contar histórias de paz. Infelizmente,
foi-se perdendo o hábito de contar histórias edificantes, parábolas, fábulas com um
final feliz, pacífico e moralista. Mas estas histórias ajudaram a crescer muitas
gerações e marcaram positivamente os sentimentos de muitos.
A paz é um dom de Deus, mas também se constrói com o nosso contributo, a partir
da purificação do coração e da mente, para depois difundir os seus benefícios na
sociedade a partir da família.
Podemos dizer que a família é uma “pequena sociedade”, onde se deveria aprender
a conviver com a diferença e a dialogar, para chegar a um consenso. E depois actuar
do mesmo modo na “grande sociedade”, tão pluralista quanto complexa.
Se existe algo que caracteriza a família enquanto tal é o relacionamento que se

78
constrói. Relacionamento que tem como base o amor, os valores comuns e o bem do
outro. Mas se a sociedade vira as costas ao projecto família, recusando o matrimónio,
recusando a procriação e a educação, a “morte da família” já está anunciada. E
morrendo a família, morre a sociedade. O contrário também é verdade: renascendo a
família, também renasce uma sociedade mais justa, mais fraterna e mais pacífica.

79
«Que devemos fazer?»
Já passaram vários anos desde o terrível atentado terrorista aos Estados Unidos da
América, mas as imagens catastróficas e impressionantes ainda estão marcadas na
nossa memória.
Tudo começou com o ataque às torres do World Trade Center. Seguiram-se
condenações ao “novo” terrorismo, impugnações de culpa e fortes ameaças de
retaliação. A tentação de vingança cega foi grande. Continua a existir a vontade de
fazer justiça pelas próprias mãos; Justiça Infinita foi o nome dado à operação militar
dos EUA na procura dos novos responsáveis de tão grande tragédia.
Até onde esta situação nos poderá levar é algo incógni-
to. Entretanto, uma pergunta paira no ar: «Que podemos
fazer?»
São Paulo deu um conselho às comunidades cristãs primitivas que, mais do que
nunca, continua actual: «Recomendo, antes de tudo, que se façam preces, orações,
súplicas e acções de graças por todos os homens, pelos reis e por todas as
autoridades, para que possamos levar uma vida tranquila e pacífica, com toda a
piedade e dignidade.» (1TM 2,1-2)
É necessário que o testemunho prático da paz nasça da reconciliação. O Evangelho
da paz, que proclama e testemunha a paz, dado em Jesus Cristo a todos os homens,
não admite nenhuma instrumentalização política. Não permite que o transformem
numa lei moral para o Estado nacional, numa autoridade mundial intensificada
absolutistamente.
Por outro lado, a comunidade dos crentes deve ser o lugar do testemunho prático da
paz, onde se confessa Jesus Cristo como o único Senhor da história, que «desarmou
as forças e poderes» (CL 2,15), e a palavra de Deus até à morte violenta de Jesus gera
paz, através da fé.
Por sua vez, a fé na paz e na justiça de Deus leva necessariamente à solidariedade
para com as vítimas de tão grande calamidade.
No contexto ofuscante de egoísmos nacionais, as comunidades cristãs têm de
reafirmar toda a política de paz e segurança e exigir a construção de uma sociedade
determinada pela cultura da paz.
Como afirma o professor João César das Neves, «uma família cristã deve apenas
pôr-se uma questão: a de saber como cumprir a missão que Deus lhe confiou neste
mundo. Como seguir, no nosso tempo, os caminhos da Igreja, o caminho da
fidelidade que os nossos pais e avós seguiram nas suas épocas.»

