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1
Ver essas discussões em: ARRUDA, Gilmar. Cidades e Sertões – entre a história e a memória.
Bauru: Edusc, 2000 e AMADO, Janaína. História e Região: reconhecendo e construindo
espaços. In: SILVA, Marcos (org). Repúblicas em Migalhas: história regional e local. São Paulo:
Marco Zero, 1990.
2
AMADO, Janaína, Op. Cit., p. 149.
3
AMADO, Janaina. Região, Sertão, Nação. In: Estudos históricos. V. 8, nº 15. Rio de Janeiro,
1995, p. 146.
4
SAINT-HILAIRE, Auguste de. 1937. Viagem às nascentes do rio São Francisco e pela província
de Goiás. Tomo 2. São Paulo: Cia. Editora Nacional, s/d.
No Brasil, essa categoria foi se transformando com os
conceitos portugueses. Os espaços desconhecidos considerados como
“sertões” precisavam, como salientamos acima, de seu opositor. Se
lembrarmos que a colonização brasileira deu-se exclusivamente pelo litoral,
onde se formaram as primeiras e principais cidades (Salvador e Rio de
Janeiro), não fica difícil de imaginar que o oposto de “sertão” seria o litoral. A
costa brasileira, considerada como o lugar de desenvolvimento; e “mato
adentro”, o inóspito, o desconhecido, logo, o “sertão”. 5
O local de onde emanava o conceito de “sertão” teria o
significado relativo ao sujeito que o enunciava. A questão era que o “sertão”
nunca era à parte de onde se emitia o enunciado, o “sertão” era sempre o
outro, o longe. Mesmo distante do litoral, quando as frentes colonizadoras
foram “adentrando” o Brasil, o “sertão” carregava em seu bojo uma outra
definição: a de vazio demográfico.
A conceitualização desses termos, “vazio demográfico”,
“sertão”, “região”, está diretamente relacionada à tentativa de se construir algo
ainda mais problemático no Brasil, ou seja, definir o que é uma “nação”. 6 Nos
relatórios dos presidentes da Província do Paraná, nas décadas que
compreendem 1854-1874, todo território que não fosse arredor de Curitiba era
considerado sertão, que significava despovoado, desconhecido e longínquo. 7
Como decorrência, essas áreas foram consideradas por muitos da época e por
historiadores que trataram desse tema, como vazias demograficamente, isto é,
sem nenhuma população existente. Nota-se que essa definição seguia a
5
Temos que levar em consideração um outro significado de “sertão”. Se, para a grande
maioria, a palavra estava carregada de sentidos negativos, para os degredados, os
‘desclassificados’ – para utilizar a expressão dada por Laura de Mello e Souza em Os
Desclassificados do ouro, o “sertão” representava “(...) liberdade e esperança; liberdade em
relação a uma sociedade que os oprimia, esperança de outra vida, melhor, mais feliz. Desde o
início da história do Brasil, portanto, ‘sertão’ configurou uma perspectiva dual, contendo, em
seu interior, uma virtualidade: a da inversão”. AMADO, Janaina, Op. Cit, p. 153.
6
NISHIKAWA, Reinaldo. Identidade nacional ou identidade regional?: O sentido de nacionalidade
no conto “O espelho” de Machado de Assis. In: Revista Métis. V. 2, nº 4. Caxias do Sul: Educs,
2003, p. 133-153.
7
Etimologicamente, “território” significa “vigilância” e não tem relação com a terra em si. Assim,
quando relacionamos o termo identidade com território, significa que identidade está ligada à
vigilância sobre o espaço em que é produzida essa identidade. Da mesma maneira, a palavra
“cultura” vem de cultivar, criar um habitat. Território e cultura estão interligados ao espaço em
que é produzido esse discurso.
mesma levantada por Saint-Hilaire, citada anteriormente. É possível perceber,
através do mapa de habitantes de 1866, que na Província do Paraná havia
poucos lugares habitados pelos “colonizadores”.
O vazio é a ausência de brancos colonizadores. Os índios
faziam parte da paisagem local, assim como os animais e as árvores. A
colonização teria o sentido de povoar esses “vazios”. Segundo Laura Antunes
Maciel, esse vazio pode ser definido como:
8
MACIEL, Laura Antunes. A nação por um fio – caminhos, práticas e imagens da “Comissão
Rondon”. Tese de doutoramento. São Paulo: PUC/SP, 1997, p. 127.
9
Ver especialmente o capítulo de Soares, Carlos Eugenio Líbano. Festa e violência: os
capoeiras e as festas populares na corte do Rio de Janeiro (1809-1890). In: CUNHA, Maria
Clementina (org). Carnavais e outras f(r)estas. – ensaios de história social da cultura.
Campinas: Ed Unicamp, Cecult, 2002, p.281-310.
província, interessadas em combater os excessos de uma ociosidade
condutora em potencial à criminalidade”. 10
O incivilizado, o outro, era todo aquele que não participava ou
não se integrava à ordem vigente da sociedade em questão. Essa visão
mudaria conforme se deslocava o enunciante de tal afirmação. Laura de Mello
e Souza tratou dessa relação ambígua, no qual aquela pessoa, ou aquele
grupo de pessoas que não se interagiam ou se enquadravam a um
determinado padrão imposto pela sociedade, era “isolado” da sociedade, era
desclassificado:
10
PENA, Eduardo Spiller. O jogo da face: a astúcia escrava frente aos senhores e à lei na
Curitiba provincial. Curitiba: Aos quatro ventos, 1999, p. 02.
11
Ver principalmente: SOUZA, Laura de Mello. Desclassificados do ouro – a pobreza mineira no
século XVIII. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1986; da mesma autora: O diabo e a Terra de
Santa Cruz. São Paulo: Cia. Das Letras, 1986 e Inferno Atlântico – demonologia e colonização.
