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UNIDADE

5 EDUCAÇÃO LITERÁRIA
Sonetos completos, de Antero de Quental

SONETOS COMPLETOS
Antero de QuentAl

IDEAL NO CIRCO
Aquela que eu adoro não é feita Muito longe daqui, nem eu sei quando,
De lírios nem de rosas purpurinas, Nem onde era esse Mundo, em que eu vivia…
Não tem as formas lânguidas, divinas, Mas tão longe… que até dizer podia
Da antiga Vénus de cintura estreita… Que enquanto lá andei, andei sonhando…

Não é a Circe, cuja mão suspeita Porque era tudo ali aéreo e brando,
Compõe filtros mortais entre ruínas, E lúcida a existência amanhecia…
Nem a Amazonas, que se agarra às crinas E eu… leve como a luz… até que um dia
Dum corcel e combate satisfeita… Um vento me tomou, e vim rolando…

A mim mesmo pergunto, e não atino Caí e achei-me, de repente, envolto


Com o nome que dê a essa visão, Em luta bestial, na arena fera,
Que ora amostra ora esconde o meu destino… Onde um bruto furor bramia solto.

É como uma miragem que entrevejo, Senti um monstro em mim nascer nessa hora,
Ideal, que nasceu na solidão, E achei-me de improviso feito fera…
Nuvem, sonho impalpável do Desejo… — É assim que rujo entre leões agora!

MORS LIBERATRIX MORS-AMOR


A Luís de Magalhães
Na tua mão, sombrio cavaleiro,
Cavaleiro vestido de armas pretas,
Esse negro corcel, cujas passadas
Brilha uma espada feita de cometas,
Escuto em sonhos, quando a sombra desce,
Que rasga a escuridão, como um luzeiro.
E, passando a galope, me aparece
Da noite nas fantásticas estradas,
Caminhas no teu curso aventureiro,
Todo envolto na noite que projetas…
Donde vem ele? Que regiões sagradas
Só o gládio de luz com fulvas betas
E terríveis cruzou, que assim parece
Emerge do sinistro nevoeiro.
Tenebroso e sublime, e lhe estremece
Não sei que horror nas crinas agitadas?
— «Se esta espada que empunho é coruscante
(Responde o negro cavaleiro andante),
Um cavaleiro de expressão potente,
É porque esta é a espada da Verdade:
Formidável, mas plácido, no porte,
Vestido de armadura reluzente,
Firo mas salvo… Prostro e desbarato,
Mas consolo… Subverto, mas resgato…
Cavalga a fera estranha sem temor:
E, sendo a Morte, sou a liberdade.»
E o corcel negro diz: «Eu sou a Morte!»
Responde o cavaleiro: «Eu sou o Amor!»

Antero de QuentAl, Sonetos, org., introd. e notas


de Nuno Júdice, Lisboa, IN-CM (2002).

282 ENTRE NÓS E AS PALAVRAS • Português • 11.o ano • Material fotocopiável • © Santillana

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