80
A liberdade e a consciência
Acho a palavra “inconsciente” ofensiva. É ofensiva porque nega ao Homem a
dignidade que lhe é própria, aquela de se orientar no caminho da vida de um modo
consciente e livre. É inconsciente quem age sem saber ao certo o que está a fazer ou
quem age sem ter em conta os efeitos das suas acções na própria vida e na vida dos
outros. Também é inconsciente quem se ilude de ser bondoso apenas porque está
cheio de bons pensamentos, mas nunca passa à acção.
São inconscientes os jovens que depois de terem passado a noite inteira a beber na
discoteca se põem ao volante em estado de embriaguez; mas também são
inconscientes os adultos que passam droga e contribuem para a ruína de tantas vidas.
São inconscientes os jovens que roubam em vez de trabalhar, mas também são
inconscientes os adultos que fazem do engano e da fraude a sua profissão. Estes são
apenas alguns exemplos das muitas maneiras de ser inconsciente.
É triste dizê-lo, mas a inconsciência é variada e múltipla em todas as idades e classes
sociais.
Hoje fala-se pouco de consciência porque já não estamos habituados a pensar.
Vivemos na era da imagem, onde as coisas são examinadas apenas na sua realidade
exterior e já não se tem vontade, nem tempo, para utilizar a inteligência (intus
legere), para “ver por dentro” as coisas e os acontecimentos.
Por outro lado, constatamos a dificuldade em assumir a responsabilidade das
próprias acções. É mais fácil descarregar sobre o outro («foi ele!») ou sobre a
sociedade («a culpa é da sociedade, do mundo...»). É mais cómodo e fácil deixar-se
conduzir pelo instinto e pulsações do que reflectir sobre os comportamentos que nos
ajudam a crescer como pessoas.
E, no entanto, o Homem que é verdadeiramente Homem sabe que é o ser que está
na origem de todas as coisas e, por isso, reflecte antes de agir. E quando isso
acontece, torna-se responsável pelas consequências das suas acções.
Sabemos que o Homem não nasce livre porque, como criatura e espírito encarnado,
está condicionado pela natureza, pela hereditariedade, pelo ambiente sociocultural,
pela espiritualidade recebida. Mas o Homem é livre de se libertar de tudo o que o
escraviza e, através da sua consciência e livre arbítrio, pode escolher entre o bem e o
mal.
Contudo, a verdadeira liberdade não consiste tanto na escolha, mas na realização do
próprio ser, em que somos convidados a ser “santos como o nosso Pai é Santo”. A
liberdade de escolha não é, por isso, um valor absoluto, não vale por si próprio, mas é
um valor metodológico, necessário para que o Homem se possa educar, se possa
realizar a si próprio, exercitando a sua vontade. Uma gaivota que voa sobre uma
falésia é mais livre do que um homem
que se embriaga, porque a gaivota responde espontaneamente à sua natureza,

81
enquanto o homem que se embriaga contradiz a sua natureza.
Quanto é difícil e fadigoso ser homens e agir como homens. Graças a Deus, Ele
veio ao nosso encontro para nos ajudar a reflectir, a escolher e a empenharmo-nos no
bem. «Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância», disse Jesus.
Deus quis deixar o destino dos homens nas suas mãos e deu-lhes capacidades para
providenciarem a si mesmos através da inteligência e da liberdade. Por isso, o
Homem não pode entregar a sua vida ao acaso, aos acontecimentos, a outras pessoas.
Cada ser humano é responsável pela sua vida e pelas suas escolhas. E quem está à
nossa volta sofre ou beneficia também das nossas escolhas.

82
«Eu vos aliviarei»
A palavra stresse entrou plenamente no nosso vocabulário quotidiano, mas corre o
perigo de se esvaziar do seu verdadeiro significado e, como consequência, ser
empobrecida.
Na linguagem comum é geralmente associada a momentos de ânsia e de tensão
devido a uma sobrecarga de estímulos e à sensação de fadiga que remetem para uma
situação de perigo para a saúde psicofísica.
Nas últimas décadas, o conceito de stresse foi assumindo o sentido de mal-estar e
de uma sensação de cansaço acentua-
do, para designar ao mesmo tempo um estado físico e psíquico do indivíduo. Mas a
origem do conceito remete-nos para os anos 40 do século passado, altura em que esta
pala-
vra começou a ser utilizada pelas ciências médicas e psicológicas para indicar o
estado de tensão e de resistência de um indivíduo que se opõe às forças exteriores que
agem sobre si. Aliás, a origem do conceito de stresse está ligada aos estudos de Hans
Selye, um médico e biólogo austríaco, que propôs a definição que ainda é utilizada
como sendo a resposta não específica do organismo a cada pedido. Isto é, o
organismo ao receber tantos pedidos, sofre uma sobrecarga nas respostas que deve
dar.
A vida moderna está cheia de situações stressantes. Sobretudo nos aglomerados
urbanos muito contribuem o trânsito, a falta de espaços verdes, a exagerada
competição económica e laboral, o consumismo desenfreado e um ritmo de vida
frenético.
Ao falar de stresse é inevitável falar de tempo. Devido ao actual tipo de sociedade
em que vivemos (com ritmos de vida cada vez mais alucinantes), o indivíduo sente-se
cada vez mais constrangido pelo tempo: é obrigado a ser mais veloz para não “perder
o comboio”. Como consequência, com demasiada frequência se abdica da capacidade
reflexiva e se toma o imediato como medida para todas as coisas. Deste modo, os
valores desaparecem, as relações enfraquecem, o indivíduo sente-se mais só e vazio.
Falar de stresse é também falar de medicamentos. É notório o aumento significativo
da utilização de antidepressivos e ansiolíticos para resolver problemas ligados ao
stresse. Contudo, «tomar um medicamento é, aparentemente, a forma mais rápida de
se curar em vez de se perguntar porque é que se está mal. Com um comprimido não
se consegue descobrir o que está por detrás do problema», alerta Argentieri, na sua
obra Anime sotto Stresse.
A utilização generalizada e abusiva destes fármacos traz consigo graves
consequências, como a intoxicação do organismo, alterações do sono, estados
confusionais, alterações cardiovasculares, possibilidade de passagem a estados
maniacais e forte alteração da percepção da realidade.

