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UBU REI 1o ATO

ou Os Poloneses
Drama em cinco atos CENA 1
(1896) Pai Ubu, Mãe Ubu
de Alfred JARRY
tradução Ferreira Gullar PAI UBU – Merdra!

MÃE UBU – Que coisa mais engraçada, Pai


PERSONAGENS Ubu. Tu és um grosso!
Pai Ubu
Mãe Ubu PAI UBU – Mãe Ubu, Mãe Ubu, ainda te
Capitão Bordadura mato de pancada!
Rei Venceslau
MÃE UBU – Não é a mim que deves matar,
Rainha Rosamunda
mas a outra pessoa.
Boleslau
Ladislau PAI UBU – Juro pelos meus chifres1 que não
Bugrelau estou entendendo!
General Lascy
Stanislau Sobieski MÃE UBU – Vais me dizer, agora, que te
Imperador Alexis consideras um homem realizado.
Girão
Pila PAI UBU – Por meus chifres, merdra
madame, claro que me considero. Ou pelo
Cotica
menos, poderia me considerar: capitão de
Conjurados e Soldados Dragões, oficial de confiança do rei Venceslau,
Povo condecorado com a Ordem da Águia Vermelha
Miguel Federovitch da Polônia e antigo rei de Aragão, que queres
Nobres mais?
Magistrados
Conselheiros MÃE UBU – O que?! Depois de teres sido rei
Financistas de Aragão, te dás agora por satisfeito em
Guardas de Finanças passar em revista cinco dezenas de lacaios
Camponeses armados de facão de cozinha? Isso quando
poderias por em cima da cuca, depois da coroa
Exército Russo
de Aragão, a coroa da Polônia!
Exército Polonês
Os Guardas de Mãe Ubu PAI UBU – Não sei aonde pretendes chegar.
Um Capitão
Um Urso MÃE UBU – De burro que és!
O Cavalo de Finanças
A Máquina de Decapitar PAI UBU – Mas por meus chifres, Mãe Ubu,
A Equipagem o rei Venceslau ainda está aí vivinho da silva!
O Comandante E, mesmo que morra, tem filhos, uma legião de
filhos.

1
De par ma chandelle verte é a expressão de Jarry,
intraduzível, referência a uma peça escrita por ele
quando estudante. Essa expressão aparecerá várias
vezes na peça. como uma espécie de idiossincrasia de
Ubu. Pode-se admitir outras intenções de Jarry, como
referência a tenir la chandelle: agir como corno manso.
2

MÃE UBU – E quem te impede de trucidar PAI UBU – Ora, não enche, Mãe Ubu! (Sai
toda a família e usurpar o trono? batendo a porta)

PAI UBU – Escuta aqui, Mãe Ubu: mais um MÃE UBU – Vôtre, merdra, não está fácil
insulto desses e te visto um pijama de madeira. dobrá-lo, merdra, mas tenho certeza que o
conseguirei. Graças a Deus e a mim mesma,
MÃE UBU – Infeliz, se me vestes um pijama dentro talvez de uns oito dias, serei a rainha da
de madeira, quem é que vai remendar teus Polônia.
fundilhos?
CENA 2
PAI UBU – Ih, é mesmo! Mas e daí? Minha Pai Ubu, Mãe Ubu
bunda não é melhor que a dos outros. A cena se passa numa sala da casa de Pai
Ubu onde a mesa está posta para um
MÃE UBU – Pois se essa bunda fosse minha, banquete.
trataria de sentá-la num trono. Poderias
aumentar infinitamente tuas posses, comer MÃE UBU – Nossos convidados estão
lingüiça quando te desse vontade e passar de demorando muito.
coche pelas ruas...
PAI UBU – É mesmo, por meus chifres!
PAI UBU – Se eu fosse rei de novo, mandaria Morro de fome. Estás horrenda, Mãe Ubu. Será
fazer para mim uma enorme capelina2 igual que é por que vamos receber visitas hoje?
àquela que tinha em Aragão e que os vigaristas
dos espanhóis me roubaram descaradamente. MÃE UBU (Dando de ombros) – Merdra!

MÃE UBU – Poderias comprar um guarda- PAI UBU (Pegando um frango assado) –
chuva e uma japona comprida até os Puxa, que fome! Vou dar uma dentada nesse
calcanhares. bicho. Parece frango. Não está mal.

PAI UBU – Entrego os pontos, não resisto à MÃE UBU – Que estás fazendo, desgraçado?
tentação. Aquele velhaco de merdra, merdra de Que é que os convidados vão comer?
velhaco, se o pegasse sozinho num bosque, ah,
ele passaria um mau quarto de hora! PAI UBU – Sobrará bastante para eles. Não
tocarei em mais nada. Mãe Ubu, dá uma
MÃE UBU – Isso sim, Pai Ubu, agora falas espiada pela janela, vê se já estão chegando.
como um homem de verdade!
MÃE UBU (Chegando à janela) – Nem sinal.
PAI UBU – Não, não dá pé! Eu, capitão de (Enquanto isso, Pai Ubu rouba um pedaço de
Dragões, matar o rei da Polônia? Antes a vitela) Enfim o capitão Bordadura3 e seus
morte! companheiros! Que estás comendo aí, Pai
Ubu?
MÃE UBU (à parte) – Que merdra! (alto)
Desse jeito vais continuar miserável como um PAI UBU – Eu? Nada, um pedacinho de
rato. vitela.

PAI UBU - Pela pança de Deus, por meus MÃE UBU – Meu Deus, a vitela! A vitela! Ele
chifres, prefiro ser um miserável rato, magro comeu a vitela! Socorro!
mas bonzinho, do que ser rico como um rato
gordo e malvado. PAI UBU – Juro por meus chifres, que vou te
arrancar os olhos!
MÃE UBU – E a capelina, Pai Ubu? E o
guarda chuva? E a japona? (Abre-se a porta)

2
Capelina – peça da armadura usada para proteger a 3
Bordadura, Bordure. Termo de Heráldica: faixa estreita
cabeça na Idade Média. que contorna o escudo.
3

CENA 3 BORDADURA – Realmente, não está bom.


Pai Ubu, Mãe Ubu, Capitão Bordadura e
seus companheiros MÃE UBU – Cambada de judeus, que querem
mais?
MÃE UBU – Bom dia, senhores, já estávamos
impacientes. Sentem-se por favor. PAI UBU (Batendo na testa) – Tenho uma
idéia. Volto já. (Sai)
BORDADURA – Bom dia, madame. Mas
onde está Pai Ubu? MÃE UBU – Senhores, vamos à vitela.

PAI UBU – Aqui mesmo, meu caro. Credo em BORDADURA – Deliciosa, já terminei.
cruz, por meus chifres, até que não sou tão
magro assim. MÃE UBU – Agora, aos sobrecus.

BORDADURA – Bom dia, Pai Ubu. Sentem- BORDADURA – Um sabor requintado! Viva
se, rapazes. (Sentam-se todos) Mãe Ubu!

PAI UBU – Êta, um pouco mais e a cadeira TODOS – Viva Mãe Ubu!
desmanchava.
PAI UBU (de volta) – Daqui a pouco, estarão
BORDADURA – Mas, Mãe Ubu, o que é que gritando viva Pai Ubu. (Traz uma enorme
você tem de bom pra nós? vassoura que sacode sobre a mesa do
banquete)
MÃE UBU – Ouçam o menu.
MÃE UBU – Que está fazendo, miserável?
PAI UBU – Oba, isso me interessa.
PAI UBU – Provem, provem. (Vários provam
MÃE UBU – Sopa polonesa, costelas de e caem envenenados) Mãe Ubu, passe-me as
ratrão4, vitela, frango, pâté de cachorro, costeletas de ratrão, que eu mesmo sirvo.
sobrecu de peru, compota russa...
MÃE UBU – Toma.
PAI UBU – Suponho que seja o bastante. Ou
ainda há mais? PAI UBU – Pra fora, todo mundo! Capitão
Bordadura, quero falar com você.
MÃE UBU – Bomba, salada, frutas, carne
cozida, topinambor, couve-flor à la merdra. OS OUTROS – Mas ainda não comemos.

PAI UBU – Ei, você pensa que eu sou um PAI UBU – Como não comeram?! Pra fora
paxá para arcar com tamanha despesa? todos! Bordadura, você fica. (Ninguém se
move)
MÃE UBU – Não liguem, ele é um imbecil.
PAI UBU – Não vão embora, é? Juro por
PAI UBU – Espera aí que eu vou afiar meus meus chifres que vou rebentá-los a golpes de
dentes nas tuas canelas. costeleta de ratrão (Começa a jogar as
costeletas neles)
MÃE UBU – Come primeiro, Pai Ubu. É a
sopa. TODOS – Pára com isso! Socorro! Ajudem-
nos! Desgraça! Ele me mata!
PAI UBU – Ai, velhaca! Que troço ruim!
PAI UBU – Merdra, merdra, merdra. Rua!
Estou no meu papel.
4
Côtes de rastron. Nossa tradução é arbitrária em sua TODOS – Salve-se quem puder! Pai Ubu
referência a rato. A expressão de Jarry alude miserável! Tarado! Traidor! Tratante!
possivelmente a um colega de ginásio.
4

PAI UBU – Enfim, se foram! Agora posso PAI UBU – Cala essa boca, meu anjo...
respirar, mas comi muito mal. Vem cá, (Saem)
Bordadura. (Saem os dois com Mãe Ubu)
CENA 5
CENA 4 Pai Ubu, Mãe Ubu, um mensageiro
Pai Ubu, Mãe Ubu, Capitão Bordadura
PAI UBU – Que deseja o senhor? Vá-se
PAI UBU – E então capitão, comeu bem? embora e não chateie.

BORDADURA – Sim, bem, menos a merdra. MENSAGEIRO – Senhor, o rei manda


chamá-lo. (Sai)
PAI UBU – Ué, até que a merdra não estava
ruim. PAI UBU – Que merdra! Jarnicotonbleu5, por
meus chifres, fui descoberto, vou ser
BORDADURA – Gosto não se discute. decapitado, ai meu Deus, coitado de mim!

PAI UBU – Capitão Bordadura, estou disposto MÃE UBU – Que homem frouxo! E o tempo
a fazê-lo Duque de Lituânia. urge.

BORDADURA – Mas como? Julgava que o PAI UBU – Ah, já sei: vou dizer que foi coisa
senhor estivesse na... merdra, Pai Ubu. de Mãe Ubu e de Bordadura.

PAI UBU – Modéstia à parte, capitão, dentro MÃE UBU – Ah, seu grande PU, se tu te
de alguns dias reinarei sobre a Polônia. atreveres...

BORDADURA – Vai matar Venceslau? PAI UBU – Se me atrevo? Eu vou agora


mesmo. (Sai)
PAI UBU – Até que esse velhaco não é de
todo burro, adivinhou. MÃE UBU (Correndo atrás dele) – Pai Ubu,
Pai Ubu, vem cá! Te dou lingüiça, Pai Ubu
BORDADURA – Se se trata de matar (Ela sai)
Venceslau, pode contar comigo. Sou seu
inimigo mortal e respondo por seus homens. PAI UBU (Fora de cena) – Vai à merdra! Não
vai mais botar banca comigo, sua lingüiça!
PAI UBU (Jogando-se sobre ele para abraçá-
lo) – Ah, como gosto de você, Bordadura! CENA 6
Palácio do Rei
BORDADURA – Não, Pai Ubu, você fede Rei Venceslau, rodeado de oficiais,
demais. Nossa mãe! Nunca toma banho? Bordadura, os filhos do rei: Boleslau,
Ladislau e Bugrelau. Depois Pai Ubu.
PAI UBU – Raramente.

