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Homenagem Homenagem

Paulo Constantino

© Reprodução Instagram
Comentário a D ei-me conta do tamanho de Belchior,
falecido em 30 de abril último, para a
orla de um Rio de Janeiro idílico, que já não
existia mais quando ele por lá desembarcou.
tetizadores datados e ouça, por exemplo, sua
versão de Ouro de tolo, superior à de Raul Sei-

respeito de Belchior música popular quando, já adulto, ouvi Fotogra-


fia 3X4. Foi uma revelação para mim: a MPB,
assim como nossa literatura, invariavelmente
Quando o regime ditatorial recrudesceu no
país, ele estava contra o governo. Reestabelecida
a democracia no país, não abraçou a esquerda
xas. Como um trovador de seu tempo, está
tudo lá, em suas letras: o desespero, o medo
de ser engolido pelo mercantilismo instaura-
Meu convite é tratava o imigrante nordestino com um travo para viver ou morrer, como Chico. Preferiu, do na indústria da música pop, o niilismo e o
simples: escute de coitadismo, de vitimização, que não encon- como sempre, “andar sozinho”, pedindo que o existencialismo experimentado nas leituras
Belchior. Vá tram correspondência nos indivíduos que cora- deixassem decidir como viver a própria vida. da juventude.
direto aos josamente deixaram suas casas naqueles anos Além disso, as verdades que ele desvela em O público provavelmente lerá nos próximos
seus álbuns passados. Ali estava o relato autobiográfico do suas canções são muito mais duras e amargas dias sobre as inúmeras dívidas que deixou,
Alucinação sujeito que se afastou dos seus, com “lágrimas que as presentes na média das letras de seus seu “sumiço” na última década e as matérias
(1976) e nos olhos de ler o Pessoa e ver o verde da cana”, contemporâneos. Associado a essa dureza de sensacionalistas decorrentes. Bobagem. Isso é
Coração em uma apresentação crua, adulta e honesta temáticas, e prescindindo de uma boa rede de apenas o rodapé de uma biografia que deveria
Selvagem (1977) sobre como as coisas realmente ocorreriam nos relações com o mainstream da indústria fo- ser exaltada por uma obra muito maior do que
tempos vindouros para quem seguia aquele ca- nográfica, era esperado que não atingisse (ao tudo isso. Para um sujeito que fez enorme su-
minho: o encontro com o preconceito, a fome, menos em vida) o tamanho dos onipresentes cesso nacional e ainda teve coragem de pedir
o medo e o desamparo, as desilusões. Tom, Caetano, Gil, Chico ou Milton, para citar que os outros saíssem do seu caminho (em Paulo Constantino é
Após tornar-se reconhecido pelo grande pú- alguns de seus pares. Comentário a respeito de John), creio não ser músico, doutor em
Educação pela Unesp
blico entre as décadas de 1970 e 1980, tenho Meu convite é simples: escute Belchior. Vá possível contornar a ideia de igualdade que Bel- de Marília, onde é
um palpite sobre seu ostracismo nos últimos direto aos seus álbuns Alucinação (1976) e chior corajosamente cantou: todo mundo ficou, professor e atua na
supervisão das escolas
anos: seu discurso não anima plateias ou mo- Coração Selvagem (1977). Nos anos de 1980, a seu próprio tempo, desapontado, apaixonado técnicas do Centro
ve militâncias. Não cantou os barquinhos na esqueça os arranjos preguiçosos cheios de sin- e violento. Exatamente como eu ou você. Paula Souza.

UnespCiência | julho 2017 julho 2017 | UnespCiência

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