83
É preciso atenção. O stresse não é uma moda nem uma consequência “normal” do
actual estilo de vida. Deve ser prevenido e evitado.
Entre tantas soluções e terapias de cura, a melhor prevenção será a tomada de
consciência de onde nos levará o estilo de vida que vivemos. Para isso, é oportuno
parar, até contra a nossa vontade, seleccionar o que é bom e o que nos convém, para
depois saborear com alegria o nosso viver.
As palavras de Jesus, «vinde a Mim todos os que andais cansados e oprimidos, e Eu
vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim, que sou manso e
humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas», são uma
promessa de ajuda e um bom anti-stresse na correria quotidiana.

84
«Não deve ser assim entre vós»
Os constantes conflitos no mundo levam-me a reflectir sobre o poder e as suas
manifestações.
O poder não é necessariamente mau: o próprio Deus definiu-Se omnipotente e o
salmo 62 diz que «a Deus pertence todo o poder e a realeza».
Ao Homem foi dado o poder de governar o mundo. Contudo, o ser humano abusou
do poder e transformou-o em domínio sobre os outros, e Deus, para corrigir as nossas
más inclinações, os nossos comportamentos violentos, despojou-Se da Sua
omnipotência e revestiu-Se de impotência «assumindo a condição de servo». Deste
modo, Jesus revela-nos na cruz a omnipotência da impotência. Atenção, porém, a não
imputar as culpas apenas aos tiranos e ditadores, porque também nós nos devemos
sentar no banco dos réus; isto porque o poder tem infinitas manifestações e entra em
todo o lado, como a areia do deserto. Se não compreendermos isto, estaremos prontos
a apontar o dedo aos outros, porque é mais fácil denunciar as culpas colectivas do
passado do que reconhecer as culpas pessoais do presente.
Os Apóstolos Tiago e João (no Evangelho de Marcos) tinham pedido a Jesus que
um se sentasse à Sua direita e outro à Sua esquerda, suscitando a indignação dos
outros Apóstolos. Com este pedido, temos a sensação de que Tiago e João tinham a
preocupação de chegar primeiro do que os outros, para obterem o melhor lugar. A
procura de privilégios (poder) sempre gerou e há-de continuar a gerar conflitos na
sociedade. E o poder não assumido como serviço acaba por dividir e discriminar.
«Não sabeis o que pedis», foi a resposta de Jesus! A nova realidade que Jesus
inaugura é completamente diferente: não possui lugares de honra nem privilégios. Até
o próprio Jesus se submeteu ao projecto do Pai «obedecendo até à morte e morte de
cruz».
Desta forma, Jesus traça as características de um projecto social e comunitário. E
para que os Apóstolos O compreendam bem, recorre ao mundo político e militar do
Seu tempo: «Os que são considerados como chefes das nações exercem domínio
sobre elas, e os grandes fazem sentir sobre elas o seu poder. Não deve ser assim entre
vós.» Notemos o verbo no presente, isto é, não se trata de um passado ou de um
imperativo futuro, mas de um “presente constitucional”, como se o primeiro artigo de
uma constituição cristã devesse ser: «Cada um é o servo de todos.»
Jesus apresenta-Se, então, como o modelo a imitar: Ele teve o poder enquanto foi
servo, a glória quando se humilhou, a realeza quando foi crucificado. Para Jesus, a
autoridade é serviço!
Por isso, os cristãos devem converter-se não através do poder dos meios humanos,
mas através das bem-aventuranças. E para termos a certeza disto basta ver como
Jesus exerceu a Sua autoridade. Para Ele, o Reino é uma sociedade completamente
diferente dos estados e das nações. Ele não se impõe com a força, mas propõe com