MÃE UBU – Nunca.


5
Jarnicotonbleu – jarni, espécie de juramento que os
PAI UBU – Piso teu pé, ouviu?
autores cômicos franceses punham na boca dos
camponeses, corruptela da expressão je rénie (eu
MÃE UBU – Merdralhão! renego) acrescida da palavra bleu por dieu. Henrique IV
tinha a mania de exclamar a todo momento jarnidieu
PAI UBU – Bem, Bordadura, estamos (renego Deus). Seu professor, o Padre Coton, mostrou-
acertados. Pode ir. Juro por meus chifres, pela lhe a inconveniência da expressão, pedindo-lhe que
Mãe Ubu, que farei de você Duque de Lituânia. passasse a exclamar jarnicoton (renego Coton). Jarry
coloca ao final a palavra bleu – jarnicotonbleu –
MÃE UBU – Mas... reafirmando a heresia que o padre Coton quis evitar e
fazendo alusão a Cordon Bleu, célebre ordem de
Cavalaria.
5

PAI UBU (Entrando) – Sabeis muito bem que CENA 7


não tenho nada a ver com isso. Foi Mãe Ubu e Casa de Pai Ubu
Bordadura. Girão, Pila, Cotica, Pai Ubu, Mãe Ubu,
conspiradores e soldados, Capitão
REI – Que há contigo, Pai Ubu? Bordadura.

BORDADURA – Bebeu demais. PAI UBU – Caros amigos, já é tempo de


estabelecermos o plano da conspiração. Cada
REI – Como eu, esta manhã. um deve dar sua opinião. Darei a minha
primeiro, se os senhores permitirem.
PAI UBU – É, estou um pouco tonto, abusei
do vinho francês. BORDADURA – Fale, Pai Ubu.

REI – Pai Ubu, quero recompensar-te pelos PAI UBU – Pois bem, meus amigos, sou de
incontáveis serviços que prestaste como opinião que se deve simplesmente envenenar o
capitão de Dragões, fazendo-te hoje mesmo rei, misturando-lhe arsênico na comida.
conde Sendomir. Quando se empanturrar, cairá morto, e eu me
tornarei rei da Polônia.
PAI UBU – Majestade, não sei como
agradecer-vos. TODOS – Assim também não, é muita
sordidez!
REI – Nada tens que agradecer, Pai Ubu, e
estejas amanhã de manhã na solenidade de PAI UBU – Ué, não gostaram? Então que
revista às tropas. opine o Bordadura.

PAI UBU – Lá estarei, mas aceite, por favor, BORDADURA – Na minha opinião, devemos
esta flautinha de presente. (Mostra ao rei uma matá-lo com um golpe de espada que o abra ao
flauta) meio, da cabeça à cintura.

REI - Que vou fazer com uma flauta, Pai Ubu? TODOS – Muito bem! Isso é agir com nobreza
Darei a Bugrelau. e bravura.

BUGRELAU – Esse Pai Ubu é um boboca. PAI UBU – E se ele cair de pontapés em
vocês? Estou me lembrando agora que para
PAI UBU – E agora me arranco... (Cai, ao se passar em revista as tropas, ele usa uns sapatos
voltar) Ui, ai! Socorro! Por meus chifres! Acho de ferro que podem fazer estrago na canela
que rompi os intestinos e quebrei a bunda! dum. Eu devia era denunciar vocês todos para
me safar desse negócio sujo, e estou certo de
REI (Levantando-o) – Estás machucado, Pai que o rei ainda me daria dinheiro por isso.
Ubu?
MÃE UBU – Traidor, covarde, vilão, sórdido
PAI UBU – Creio que sim, majestade, vou interesseiro!
morrer na certa. Que vai ser de Mãe Ubu?
TODOS – Vamos cuspir nele, pessoal!
REI – Não se preocupe, o sustento dela está
assegurado, Pai Ubu. PAI UBU – Calma, senhores, muita calma, se
não queren visitar meu papo6. Está bem,
PAI UBU – Sois a bondade em pessoa.
(Venceslau sai) É, rei Venceslau, mas nem por
isso escaparás da morte. 6
Traduzimos mes poches por meu papo, que é uma das
acepções da palavra. É preciso ter sempre em mente
que Pai Ubu não é propriamente um homem, mas um se
monstruoso, pré-humano (Ubu vem de Ybex, morcego, e
de Hibou, mocho). A palavra poche (bolso, papo) guarda
na língua original sua dupla significação já que Ubu traz
6

consinto em me expor a todos os riscos por vos de comparecer, hoje, à cerimônia de revista
vocês. Sendo assim, Bordadura, tu te às tropas.
encarregas de abrir o rei ao meio.
RAINHA – Em compensação, Venceslau, não
BORDADURA – Não seria melhor nos tereis lá bastante gente de vossa família para
jogarmos todos ao mesmo tempo em cima vos defender.
dele, berrando e lhe dando dentadas? Assim,
seria mais fácil de arrastar conosco as tropas. REI – Senhora, jamais volto atrás em minha
palavra. Vossas tolices me aborrecem.
PAI UBU – Está bem. Eu me encarrego de
pisar o pé dele. Vai achar ruim e então eu lhe BUGRELAU – Senhor meu pai, submeto-me
responderei: MERDRA – e essa será a senha às vossas ordens.
para que vocês ataquem.
RAINHA – Quer dizer, Senhor, que estais
MÃE UBU – Sim, e logo que ele esteja morto, mesmo disposto a ir a essa cerimônia?
pegarás o cetro e a coroa.
REI – Por que não?
BORDADURA – E eu então sairei com meus
homens em perseguição à família real. RAINHA – Não vos contei o outro sonho que
tive em que éreis trucidado e jogado no
PAI UBU – Certo, e te recomendo Vístula? E que uma águia igual à que figura nas
especialmente o jovem Bugrelau. (Saem) armas da Polônia colocava a coroa na cabeça
dele?
PAI UBU (Correndo atrás deles e fazendo-os
voltar) – Senhores, esquecemos uma cerimônia REI – Dele quem?
indispensável. Temos de jurar que todos nós
lutaremos com desprendimento. RAINHA – Pai Ubu.

BORDADURA – Como vamos fazer o REI – Que loucura! O senhor Ubu é um


juramento se não há um padre aqui? fidalgo muito digno que obedece cegamente às
minhas ordens.
PAI UBU – Mãe Ubu farás as vezes do padre.
RAINHA e BUGRELAU – Quanto equívoco!
TODOS – Bem, vá lá.
REI – Cala essa boca, jovem porcalhão.
PAI UBU – Juram que matarão o rei? Quanto à senhora, para vos mostrar quão
pouco temo o senhor Ubu, irei à revista das
TODOS – Juramos. Viva Pai Ubu! tropas como estou aqui, sem armas e sem
espada.
2º ATO
RAINHA – Fatal imprudência, não tornarei a
CENA 1 vê-lo vivo.
Palácio do Rei.
Venceslau, a rainha Rosamunda, Ladislau e REI – Ladislau, Boleslau, vinde comigo.
Bugrelau.
(Saem. A Rainha e Bugrelau vão até a janela)
REI – Senhor Bugrelau, foi muito impertinente
a maneira como vos comportastes esta manhã RAINHA E BUGRELAU – Que Deus os
com o senhor Ubu, cavaleiro de minhas Ordens guarde e o grande São Nicolau.
e conde de Sendomir. Por essa razão, proíbo-
RAINHA – Bugrelau, vem comigo à capela.
Vamos rezar por teu pai e teus irmãos.

sempre seu “bastão de física” metido no bolso, conforme


as indicações e os desenhos de Jarry.
7

CENA 2
Pátio de revistas. BUGRELAU – Claro. A senhora não tinha
Exército polonês, Rei, Boleslau, Ladislau, motivo algum para preocupar-se.
Pai Ubu, Capitão Bordadura e seus
homens, Girão, Pila, Cotica7 (Vem de fora uma zoada assustadora)

REI – Nobre Pai Ubu, acompanhai-me com BUGRELAU – Veja! Pai Ubu e seus homens
vossa comitiva para inspecionarmos as tropas. perseguem meus dois irmãos.

PAI UBU - (aos seus) Atenção, vocês aí. (ao RAINHA – Deus do Céu! Virgem Santa, vão
Rei) Vamos, majestade, vamos. (Os homens de alcançá-los!
Ubu cercam o Rei)
BUGRELAU – O exército inteiro acompanha
REI – Este é o regimento de guardas montados Pai Ubu. O rei não está mais lá. Que desgraça!
de Dantzick. Uma tropa exemplar, na minha Socorro!
opinião.
RAINHA – Mataram Boleslau! Uma bala o
PAI UBU – O senhor acha? Pois me parecem atingiu.
mendigos. Olhe aquele ali. (ao soldado) Seu
tratante, há quanto tempo não fazes a barba? BUGRELAU – Ladislau! (Ele se volta)
Coragem, defende-te!
REI – Mas esse soldado está impecável. Que
há com o senhor, Pai Ubu? RAINHA – Oh! Ele está cercado.

PAI UBU – Isto! (Pisa-lhe o pé) BUGRELAU – Veja! Bordadura acaba de


cortá-lo em dois feito uma salsicha.
REI – Miserável!
RAINHA – Pobre de mim! Os rebeldes
PAI UBU – MERDRA! Soldados, comigo! invadem o palácio, sobem as escadas.

BORDADURA – Hurrah! Avançar! (Todos (O tumulto aumenta)


atacam o rei, um Palhadino8 se exalta)
RAINHA e BUGRELAU – Deus do céu,
REI – Ai, Socorro! Santa Virgem, estou defendei-nos!
morrendo.
BUGRELAU – Arre, Pai Ubu! Se eu pegasse
BOLESLAU – (a Ladislau) Que se passa? esse miserável...
Lutemos.
CENA 4
PAI UBU – É minha, a coroa! Agora, os Os mesmos. A porta é arrombada. Pai Ubu
outros! entra seguido dos sublevados.

BORDADURA – Abaixo os traidores! (Os PAI UBU – Bugrelau, que pretendes fazer
filhos fogem, todos os perseguem) agora?

CENA 3 BUGRELAU – Juro que defenderei minha


A Rainha e Bugrelau. mãe até à morte! O primeiro que der um passo
à frente morrerá!
RAINHA – Vejo que meus temores eram
infundados. PAI UBU – Bordadura, Bordadura, estou com
medo! Quero ir embora.
7
Giron, Pile, Cotice são termos de Heráldica. UM SOLDADO (Avança) – Entrega-te,
8
Palotin. Montagem jarriniana da palavra palatin Bugrelau!
(paladino) com palot (boçal).
8

BUGRELAU – Toma, atrevido! É o que raça que já empunhou uma espada, forçado a
mereces! (Parte-lhe o crânio) se esconder nas montanhas como um bandido.