Séculos XVI – XVIII. São Paulo: Cia. Das Letras, 1993.
que têm em vista determinar a representação mental que os outros
podem ter destas propriedades e dos seus portadores. 12
12
BOURDIEU, Pierre. A identidade e a representação. Elementos para uma reflexão crítica sobre
a idéia de região. In: O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p. 112.
13
BOIS, Paul. Paysans de l´Ouest, des structures economiques et sociales aux options
politiques depuis l´époque révolutionnaire. Paris-Haia: Mouton, 1960.
14
BOURDIEU, Pierre. Op. cit., 114.
15
Idem, p. 116.
16
ANDREAZZA, Maria Luiza. Paraíso das delícias – estudo de um grupo de imigrantes
ucranianos – 1895-1995. Tese de Doutorado. Curitiba: UFPR, 1996, p. 79.
equivale a dizer que ao se formar uma “região”, os grupos ali envolvidos
criaram dentro de suas diferenças, uma identidade a fim de caracterizá-los
enquanto um grupo, e diferenciá-los em relação aos demais. A identidade
criada pelos paranaenses visava a eliminar as diferenças entre as diversas
etnias existentes dentro das colônias paranaenses, com o intuito de exaltar
uma unidade que os diferia das demais províncias. Era o discurso de uma
“democracia racial”, onde negros, brasileiros, alemães, holandeses, poloneses,
franceses, dentre outras etnias, estavam harmonicamente convivendo dentro
de um mesmo espaço.
O historiador Eric Hobsbawm defende que esses sentimentos
de pertencimento à sua pátria estão diretamente ligados às formas com que
esses sujeitos mantêm relações com os diferentes grupos que os circundam.
Dentro do país ou de uma colônia você pode ser um imigrante se
“abrasileirando”, tanto pelos costumes (língua, por exemplo), quanto
legalmente (pela naturalização).
17
HOBSBAWM, Eric. Qual é o País dos Trabalhadores? In: Mundo do Trabalho – novos estudos
sobre a história operária. 2ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1988, p. 79.
Há, dessa forma, uma disputa no controle dessa história
vigiada, utilizando uma expressão de Marc Ferro. Esse discurso envolvia tanto
o campo de atuação oficial, como a própria população exaltava esse tipo de
visão, pois:
18
FERRO, Marc. A História Vigiada. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.01
19
ARRUDA, Gilmar. História, historiadores, regiões e fronteiras. Mimeo, 2002, p. 03.
20
ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. São Paulo: brasiliense, 1989.
21
ARRUDA, Gilmar. Op. cit. p. 03.
ainda era desconhecido, não mapeado, um “enorme sertão”. O governo, na
tentativa de manter essa hegemonia, tratou de demarcar territórios, como no
caso do Paraná, que enfrentava esse problema interna e externamente.
Internamente, disputava território com Santa Catarina 22; externamente, a
colonização tinha como uma de suas finalidades, a proteção de áreas que
faziam limites territoriais com outros países. 23
A questão do conceito de lugar pode ser entendida por sua
presença através de um comportamento social culturalmente mediado em
contextos geográficos específicos. Como afirma Robinson, “lugar é sinergista:
ele é criado e cria; lugar é construído, destruído e transformado por indivíduos
e/ou grupos corporativos de nível mais alto dentro de contextos culturais
específicos”. 24
22
A disputa de limites entre Santa Catarina e Paraná começou quando este último se
desmembrou de São Paulo, em 1853, e seus limites estendiam-se até o Rio Grande do Sul, às
margens do rio Uruguai. Porém, não havia ainda um acordo de fronteiras entre Paraná e Santa
Catarina. Nesse mesmo ano, as autoridades paranaenses investem fundo contra Santa
Catarina, fixando os limites do leste pelo rio Canoinhas até a região de Lages, surgindo o
primeiro conflito pela posse de terras entre os dois estados. A ação foi ganha por Santa
Catarina em 1904, mas o Paraná recorreu, perdendo novamente em 1909 e 1910. Embora
resolvida judicialmente, a questão perdurou até 1916, quando os governadores Felipe Schmidt,
de Santa Catarina e Afonso Camargo, do Paraná, por intermédio do Presidente da República
Wenceslau Braz, assinaram um acordo estabelecendo os limites atuais entre os dois estados,
ficando o Paraná com 20 mil e Santa Catarina com 28 mil km² do território em litígio. Ver:
SACHET, Celestino; SACHET, Sérgio. O Contestado. Histórias de Santa Catarina.
Florianópolis: Século Catarinense, 2001.
23
A construção e a formação dos territórios no Brasil teve a participação dos viajantes, que
construíram uma narrativa sobre o território e sua gente. Cf.: SÜSSEKIND, Flora. O Brasil não é
longe daqui – o narrador, a viagem. São Paulo: Cia. Das Letras, 1990; PAZ, Francisco. Na
poética da história: a realização da utopia nacional oitocentista. Curitiba: Ed. UFPR, 1996 e
MAGNOLI, Demétrio. O corpo da pátria: imaginação geográfica e política externa – 1808-1912.
São Paulo: Edusp, 1997.
24
ROBINSON, David. A linguagem e o significado de lugar na América Latina. In: Revista de
História. Nº 121. São Paulo: Edusp, 1989, p. 68.
Fonte: 10/07/1915. Anno 08 – Caretaz – Grande Prêmio na Exposição Nacional de 1908. A
questão dos limites foi ironizada pela imprensa carioca. Apud: Projeto Paraná 150 anos.
Curitiba, 2004, p. 32. Endereço on-line: http://www.pr.gov.br/def