85
mansidão; apela sempre à liberdade: «Se quiseres ser perfeito… se quiseres ser Meu
discípulo…», lemos com frequência nos evangelhos.
A tentativa de Tiago e de João acontece todos os dias, e já se repetiu muitas vezes
na história da Igreja e na nossa história pessoal. Por isso, Jesus continua a repetir:
«Não deixeis que vos chamem Mestre… Não acumuleis riquezas neste mundo.» O
Concílio Vaticano II sublinhou a exigência evangélica do serviço, redescobrindo que
a autoridade na Igreja não é o poder de impor aos súbditos as decisões de um chefe,
mas a capacidade de criar comunhão, onde o chefe não é quem dá ordens, mas cria
um ambiente de fé, de respeito, de amor, de modo que a solução dos problemas se
impõe através de uma unanimidade moral.

86
Os católicos e a política
A política vive um momento de crise. Todos os dias o ouvimos dizer nos media, nas
sondagens de opinião, nas intervenções dos líderes de opinião e através dos elevados
índices de abstenção.
A verdadeira causa desta crise está, a meu ver, no facto de a política ter perdido o
entusiasmo dos princípios e dos valores inspiradores que estão na base de qualquer
serviço autêntico ao bem comum.
Se a política perde a sua alma, facilmente degenera e se corrompe. Por
consequência, uma série de males caem sobre ela: o pragmatismo; o dar precedência
aos interesses pessoais ou corporativos; o aceso confronto entre líderes de partidos
que descem a níveis bastante baixos; a procura do poder pelo poder, levando à
corrupção; a intromissão de interesses económicos que condicionam a actividade
política.
Mas o maior mal é que esta crise difunde um certo mal-
-estar na vida política e na credibilidade dos cidadãos, levando a um círculo vicioso: a
crise de ideais impede a renovação e a falta de renovação agrava a crise de ideais.
Será possível quebrar este círculo vicioso?
Creio que sim. Aliás, esta é também uma obrigação dos cristãos empenhados na
política, visto a política ser uma arte nobre e indispensável para realizar, de uma
forma ordenada e igualitária, a convivência humana e garantir os seus aspectos
fundamentais: a família, o trabalho, a casa, a escola, a saúde, etc.
Dizia João Paulo II: «Os fiéis leigos não podem absolutamente abdicar da
participação na política […]. As acusações de arrivismo, idolatria de poder, egoísmo
e corrupção que muitas vezes são dirigidas aos homens do governo, do parlamento,
da classe dominante ou partido político, bem como a opinião muito difusa de que a
política é um lugar de necessário perigo moral, não justificam minimamente nem o
cepticismo nem o absentismo dos cristãos pela coisa pública.» (Christifidelis laici, n.º
42)
Perante a actual crise política, é importante que os cristãos se empenhem para
restituir à política uma alma, um entusiasmo crescente e uma vontade de governar
para o bem comum. O próprio Concílio Vaticano II afirma: «Quem é ou se pode
tornar idóneo para o exercício desta arte tão difícil e nobre que é a política, prepare-se
e preocupe-se em exercê-la, sem procurar apenas o próprio interesse ou vantagens
materiais.» (Gaudium et spes, n.º 75)