RAINHA – Boa, Bugrelau, isso mesmo! BUGRELAU – É por culpa de quem, meu
Deus? De quem? Desse abjeto Pai Ubu,
VÁRIOS AVANÇAM – Bugrelau, aventureiro saído não se sabe de onde, crápula
prometemos poupar-te a vida. dos mais vis, mísero vagabundo! E quando
penso que meu pai o condecorou e fez dele
BUGRELAU – Bandidos, beberrões, conde e que, no dia seguinte, esse bandido não
mercenários sórdidos! teve pejo de erguer o braço contra ele.

(Gira a espada em torno, provocando um RAINHA – Oh, Bugrelau! Quando me lembro


massacre) o quanto éramos felizes antes da chegada de
Pai Ubu! Mas agora, ai de mim, tudo mudou!
PAI UBU – Nossa! Vou me arrancar daqui de
qualquer jeito. BUGRELAU – Calma. Tenhamos esperança e
não renunciemos jamais aos nossos direitos.
BUGRELAU – Foge, mãe, sai pela escada
secreta. RAINHA – É o que deves fazer, meu caro
filho, mas para mim está tudo terminado, não
RAINHA – E tu, meu filho, e tu? verei um novo dia de felicidade.

BUGRELAU – Irei já. BUGRELAU – Mãe, que tens? Ela


empalidece, desmaia, socorro! Mas estou num
PAI UBU – Peguem a rainha, ela está fugindo. deserto! Oh, meu Deus, o coração dela parou
Quanto a ti, miserável! (Avança para de bater. Está morta. Será possível? Mais uma
Bugrelau) vítima de Pai Ubu. (Esconde o rosto nas mãos
e chora) Oh, Deus, como é terrível se ver
BUGRELAU – Deus é grande! Agora me sozinho aos quatorze anos e tendo sobre os
vingo! (Descose-lhe a barriga com terrível ombros o encargo de uma terrível vingança!
golpe de espada) Estou indo, mãe!
(Desaparece pela escada secreta) (Cai em profunda prostração. Enquanto isso,
as almas de Venceslau, Boleslau, Ladislau e
CENA 5 Rosamunda, seguidas de seus ancestrais,
Uma caverna nas montanhas. entram na caverna. O mais velho se aproxima
Bugrelau entra seguido da rainha. de Bugrelau e o chama docemente)

BUGRELAU – Aqui estaremos seguros. BUGRELAU – Que vejo? Minha família


inteira, meus ancestrais... É um milagre!
RAINHA – Creio que sim. Bugrelau, ajuda-
me. (Ela cai na neve) SOMBRA – Bugrelau, quando vivo fui o
Senhor Mathias de Konigsberg, o primeiro rei
BUGRELAU – Mãe, estás te sentindo mal? e o fundador de nossa Casa. Confio-te a missão
de nos vingar. (Entrega-lhe uma enorme
RAINHA – Estou muito doente. Não terei espada) E que esta espada que te entrego não
mais que duas horas de vida. tenha repouso enquanto viver o usurpador.

BUGRELAU – Que estás sentindo, mãe? Terá (Todos desaparecem e Bugrelau fica só em
sido o frio? atitude de transe)

RAINHA – Como queres que eu resista a CENA 6


tantos golpes? O rei assassinado, nossa família Palácio do Rei.
destruída, e tu, representante da mais nobre Pai Ubu, Mãe Ubu e Capitão Bordadura
9

PAI UBU – Não, nem um tostão! Queres me quis dar. Prometam, pelo menos, que pagarão
arruinar por causa desses idiotas? os impostos.

BORDADURA – Entenda, Pai Ubu, o povo TODOS – Pagaremos! Pagaremos!


espera algo de bom, um gesto generoso.
BORDADURA – Mãe Ubu, veja como eles
MÃE UBU - Ou mandas dar carne e ouro ao disputam o ouro. É uma verdadeira batalha.
povo, agora, ou estarás deposto em menos de
duas horas. MÃE UBU - Coisa horrível. Veja aquele lá
com o crânio partido.
PAI UBU – Carne, sim! Ouro não! Abatam
três cavalos velhos, e esses berdas-merdras que PAI UBU – Que espetáculo maravilhoso!
se dêem por muito satisfeitos. Tragam mais caixas de ouro, tragam.

MÃE UBU - O principal berda-merdra aqui BORDADURA – E se promovêssemos uma


és tu mesmo. Como pode existir, meu Deus, disputa?
semelhante besta?
PAI UBU – Boa idéia. Uma corrida. (Ao povo)
PAI UBU – Escutem mais uma vez: quero Amigos, aqui está uma caixa cheia de ouro. Ela
ficar rico, entenderam? Não soltarei um contém trezentos mil nobres-da-rosa em ouro,
vintém. moeda polonesa de bom quilate. Os que
desejarem participar da disputa coloquem-se
MÃE UBU - Isso quando temos nas mãos no fim do pátio. Quando eu der o sinal com o
todos os tesouros da Polônia. lenço, comecem a correr, e quem chegar
primeiro ganhará a caixa de ouro. Quanto aos
BORDADURA – É verdade. Sei de um demais, terão como consolação esta outra caixa
imenso tesouro que há na capela. Vamos que será dividida entre todos.
distribuí-lo ao povo.
TODOS – Viva Pai Ubu! Rei bom está aí! No
PAI UBU – Ah, miserável, se fizeres isso! tempo de Venceslau, a gente não ganhava tanto
dinheiro.
BORDADURA – Mas, Pai Ubu, se não dás
nada ao povo, ele não pagará os impostos. PAI UBU (à Mãe Ubu, entusiasmado) – Ouve
PAI UBU – Isso é verdade? o que eles dizem!
(Todo o povo vai se colocar no fundo do
MÃE UBU - Mas claro! pátio)

PAI UBU – Neste caso, topo tudo. Tragam PAI UBU – Um, dois, três. Todos a postos?
quatro milhões em moeda, cozinhem cento e
cinqüenta bois e carneiros. Quanto mais TODOS – Sim, sim!
comida melhor, sobrará pra mim também.
(Saem) PAI UBU – Já!

CENA 7 (Partem uns tentando derrubar os outros.


Pátio do palácio cheio de gente do povo. Pai Gritos e tumulto)
Ubu coroado, Mãe Ubu, Bordadura,
criados carregados de carne. BORDADURA – Estão chegando! Estão
chegando!
POVO – Olha lá o rei! Viva o rei! Vivaaaa!
PAI UBU – Ei! O primeiro homem está
PAI UBU (Jogando ouro) – Tomem, é pra perdendo terreno.
todos. Não acho nenhuma graça em dar meu
ouro a vocês mas, sabem como é, Mãe Ubu MÃE UBU – Não, ele reage agora.
10

BORDADURA – Ih, vai perder, vai perder! MÃE UBU – Temos uma dívida de gratidão
Pronto, venceu o outro! para com o Duque de Lituânia.

(O que estava em segundo lugar vence a PAI UBU – Com quem?


corrida)
MÃE UBU – Ué, com o capitão Bordadura.
TODOS – Viva Miguel Federóvitch! Viva
Miguel Federóvitch! PAI UBU – Por favor, não me fales desse
idiota. Já não preciso dele pra nada, vai ficar
MIGUEL – Senhor, não sei como agradecer a chupando o dedo, não lhe darei ducado algum.
Vossa Majestade...
MÃE UBU – Cometes um erro, Pai Ubu. Ele
PAI UBU – Ora, meu amigo, não tem de que. se voltará contra ti.
Leva tua caixa de ouro pra casa, Miguel. E
vocês, dividam esta outra, cada um tira uma PAI UBU – E eu vou chorar por isso! Esse
moeda de cada vez, até acabar. pobre diabo me preocupa tanto quanto
Bugrelau.
TODOS - Viva Miguel Federóvitch! Viva Pai
Ubu! MÃE UBU – E pensas que já liquidaste
Bugrelau?
PAI UBU – E agora, meus amigos, vamos
comer! Abro-lhes as portas do palácio, façam o PAI UBU – Claro que sim, espada-de-
favor de ocupar seus lugares à minha mesa! finanças! Que poderá fazer contra mim um
bostinha de quatorze anos?
POVO – Entra, pessoal, entra! Viva Pai Ubu!
Viva o mais nobre dos soberanos! MÃE UBU – Ouve o que te digo. Trata de
atrair Bugrelau para o teu lado.
(Entram no palácio. Ouve-se o barulho da
orgia que se prolonga até o dia seguinte. Cai PAI UBU – Dar mais dinheiro ainda? Essa
o pano) não. Basta os vinte e dois milhões que me
fizeste desperdiçar.
3º ATO
MÃE UBU – Bem, faz o que te der na veneta,
mas ele acabará te jantando, Pai Ubu.
CENA 1
No Palácio. Pai Ubu, Mãe Ubu.
PAI UBU – Ótimo! Estarás comigo na mesma
panela.
PAI UBU – Pelos meus chifres, assim como
me vês, sou o rei deste país! Já me permiti uma
MÃE UBU – Escutas uma vez mais: estou
indigestão e estou esperando chegar minha
convencida de que Bugrelau vai terminar
grande capelina.
ganhando a parada, pois tem de seu lado o
direito legítimo.
MÃE UBU – De que mandaste fazê-la? Não é
por sermos reis, que vamos agora esbanjar
PAI UBU – Ah, vigarice! E o direito ilegítimo
dinheiro.
não vale o legítimo? Tu me insultas, Mãe Ubu,
vou te fazer em pedaços. (Mãe Ubu foge
PAI UBU – Minha cara senhora, mandei fazer
perseguida por Pai Ubu.)
a capelina em couro de carneiro com presilha e
bridas em couro de cão.
CENA 2
MÃE UBU – Deve ficar bonito, mas nada é Salão do palácio
mais bonito do que a gente ser rei! Pai Ubu, Mãe Ubu, oficiais e soldados,
Girão cotica, nobres algemados, financistas,
magistrados, tabeliões.
PAI UBU - Tinhas toda a razão, Mãe Ubu.
11

PAI UBU – Tragam o tambor-dos-nobres e o PAI UBU – Muito bem! Muito bem! Possuis
gancho-dos-nobres e o cutelo-dos-nobres e o mais alguma coisa?
livro-dos-nobres!9 Em seguida, façam entrar os
nobres. NOBRE – Nada.

MÃE UBU – Moderação, Pai Ubu, por favor. PAI UBU – Para o alçapão, então. Quarto
nobre, quem és?
PAI UBU – Tenho a honra de vos anunciar
que, para enriquecer o reino, vou mandar NOBRE – Príncipe de Podolia.
liquidar todos os nobres e confiscar-lhes os
bens. PAI UBU – Quais são tuas rendas?

