Você está na página 1de 6

A Iniciação

A Praticka Mágicka começa, obviamente, pelo começo, e esse


começo é a iniciação. Quem começa as prátickas, em regra, é chamado
de noviço ou iniciado, com ênfase em iniciado, porque, obviamente,
passou por uma iniciação no grande mistério.
Ora pois, se a iniciação é necessária e fundamental para a
prática, como bulhufas fazemos a iniciação.
Grant Morrison propõe que você simplesmente diga “EU SOU
UM MAGISTA” e está terminada a sua iniciação. Gosto e sou
profundamente influenciado por Grant Morrison (assim como por Peter
J. Carroll), mas isso não significa seguir o que dizem a risca, sem começar
com apontamentos e questionamentos.
De outro lado, temos a corrente discordantista (e outras
correntes), que no tocante a iniciação devemos passar a nos identificar
como pratickantes do chaos e propondo até modelos específicos de
carteirinhas que cheiram a documento de iniciação tal qual a Carteirinha
OAB (que eu possuo e inclusive pago anuidade).
Modéstia à parte, sinceramente falando, por quem teve que
passar por mais de uma iniciação, acredito estar apto e capaz de opinar
sobre tal assunto.
Bom, nem tão ao mar, mas nem tanto à terra, a iniciação é
como vadear na praia. Não é algo tão simples e repentino como proposto
por Morrison, nem tanto solene quanto proposto por correntes religiosas
mais fechadas, nem tão formal a ponto de emitir um documento que
comprove a sua qualidade de iniciado.
Ou na verdade é tudo isso um pouco. Mas vamos então
prosseguir. A iniciação começa com o desejo e compromisso de,
obviamente, se tornar um pratickante. Talvez por isso eu tenha criado o
Meu EU Magicko antes desse volume, da leitura dele, se pode escolher se
vai ser mago, bruxo, feiticeiro, macumbeiro, mestre pokemon, lanterna
verde ou usuário ou qualquer coisa que queira se chamar. Mas o fato é
esse, a iniciação começa com a vontade de se tornar um <insira a classe
de pratickante aqui> e com o compromisso em ser isso.
Morrison propõe que siga com a afirmação de, por exemplo:
“sou um lanterna verde” – e bingo, a partir daí você uniu vontade à ação
e se tornou efetivamente um pratickante (no caso, um Lanterna Verde).
Mas eu ouso discordar de Morrison, isso não basta.
Claro, não vou concordar com as fantasias monásticas de
ordens que requerem uma iniciação secreta feita por um alto sacerdote
que tenha longas barbas brancas e a proporção de 30% do total de seus
cabelos.
Mas um momento cerimonial é necessário, para testar a sua
própria resolução em tornar-se um pratickante. Uma cerimonia é
recomendável, mas nada do que está imaginado. E é essa cerimônia que
vai fazer o proposto por Morrison, de unir intenção a ação.
Como então se faz essa cerimônia, já que altos sacerdotes
luciferianos do 7º círculo do inferno e sacerdotisas sombrias da lua estão
em falta? Bom começamos pelo começo. A iniciação é tão simples quanto
pegar um livro em uma estante de biblioteca. Tem a intenção de pegar o
livro, mas você sai de casa, vai até a biblioteca e tira o livro.
Veja, é basicamente essa a cerimônia proposta, não pegar um
livro aleatoriamente, caso não tenha entendido a metáfora, mas marcar
um momento em que essa transição de pessoa comum a pessoa iniciada.
A maneira de fazer isso é escolher um momento cerimonial, algo
que queira fazer e determinar que antes de fazer você não é iniciado, e
após fazer é. Pra quem gosta de festa e bebedeira, minha sugestão é
entrar na balada não iniciado e sair iniciado, afinal, estamos renascendo
para a magia, e por que não fazer isso festejando.
Se é um consumista desenfreado, aquela tarde de compras
pode ser a sua iniciação. Se é alguém que prefere um rito, pode escolher
um rito de auto-iniciação e realizar, sinceramente, o que é importante é
ter uma marcação, uma milestone, que diga que a partir desse momento
você entra como um não praticante e sai um praticante, é tão meramente
simbólico que pode se apenas passar por uma porta em específico.
O motivo pelo qual eu estou sendo bastante insistente nessa
questão cerimonial é, porque, quando se deve passar por mais de uma
iniciação, esse momento é fundamental, pois representa um rompimento
com aquilo que era e a certeza daquilo que vai ser.
A mudança iniciática, a iniciação, é, no final das contas, o
momento em que se deixa tudo o que você era para trás, e assume um
novo ser, o seu ser ligado a magia.
Se quiser, formalmente, pode fazer um manifesto, uma
declaração, uma carteirinha ou até um cartão de visitas que diga o que
você se tornou. Isso, a questão de formalidade e solenidade é inteiramente
escolha sua. O que deve acontecer é esse momento de mudança.
Declare Independência!
Depois da iniciação, começam as práticas iniciáticas. As
práticas iniciáticas são, basicamente aquilo que deve ser praticado no
início para adquirir controle sobre o seu novo poder.
Não se engane, na sua iniciação o Poder passou a ser seu, então
não tema, e assuma esse poder, e, como diz o nosso mais recente título,
declare independência!
Sim, declare independência. Magia em geral, e a Chaos Magick
são, antes me mais nada, são atos de rebelião contra o status quo. Sim,
de fato, um dos requisitos para se usar o Poder é não se conformar com
as coisas como são, e o compromisso é de usar essa ferramenta
justamente como ponto de resistência à permanência. Mágicka é, antes
de mais nada, mudança, é caos, é o rompimento da ordem.
Portanto, a primeira e mais importante prática iniciática é
declarar independência. Se tiver dúvida, pode buscar conceitos de
independência, de como viver fora do sistema, de como mudar o status
quo em qualquer fonte que prefira, eu, no entanto, vou oferecer a minha
fonte de inspiração para esse passo que deve ser realizado diariamente.
A canção Declare Independence1 da Björk é um bom manifesto
e guia para essa prática, ela nos diz o que devemos fazer para não sermos
parte daquilo que, obviamente, não desejamos ser.
Em linhas rápidas, a canção diz para declarar independência,
não deixar os outros fazer isso por você, criar sua própria bandeira,
fundar seu país, proteger sua própria língua e criar sua moeda.
Isso não significa que você vai botar uma alfândega própria e
declarar seu quarto/sua casa, um território soberano e independente
(mas se quiser pode), mas significa uma rejeição ao status quo, as coisas
como são.
É mais uma autoafirmação de que se está adotando e
abordando a mágicka e práticka como um ato de rebeldia contra aquilo
que está e como está.
Nesse ponto, o exercício é menos lúdico que a iniciação, mas é
um convite a imaginação. Tire um tempo e se veja criando e governando
esse país seu, se veja governando esse país, atribua características a ele.
Desenhe uma bandeira para essa nação independente (esse é seu
primeiro sigilo – na parte de iniciação à sigilos vou voltar a isso). Desenhe
uma moeda, dê um nome pra ela. Eleja (ou crie) uma língua para essa
nação, e proteja essa língua das línguas alienígenas (vamos voltar
também na importância desse exercício em particular).