87
O dinheiro
Somos convidados a reflectir sobre quem é o Senhor da nossa vida, isto é, a quem
servimos: a Deus ou ao dinheiro?
Olhando realisticamente à nossa volta, percebemos que o consumismo se tornou um
estilo de vida, uma necessidade existencial. Para viver necessitamos de consumir!
Para quem se lembra (eu sei-o apenas através dos livros), nos anos 60 a palavra de
ordem era “poupar”; a partir dos anos 80 (aqui já me lembro), a palavra de ordem
passou a ser “consumir”. Um famoso economista americano, John Kenneth Galbraith,
numa piada, sintetizou muito bem o actual espírito da nossa civilização: «É como se
São Pedro, para mandar os bons para o céu e os maus para o inferno, passasse a
perguntar: “O que é que fizeste na Terra para fazer crescer o PIB?”»
Para manter um sistema económico de crescimento contínuo é preciso criar novas
necessidades nas pessoas, para que estas comprem mais, isto é, consumam mais até
sem terem necessidade, para que as empresas produzam mais. Mas as famílias
acabam por se endividar mais.
É nesta lógica e neste estilo de vida que as palavras de Jesus, «ninguém pode servir
a dois senhores, porque ou há-de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e
desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro», são um bom ponto
de partida para uma reflexão séria sobre que relação temos com o dinheiro.
É verdade que todos necessitamos de dinheiro. Não o admitir seria ingenuidade ou
falsidade! Mas o perigo está em fazer do dinheiro o único objectivo da nossa vida.
Muitos casos reais demonstram que quando o dinheiro é a coisa mais importante na
vida de uma pessoa, as relações humanas enfraquecem, os sentimentos desvirtuam-se,
os valores modificam-se, as pessoas cansam-se, as famílias desagregam-se, os
indivíduos tornam-se egoístas.
Não devíamos trabalhar só para ganhar dinheiro. A atitude cristã deve ser aquela de
trabalhar para servir os irmãos, ganhar dinheiro para poder viver e continuar a estar
ao serviço do bem de todos. Recordo a este propósito o testemunho de dois casais
portugueses, bastante ricos, mas que decidiram colocar a sua riqueza ao serviço dos
mais necessitados, ficando apenas com um pequeno apartamento, um carro simples e
o essencial para a alimentação e para a saúde. E afirmam categoricamente que a partir
daquele momento encontraram a paz nas suas vidas. Não são invenções, nem palavras
bonitas. São testemunhos autênticos. Estas coisas acontecem, só que não fazem
notícia!
A lógica do dinheiro pelo dinheiro contradiz não apenas a ordem moral das coisas,
mas também a nossa aspiração de felicidade. Porque o dinheiro traz a competição,
onde o Homem se torna inimigo do Homem e da natureza quando a quer dominar e
explorar. Servir a Deus significa respeitar a lógica da criação e fomentar a
solidariedade e o bem comum. Então, a recomendação de Jesus, «procurai primeiro o

88
Reino de Deus e a Sua justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo», não é uma
evasão existencial mas uma indicação autenticamente humana, que aposta mais no ser
do que no ter, que passa da utilidade para a gratuidade e sensibiliza para a
solidariedade universal entre todos os povos.

89
Nem tudo o que parece é
A nossa vida está cada vez mais influenciada por uma lógica publicitária que promete
tudo mas não oferece nada. Jogando com as nossas emoções e inserindo-nos numa
estrutura consumista, a publicidade vai-nos moldando e conhecendo as nossas
reacções. Palavras como barato, grátis, descontos, promoções, low cost, outlet, last
minute chamam a nossa atenção, fazem parte cada vez mais do nosso quotidiano e
traduzem uma mentalidade simplista e efémera da vida. E isso até nos agrada!
A publicidade foi-se inserindo nas nossas vidas dia após dia, de um modo
sistemático, através de sorrisos, alegria, grandes promessas e sensações. Apresenta-
nos um mundo em que tudo pode ser comprado e tudo é justificado pelo fim: ter para
ser. Neste sentido, inventam-se cenas onde se distraem as pessoas para roubar um
biscoito, o estilo jornalístico é usado para vender detergentes, as donas de casa
desabafam com as esfregonas, troca-se o céu por uma máquina de café e tantas outras
imagens criativas e caricaturadas.
Dizem os especialistas que nos últimos 25 anos a despesa global com a publicidade
passou de 95 322 milhões de euros para 454 000 milhões de euros. E que o número
de mensagens publicitárias a que somos expostos durante um dia está em cerca de
três mil quando nos anos 80 ia até às duas mil mensagens quotidianas.
Vivemos numa sociedade maioritariamente publicitária, onde o divertimento e os
valores light estão na base da sociabilização e interesses gerais. Onde as promessas
valem o tempo de antena televisiva e as lutas pelas ideias são transformadas num
concurso onde ganha quem disser as coisas mais espectaculares e aberrantes.
Nesta lógica encontram-se também muitos comportamentos políticos e económicos
que prometem uma realidade mas deixam-nos num pesadelo. Que o digam as famílias
mais necessitadas, os idosos, as pequenas e médias empresas e as instituições de
solidariedade que todos os dias contactam com a realidade dura e crua e não com um
mundo de facilidades e esperança fictícia criado pela publicidade comercial,
institucional e política.
Certa demagogia política e social que faz um mundo de promessas, mas que já sabe
que as não vai poder cumprir, leva ao descrédito e à falta de confiança. Certos
discursos que soam a slogans mas estão vazios de conteúdos não ajudam a formar
uma consciência cívica. Certas presenças que são mais uma ostentação de imagem do
que interesse verdadeiro pelo bem comum são uma distorção do altruísmo.
Não sou contra a publicidade, antes pelo contrário, vejo nela uma grande utilidade e
criatividade necessárias para ajudar os mercados e os serviços a reagirem. Só não
concordo com o uso que se faz da publicidade em prol de uma tentação muito antiga
que é fazer passar por bom aquilo que é mau.