NOBRES – Horror! Povo, soldados, NOBRE – Estou arruinado.


sublevemo-nos!
PAI UBU – Por causa dessa frase desagradável
PAI UBU – Tragam o primeiro nobre e me irás para o alçapão, vá! Quinto nobre, quem és
passem aqui o gancho-dos-nobres. Os que tu?
forem condenados à morte serão jogados no
alçapão, cairão no subsolo do Chucha-Porco e NOBRE – Margrave de Thorn, paladino de
no Tribunal dos Vinténs, onde se lhes Polock.
rebentarão os miolos. (Ao nobre) Quem és tu
idiota? PAI UBU – É muito pouco. Não tens mais
nada?
NOBRE – Conde de Vitepsk.
NOBRE – Isso me bastava.
PAI UBU – A quanto montam tuas rendas?
PAI UBU – Claro, antes pouco do que nada.
NOBRE – Três milhões de rixdales. Alçapão! Estás querendo tirar uma casquinha,
Mãe Ubu?
PAI UBU – Condenado! (Prende-o no gancho
e puxa-o para o alçapão) MÃE UBU – És cruel demais, Pai Ubu.

MÃE UBU – Que ferocidade bestial! PAI UBU – Oba! Estou rico. Vou mandar ler a
lista de Meus bens. Tabelião, a lista de Meus
PAI UBU – Segundo nobre, quem és tu? (O bens.
nobre não responde). Não vais responder,
idiotra? TABELIÃO – Condado de Sendomir.

NOBRE – Grão-Duque de Posen. PAI UBU – Comece pelos principados, seu


estúpido!
PAI UBU – Excelente! Excelente! Não
percamos tempo. Alçapão com ele. Terceiro TABELIÃO – Principado de Podolia, grão-
nobre, quem és? Tens uma cara desonesta. ducado de Posen, ducado de Courlande,
condado de Sendomir, condado de Vitepsky,
NOBRE – Duque de Courlande, das cidades palatinado de Polock, margraviato de Thorn.
de Riga, Revel e Mitau.
PAI UBU – E que mais?
9
Uma das “violências” do universo verbal de Jarry é
essa sarcástica atribuição de especialidade a cada TABELIÃO – Acabou
instrumento. Assim, se o tambor que anuncia os nobres
é o tambor-dos-nobres, o gancho que Pai Ubu usará PAI UBU – Como acabou?! Bem, então,
para arrastá-los até o alçapão é o gancho-dos-nobres e avancem os nobres, e como não vou mesmo
o cutelo que os decapitará é o cutelo-dos-nobres. parar de enriquecer, mandarei executar todos
Adiante teremos a espada-de-cortar-merdra, a tesoura- os nobres, e assim ficarei com seus bens.
de-cortar-orrelhas, a faca-de-cortar-cara etc.
12

Vamos joguem os nobres no alçapão. (Os FINANCISTAS - Ora, não se acanhe!


nobres são empilhados no alçapão)
PAI UBU – Senhores, estabeleceremos um
PAI UBU – Depressa, que eu agora quero imposto de dez por cento sobre a propriedade,
legislar. outro sobre o comércio, um terceiro sobre os
casamentos e um quarto sobre os óbitos, de
VÁRIOS – Vamos ver isso. quinze francos cada um.

PAI UBU – Vou primeiro reforçar a Justiça, PRIMEIRO FINANCISTA – Mas isso não
após o que cuidaremos das finanças. faz sentido, Pai Ubu.

VÁRIOS JUÍZES – Somos contra qualquer SEGUNDO FINANCISTA – É um absurdo.


modificação.
TERCEIRO FINANCISTA – Não tem pé
PAI UBU – Merdra. Primeiro ponto: os juizes nem cabeça.
não receberão mais nenhum provento.
PAI UBU – Vocês estão querendo me gozar.
JUÍZES – E de que vamos viver? Somos Ao alçapão, todos os financistas! (Agarram os
pobres. financistas).

PAI UBU – Recebereis as multas que MÃE UBU – Afinal de contas que espécie de
impuserdes e herdareis os bens dos condenados rei és tu, Pai Ubu, que só sabes matar todo
à morte. mundo!

UM JUIZ – Ignomínia! PAI UBU – À merdra!

SEGUNDO JUIZ – Infâmia! MÃE UBU – Quanto mais justiça, mais


dinheiro.
TERCEIRO JUIZ - Escândalo!
PAI UBU – Não te preocupes, meu anjo, que
QUARTO JUIZ – Indignidade! eu mesmo irei recolher os impostos, de
povoado em povoado.
TODOS – Recusamo-nos a julgar em
semelhantes condições. CENA 3
Casa de camponeses nas cercanias de
PAI UBU – Joguem os juizes no alçapão. Varsóvia.Vários camponeses reunidos.
(Eles se debatem inutilmente)
UM CAMPONÊS - Ouçam o que aconteceu.
MÃE UBU – Que diabos estás fazendo, Pai O rei está morto, os duques também e o jovem
Ubu? Quem vai agora ministrar a justiça? Bugrelau fugiu com a mãe para as montanhas.
Pai Ubu se apossou do trono.
PAI UBU – Ora, quem! Eu. E verás como
tudo caminhará bem. OUTRO CAMPONÊS – Tenho mais notícias.
Venho de Cracovia, onde vi transportarem os
MÃE UBU – Sim, com isenção total! corpos de trezentos nobres e quinhentos juizes
que foram executados. Parece que vão dobrar
PAI UBU – Vamos, cala-te, idiotra. Agora, os impostos e que Pai Ubu virá recolhê-los
senhores, trataremos das finanças. pessoalmente.

FINANCISTAS – Não há o que mudar. TODOS – Deus do céu! Que vai ser de nós?
Pai Ubu é um crápula e dizem que sua mulher
PAI UBU – Como não há, se eu quero mudar é realmente abominável.
tudo? De saída, reservarei para mim a metade
dos impostos.
13

UM CAMPONÊS – Escutem: parece que cinqüenta e dois rixdales, que já pagamos faz
estão batendo. seis semanas em Saint Mathieu.

UMA VOZ (De fora) – Cornupapança10! PAI UBU – É bem possível, mas mudei o
Abram em nome de minha merdra, por São regime e avisei pelo jornal que todos os
João, São Pedro e São Nicolau! Abram, pela impostos serão pagos duas vezes, e três vezes
espada das finanças, côrnotutu, venho aqueles que assim determinarmos
arrecadar os impostos! posteriormente. Com esse sistema de
arrecadação, ficarei rico rapidamente, matarei
(A porta é arrombada, Ubu entra seguido de em seguida todo mundo e irei embora.
uma legião de coletores de impostos)
CAMPONESES – Senhor Ubu, tenha piedade
CENA 4 de nós. Somos gente pobre.

PAI UBU – Qual é o mais velho de vocês? PAI UBU – E daí? Paguem.
(Um camponês se apresenta) Como te
chamas? CAMPONESES – Não temos com que pagar,
Pai Ubu, já pagamos.
CAMPONÊS – Stanislau Leczinski.
PAI UBU – Paguem! Ou ponho vocês no
PAI UBU – Pois bem, cornupapança, presta papo, depois de torturá-los, com degolação do
atenção ao que vou dizer, senão estes senhores pescoço e da cabeça! Cornupapança, parece
aqui te cortarão as orrelhas. Mas, afinal de que o rei aqui sou eu!
contas, vais ou não vais me escutar?
TODOS – Ah, é assim? Às armas, pessoal!
STANISLAU – Mas Vossa Excelência ainda Viva Bugrelau, pela graça de Deus rei da
não disse nada. Polônia e da Lituânia!

PAI UBU – Como não disse nada! Falo há PAI UBU – Senhores das finanças, atacar,
mais de uma hora. Ou pensas que vim aqui cumpri com o vosso dever!
para pregar no deserto? (Lutam entre si, a casa é destruída e o velho
Stanislau foge pelo campo. Ubu fica a
STANISLAU – Longe de mim tal recolher o dinheiro)
pensamento.
CENA 5
PAI UBU – Pois muito que bem, estou aqui Uma casamata das fortificações de Thorn.
para te dizer, te ordenar e te intimidar a Bordadura preso, Pai Ubu
declarar e pagar imediatamente teu imposto de
renda, sob pena de seres trucidado. Vamos, PAI UBU – Patriota, eis o que é um patriota:
senhores porcalhinos das finanças, carrocem querias que eu te pagasse o que te prometera.
para cá a carroça-das-finanças. Como não quis pagar, te revoltaste, conspiraste
e terminaste engaiolado. Bem feito,
(Trazem a carroça) cornufinança e deves reconhecer que o golpe
que te dei foi de mestre.
STANISLAU – Sire, nossa inscrição no
registro nos obriga a pagar apenas cento e BORDADURA – Toma cuidado, Pai Ubu. És
rei há cinco dias e já mataste mais gente do que
seria necessário para condenar ao inferno todos
10 Cornegidouille, palavra inventada por Jarry para os santos do paraíso. O sangue do rei e dos
expressar as três partes do poder de Ubu: cabeça, nobres clama por vingança e esse clamor será
coração e ventre, sendo que, nele, só o ventre não se ouvido.
encontra em estado embrionário. Gidouille,
denominação do ventre monstruoso de Ubu: “o poder PAI UBU – Meu bom rapaz, até que és um
dos apetites inferiores”. cara bem falante. Não tenho dúvida que se
14

consegues escapar daqui me criarás muitas BORDADURA – Coragem não me falta,


dificuldades. Mas não sei de ninguém que Senhor.
tenha burlado a vigilância das casamatas de
Thorn. Por isso, boa noite, e trata de dormir o ALEXIS – Está bem, some da minha vista.
melhor que possas pois os ratos fazem aqui
uma sarabanda infernal a noite toda. (Sai) (Sai Bordadura)
(Os guardas vêm trancar a porta)
CENA 7
CENA 6 Sala do Conselho de Ubu
Palácio de Moscou Pai Ubu, Mãe Ubu, Conselheiros de
O Imperador Alexis e sua corte; Bordadura Finanças

CZAR ALEXIS – Aventureiro infame, PAI UBU – Senhores, esta aberta a sessão.
participaste do massacre de nosso primo Estejam atentos para o que vou dizer e
Venceslau? mantenham-se tranqüilos. Primeiro, trataremos
do capítulo das finanças e em seguida
BORDADURA – Perdoai-me, Senhor, Pai falaremos dum pequeno sistema que bolei para
Ubu me arrastou a isso contra a minha vontade. evitar as chuvas e preservar o bom tempo.

ALEXIS – És um sórdido mentiroso! Mas, UM CONSELHEIRO – Muito bem, Senhor


afinal de contas, que desejas? Ubu.

BORDADURA – Pai Ubu mandou-me MÃE UBU – Que idiota!


prender acusando-me de conspiração. Consegui
fugir e, durante cinco dias e cinco noites, corri PAI UBU – Senhora merdra minha, tome
através das estepes para vir implorar vossa cuidado porque não tolerarei mais suas tolices.
graça misericordiosa. Dizia eu, senhores, que as finanças vão mais ou
menos. Um considerável número de cães
ALEXIS – Que trazes como garantia de tua miseráveis se espalha toda manhã pelas ruas e
lealdade? os porcalhinhos fazem maravilhas. Por todos
os lados há casas incendiadas e gente
BORDADURA – Minha espada de dobrando-se ao peso de novos impostos.
aventureiro e um mapa da cidade de Thorn.
CONSELHEIRO – E os novos impostos,
ALEXIS – Aceito a espada mas, por São Senhor Ubu, estão dando resultado?
Jorge, queima esse mapa. Não quero dever
minha vitória a uma traição. MÃE UBU – Vão de mal a pior. O imposto
sobre casamentos rendeu até agora apenas onze
BORDADURA – Um filho de Venceslau, o sous, e assim mesmo porque Pai Ubu persegue
jovem Bugrelau, continua vivo, e eu tudo farei as pessoas por toda parte para obrigá-las a se
para reconduzi-lo ao trono. casarem.

