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Projeto, Lugar e Tempo

Piñón in Teoria do Projeto


de Helio Piñón,

Arq. Caio Nogueira H. Cordeiro


Projeto, Lugar e Tempo
Teoria do Projeto – Helio Piñon

Entre as lendas que contribuíram


para o desconhecimento da
arquitetura moderna, uma das
falsidades assumidas com mais
tranqüilidade é a que incapacita os
seus produtos para atender às
condições do meio urbano em que
surgem.
Com efeito, parece uma verdade
inquestionável a indiferença da
arquitetura moderna em relação aos
arredores das suas obras ou, melhor,
a falta
a a de recursos
ecu sos essenciais
esse c a s para
pa a
atendê-los devidamente.
Como base para o argumento,
comumente são usados episódios em
que tal situação não ocorre na
realidade; são simplesmente casos
em que a diferença ou o contraste
são interpretados como indiferença
ou desconsideração.

Pirâmide do Louvre - Ieoh Ming Pei


(Paris, 1983 - 1989)
Projeto, Lugar e Tempo
Teoria do Projeto – Helio Piñon

A idéia moderna de forma se baseia - como já se viu -


nas relações que constituem a estrutura organizativa
do objeto e, por extensão, do episódio espacial em que
surge.
Mas o conceito de relação é mais amplo que o de
coerência ou continuidade - qualidades típicas da
cidade tradicional -, o que não supõe enfraquecimento
dos vínculos que estruturam a realidade visual.

Ministério da Educação – Le Corbusier


(Rio, 1936)
Projeto, Lugar e Tempo
Teoria do Projeto – Helio Piñon

Mas o conceito de relação


é mais amplo que o de
coerência ou
continuidade - qualidades
típicas da cidade
tradicional -, o que não
supõe enfraquecimento
dos vínculos que
q
estruturam a realidade
visual.
Projeto, Lugar e Tempo
Teoria do Projeto – Helio Piñon

Portanto, se, numa ostentação


de anacronismo, projeta-se
sobre a cidade moderna os
valores de continuidade ou
coerência que determinam, no
melhor dos casos, os valores
da cidade tradicional, são
postos em evidência, por um
lado o desconhecimento do
lado,
fundamento formal da
modernidade e, por outro
lado, a incapacidade para
imaginar uma cidade diferente
dos arquétipos históricos mais
fotogênicos.

Hotel Cassino New York,


York New York – Las Vegas
Projeto, Lugar e Tempo
Teoria do Projeto – Helio Piñon

O edifício moderno tem um limite administrativo que não


costuma coincidir com seus confins espaciais: na
realidade,
lid d as relações
l õ que o definem
d fi só
ó se esgotam
t onde
d
a mirada já não alcança.
Portanto, o edifício moderno, mais que um objeto
delimitado e concluído, é um episódio urbano, por
ç , seja
definição, j porque
p q o edifício é p
proposto
p como um
universo peculiar que assume o entorno mediante sua
posição - Le Corbusier - seja porque a própria arquitetura
é concebida como um modo de habitar o mundo, sem
outras barreiras que as que determinam a proteção e o
controle climático - Mies van der Rohe.

Edifício Seagram (Mies van der Hoe:


Nova Iorque – 1954 / 1958)
Projeto, Lugar e Tempo
Teoria do Projeto – Helio Piñon

A arquitetura moderna altera a ênfase do ideal classicista de coerência -


entendida como harmonia -, que induz à continuidade, para o de
consistência formal - que inclui a oposição e o contraste -, o qual propicia a
diferença.
Projeto, Lugar e Tempo
Teoria do Projeto – Helio Piñon

A noção convencional de forma, vinculada à idéia de


arquétipo sancionado pela história, é substituída na
arquitetura moderna pela de estrutura implícita que
o sujeito tem que reconhecer.
Não basta, pois, identificar continuidades; é
necessário perceber relações por meio de juízos
visuais irredutíveis à mirada comum.
Projeto, Lugar e Tempo
Teoria do Projeto – Helio Piñon