90
Preconceitos
Contou-me recentemente uma freira que estava sentada num centro de saúde, à espera
de ser atendida, e reparou que uma menina a observava e olhava com alguma
curiosidade. O pai da menina reparou na cena e perguntou à filha se ela também
queria ser freira. A criança respondeu que não, encolheu os ombros e abanou a
cabeça, sem saber ao certo que reacção ter. Mas o pai acrescentou imediatamente:
«Fazes bem, filha, porque isso é tudo uma falsidade.»
Ao contrário de alguns decénios atrás, hoje negar Deus já não é estranho nem um
acto isolado. Hoje o ateísmo é teorizado e apresentado como uma exigência do
progresso científico e social. Ou Deus ou o Homem, diz-se. Como se não se
pudessem conciliar os dois! Por isso, a fé encontra em muitos ambientes várias
resistências e seria muito útil perceber o quanto uma teologia desencarnada e uma
educação cristã banal contribuíram para afastar a fé da sociedade e Deus da
humanidade.
O ateu apresenta-se actualmente orgulhoso de ser incré-
dulo e ninguém lhe pode perguntar as razões da sua in-
credulidade, porque ele próprio se julga dispensado de as procurar, porque na verdade
a sua postura é de negação e não de afirmação. Por isso, o ateu não tem de justificar a
sua recusa; é o crente que se deve sentar no banco dos réus.
O crente, por seu lado, procura quotidianamente motivar a sua fé. Por isso, sofre
duas vezes mais porque quer ser fiel a Deus sem abandonar a humanidade.
Os novos humanismos, como a promessa cibernética, a revolução do proletariado, a
psicologia freudiana, o messianismo científico, o consumismo hedonista, as
perspectivas virtuais, colocam afinal novos problemas ao Homem. E trazem cada vez
mais preconceitos, superficialidade e falta de amor pelo conhecimento.
O mundo de Deus tem características próprias. É um mundo que deve ser
construído a partir do alto, onde o último é o primeiro, em que o perdão substitui a
vingança, o outro tem precedência nas minhas acções, a justiça está para além dos
meus interesses, a verdade é uma descoberta contínua e a bondade é um estilo de
vida. Este mundo não
é estranho ao Homem, porque foi criado à imagem de Deus e n’Ele aprende a
conhecer-se a si mesmo.
O Cardeal-Patriarca, numa entrevista que deu à revista FAMÍLIA CRISTÃ, afirma
claramente que «a dignidade humana que a religião cristã inspira é muito nobre e vai
sempre ao encontro do essencial da pessoa humana. Se há coisa que não tem perigo
de morrer é essa. O Homem, criado por Deus, tem no seu coração um desejo de
autenticidade e perfeição. A única coisa que o mata é o egoísmo.»
Se as novas gerações não são sensibilizadas para a revelação de Deus e educadas
para o respeito das exigências profundas do ser humano, não é a Igreja que está em

91
perigo mas a sobrevivência da humanidade como a conhecemos.
Sei que aquela freira deu razões da sua fé, estou certo de que aquela menina não se
vai esquecer daquele momento, confio que aquele pai vai ultrapassar os preconceitos.