ALEXIS – Qual era teu posto no exército PAI UBU – Espada das finanças, corna de
polonês? minha pança, senhora financista, eu tenho
orrelhas para falar e tu tens boca para escutar.
BORDADURA – Eu comandava o Quinto (Risos) Aliás, não é isso! Tu me atrapalhas e
Regimento dos Dragões de Wilna e uma me fazer parecer idiotra. Mas, corno de Ubu!
companhia de voluntários a serviço de Pai (Entra um mensageiro) Bem, vamos, que quer
Ubu. aquele ali? Vai-te embora, porcalhão, ou te
bato, te degolo e te torço as pernas.
ALEXIS – Muito bem, nomeio-te subtenente
do 10º Regimento de Cossacos, e ai de ti se me MÃE UBU – Bem, já se foi, mas deixou uma
traíres. Se fores bravo, serás recompensado. carta.
15

PAI UBU – Lê. Até parece que estou perdendo PAI UBU – Mãe Ubu, me dá aqui a couraça e
o juízo ou que não sei ler. Vamos, idiotra, lê, meu bastão. Vou ficar tão pesado que não vai
deve ser de Bordadura. dar pra correr se eles me perseguirem.

MÃE UBU – É dele mesmo. Diz que o czar o MÃE UBU – Covardão!
acolheu muito bem, que vai invadir teus
domínios para restaurar o poder de Bugrelau e PAI UBU – Onde estão a espada-de-cortar
que serás executado. merdra e o gancho-das-finanças que eu não
acho?! Nunca vou me aprontar, e os russos
PAI UBU – Não! Tenho medo! Tenho medo! avançam e vão me matar.
Acho que vou morrer. Coitadinho de mim!
Que vai me acontecer, meu Deus? Esse homem UM SOLDADO – Senhor Ubu, a tesoura-de-
malvado vai me matar. Santo Antônio e todos cortar-orrelhas vai cair.
os santos, protegei-me, prometo dar esmolas e
acender velas a todos vós. Senhor, o que me PAI UBU – Te mato com o gancho-de-puxar-
espera ainda? (Chora e soluça) merdra e a faca-de-cortar-cara.

MÃE UBU – Só há um caminho a seguir, Pai MÃE UBU – Como ele está bonito de
Ubu. capacete e couraça, parece uma abóbora
blindada.
PAI UBU – Qual é, meu amor?
PAI UBU – Bem, agora vou montar no cavalo.
MÃE UBU – A guerra! Senhores, tragam-me o cavalo-de-finanças.

TODOS – Graças a Deus! Eis uma atitude MÃE UBU – Pai Ubu, esse cavalo não tem
digna! forças para te agüentar, faz cinco dias que ele
não come nada, está quase morto.
PAI UBU – É, e quem vai levar novas
estocadas sou eu. PAI UBU – Que ótima babá ela é! Então gasto
doze sous por dia com esse animal e ele não
PRIMEIRO CONSELHEIRO – Apressemo- tem forças para me carregar? Será que te
nos, vamos organizar o exército. enganaram, corna d’Ubu, ou estás me
roubando? (Mãe Ubu enrubesce e baixa os
SEGUNDO CONSELHEIRO – E estocar olhos) Me tragam, então, outro cavalo. A pé é
víveres. que não vou, cornupapança!

TERCEIRO CONSELHEIRO – E preparar a (Trazem-lhe um enorme cavalo)


artilharia e as fortalezas.
PAI UBU – Vou montar nele. Oh! Aliás, acho
QUARTO CONSELHEIRO – E arranjar que vou cair. (O cavalo anda) Pára, pára esse
dinheiro para as tropas. bicho, meu Deus, vou cair, vou morrer!!!

PAI UBU – Ah, isso é que não! Eu te mato! MÃE UBU – É um imbecil, sem dúvida
Não vou dar dinheiro algum. Tomem de outro! alguma. Ah, conseguiu montar. Mas já caiu no
A guerra já está paga e ninguém vai guerrear às chão.
minhas custas. Pelos meus chifres, façam a
guerra mas porque vocês estão com raiva. PAI UBU – Cornofísico, estou meio morto!
Nada de gastar dinheiro. Viva a guerra! Mas não faz diferença, vou pra guerra e
matarei todo mundo. Ai de quem não marchar
CENA 8 direito! Será rebentado de pancada com torção
Campo de batalha, exército de Varsóvia. do nariz e dos dentes e extração da língua.

SOLDADOS E PALHADINOS – Viva a MÃE UBU – Boa sorte, Senhor Ubu.


Polônia! Viva Pai Ubu!
16

PAI UBU – Esqueci de te dizer que te confio o CENA 2


governo. Mas levo comigo o livro de Finanças. Praça de Varsóvia.
Se me roubares pagarás caro. O Palhadino Bugrelau e seus guerrilheiros.
Girão fica aqui para te ajudar. Adeus, Mãe Povo e Soldados.
Ubu.
BUGRELAU – Para frente, amigos! Viva
MÃE UBU – Adeus, Pai Ubu. Não deixa de Venceslau e a Polônia! O patife do Rei Ubu
matar o Czar. partiu. Só ficou a bruxa da Mãe Ubu com o seu
Palhadino. Estou disposto a marchar à frente
PAI UBU – Não te preocupes. Torção do nariz de vocês e a restaurar no trono a estirpe de
e dos dentes, extração da língua, e introdução meus pais.
do bastão orrelhas a dentro.
TODOS – Viva Bugrelau!
(O exército se afasta ao som das fanfarras)
BUGRELAU – Derrubaremos todos os
MÃE UBU (sozinha) - Agora que esse impostos decretados pelo abominável Pai Ubu.
bonecão de engonço foi embora, tratemos de
nossos interesses: matar Bugrelau e nos apossar TODOS – Bravos! Avante! Ataquemos o
do tesouro. palácio e acabemos com esse canalha!

4º ATO BUGRELAU – Pessoal, Mãe Ubu está saindo


com seus guardas pela escadaria.
CENA 1 MÃE UBU – Que querem comigo? Oh, é
Cripta dos antigos reis da Polônia na Bugrelau.
catedral de Varsóvia.
(A multidão joga pedras)
MÃE UBU – Mas onde está o tesouro? Pelo
som, nenhuma dessas lousas parece oca. No
PRIMEIRO GUARDA – Todos os carros
entanto, contei treze pedras a partir do túmulo
estão quebrados
de Ladislau, o Grande, ao longo da parede, e
nada. Devo ter me enganado. Não, aqui parece
SEGUNDO GUARDA – Vão acabar comigo,
oco. Mãos à obra, Mãe Ubu. Coragem, vamos
meu São Jorge.
arrancar esta pedra. Está muito presa. A ponta
do gancho-das-finanças cumprirá sua
TERCEIRO GUARDA – Cornão-bleu vou
finalidade. Achei! Aqui está o ouro misturado
morrer11.
aos ossos dos reis. Vamos, tudo dentro do
saco!... Que barulho é esse? Quem poderia
BUGRELAU – Pedra neles, pessoal.
estar aqui, sob essas velhas cúpulas? Não, não
é ninguém, apressemo-nos. Levemos tudo. Esta
GIRÃO – Ah, é assim!? (Desembainha a
riqueza toda é mais útil à luz do dia do que
espada e avança provocando verdadeira
enterrada no túmulo de velhos príncipes.
carnificina)
Recoloquemos a pedra. Ei, o barulho de novo.
Esses lugares sempre me causaram pavor.
BUGRELAU – Deixem por minha conta. (A
Depois venho buscar o resto do ouro, volto
Girão) Defende-te, covarde!
amanhã.
(Lutam os dois)
UMA VOZ (Saindo do túmulo de João
Sigismundo) – Jamais, Mãe Ubu!

(Mãe Ubu foge apavorada, pela porta secreta,


11
Corneblue, palavra inventada por Jarry partindo da
expressão ventrebleu (ventredieu, ventre de deus).
levando o ouro roubado)
Corne, corne physique, alusão ao “bastão de Física” do
professor Hébert; alude ainda a Cordon Bleu e a corno,
traído.
17

GIRÃO – Vou morrer! PAI UBU – Rapazola de merdra, se acredito


no que dizes terei de ordenar o retorno de todo
BUGRELAU – Vencemos, companheiros! o Exército. Mas, senhor rapazola, como vejo
Abaixo Mãe Ubu! Avante! (Ouvem-se clarins) que tens acima dos ombros mais plumas que
Estão chegando os nobres. Vamos, pessoal, miolos, creio que imaginaste bobagens. Vai
agarremos essa maldita harpia! para a linha de frente, os russos estão perto e
teremos de usar contra eles todas as nossas
TODOS – A vez daquele velho bandido armas, tanto as de merdra, como as de finanças
também chegará! e as de física.

(Mãe Ubu escapa perseguida por todos os GENERAL LASCY – Pai Ubu, não estais
poloneses. Tiros de fuzil e chuva de pedras) vendo os russos na planície?

CENA 3 PAI UBU – É verdade, os russos! Estou


O exército polonês em marcha na Ucrânia metido em boa. Se ao menos houvesse um jeito
de me arrancar, mas não dá pé: estamos numa
PAI UBU – Cornão-bleu, vôte, cabeça de colina e ficaríamos expostos ao fogo inimigo.
vaca! A sede e o cansaço vão nos matar.
Senhor soldado, tenha a gentileza de segurar EXÉRCITO – Os russos! O inimigo!
nosso capacete-de-finanças e, tu aí, senhor
lanceiro, cuida da tesoura-de-cortar-orrelhas e PAI UBU – Vamos, senhores, preparemo-nos
do bastão-de-física, pra me dar um pouco de para a batalha. Ficaremos nesta colina e não
folga. Repito que estamos muito cansados. cometeremos a besteira de descer daqui. Vou
ficar no centro como uma cidadela viva e vocês
(Os soldados obedecem) à minha volta. Recomendo-lhes carregar os
fuzis com o máximo de balas, pois oito balas
PILA – Ei, Senhore! É supriendente que os podem matar oito russos e serão menos oito a
russos não apaireçam. me atacar. Mandaremos a infantaria lá para
baixo a fim de que recebam os russos e matem
PAI UBU – Lamentável é que a situação alguns deles; a cavalaria irá logo atrás para
financeira não nos permita possuir uma viatura entrar na confusão e a artilharia ficará em torno
digna de nós; com medo de demolir nossa do moinho aqui presente para atirar em cima
montaria, fizemos todo o caminho a pé, do bolo. Quanto a nós, ficaremos dentro do
puxando o cavalo pela brida. Mas quando moinho e atiraremos com a pistola-de-finanças
voltarmos à Polônia, inventaremos, graças aos pela janela, colocaremos de través na porta o
nossos conhecimentos de física e às luzes de bastão-de-física, e se alguém tenta entrar,
nossos conselheiros, uma viatura movida a gancho-de-merdra nele!!!
vento para transportar todo o Exército.
OFICIAIS – Senhor Ubu, Vossas ordens serão
COTICA – Nicolau Rensky acaba de chegar e executadas.
parece aflito.
PAI UBU – Ótimo. Tudo corre bem,
PAI UBU – Que é que tem esse rapaz? venceremos. Que hora são?