Villa Savoye
(Le Corbusier: França, 1931)

A arquitetura moderna altera a ênfase do ideal classicista de coerência - entendida como harmonia -,
que induz à continuidade, para o de consistência formal - que inclui a oposição e o contraste -, o
qual propicia a diferença.
A noção convencional de forma, vinculada à idéia de arquétipo sancionado pela história, é
substituída na arquitetura moderna pela de estrutura implícita que o sujeito tem que reconhecer.
reconhecer
Não basta, pois, identificar continuidades; é necessário perceber relações por meio de juízos visuais
irredutíveis à mirada comum.
Projeto, Lugar e Tempo
Teoria do Projeto – Helio Piñon

A cidade moderna é
necessariamente diferente,
não tanto pelo aspecto dos
seus edifícios
difí i quantot pela
l
natureza distinta das relações
que os vinculam para
construir espaços urbanos de
qualidade superior.
O Federal Center, de Mies
van der Rohe, é uma mostra
exemplar de como a coesão
não só é compatível com a
ç como de algum
diferença, g
modo a necessita.
A identidade do espaço que
constroem os três edifícios é
tão potente que, mais do que
se alterar com a passagem
da South Dearborn St, entre
eles, deve a essa
circunstância parte da sua
intensidade urbana.

Federal Center – Mies van der Hoe


(Chicago, 1951)
Projeto, Lugar e Tempo
Teoria do Projeto – Helio Piñon

Porém, a arquitetura moderna


é comumente confundida com
um estilo
estilo, exclusivista e
arrogante, que trata de se
impor sem atenção aos
entornos que o acolhem.
Desde essa perspectiva, a
presumida falta de urbanidade
essencial da arquitetura
moderna é mais uma
manifestação de
insensibilidade que uma
demonstração de falta de
cultura.
Com efeito, não é preciso ser
um experto em teoria da
forma para apreciar que a
arquitetura concebida com
critérios modernos introduz
variáveis na sua constituição
que impedem a sua redução a
g
uma mera figuratividade
alheia e distante da cidade de
antes.

Museu de Arte Contemporânea –


Richard Meyer (Barcelona,
(Barcelona 1995)
Projeto, Lugar e Tempo
Teoria do Projeto – Helio Piñon

De qqualquer
q modo,, a objeção
j ç tem origem
g nas atitudes
historicistas que entendem a modernidade como uma
mera sistematização do projeto, com vistas a
encontrar um "método" capaz de assegurar "a
passagem da função à beleza":
são palavras de EE. N.
N Rogers,
Rogers teorizador das " pré-
existências ambientais", doutrina que deu lugar à
estilização e ao pastiche como "modo de recuperar a
história" da qual a modernidade parecia ter se
distanciado definitivamente.

Venice Hotel (Las Vegas)


Projeto, Lugar e Tempo
Teoria do Projeto – Helio Piñon

Não é necessário insistir que na sua posição há uma


redução da noção de história a determinadas cenografias,
nem apontar a superficialidade da idéia segundo a qual a
história é constituída por continuidades,
continuidades não por rupturas.
rupturas
Desde essa perspectiva, cada um dos momentos que
configuraram a estrutura do processo histórico - do
classicismo ao romantismo - suporiam um rechaço da
própria história, por haverem propiciado a ruptura com o
passado
d em vez de d celebrar
l b suas imagens
i mais
i tópicas.
tó i
Entretanto, inclusive em termos do que pode ser
classificado como atributos plásticos da arquitetura -
materiais, texturas, cores -, a modernidade deu mostras de
ç
como enfrentar situações nas qquais a contigüidade
g p
pode ser
resolvida sem renúncias nem pastiches:
o edifício da Pepsi-Cola (1960), em Nova York, e a Albright-
Knox Art Gallery (1962), em Buffalo, ambos de G.
Bunschaft (SOM), são uma mostra exemplar de integração
entre o velho e o novo na qual a contigüidade intensifica
uma relação sábia e sensível, que desmente o falso lugar
comum do qual parte esta reflexão.