1 https://www.youtube.com/watch?v=4P5xSntVWQE
Agora que você deu características a esse lugar onde você é
totalmente independente e não deve nada para ninguém, permaneça um
instante nele, sinta essa liberdade absoluta. Vá para o seu lugar feliz e, é
claro, crie também seu papel nesse lugar feliz.
Você, neste lugarzinho, pode ser o herói, e seu cavalo só falava
inglês2, o rei, governante supremo, o príncipe encantado, a rainha má, a
princesa em perigo, experimente e deixe sua mente criar sua autoimagem
residual nesse lugar, se observe por dentro e por fora, e aproveite
conhecer suas características (esse tópico também vai voltar). Se permita
ser o que tiver vontade.
Nesse lugar, lembre-se: “Faça o que desejar, pois tudo o que
desejas é a lei”. O que nos leva ao próximo ponto das práticas iniciáticas.

2 https://www.youtube.com/watch?v=596g2wg4uXQ
Nada é verdadeiro. Tudo é permitido.
Laa shay'a waqi'un moutlaq bale kouloun moumkine – a
sabedoria do nosso credo se revela nessas palavras. OK, eu admito que
boa parte de vocês pode não ter entendido esse começo, e que bom que
não entenderam. Contextualizando, essa frase é o credo dos assassinos
de Assassin’s Creed, que se traduz como Nulla reale. Tutti lecito. – ou,
Nada é verdadeiro. Tudo é permitido.
Antes de mais nada, a gravidade ainda é uma coisa, você não
pode voar. Nem pense em repetir essa frase e pular da janela, pelo menos,
não agora.
A partir da iniciação e da declaração de independência podemos
perceber que a realidade é uma falsidade, uma impressão de forças
maiores que nós mesmos que nos obriga a perceber as coisas de uma
forma. A realidade, enquanto existência natural é, nada mais, do que
uma limitação imposta dentro de nossas mentes.
Entender isso é fundamental. Dizer que nada é verdadeiro não
é negar a realidade, nem tampouco afirmar essa falsidade. Isso está
reservado para exercícios muito além dos exercícios iniciáticos que
proponho. Mas repetir essa primeira frase é entender que existem tantas
realidades quanto existem consciências no mundo, e todas elas são,
ligeiramente diferentes das outras, ainda que percebendo os mesmo
fenômenos existenciais.
A realidade, de fato, está na forma como interpretamos os
fenômenos físicos da existência, e como ordenamos eles para fazer
sentido do mundo físico.
Eu digo, sem medo algum, que a forma como percebemos o
mundo físico depende de seis sentidos. Visão, audição, tato, olfato e
paladar, esses cinco sentidos nos permitem perceber o mundo físico,
enquanto a consciência, o suposto sexto sentido, nos permite ordenar no
tempo e espaço o que é percebido, ajudando a, de forma racional,
perceber presente, passado e futuro.
Ao elevarmos nossa consciência, podemos compreender que
não existe uma ordem natural ou uma relação direta entre os fenômenos,
mas apenas a nossa percepção, pelos demais sentidos (que podem ser
enganados) temperada pelas nossas experiências prévias e os
sentimentos que elas atribuem.
Isso quer dizer que, a realidade é um mega mix de estímulos
físicos e sentimentos, que apenas percebemos de forma superficial, sem
experimentar a totalidade da realidade.
E aí o exercício imaginativo da declaração de independência
vem nos ensinar que tudo é permitido, a partir do momento que
percebemos que podemos controlar a percepção de realidade através
justamente do controle da percepção que a consciência impõe, nos
livrando do terrível escotoma que nossos sentimentos impõem a realidade
apreendida pelos nossos sentidos ordinários.
Esse exercício, em si, não se trata de mera negação da
realidade, mas de compreender que a realidade como percebida só existe
para você, e que você detém o controle dessa realidade, de uma forma ou
outra, e que a escolha (que já foi feita na iniciação) de assumir o controle
e determinar como ela deve se comportar é totalmente possível.
Por fim, a parte alta do exercício é o questionamento. Neste
ponto, eu convido ao pratickante que lê a questionar tudo o que lê aqui e
a não tomar como verdade. Na verdade, o convite é a questionar
absolutamente tudo, desde o porquê as coisas são, até mesmo as razões
que levaram algo a ser feito.

Você também pode gostar