RENSKY – Está tudo perdido, Senhor, os GENERAL LASCY – Onze horas da manhã.
poloneses se revoltaram. Mataram Girão, e
Mãe Ubu fugiu para as montanhas. PAI UBU – Vamos então, almoçar porque os
russos não atacarão antes do meio-dia. General,
PAI UBU – Ave agoureira, coruja de polainas, diga aos soldados que façam suas necessidades
donde tiras tantas asneiras? E mais essa agora! e entoem a Canção das Finanças.
Quem fez tudo isso? Aposto que foi Bugrelau.
Donde estás vindo? SOLDADO E PALHADINOS – Viva Pai
Ubu, nosso grande Financista! Ting, ting, ting;
RENSKY – De Varsóvia, senhor. ting, ting, ting; ting, ting, ting, tating!
18

PAI UBU – Ah, gente boa, adoro vocês todos. (Chega o Czar acompanhado de Bordadura,
(Um petardo russo atinge e quebra a pá do disfarçado)
moinho) Estou com medo, senhor Deus, estou
morrendo! Ah, não estou, não é nada. UM POLONÊS – Nossa mãe! Chegou o Czar,
salve-se quem puder!
CENA 4
Os mesmos, um capitão. OUTRO POLONÊS – Deus do céu! Ele
Depois o exército russo. transpôs o fosso.

CAPITÃO (chegando) – Senhor Ubu, os TERCEIRO POLONÊS – Pif! Paf! O


russos atacam. velhaco do tenente já desancou quatro.

PAI UBU – E daí, que é que você quer que eu BORDADURA – Ah, ainda não acabaram
faça? Não fui eu quem os mandou atacar. Mas, com vocês?! Pois toma o que mereces, Jean
senhores das Finanças, preparemo-nos para o Sobiesky. (Bordadura o abate) Agora, os
combate. outros! (Mata uma porção de poloneses)

GENERAL LASCY – Outro projétil. PAI UBU – Avante, camaradas. Peguem esse
biltre! Compota de moscovitas! A vitória é
PAI UBU – Não fico mais aqui. Chove nossa. Viva a águia vermelha.
chumbo e ferro em cima da gente e podemos
até prejudicar nossa preciosa pessoa. TODOS – Avançar! Hurra! Cáspite! Peguemos
Desçamos. (Descem todos correndo. A batalha o safadão!
começou. Eles desaparecem em meio à fumaça
ao pé da colina) BORDADURA – Meu São Jorge, caí no chão.

UM RUSSO (atacando) – Por Deus e pelo PAI UBU (Reconhecendo-o) – Ah, és tu,
Czar! Bordadura! Estamos todos felizes de te rever,
meu caro amigo. Vou te cozinhar em fogo
RENSKY – Ai, eu morro! lento. Senhores das Finanças, acendam o fogo!
Oh! Ai! Ui! Estou morto. Devo ter recebido
PAI UBU – Avante, camaradas! Ah, tu me pelo menos um tiro de canhão. Oh, meu Deus,
machucaste; vou acabar contigo, seu bêbado, perdoai meus pecados. É, foi mesmo um tiro
contigo e com essa tua espingarda que não de canhão.
atira.
BORDADURA – Foi um tiro de pistola com
UM RUSSO – Experimenta isso! (Dá-lhe um pólvora seca.
tiro de revólver)
PAI UBU – Ah, e ainda me gozando! Estás no
PAI UBU – Ai, ui! Estou baleado, estou papo (Joga-se sobre ele e o dilacera)
furado, perfurado, encomendado, enterrado.
Oh, mas ainda assim! Vou pegá-lo. Toma! Me GENRAL LASCY – Pai Ubu, estamos
provoca de novo! avançando em toda a linha.

GENERAL LASCY – Avancemos, todo PAI UBU – Estou vendo, não agüento mais,
vigor, pessoal, atravessemos o fosso. A vitória crivaram-me de pontapés. Gostaria de me
é nossa! sentar um pouco, mesmo no chão. E meu
cantil?
PAI UBU – Acha mesmo, general? Até o
momento, sinto na fronte mais “galos” que GENERAL LASCY – Toma o do Czar, Pai
lauréis. Ubu.

CAVALEIROS RUSSOS – Afastem-se! PAI UBU – É pra já. Vamos! Sabre-de-cortar-


Abram passagem para o Czar! merdra, cumpre tua função, e tu, gancho-de-
19

finanças, não fiques atrás. Que o bastão-de- POLONESES – Salve-se quem puder!
física trabalhe com generosa emulação e divida
com o bastãozinho a honra de massacrar, varar PAI UBU – Vamos, em marcha! Que
e rebentar o Imperador moscovita. Avante, cambada, que fuga, que multidão, como vou
senhor nosso cavalo-de-finanças! (Atira-se sair deste lodaçal? (É empurrado) Ah, mas és
sobre o Czar) tu! Presta atenção se não queres experimentar o
ardente valor do Mestre das Finanças. Bem,
UM OFICIAL RUSSO – Cuidado, foi-se embora, vamos nos arrancar daqui
Majestade! enquanto Lascy não está vendo. (Sai. Em
seguida, vê-se passar o Czar com o exército
PAI UBU – Toma! Oh! Ah! Deu em nada. Ui, russo perseguindo os poloneses)
perdão, senhor, deixe-me em paz. Ai, mas não
fiz por querer! CENA 5
(Pai Ubu escapa, o Czar o persegue) Uma caverna da Lituânia. Neva.
Pai Ubu, Pila, Cotica.
PAI UBU – Santa Virgem; esse danado me
persegue! Que fiz eu, meu Deus! Felizmente, PAI UBU – Que tempo maldito, faz um frio
ele ainda tem de transpor de volta o fosso. Ih, de rachar e a pessoa do Mestre das Finanças
sinto-o atrás de mim e à minha frente o buraco. está bastante estropiada.
Coragem, fechemos os olhos!
PILA – Como é, Senhoire Ubu, já se
CZAR – Nossa! Caí no fosso! recuperou do medo e da fuga?

POLONÊS – Oba! O Czar caiu lá embaixo! PAI UBU – Claro! Do medo já, mas a fuga
continua.
PAI UBU – Nem ouso olhar pra trás! Ele está
lá dentro. Ótimo, pau nele! Vamos polonês, COTICA (à parte) – Porco!
com toda força, ele tem costas largas, o
miserável! Nem quero ver. E enquanto isso PAI UBU – Ei, senhor Cotica, como vai sua
nossa predição se realizou plenamente: o orrelha?
bastão-de-física fez maravilhas e não resta
dúvida alguma de que eu estaria morto a esta COTICA – Vai tão bem como pode, indo mal
hora se um inexplicável terror não tivesse como vai. Em conseqüência de que o chumbo
combatido e anulado em nós os efeitos de faz ela pender para o chão e não posso extrair a
nossa bravura. Mas tivemos que, subitamente, bala.
virar casaca, e devemos nossa salvação à nossa
habilidez de cavaleiro assim como à solidez PAI UBU – Bem feito. Não estavas a fim de
das pernas de nosso cavalo-de-finanças, cuja bater nos outros? Dei prova total de bravura, e
rapidez só se iguala àquela solidez e à sua já sem me expor matei quatro inimigos com
famosa ligerez assim como à profundez do minha própria mão, sem contar todos aqueles
fosso que se abriu muito cortês sob os passos que já estavam mortos e que acabamos de
do inimigo soez do aqui presente Mestre das matar.
Finanças, como o vês. É, tudo isso é muito
bonito mas ninguém me escuta. Vamos, a COTICA – Pila, sabes que fim levou o
guerra continua! pequeno Rensky?
(Os dragões russos dão uma carga e salvam o
Czar) PILA – Recebeu uma bala na cabeça.

GENERAL LASCY – Desta vez é a PAI UBU – Assim como a papoula e o


debandada. taraxaco, que à flor da idade são ceifados pelo
ferro e pelo erro de arrado, nosso pequeno
PAI UBU – Chegou a hora de baixar o cacete. Rensky foi ceifado pela guerra e assim foi-se,
Portanto, senhores poloneses. avançar, ou emborra tenha lutado bravamente. Mas havia
melhor, botar o galho dentro. russos demais!
20

PILA E COTICA – Uh! Senhoire! (Em meio aos gritos dos Palhadinos, o urso
berra de dor e Ubu continua a resmungar)
UM ECO – Rhomrrr!
COTICA – Agarra firme, enquanto pego meu
PILA – Que será isso? Nossos binóculos! soco explosivo.

PAI UBU – Essa não! Aposto que são os PAI UBU – Panem nostrum quotidianum da
russos outra vez! Já é demais! E depois a coisa nobis hodie.
é simples, se eles me pegam, estarão no papo.
PILA – Conseguiste? Não posso segurá-lo
CENA 6 mais.
Os mesmos. Entra um urso.
PAI UBU – Sicut et nos dimittimus
COTICA – Ai, senhoire das Finanças! debitoribus nostris.

PAI UBU - Ora, veja, o totozinho. Que COTICA – Consegui! (Uma explosão e o urso
gracinha! cai morto)

PILA – Cuidado! Nossa, que urso enorme! PILA E COTICA – Vitória!


Cadê minha cartucheira?
PAI UBU – Sed libera nos a malo. Amen.
PAI UBU – Um urso! Ui! Que fera! Pobre de Enfim, morreu mesmo? Já posso descer daqui?
mim, vou ser comido. Deus que me proteja.
Ele vem me pegar. Não, vai pegar Cotica. PILA (com desprezo) – Quando quiser.
Ainda bem!
PAI UBU (descendo) – Podem se orgulhar de
(O Urso agarra Cotica. Pila ataca-o a golpes que, se ainda estão vivos e ainda pisam a neve
de punhal. Ubu se refugia em cima de uma da Lituânia, devem isso à virtude magnânima
pedra) do Mestre das Finanças, que se esforçou,
largou a pele, se matou a recitar padres-nossos
COTICA – Me ajuda, Pila! Me ajuda! por vossa salvação, e com tanta coragem
Socorro, Senhoire Ubu! empunhou a espada espiritual da prece quanto
vocês manejaram o temporal soco explosivo do
PAI UBU – Aqui oh! Te safa, meu caro, agora aqui presente Palhadino Cotica. Tão longe
estou rezando o Padre Nosso. Cada um tem sua levamos nosso devotamento, que não
vez de ser comido. hesitamos em subir num pedra bem alta para
que mais depressa nossas preces chegassem ao
PILA – Peguei, está seguro! céu.