Pepsi Cola Building – SOM (N. York, 1960)


Projeto, Lugar e Tempo
Teoria do Projeto – Helio Piñon

De qualquer
D l modo,
d a objeção
bj ã
quanto à falta de urbanidade da
arquitetura moderna parece uma
censura que já perdeu o ímpeto:
o âmbito ideológico e estilístico
de onde surgiu - há mais de
quarenta anos - proporcionou o
caldo de cultura em que
cresceram e se desenvolveram as
doutrinas e conjeturas que
celebram com suas
extravagâncias a manifesta
degradação progressiva do
entorno artificial.
Do pastiche historicista passamos
aos bibelôs pós-modernos,
mudando apenas a ótica da
mesma mentalidade: a renúncia
à forma como sistema de
relações que confere identidade à
obra
b d de arquitetura
i situa
i a ênfase
ê f
do projeto na aparência -
identidade sem esforço e
surpreendente para o incauto -, o
que aproxima o sentido estético
Edifício dos Serviços Públicos – Michael Graves d d
da decoraçãoã historicista
hi t i i t das
d
Portland (1980 – 82) ninharias reconstruídos; suas
diferenças são meramente
folclóricas.
Projeto, Lugar e Tempo
Teoria do Projeto – Helio Piñon

Se o problema é considerado desde a observação


da realidade, a atenção ao entorno perde toda
dimensão estética para converter-se em um
problema de urbanidade - no sentido genuíno do
termo -, isto é, de bons modos.
Grande parte da arquitetura que nas últimas
décadas foi favorecido pelas publicações - e seu
reflexo nas escolas mais desorientadas - baseia sua
notoriedade, em alguns casos, em obliqüidades
compulsivas que transgridem qualquer diretriz mais
ou menos estabelecida, sem outro critério de ordem
que a assimilação dos percursos humanos a canais
de fluidos de consistência duvidosa; em outros, na
ep odução de dob
reprodução dobras,
as, e
erupções
upções vulcânicas
u câ cas e
cataclismos, em geral.
Em ambos os casos, emoções fortes para excitar a
Edifício dos Serviços Públicos – Michael Graves
mirada tosca de espíritos insensíveis porém
Portland (1980 – 82) inquietos, sugeridos e legitimadas teoricamente
pela leitura precipitada – assombrem-se!
assombrem se! - de um
psicólogo francês. O desgosto que manifestam tais
fantasias merece uma sanção administrativa, não
uma repulsa teórica, pelo que não insistirei mais
nisso.
Projeto, Lugar e Tempo
Teoria do Projeto – Helio Piñon

É na relação do edifício com seus arredores onde fica


mais em evidência a insuficiência de estilismos e
fantasias invertebradas para abordar a arquitetura: no
modo de mirar e responder à cidade é posta à prova a
dialética entre sentido comum e sentido da forma que
caracteriza todo projeto de arquitetura autêntica.
O projeto moderno não apenas atende à vizinhança do
edifício como não pode prescindir da sua consideração,
se quiser usar suas possibilidades de síntese por meio da
forma. As condições do lugar - na medida em que
estimulam e ao mesmo tempo limitam a concepção - são
um elemento essencial para a identidade do edifício; a
maioria dos projetos exemplares da modernidade não
serão
se ão entendidos
e te d dos sem
se uma
u a sutil
sut mas
as intensa
te sa
consideração do entorno.
Os grandes arquitetos - Mies van der Rohe à frente -
Museu de Arte Contemporânea
converteram os arredores nos grandes protagonistas dos
Oscar Niemeyer (Niterói, Rio -1996)
seus projetos: basta consultar, a esse respeito, Mies y Ia
consciéncia del entorno (Col.
(Col Arquithesis),
Arquithesis) de Cristina
Gastón, para comprovar até que ponto - e de que modo
- uma arquitetura habitualmente considerada
exclusivista e distante incorpora os arredores como
elemento essencial da constituição dos seus edifícios.
Projeto, Lugar e Tempo
Teoria do Projeto – Helio Piñon