92
A alma não envelhece
Numa sociedade em que envelhecer está fora de moda, o tema “a arte de envelhecer”
é uma boa oportunidade para deixar de lado alguns preconceitos e valorizar uma
realidade que é comum a todos.
A palavra “velho” remete-nos, a maior parte das vezes, para uma imagem triste,
solitária, de abandono, de peso, de proximidade do fim da vida.
A nível científico, têm sido canalizados grandes esforços para afastar o
envelhecimento e o momento comum a todos: a morte.
Por isso, a chamada terceira idade trás consigo uma certa ambiguidade: se por um
lado desejamos longa vida a todos, por outro lado tememos efectivamente que chegue
o fim da mesma.
Porque se teme a velhice? E porque se tem medo de envelhecer? Talvez porque se
olhe a velhice mais do lado de fora do que do lado de dentro. Quero dizer, é
inevitável que o corpo envelheça, o mesmo já não acontece com a alma.
E à medida que o corpo diminui as suas actividades por causa do tempo, a alma
aumenta o seu património.
Tem razão o psicanalista James Hillman ao afirmar que «a velhice é uma exigência
da alma», porque nos recorda que é um dever viver a velhice nutrindo a própria alma,
para além do corpo.
Vista nesta perspectiva, a velhice é um tempo lindo, pois o ser humano, ao
relativizar o mundo externo, torna-se cada vez mais livre de ter de demonstrar ser
alguém e de gastar tempo naquilo que não lhe interessa. Existe, por isso, mais tempo
para si próprio, para avaliar as próprias qualidades e defeitos, para valorizar o próprio
carácter no relacionamento com os outros, para dedicar mais tempo a velhos prazeres
como a leitura, o coleccionismo, a investigação, as viagens, o desporto, a cultura.
Outro aspecto importante é que nem na velhice nem na juventude se é perfeito.
Prova disso são os erros que se
fazem ao longo da vida. Apesar da idade, também na velhi-
ce se erra. E as atitudes mais comuns com que se vive a
velhice são prova disso.
A velhice autoritária diz coisas do género: «Eu é que sei do que precisas e faço-o
para o teu bem ainda que o não compreendas.» Esta atitude faz transparecer a velhice
como arma de poder.
Outra forma é o sábio de cátedra, que usa frequentemente expressões tipo: «Eu é
que te explico como é a vida.» Esta atitude na velhice usa o conhecimento para impor
as suas próprias ideias.
A velhice nostálgica afirma constantemente: «Os tempos já não são o que eram.»
Esta atitude, para além de desvalorizar o presente, não aceita a evolução natural da
realidade.

93
E por fim a velhice como vítimas do tempo: «Mas porquê a mim?» Isto é, não se
aceitam os próprios limites e mudanças, considerando a velhice como uma doença.
Que fazer? Aceitar a própria condição, preparando-se gradualmente para esta etapa.
Sobretudo fazendo actividades de que se goste. Para além das muitas possibilidades e
interesses culturais, existem também as actividades e interesses espirituais. Penso
como nas paróquias os reformados e anciãos possam ser uma presença preciosa na
animação do terço e da adoração ao Santíssimo, nas obras de misericórdia, no
atendimento paroquial.
João Paulo II, na Carta aos Anciãos, dizia: «O Homem permanece sempre criado à
imagem de Deus, e cada idade possui a sua beleza e missão. Mais, a idade avançada
encontra na palavra de Deus uma grande consideração, a tal ponto que a longevidade
é vista como sinal da benevolência divina.»