COTICA – Agüenta, Pila, ele começa a me PILA – Asno asqueroso!


soltar.
PAI UBU – Santificatur nomen tuum PAI UBU – Aqui está um enorme animal.
Graças a mim vocês terão o que comer. Que
COTICA – Velhaco covarde! barriga tem o bicho, gente! Os gregos aí teriam
ficado bem mais à vontade do que no ventre do
PILA – Ai, ele está me mordendo! Meu Deus, cavalo de Tróia, e por pouco, caros amigos,
salvai-me, vou morrer. íamos ter a oportunidade de verificar
pessoalmente a capacidade interior dessa
PAI UBU – Fiat voluntas tua! pança.

COTICA – Consegui feri-lo. PILA – Morro de fome. Que vamos comer?

PILA – Bravos! Ele está sangrando. COTICA – O urso!


21

PAI UBU – Mas, seus bobocas, como é que PAI UBU – Pra mim dá na mesma. Como cru.
vão comê-lo cru? Não temos com que acender Pior pra vocês. Além do mais estou com muito
uma fogueira. sono!

PILA – E as espoletas? COTICA – Que achas Pila? Comemos tudo


sozinhos. Não damos nada a ele, tá? Ou lhe
PAI UBU – Isso mesmo! Parece que há aqui damos os ossos.
por perto um pequeno bosque onde podemos
achar alguns galhos secos. Vá buscá-los, PILA – Certo. O fogo está acendendo.
senhor Cotica.
PAI UBU – Que bom, já começa a esquentar.
(Cotica se afasta pela neve) Mas vejo russos por toda parte. Como
corremos, meu Deus! Ah... (Adormece).
PILA – E, enquanto isso, senhor Ubu, vá
esfolando o bicho. COTICA – Gostaria de saber se é verdade o
que disse Rensky, se Mãe Ubu foi deposta
PAI UBU – Eu não! Pode ser que ele ainda realmente. Não me parece difícil.
não esteja morto. É melhor te encarregares
disso, um vez que já estás meio comido e PILA – Vamos terminar de fazer a comida.
mordido por ele. Eu fico acendendo a fogueira
enquanto Cotica vai buscar a lenha. COTICA – Não, temos de falar coisas
importantes. Seria bom que nos inteirássemos
(Pila começa a esfolar o urso) da veracidade dessas notícias.

PAI UBU – Ôi cuidado! Ele se mexeu. PILA – Tens razão. Devemos abandonar Pai
Ubu ou ficar com ele aqui?
PILA – Mas, senhor Ubu, ele já está gelado.
COTICA – A noite é boa conselheira.
PAI UBU – Isso é ruim, seria melhor comê-lo Durmamos. Amanhã a gente vê o que se deve
quente. O Mestre das Finanças vai ter uma fazer.
indigestão.
PILA – Acho melhor aproveitar a noite pra
PILA (à parte) - É revoltante. (Alto) Me ajude nos mandarmos.
um pouco, senhor Ubu, não posso fazer tudo
sozinho. COTICA – Vamos, então. (Partem)

PAI UBU – Não, não quero fazer nada! Estou CENA 7


muito cansado!
PAI UBU (fala dormindo) – Ah, Senhor
COTICA (voltando) – Que frio, amigos, Dragão russo, presta atenção, não venha pra cá,
parece até Castilha ou o Pólo Norte. Começa a tem gente. Ah! Lá está Bordadura, ele é
anoitecer. Numa hora estará escuro. Vamos nos malvado, parece um urso. Bugrelau avança
apressar enquanto ainda há claridade. contra mim! O urso, o urso! Ai! Olha ele lá!
Ele é duro de roer, meu Deus! Não quero fazer
PAI UBU – Correto. Ouviste, Pila, apressa-te. nada, nada! Vai embora, Bugrelau! Estás
Andem vocês dois! Metam o bicho no espeto e ouvindo, palhaço? Agora é Rensky e o Czar!
tratem de assá-lo, que eu estou com fome! Oh! Eles vão me bater. E Donabu? Onde
achaste tanto ouro? Ficaste com meu ouro,
PILA – Ah, isso já é demais! Vem trabalhar, miserável, foste remexer no meu túmulo na
guloso, do contrário não vais comer coisa catedral de Varsóvia, perto da Lua. Já morri
alguma! faz muito tempo, foi Bugrelau quem me matou
e fui enterrado em Varsóvia perto de Vladislau,
o Grande, também em Cracovia perto de João
Sigismundo, e também em Thorn na casamata
22

com Bordadura! Ei-lo de novo. Vai-te embora, E seu cavalo de finanças morreu de fome: não
urso maldito! Tu te pareces com Bordadura. via comida com muita freqüência. A história de
Escutou, demônio? Não, ele não escuta. Os sempre! Mas coitada de mim que perdi meu
porcalhinos12 cortaram-lhe as orrelhas. tesouro. Ficou em Varsóvia, e quem se
Rebentais o cérebro, matrai13,cortai as orrelhas, arriscaria a ir buscá-lo?
arrancai a finança e bebei até morrer, é a vida
dos porcalhinos, é a alegria do Mestre de PAI UBU (começando a acordar) – Agarrem
Finanças. a Mãe Ubu, cortem-lhe as orrelhas!
(Cala-se e dorme)
MÃE UBU – Deus do céu! Onde estou?
5º ATO Enlouqueço. Ah, não Senhor! Graças a Deus
entrevejo Senhor Pai Ubu que dorme perto de
mim.
CENA 1
Noite. Pai Ubu dorme. Entra Mãe Ubu.
PAI UBU – Muito mal! Esse danado desse
A escuridão é total.
urso não é mole! Combate dos vorácios com os
curiácios, mas os vorácios comeram e
MÃE UBU – Até que enfim um refúgio. Aqui
devoraram os curiácios, como verás ao
estarei sozinha, o que não é mau, mas que
amanhecer. Entendestes, nobres palhadinos?
corrida desenfreada: atravessar toda a Polônia
em quatro dias! Todas as desgraças caíram
MÃE UBU – Quem é que ele está gozando
sobre mim de uma só vez. Assim que aquela
assim? Ficou mais idiota do que era antes de
besta partiu, fui à cripta apanhar o tesouro.
partir. Que será que ele tem?
Logo depois, Bugrelau e seu grupo enfurecido
quase me matam a pedradas. Perco meu
PAI UBU – Cotica, Pila, respondam, sacos de
cavaleiro, o Palhadino Girão, que era tão
merdra! Onde estão vocês? Ai, tenho medo.
fascinado por meus encantos que desmaiava só
Mas ouvi alguém falar aí. Que foi? O urso não
de me ver e, segundo alguns, mesmo sem me
pode ser. Merdra! Meus fósforos, onde estão?
ver, o que é o cúmulo da ternura. Por minha
Ah, perdi-os na guerra.
causa, seria capaz de se deixar cortar ao meio,
o pobre rapaz. A prova disso é que foi cortado
MÃE UBU (à parte) – Aproveitemos a
em quatro por Bugrelau. Pif paf pan! Puxa,
situação e a noite, simulemos uma aparição
pensei que ia morrer! Em seguida, fugi
sobrenatural e façamos com que ele nos perdoe
perseguida pela multidão enfurecida. Deixo o
os furtos.
palácio, chego ao Vístula, todas as pontes
vigiadas. Atravesso o rio a nado, na esperança
PAI UBU – Meu Santo Antônio, quem fala aí?
de fazer meus perseguidores desistirem.
Cruz credo! Vão me enforcar!
Dissimulada entre poloneses dispostos a acabar
comigo, estive mil vezes a um passo da morte.
MÃE UBU (engrossando a voz) - Sim, senhor
Mas terminei escapando-lhes à fúria, e depois
Ubu, alguém realmente está falando aqui, e a
de quatro dias de caminhadas pela neve do que
trombeta do arcanjo que ergue os mortos da
fora meu reino, consigo me esconder aqui. Não
cinza e do pó final não falaria de outra
bebi nem comi nada durante todos esses dias.
maneira! Escutai esta voz grave. É a voz de
Bugrelau, no meu rastro, o tempo todo...
São Gabriel que só dá bons conselhos.
Enfim, estou salva. Ai, estou quase morta de
frio e de cansaço. Mas gostaria de saber que
PAI UBU – Só faltava essa!
fim levou meu gordo polichinelo, isto é, meu
respeitável esposo. Tomei muito dinheiro dele.
MÃE UBU – Não me interrompei, Pai Ubu,
Roubei-lhe rixdales. Enganei-o com mentiras.
ou eu me calo e será pior para você!

12Salopin (salop, sujo), alusão a palotin, que traduzimos PAI UBU – Ai, minha pança! Não digo mais
por palhadino. uma palavra. Continue, senhora aparição!
13 Tuder: palavra inventada possivelmente com a

montagem da expressão tudieu – exclamação de


comédia antiga – e tuer, matar
23

MÃE UBU – Dizíamos, senhor Ubu, que éreis MÃE UBU – Ela não desvia um único
um pateta tamanho família! centavo!

PAI UBU – Muito família, não resta dúvida. PAI UBU – Que sirva de testemunha meu
nobre e desgraçado cavalo-de-finanças que,
MÃE UBU – Calai-vos, por Deus! tendo passado três meses sem comer, teve de
fazer toda campanha puxado pelas rédeas
PAI UBU – Uai, nunca vi anjo se exaltar. através da Ucrânia. Também fizeram tudo para
acabar com ele, pobre animal!
MÃE UBU – Merdra! (continuando) Sois
casado, senhor Ubu? MÃE UBU – Tudo isso é mentira. Possuis um
modelo de mulher e fazeis dela um monstro!
PAI UBU – Exato, com a última das megeras.
PAI UBU – Tudo é verdade. Minha mulher é
MÃE UBU – Quereis dizer com uma mulher uma libertina e falas como se ela fosse atraente
encantadora. feito uma lingüiça!

PAI UBU – Um monstro. Tem esporões por MÃE UBU – Cuidado, Pai Ubu.
todo o corpo, não há por onde pegá-la.
PAI UBU – Ah, sim, esqueci com quem estou
MÃE UBU – Pela doçura, senhor Ubu. Se falando. Não, não quis dizer isso!
fordes carinhoso, vereis que, na pior das
hipóteses, ela é igual à Vênus de Cápua. MÃE UBU – Mataste Venceslau.