A questão do entorno é, portanto, um falso problema: se


atuamos com os critérios de forma que a modernidade
inaugurou, nenhuma atenção específica é requerida, pois
já está implicitamente contida nas condições de síntese.
O que é exigido, isso sim, é que se atue com outra idéia
de cidade como marco de referência do projeto: uma
cidade entendida como cenário ativo, baseada na
atividade sensitiva do cidadão, e não como cidade
concebida como cenário harmonioso, construído à base
de arremedos e biscates, que será vivido
irremediavelmente como mais um parque temático, por
cidadãos com a alma disponível, devido aos efeitos de
uma síndrome de turista generalizado.

Museu de Arte Contemporânea


Oscar Niemeyer (Niterói, Rio -1996)
Projeto, Lugar e Tempo
Teoria do Projeto – Helio Piñon

A cidade moderna é necessariamente


diferente, não tanto pelo aspecto dos
seus edifícios quanto pela natureza
distinta das relações que os vinculam
para construir espaços urbanos de
qualidade superior.
O Federal Center, de Mies van der Rohe,
é uma mostra exemplar de como a
coesão não só é compatível com a
diferença, como de algum modo a
necessita.
A identidade do espaço que constroem
os três edifícios é tão potente que, mais
do que se alterar com a passagem da
South Dearborn St, entre eles, deve a
essa circunstância parte da sua
intensidade urbana.

Federal Center – Mies van der Hoe


(Chicago, 1951)
Projeto, Lugar e Tempo
Teoria do Projeto – Helio Piñon

A idéia moderna de forma se baseia -


como já se viu - nas relações que
constituem a estrutura organizativa do
objeto
bj e, por extensão,
ã do d episódio
i ódi
espacial em que surge. Mas o conceito de
relação é mais amplo que o de coerência
ou continuidade - qualidades típicas da
cidade tradicional -, o que não supõe
enfraquecimento
f i t dos
d vínculos
í l que
estruturam a realidade visual.
Portanto, se, numa ostentação de
anacronismo, projeta-se sobre a cidade
moderna os valores de continuidade ou
coerência que determinam, no melhor dos
casos, os valores da cidade tradicional, são
postos em evidência, por um lado, o
desconhecimento do fundamento formal da
modernidade e, por outro lado, a
incapacidade para imaginar uma cidade
diferente dos arquétipos históricos mais
fotogênicos.

Venice Hotel (Las Vegas)


Projeto, Lugar e Tempo
Teoria do Projeto – Helio Piñon

O edifício moderno tem um limite administrativo


que não costuma coincidir com seus confins
espaciais:
i i na realidade,
lid d as relações
l õ que o definem
d fi
só se esgotam onde a mirada já não alcança.
Portanto, o edifício moderno, mais que um objeto
delimitado e concluído, é um episódio urbano, por
ç , seja
definição, j porque
p q o edifício é p
proposto
p como
um universo peculiar que assume o entorno
mediante sua posição - Le Corbusier - seja porque
a própria arquitetura é concebida como um modo
de habitar o mundo, sem outras barreiras que as
que determinam a proteção e o controle climático
- Mies van der Rohe.
A arquitetura moderna altera a ênfase do ideal
classicista de coerência - entendida como
harmonia -, que induz à continuidade, para o de
consistência formal - que inclui a oposição e o
contraste -, o qual propicia a diferença.
A noção convencional de forma, vinculada à idéia
de arquétipo sancionado pela história, é
substituída na arquitetura moderna pela de
estrutura
t t iimplícita
lí it que o sujeito
j it ttem que
reconhecer. Não basta, pois, identificar Pirâmide do Louvre - Ieoh Ming Pei
continuidades; é necessário perceber relações por (Paris, 1983 - 1989)
meio de juízos visuais irredutíveis à mirada
comum.

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