94
Quantas vezes sorri hoje?
As tragédias do tempo em que vivemos (guerras, poluições, inseguranças, arrastões,
devastações morais e culturais) podem-nos tentar levar a eliminar o sorriso da nossa
vida.
A cultura da eficiência técnica e da necessária solidez nas relações humanas
sugerem a formação de personalidades “desenrascadas”, pouco atentas às dinâmicas
emocionais da nossa vida. Por isso, com frequência deparamo-nos com excelentes
profissionais e péssimas pessoas humanas.
Mas que tem tudo isto que ver com o sorriso? É que o sorriso é a “verbalização”
dos nossos sentimentos. Quando a preocupação, o cansaço, o excesso de trabalho e o
stresse invadem a nossa vida, o primeiro sintoma é o mau humor e a falta do sorriso.
Dizem os especialistas que «aos dois meses todos aprendemos a sorrir e na infância
acontece a muitos rir até às lágrimas. Na idade adulta, o prazer de sorrir é uma
experiência frequente apenas para alguns. Muitos gostam de provocar o sorriso nos
outros através de anedotas, histórias engraçadas, gargalhadas sonoras e contagiosas.
Ao crescer, alguns aprendem a deixar de rir.» (Donata Francescato)
Saber sorrir, de si e dos outros, é sinal de maturidade afectiva e cultural, pois quer
dizer que se é capaz de distanciar das situações, colocar em questão os próprios
princípios e conviver com outros valores, sem perder a consciência e importância dos
seus.
Sorrir é sinal de sã convivência. Para estarem bem juntas, as pessoas têm
necessidade de trocar sinais de felicidade, relaxamento e satisfação. E o sorriso nestas
situações não revela apenas o estado do conhecimento recíproco entre as pessoas,
mas estimula as relações interpessoais, uma maior sintonia e aprofundamento do
outro.
O sorriso é também sinal de alegria (quando não é forçado!). E a alegria tem um
efeito fortificante sobre a existência humana. Quando vemos alguém com um sorriso
de orelha a orelha, a expressão sai-nos espontânea: «Estás muito alegre!»
A alegria expressa num sorriso é a imagem do estado de espírito em que nos
encontramos. É o sentimento que faz transparecer a simples gratidão pela vida, pelo
saber, pelas relações, pela espiritualidade.
É possível aprender a arte de sorrir ou esta é hereditária? Donata Fracescato,
professora de Psicologia na Universidade de Roma, diz que esta ainda é uma questão
em aberto. Contudo, não hesita em afirmar que «nas famílias onde os pais e os filhos
frequentemente riem juntos, as relações entre as gerações são melhores.
Os pais que os filhos consideram divertidos têm uma maior relação de confiança e
mais diálogo com os filhos; ao passo que os pais que se consideram pouco capazes de
rir e de brincar com os seus filhos, declaram ter muitos problemas familiares e não
conseguirem dialogar com os filhos, havendo pouca harmonia familiar.»

95
Continua a docente, «quem usa habitualmente o humor para enfrentar os problemas
e as dificuldades da vida, teve na sua infância, famílias em que se ria mais e hoje são
considerados pais divertidos, simpáticos e próximos dos filhos. Aqueles que
raramente usam o humor como um instrumento para enfrentar as adversidades vêm
de famílias onde se ria pouco ou nada.»
Rir não só faz bem à saúde psíquica, mas também ajuda a preparar um futuro
familiar. Seria bom que, ao final do dia, no nosso exame de consciência quotidiano,
nos perguntássemos: «Quantas vezes sorri hoje?»

96
Índice
Apresentação 5
Capitulo I 6
A beleza da vida cristã 6
A grande alegria 6
O alimento da coragem 8
A alegria da conversão 10
Inquietação 12
Vocação e vocações 13
A incoerência de vida 15
O discernimento 17
«Senhor, Senhor» 19
Sofrer sem perder a esperança 20
Tempo para Deus 21
De que amor falamos? 22
Quem anseia por Deus 23
Madre Teresa de Calcutá 24
Capitulo II 26
A vocação da família cristã 26
Mais atenção à família 28
A família e a União Europeia 30
Quem ama é feliz pelo dever de amar 32
O desafio de ser mãe 34
O menino que consertou o mundo 36
A pequenina “abelha trabalhadora” 38
Uma grande lição 40
Vida de qualidade 42
Violência e educação 44
Educação sexual 46
O fascínio da Internet 47
Jovens 49
O gosto de viver 51
Quarta idade 52
Capitulo III 53
Quem é Cristo? 53
Viver a fé hoje 55

97
Servir a Igreja 57
Um Papa para conhecer 58
A Eucaristia na vida da Igreja 60
Encíclica social 62
O livro ausente 64
A beleza da Bíblia 66
O toque dos sinos 67
Redescobrir o mistério do Natal 68
“Corpo de Deus” 70
Homem das dores 71
Peregrinos de Fátima 73
O Vaticano II, 74
esperança do amanhã 74
Capitulo IV 75
Indiferença 76
Saber acolher os imigrantes 77
A paz começa na família 78
«Que devemos fazer?» 80
A liberdade e a consciência 81
«Eu vos aliviarei» 83
«Não deve ser assim entre vós» 85
Os católicos e a política 87
O dinheiro 88
Nem tudo o que parece é 90
Preconceitos 91
A alma não envelhece 93
Quantas vezes sorri hoje? 95

98

Você também pode gostar