PAI UBU – Caspa? Quem tem caspa? PAI UBU – A culpa não foi minha, podeis
crer. Foi idéia de Mãe Ubu.
MÃE UBU – Não me escutastes bem, senhor
Ubu. Prestai melhor atenção. (à parte) Tenho MÃE UBU – Mataste Bulelau e Ladislau.
de me apressar pois já amanhece. (Alto) Senhor
Ubu, vossa mulher é adorável e deliciosa, ela PAI UBU – Azar deles! Queriam me bater.
não tem um só defeito.
MÃE UBU – Não cumpriste a promessa feita
PAI UBU – Estais enganada, não há um só a Bordadura e mais tarde ainda o assassinaste.
defeito que ela não tenha.
PAI UBU – Prefiro que seja eu e não ele o rei
MÃE UBU – Silêncio! Vossa mulher é fiel! da Lituânia. Atualmente, não é nenhum de nós
dois. Isso prova que não fui eu quem o matou.
PAI UBU – Seria difícil aquela gralha me trair.
Não ia achar com quem. MÃE UBU – Só há um meio de conseguirdes
perdão para vossas faltas.
MÃE UBU – Ela não bebe.
PAI UBU – Qual é? Estou disposto a me
PAI UBU – Sim, depois que lhe tomei a chave tornar um santo homem, quero ser padre e ver
da adega. Antigamente, às sete da manhã já meu nome como santo do dia na folhinha.
estava bêbada, recendendo a cachaça. Agora se
perfuma com heliotropo, não cheira mal. Pra MÃE UBU – Terás de perdoar os pequenos
mim tanto faz. Quem se embebeda agora sou furtos de Mãe Ubu.
eu.
PAI UBU – Essa não! Perdôo depois que ela
MÃE UBU – Homem tolo! Vossa mulher não me devolver tudo o que roubou, depois de ser
toca em vosso ouro. açoitada e depois que ressuscitar meu cavalo-
de-finanças.
PAI UBU – Não me diga! Isso é piada!
24

MÃE UBU – Essa do cavalo ficou-lhe na PAI UBU – Ah, meu Deus, ela de novo!
garganta. Já amanhece, estou perdida! Mulher estúpida, será que não há um jeito de
me livrar dela? O urso está morto?
PAI UBU – No final de tudo, estou muito
satisfeito por ter agora a certeza de que minha MÃE UBU – Está, meu asno, já está até frio.
querida esposa me roubava dinheiro. Agora eu Como esse bicho veio parar aqui?
o sei de fonte limpa. Ominis a Deo scientia. O
que quer dizer: Ominis, toda; a Deo scientia, PAI UBU – Sei lá. Ah, sei sim. Ele quis comer
ciência que vem de Deus. Toda ciência vem de Pila e Cotica e eu o matei com um golpe de
Deus. Eis a explicação do fenômeno. Mas Pater Noster.
Dona Aparição parou de falar. Que é que eu
posso fazer para ela se animar de novo? Até MÃE UBU – Pila, Cotica, Pater Noster. Que
que falava coisas engraçadas. Ih, já está significa isso? Pelas minhas finanças, ele
amanhecendo... Nossa mãe, por meu-cavalo- endoidou de vez!
de-finanças, era Mãe Ubu!
PAI UBU – Disse exatamente o que houve. Tu
MÃE UBU (Descaradamente) – Não é é que és uma idiota, minha bonstra.14
verdade, vou te excomungar.
MÃE UBU – Pai Ubu, me conta como foi a
PAI UBU – Ah, carniça! guerra.

MÃE UBU – Que sacrilégio! PAI UBU – Oh, não, é cansativo. Tudo o que
sei é que, apesar de minha incontestável
PAI UBU – Essa não! Sei muito bem que era bravura, todo mundo me bateu.
você, sua rabugenta! Que diabo fazes aqui?
MÃE UBU – Não me diga, até os poloneses?
MÃE UBU – Mataram Girão e os poloneses
me expulsaram. PAI UBU – Eles berravam: Viva Venceslau e
Bugrelau. Pensei que iam me esquartejar,
PAI UBU – Quanto a mim, foram os russos aqueles indisciplinados. E depois mataram
que me expulsaram: duas boas almas se Rensky.
encontram.
MÃE UBU – E eu com isso?! Sabes que
MÃE UBU – Neste caso, eu diria que uma boa Bugrelau matou o Palhadino Girão!
alma encontra um asno!
PAI UBU – E eu com isso?! E depois mataram
PAI UBU – É assim? Pois a boa alma vai o pobre Lascy.
encontrar agora um palmípede. (Joga o urso
em cima dela) MÃE UBU – E eu com isso?!

MÃE UBU (Caindo sob o peso do urso) – PAI UBU – Sim, mas de qualquer jeito,
Que horror, meu Deus! Vou morrer! Estou carniça, chega pra cá! Ajoelha-te aos pés de teu
sufocada! Ele me morde, me engole, me senhor. (Agarra-a e a põe de joelhos) Vais
digere! sofrer o derradeiro suplício.

PAI UBU – O bicho está morto, escandalosa. MÃE UBU – Oh! Oh! Senhor Ubu!
Ui, mas quem sabe? Pode ser que não! Nossa
mãe! Ele não morreu, fujamos. (Subindo na PAI UBU – Oh, oh, oh! Já acabaste? Agora
pedra) Pater Noster qui es... começo eu: torção de nariz, arrancamento de

MÃE UBU (Se livrando) – Essa não! Onde se


meteu ele? 14 Tradução arbitrária de giborgne, palavra cunhada por
Jarry e que pode conotar inúmeros sentidos: gibbeux
(corcunda), borgne (lôbrego, zarolho), giberne (traseiro)
gibbon (orangotango).
25

cabelos, introjeção do bastonete de madeira, VOZES LÁ FORA – Viva Pai Ubu, nosso
extração do cérebro pelos calcanhares, grande financista!
dilaceração do posterior, supressão parcial ou
mesmo total do espinhaço (talvez que assim PAI UBU – Oba! São eles! Viva! São os Pais
consiga extrair também os espinhos de seu Ubus! Venham, cheguem, precisamos de
caráter), sem esquecer a abertura da bexiga vocês, senhores das Finanças.
natatória e finalmente a grande decapitação
renovada de São João Batista, tudo de acordo (Entram os Palhadinos que se jogam na
com as Santíssimas Escrituras, tanto do Antigo confusão)
como do Novo Testamento, organizado,
corrigido e aperfeiçoado pelo aqui presente PAI UBU - Poloneses, caiam fora!!
Mestre das Finanças! De acordo, lingüiça?
(Ele a rasga) PILA – Hon! Turnamos a nos veire, senhoire
da Finanças. Vamos, force a passagem, trate de
MÃE UBU – Piedade, senhor Ubu! chegar à porta e, uma vez lá fora, só há uma
coisa a fazer: dar no pé.
(Alarido na entrada da caverna)
PAI UBU – Nisso eu sou bom. Ai, ele bate
CENA 2 com força!
Os mesmos,Bugrelau invadindo a caverna
com seus soldados. BUGRELAU – Meu Deus, estou ferido!

BUGRELAU – Avante, camaradas! Viva a STANISLAU LEOZINSKI – Não foi nada,


Polônia! senhor.

PAI UBU – Espere um pouco, senhor polonês. BUGRELAU – É, só fiquei um pouco tonto.
Deixe-me acabar aqui com minha cara metade.
JEAN SOBIESKY – Batam, batam para
BUGRELAU (Espancando-o) – Toma, valer, eles fogem pela porta, os miseráveis.
covarde, pícaro, sacripanta, incréu,
muçulmano! COTICA – Estamos perto, siga os outros. Em
conseqüência do que, estou vendo o céu.
PAI UBU (Revidando) – Toma, idiota, janota,
lorota, carlota, capota, calota, borrabotas, PILA – Coragem, senhor Ubu!
bosta!
PAI UBU – Sim, já fiz nas calças. Vamos,
BUGRELAU – Toma, capão, ladrão, cornopapança! Matrem, sangrem, esfolem,
beberrão, bufão, paspalhão, cafetão! matem, corno de Ubu! A situação melhora!

(Os soldados arremetem contra os Ubu que COTICA – Só há dois guardando a saída.
defendem como podem)
PAI UBU – (Espancando-os a golpe de urso)
PAI UBU – Deuses! Quantos reforços! Dou-lhe uma, dou-lhe duas! Uf! Consegui sair.
Fujamos! Sigam os outros.
MÃE UBU – Também temos pés, senhores
poloneses. CENA 3
A cena representa a província de Livônia
PAI UBU – Por meus chifres, quando é que coberta de neve. Os Ubus e seu séquito em
isso vai acabar? Outro ainda! Ah, se eu tivesse fuga.
aqui meu cavalo-de-finanças!
PAI UBU – Uf, creio que eles desistiram de
BUGRELAU – Batam, batam sem parar! nos pegar.

MÃE UBU – É, Bugrelau foi assumir o trono.


26

PAI UBU – Não tenho nenhuma inveja da PAI UBU – Isso até que não é mau. Está
coroa dele. escutando, senhora Tripulação? Afrouxar os
risos, desviar o culhão e abrir a bunda!
MÃE UBU – Tens toda a razão, Pai Ubu.
(Alguns morrem de rir. Uma onda varre o
(Desaparecem na distância) convés)

CENA 4 PAI UBU – Que dilúvio! É conseqüência das


Convés de um navio navegando à bolina no manobras que ordenamos.
Báltico. No convés, Pai Ubu e seu bando.
MÃE UBU – Coisa aprazível, a navegação!
COMANDANTE – Sopra ótima vento.
(Outra onda invade o barco)
PAI UBU – De fato, navegamos com
prodigiosa rapidez. Devemos estar fazendo no PILA (Encharcado) - Desconfie do Demônio
mínimo um milhão de nós por hora, e esses nós e de suas tentações.
têm a vantagem de que, uma vez feitos, não se
desfazem mais. Bem, é verdade que temos PAI UBU (Sentando-se para beber) - Senhor
muito vento no traseiro. garçom, traga-nos bebida.

PILA – É um pobre imbecil. MÃE UBU – Ah, como é bom saber que em
breve reveremos nossa doce França, os velhos
(Uma rajada faz o navio adernar) amigos e nosso castelo de Maudragão.

PAI UBU – Uai! Meus Deus! Vamos afundar. PAI UBU – É, não vai demorar! Estamos
Ele está indo todo torto, vai virar, o barco vai passando pelo castelo de Elsenor.
virar!
PILA – Fico contente só de pensar de rever
COMANDANTE – Todo mundo a sota-vento, minha querida Espanha.
amarrem o mezena!
COTICA – Eu também, e vamos deslumbrar
PAI UBU – Essa não! Não fiquem todos do os compatriotas com a história de nossas
mesmo lado! É uma imprudência. E se o vento maravilhosas aventuras.
mudar de direção? Iremos todos ao fundo e os
peixes nos comem. PAI UBU – Oh, sem dúvida! Quanto a mim,
serei nomeado mestre das Finanças em Paris.
COMANDANTE – Devagar, amainar as
velas. MÃE UBU – Isso mesmo! Ui, que houve?

PAI UBU – Devagar, o que! Nada disso! COTICA – Não é nada, é que acabamos de
Tenho pressa, ouviu? A culpa é tua, capitão de dobrar a ponta de Elsenor.
merdra, se não chegarmos, a culpa é tua. Já
devíamos ter chegado, pô! Assumo o PILA – E agora cortamos velozmente as
comando! Evitar de virar, fé em Deus e pé na escuras ondas do Mar do Norte.
tábua! Ancorar, virar de vento em proa ! Icem
as velas, arreiam as velas, leme a barravento, PAI UBU – Mar feroz e hostil que banha o
leme a sota-vento, leme de lado... Estamos país por nome Germânia, assim chamado
indo bem? Não? Então, cortar a onda pelo porque os seus habitantes são primos germãos.
meio, e pronto, tudo estará perfeito.
MÃE UBU – É a isso que eu chamo erudição.
(Todos se riem, o vento sopra mais forte) Diziam que é uma beleza de país.

COMANDANTE – Afrouxar os rizes, desviar


o colhão e abrir a burda!
27

PAI UBU – Sim, mas, por mais belo que seja,


não se compara à Polônia. Se não houvesse a
Polônia, não haveria poloneses.

FIM

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